I - A perícia distingue-se de um exame, uma vez que neste, enquanto meio de obtenção de prova, o que se requer é a pura descrição do objeto de prova examinado, em funcionamento, ou não, em resultado da observação presencial feita pelo examinador, a quem se exige que o descreva, fazendo menção dos pormenores captáveis pelos sentidos, já no caso de uma perícia, que é ela própria um meio de prova, visa-se a aplicação de especiais conhecimentos técnicos ou científicos a determinado objecto da prova, para que, através dessa avaliação, possa concluir-se, com elevado grau de certeza, um facto até aí desconhecido. II - Tratando-se do resultado de um relatório pericial em que a aquisição probatória feita se reporta aos juízos técnicos formulados relativos ao modo de funcionamento das máquinas, quando activadas pelos códigos correspondentes ao software que têm incorporado, é absolutamente irrelevante alguém tê-las observado em efectivo funcionamento, pelo que a aplicação do valor probatório vinculado previsto no art.º 163.º do CPP está justificada. III - Independentemente da posição mais restrita ou mais ampla que possa defender-se sobre proibição de “conversas informais” havidas com os órgãos de polícia criminal, concretamente, se essa proibição só deve abranger as conversas posteriores à constituição de arguido e ou se deve abranger também as conversas que tiveram lugar antes dessa constituição, constitui entendimento consolidado da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores o de que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos que constataram, no âmbito das diligências efetuadas, durante a fase investigatória ou de inquérito e ainda antes destas fases, na recolha de indícios de uma infração de que acabam de ter conhecimento, competindo-lhes “praticar os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, nomeadamente, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (cf. artigo 250º, n.º 1 e n.º 2, al. b) e artigo 250º, n.º 8, ambos do CPP), podendo, nesse contexto, as conversas tidas entre os órgãos de polícia criminal e essas pessoas, mesmo que, posteriormente, estas últimas, venham a assumir a qualidade de arguidos, e desde que não consubstanciem «declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe», ser reproduzidas em audiência de julgamento. IV - Nesta conformidade, nada impede que os órgãos de polícia criminal, arrolados como testemunhas, possam relatar em audiência de julgamento, designadamente, se, naquela fase, houve ou não colaboração por parte da pessoa que viria a ser constituída na qualidade de arguido, se esta forneceu ou não elementos, tais como documentos, que lhe hajam sido solicitados e as circunstâncias em que o fez.
Proc. nº 124/19.0EAPRT.P1 Recurso Penal Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3 Acordam, em audiência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. I. Relatório No âmbito do processo comum singular que, sob o nº 124/19.EAPRT, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Matosinhos, foi realizada audiência de discussão e julgamento e, a final, proferida sentença, datada de 13 de dezembro de 2022, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se: 1) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro: a. Na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) dias de multa; b. Na pena de 40 (quarenta) dias de multa. Efetuando o cúmulo material destas penas, condenar o arguido AA na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a quantia global de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros). 2) Declarar a máquina de jogo apreendida perdida a favor do Estado, e uma vez transitada em julgado esta decisão, a destruição deste objeto. 3) Condenar o arguido em custas processuais, fixando a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta. 4) Manter a medida de coação aplicada ao arguido - TIR. […]”. Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]: “a) A sentença ora recorrida está inquinada do vício do erro notório na apreciação da prova (fundamento bastante para o presente recurso, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do C. P. Penal), relativamente aos factos dados como provados nos pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 (elemento objetivo), 17 e 18 (elemento subjetivo); b) Não se poderia ter concluído, que a “máquina” apreendida nos autos estivesse apta e destinada a desenvolver jogos de fortuna ou azar, tão pouco que alguma vez tivesse desenvolvido quaisquer jogos de fortuna ou azar no estabelecimento comercial identificado nos autos e sob a égide do recorrente e, por outro lado, que o recorrente tivesse a efetiva consciência de que tal “máquina” era mais do que uma máquina de diversão com jogos do tipo “arcadia” e ainda simples pontos de acesso público à Internet (questão totalmente omissa na sentença recorrida, mas que era obrigatória ter sido analisada, em virtude de constituir um dos sub-elementos do elemento objetivo, determinável ou alcançável pela “perícia”); c) Conforme resulta das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pelo Ministério Público e que exercem a profissão de agentes da ASAE, foi dito que após a apreensão do material constituído por uma máquina com um computador inserido num móvel em madeira, obrigatória e legalmente teria o recorrente que ser constituído arguido e reduzido a escrito quaisquer declarações pelo mesmo prestadas de imediato, para que a tão famigerada valoração pretendida pelo Tribunal “a quo”, relativamente ao preenchimento do elemento objetivo e subjetivo, pudesse operar. A valoração levada a cabo pelo Tribunal “a quo” das declarações alegadamente prestadas pelo recorrente aos agentes da ASAE, em sede das fiscalizações é ilegal, ilícita e contrária à boa aplicação dos normativos processuais penais. d) Não há perícia válida; da análise do relatório assim denominado, em valor de prova pericial (fls. 131 a 141) tudo quanto ali vem vertido se baseia na experiência do subscritor do dito relatório dos autos, e em presunções e conclusões suas, e já não num qualquer facto objetivo e real verificado e observado pelo mesmo, como fosse o acesso aos jogos de fortuna ou azar e a sua colocação em funcionamento ou sequer a data da última execução de um dos quaisquer jogos de fortuna ou azar que relata, alegadamente, existir no interior do disco rígido do pc apreendido no interior da máquina composta por móvel de madeira. Há que aferir com rigor e certeza qual o jogo que poderá ter funcionado no pc apreendido no estabelecimento do recorrente e como se classifica face às normas penais extravagantes que se aplicam ao mesmo (jogo e seu enquadramento legal), nomeadamente por referência a previsão da Portaria n.º 217/2007. Em toda a douta sentença recorrida não se vislumbra qualquer análise deste tipo e ela seria obrigatória. Dúvidas não restam de que o que ali surge (na “perícia”, que não é perícia), não passa de meras probabilidades, porque se alude a “parâmetros de atuação” que não se identificam, nem especificam, tanto que, não sendo possível aceder aos jogos identificados naquele dito “relatório pericial”, nem colocá-los em funcionamento, naturalmente as imagens que constam de tal “relatório” não resultam do visualizado no “computador” dos autos, tendo a descrição dos jogos efetuada sido feita com recurso a “fotografias de arquivo” e até sem se saber, se será como exposto nesse aludido documento, intitulado incorretamente de “perícia”. Em momento algum é apresentada a prova da data da última execução de um qualquer desses jogos de fortuna ou azar e máxime para que se fizesse a prova certa e segura de que teria funcionado durante a permanência, do equipamento apreendido, no estabelecimento do recorrente – cf. os factos provados 14 e 16 estão em clara e flagrante contradição com o facto provado 9, sendo que os factos provados 14 e 16 não tem qualquer prova a sustentá-lo (para serem considerados provados a perícia teria que ter identificado a data concreta da execução dos ficheiros que permitem o desenvolvimento de fogos de fortuna ou azar, identificando em concreto o jogo que teria sido executado e desenvolvido), sendo uma mera presunção/opinião, insustentada em qualquer facto conhecido, decisão que viola frontalmente o art.º 127.º do CPP, que torna a decisão recorrida arbitrária e ilegal. e) Nessa sequência, sempre haverá que concluir-se por padecer a douta Sentença recorrida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida (cf. artigo 125.º do C. P. Penal), atribuindo valor de prova pericial a algo que não o poderia ter, porquanto não revela qualquer especial aptidão do dito relatório de fls. 131 a 141, bem como, do supra aludido vício do Erro Notório na Apreciação da Prova. f) E em obediência ao disposto na alínea b), n.º 3 do artigo 412.º do C. P. Penal, as concretas provas documentais que impõem decisão diversa da recorrida são: - Auto de notícia e auto de apreensão onde se consigna que o equipamento não estava em funcionamento - cf. fls. 41/43 e 50/51; relatório do “exame pericial” – fls. 131 a 141 (que consigna que não foram colocados em funcionamento quaisquer jogos de fortuna ou azar, mas que somente foram analisados os discos através da sua simplória leitura e que ainda assim não se chegou à data da última execução de um qualquer jogo de fortuna ou azar, verificando-se assim a impossibilidade probatória de se perceber se a dita última execução que se desconhece em que data foi, operou ou não durante a permanência do equipamento no estabelecimento do recorrente); assim, e porque da correta valoração dos depoimentos das testemunhas inquiridas (que em nada especificaram ou concretizaram), e de toda a (inexistente) demais prova dos autos, nomeadamente documental e supra identificada, sempre deveria concluir-se, ao contrário do decidido, pela absolvição do recorrente, devendo, por isso, a matéria factual em causa ser alterada, por forma a ser eliminada da matéria de facto provada os pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 (elemento objetivo), 17 e 18 (elemento subjetivo); g) O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 58.º, 61.º, 124.º, 125.º, 127.º, 129.º, 151.º, 157.º, 163.º, 249.º, 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, os artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro e ainda os artigos 13.º, 18.º, 29.º, 32.º, 205.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, nos melhores de direito e sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, que se tenha por verificado um Erro Notório na Apreciação da Prova, com todas as consequências legais daí advenientes, caso também não se entenda pela qualificação da conduta do ora recorrente como penalmente atípica, ou, por fim, sem conceder, deverá decidir-se pela revogação da douta Sentença ora recorrida, porque nula, pugnando-se pela sua substituição por outra que absolva o recorrente, com o que, modestamente se entende, Vs. Exas. farão JUSTIÇA.”.*O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo. *O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, por considerar que, diversamente do sustentado pelo recorrente, o tribunal a quo não valorou qualquer meio de prova inválido, inexistindo, para além disso, erro notório na apreciação da prova.*A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida, concluindo, em síntese, que “Só podemos, assim, concluir que o tribunal recorrido valorou a prova produzida segundo critérios de objetividade e em consentaneidade com as regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do Código Processo Penal, não existindo violação deste princípio, nem de qualquer prova vinculada ou legal, nem tendo havido utilização de meio de prova proibido ou de qualquer regra que imponha a valoração da prova de acordo com a pretensão do recorrente, em oposição à apreciação/valoração da produzida feita pelo tribunal recorrido”.*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.*II - Fundamentação É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigos 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt). Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes: 1) Impugnação da matéria de facto. 2) Vícios decisórios – em particular, a questão do «erro notório na apreciação da prova» (art.º 410.º, n.º 2, c), do CPP).*Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida (segue transcrição): «III. Fundamentação de Facto Realizada a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo prescrito por lei, em abono da verdade material, resultaram os seguintes III.1. Factos provados: 1) Desde data não concretamente apurada até 03/12/2019, inclusive, o arguido AA manteve em exposição pública, ligada à eletricidade e em funcionamento, no estabelecimento comercial que explora, denominado A..., situado na Rua ..., ..., 1.º, ..., Matosinhos, uma máquina tipo Arcade, constituída por móvel em aglomerado de madeira de cor preta e verde, monitor da marca Dell, joystick, botões de jogo, moedeiro e “noteiro”, a qual foi, naquela data, objeto de apreensão, destinada a ser jogada e utilizada pelos frequentadores do referido estabelecimento. 2) A máquina acima referida apresenta-se como uma máquina de grande dimensão com estrutura em madeira de cor preta e amarela, constituída por monitor, consola com oito botões e um manípulo e no interior um computador. No corpo inferior visualiza-se o mecanismo de introdução de notas e o mecanismo de introdução de moedas. Foi igualmente visualizada uma ficha de entrada USB externa. No canto superior esquerdo da máquina visualiza-se um autocolante com a identificação do proprietário. 3) Tendo em vista a preservação do conteúdo do disco, dado que existe software que pode efetuar o reset ao mesmo caso seja ligada a máquina e não seja introduzido um código de acesso, procedeu-se inicialmente à análise forense do conteúdo do mesmo. Analisado o relatório do registry (Registos de configurações do disco) foi possível aferir de relevante que tem o sistema operativo Windows 8.1 Pro e software Tictact instalado. Analisado o conteúdo do disco foi possível aferir que contém três partições: uma de boot, uma com o sistema operativo Windows e outros utilitários e uma terceira de recycler e onde se encontram pastas já conhecidas e identificadas em máquinas que apresentam uma estrutura de disco similar, nomeadamente a pasta com a designação “Tictact”. No que concerne à terceira partição, partição que foi possível verificar que contém software de jogo, foi possível constatar o seguinte: a. A aplicação “TicTacT.exe” é a aplicação principal, responsável pela gestão de toda a máquina, sendo que esta é iniciada com o seu arranque e que há uma interação entre todos os ficheiros da estrutura “Tic Tact”; b. Foi verificada a existência de ficheiros encriptados que não são utilizados ou necessários para o desenvolvimento dos jogos de diversão e, por conseguinte, foi efetuada a análise às funcionalidades do programa que controla todo o funcionamento da máquina (TicTacT.exe) tendo-se verificado a existência de procedimentos que utilizam os programas “Truecrypt” e “Pismo File Mount” para a criação de uma drive virtual, evidenciando assim a utilização dos ficheiros mencionados no ponto anterior; c. Na análise foi ainda possível verificar a utilização de uma pendrive para que seja possível desencriptar e montar a respetiva drive virtual (pendrive não apreendida pela entidade apreensora). No entanto, é de salientar que o disco apresenta o mesmo software e estrutura de ficheiros de máquinas em que foi possível identificar jogos de fortuna ou azar após a montagem da drive virtual. 4) Considerando que o hash é um algoritmo que mapeia dados de comprimento variável para dados de comprimento fixo, e que num dado ficheiro, executável o cálculo é sempre igual se se tratar de um mesmo executável ou ficheiro, e que muda se um único bit for alterado (estabelecendo um paralelismo com as células humanas é como o ADN no ser humano), procedeu-se à comparação do hash SHA1 e MD5 do executável TicTact.exe (aplicação principal e responsável por todo o funcionamento da máquina) com o hash SHA1 e MD5 do executável Tictact.exe existente na base de dados de hashes deste Serviço, e relativo a de uma máquina funcional em que foram visualizados os jogos de slot machine Halloween Fortune, Halloween Classic e Pantanal em desenvolvimento. 