Processo:6213/08.0TBLRA.C1
Data do Acordão: 16/12/2014Relator: FALCÃO DE MAGALHÃESTribunal:trc
Decisão: Meio processual:

I – Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a) do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685º-B do CPC). II - A exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no 685º-B, nº 2 do CPC e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens. III - Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso. IV - A presunção judicial é a ilação que o julgador, por força das regras de experiência comum - ou seja, de acordo com aquilo que, em situações semelhantes, as mais das vezes sucede (id quod plerumque accidit) -, tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (artºs 349° e 351º do Código Civil). V – A expressão “ainda que por intermédio de comissário”, constante do nº 1 do art.º 503º do CC, vinca bem que também nos casos em que a utilização do veículo não se faz por intermédio de comitente, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo quem, tendo a respectiva direcção efectiva, o utilizar no seu interesse. VI - Constitui jurisprudência pacífica ser de concluir, por presunção resultante daquilo que decorre ser o conteúdo normal do direito de propriedade definido no art.º 1305º do Código Civil, que o proprietário do veículo possui a respectiva direcção efectiva e utiliza-o no seu interesse. Trata-se de uma presunção natural que o julgador pode tirar (art.º 349º e 351º do CC), assente nas regras de experiência da vida, ou seja naquilo que, em circunstâncias idênticas, sucede as mais das vezes, cujo funcionamento não é prejudicado pela falta de verificação da presunção legal estabelecida na 1ª parte do nº 3 do art.º 503º do CC, não obstando, pois, a falta de prova da relação de comissão a que se reporta esta norma, à afirmação da existência de direcção efectiva e interessada do veículo por parte do respectivo proprietário.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores
IMPUGNAÇÃO DE FACTO PRESUNÇÃO JUDICIAL RESPONSABILIDADE PELO RISCO PROPRIETÁRIO
No do documento
Data do Acordão
12/17/2014
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
CONFIRMADA
Sumário
I – Ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a) do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685º-B do CPC). II - A exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no 685º-B, nº 2 do CPC e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens. III - Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso. IV - A presunção judicial é a ilação que o julgador, por força das regras de experiência comum - ou seja, de acordo com aquilo que, em situações semelhantes, as mais das vezes sucede (id quod plerumque accidit) -, tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (artºs 349° e 351º do Código Civil). V – A expressão “ainda que por intermédio de comissário”, constante do nº 1 do art.º 503º do CC, vinca bem que também nos casos em que a utilização do veículo não se faz por intermédio de comitente, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo quem, tendo a respectiva direcção efectiva, o utilizar no seu interesse. VI - Constitui jurisprudência pacífica ser de concluir, por presunção resultante daquilo que decorre ser o conteúdo normal do direito de propriedade definido no art.º 1305º do Código Civil, que o proprietário do veículo possui a respectiva direcção efectiva e utiliza-o no seu interesse. Trata-se de uma presunção natural que o julgador pode tirar (art.º 349º e 351º do CC), assente nas regras de experiência da vida, ou seja naquilo que, em circunstâncias idênticas, sucede as mais das vezes, cujo funcionamento não é prejudicado pela falta de verificação da presunção legal estabelecida na 1ª parte do nº 3 do art.º 503º do CC, não obstando, pois, a falta de prova da relação de comissão a que se reporta esta norma, à afirmação da existência de direcção efectiva e interessada do veículo por parte do respectivo proprietário.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


I - Relatório:


A) - 1) – C…, nascida a 26/12/1995, representada pelos seus pais, H… e S…, intentou, no Tribunal Judicial de Leiria, contra a “Companhia de Seguros T…, S.A.”, com sede em …, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação desta Seguradora a pagar-lhe a quantia de € 228.772,00, o valor que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente a cirurgias, tratamentos, deslocações a efectuar, bem como € 1.972 euros de deslocações e € 1.800 de perdas salariais de sua mãe (acrescidos de juros de mora, desde a citação), alegando, em síntese, que o pedido indemnizatório que formula destina-se a ressarcir os danos patrimoniais e não patrimoniais que resultaram do acidente de viação de que foi vítima e que consistiu no seu atropelamento pela viatura automóvel de matrícula …-TQ, então segurado pela Ré “T…, S.A”, acidente esse ocorrido em 16/12/2005, e cuja culpa exclusiva imputou ao condutor do referido veículo. 


2) - A Ré “T…, S.A.”, contestando, defendeu-se, entre o mais, por impugnação, alegando, designadamente:


- Que o acidente se deveu, exclusivamente, à conduta da menor C…, que começou a travessia da estrada, desatenta e em correria, não podendo o condutor do veículo seguro ter ser evitado o embate;


- Quanto aos danos, diz, além do mais, serem excessivos os montantes peticionados, sustentando, ainda, que há pedidos que respeitam exclusivamente aos representantes da Autora;


3) - O “Centro Hospitalar de Coimbra EPE, veio demandar a Ré “T…, S.A.”, em acção declarativa, que depois veio a ser apensa, pedindo o pagamento da quantia de € 7901,87, ampliada posteriormente para € 9562,10, acrescida de juros moratórios a contar desde a citação à taxa legal até integral pagamento, alegando, em síntese, que o peticionado representava os custos dos cuidados de saúde que prestara à lesada em consequência do acidente.


4) - A Ré defendeu-se dizendo que, pelos motivos já acima referidos, o seu segurado não tivera qualquer responsabilidade pelo acidente em causa.


5) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar, com gravação da prova, a audiência final, com decisão respondendo à matéria da base instrutória, vindo a ser proferida sentença, em 01/10/2013, na parte dispositiva da qual se consignou:


“…decide-se:


a) Condenar a R. a entregar à A. C… a quantia de cento e quarenta mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal e a contar da data da presente decisão;


b) Absolver a R. do demais peticionado pela A. C…;


c) Condenar a R. no valor que se vier a liquidar por operações cirúrgicas para corrigir a ptose e o estrabismo, e ao nível de ortopedia relacionada com o encurtamento do membro inferior direito;


d) Condenar a R. a entregar à A. Centro Hospital de Coimbra E.P.E. a quantia de nove mil quinhentos e sessenta e dois euros e dez cêntimos, acrescida de juros de mora desde a citação sobre a quantia de €4.589,96, e no mais desde a data de cada notificação da R. relativamente a cada quantia ampliada à taxa legal até efetivo e integral pagamento;


B) - 1) - Inconformada com o assim decidido, a Ré “Companhia de Seguros T…, S.A.”, a finalizar a alegação do recurso que interpôs - e que veio a ser recebido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - ofereceu as seguintes conclusões:


…


2) - A Apelada, na resposta que apresentou, entre o mais, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.


3) - O Relator, por despacho de 19/05/2014, dizendo afigurar-se-lhe que a Recorrente não havia indicado com exatidão as passagens da gravação em que fundava o seu recurso quanto à matéria de facto, pelo que seria de rejeitar o recurso nessa parte, ordenou a notificação das partes para que sobre isso se pronunciassem, querendo.


4) - A Apelante, através de requerimento que deu entrada em juízo em 05/06/2014 (entrando o original em 06/06/2014), veio, em síntese, dizer que tinha indicado ”…todos os elementos que das actas e do CD constavam quanto aos depoimentos prestados e que pretende ver reapreciados, mais não lhe podendo ser exigido.”, defendendo dever ser admitido e apreciado o recurso interposto.


Com esse requerimento juntou “três depoimentos transcritos” (são os depoimentos das testemunhas …).


5) - A Apelada pugnou pela rejeição do recurso atendendo ao incumprimento da Recorrente quanto à indicação exata das passagens dos depoimentos em que se fundava.


6) - Por despacho de 10/07/2014, o relator rejeitou a impugnação da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados.


7) - A Apelante veio apresentar reclamação desse despacho, requerendo que a mesma fosse apreciada em Conferência e julgada procedente, admitindo-se o recurso sem limitações.


Em síntese e para além daquilo que já defendera, diz não haver, no caso, “dispensa da audição completa dos depoimentos indicados” e que, salvo melhor opinião, “…ao transcrever os excertos considerados relevantes cumpre a exigência da exacta das passagens dos depoimentos em que se funda o recurso”. Acrescenta, ainda, que, para além disso, juntou “os depoimentos transcritos e assinaladas as passagens da matéria de facto”. Julga-se que, quanto a este último ponto, com a afirmação de que as passagens foram assinaladas, a Apelante reporta-se às transcrições juntas após o despacho de 19/05/2014, com o aludido requerimento de 05/06/2014, e ao sublinhado a cor amarela “florescente”, de alguns trechos dessas transcrições. 


8) - A Apelada veio reiterar a posição que já antes assumira e salientar que, terminando o prazo do recurso em 05/01/2014, as transcrições em causa só foram juntas em 05/06/2014;


9) - Por despacho do relator foi determinado que a apreciação da reclamação em causa se faria no acórdão que julgasse o recurso, nos termos do nº 4 do artº 652º do novo CPC.


B) - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no âmbito das normas correspondentes do direito processual pretérito, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35863)[2].
Assim, a questão que cumpre solucionar no presente recurso, para além das atinentes à aludida reclamação da rejeição da impugnação da matéria de facto e à verificação da existência das nulidades de sentença que a Apelante invoca, consiste em saber se, em face da factualidade provada, é de alterar, no sentido defendido pela Recorrente, o decidido na sentença da 1ª Instância.


II - Fundamentação:


A) Os factos.


…


2) - Na decisão em que o Relator rejeitou a impugnação da matéria de facto baseada nos depoimentos, escreveu-se, a fundamentá-la:[3]


«… Nas alegações do recurso que interpôs dessa sentença, a Ré, entre o mais, pediu a reapreciação da matéria de facto, pugnando para que esta Relação, dando como provados os artigos 1.º, 51.º, 55.º, 57.º, 67.º e 68.º da Base Instrutória, alterasse o decidido pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto.


Tendo a prova produzida em julgamento sido objecto de registo, através de gravação áudio, a Recorrente, para defender o pretendido quanto à matéria de facto, pugnou pela correcta apreciação da prova produzida, designadamente, do depoimento da testemunha …, que a Apelante referiu estar gravado em Habillus Media Studio, no dia 08 de Janeiro de 2013, com início de gravação às 10:43:26 e fim de gravação às 11:18:01., e do depoimento da testemunha …, que a Apelante refere com início de gravação às 10:16:26 e fim de gravação às 10:42:42.


Desses depoimentos, cuja reapreciação requereu, a Apelante reproduziu os trechos que entendeu relevantes para alcançar o apontado desiderato.


Afigurando-se que a Recorrente não procedera à indicação exigida pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, pelo que seria de rejeitar o recurso, no que concerne à alteração da matéria de facto fundada nos depoimentos das testemunhas, cumpriu-se o contraditório, tendo a Apelante vindo defender que cumprira “escrupulosamente, todos os requisitos dos recursos para a impugnação da matéria de facto”, enquanto que a Apelada veio pugnar pela rejeição do recurso, na vertente ora em causa. 


Vejamos.


Sendo aplicável ao caso “sub judice” o Novo Código de Processo Civil[4], aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, dado que foi já na vigência desse Código que foi proferida a decisão impugnada, estabelece o seu artº 662º, nº 1, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.


Tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados na audiência, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC).  


Por outro lado, ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC).


Para melhor se entender o alcance do referido nº 2, a), do artº 640º do NCPC, importa relembrar os antecedentes do artº 685-B, nº 2, do CPC, que, na legislação pretérita, é o preceito correspondente àquele artigo.


O artº 690-A ao CPC, aditado pelo DL 39/95, de 15 de Fevereiro (artº 2), dispunha, na parte que ora releva: «1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: 


a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; 


b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 


2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.».


O legislador do DL 39/95, de 15 de Fevereiro, acentua, no respectivo preâmbulo, a natureza de “válvula de segurança” - para obviar à utilização abusiva do recurso sobre a matéria de facto -, que representava o ónus do recorrente, estabelecido no preceito, no que concerne à delimitação do objecto do recurso, dizendo: “Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta. 


Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.».  


Sabendo-se que o preâmbulo não possui força vinculativa, mas que não deixa de constituir um elemento histórico importante na função de interpretar o texto legal[5], importa salientar que, “in casu”, segundo, nos parece, o texto do preceito em causa compagina-se com o desiderato referido no transcrito trecho do preâmbulo do DL 39/95.


O DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, veio, além do mais, alterar a redacção do 690º-A, deixando este preceito de impor ao recorrente o ónus de transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação dos depoimentos, passando a constar do seu nº 2: «No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.». 


Coerentemente, com a alteração introduzida ao artº 690-A, o aludido DL nº 183/2000, veio aditar ao 522-C, um nº 2, determinando que, quando houvesse lugar a registo áudio ou vídeo, deveria ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.[6]


Foi esta a primeira significativa modificação ao ónus primitivamente imposto pelo Artº 690-A ao recorrente, ónus esse que, tomado o preceito “ao pé da letra”, passou a ter diminuta expressão e quase nenhum relevo em termos de cooperação com o Tribunal de recurso, pois que a indicação exigida, pouco ou nada adiantava relativamente ao que a lei determinava que constasse da acta.


Não obstante a alteração que o DL nº 183/2000 introduziu ao artº 690-A, que, sem margem para dúvidas, visou eliminar a transcrição obrigatória que originariamente este preceito previa, o recorrente que visasse impugnar a matéria de facto, não poderia deixar de fundamentar a sua pretensão demonstrando ter havido erro no julgamento de facto, o que implicaria, para a concretização desse erro, por exemplo, no caso de entender que o depoimento de determinada testemunha deveria ser erigido pelo Tribunal para, ainda que depoimentos em sentido contrário existisse, dar a determinado ponto da base instrutória resposta diversa daquela que se deu, referir, ainda que sinteticamente, o que a testemunha declarara quanto a essa matéria. 


Daí que não satisfizesse a indicação pretendia pela lei, a crítica a determinado ponto da matéria de facto, alicerçada em remissão genérica para os depoimentos de determinadas testemunhas, ainda que se transcrevesse, nas alegações, a totalidade, ou parte, dos depoimentos em causa.  


E é assim que, não obstante a referida alteração introduzida pelo DL nº 183/2000 ao artº 690-A, do CPC, se compreendem entendimentos como aquele que foi expresso no aresto do STJ, de 08-11-2007 (Revista n.º 3445/07 - 7.ª Secção), assim sumariado: «I - O recorrente que pretenda impugnar na apelação a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá indicar os pontos de facto que considere incorrectamente julgados e especificar ou concretizar os pontos dos depoimentos testemunhais que, no seu entender, impõem diferente resposta (art. 690.º-A, n.º 1, al. b), do CPC). II - A mera indicação dos depoimentos prestados sobre os pontos da matéria de facto impugnados não cumpre suficientemente a exigência legal, sendo ainda necessário que se especifiquem as passagens desses depoimentos que concretamente levem à alteração da decisão de facto proferida.».


Ora, o art. 690º-A veio a ser revogado pelo DL 303/2007, de 24/08, substituindo-o o art. 685º-B, cujo nº 2, como inicialmente se disse, impunha ao recorrente que impugnasse a matéria de facto com base no erro de valoração dos depoimentos, que especificasse aqueles em que se alicerçava e que indicasse, com exactidão, as passagens da gravação em que se fundava, sem prejuízo, de, a acrescer ao assim exigido, se lhe permitir que, por sua iniciativa, procedesse à transcrição dessas passagens.


A mesma indicação é exigida, actualmente, como acima se viu, pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, que, para além dela, também possibilita ao recorrente proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.


Do exposto resulta, por um lado, que a exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no referido 685º-B, nº 2 e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivaleria a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.


Daí que, ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.


Do exposto também resulta, por outro lado, que esta exigência da indicação exacta das passagens do depoimento em que se funda o recurso não é substituível pela transcrição das mesmas, transcrição esta que constitui uma faculdade do recorrente, que, querendo-a utilizar, terá, ainda assim, de satisfazer a apontada exigência legal[7].


E não se diga que se surpreende exagero na apontada imposição, pois que a exigência em causa tem, a contrabalançá-la, o benefício que se concede ao recorrente, em caso de reapreciação da prova gravada, do acréscimo de 10 dias no prazo de recurso (artº 638º, nº 7, do NCPC).


Ora, no caso “sub judice”, a Recorrente não efectuou a indicação exigida pelo apontado preceito quanto às passagens da gravação (640º, nº 2, a)), limitando-se a indicar a hora do início e do termo de cada um dos depoimentos que invocara para imputar ao Tribunal “a quo” a incorrecta apreciação da prova.


Não estando legalmente previsto e parecendo, até, em face da redacção do preceito, estar manifestamente afastado - na medida em que dele consta a expressão “imediata rejeição”-, o convite ao aperfeiçoamento, para indicação das mencionadas passagens, consistiria num benefício injustificado ao “infractor”, que assim teria, além do alargamento de 10 dias do prazo de recurso, previsto para o caso de se pretender a reapreciação da prova gravada, mais um acréscimo de prazo para apresentar a alegação de recurso em conformidade com a lei.


No caso “sub judice”, a apontada omissão, impõe, pois, nos termos do preceito citado, a rejeição imediata do recurso no que concerne à requerida alteração da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados, o que ora se decide.».


É certo que o Tribunal da Relação, face à impugnação da matéria de facto, não fica limitado à apreciação das passagens que o recorrente indique para o efeito, mas isso é circunstância que não isenta ou atenua a responsabilidade do recorrente que não indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nos termos do nº 2, a), do artº 640º do NCPC.


Trata-se de um ónus de natureza formal cujo desiderato não se esgota no evitar a chamada “impugnação genérica”, mas, sendo certo que o que a lei determina, na matéria em causa, é que o recorrente indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, não obedece a esta exigência legal, porque a desvirtua, o recorrente que, em lugar dela, como se disse no despacho, indica a hora do início e do termo de cada um desses depoimentos.


Como já se apontou a função complementar da transcrição das passagens, bem como a impossibilidade legal de se convidar o recorrente a suprir a omissão da indicação exata que o artº 640º, nº 2, a), manda fazer, resta salientar que, no caso, mesmo a ter-se como efectuada, tal indicação, nas transcrições que o Apelante juntou, “sponte sua”, com o requerimento de 05/06/2014, esta sempre teria de ser desatendida, porque manifestamente extemporânea.


Este Colectivo, revendo-se nos fundamentos em que a mesma se alicerçou, incluindo, pois, o atinente à impossibilidade legal, de, na situação em causa, se convidar o recorrente a aperfeiçoar a alegação de recurso, acolhe a decisão do Relator quanto à rejeição da impugnação da matéria de facto, pelo que indefere a reclamação respectiva.