5) A comparação permitiu concluir que se trata de um executável exatamente igual, bit a bit, dado que apresenta os mesmos hashes. 6) Após análise do disco foi a máquina ligada, sendo que surge no ecrã uma imagem com a referência a Multigame – 80’S Arcade, e em que vão passando imagens de apresentação dos diversos jogos de diversão disponíveis. 7) Considerando a estrutura do disco analisada, é sabido que este tipo de máquinas carece da introdução da pendrive mencionada no capítulo anterior para permitir a montagem do volume que contém as aplicações de jogos classificados por este Serviço como jogo de fortuna ou azar, e que após a introdução de um código que consiste numa sequência de toques nos botões da consola e respetiva validação, cujo procedimento se desconhece, surge em substituição do ecrã com o menu de jogos de diversão um outro com o menu de jogos de fortuna ou azar (Halloween Fortune, Halloween Classic). 8) Identificado no topo com a inscrição Game Arena, conforme fotografias de arquivo retiradas de uma máquina igual em funcionamento para uma melhor demonstração. 9) Dado não se ter a pendrive e não ser conhecido o código de acesso ao menu de jogos de fortuna ou azar não foi possível visualizar os citados jogos na máquina objeto de exame. 10) Os jogos referenciados são jogos de slot machine, e à semelhança dos disponibilizados nos casinos e desenvolvem-se do seguinte modo: após a introdução de créditos com moedas, o jogador escolhe o número de créditos a apostar por jogada, que poderá variar de 1 a 200 créditos, e dá início ao jogo. De imediato começam a girar no sentido vertical as cinco colunas sendo que cada uma tem três símbolos, e a jogada só acaba quando o movimento giratório termina, sendo logo assinalado pela máquina a existência ou não de uma das combinações premiadas. Quando o jogador pretende deixar de jogar e para que lhe possam ser pagos os créditos acumulados de valores introduzidos e prémios ganhos no decurso das jogadas carrega numa tecla do teclado e surge no ecrã uma imagem que indica o total. 11) Os jogos apresentados têm o mesmo modo de desenvolvimento, sendo a sua temática o único elemento que os distingue conforme imagens de arquivo que se apresentam. 12) O disco da máquina apresenta toda uma estrutura (nomeadamente aplicações) similar a máquinas que foram vistas a desenvolver jogos de fortuna ou azar, tendo sido concluído que os hashes do executável principal (Tictact.exe) têm correspondência com os de máquinas funcionais com jogos de slot machine em desenvolvimento, tendo esta máquina desenvolvido os jogos de slot machine acima descritos nos termos vindos de referir. 13) Verifica-se, assim, que a máquina de jogo examinada serve para a prática de quatro jogos de fortuna ou azar, pois o jogador aposta dinheiro na esperança aleatória de ganhar um prémio, sendo o resultado contingente, porque depende única e exclusivamente da sorte. 14) A máquina acima identificada, que proporcionava a prática daqueles jogos de fortuna e azar, foi, pelo menos no período acima referido, até à sua apreensão, mantida pelo arguido no mencionado estabelecimento e para utilização dos seus clientes, sendo efetiva e constantemente utilizada pelos mesmos. 15) O arguido colocou a acima identificada máquina no estabelecimento comercial supra identificado com o propósito concretizado de obter para si ganhos proporcionados pela utilização pelos clientes dos jogos atrás descritos com o objetivo de ganhar quantias em dinheiro de montantes superiores àqueles que eram entregues pelos clientes. 16) Durante o tempo em que a referida máquina se encontrou naquele estabelecimento e em que foi, efetivamente, utilizado por diversas vezes e por diversos indivíduos, o arguido retirou dessa utilização os lucros correspondentes. 17) Agindo da forma descrita, o arguido tinha a vontade livre e a perfeita consciência de explorar ilicitamente quatro jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados, sendo sua intenção fazê-lo, bem sabendo que a máquina utilizada continha jogos cujo resultado dependia unicamente do acaso. 18) Bem sabia o arguido, além do mais, que tal conduta é punível e proibida por lei. Mais se apurou quanto ao arguido AA que: 19) Não tem antecedentes criminais. III.2. Factos não provados: Não resultaram não provados outros factos com relevância para a decisão da causa, não tendo resultado factos não provados.»*Apreciando os fundamentos do recurso. Defende o recorrente que a matéria de facto constante dos pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 (referentes ao tipo objetivo), 17 e 18 (relativos ao tipo subjetivo) foi incorretamente julgada, devendo, nessa parte, transitar para o elenco da factualidade não provada. Acrescenta que o tribunal incorreu em “erro notório na apreciação da prova” no que se refere a tal matéria, tendo atribuído erradamente valor de prova pericial ao exame realizado à máquina e valorando, em contrariedade à lei, declarações que terão sido por si prestadas ao inspetor da ASAE, no decurso da fiscalização levada a cabo por tal entidade. Conclui que, inexistindo qualquer prova suscetível de demonstrar que a “máquina” apreendida nos autos estivesse apta e destinada a desenvolver jogos de fortuna ou azar – e, muito menos, que alguma vez tivesse desenvolvido quaisquer jogos de fortuna ou azar no estabelecimento comercial identificado nos autos, sob a sua direção - e, por outro lado, que tivesse a efetiva consciência de que tal “máquina” era mais do que uma máquina de diversão com jogos do tipo “arcadia”, não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em causa, impondo-se a sua absolvição. Vejamos se lhe assiste razão. Os poderes de cognição deste Tribunal da Relação abrangem matéria de facto e matéria de direito (cf. art.º 428.º do Código Processo Penal). A matéria de facto pode ser questionada por duas vias, a saber: - no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento; - mediante a impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, nº 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência. A impugnação da matéria de facto baseada no chamado recurso de «revista ampliada» reconduz-se às patologias catalogadas nas alíneas do n.º 2, do art.º 410º, que devem surgir evidenciadas no texto decisório, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem recurso a quaisquer outros elementos que o extravasem. Assim, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos, como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento. O elenco legal destes vícios, como decorre das alíneas a), b) e c), do citado normativo legal, abrange a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguadas e se mostram necessárias à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição], a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [incompatibilidade entre factos provados ou entre estes e os não provados e entre a matéria fáctica e a conclusão jurídica] e o erro notório na apreciação da prova [erro patente que não escapa ao homem comum] [2]. O “erro notório na apreciação da prova” refere-se às situações de falha grosseira e ostensiva na análise da prova e não se confunde com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo julgador, antes traduz-se em distorções de ordem lógica entre os factos provados ou não provados, ou na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorreta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio - ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.[3] Ou seja, há um tal erro quando o homem médio suposto pela ordem jurídica, perante o que consta do texto da decisão, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras de experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, traduzindo o vício em questão “um erro supino, crasso e inquestionável a partir da simples leitura do texto da decisão recorrida, que escapa à lógica das coisas, ou seja, quando sendo usado um processo lógico racional se extrai de um facto uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum” [4]. Em síntese, deve tratar-se de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Relativamente à modalidade de impugnação (ampla) a que alude o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, o legislador impõe ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa; ónus que tem que ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão. [5] Todavia, este modo de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto. Com efeito, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso constitui, salvo os casos de renovação da prova (art.º 430º do Código de Processo Penal), uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento. Isto é, o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que sejam especificados e indicados como não corretamente julgados [sem prejuízo da audição da totalidade da prova para contextualização do alegado – cf. nº 6 do art.º 412º do Código de Processo Penal]. Além disso, não basta à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas concretas imponham a modificação da decisão de facto, isto é, que façam prova por si de que os factos se passaram de forma diversa da que perfilhou o tribunal a quo. Como bem se expende no acórdão da Relação de Coimbra, de 8/2/2012 [6], “os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não aqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se afigurou como coerente e plausível), sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1º instância tem suporte na regra estabelecida no citado art.º 127º e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se”. Ora, o tribunal decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e, por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo imprescindível, para tal efeito, que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida.[7]. Na verdade, dispõe o art.º 127º do Código Processo Penal, com a epígrafe «livre apreciação da prova», que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova (salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial) e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal. Por isso que o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que sem sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g, por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só [8]; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos das testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível [9]. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada. Contudo, a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, nem a valoração da prova é uma operação emocional ou intuitiva. A este propósito refere Germano Marques da Silva [10] que “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”. Em conclusão, e como é salientado nos acórdãos do STJ de 14/3/2007 e de 3/7/2008 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para tanto, deve o Tribunal de Recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa. Efetuada esta exposição introdutória analisemos, em concreto, as razões de discordância explanadas pela recorrente em relação à decisão recorrida. Os pontos da matéria de facto provada, que suscitam a discordância do recorrente, têm o seguinte teor: «3) Tendo em vista a preservação do conteúdo do disco, dado que existe software que pode efetuar o reset ao mesmo caso seja ligada a máquina e não seja introduzido um código de acesso, procedeu-se inicialmente à análise forense do conteúdo do mesmo. Analisado o relatório do registry (Registos de configurações do disco) foi possível aferir de relevante que tem o sistema operativo Windows 8.1 Pro e software Tictact instalado. Analisado o conteúdo do disco foi possível aferir que contém três partições: uma de boot, uma com o sistema operativo Windows e outros utilitários e uma terceira de recycler e onde se encontram pastas já conhecidas e identificadas em máquinas que apresentam uma estrutura de disco similar, nomeadamente a pasta com a designação “Tictact”. No que concerne à terceira partição, partição que foi possível verificar que contém software de jogo, foi possível constatar o seguinte: a. A aplicação “TicTacT.exe” é a aplicação principal, responsável pela gestão de toda a máquina, sendo que esta é iniciada com o seu arranque e que há uma interação entre todos os ficheiros da estrutura “Tic Tact”; b. Foi verificada a existência de ficheiros encriptados que não são utilizados ou necessários para o desenvolvimento dos jogos de diversão e, por conseguinte, foi efetuada a análise às funcionalidades do programa que controla todo o funcionamento da máquina (TicTacT.exe) tendo-se verificado a existência de procedimentos que utilizam os programas “Truecrypt” e “Pismo File Mount” para a criação de uma drive virtual, evidenciando assim a utilização dos ficheiros mencionados no ponto anterior; c. Na análise foi ainda possível verificar a utilização de uma pendrive para que seja possível desencriptar e montar a respetiva drive virtual (pendrive não apreendida pela entidade apreensora). No entanto, é de salientar que o disco apresenta o mesmo software e estrutura de ficheiros de máquinas em que foi possível identificar jogos de fortuna ou azar após a montagem da drive virtual.» «4) Considerando que o hash é um algoritmo que mapeia dados de comprimento variável para dados de comprimento fixo, e que num dado ficheiro, executável o cálculo é sempre igual se se tratar de um mesmo executável ou ficheiro, e que muda se um único bit for alterado (estabelecendo um paralelismo com as células humanas é como o ADN no ser humano), procedeu-se à comparação do hash SHA1 e MD5 do executável TicTact.exe (aplicação principal e responsável por todo o funcionamento da máquina) com o hash SHA1 e MD5 do executável Tictact.exe existente na base de dados de hashes deste Serviço, e relativo a de uma máquina funcional em que foram visualizados os jogos de slot machine Halloween Fortune, Halloween Classic e Pantanal em desenvolvimento.» «5) A comparação permitiu concluir que se trata de um executável exatamente igual, bit a bit, dado que apresenta os mesmos hashes.» [6) Após análise do disco foi a máquina ligada, sendo que surge no ecrã uma imagem com a referência a Multigame – 80’S Arcade, e em que vão passando imagens de apresentação dos diversos jogos de diversão disponíveis.] «7) Considerando a estrutura do disco analisada, é sabido que este tipo de máquinas carece da introdução da pendrive mencionada no capítulo anterior para permitir a montagem do volume que contém as aplicações de jogos classificados por este Serviço como jogo de fortuna ou azar, e que após a introdução de um código que consiste numa sequência de toques nos botões da consola e respetiva validação, cujo procedimento se desconhece, surge em substituição do ecrã com o menu de jogos de diversão um outro com o menu de jogos de fortuna ou azar (Halloween Fortune, Halloween Classic).» «8) Identificado no topo com a inscrição Game Arena, conforme fotografias de arquivo retiradas de uma máquina igual em funcionamento para uma melhor demonstração.» «9) Dado não se ter a pendrive e não ser conhecido o código de acesso ao menu de jogos de fortuna ou azar não foi possível visualizar os citados jogos na máquina objeto de exame.» «10) Os jogos referenciados são jogos de slot machine, e à semelhança dos disponibilizados nos casinos e desenvolvem-se do seguinte modo: após a introdução de créditos com moedas, o jogador escolhe o número de créditos a apostar por jogada, que poderá variar de 1 a 200 créditos, e dá início ao jogo. De imediato começam a girar no sentido vertical as cinco colunas sendo que cada uma tem três símbolos, e a jogada só acaba quando o movimento giratório termina, sendo logo assinalado pela máquina a existência ou não de uma das combinações premiadas. Quando o jogador pretende deixar de jogar e para que lhe possam ser pagos os créditos acumulados de valores introduzidos e prémios ganhos no decurso das jogadas carrega numa tecla do teclado e surge no ecrã uma imagem que indica o total.» «11) Os jogos apresentados têm o mesmo modo de desenvolvimento, sendo a sua temática o único elemento que os distingue conforme imagens de arquivo que se