Sucede que na alínea kk) dos factos provados se consignou: “A incapacidade permanente geral é de 25%, o dano futuro e rebate profissional é de 15%. (30º e 31º da b.i.)”.
Ora, o dano futuro existe ou não em função dos factos provados a ele atinentes, não se compadecendo com uma existência percentual, nem com a sua afirmação conclusiva, competindo ao julgador apurar dessa existência e a sua tradução indemnizatória, que é efectuada em função de parâmetros vários e em juízo de equidade, pelo que reveste anacronismo que não se pode manter, por não integrar verdadeira matéria de facto, o consignado na alínea kk) dos factos provados quanto ao dano futuro, que assim se dá como não escrito.


A matéria de facto que se tem como provada é, pois que não se vislumbra razão que nos leve a decidir de outro modo, aquela que assim foi considerada na 1ª Instância e que acima se discriminou, com a ressalva que se fez quanto à alínea kk), que ficará com o seguinte teor:


“kk) A incapacidade permanente geral é de 25% e o rebate profissional é de 15%.”.


 


B) O Direito.
1) - Diz a Apelante que o Tribunal violou o artigo 615.º n.º 1 al. e) do CPC (redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06), já que, tendo sido peticionados € 75.000,00 a título de danos biológicos/patrimoniais, condenou a Ré/Apelante no montante de € 100.000,00.
Vejamos.
A exemplo do que sucedia com o entendimento que se dava à norma correspondente do CPC (alínea e) do n.º 1 do art.º 668.º), a nulidade prevista no artº 615.º n.º 1 al. e), do NCPC, radica na violação da proibição da condenação “extra vel ultra petitum”, proibição esta imposta pelo art.º 609º, nº 1, do NCPC (que corresponde ao artº 661º, n.º 1, do CPC).
Efectivamente, decorrente do princípio do dispositivo, a norma do citado art.º 609º, n.º 1, impede que o Juiz condene em quantidade superior, ou em objecto diverso do que se pedir.
Pressuposto da apontada violação e, consequentemente, da correspondente nulidade de sentença, é que nesta se tenha extravasado o pedido.
A sentença, nas palavras de Manuel de Andrade, versando o correspondente direito processual pretérito, “…deve manter-se no âmbito da acção (pedido, lato sensu), identificada através dos sujeitos, do objecto e da causa de pedir…” (in, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora - 1979 - pág. 298).
Não se olvidando, assim, que a apontada infracção também se verificará no caso de se absolver o réu de um pedido que o autor não formule, a patologia de que tratamos ocorre, em regra, nos casos em que o Juiz, saindo do “thema decidendum” configurado pelo autor, condena em quantidade superior, ou em objecto diverso do que este pediu. 
Como se disse no Acórdão da Relação de Guimarães, de 22/04/2010 (Apelação nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/197534" target="_blank">105/06.4TBFAF.G1</a>)[8], versando então o disposto no referido artº 661º, nº 1, do CPC decorre desta norma que “…o julgador apenas está vinculado ao pedido global de indemnização formulado na petição e não a cada uma das parcelas que a compõem.”.[9]
Ora, no caso “sub judice”, a Autora, sem se entrar em linha de conta com a indemnização cuja liquidação requereu que fosse relegada para ulterior momento, pediu uma indemnização no montante global de € 228.772,00, tendo-lhe sido atribuído, a esse título (fora o que se liquidasse em ulterior momento), a indemnização de € 140.000,00, que, tal está muito aquém, pois, daquele montante global peticionado, pelo que é despiciendo, para a verificação da nulidade em causa, que o Tribunal, em resultado da aplicação do direito que entendeu ser de fazer ao caso, em lugar de ter atribuído à Autora, o montante indemnizatório parcelar de € 75.000,00, a título de danos biológicos/patrimoniais, haja condenado a Ré/Apelante, a título de danos patrimoniais, no montante de € 100.000,00.
Não ocorre, assim, a apontada nulidade de sentença, prevista no artº 615.º n.º 1 al. e), do NCPC.
Refere a Apelante, por outro lado, que, tendo-se dito, na fundamentação das respostas dadas à matéria controvertida, quanto ao condutor do veículo atropelante, que “O facto de ter parado a 10 m indicia que circulava a velocidade não superior a 50 Km/h por reporte à tabela constante em Código da Estrada Anotado…”, enquanto que, posteriormente, na sentença, se concluiu ser evidente que tal condutor, conseguindo parar o veículo só após 10 m do embate, circulava em velocidade excessiva em relação ao tráfego concreto que ali se desenrolava, consubstancia uma contradição que se enquadra na previsão da nulidade de sentença estabelecida no artº 615º nº 1 al. c), do novo CPC.


A exemplo do que sucedia com o entendimento que se dava à norma correspondente do CPC (alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º), para que ocorra a oposição considerada no artº 615.º, nº 1, c) do NCPC, é essencial que se verifique uma real contradição entre a parte dispositiva da sentença ou do acórdão e os respectivos os fundamentos. O raciocínio do julgador terá de enfermar deste vício real: “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”[10].
Ora, sendo certo que a velocidade excessiva pode ser muito bem aquela, que, em circunstâncias normais, é permitida por lei, mas que as circunstâncias específicas que se verificam na ocasião (v.g., piso da estrada escorregadio devido a chuva, localidade com intenso tráfego de peões a fazer a travessia da estrada, etc.) impunham que fosse menor, se assume como desadequada a evitar um acidente, está visto que não há qualquer contradição entre as duas apontadas conclusões tiradas pelo julgador.
Mas o que importa afirmar é, sobretudo, que o que quer que se diga na fundamentação das respostas dadas, em decisão autónoma à base instrutória, não pode fundar a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do pretérito CPC (agora, prevista no artº 615.º, nº 1, c) do NCPC), pois que, como se viu, a oposição que tais normas sancionam tem de se surpreender na sentença e existir entre os fundamentos desta e a respectiva decisão.


Do acima exposto resulta que, no caso “sub judice”, o que a Apelante invoca não se enquadra na nulidade prevista no artº 615.º, nº 1, c), do NCPC, nulidade esta que, aliás, é patente não se verificar, pois que não há, entre os fundamentos da sentença - confluentes no sentido da parcial procedência da acção - e a respectiva decisão, qualquer contradição que se identifique com aquela oposição que acima se descreveu.
2) - Não sendo suficiente a atingir tal escopo a matéria dada como assente nas alíneas j) e l), também a restante factualidade que foi dada como provada não permite, em nosso entender, atribuir, ainda que só em parte, a eclosão do acidente a conduta reprovável da menor C…, não lhe podendo ser atribuído comportamento causal do acidente que integrasse qualquer das infracções previstas nos artºs 99º e 100º do Código da Estrada (na versão então em vigor, que era a conferida pelo DL nº 44/2005, de 23/02), não se tendo provado, designadamente, ao contrário daquilo que a Apelante defendia ter ocorrido, nem que aquela menor tenha iniciado a travessia da estrada em correria, desatenta ao trânsito, nem que mesma tenha surgido ao condutor do …-TQ subitamente, de forma a cortar, a uma distância de cerca de 5 metros, a linha de marcha desse veículo.
Esta referida falta de prova da contribuição, ainda que parcial, da C…, para a eclosão do acidente, torna desde logo despicienda a questão da ausência de vigilância relativamente à menor, ausência essa, aliás, que não se provou (cfr., designadamente a resposta ao quesito 68º).
Mas também não podemos concordar com conclusão, que na sentença se tira, da existência de prova da culpa do condutor do …-TQ na produção do acidente em causa.
A este propósito escreveu-se na sentença: «Mostra-se adquirido que no local a via apresenta-se como uma recta, constando uma igreja no local e um estacionamento de autocarros, o que permite dizer que se trata de local povoado e de fluência no tráfego. Por outro lado, é acessível a qualquer condutor, nomeadamente ao condutor do veículo segurado, a presença de crianças, impondo-se ao condutor do veículo TQ conduzir de forma a que contasse com a notória agitação infantil, havendo para além de tudo um passeio com um metro de largura. É sabido que qualquer condutor deve abrandar a marcha na presença de crianças na via, atento o perigo que as mesmas representam para si próprias e para os outros. Ora, tal não foi feito, antes conseguiu parar o veículo só após 10 m. do embate. É pois evidente que se verificou velocidade excessiva em relação ao tráfego concreto que ali se desenrolava. Mais, se dúvidas houvessem em relação à desadequação da velocidade da condução em relação ao ambiente que se desenrolava no local (repete-se, presença de crianças) as mesmas dissipar-se-iam por consideração aos danos que C… sofreu no que tange ao impacto do veículo no seu corpo.».
Preliminarmente, importa esclarecer que a circunstância de não se ter provado que a C… haja iniciado a travessia da estrada em correria, desatenta ao trânsito, nem que mesma tenha surgido ao condutor do …-TQ subitamente, quando esse veículo já se encontrava a curta distância dela, não equivale à prova, pela positiva, de que isso assim não sucedeu. Cumpre ter esta ideia em mente, já que útil ao raciocínio que adiante iremos explanar, muito embora seja evidente, que, para efeitos processuais, bastava a apontada falta de prova para eximir a C… à “responsabilidade” da eclosão do acidente.
Depois, cumpre salientar que se o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, mesmo sabendo que o condutor do veículo …-TQ “conseguiu parar a mais de 10 m. do local do atropelamento”, não teve este facto como suficiente para dar como provado que tal veículo circulava a velocidade superior a 50Km/h, que era a velocidade máxima permitida no local (Cfr. alínea c) e resposta restritiva ao quesito 3º) - o que bem se compreende, pois, nada apurou quanto à distância a que se encontrava a C… quando a presença desta na estrada foi, ou poderia ter sido, perceptível, ao condutor do referido veículo -, também esse mero facto, ou seja a distância a que se deteve o veículo, após o embate, relativamente ao local do atropelamento, não permite extrair a conclusão de que a velocidade do …-TQ era superior àquela que seria adequada “em relação ao ambiente que se desenrolava no local”, nem esta última conclusão poderia resultar da mera constatação da gravidade das lesões que a C… sofreu.
Esta nossa última afirmação escora-se no facto de as lesões resultantes de um atropelamento, mesmo que o veículo circule a uma velocidade reduzida, poderem ser muito graves e múltiplas, pois que essa gravidade e extensão podem resultar de outros factores, entre os quais destacamos, pela sua frequência, das específicas zonas do corpo que, para além daquela que é embatida pelo veículo, são atingidas em consequência da queda da vítima no solo, subsequentemente ao embate. Face a esta apontada aleatoriedade, não se nos afigura que a mera constatação da gravidade das lesões, sem prova de outros elementos - como, por exemplo, a distância a que se encontrava a C… quando a presença desta na estrada foi, ou poderia ter sido, perceptível, ao condutor do referido veículo, a existência de rasto de travagem e a distância a que ficou o corpo relativamente ao local em que o atropelamento ocorreu -, permita concluir, ainda que aliada à prova de que o condutor do veículo “conseguiu parar a mais de 10 m. do local do atropelamento”, pela apontada desadequação da velocidade …-TQ e, portanto, pela velocidade excessiva deste veículo.
É claro que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” introduz aqui um elemento perturbador - depois de explanar raciocínios que até se aceitam -, mas que não pode ser tido como provado, nem mesmo por inferência dos factos assentes. Já veremos que factualidade é essa que na sentença se deu indevidamente como assente e que cria condições para que a conclusão pela apontada velocidade desadequada “em relação ao ambiente que se desenrolava no local” se nos apresente com aparente consistência lógica.
Não se discorda que na sentença se tenha afirmado que “é acessível a qualquer condutor, nomeadamente ao condutor do veículo segurado, a presença de crianças, impondo-se ao condutor do veículo TQ conduzir de forma a que contasse com a notória agitação infantil…”.
Também se aceita que, em princípio, “qualquer condutor deve abrandar a marcha na presença de crianças na via, atento o perigo que as mesmas representam para si próprias e para os outros” (a ressalva justifica-se pois haverá casos em que a velocidade em que se circula é já tão reduzida que, a circunstância, impondo um redobrar da atenção, não justifica uma diminuição da velocidade).
“In casu”, não se sabe, verdadeiramente - pois desconhece-se a velocidade a que seguia o …-TQ, sabendo-se apenas que a prova não permitiu que o julgador desse por assente que aquela era superior a 50Km/h - se ao condutor do veículo, mesmo em face circunstancialismo provado, se impunha a necessidade de reduzir a velocidade do mesmo.
Mas, ainda que se tenha como assente que tal redução seria necessária, o que temos por seguro é que a afirmação de que o condutor do veículo …-TQ “conseguiu parar a mais de 10 m. do local do atropelamento, é reportada ao que se seguiu ao embate, não podendo nós, desse facto, ou de outro que se tenha provado, afirmar que, nos momentos que antecederam o embate, em face das circunstâncias que se lhe depararam, tal condutor não haja abrandado a velocidade a que circulava o …-TQ.
Por isso discordamos da Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, quando, sem saber como era feita a condução do …-TQ nos momentos que antecederam o embate, nem a distância a que o veículo se encontrava da C… quando esta entrou na via, tenha concluído, quer que o condutor do …-TQ, atenta a presença de crianças na via, devia ter abrandado a marcha do mesmo, quer que “tal não foi feito”, para daí concluir ser “…evidente que se verificou velocidade excessiva em relação ao tráfego concreto que ali se desenrolava.”.
Sendo a presunção judicial a ilação que o julgador, por força das regras de experiência comum, - ou seja, de acordo com aquilo que, em situações semelhantes, as mais das vezes sucede (id quod plerumque accidit) - tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (artºs 349° e 351º do Código Civil[11]), já se vê que o acima exposto revela, atenta, desde logo, a ausência de prova de factos-base que serviriam de fundamento à sua dedução, ou inferência (v.g., velocidade que seguia o veículo nos momentos que antecederam o embate), ser vedado ao Mmo. Juiz dar como assente, que condutor do …-TQ deveria ter abrandado a velocidade do mesmo e, sobretudo, que tal condutor não procedeu a tal abrandamento, factos estes que conduziram, assim, indevidamente, à conclusão de que a condução desse veículo se fez a velocidade desadequada “em relação ao ambiente” que se desenrolava no local, sendo, pois, excessiva, em relação ao tráfego concreto que ali se fazia.
Permanecendo, assim, desconhecidas as condições concretas em que ocorreu o acidente em causa, entender como assente que o mesmo se deu devido à circunstância de o condutor circular a velocidade desadequada, é conclusão só possível por extrapolação ilegítima, pois que não habilitada por inferência dos factos provados.[12]
Temos assim que, não se provando que o acidente seja imputável à C…, também não se provou a culpa, ainda que parcial, de J…, condutor do veículo …-TQ, pertencente a C…, o que não significa que, por força da responsabilidade pelo risco que recai sobre este proprietário, e do contrato de seguro que vincula a Ré Apelante, esta não responda pelos danos que do acidente advieram para a menor C...
É certo que não se tendo alegado e, consequentemente, provado que o aludido J…, conduzisse o …-TQ por conta e no interesse do respectivo proprietário, C…, nem aquele responde como comissário (daí que, afastada a culpa efectiva na produção do acidente, não faça sentido trazer à colação a culpa presumida do condutor, prevista na 1ª parte do nº 3 do art.º 503º do CC), nem este responde, nos termos do artº 500º do CC, como comitente.
Isso não afasta, porém, “in totum” a responsabilidade do dono do …-QT pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo (e, por consequência do contrato de seguro, a responsabilidade da sua seguradora), que também se consagra no artº 503º, nº 1, do CC, para aquele que, ainda que sem ser por intermédio de comissário, tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse.
Efectivamente, a Ré pode ter de indemnizar a Autora, em lugar do dono do …-QT enquanto detentor do veículo causador do acidente, pois que a expressão “ainda que por intermédio de comissário”, constante do nº 1 do art.º 503º do CC, vinca bem que também nos casos em que a utilização do veículo não se faz por intermédio de comitente, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo quem, tendo a respectiva direcção efectiva, o utilizar no seu interesse.


Assim, a falta de uma relação de comissão não afasta, “per se”, a responsabilidade do detentor do veículo, ou seja daquele que, não obstante não o conduzir, tem a direcção do veículo e utiliza-o no seu interesse, conforme se prevê no artº 503º do CC. “Assim, se não há comissário, a responsabilidade do detentor do veículo baseia-se no art. 503º do CC; Se há comissário, a responsabilidade do dono baseia-se, quer no disposto no art. 503º, quer no preceituado no art. 500º, ambos do CC”.[13]


Ora, constitui jurisprudência pacífica ser de concluir, por presunção resultante daquilo que decorre ser o conteúdo normal do direito de propriedade definido no art.º 1305º do Código Civil que o proprietário do veículo possui a respectiva direcção efectiva e utiliza-o no seu interesse.


Trata-se de uma presunção natural que o julgador pode tirar (art.º 349º e 351º do CC), assente nas regras de experiência da vida, ou, seja, naquilo que, em circunstâncias idênticas, sucede as mais das vezes, cujo funcionamento não é prejudicado pela falta de verificação da presunção legal estabelecida na 1ª parte do nº 3 do art.º 503º, do CC, não obstando, pois, a falta de prova da relação de comissão a que se reporta esta norma, à afirmação da existência de direcção efectiva e interessada do veículo por parte do respectivo proprietário.


E é ao proprietário de veículo, ou à sua seguradora (se apenas esta última deva ser demandada, de acordo com os princípios processuais vigentes para acções que se situem dentro do capital mínimo obrigatório - cfr. artº 29º, nº 1, a), do DL nº 522/85, de 31/12)[14] que compete provar factos tendentes a contrariar essa conclusão assente naquilo que, em situações idênticas, as mais das vezes ocorre, de modo a afastar a referida presunção natural (v.g., demonstrando a existência de uma situação de condução abusiva).
Assim, ainda que não se prove a existência de uma relação de comissão, o proprietário do veículo que não afaste a presunção natural de onde resulta que tem a direcção efectiva do veículo e que este circula no seu interesse, é responsável pelos danos causados, nos termos do nº 1 do artigo 503º do Código Civil.


Ora, no caso “sub judice” e atento o acima exposto, aplica-se o que se disse no citado Acórdão do STJ de 22 de Janeiro de 2009: “Não provada a culpa do menor, atropelado por um veículo automóvel, e não sendo possível afirmar que os danos por aquele sofridos são consequência da sua concreta actuação, subsiste apenas a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, pois tais danos são exclusivamente provenientes dos riscos próprios do veículo e seu condutor.”.


Em sentido idêntico decidiu esta Relação de Coimbra, no Acórdão de 02/06/2006 (Apelação nº 205/2002.C1)[15], aí se tendo entendido que inexistindo - como no caso inexiste - qualquer das situações previstas no artº 505º do CC, “afastada a culpa efectiva de ambos os intervenientes no acidente de viação (condutor do veículo automóvel e peão), e também a culpa presumida do condutor do veículo segurado”, conclui-se pela responsabilidade objectiva, ou fundada no risco, como fundamento para a condenação nas indemnizações que foram arbitradas.