apresentam.» «12) O disco da máquina apresenta toda uma estrutura (nomeadamente aplicações) similar a máquinas que foram vistas a desenvolver jogos de fortuna ou azar, tendo sido concluído que os hashes do executável principal (Tictact.exe) têm correspondência com os de máquinas funcionais com jogos de slot machine em desenvolvimento, tendo esta máquina desenvolvido os jogos de slot machine acima descritos nos termos vindos de referir.» «13) Verifica-se, assim, que a máquina de jogo examinada serve para a prática de quatro jogos de fortuna ou azar, pois o jogador aposta dinheiro na esperança aleatória de ganhar um prémio, sendo o resultado contingente, porque depende única e exclusivamente da sorte.» «14) A máquina acima identificada, que proporcionava a prática daqueles jogos de fortuna e azar, foi, pelo menos no período acima referido, até à sua apreensão, mantida pelo arguido no mencionado estabelecimento e para utilização dos seus clientes, sendo efetiva e constantemente utilizada pelos mesmos.» «15) O arguido colocou a acima identificada máquina no estabelecimento comercial supra identificado com o propósito concretizado de obter para si ganhos proporcionados pela utilização pelos clientes dos jogos atrás descritos com o objetivo de ganhar quantias em dinheiro de montantes superiores àqueles que eram entregues pelos clientes.» «16) Durante o tempo em que a referida máquina se encontrou naquele estabelecimento e em que foi, efetivamente, utilizado por diversas vezes e por diversos indivíduos, o arguido retirou dessa utilização os lucros correspondentes.» «17) Agindo da forma descrita, o arguido tinha a vontade livre e a perfeita consciência de explorar ilicitamente quatro jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados, sendo sua intenção fazê-lo, bem sabendo que a máquina utilizada continha jogos cujo resultado dependia unicamente do acaso.» «18) Bem sabia o arguido, além do mais, que tal conduta é punível e proibida por lei.» A propósito da apreciação da prova tendente à demonstração do crime de exploração ilícita de jogo, cuja autoria foi imputada ao arguido, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte (segue transcrição): «III.3. Motivação Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. O arguido, apesar de regularmente notificado, não compareceu à audiência de julgamento, não sendo possível contar com a eventual versão que possa ter destes factos. Assim, os factos constantes nos pontos 1) a 18), valorámos o depoimento prestado pela testemunha BB, o teor do auto de notícia de fls. 41/43, do auto de apreensão de fls. 50/51, das fotografias de fls. 44/49, talão de fls. 54, certidão permanente de fls.150/154 e do relatório pericial de fls. 131/141. A testemunha BB é inspetor da ASAE, tendo levado a cabo a ação de fiscalização ao estabelecimento A..., em Matosinhos, na data e hora descritas na acusação, tendo sido o responsável pela elaboração do auto de notícia acima indicado. De modo objetivo, lógico, concretizado e isento, descreveu o motivo da sujeição de tal estabelecimento a fiscalização (cf. a denúncia de fls. 55), a circunstância de o mesmo estar aberto ao público, a natureza, localização e caraterísticas da máquina tipo Arcade ali existente, a circunstância de em funções de tais factos terem suspeitado que essa máquina desenvolvia jogos de fortuna ou azar e de, consequentemente, por motivos cautelares (apesar de não terem logrado visualizar tais jogos) a terem apreendido. Mais referiu que foi o arguido quem durante a fiscalização se lhes apresentou como responsável pela exploração desse estabelecimento. O valor probatório do exame pericial é o que advém do art.º 163.º, n.º 1, do Código Penal, ou seja, os seus juízos técnicos presumem-se subtraídos à livre apreciação do julgador. Neste sentido, seguimos a tese defendida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/12/2020 (cf. processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/102922" target="_blank">5/18.5GEMFR.L1-3</a>, consultável em www.dgsi.pt). Este valor probatório não sai afetado pelo facto de o perito não ter visualizado a máquina em funcionamento. “Uma peritagem não é um exame. No caso do exame, que é um meio de obtenção de prova, o que se requer é a pura descrição do objeto de prova examinado (em funcionamento, ou não), em resultado da observação presencial feita pelo examinador. Exige-se-lhe que o descreva, fazendo menção dos pormenores captáveis pelos sentidos. No caso de uma perícia, que é ela própria um meio de prova, visa-se a aplicação de especiais conhecimentos técnicos ou científicos a determinado objeto da prova, para que, através dessa avaliação se possa concluir, com elevado grau de certeza, um facto até aí desconhecido. Tratando-se do resultado de um relatório pericial em que a aquisição probatória feita se reporta aos juízos técnicos formulados relativos ao modo de funcionamento das máquinas, quando ativadas pelos códigos correspondentes ao software que têm incorporado, é absolutamente irrelevante alguém tê-las observado em efetivo funcionamento, pelo que a aplicação do valor probatório vinculado está justificada.”. Tendo em consideração à localização, caraterísticas e natureza dos jogos desenvolvidos em tal máquina, assim como à circunstância de o arguido ser responsável pela exploração do referido estabelecimento, com máquinas de jogo, de acordo com as regras de experiência comum, concluímos que não podia deixar de saber da natureza ilícito da exploração de tais jogos e de que os mesmos eram desenvolvidos em tal máquina. A ausência de antecedentes criminais está certificada no CRC emitido em 28/11/2022.» Analisada a decisão recorrida não descortinamos qualquer erro na apreciação da prova (muito menos notório), sendo certo que o vício em causa não se confunde com a diversa perspetiva do recorrente em relação á apreciação da prova efetuada pelo tribunal. Com efeito, de modo algum se pode concluir que a perspetiva do tribunal sobre a prova carece de fundamento, mostrando-se arbitrária, irracional, ilógica ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Do mesmo modo, a prova indicada pelo recorrente (fundamentalmente, os autos de notícia e de apreensão, as fotografias de fls. 44/49 e o conteúdo do relatório de exame pericial) de modo nenhum impõe decisão diversa da recorrida – bem pelo contrário, são congruentes no sentido da sua comprovação, como teremos oportunidade de explicitar. Do conteúdo da decisão resulta que o tribunal baseou a sua convicção relativamente às caraterísticas da máquina de jogos apreendida, fundamentalmente, no conteúdo do relatório de exame pericial constante dos autos, que analisou conjugadamente com os restantes meios de prova. Invoca o recorrente que este meio de prova foi invalidamente valorado pelo tribunal, uma vez que não reúne os necessários requisitos para poder ser qualificado de prova pericial. Relativamente a esta questão, importa desde já sublinhar que concordamos com o tribunal de primeira instância e divergimos, por isso, da opinião expressa pelo recorrente. A máquina referenciada, apreendida em resultado de ações de fiscalização realizadas ao estabelecimento comercial explorado pelo arguido, ora recorrente, foi sujeita a exame pericial realizado pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos – Departamento de Planeamento e Controlo da Atividade de Jogo, sendo elaborado o correspondente relatório, que se mostra junto aos autos, no qual são descritas as caraterísticas externas da dita máquina e o seu modo de funcionamento e, ainda, o software instalado e os ficheiros armazenados no disco rígido do computador nelas existente, permitindo o acesso a determinados jogos, caraterísticas destes últimos e modo de desenvolvimento dos mesmos. O recorrente funda o alegado erro na apreciação da prova, para além do mais, no facto de o perito não ter relatado o funcionamento das máquinas a partir de constatações retiradas da observação delas em efetivo funcionamento. Ora, como é observado no acórdão do TRL de 3/12/2020 (disponível em www.dgsi.pt), a questão é falaciosa. Não foi pedido um exame à máquina, nem o relatório para que a fundamentação de facto remete se reporta a qualquer exame. Foi pedida uma perícia e o relatório para o qual a fundamentação de facto da sentença remete é precisamente o relativo ao resultado dessa perícia. A diferença é absolutamente determinante: no caso do exame, que é um meio de obtenção de prova, o que se requer é a pura descrição do objeto de prova examinado (em funcionamento, ou não), em resultado da observação presencial feita pelo examinador. Exige-se-lhe que o descreva, fazendo menção dos pormenores captáveis pelos sentidos. No caso de uma perícia, que é ela própria um meio de prova, visa-se a aplicação de especiais conhecimentos técnicos ou científicos a determinado objeto da prova, para que, através dessa avaliação se possa concluir, com elevado grau de certeza, um facto até aí desconhecido. A perícia supõe a aplicação de especiais conhecimentos técnicos ou científicos a um determinado objeto de prova para daí se retirar, com a segurança adequada à exigida aos meios de prova, se determinado facto com relevo para a prática do crime ocorreu e em que termos ocorreu, para o que é irrelevante saber como foram adquiridos os especiais conhecimentos (se por formação académica, estudo científico, ou outra forma). Porque se trata de um meio de prova fundado em juízos técnico/científicos é-lhe atribuído um valor probatório reforçado. Parte-se do princípio que os conhecimentos técnicos aplicados são de tal modo especiais que não se compadecem com o princípio da livre apreciação da prova. Em consequência, só são suscetíveis de ser arredados, quando rebatidos numa fundamentação suficientemente convincente assente, também ela, em razões da mesma ordem técnica ou científica. Manifestamente, o Tribunal a quo aceitou como bom o resultado da perícia no que se reporta ao funcionamento das máquinas, porque para ela remeteu, sem sequer tentar rebatê-la, ou manifestar divergência quanto aos factos em que se apoiou. E fê-lo de forma que não merece reparo. É que aquilo que foi acolhido na sentença, com base nas perícias, são factos que resultam da aplicação à análise das máquinas dos falados especiais conhecimentos técnicos. Não resultam de nenhuma observação empírica do funcionamento das máquinas, porque aí estaríamos no âmbito do puro exame. Uma perícia não se limita à descrição do funcionamento de algo conhecido. Porque se baseia na aplicação de conhecimentos técnicos inquestionados a uma dada realidade, nada obsta a que se conclua por determinada forma de funcionamento (no que ao caso interessa) independentemente de o objeto de prova ter sido posto a funcionar ou não. Aliás, o interesse da perícia está precisamente na perceção daquilo que, não tendo sido objeto de direta observação, só se pode percecionar mediante a aplicação de regras de ordem técnica ou científica, fora do alcance do homem comum, a dada realidade de facto. Não se exige, por exemplo, que o perito que elabora um relatório de autópsia, onde se caracterizam determinados golpes de faca, tenha presenciado a forma como eles foram desferidos. O que se lhe pede é que, face ao estado do seu conhecimento científico, descreva aquilo que é viável que tenha acontecido face aos vestígios deixados, esses sim, suscetíveis de análise e estudo. E foi algo semelhante com isso que aconteceu, no caso dos autos. Perante as características das máquinas (e dos respetivos “softwares” inseridos), ou seja, os mecanismos que a compõem, os peritos, mediante a aplicação dos seus especiais conhecimentos técnicos, concluíram que elas funcionavam de determinada maneira, que descreveram. É absolutamente irrelevante para o caso saber se viram, ou não, estas precisas máquinas a funcionar. O que releva é que, face às características observadas nas máquinas e àquilo que são as regras de funcionamento de sistemas com características semelhantes, se concluiu, num juízo puramente pericial, que elas estão aptas a funcionar de determinado modo, que os peritos descreveram. Resta concluir que, tratando-se do resultado de um relatório pericial em que a aquisição probatória feita se reporta aos juízos técnicos formulados relativos ao modo de funcionamento das máquinas, quando ativadas pelos códigos correspondentes ao software que têm incorporado, é absolutamente irrelevante alguém tê-las observado em efetivo funcionamento, pelo que a aplicação do valor probatório vinculado a que respeita o art.º 163.º do CPP está absolutamente justificada.[11] Aliás, e como se observa neste aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, a argumentação do recorrente reconduzir-se-ia a que, sempre que apreendida uma máquina sem que se conheçam os códigos ativadores do sistema, a averiguação da aptidão para o funcionamento como meio de jogo estava prejudicada porque, ou a máquina não trabalhava sem os ditos códigos, ou, ao substituírem-se os mesmos, se estaria a produzir uma modificação nas máquinas. Assim se descobria a “solução milagrosa” quanto à inviabilização da aquisição de elementos de prova indispensáveis à caracterização dos materiais apreendidos. As caraterísticas e modo de desenvolvimento dos jogos em referência, que foram dados como provados na sentença recorrida, não se tratam, pois, ao invés do que defende o recorrente, de “meras conclusões”, não assentam em meras ilações ou presunções, nem desrespeitam as regras sobre o modo de produção e o valor da prova pericial. Resolvida esta questão, analisemos, agora, a que se refere à valoração das declarações prestadas pelo arguido/recorrente aos inspetores da ASAE. Alega o recorrente que o tribunal estava impedido de valorar as declarações por si prestadas aos inspetores da ASAE, no âmbito da fiscalização realizada ao estabelecimento comercial, constituindo tal procedimento uma ilegalidade e configurando prova proibida, uma vez que, naquele momento, não havia sido constituído arguido. Em primeiro lugar, importa observar que, quanto a esta matéria, apenas podemos analisar o que consta do texto da decisão recorrida, uma vez que o recorrente não indicou concretamente as passagens das provas gravadas em que funda a impugnação, não cumprindo, assim, o ónus de especificação (cf. o art.º 412.º, n.º 3, b) e n.º 4, do CPP). Ora, reportando-se ao depoimento prestado pela testemunha BB, inspetor da ASAE que levou a cabo a ação de fiscalização ao estabelecimento “A...”, em Matosinhos, na data e hora descritas na acusação, tendo sido o responsável pela elaboração do auto de notícia indicado no processo, o tribunal a quo escreveu na sentença recorrida o seguinte (segue transcrição): «De modo objetivo, lógico, concretizado e isento, descreveu o motivo da sujeição de tal estabelecimento a fiscalização (cf. a denúncia de fls. 55), a circunstância de o mesmo estar aberto ao público, a natureza, localização e caraterísticas da máquina tipo Arcade ali existente, a circunstância de em funções de tais factos terem suspeitado que essa máquina desenvolvia jogos de fortuna ou azar e de, consequentemente, por motivos cautelares (apesar de não terem logrado visualizar tais jogos) a terem apreendido. Mais referiu que foi o arguido quem durante a fiscalização se lhes apresentou como responsável pela exploração desse estabelecimento.» Neste domínio, independentemente da posição mais restrita ou mais ampla que se possa defender, sobre proibição de “conversas informais” havidas com os órgãos de polícia criminal - concretamente, se essa proibição só deve abranger as conversas posteriores à constituição de arguido e ou se deve abranger também as conversas que tiveram lugar antes dessa constituição -, constitui entendimento consolidado da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e que se perfilha, o de que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos que constataram, no âmbito das diligências efetuadas, durante a fase investigatória ou de inquérito e ainda antes destas fases, na recolha de indícios de uma infração de que acabam de ter conhecimento, competindo-lhes “praticar os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, nomeadamente, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (cf. artigo 250º, n.º 1 e n.