Apurando-se, assim, no “caso “sub judice”, ser a Ré Apelante, não obstante a não prova da culpa do condutor do …-QT, responsável pela indemnização a atribuir à Autora em consequência dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente em causa, não se deixará de esclarecer que uma tal responsabilidade em conexão com a derivada do contrato de seguro, pode alicerçar uma eventual confirmação do julgado, já que vale aqui “mutatis mutandis”, o seguinte entendimento expresso no Acórdão desta Relação de 03/06/2008 (Apelação nº 801/2002.C1), relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Teles Pereira e subscrito, enquanto 2º Adjunto, pelo ora relator: «A exclusão de uma indemnização respeitante ao acidente não decorre, todavia, nestas particulares circunstâncias, da simples consideração de ausência de culpa por parte do condutor. Embora a Sentença não tenha ponderado este aspecto do problema, subsiste, com efeito, a questão da responsabilidade pelo risco, aqui reportada à intervenção das regras previstas no artigo 503º do CC, havendo que ponderar ainda, para afastamento de qualquer indemnização, a verificação em concreto da facti species de exclusão constante do artigo 505º do CC[[16]]. 


Vale aqui, dada a ausência desta questão (possível responsabilidade pelo risco) do argumentário do Apelante (tanto na acção como no recurso) a consideração, presente no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 4 de Outubro de 2007[[17]], de que “[a] causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar”, presumindo-se, na falta de indicação expressa em contrário, que se não descarta, mesmo face a um argumentário referido à culpa, uma consideração subsidiária (mesmo sem pedido subsidiário) da responsabilidade pelo risco.».


Embora partindo da premissa - já que, com a ressalva acima referida, se queda intocada a matéria de facto fixada na 1ª Instância -, de que o valor que se tem de ter em conta para a incapacidade permanente geral da Autora é o de 25%, importará agora enfrentar as questões atinentes às indemnizações atribuídas à C…, começando pela questão da violação que a Apelante vê na fixação das mesmas, do estabelecido na Portaria 377/2008, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06. 


Ora, sobre a questão do valor das referidas Portarias para efeito da fixação judicial das indemnizações aos lesados por acidente de acidente de viação, pronunciou-se já esta 3ª Secção, no Acórdão de 11/09/2012[18], proferido nos autos de Apelação nºs 129/07.4TBAVR.C1, aí se tendo dito, a propósito:
“A Portaria n.º 377/2008, de 26/5, como, a nosso ver, transparece claramente do seu art.º 1º, que define o respectivo objecto, não se destina a regular o arbitramento, pelos Tribunais, das indemnizações respeitantes aos danos que na mesma estão previstos[19].
Isso resulta, até, do objectivo que no preâmbulo de tal diploma se confessa, ao dizer-se: «…importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.».
Por seu turno, a Portaria n.º 679/2009, de 25/06, não tem escopo diverso daquele que visa a referida Portaria nº 377/2008, que veio alterar, estando a sua utilidade bem vincada no respectivo preâmbulo, ao referir-se: «…procede-se, assim, para além da divulgação dos valores actualizados de acordo com o índice de preços no consumidor que em 2008 foi de 2,6 % (total nacional, excepto habitação), à revisão de alguns dos critérios adoptados e a ajustamentos pontuais.».
Assim, na fixação do “quantum” indemnizatório relativo aos danos futuros advenientes da perda da capacidade aquisitiva, embora se possa deles servir enquanto elementos indicadores ou referenciais a ter em conta, o Tribunal não está vinculado a seguir os critérios e as tabelas constantes da Portaria 377/2008, de 26/5.”.
Este entendimento, que veio reafirmar o que já tinha sido dito no Acórdão desta Relação de 21/12/2010 (Apelação nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/122762" target="_blank">1601/08.4TBVIS.C1</a>)[20], reflecte o que o presente Colectivo de Juízes pensa sobre a matéria em causa.
Não havendo lugar, como resulta claro do amplamente já explanado, à consideração do preceituado no artº 570º do CC, cuidemos, então, de verificar o acerto do “quantum” das indemnizações arbitradas, sendo certo que em face da matéria de facto provada (designadamente o que resulta da circunstância de a Autora ser portadora de uma incapacidade permanente geral de 25%), dúvidas não restam que do acidente resultaram danos que é usual enquadrar nos chamados “danos futuros”, bem como danos não patrimoniais.
Efectivamente, como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/04/2005 (Apelação nº 0531755)[21] “A incapacidade permanente parcial (IPP) é, de "per se", um dano patrimonial indemnizável”.
Mas o rebate profissional deve também ser tido em conta no âmbito dos danos futuros, pois representa, para a C…, um “handicap” no futuro exercício de uma profissão.
Abrangendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art. 564º, n.º 1), na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (art. 564º, n.º 2).
Dispõe o art. 566º do CC: «1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.».
Para a determinação dos danos patrimoniais, na sua vertente de danos futuros, o tribunal não se encontra vinculado ao resultado de cálculos matemáticos obtidos com o uso de fórmulas mais ou menos complexas, não obstante essas fórmulas poderem ser utilizadas como auxiliares importantes para conseguir a determinação do “quantum” indemnizatório relativo aos apontados danos.
É o disposto nos citados normativos legais, onde a equidade desempenha papel preponderante, que rege a fixação desse montante indemnizatório (cfr. Ac. do S.T.J. de 11/03/97, no B.M.J. n.º 465, pág. 537 e ss.). Observado o estabelecido nesses preceitos legais, mostrando-se ajustada face a juízos de equidade, a indemnização fixada relativamente aos mencionados danos, pouco importa que para alcançar tal resultado se tenha recorrido ou não uma fórmula matemática, a uma tabela financeira, ou a um outro método de trabalho.
Bem se salienta no sumário do Ac. do STJ. de 21/11/96 (Revista n.º 96B371), que «...face ao carácter aleatório de alguns dos factores usados nas fórmulas para cálculo dos danos patrimoniais futuros por incapacidade laboral, total ou parcial, as tabelas aritmético-financeiras só podem servir como um mero elemento de trabalho, como um elemento adminicular do básico critério da equidade.».
O Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, em juízo de equidade onde, entre outros factores e com ampla ilustração da pertinente jurisprudência, ponderou o que havia sido decidido pelos nossos tribunais superiores em casos com algumas semelhanças com o que ora analisamos, fixou em €100.000,00 a indemnização pelo dano patrimonial futuro da C…, montante este que não achamos excessivo, como resultará da explicitação que iremos fazer, socorrendo-nos, em parte, advirta-se já, daquilo que, versando situação com afinidades com a que ora se cura, foi o entendimento desta Relação no citado Acórdão de 11/09/2012 (Apelação n.º 129/07.4TBAVR.C1).
Escreveu-se nesse Acórdão:
“…importará lembrar o que no Acórdão do STJ de 23/10/2003, (proc. n.º 03B3071) se salientou: “…procurando atingir a justiça dos casos, tem vindo a prevalecer a solução de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de sua vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho (Acs. do STJ, de 9.1.79, BMJ, nº. 283, pág. 260; e de 6.7.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144).”.
Ora, como base de orientação visando a fixação da indemnização em causa, é valiosa a contribuição de um critério assente em coordenadas específicas, como é aquele que nos é proposto, por exemplo, pelo Sr. Conselheiro Sousa Dinis [22], sendo que, como o próprio adverte, o resultado desse cálculo há-de ser sempre apenas um ponto de referência, pois que é em juízo de equidade que tem de ser fixada essa indemnização.”.
No citado Acórdão desta Relação, de 11/09/2012, entendeu-se que seria de considerar, no que concerne à idade a atender como elemento do cálculo da indemnização em causa, para aferir da perda de rendimento derivada da incapacidade de que a vítima era portadora, os 70 anos, por se entender, então, que era aquela que maior consenso na jurisprudência merecia[23], não obstante se ter feito notar, que, ultimamente, alguns arestos do STJ consideravam já, para o efeito, não os anos de vida activa, mas sim os correspondentes à esperança média de vida (então 78 anos).
A evolução da jurisprudência do STJ nesta matéria leva a que aceitemos atender os 80 anos de idade considerados na sentença, por ser essa a previsão de esperança de vida nas mulheres (cfr. “Tábuas de Mortalidade para Portugal” 2011 - 2013, Instituto Nacional de Estatística).[24]
Quanto ao salário a atender para efeito da determinação de indemnização por danos patrimoniais futuros, escreveu-se no citado Acórdão de 11/09/2012:
«(…)
Não se afigura justo, nem atenderia àquilo que, em condições idênticas, seria o mais provável acontecer, ficcionar-se que o autor, derivado de tal impedimento, que não lhe é imputável, não fora o acidente, ganharia apenas, quando entrasse no mercado de trabalho e durante o período provável da sua vida activa, salário de valor equivalente ao da retribuição mínima mensal garantida.
Na ponderação dos vários elementos que concorrem para, em juízo de equidade, se fixar a referida indemnização por danos futuros, não recebendo a vítima qualquer remuneração, v.g., por ser menor de idade ou estar ainda a frequentar o ensino, o valor da remuneração mensal a considerar também deve ser encontrado num juízo de prognose, segundo aquilo que, em circunstâncias semelhantes, as mais das vezes sucede.
Assim, o valor da remuneração a ter em conta para a fixação da referida perda de rendimento não deverá ser o da retribuição mínima mensal garantida, pois que o capital calculado nessa base não é aquele que, com maior verosimilhança, seria auferido pelo Autor durante o período provável sua vida activa, antes sendo de apelar - pois que, consentâneo com um legítimo juízo de prognose positivo quanto à afirmação profissional do Autor, proporcionará a este um montante global que mais se aproximará daquele capital -, ao valor do salário médio mensal, líquido, dos trabalhadores por conta de outrem.
Recorda-se que tem sido considerado em diversas decisões dos nossos Tribunais superiores, que “…o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é a regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho” (Acórdão da Relação do Porto de 26/05/2009 - Apelação nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/145476" target="_blank">153/06.4TBPNF.P1</a> - e jurisprudência aí citada). 
Afigura-se, pois, repete-se, que, à semelhança daquilo que se entendeu em decisões anteriores dos nossos Tribunais superiores, no caso “sub judice” o valor a considerar deverá ser o do salário médio dos portugueses, pois, como tal como se explicita no Acórdão do STJ de 18/12/2003 (Revista nº 03A3897) «…dada a impossibilidade de, neste momento, se determinar quais os aumentos salariais que o autor poderia obter ao longo da sua vida mesmo começando no salário mínimo, tem de se proceder aos cálculos partindo de um salário médio dos portugueses, fixo, ou seja, igual durante toda a vida, o qual, podendo no princípio ser superior ao salário mínimo, acabará por ser inferior ao real, assim se compensando algum eventual excesso inicial com a inferioridade final.».[25]
Na sentença ora em causa atendeu-se ao valor de 770 euros, pois considerou-se que o salário médio atual de um trabalhador em Portugal rondaria por esse valor.
Contudo, trata-se, salvo o devido respeito, de um valor que está desactualizado, sendo de € 818 o último valor que conhecemos apurado pelo Instituto Nacional de Estatística para o Rendimento médio mensal líquido da população empregada por conta de outrem.[26] É pois com este valor que se terá de entrar em linha de conta no apuramento que está em causa.
Deste modo, para fixar a indemnização pelos danos futuros decorrentes da incapacidade de que a autora ficou portadora, atender-se-á:
- Aos aludidos € 818, como valor do rendimento mensal da A.;
- Ao coeficiente de incapacidade da A. - 25%;
- Ao período provável de esperança de vida de 69 anos, tendo em conta o que acima ficou dito e relembrando que a C…, à data do acidente, contava 9 anos de idade (embora a poucos dias de perfazer os 10 anos).
Perante os elementos acima referidos concluiremos por um rendimento anual da autora de € 2863 (€ 818 x14meses), sendo que o coeficiente de incapacidade de 25%, levaria a que a perda anual correspondesse a um valor de € 2863.
Uma vez que a autora terá uma previsível esperança vida de cerca de 69 anos, o capital obtido rondaria os € 197547.
Todavia, tal valor deve merecer um primeiro ajustamento, uma vez que vai receber de uma só vez aquilo que em princípio, deveria receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia, há que proceder a um desconto destinando a evitar que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto.
Seguindo o que referido é pelo Sr. Cons. Sousa Dinis[27], no exemplo que dá da jurisprudência francesa, e que também é o entendimento de parte da nossa jurisprudência, afigura-se-nos, neste caso, ser de descontar 1/3, ou seja, € 65849, pelo que encontramos o capital de € 131698.
Para a fixação final desta indemnização há também que considerar outros factores que, sendo projectados no futuro, não é possível quantificar, como, por exemplo, a futura evolução profissional da autora, a inflação e a variabilidade das taxas de capitalização.
Como é fácil de constatar, considerável parte dos elementos utilizados no cálculo acima efectuado resultam de juízos lógicos de probabilidade, segundo o princípio “id quod plerumque accidit”, entrando aqui o juízo de equidade para corrigir o valor assim encontrado.
Neste contexto, sendo a autora muito jovem, a correcção a efectuar seria, em princípio, no sentido do aumento do valor acima encontrado (Cfr. confortando este entendimento, Cons. Sousa Dinis, Obra citada, pág. 9 e o Acórdão desta Relação de 16/11/2010 - Apelação nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/122843" target="_blank">15/07.8TBFAG.C1</a>)[28], mas sempre seria um aumento ligeiro, uma vez que há a considerar, por outro lado, que quanto mais distante está o lesado, temporalmente, da possibilidade de, em razão da idade, entrar no mercado de trabalho, mais premente se mostra a necessidade de corrigir os efeitos de uma antecipação de capital que, no momento, não equivale a uma perda actual e efectiva de rendimentos do trabalho.
No entanto não se justifica aqui acertar esse “quantum” indemnizatório, pois que, estando já demonstrado não ser excessiva a quantia de €100.000 fixada pela 1ª Instância para ressarcir o dano patrimonial futuro da Autora, esta Relação, por efeito da proibição da chamada “reformatio in pejus” (artº 635, nº 5, do NCPC) não pode ultrapassar esse montante.
Apenas exemplificativamente, pois os casos são sempre diferentes, ainda que apresentem elementos comuns, não deixaremos de dizer, porém, que esta Relação, no citado acórdão proferido nos autos nº 129/07.4TBAVR.C1, atendendo a € 777, como valor do rendimento mensal do A., ao coeficiente de incapacidade de 30% que este apresentava e a período provável de vida activa de 50 anos, considerou como ajustado, o montante indemnizatório de € 140.000,00 fixado pela 1ª Instância relativamente aos danos futuros decorrentes da incapacidade de que o Autor ficou a padecer.[29]
Estando assente, pois, em €100.000,00 o valor de indemnizatório fixado para o dano patrimonial futuro e não tendo a Apelante posto em causa a condenação a pagar a indemnização do montante que se viesse a apurar em ulterior liquidação, resta abordar a indemnização de 40.000,00 euros arbitrada à Autora, para a compensar dos danos não patrimoniais resultantes do acidente.
O art.º 496.º, nº 1, do CC dispõe que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.".  
O n.º 3 do mesmo artigo, por sua vez, preceitua que " O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”.
Tem-se entendido que a indemnização ou reparação pecuniária do dano não patrimonial se destina a conceder ao lesado uma quantia em dinheiro susceptível de lhe atribuir prazeres capazes de compensar, na medida do possível, o dano, fazendo-o esquecer ou mitigando-o.
Sinteticamente, dir-se-á, que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, obedecendo ao comando da lei que lhe manda julgar de harmonia com a equidade, tem, para o efeito, de atender a determinados factores que são expressamente referidos na lei, e ainda a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, de modo a que, tudo ponderado, o levem a concluir pelo valor pecuniário que considere como o justo, para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu. Daqui resulta que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não se reconduza ao puro arbítrio, embora também tenha, como é óbvio, uma forte componente subjectiva.
A determinação da indemnização respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado faz-se, pois, de harmonia com o disposto no artº 496º, n.º 3, do CC, com recurso à equidade, circunstância esta que, como resulta do exposto, desde logo implica, pelo necessário grau de subjectividade que acarreta, que não haja decisões iguais, por mais semelhantes que pareçam os casos.
Não se discutindo “in casu”, nem a verificação dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, nem que esta tem direito a ser indemnizada por tais danos, resta apenas apreciar a pretensão da Apelante em ver reduzido de 40.000,00 € para € 20.000,00 o montante indemnizatório arbitrado a esse título.
Ao abordar a fixação da indemnização a atribuir ao Autor por tais danos, escreveu o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida: «Ao nível do dano não patrimonial, ponderando-se o caso e a regra de decisão descrita no artigo 496 n.º 1 e n.º 3 do Código Civil, sob o ambiente da soberana dignidade da Pessoa Humana, coluna mestra de qualquer arquitetura jurídica, espelhada na genesíaca norma do Direito rececionada constitucionalmente no artigo 1º da nossa Constituição, e concretamente (descendo à realidade onde estão relações, pretensões, direitos, deveres) atendendo-se às dores sofridas num espaço temporal considerável, à imobilidade a que esteve submetida em estabelecimentos de saúde, à perda de autoestima, à interiorização do corpo inibidor de relacionamento comunicativo numa altura de formação da personalidade (em que o diálogo eu vs. tu se impõe como facto de desenvolvimento adequado e normal), à relativa perda de capacidades escolares fundamentais na idade da A. (concretizada na perda de grau escolar), à perda temporária de um tempo de brincar (irreversível), como é o próprio da idade da A, à marca permanente no seu corpo (no andar), entende-se por equitativa a quantia de 40.000,00 euros.».
A Apelante, para defender a redução da indemnização atinente aos danos não patrimoniais, sustentou que a sentença não teve em conta a referida Portaria e que o montante que defende seja fixado é o mais conforme com a matéria de facto provada, “designadamente os períodos de internamento a que esteve sujeita, as sequelas impeditivas do exercício da actividade escolar habitual, o dano estético de 5/7 e o quantum doloris de grau 4/7…”, o “período de incapacidade temporária (total e parcial), quantum doloris, prejuízo estético, prejuízo de afirmação pessoal, desgosto e internamento hospitalar…”.
Acrescenta que para a sua inconformidade concorre o facto de, “…na própria valorização do dano vida - valor cimeiro - nos arestos mais arrojados, não se ultrapassar o montante de € 50.000,00”.
Importa dizer, primeiramente, que, desde há muito se tem entendido que os montantes indemnizatórios usualmente arbitrados pelo dano morte não constituem entrave à fixação de montantes indemnizatórios superiores para ressarcir ou compensar outro tipo de danos.[30]


É argumento amiúde utilizado nas alegações de recurso por quem se vê condenado a satisfazer determinado montante indemnizatório respeitante a danos não patrimoniais decorrentes de lesão corporal, defender ser tal indemnização excessiva por comparação com o que "é normal" arbitrar como indemnização pelo dano-morte, sustentando que, sendo a vida um bem supremo, a valoração da sua perda não pode ser suplantada pela das dores e sofrimentos.