º 2, al. b) e artigo 250º, n.º 8, ambos do CPP), podendo, nesse contexto, as conversas tidas entre os órgãos de polícia criminal e essas pessoas, mesmo que, posteriormente, estas últimas, venham a assumir a qualidade de arguidos, e desde que não consubstanciem «declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe», ser reproduzidas em audiência de julgamento.[12] Nesta conformidade, nada impede que os órgãos de polícia criminal, arrolados como testemunhas, possam relatar, em audiência de julgamento, designadamente, se, naquela fase, houve ou não colaboração por parte da pessoa que viria a ser constituída na qualidade de arguido(s), v.g. se esta forneceu ou não elementos, tais como documentos, que lhe hajam sido solicitados e as circunstâncias em que o fez. No caso dos autos, como resulta da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, a testemunha, inspetor da ASAE, que realizou as ações de fiscalização que estão aqui em causa, cujo depoimento foi valorado pelo Tribunal a quo, relatou os factos por si detetados aquando da fiscalização, designadamente, no referente às condições em que se encontravam as “máquinas” que vieram a ser apreendidas e à atitude da pessoa com quem contactaram no estabelecimento em causa, que viria a ser constituída arguida, tratando-se do ora recorrente. Deste modo, a testemunha, inspetor da ASAE, que prestou depoimento na audiência de julgamento, e a que o Tribunal a quo atendeu, em conjugação com a demais prova produzida, para formar a sua convicção, relatou o modo como decorreu a ação de fiscalização em que participou, os factos que, então, constatou/percecionou, como chegou até à identificação do arguido como sendo a pessoa que explorava o estabelecimento comercial onde se encontravam as máquinas em questão, o exato local onde estas estavam e as condições em que se encontravam. Não estamos, por isso, e ao contrário do que afirma o recorrente, perante uma situação em que as testemunhas, órgãos de polícia criminal, reproduzissem, em audiência de julgamento, declarações prestadas pelo arguido, em momento em que já deveria ter assumido esta última qualidade e em violação do disposto no n.º 7 do artigo 356º do CPP, posto que a identificada testemunha descreveu ao tribunal, em audiência de julgamento, os factos que presenciou no local, o modo como se desenrolaram as ações de fiscalização em que interveio e os elementos de prova recolhidos, nesse âmbito. Assim sendo, nada impedia que o Tribunal a quo pudesse valorar, como valorou, o depoimento desta testemunha, em conjugação com a demais prova produzida, não se estando, em qualquer dos casos, perante depoimento indireto (de “ouvir dizer”), nos termos do disposto no artigo 129º do CPP, nem perante a aquisição de prova em violação da proibição legal prevista no n.º 7 do artigo 356º do CPP, sendo certo que a tal não obstava a circunstância de o arguido não ter prestado declarações, em audiência de julgamento, no legítimo exercício do direito ao silêncio que lhe assiste. Pelo exposto e, em conformidade, concluímos não existir qualquer impedimento legal à valoração, como prova, do depoimento da testemunha, inspetor da ASAE, tal como o foi pelo Tribunal a quo, não estando abrangido pela proibição de prova, prevista no n.º 7 do artigo 356º do CPP. Perante o quadro factual atrás descrito, integrador do tipo objetivo do crime de exploração ilícita de jogo em apreço, é evidente que o passo lógico seguinte consistia em ter por demonstrado o dolo do arguido/recorrente, como fez o tribunal de primeira instância. Com efeito, quanto à prova dos elementos subjetivos, por via de regra, na ausência de confissão do arguido, a prova do dolo terá de ser feita através de prova indireta a partir da leitura do comportamento exterior e visível do agente, mediante os elementos objetivamente comprovados e em conjugação com as regras da experiência comum [13]. Na verdade, “a intenção de praticar o crime pertence ao foro íntimo, psicológico, da pessoa e, se negada ou reconduzindo-se o agente ao silêncio, só a ela normalmente se chega através de factos externos ao agente, concludentes desse nexo psicológico e, assim, através de prova indireta (indiciária)”, como se reconhece no acórdão deste TRP de 27/1/2021 (igualmente consultável em www.dgsi.pt). Ora, e tal como assinala o tribunal de primeira instância na decisão recorrida, “tendo em consideração a localização, caraterísticas e natureza dos jogos desenvolvidos em tal máquina, assim como a circunstância de o arguido ser responsável pela exploração do referido estabelecimento, com máquinas de jogo, de acordo com as regras de experiência comum, concluímos que não podia deixar de saber da natureza ilícito da exploração de tais jogos e de que os mesmos eram desenvolvidos em tal máquina.”. Em síntese, não podemos deixar de concluir que a decisão recorrida encontra-se perfeitamente suportada pelo princípio da livre apreciação da prova e, ainda, pelo princípio in dubio pro reo [14] (sendo certo que o tribunal de primeira instância, desde logo, não enuncia qualquer dúvida relativamente à verificação desta factualidade, que pudesse ter resolvido de forma desfavorável ao arguido, nem tal dúvida se evidencia) [15], não tendo sido valorada qualquer prova produzida em contrariedade à lei e inexistindo, portanto, erro notório na apreciação da prova.[16] Finalmente, e como já tivemos oportunidade de afirmar, nenhuma das provas indicadas pelo recorrente impõe decisão diversa da recorrida. Pelo contrário, é na análise dos elementos de prova indicados pelo recorrente (autos de notícia e de apreensão, fotografias e relatório pericial), conjugada com a prova testemunhal atrás mencionada e conexionada com regras de normalidade decorrentes da experiência comum, que o tribunal legitimamente funda a sua convicção, para além de qualquer dúvida razoável [17]. Deste modo, e como se observa no acórdão deste TRP, de 2/6/2019 [18], “Constatando-se que não são detetáveis desconformidades entre a prova produzida, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, tendo o tribunal justificado suficientemente na decisão as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de modo racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão sobre a matéria de facto […]”. Improcede, desta forma, o presente fundamento do recurso, considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto impugnada pelo recorrente. Por fim, resta assinalar que os factos que resultaram provados integram a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em análise, para além do respetivo tipo de culpa, pelo que se impunha a condenação do arguido/recorrente, tal como decidiu o tribunal de primeira instância, pelo crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro. Improcede, assim, na totalidade o presente recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.*III – Dispositivo Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, confirmando-se integralmente a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa). Notifique.*(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente)*Porto, 17 de maio de 2023. Liliana de Páris Dias Cláudia Rodrigues João Pedro Pereira Cardoso __________________ [1] Mantendo-se a ortografia original do texto. [2] Cf., neste sentido, o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 15/11/2018, consultável em www.dgsi.pt. [3] “Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, esta interpretação do preceito pecaria por demasiado restritiva do seu alcance e deixaria a descoberto muitas situações de matéria de facto viciada por erro notório de apreciação da prova. Na verdade, seria inconcebível que, não obstante ser inacessível ao homem médio, mas evidente para qualquer jurista ou, mesmo para o tribunal, ainda assim, o vício não devesse ser sanado pela previsão do preceito em causa. Assim, estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem que ser «notório». Importa, pois, para assegurar essa notoriedade, que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada e sopesado à luz de regras da experiência, não necessariamente só do homem comum. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que essa existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem, demonstração esta que, naturalmente, deve ser acessível a toda a gente, enfim, agora sim, ao homem comum” (cf. CPP Comentado, A. Henriques Gaspar e outros, 2016, 2ª. ed. rev., pág(s) 1275, parág(s) 6). [4] Cf. o acórdão do TRP de 15/11/2018, e o acórdão do STJ de 18/5/2011, também disponível em www.dgsi.pt. Como é assinalado no acórdão do TRP de 30/1/2019 (relatado por Neto de Moura e disponível em www.dgsi.pt, reproduzindo o comentário do Conselheiro Pereira Madeira ao artigo 410.º in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, pág. 1359), “basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das perceções do homem comum – e sopesado à luz de regras da experiência. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem”. [5] Mas mesmo essa reapreciação ampla, como assinala o STJ, no acórdão de 2/6/2008, (no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt) sofre as limitações que decorrem e resultam dos seguintes fatores: - da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; - de a análise e ponderação a efetuar pelo Tribunal da Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de - o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art.º 412º), e não apenas a permitirem. [6] Relatado pelo Desembargador Brízida Martins e disponível para consulta em www.dgsi.pt. [7] Tem sido este, de facto, o entendimento predominante da jurisprudência dos tribunais superiores. Para além do acórdão da Relação de Coimbra, de 8/2/2012 (relatado pelo Desembargador Brízida Martins e já citado), veja-se também o acórdão deste TRP, de 2/6/2019 (relatado pelo Desembargador Paulo Costa e disponível em www.dgsi.pt), no qual se afirma que “Constatando-se que não são detetáveis desconformidades entre a prova produzida, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, tendo o tribunal justificado suficientemente na decisão as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de modo racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão sobre a matéria de facto e nomeadamente a que diz respeito à questionada pelo recorrente.” Ou na síntese do acórdão do TRP, de 6/3/2002, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso, igualmente disponível em www.dgsi.pt: “Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.”. [8] Como se fez notar no acórdão do STJ de 11/7/2007 (www.dgsi.pt), a prova produzida avalia-se pela sua qualidade, pelo seu peso na formação da convicção, e não pelo seu número. [9] Cf., expressamente neste sentido, o acórdão deste TRP, datado de 17/2/2016 (Relator: Desembargador Neto de Moura), disponível para consulta em www.dgsi.pt. [10] In “Curso de Processo Penal”, Verbo, vol. II, pág. 111. [11] No mesmo sentido, cf. o acórdão do TRE de 23/6/2020 (Fátima Bernardes, in www.dgsi.pt). [12] Neste sentido, cf. o acórdão do TRE de 23/6/2020 (Fátima Bernardes). A propósito desta matéria, observa-se no acórdão do TRE de 28/3/2023 (Gomes de Sousa), igualmente publicado em www.dgsi.pt, o seguinte: «Como mera decorrência do n.º 5 do artigo 58.º CPP, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores deste artigo implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído arguido não pode ser utilizada como prova. 4. Mas esta proibição de prova não abrange as declarações ouvidas pelos agentes policiais ao arguido - antes de o ser - se não houver culpa sua no atrasar da formalização daquela constituição. 5. A não constituição de alguém como arguido nos casos a que se refere o citado artigo 58.°, nomeadamente, a violação ou omissão das formalidades aí previstas implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela (n.° 4). […] 7. Face ao ordenamento português e no caso concreto parece indubitável que um simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válido. 8. Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agem dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241.º e 242.º) e de medidas cautelares e de polícia (artigos 248.º e ss., designadamente o artigo 250.º do CPP), sem má-fé ou atraso propositado na constituição de arguido, e ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida. 9. Por isso que a questão não se centra – como faz alguma jurisprudência – em saber se a proibição de “conversas informais” deve abranger afirmações anteriores ou posteriores à constituição de arguido, pois que são proibidas após a constituição como arguido é do reino do óbvio; mas que nunca são antes da constituição como arguido também nos parece evidente, já que aí nem existem “conversas informais”, antes afirmações de um cidadão, que pode ser suspeito ou nem isso. 10. E o suspeito ou nem isso é, no ordenamento processual penal português, uma testemunha. 11. Exceto se a má-fé policial tiver ilegalmente atrasado essa constituição, sendo essa a razão de ser do n.º 5 do artigo 58.º CPP, que comina com a nulidade probatória uma conduta policial que conduza a um resultado não querido pelo legislador. 12. Assim, a questão centra-se, no caso de situações de fronteira, na distinção a fazer entre as figuras de “suspeito” e “arguido”. Este goza de direitos, aquele é testemunha. O arguido goza do direito ao silêncio, o suspeito não.» [13] Como é salientado no acórdão deste TRP, datado de 31/10/2018 (e disponível para consulta em www.dgsi.pt). [14] Consta do sumário do acórdão do STJ de 15/12/2011, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges e que se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt, o seguinte: “XVII - Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, num caso em que, como o presente, o Tribunal da Relação se encontra no âmbito de um recurso da matéria de facto restrito aos vícios previstos no art.º 410.°, n.º 2, do CPP, a mesma deve resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos referidos vícios. Ou seja, só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido - pela prova em que assenta a convicção.”. Na síntese de Roxin (in “Derecho Procesal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111), “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”. Importa, ainda, salientar que o que releva é a dimensão objetiva do princípio “in dubio pro reo”. Na síntese do acórdão do TRL de 22/9/2020 (relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt), “no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida.” – algo que, no presente caso, manifestamente não se verifica, como já tivemos oportunidade de concluir. [15] O princípio in dubio pro reo consubstancia uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cf. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (1996), p. 25. Assim, para a revogação da sentença importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto, o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido. O que, como se viu, não sucede no presente caso. [16] Ou qualquer um dos outros vícios a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do CPP, todos de conhecimento oficioso. Com efeito, a decisão mostra-se coerente, harmónica, destituída de antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para fundar uma segura decisão de direito. [17] A decisão da matéria de facto, em processo penal, constitui, não só a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno (cf., neste sentido, o acórdão do TRP de 14/7/2020, relatado pelo Desembargador Jorge Langweg e disponível em www.dgsi.pt). É de notar que as fotografias constantes do auto de notícia evidenciam que as máquinas em questão estavam em funcionamento, encontrando-se posicionados bancos à sua frente e cinzeiros em cima das máquinas para uso dos respetivos utilizadores. Numa delas até foi encontrada uma chávena de café e um cinzeiro ainda sujos. [18] Relatado pelo Desembargador Paulo Costa e disponível em www.dgsi.pt.