Porém, como se entendeu no Acórdão do STJ de 24/09/2009 (Revista n.º 37/09 - 7.ª Secção)[31], assentando, a compensação pela perda do direito à vida, em razões manifestamente diversas daquelas que justificam uma indemnização por outros danos não patrimoniais, é inadequada a comparação entre os montantes arbitrados.


A C…, que à data do acidente contava 9 anos de idade, estando prestes a fazer 10 anos, sofreu um grave revés na fruição do seu tempo de criança e de início de adolescência, com marcas que não deixarão de se fazer sentir, ainda que mais atenuadamente, na sua idade adulta, quer no campo pessoal, quer no âmbito profissional, este último, atento, designadamente, o rebate que se provou.


A matéria de facto provada (nomeadamente, a descrita nas alíneas p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc), dd), ff), gg), hh), ii), kk), ll), mm), nn), oo), pp) e tt)), ilustra bem as lesões graves, com coma profundo, que a C… sofreu, as sequelas dessas lesões, quer as de ordem física (problemas de visão, de equilíbrio, de concentração e memória, encurtamento do membro inferior direito), quer as do foro psíquico (com perda de auto-estima e de segurança), sendo que algumas dessas sequelas - que ainda agora levam a que a C… tenha muitas dificuldades de ordem física, social e emocional - perdurarão, ainda que mais atenuadas, durante a idade adulta, com repercussões negativas na sua vida pessoal e na sua futura vida profissional.


Por outro lado, a C…, em consequência de tais lesões, teve vários internamentos hospitalares, prolongados períodos de incapacidade temporária, submeteu-se a diversos tratamentos, perdeu o 5º ano de escolaridade e terá ainda que se submeter a mais cirurgias.


Face ao apontado circunstancialismo e o disposto no artº 496º, nºs 1 e 3, aplicável “ex vi” do artº 499º, ambos do CC, atenta a idade da C…, a multiplicidade e a gravidade das lesões que esta sofreu e as respectivas consequências, entende-se não se mostrar desadequado, para a compensar pelos danos não patrimoniais resultantes do acidente, o montante de 40.000 € que foi fixado na decisão impugnada, pelo que, também nessa matéria, não merece alteração o decidido pelo Tribunal recorrido.  


De tudo o exposto resulta que, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes com os que alicerçaram a sentença, entende-se ser de confirmar a condenação nesta proferida quanto à ora Recorrente e, assim, julgar-se a Apelação improcedente.


III - Decisão:


Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em indeferir a reclamação e, julgando improcedente a Apelação, manter o decidido na sentença recorrida. 


Custas pela Apelante.


Coimbra, 17/12/2014


         (Luís José Falcão de Magalhães)


         (Jaime Manuel Baeta Carlos Ferreira)


       (Sílvia Maria Pereira Pires)



[1] Código que se continuará a referir como NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se identificará como CPC.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] As notas de rodapé também se transcrevem, embora sem respeitar a sua numeração original.
[4] Doravante referido como “NCPC”, designando-se como “CPC”, o Código que o precedeu.
[5] Cfr. Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito - Introdução e Teoria Geral", 6ª edição revista, Coimbra, 1991, pág. 380.
[6] «2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.».
[7] No domínio da norma do pretérito artigo 685º-B, nº 2, o ónus do recorrente considerava-se satisfeito com a transcrição dos depoimentos, caso - situação esta que aqui também não ocorre - não fosse possível, por força dos meios técnicos utilizados para a gravação, a identificação precisa e separada dos depoimentos (artº 685-B nºs 2 e 4 do CPC - Cfr. Acórdão desta Relação de 06/11/2012, [Apelação nº 169487/08.3YIPRT-A.C1), relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Henrique Antunes, consultável e “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”].
[8] Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase.
[9] É, ao que julgamos, jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, desde há muitos anos (Cfr., entre outros, o Acórdão do STJ, de 18.11.75, no BMJ, nº 251º, pág. 107, que é referido pela Relação de Guimarães.).
[10] Cfr. Antunes Varela, obra citada, pág. 590; Rodrigues Bastos, “in” Notas ao Código de Processo Civil - 1992 - nota 4 ao artigo 668º; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984,Volume V, págs. 140 e 141.
[11] Doravante designado como CC.
[12] Como se diz no Acórdão do STJ de 02/12/2010 (Revista nº 1/04.0TBCPV.P1.S1), as deduções extraídas por presunção judicial hão-de ser o desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes, não sendo possível extraí-las de factos não provados, nem de factos não alegados.
[13] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 18/05/2006 (Apelação nº 3022/2006-6), consultável, tal como os restantes que, dessa Relação, vierem a ser citados sem referência de publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase; Cfr. tb. o Acórdão do STJ, de 22 de Janeiro de 2009 (Revista nº 08B3404).
[14] Embora aquando da instauração da acção já estivesse em vigor (desde 20 de Outubro de 2007) o DL nº 291/2007, de 21/08, o acidente ocorreu ainda na vigência do DL nº 522/85 de 31/12, o que, para o apontado efeito processual irreleva, pois que à luz de qualquer um desses diplomas, existindo seguro e contendo-se o pedido – como é o caso - dentro do capital mínimo obrigatório, é apenas a seguradora que deve ser demandada (art. 29, nº 1, a), do DL nº 522/85 e 64° nº 1, a), do DL nº 291/2007).
[15] Consultável, tal como os restantes que, desta Relação, vierem a ser citados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/btrc/btrc.nsf?OpenDatabase”.
[16] “Sem prejuízo do disposto no artigo 570º, a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artigo 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.
[17] Relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 137º (Setembro-Outubro de 2007) nº 3946, pp. 35/49, seguido de uma anotação concordante de Calvão da Silva (pp. 49/64). Trata-se do Acórdão respeitante ao processo nº 07B1710, também disponível no sítio www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[18] Com a intervenção do ora 1º subscritor do presente Acórdão, como relator, bem assim como da Exma. 2ª Adjunta.
[19] Cfr. Acórdão desta Relação de Coimbra de 05/05/2009, Apelação n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/123901" target="_blank">2945/06.5TBVIS.C1</a>., onde se refere:”… foi publicada a Portaria nº 377/2008 de 26/5 - na sequência do DL nº 291/2007 de 21/8, com as alterações entretanto introduzidas pelo DL nº 153/2008 de 6/8 - fixando (sem carácter vinculativo) critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação (em fase não contenciosa) aos lesados por acidente de viação, de proposta razoável para indemnização pelo dano corporal (sendo alguns desses critérios de cálculo com recurso também a tabelas matemáticas - vg. Anexo III).”.
[20] Subscrito pelo ora relator, também enquanto tal, e pela aqui 2ª Adjunta.
[21] Consultável, tal como os que, dessa Relação, vierem a ser citados sem referência de publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase.
[22] “Dano Corporal Em Acidentes de Viação”, Separata dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Ano IX - Tomo I, 2001, págs. 8 e 9.
[23] Assim, entre outros, Acórdão do STJ de 03/11/2005 (Revista n.º 2568/05 - 7.ª Secção), em cujo sumário se pode ler: «III - A capitalização dessa indemnização em dinheiro, correspondente ao dano futuro previsível, deve abranger tão só a vida activa da vítima e não a previsibilidade da esperança de vida.
IV - No que concerne ao período de vida activa a considerar para o cálculo da IPP, deve atender-se ao limite temporal dos 70 anos de idade.».
[24]“Cfr.”http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=211349189&DESTAQUESmodo=2.
[25] Entendendo, também, não ser de atender, na fixação da indemnização por danos futuros, ao salário mínimo nacional, cfr. Ac do STJ de 13/01/2009 (Revista nº 08A3747) e Ac do STJ de 01/10/2009 (Recurso Penal nº 1311/05.4TAFUN.S1).
[26]http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0005585&contexto=bd&selTab=tab2
[27] Obra citada, pág. 9.
[28] Tem interesse apontar as razões invocadas no Acórdão para alicerçar esse seu entendimento, aí se tendo dito a propósito: «…a primeira, porque é muito longa a dimensão temporal do período de vida activa da autora (só terminará, repare-se, à beira do último quartel deste século, que mal começou), sendo perfeitamente previsível a ocorrência, no seu decurso, de uma escalada ou, ao menos, de uma progressão significativa do valor dos salários; a segunda, porque é expectável, hoje (quando o acesso ao ensino é uma realidade para todos e as novas tecnologias abrem perspectivas de futuro nunca vistas), para qualquer criança ou jovem a obtenção de uma remuneração bem acima da que funcionou como base de cálculo (€ 700,00), por via do completamento de formação académica ou técnico-profissional de nível elevado; a terceira, porque num tempo em que o trabalho é, cada vez mais, um bem escasso, como já alguém disse, um grau de incapacidade de 25% tende a limitar o acesso ao mercado de emprego e, por via de consequência, a potenciar a escassez da oferta.».
[29] No Acórdão do STJ de 14-09-2010 (Revista n.º 797/05.1TBSTS.P1) entendeu-se adequada a indemnização de € 200.000, a título de danos patrimoniais futuros, para compensar a perda da capacidade de ganho, de um jovem de 19 anos, atendendo à idade útil de 70 anos, ao vencimento anual de 6.700€ e de 9.100 € a partir de 1-3-2004, e à IPP de 35%, até aos 49 anos (durante 28 anos) e de 40%, a partir dos 50 anos.
[30] Cfr. Acórdão do STJ, de 18/03/2010 (Revista n.º 198/1998.P1.S1 - 2.ª Secção), sumariado em “http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios”.
[31] Com sumário consultável em “http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios”.