Proc. nº 124/19.0EAPRT.P1 Recurso Penal Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 3 Acordam, em audiência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. I. Relatório No âmbito do processo comum singular que, sob o nº 124/19.EAPRT, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Matosinhos, foi realizada audiência de discussão e julgamento e, a final, proferida sentença, datada de 13 de dezembro de 2022, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se: 1) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro: a. Na pena de 3 (três) meses de prisão, substituída por 90 (noventa) dias de multa; b. Na pena de 40 (quarenta) dias de multa. Efetuando o cúmulo material destas penas, condenar o arguido AA na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a quantia global de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros). 2) Declarar a máquina de jogo apreendida perdida a favor do Estado, e uma vez transitada em julgado esta decisão, a destruição deste objeto. 3) Condenar o arguido em custas processuais, fixando a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta. 4) Manter a medida de coação aplicada ao arguido - TIR. […]”. Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]: “a) A sentença ora recorrida está inquinada do vício do erro notório na apreciação da prova (fundamento bastante para o presente recurso, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do C. P. Penal), relativamente aos factos dados como provados nos pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 (elemento objetivo), 17 e 18 (elemento subjetivo); b) Não se poderia ter concluído, que a “máquina” apreendida nos autos estivesse apta e destinada a desenvolver jogos de fortuna ou azar, tão pouco que alguma vez tivesse desenvolvido quaisquer jogos de fortuna ou azar no estabelecimento comercial identificado nos autos e sob a égide do recorrente e, por outro lado, que o recorrente tivesse a efetiva consciência de que tal “máquina” era mais do que uma máquina de diversão com jogos do tipo “arcadia” e ainda simples pontos de acesso público à Internet (questão totalmente omissa na sentença recorrida, mas que era obrigatória ter sido analisada, em virtude de constituir um dos sub-elementos do elemento objetivo, determinável ou alcançável pela “perícia”); c) Conforme resulta das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pelo Ministério Público e que exercem a profissão de agentes da ASAE, foi dito que após a apreensão do material constituído por uma máquina com um computador inserido num móvel em madeira, obrigatória e legalmente teria o recorrente que ser constituído arguido e reduzido a escrito quaisquer declarações pelo mesmo prestadas de imediato, para que a tão famigerada valoração pretendida pelo Tribunal “a quo”, relativamente ao preenchimento do elemento objetivo e subjetivo, pudesse operar. A valoração levada a cabo pelo Tribunal “a quo” das declarações alegadamente prestadas pelo recorrente aos agentes da ASAE, em sede das fiscalizações é ilegal, ilícita e contrária à boa aplicação dos normativos processuais penais. d) Não há perícia válida; da análise do relatório assim denominado, em valor de prova pericial (fls. 131 a 141) tudo quanto ali vem vertido se baseia na experiência do subscritor do dito relatório dos autos, e em presunções e conclusões suas, e já não num qualquer facto objetivo e real verificado e observado pelo mesmo, como fosse o acesso aos jogos de fortuna ou azar e a sua colocação em funcionamento ou sequer a data da última execução de um dos quaisquer jogos de fortuna ou azar que relata, alegadamente, existir no interior do disco rígido do pc apreendido no interior da máquina composta por móvel de madeira. Há que aferir com rigor e certeza qual o jogo que poderá ter funcionado no pc apreendido no estabelecimento do recorrente e como se classifica face às normas penais extravagantes que se aplicam ao mesmo (jogo e seu enquadramento legal), nomeadamente por referência a previsão da Portaria n.º 217/2007. Em toda a douta sentença recorrida não se vislumbra qualquer análise deste tipo e ela seria obrigatória. Dúvidas não restam de que o que ali surge (na “perícia”, que não é perícia), não passa de meras probabilidades, porque se alude a “parâmetros de atuação” que não se identificam, nem especificam, tanto que, não sendo possível aceder aos jogos identificados naquele dito “relatório pericial”, nem colocá-los em funcionamento, naturalmente as imagens que constam de tal “relatório” não resultam do visualizado no “computador” dos autos, tendo a descrição dos jogos efetuada sido feita com recurso a “fotografias de arquivo” e até sem se saber, se será como exposto nesse aludido documento, intitulado incorretamente de “perícia”. Em momento algum é apresentada a prova da data da última execução de um qualquer desses jogos de fortuna ou azar e máxime para que se fizesse a prova certa e segura de que teria funcionado durante a permanência, do equipamento apreendido, no estabelecimento do recorrente – cf. os factos provados 14 e 16 estão em clara e flagrante contradição com o facto provado 9, sendo que os factos provados 14 e 16 não tem qualquer prova a sustentá-lo (para serem considerados provados a perícia teria que ter identificado a data concreta da execução dos ficheiros que permitem o desenvolvimento de fogos de fortuna ou azar, identificando em concreto o jogo que teria sido executado e desenvolvido), sendo uma mera presunção/opinião, insustentada em qualquer facto conhecido, decisão que viola frontalmente o art.º 127.º do CPP, que torna a decisão recorrida arbitrária e ilegal. e) Nessa sequência, sempre haverá que concluir-se por padecer a douta Sentença recorrida de Nulidade, por se fundar em prova de valoração proibida (cf. artigo 125.º do C. P. Penal), atribuindo valor de prova pericial a algo que não o poderia ter, porquanto não revela qualquer especial aptidão do dito relatório de fls. 131 a 141, bem como, do supra aludido vício do Erro Notório na Apreciação da Prova. f) E em obediência ao disposto na alínea b), n.º 3 do artigo 412.º do C. P. Penal, as concretas provas documentais que impõem decisão diversa da recorrida são: - Auto de notícia e auto de apreensão onde se consigna que o equipamento não estava em funcionamento - cf. fls. 41/43 e 50/51; relatório do “exame pericial” – fls. 131 a 141 (que consigna que não foram colocados em funcionamento quaisquer jogos de fortuna ou azar, mas que somente foram analisados os discos através da sua simplória leitura e que ainda assim não se chegou à data da última execução de um qualquer jogo de fortuna ou azar, verificando-se assim a impossibilidade probatória de se perceber se a dita última execução que se desconhece em que data foi, operou ou não durante a permanência do equipamento no estabelecimento do recorrente); assim, e porque da correta valoração dos depoimentos das testemunhas inquiridas (que em nada especificaram ou concretizaram), e de toda a (inexistente) demais prova dos autos, nomeadamente documental e supra identificada, sempre deveria concluir-se, ao contrário do decidido, pela absolvição do recorrente, devendo, por isso, a matéria factual em causa ser alterada, por forma a ser eliminada da matéria de facto provada os pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 (elemento objetivo), 17 e 18 (elemento subjetivo); g) O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 58.º, 61.º, 124.º, 125.º, 127.º, 129.º, 151.º, 157.º, 163.º, 249.º, 410.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, os artigos 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro e ainda os artigos 13.º, 18.º, 29.º, 32.º, 205.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, nos melhores de direito e sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, que se tenha por verificado um Erro Notório na Apreciação da Prova, com todas as consequências legais daí advenientes, caso também não se entenda pela qualificação da conduta do ora recorrente como penalmente atípica, ou, por fim, sem conceder, deverá decidir-se pela revogação da douta Sentença ora recorrida, porque nula, pugnando-se pela sua substituição por outra que absolva o recorrente, com o que, modestamente se entende, Vs. Exas. farão JUSTIÇA.”.*O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo. *O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, por considerar que, diversamente do sustentado pelo recorrente, o tribunal a quo não valorou qualquer meio de prova inválido, inexistindo, para além disso, erro notório na apreciação da prova.*A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida, concluindo, em síntese, que “Só podemos, assim, concluir que o tribunal recorrido valorou a prova produzida segundo critérios de objetividade e em consentaneidade com as regras da experiência comum e da normalidade, no pleno uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do Código Processo Penal, não existindo violação deste princípio, nem de qualquer prova vinculada ou legal, nem tendo havido utilização de meio de prova proibido ou de qualquer regra que imponha a valoração da prova de acordo com a pretensão do recorrente, em oposição à apreciação/valoração da produzida feita pelo tribunal recorrido”.*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.*II - Fundamentação É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigos 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt). Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes: 1) Impugnação da matéria de facto. 2) Vícios decisórios – em particular, a questão do «erro notório na apreciação da prova» (art.º 410.º, n.º 2, c), do CPP).*Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida (segue transcrição): «III. Fundamentação de Facto Realizada a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo prescrito por lei, em abono da verdade material, resultaram os seguintes III.1. Factos provados: 1) Desde data não concretamente apurada até 03/12/2019, inclusive, o arguido AA manteve em exposição pública, ligada à eletricidade e em funcionamento, no estabelecimento comercial que explora, denominado A..., situado na Rua ..., ..., 1.º, ..., Matosinhos, uma máquina tipo Arcade, constituída por móvel em aglomerado de madeira de cor preta e verde, monitor da marca Dell, joystick, botões de jogo, moedeiro e “noteiro”, a qual foi, naquela data, objeto de apreensão, destinada a ser jogada e utilizada pelos frequentadores do referido estabelecimento. 2) A máquina acima referida apresenta-se como uma máquina de grande dimensão com estrutura em madeira de cor preta e amarela, constituída por monitor, consola com oito botões e um manípulo e no interior um computador. No corpo inferior visualiza-se o mecanismo de introdução de notas e o mecanismo de introdução de moedas. Foi igualmente visualizada uma ficha de entrada USB externa. No canto superior esquerdo da máquina visualiza-se um autocolante com a identificação do proprietário. 3) Tendo em vista a preservação do conteúdo do disco, dado que existe software que pode efetuar o reset ao mesmo caso seja ligada a máquina e não seja introduzido um código de acesso, procedeu-se inicialmente à análise forense do conteúdo do mesmo. Analisado o relatório do registry (Registos de configurações do disco) foi possível aferir de relevante que tem o sistema operativo Windows 8.1 Pro e software Tictact instalado. Analisado o conteúdo do disco foi possível aferir que contém três partições: uma de boot, uma com o sistema operativo Windows e outros utilitários e uma terceira de recycler e onde se encontram pastas já conhecidas e identificadas em máquinas que apresentam uma estrutura de disco similar, nomeadamente a pasta com a designação “Tictact”. No que concerne à terceira partição, partição que foi possível verificar que contém software de jogo, foi possível constatar o seguinte: a. A aplicação “TicTacT.exe” é a aplicação principal, responsável pela gestão de toda a máquina, sendo que esta é iniciada com o seu arranque e que há uma interação entre todos os ficheiros da estrutura “Tic Tact”; b. Foi verificada a existência de ficheiros encriptados que não são utilizados ou necessários para o desenvolvimento dos jogos de diversão e, por conseguinte, foi efetuada a análise às funcionalidades do programa que controla todo o funcionamento da máquina (TicTacT.exe) tendo-se verificado a existência de procedimentos que utilizam os programas “Truecrypt” e “Pismo File Mount” para a criação de uma drive virtual, evidenciando assim a utilização dos ficheiros mencionados no ponto anterior; c. Na análise foi ainda possível verificar a utilização de uma pendrive para que seja possível desencriptar e montar a respetiva drive virtual (pendrive não apreendida pela entidade apreensora). No entanto, é de salientar que o disco apresenta o mesmo software e estrutura de ficheiros de máquinas em que foi possível identificar jogos de fortuna ou azar após a montagem da drive virtual. 4) Considerando que o hash é um algoritmo que mapeia dados de comprimento variável para dados de comprimento fixo, e que num dado ficheiro, executável o cálculo é sempre igual se se tratar de um mesmo executável ou ficheiro, e que muda se um único bit for alterado (estabelecendo um paralelismo com as células humanas é como o ADN no ser humano), procedeu-se à comparação do hash SHA1 e MD5 do executável TicTact.exe (aplicação principal e responsável por todo o funcionamento da máquina) com o hash SHA1 e MD5 do executável Tictact.exe existente na base de dados de hashes deste Serviço, e relativo a de uma máquina funcional em que foram visualizados os jogos de slot machine Halloween Fortune, Halloween Classic e Pantanal em desenvolvimento. 5) A comparação permitiu concluir que se trata de um executável exatamente igual, bit a bit, dado que apresenta os mesmos hashes. 6) Após análise do disco foi a máquina ligada, sendo que surge no ecrã uma imagem com a referência a Multigame – 80’S Arcade, e em que vão passando imagens de apresentação dos diversos jogos de diversão disponíveis. 7) Considerando a estrutura do disco analisada, é sabido que este tipo de máquinas carece da introdução da pendrive mencionada no capítulo anterior para permitir a montagem do volume que contém as aplicações de jogos classificados por este Serviço como jogo de fortuna ou azar, e que após a introdução de um código que consiste numa sequência de toques nos botões da consola e respetiva validação, cujo procedimento se desconhece, surge em substituição do ecrã com o menu de jogos de diversão um outro com o menu de jogos de fortuna ou azar (Halloween Fortune, Halloween Classic). 8) Identificado no topo com a inscrição Game Arena, conforme fotografias de arquivo retiradas de uma máquina igual em funcionamento para uma melhor demonstração. 9) Dado não se ter a pendrive e não ser conhecido o código de acesso ao menu de jogos de fortuna ou azar não foi possível visualizar os citados jogos na máquina objeto de exame. 10) Os jogos referenciados são jogos de slot machine, e à semelhança dos disponibilizados nos casinos e desenvolvem-se do seguinte modo: após a introdução de créditos com moedas, o jogador escolhe o número de créditos a apostar por jogada, que poderá variar de 1 a 200 créditos, e dá início ao jogo. De imediato começam a girar no sentido vertical as cinco colunas sendo que cada uma tem três símbolos, e a jogada só acaba quando o movimento giratório termina, sendo logo assinalado pela máquina a existência ou não de uma das combinações premiadas. Quando o jogador pretende deixar de jogar e para que lhe possam ser pagos os créditos acumulados de valores introduzidos e prémios ganhos no decurso das jogadas carrega numa tecla do teclado e surge no ecrã uma imagem que indica o total. 11) Os jogos apresentados têm o mesmo modo de desenvolvimento, sendo a sua temática o único elemento que os distingue conforme imagens de arquivo que se apresentam. 12) O disco da máquina apresenta toda uma estrutura (nomeadamente aplicações) similar a máquinas que foram vistas a desenvolver jogos de fortuna ou azar, tendo sido concluído que os hashes do executável principal (Tictact.exe) têm correspondência com os de máquinas funcionais com jogos de slot machine em desenvolvimento, tendo esta máquina desenvolvido os jogos de slot machine acima descritos nos termos vindos de referir. 13) Verifica-se, assim, que a máquina de jogo examinada serve para a prática de quatro jogos de fortuna ou azar, pois o jogador aposta dinheiro na esperança aleatória de ganhar um prémio, sendo o resultado contingente, porque depende única e exclusivamente da sorte. 14) A máquina acima identificada, que proporcionava a prática daqueles jogos de fortuna e azar, foi, pelo menos no período acima referido, até à sua apreensão, mantida pelo arguido no mencionado estabelecimento e para utilização dos seus clientes, sendo efetiva e constantemente utilizada pelos mesmos. 15) O arguido colocou a acima identificada máquina no estabelecimento comercial supra identificado com o propósito concretizado de obter para si ganhos proporcionados pela utilização pelos clientes dos jogos atrás descritos com o objetivo de ganhar quantias em dinheiro de montantes superiores àqueles que eram entregues pelos clientes. 16) Durante o tempo em que a referida máquina se encontrou naquele estabelecimento e em que foi, efetivamente, utilizado por diversas vezes e por diversos indivíduos, o arguido retirou dessa utilização os lucros correspondentes. 17) Agindo da forma descrita, o arguido tinha a vontade livre e a perfeita consciência de explorar ilicitamente quatro jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados, sendo sua intenção fazê-lo, bem sabendo que a máquina utilizada continha jogos cujo resultado dependia unicamente do acaso. 18) Bem sabia o arguido, além do mais, que tal conduta é punível e proibida por lei. Mais se apurou quanto ao arguido AA que: 19) Não tem antecedentes criminais. III.2. Factos não provados: Não resultaram não provados outros factos com relevância para a decisão da causa, não tendo resultado factos não provados.»*Apreciando os fundamentos do recurso. Defende o recorrente que a matéria de facto constante dos pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 (referentes ao tipo objetivo), 17 e 18 (relativos ao tipo subjetivo) foi incorretamente julgada, devendo, nessa parte, transitar para o elenco da factualidade não provada. Acrescenta que o tribunal incorreu em “erro notório na apreciação da prova” no que se refere a tal matéria, tendo atribuído erradamente valor de prova pericial ao exame realizado à máquina e valorando, em contrariedade à lei, declarações que terão sido por si prestadas ao inspetor da ASAE, no decurso da fiscalização levada a cabo por tal entidade. Conclui que, inexistindo qualquer prova suscetível de demonstrar que a “máquina” apreendida nos autos estivesse apta e destinada a desenvolver jogos de fortuna ou azar – e, muito menos, que alguma vez tivesse desenvolvido quaisquer jogos de fortuna ou azar no estabelecimento comercial identificado nos autos, sob a sua direção - e, por outro lado, que tivesse a efetiva consciência de que tal “máquina” era mais do que uma máquina de diversão com jogos do tipo “arcadia”, não se encontram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em causa, impondo-se a sua absolvição. Vejamos se lhe assiste razão. Os poderes de cognição deste Tribunal da Relação abrangem matéria de facto e matéria de direito (cf. art.º 428.º do Código Processo Penal). A matéria de facto pode ser questionada por duas vias, a saber: - no âmbito restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento; - mediante a impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, nº 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência. A impugnação da matéria de facto baseada no chamado recurso de «revista ampliada» reconduz-se às patologias catalogadas nas alíneas do n.º 2, do art.º 410º, que devem surgir evidenciadas no texto decisório, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem recurso a quaisquer outros elementos que o extravasem. Assim, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos, como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento. O elenco legal destes vícios, como decorre das alíneas a), b) e c), do citado normativo legal, abrange a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [lacunas factuais que podiam e deviam ter sido averiguadas e se mostram necessárias à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição], a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [incompatibilidade entre factos provados ou entre estes e os não provados e entre a matéria fáctica e a conclusão jurídica] e o erro notório na apreciação da prova [erro patente que não escapa ao homem comum] [2]. O “erro notório na apreciação da prova” refere-se às situações de falha grosseira e ostensiva na análise da prova e não se confunde com a mera discordância ou diversa opinião quanto à valoração da prova produzida levada a efeito pelo julgador, antes traduz-se em distorções de ordem lógica entre os factos provados ou não provados, ou na evidência de uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorreta e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio - ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente.[3] Ou seja, há um tal erro quando o homem médio suposto pela ordem jurídica, perante o que consta do texto da decisão, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras de experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, traduzindo o vício em questão “um erro supino, crasso e inquestionável a partir da simples leitura do texto da decisão recorrida, que escapa à lógica das coisas, ou seja, quando sendo usado um processo lógico racional se extrai de um facto uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum” [4]. Em síntese, deve tratar-se de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Relativamente à modalidade de impugnação (ampla) a que alude o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP, o legislador impõe ao recorrente o dever de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa; ónus que tem que ser observado para cada um dos factos impugnados, devendo ser indicadas em relação a cada facto as provas concretas que impõem decisão diversa e, bem assim, referido qual o sentido em que devia ter sido produzida a decisão. [5] Todavia, este modo de impugnação não permite nem visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria de facto. Com efeito, o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso constitui, salvo os casos de renovação da prova (art.º 430º do Código de Processo Penal), uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento. Isto é, o tribunal de recurso não realiza um segundo julgamento da matéria de facto, incumbindo-lhe apenas emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que sejam especificados e indicados como não corretamente julgados [sem prejuízo da audição da totalidade da prova para contextualização do alegado – cf. nº 6 do art.º 412º do Código de Processo Penal]. Além disso, não basta à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, sendo necessário que as provas concretas imponham a modificação da decisão de facto, isto é, que façam prova por si de que os factos se passaram de forma diversa da que perfilhou o tribunal a quo. Como bem se expende no acórdão da Relação de Coimbra, de 8/2/2012 [6], “os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. E já não aqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se afigurou como coerente e plausível), sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1º instância tem suporte na regra estabelecida no citado art.º 127º e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se”. Ora, o tribunal decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e, por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo imprescindível, para tal efeito, que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida.[7]. Na verdade, dispõe o art.º 127º do Código Processo Penal, com a epígrafe «livre apreciação da prova», que, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova (salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial) e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal. Por isso que o juiz é livre de relevar, ou não, elementos de prova que sejam submetidos à sua apreciação e valoração: pode dar crédito às declarações do arguido ou do ofendido/lesado em detrimento dos depoimentos (mesmo que sem sentido contrário) de uma ou várias testemunhas; pode mesmo absolver um arguido que confessa, integralmente, os factos que consubstanciam o crime de que é acusado (v.g, por suspeitar da veracidade ou do carácter livre da confissão); pode desvalorizar os depoimentos de várias testemunhas e considerar decisivo na formação da sua convicção o depoimento de uma só [8]; não está obrigado a aceitar ou a rejeitar, acriticamente e em bloco, as declarações do arguido, do assistente ou do demandante civil ou os depoimentos das testemunhas, podendo respigar desses meios de prova aquilo que lhe pareça credível [9]. O que sempre se impõe é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada. Contudo, a liberdade conferida ao julgador na apreciação da prova não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, nem a valoração da prova é uma operação emocional ou intuitiva. A este propósito refere Germano Marques da Silva [10] que “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”. Em conclusão, e como é salientado nos acórdãos do STJ de 14/3/2007 e de 3/7/2008 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do Tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para tanto, deve o Tribunal de Recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa. Efetuada esta exposição introdutória analisemos, em concreto, as razões de discordância explanadas pela recorrente em relação à decisão recorrida. Os pontos da matéria de facto provada, que suscitam a discordância do recorrente, têm o seguinte teor: «3) Tendo em vista a preservação do conteúdo do disco, dado que existe software que pode efetuar o reset ao mesmo caso seja ligada a máquina e não seja introduzido um código de acesso, procedeu-se inicialmente à análise forense do conteúdo do mesmo. Analisado o relatório do registry (Registos de configurações do disco) foi possível aferir de relevante que tem o sistema operativo Windows 8.1 Pro e software Tictact instalado. Analisado o conteúdo do disco foi possível aferir que contém três partições: uma de boot, uma com o sistema operativo Windows e outros utilitários e uma terceira de recycler e onde se encontram pastas já conhecidas e identificadas em máquinas que apresentam uma estrutura de disco similar, nomeadamente a pasta com a designação “Tictact”. No que concerne à terceira partição, partição que foi possível verificar que contém software de jogo, foi possível constatar o seguinte: a. A aplicação “TicTacT.exe” é a aplicação principal, responsável pela gestão de toda a máquina, sendo que esta é iniciada com o seu arranque e que há uma interação entre todos os ficheiros da estrutura “Tic Tact”; b. Foi verificada a existência de ficheiros encriptados que não são utilizados ou necessários para o desenvolvimento dos jogos de diversão e, por conseguinte, foi efetuada a análise às funcionalidades do programa que controla todo o funcionamento da máquina (TicTacT.exe) tendo-se verificado a existência de procedimentos que utilizam os programas “Truecrypt” e “Pismo File Mount” para a criação de uma drive virtual, evidenciando assim a utilização dos ficheiros mencionados no ponto anterior; c. Na análise foi ainda possível verificar a utilização de uma pendrive para que seja possível desencriptar e montar a respetiva drive virtual (pendrive não apreendida pela entidade apreensora). No entanto, é de salientar que o disco apresenta o mesmo software e estrutura de ficheiros de máquinas em que foi possível identificar jogos de fortuna ou azar após a montagem da drive virtual.» «4) Considerando que o hash é um algoritmo que mapeia dados de comprimento variável para dados de comprimento fixo, e que num dado ficheiro, executável o cálculo é sempre igual se se tratar de um mesmo executável ou ficheiro, e que muda se um único bit for alterado (estabelecendo um paralelismo com as células humanas é como o ADN no ser humano), procedeu-se à comparação do hash SHA1 e MD5 do executável TicTact.exe (aplicação principal e responsável por todo o funcionamento da máquina) com o hash SHA1 e MD5 do executável Tictact.exe existente na base de dados de hashes deste Serviço, e relativo a de uma máquina funcional em que foram visualizados os jogos de slot machine Halloween Fortune, Halloween Classic e Pantanal em desenvolvimento.» «5) A comparação permitiu concluir que se trata de um executável exatamente igual, bit a bit, dado que apresenta os mesmos hashes.» [6) Após análise do disco foi a máquina ligada, sendo que surge no ecrã uma imagem com a referência a Multigame – 80’S Arcade, e em que vão passando imagens de apresentação dos diversos jogos de diversão disponíveis.] «7) Considerando a estrutura do disco analisada, é sabido que este tipo de máquinas carece da introdução da pendrive mencionada no capítulo anterior para permitir a montagem do volume que contém as aplicações de jogos classificados por este Serviço como jogo de fortuna ou azar, e que após a introdução de um código que consiste numa sequência de toques nos botões da consola e respetiva validação, cujo procedimento se desconhece, surge em substituição do ecrã com o menu de jogos de diversão um outro com o menu de jogos de fortuna ou azar (Halloween Fortune, Halloween Classic).» «8) Identificado no topo com a inscrição Game Arena, conforme fotografias de arquivo retiradas de uma máquina igual em funcionamento para uma melhor demonstração.» «9) Dado não se ter a pendrive e não ser conhecido o código de acesso ao menu de jogos de fortuna ou azar não foi possível visualizar os citados jogos na máquina objeto de exame.» «10) Os jogos referenciados são jogos de slot machine, e à semelhança dos disponibilizados nos casinos e desenvolvem-se do seguinte modo: após a introdução de créditos com moedas, o jogador escolhe o número de créditos a apostar por jogada, que poderá variar de 1 a 200 créditos, e dá início ao jogo. De imediato começam a girar no sentido vertical as cinco colunas sendo que cada uma tem três símbolos, e a jogada só acaba quando o movimento giratório termina, sendo logo assinalado pela máquina a existência ou não de uma das combinações premiadas. Quando o jogador pretende deixar de jogar e para que lhe possam ser pagos os créditos acumulados de valores introduzidos e prémios ganhos no decurso das jogadas carrega numa tecla do teclado e surge no ecrã uma imagem que indica o total.» «11) Os jogos apresentados têm o mesmo modo de desenvolvimento, sendo a sua temática o único elemento que os distingue conforme imagens de arquivo que se apresentam.» «12) O disco da máquina apresenta toda uma estrutura (nomeadamente aplicações) similar a máquinas que foram vistas a desenvolver jogos de fortuna ou azar, tendo sido concluído que os hashes do executável principal (Tictact.exe) têm correspondência com os de máquinas funcionais com jogos de slot machine em desenvolvimento, tendo esta máquina desenvolvido os jogos de slot machine acima descritos nos termos vindos de referir.» «13) Verifica-se, assim, que a máquina de jogo examinada serve para a prática de quatro jogos de fortuna ou azar, pois o jogador aposta dinheiro na esperança aleatória de ganhar um prémio, sendo o resultado contingente, porque depende única e exclusivamente da sorte.» «14) A máquina acima identificada, que proporcionava a prática daqueles jogos de fortuna e azar, foi, pelo menos no período acima referido, até à sua apreensão, mantida pelo arguido no mencionado estabelecimento e para utilização dos seus clientes, sendo efetiva e constantemente utilizada pelos mesmos.» «15) O arguido colocou a acima identificada máquina no estabelecimento comercial supra identificado com o propósito concretizado de obter para si ganhos proporcionados pela utilização pelos clientes dos jogos atrás descritos com o objetivo de ganhar quantias em dinheiro de montantes superiores àqueles que eram entregues pelos clientes.» «16) Durante o tempo em que a referida máquina se encontrou naquele estabelecimento e em que foi, efetivamente, utilizado por diversas vezes e por diversos indivíduos, o arguido retirou dessa utilização os lucros correspondentes.» «17) Agindo da forma descrita, o arguido tinha a vontade livre e a perfeita consciência de explorar ilicitamente quatro jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados, sendo sua intenção fazê-lo, bem sabendo que a máquina utilizada continha jogos cujo resultado dependia unicamente do acaso.» «18) Bem sabia o arguido, além do mais, que tal conduta é punível e proibida por lei.» A propósito da apreciação da prova tendente à demonstração do crime de exploração ilícita de jogo, cuja autoria foi imputada ao arguido, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte (segue transcrição): «III.3. Motivação Na formação da sua convicção o Tribunal analisou de forma livre, crítica e conjugada, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127.º do Código de Processo Penal. O arguido, apesar de regularmente notificado, não compareceu à audiência de julgamento, não sendo possível contar com a eventual versão que possa ter destes factos. Assim, os factos constantes nos pontos 1) a 18), valorámos o depoimento prestado pela testemunha BB, o teor do auto de notícia de fls. 41/43, do auto de apreensão de fls. 50/51, das fotografias de fls. 44/49, talão de fls. 54, certidão permanente de fls.150/154 e do relatório pericial de fls. 131/141. A testemunha BB é inspetor da ASAE, tendo levado a cabo a ação de fiscalização ao estabelecimento A..., em Matosinhos, na data e hora descritas na acusação, tendo sido o responsável pela elaboração do auto de notícia acima indicado. De modo objetivo, lógico, concretizado e isento, descreveu o motivo da sujeição de tal estabelecimento a fiscalização (cf. a denúncia de fls. 55), a circunstância de o mesmo estar aberto ao público, a natureza, localização e caraterísticas da máquina tipo Arcade ali existente, a circunstância de em funções de tais factos terem suspeitado que essa máquina desenvolvia jogos de fortuna ou azar e de, consequentemente, por motivos cautelares (apesar de não terem logrado visualizar tais jogos) a terem apreendido. Mais referiu que foi o arguido quem durante a fiscalização se lhes apresentou como responsável pela exploração desse estabelecimento. O valor probatório do exame pericial é o que advém do art.º 163.º, n.º 1, do Código Penal, ou seja, os seus juízos técnicos presumem-se subtraídos à livre apreciação do julgador. Neste sentido, seguimos a tese defendida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/12/2020 (cf. processo n.º 5/18.5GEMFR.L1-3, consultável em www.dgsi.pt). Este valor probatório não sai afetado pelo facto de o perito não ter visualizado a máquina em funcionamento. “Uma peritagem não é um exame. No caso do exame, que é um meio de obtenção de prova, o que se requer é a pura descrição do objeto de prova examinado (em funcionamento, ou não), em resultado da observação presencial feita pelo examinador. Exige-se-lhe que o descreva, fazendo menção dos pormenores captáveis pelos sentidos. No caso de uma perícia, que é ela própria um meio de prova, visa-se a aplicação de especiais conhecimentos técnicos ou científicos a determinado objeto da prova, para que, através dessa avaliação se possa concluir, com elevado grau de certeza, um facto até aí desconhecido. Tratando-se do resultado de um relatório pericial em que a aquisição probatória feita se reporta aos juízos técnicos formulados relativos ao modo de funcionamento das máquinas, quando ativadas pelos códigos correspondentes ao software que têm incorporado, é absolutamente irrelevante alguém tê-las observado em efetivo funcionamento, pelo que a aplicação do valor probatório vinculado está justificada.”. Tendo em consideração à localização, caraterísticas e natureza dos jogos desenvolvidos em tal máquina, assim como à circunstância de o arguido ser responsável pela exploração do referido estabelecimento, com máquinas de jogo, de acordo com as regras de experiência comum, concluímos que não podia deixar de saber da natureza ilícito da exploração de tais jogos e de que os mesmos eram desenvolvidos em tal máquina. A ausência de antecedentes criminais está certificada no CRC emitido em 28/11/2022.» Analisada a decisão recorrida não descortinamos qualquer erro na apreciação da prova (muito menos notório), sendo certo que o vício em causa não se confunde com a diversa perspetiva do recorrente em relação á apreciação da prova efetuada pelo tribunal. Com efeito, de modo algum se pode concluir que a perspetiva do tribunal sobre a prova carece de fundamento, mostrando-se arbitrária, irracional, ilógica ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Do mesmo modo, a prova indicada pelo recorrente (fundamentalmente, os autos de notícia e de apreensão, as fotografias de fls. 44/49 e o conteúdo do relatório de exame pericial) de modo nenhum impõe decisão diversa da recorrida – bem pelo contrário, são congruentes no sentido da sua comprovação, como teremos oportunidade de explicitar. Do conteúdo da decisão resulta que o tribunal baseou a sua convicção relativamente às caraterísticas da máquina de jogos apreendida, fundamentalmente, no conteúdo do relatório de exame pericial constante dos autos, que analisou conjugadamente com os restantes meios de prova. Invoca o recorrente que este meio de prova foi invalidamente valorado pelo tribunal, uma vez que não reúne os necessários requisitos para poder ser qualificado de prova pericial. Relativamente a esta questão, importa desde já sublinhar que concordamos com o tribunal de primeira instância e divergimos, por isso, da opinião expressa pelo recorrente. A máquina referenciada, apreendida em resultado de ações de fiscalização realizadas ao estabelecimento comercial explorado pelo arguido, ora recorrente, foi sujeita a exame pericial realizado pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos – Departamento de Planeamento e Controlo da Atividade de Jogo, sendo elaborado o correspondente relatório, que se mostra junto aos autos, no qual são descritas as caraterísticas externas da dita máquina e o seu modo de funcionamento e, ainda, o software instalado e os ficheiros armazenados no disco rígido do computador nelas existente, permitindo o acesso a determinados jogos, caraterísticas destes últimos e modo de desenvolvimento dos mesmos. O recorrente funda o alegado erro na apreciação da prova, para além do mais, no facto de o perito não ter relatado o funcionamento das máquinas a partir de constatações retiradas da observação delas em efetivo funcionamento. Ora, como é observado no acórdão do TRL de 3/12/2020 (disponível em www.dgsi.pt), a questão é falaciosa. Não foi pedido um exame à máquina, nem o relatório para que a fundamentação de facto remete se reporta a qualquer exame. Foi pedida uma perícia e o relatório para o qual a fundamentação de facto da sentença remete é precisamente o relativo ao resultado dessa perícia. A diferença é absolutamente determinante: no caso do exame, que é um meio de obtenção de prova, o que se requer é a pura descrição do objeto de prova examinado (em funcionamento, ou não), em resultado da observação presencial feita pelo examinador. Exige-se-lhe que o descreva, fazendo menção dos pormenores captáveis pelos sentidos. No caso de uma perícia, que é ela própria um meio de prova, visa-se a aplicação de especiais conhecimentos técnicos ou científicos a determinado objeto da prova, para que, através dessa avaliação se possa concluir, com elevado grau de certeza, um facto até aí desconhecido. A perícia supõe a aplicação de especiais conhecimentos técnicos ou científicos a um determinado objeto de prova para daí se retirar, com a segurança adequada à exigida aos meios de prova, se determinado facto com relevo para a prática do crime ocorreu e em que termos ocorreu, para o que é irrelevante saber como foram adquiridos os especiais conhecimentos (se por formação académica, estudo científico, ou outra forma). Porque se trata de um meio de prova fundado em juízos técnico/científicos é-lhe atribuído um valor probatório reforçado. Parte-se do princípio que os conhecimentos técnicos aplicados são de tal modo especiais que não se compadecem com o princípio da livre apreciação da prova. Em consequência, só são suscetíveis de ser arredados, quando rebatidos numa fundamentação suficientemente convincente assente, também ela, em razões da mesma ordem técnica ou científica. Manifestamente, o Tribunal a quo aceitou como bom o resultado da perícia no que se reporta ao funcionamento das máquinas, porque para ela remeteu, sem sequer tentar rebatê-la, ou manifestar divergência quanto aos factos em que se apoiou. E fê-lo de forma que não merece reparo. É que aquilo que foi acolhido na sentença, com base nas perícias, são factos que resultam da aplicação à análise das máquinas dos falados especiais conhecimentos técnicos. Não resultam de nenhuma observação empírica do funcionamento das máquinas, porque aí estaríamos no âmbito do puro exame. Uma perícia não se limita à descrição do funcionamento de algo conhecido. Porque se baseia na aplicação de conhecimentos técnicos inquestionados a uma dada realidade, nada obsta a que se conclua por determinada forma de funcionamento (no que ao caso interessa) independentemente de o objeto de prova ter sido posto a funcionar ou não. Aliás, o interesse da perícia está precisamente na perceção daquilo que, não tendo sido objeto de direta observação, só se pode percecionar mediante a aplicação de regras de ordem técnica ou científica, fora do alcance do homem comum, a dada realidade de facto. Não se exige, por exemplo, que o perito que elabora um relatório de autópsia, onde se caracterizam determinados golpes de faca, tenha presenciado a forma como eles foram desferidos. O que se lhe pede é que, face ao estado do seu conhecimento científico, descreva aquilo que é viável que tenha acontecido face aos vestígios deixados, esses sim, suscetíveis de análise e estudo. E foi algo semelhante com isso que aconteceu, no caso dos autos. Perante as características das máquinas (e dos respetivos “softwares” inseridos), ou seja, os mecanismos que a compõem, os peritos, mediante a aplicação dos seus especiais conhecimentos técnicos, concluíram que elas funcionavam de determinada maneira, que descreveram. É absolutamente irrelevante para o caso saber se viram, ou não, estas precisas máquinas a funcionar. O que releva é que, face às características observadas nas máquinas e àquilo que são as regras de funcionamento de sistemas com características semelhantes, se concluiu, num juízo puramente pericial, que elas estão aptas a funcionar de determinado modo, que os peritos descreveram. Resta concluir que, tratando-se do resultado de um relatório pericial em que a aquisição probatória feita se reporta aos juízos técnicos formulados relativos ao modo de funcionamento das máquinas, quando ativadas pelos códigos correspondentes ao software que têm incorporado, é absolutamente irrelevante alguém tê-las observado em efetivo funcionamento, pelo que a aplicação do valor probatório vinculado a que respeita o art.º 163.º do CPP está absolutamente justificada.[11] Aliás, e como se observa neste aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, a argumentação do recorrente reconduzir-se-ia a que, sempre que apreendida uma máquina sem que se conheçam os códigos ativadores do sistema, a averiguação da aptidão para o funcionamento como meio de jogo estava prejudicada porque, ou a máquina não trabalhava sem os ditos códigos, ou, ao substituírem-se os mesmos, se estaria a produzir uma modificação nas máquinas. Assim se descobria a “solução milagrosa” quanto à inviabilização da aquisição de elementos de prova indispensáveis à caracterização dos materiais apreendidos. As caraterísticas e modo de desenvolvimento dos jogos em referência, que foram dados como provados na sentença recorrida, não se tratam, pois, ao invés do que defende o recorrente, de “meras conclusões”, não assentam em meras ilações ou presunções, nem desrespeitam as regras sobre o modo de produção e o valor da prova pericial. Resolvida esta questão, analisemos, agora, a que se refere à valoração das declarações prestadas pelo arguido/recorrente aos inspetores da ASAE. Alega o recorrente que o tribunal estava impedido de valorar as declarações por si prestadas aos inspetores da ASAE, no âmbito da fiscalização realizada ao estabelecimento comercial, constituindo tal procedimento uma ilegalidade e configurando prova proibida, uma vez que, naquele momento, não havia sido constituído arguido. Em primeiro lugar, importa observar que, quanto a esta matéria, apenas podemos analisar o que consta do texto da decisão recorrida, uma vez que o recorrente não indicou concretamente as passagens das provas gravadas em que funda a impugnação, não cumprindo, assim, o ónus de especificação (cf. o art.º 412.º, n.º 3, b) e n.º 4, do CPP). Ora, reportando-se ao depoimento prestado pela testemunha BB, inspetor da ASAE que levou a cabo a ação de fiscalização ao estabelecimento “A...”, em Matosinhos, na data e hora descritas na acusação, tendo sido o responsável pela elaboração do auto de notícia indicado no processo, o tribunal a quo escreveu na sentença recorrida o seguinte (segue transcrição): «De modo objetivo, lógico, concretizado e isento, descreveu o motivo da sujeição de tal estabelecimento a fiscalização (cf. a denúncia de fls. 55), a circunstância de o mesmo estar aberto ao público, a natureza, localização e caraterísticas da máquina tipo Arcade ali existente, a circunstância de em funções de tais factos terem suspeitado que essa máquina desenvolvia jogos de fortuna ou azar e de, consequentemente, por motivos cautelares (apesar de não terem logrado visualizar tais jogos) a terem apreendido. Mais referiu que foi o arguido quem durante a fiscalização se lhes apresentou como responsável pela exploração desse estabelecimento.» Neste domínio, independentemente da posição mais restrita ou mais ampla que se possa defender, sobre proibição de “conversas informais” havidas com os órgãos de polícia criminal - concretamente, se essa proibição só deve abranger as conversas posteriores à constituição de arguido e ou se deve abranger também as conversas que tiveram lugar antes dessa constituição -, constitui entendimento consolidado da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e que se perfilha, o de que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos que constataram, no âmbito das diligências efetuadas, durante a fase investigatória ou de inquérito e ainda antes destas fases, na recolha de indícios de uma infração de que acabam de ter conhecimento, competindo-lhes “praticar os atos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, nomeadamente, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (cf. artigo 250º, n.º 1 e n.º 2, al. b) e artigo 250º, n.º 8, ambos do CPP), podendo, nesse contexto, as conversas tidas entre os órgãos de polícia criminal e essas pessoas, mesmo que, posteriormente, estas últimas, venham a assumir a qualidade de arguidos, e desde que não consubstanciem «declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe», ser reproduzidas em audiência de julgamento.[12] Nesta conformidade, nada impede que os órgãos de polícia criminal, arrolados como testemunhas, possam relatar, em audiência de julgamento, designadamente, se, naquela fase, houve ou não colaboração por parte da pessoa que viria a ser constituída na qualidade de arguido(s), v.g. se esta forneceu ou não elementos, tais como documentos, que lhe hajam sido solicitados e as circunstâncias em que o fez. No caso dos autos, como resulta da motivação da decisão de facto exarada na sentença recorrida, a testemunha, inspetor da ASAE, que realizou as ações de fiscalização que estão aqui em causa, cujo depoimento foi valorado pelo Tribunal a quo, relatou os factos por si detetados aquando da fiscalização, designadamente, no referente às condições em que se encontravam as “máquinas” que vieram a ser apreendidas e à atitude da pessoa com quem contactaram no estabelecimento em causa, que viria a ser constituída arguida, tratando-se do ora recorrente. Deste modo, a testemunha, inspetor da ASAE, que prestou depoimento na audiência de julgamento, e a que o Tribunal a quo atendeu, em conjugação com a demais prova produzida, para formar a sua convicção, relatou o modo como decorreu a ação de fiscalização em que participou, os factos que, então, constatou/percecionou, como chegou até à identificação do arguido como sendo a pessoa que explorava o estabelecimento comercial onde se encontravam as máquinas em questão, o exato local onde estas estavam e as condições em que se encontravam. Não estamos, por isso, e ao contrário do que afirma o recorrente, perante uma situação em que as testemunhas, órgãos de polícia criminal, reproduzissem, em audiência de julgamento, declarações prestadas pelo arguido, em momento em que já deveria ter assumido esta última qualidade e em violação do disposto no n.º 7 do artigo 356º do CPP, posto que a identificada testemunha descreveu ao tribunal, em audiência de julgamento, os factos que presenciou no local, o modo como se desenrolaram as ações de fiscalização em que interveio e os elementos de prova recolhidos, nesse âmbito. Assim sendo, nada impedia que o Tribunal a quo pudesse valorar, como valorou, o depoimento desta testemunha, em conjugação com a demais prova produzida, não se estando, em qualquer dos casos, perante depoimento indireto (de “ouvir dizer”), nos termos do disposto no artigo 129º do CPP, nem perante a aquisição de prova em violação da proibição legal prevista no n.º 7 do artigo 356º do CPP, sendo certo que a tal não obstava a circunstância de o arguido não ter prestado declarações, em audiência de julgamento, no legítimo exercício do direito ao silêncio que lhe assiste. Pelo exposto e, em conformidade, concluímos não existir qualquer impedimento legal à valoração, como prova, do depoimento da testemunha, inspetor da ASAE, tal como o foi pelo Tribunal a quo, não estando abrangido pela proibição de prova, prevista no n.º 7 do artigo 356º do CPP. Perante o quadro factual atrás descrito, integrador do tipo objetivo do crime de exploração ilícita de jogo em apreço, é evidente que o passo lógico seguinte consistia em ter por demonstrado o dolo do arguido/recorrente, como fez o tribunal de primeira instância. Com efeito, quanto à prova dos elementos subjetivos, por via de regra, na ausência de confissão do arguido, a prova do dolo terá de ser feita através de prova indireta a partir da leitura do comportamento exterior e visível do agente, mediante os elementos objetivamente comprovados e em conjugação com as regras da experiência comum [13]. Na verdade, “a intenção de praticar o crime pertence ao foro íntimo, psicológico, da pessoa e, se negada ou reconduzindo-se o agente ao silêncio, só a ela normalmente se chega através de factos externos ao agente, concludentes desse nexo psicológico e, assim, através de prova indireta (indiciária)”, como se reconhece no acórdão deste TRP de 27/1/2021 (igualmente consultável em www.dgsi.pt). Ora, e tal como assinala o tribunal de primeira instância na decisão recorrida, “tendo em consideração a localização, caraterísticas e natureza dos jogos desenvolvidos em tal máquina, assim como a circunstância de o arguido ser responsável pela exploração do referido estabelecimento, com máquinas de jogo, de acordo com as regras de experiência comum, concluímos que não podia deixar de saber da natureza ilícito da exploração de tais jogos e de que os mesmos eram desenvolvidos em tal máquina.”. Em síntese, não podemos deixar de concluir que a decisão recorrida encontra-se perfeitamente suportada pelo princípio da livre apreciação da prova e, ainda, pelo princípio in dubio pro reo [14] (sendo certo que o tribunal de primeira instância, desde logo, não enuncia qualquer dúvida relativamente à verificação desta factualidade, que pudesse ter resolvido de forma desfavorável ao arguido, nem tal dúvida se evidencia) [15], não tendo sido valorada qualquer prova produzida em contrariedade à lei e inexistindo, portanto, erro notório na apreciação da prova.[16] Finalmente, e como já tivemos oportunidade de afirmar, nenhuma das provas indicadas pelo recorrente impõe decisão diversa da recorrida. Pelo contrário, é na análise dos elementos de prova indicados pelo recorrente (autos de notícia e de apreensão, fotografias e relatório pericial), conjugada com a prova testemunhal atrás mencionada e conexionada com regras de normalidade decorrentes da experiência comum, que o tribunal legitimamente funda a sua convicção, para além de qualquer dúvida razoável [17]. Deste modo, e como se observa no acórdão deste TRP, de 2/6/2019 [18], “Constatando-se que não são detetáveis desconformidades entre a prova produzida, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, tendo o tribunal justificado suficientemente na decisão as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de modo racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão sobre a matéria de facto […]”. Improcede, desta forma, o presente fundamento do recurso, considerando-se definitivamente fixada a matéria de facto impugnada pelo recorrente. Por fim, resta assinalar que os factos que resultaram provados integram a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito em análise, para além do respetivo tipo de culpa, pelo que se impunha a condenação do arguido/recorrente, tal como decidiu o tribunal de primeira instância, pelo crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo art.º 108.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de dezembro. Improcede, assim, na totalidade o presente recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.*III – Dispositivo Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, confirmando-se integralmente a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa). Notifique.*(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente)*Porto, 17 de maio de 2023. Liliana de Páris Dias Cláudia Rodrigues João Pedro Pereira Cardoso __________________ [1] Mantendo-se a ortografia original do texto. [2] Cf., neste sentido, o acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, de 15/11/2018, consultável em www.dgsi.pt. [3] “Estão incluídas, evidentemente, as hipóteses de erro evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta. Porém, esta interpretação do preceito pecaria por demasiado restritiva do seu alcance e deixaria a descoberto muitas situações de matéria de facto viciada por erro notório de apreciação da prova. Na verdade, seria inconcebível que, não obstante ser inacessível ao homem médio, mas evidente para qualquer jurista ou, mesmo para o tribunal, ainda assim, o vício não devesse ser sanado pela previsão do preceito em causa. Assim, estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada. Certo que o erro tem que ser «notório». Importa, pois, para assegurar essa notoriedade, que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada e sopesado à luz de regras da experiência, não necessariamente só do homem comum. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que essa existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem, demonstração esta que, naturalmente, deve ser acessível a toda a gente, enfim, agora sim, ao homem comum” (cf. CPP Comentado, A. Henriques Gaspar e outros, 2016, 2ª. ed. rev., pág(s) 1275, parág(s) 6). [4] Cf. o acórdão do TRP de 15/11/2018, e o acórdão do STJ de 18/5/2011, também disponível em www.dgsi.pt. Como é assinalado no acórdão do TRP de 30/1/2019 (relatado por Neto de Moura e disponível em www.dgsi.pt, reproduzindo o comentário do Conselheiro Pereira Madeira ao artigo 410.º in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2014, pág. 1359), “basta para assegurar essa notoriedade que ela ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada – ainda que para além das perceções do homem comum – e sopesado à luz de regras da experiência. Ponto é que, no fim, não reste qualquer dúvida sobre a existência do vício e que a sua existência fique devidamente demonstrada pelo tribunal ad quem”. [5] Mas mesmo essa reapreciação ampla, como assinala o STJ, no acórdão de 2/6/2008, (no proc. 07P4375, in www.dgsi.pt) sofre as limitações que decorrem e resultam dos seguintes fatores: - da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação, restringindo aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - da falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações, postergando-se assim a “sensibilidade” que decorre de tais princípios; - de a análise e ponderação a efetuar pelo Tribunal da Relação não constituir um novo julgamento, porque restrita à averiguação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros indicados pelo recorrente; e de - o tribunal só poder alterar a matéria de facto impugnada se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do nº 3 do citado art.º 412º), e não apenas a permitirem. [6] Relatado pelo Desembargador Brízida Martins e disponível para consulta em www.dgsi.pt. [7] Tem sido este, de facto, o entendimento predominante da jurisprudência dos tribunais superiores. Para além do acórdão da Relação de Coimbra, de 8/2/2012 (relatado pelo Desembargador Brízida Martins e já citado), veja-se também o acórdão deste TRP, de 2/6/2019 (relatado pelo Desembargador Paulo Costa e disponível em www.dgsi.pt), no qual se afirma que “Constatando-se que não são detetáveis desconformidades entre a prova produzida, que inexistem provas proibidas ou produzidas fora dos procedimentos legais, tendo o tribunal justificado suficientemente na decisão as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas de modo racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo, resta à Relação confirmar a decisão sobre a matéria de facto e nomeadamente a que diz respeito à questionada pelo recorrente.” Ou na síntese do acórdão do TRP, de 6/3/2002, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso, igualmente disponível em www.dgsi.pt: “Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.”. [8] Como se fez notar no acórdão do STJ de 11/7/2007 (www.dgsi.pt), a prova produzida avalia-se pela sua qualidade, pelo seu peso na formação da convicção, e não pelo seu número. [9] Cf., expressamente neste sentido, o acórdão deste TRP, datado de 17/2/2016 (Relator: Desembargador Neto de Moura), disponível para consulta em www.dgsi.pt. [10] In “Curso de Processo Penal”, Verbo, vol. II, pág. 111. [11] No mesmo sentido, cf. o acórdão do TRE de 23/6/2020 (Fátima Bernardes, in www.dgsi.pt). [12] Neste sentido, cf. o acórdão do TRE de 23/6/2020 (Fátima Bernardes). A propósito desta matéria, observa-se no acórdão do TRE de 28/3/2023 (Gomes de Sousa), igualmente publicado em www.dgsi.pt, o seguinte: «Como mera decorrência do n.º 5 do artigo 58.º CPP, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores deste artigo implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído arguido não pode ser utilizada como prova. 4. Mas esta proibição de prova não abrange as declarações ouvidas pelos agentes policiais ao arguido - antes de o ser - se não houver culpa sua no atrasar da formalização daquela constituição. 5. A não constituição de alguém como arguido nos casos a que se refere o citado artigo 58.°, nomeadamente, a violação ou omissão das formalidades aí previstas implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela (n.° 4). […] 7. Face ao ordenamento português e no caso concreto parece indubitável que um simples cidadão ou cidadão suspeito não goza do direito ao silêncio e, como tal, a prova produzida pelas suas declarações, melhor, depoimento, é válido. 8. Se ainda não havia obrigação de constituição como arguido e as entidades policiais agem dentro dos poderes concedidos pelas normas reguladoras da aquisição e notícia do crime (artigos 241.º e 242.º) e de medidas cautelares e de polícia (artigos 248.º e ss., designadamente o artigo 250.º do CPP), sem má-fé ou atraso propositado na constituição de arguido, e ouvem do cidadão ou suspeito a informação da prática de um crime, isso não constitui violação de lei ou fraude à lei, nem obtenção de prova proibida. 9. Por isso que a questão não se centra – como faz alguma jurisprudência – em saber se a proibição de “conversas informais” deve abranger afirmações anteriores ou posteriores à constituição de arguido, pois que são proibidas após a constituição como arguido é do reino do óbvio; mas que nunca são antes da constituição como arguido também nos parece evidente, já que aí nem existem “conversas informais”, antes afirmações de um cidadão, que pode ser suspeito ou nem isso. 10. E o suspeito ou nem isso é, no ordenamento processual penal português, uma testemunha. 11. Exceto se a má-fé policial tiver ilegalmente atrasado essa constituição, sendo essa a razão de ser do n.º 5 do artigo 58.º CPP, que comina com a nulidade probatória uma conduta policial que conduza a um resultado não querido pelo legislador. 12. Assim, a questão centra-se, no caso de situações de fronteira, na distinção a fazer entre as figuras de “suspeito” e “arguido”. Este goza de direitos, aquele é testemunha. O arguido goza do direito ao silêncio, o suspeito não.» [13] Como é salientado no acórdão deste TRP, datado de 31/10/2018 (e disponível para consulta em www.dgsi.pt). [14] Consta do sumário do acórdão do STJ de 15/12/2011, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges e que se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt, o seguinte: “XVII - Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, importa acentuar que, dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, num caso em que, como o presente, o Tribunal da Relação se encontra no âmbito de um recurso da matéria de facto restrito aos vícios previstos no art.º 410.°, n.º 2, do CPP, a mesma deve resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos referidos vícios. Ou seja, só ocorre quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente – de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido - pela prova em que assenta a convicção.”. Na síntese de Roxin (in “Derecho Procesal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111), “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”. Importa, ainda, salientar que o que releva é a dimensão objetiva do princípio “in dubio pro reo”. Na síntese do acórdão do TRL de 22/9/2020 (relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt), “no caso de o tribunal dar como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que não tenha manifestado ou sentido a dúvida, mesmo que não a reconheça, há violação do princípio se, do confronto com a prova produzida, se conclui que se impunha um estado de dúvida.” – algo que, no presente caso, manifestamente não se verifica, como já tivemos oportunidade de concluir. [15] O princípio in dubio pro reo consubstancia uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, (tal como sucede com a livre convicção) argumentada, coerente, razoável – neste sentido cf. Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (1996), p. 25. Assim, para a revogação da sentença importaria demonstrar, não só duas versões diferentes do mesmo facto, mas duas versões sérias, razoáveis e plausíveis e que, em tal contexto, o tribunal acolheu aquela que desfavorece o arguido. O que, como se viu, não sucede no presente caso. [16] Ou qualquer um dos outros vícios a que alude o n.º 2 do art.º 410.º do CPP, todos de conhecimento oficioso. Com efeito, a decisão mostra-se coerente, harmónica, destituída de antagonismos factuais, de factos contrários às regras da experiência comum ou de erro patente para qualquer cidadão, nela inexistindo também qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo, por outro lado, a fundamentação de facto suficiente para fundar uma segura decisão de direito. [17] A decisão da matéria de facto, em processo penal, constitui, não só a superação da dúvida metódica, mas também da dúvida razoável sobre a matéria da acusação e da presunção de inocência do arguido. Tal superação é sujeita a controlo formal e material rigoroso do processo de formação da decisão e do conteúdo da sua motivação, a fim de assegurar os padrões inerentes ao Estado de Direito moderno (cf., neste sentido, o acórdão do TRP de 14/7/2020, relatado pelo Desembargador Jorge Langweg e disponível em www.dgsi.pt). É de notar que as fotografias constantes do auto de notícia evidenciam que as máquinas em questão estavam em funcionamento, encontrando-se posicionados bancos à sua frente e cinzeiros em cima das máquinas para uso dos respetivos utilizadores. Numa delas até foi encontrada uma chávena de café e um cinzeiro ainda sujos. [18] Relatado pelo Desembargador Paulo Costa e disponível em www.dgsi.pt.