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - Relatório: A) - 1) – C…, nascida a 26/12/1995, representada pelos seus pais, H… e S…, intentou, no Tribunal Judicial de Leiria, contra a “Companhia de Seguros T…, S.A.”, com sede em …, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação desta Seguradora a pagar-lhe a quantia de € 228.772,00, o valor que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente a cirurgias, tratamentos, deslocações a efectuar, bem como € 1.972 euros de deslocações e € 1.800 de perdas salariais de sua mãe (acrescidos de juros de mora, desde a citação), alegando, em síntese, que o pedido indemnizatório que formula destina-se a ressarcir os danos patrimoniais e não patrimoniais que resultaram do acidente de viação de que foi vítima e que consistiu no seu atropelamento pela viatura automóvel de matrícula …-TQ, então segurado pela Ré “T…, S.A”, acidente esse ocorrido em 16/12/2005, e cuja culpa exclusiva imputou ao condutor do referido veículo. 2) - A Ré “T…, S.A.”, contestando, defendeu-se, entre o mais, por impugnação, alegando, designadamente: - Que o acidente se deveu, exclusivamente, à conduta da menor C…, que começou a travessia da estrada, desatenta e em correria, não podendo o condutor do veículo seguro ter ser evitado o embate; - Quanto aos danos, diz, além do mais, serem excessivos os montantes peticionados, sustentando, ainda, que há pedidos que respeitam exclusivamente aos representantes da Autora; 3) - O “Centro Hospitalar de Coimbra EPE, veio demandar a Ré “T…, S.A.”, em acção declarativa, que depois veio a ser apensa, pedindo o pagamento da quantia de € 7901,87, ampliada posteriormente para € 9562,10, acrescida de juros moratórios a contar desde a citação à taxa legal até integral pagamento, alegando, em síntese, que o peticionado representava os custos dos cuidados de saúde que prestara à lesada em consequência do acidente. 4) - A Ré defendeu-se dizendo que, pelos motivos já acima referidos, o seu segurado não tivera qualquer responsabilidade pelo acidente em causa. 5) - Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar, com gravação da prova, a audiência final, com decisão respondendo à matéria da base instrutória, vindo a ser proferida sentença, em 01/10/2013, na parte dispositiva da qual se consignou: “…decide-se: a) Condenar a R. a entregar à A. C… a quantia de cento e quarenta mil euros, acrescida de juros de mora à taxa legal e a contar da data da presente decisão; b) Absolver a R. do demais peticionado pela A. C…; c) Condenar a R. no valor que se vier a liquidar por operações cirúrgicas para corrigir a ptose e o estrabismo, e ao nível de ortopedia relacionada com o encurtamento do membro inferior direito; d) Condenar a R. a entregar à A. Centro Hospital de Coimbra E.P.E. a quantia de nove mil quinhentos e sessenta e dois euros e dez cêntimos, acrescida de juros de mora desde a citação sobre a quantia de €4.589,96, e no mais desde a data de cada notificação da R. relativamente a cada quantia ampliada à taxa legal até efetivo e integral pagamento; B) - 1) - Inconformada com o assim decidido, a Ré “Companhia de Seguros T…, S.A.”, a finalizar a alegação do recurso que interpôs - e que veio a ser recebido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo - ofereceu as seguintes conclusões: … 2) - A Apelada, na resposta que apresentou, entre o mais, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida. 3) - O Relator, por despacho de 19/05/2014, dizendo afigurar-se-lhe que a Recorrente não havia indicado com exatidão as passagens da gravação em que fundava o seu recurso quanto à matéria de facto, pelo que seria de rejeitar o recurso nessa parte, ordenou a notificação das partes para que sobre isso se pronunciassem, querendo. 4) - A Apelante, através de requerimento que deu entrada em juízo em 05/06/2014 (entrando o original em 06/06/2014), veio, em síntese, dizer que tinha indicado ”…todos os elementos que das actas e do CD constavam quanto aos depoimentos prestados e que pretende ver reapreciados, mais não lhe podendo ser exigido.”, defendendo dever ser admitido e apreciado o recurso interposto. Com esse requerimento juntou “três depoimentos transcritos” (são os depoimentos das testemunhas …). 5) - A Apelada pugnou pela rejeição do recurso atendendo ao incumprimento da Recorrente quanto à indicação exata das passagens dos depoimentos em que se fundava. 6) - Por despacho de 10/07/2014, o relator rejeitou a impugnação da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados. 7) - A Apelante veio apresentar reclamação desse despacho, requerendo que a mesma fosse apreciada em Conferência e julgada procedente, admitindo-se o recurso sem limitações. Em síntese e para além daquilo que já defendera, diz não haver, no caso, “dispensa da audição completa dos depoimentos indicados” e que, salvo melhor opinião, “…ao transcrever os excertos considerados relevantes cumpre a exigência da exacta das passagens dos depoimentos em que se funda o recurso”. Acrescenta, ainda, que, para além disso, juntou “os depoimentos transcritos e assinaladas as passagens da matéria de facto”. Julga-se que, quanto a este último ponto, com a afirmação de que as passagens foram assinaladas, a Apelante reporta-se às transcrições juntas após o despacho de 19/05/2014, com o aludido requerimento de 05/06/2014, e ao sublinhado a cor amarela “florescente”, de alguns trechos dessas transcrições. 8) - A Apelada veio reiterar a posição que já antes assumira e salientar que, terminando o prazo do recurso em 05/01/2014, as transcrições em causa só foram juntas em 05/06/2014; 9) - Por despacho do relator foi determinado que a apreciação da reclamação em causa se faria no acórdão que julgasse o recurso, nos termos do nº 4 do artº 652º do novo CPC. B) - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal. Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no âmbito das normas correspondentes do direito processual pretérito, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B35863)[2]. Assim, a questão que cumpre solucionar no presente recurso, para além das atinentes à aludida reclamação da rejeição da impugnação da matéria de facto e à verificação da existência das nulidades de sentença que a Apelante invoca, consiste em saber se, em face da factualidade provada, é de alterar, no sentido defendido pela Recorrente, o decidido na sentença da 1ª Instância. II - Fundamentação: A) Os factos. … 2) - Na decisão em que o Relator rejeitou a impugnação da matéria de facto baseada nos depoimentos, escreveu-se, a fundamentá-la:[3] «… Nas alegações do recurso que interpôs dessa sentença, a Ré, entre o mais, pediu a reapreciação da matéria de facto, pugnando para que esta Relação, dando como provados os artigos 1.º, 51.º, 55.º, 57.º, 67.º e 68.º da Base Instrutória, alterasse o decidido pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto. Tendo a prova produzida em julgamento sido objecto de registo, através de gravação áudio, a Recorrente, para defender o pretendido quanto à matéria de facto, pugnou pela correcta apreciação da prova produzida, designadamente, do depoimento da testemunha …, que a Apelante referiu estar gravado em Habillus Media Studio, no dia 08 de Janeiro de 2013, com início de gravação às 10:43:26 e fim de gravação às 11:18:01., e do depoimento da testemunha …, que a Apelante refere com início de gravação às 10:16:26 e fim de gravação às 10:42:42. Desses depoimentos, cuja reapreciação requereu, a Apelante reproduziu os trechos que entendeu relevantes para alcançar o apontado desiderato. Afigurando-se que a Recorrente não procedera à indicação exigida pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, pelo que seria de rejeitar o recurso, no que concerne à alteração da matéria de facto fundada nos depoimentos das testemunhas, cumpriu-se o contraditório, tendo a Apelante vindo defender que cumprira “escrupulosamente, todos os requisitos dos recursos para a impugnação da matéria de facto”, enquanto que a Apelada veio pugnar pela rejeição do recurso, na vertente ora em causa. Vejamos. Sendo aplicável ao caso “sub judice” o Novo Código de Processo Civil[4], aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, dado que foi já na vigência desse Código que foi proferida a decisão impugnada, estabelece o seu artº 662º, nº 1, que a Relação “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Tendo-se procedido à gravação dos depoimentos prestados na audiência, a decisão do Tribunal de 1.ª Instância sobre matéria de facto é susceptível de ser alterada pela Relação, tendo, para esse efeito, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, especificar, sob pena de rejeição, “Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (artº 640º, nº 1, a), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, a), do CPC), bem como “Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (artº 640º, nº 1, b), do NCPC, que corresponde ao art.º 685-B, nº 1, b), do CPC).  Por outro lado, ao Recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, caberá, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (nº 2, a), do artº 640º do NCPC, que corresponde ao n.º 2 do art.º 685-B do CPC). Para melhor se entender o alcance do referido nº 2, a), do artº 640º do NCPC, importa relembrar os antecedentes do artº 685-B, nº 2, do CPC, que, na legislação pretérita, é o preceito correspondente àquele artigo. O artº 690-A ao CPC, aditado pelo DL 39/95, de 15 de Fevereiro (artº 2), dispunha, na parte que ora releva: «1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.». O legislador do DL 39/95, de 15 de Fevereiro, acentua, no respectivo preâmbulo, a natureza de “válvula de segurança” - para obviar à utilização abusiva do recurso sobre a matéria de facto -, que representava o ónus do recorrente, estabelecido no preceito, no que concerne à delimitação do objecto do recurso, dizendo: “Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta. Daí que se estabeleça, no artigo 690.º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto.».  Sabendo-se que o preâmbulo não possui força vinculativa, mas que não deixa de constituir um elemento histórico importante na função de interpretar o texto legal[5], importa salientar que, “in casu”, segundo, nos parece, o texto do preceito em causa compagina-se com o desiderato referido no transcrito trecho do preâmbulo do DL 39/95. O DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, veio, além do mais, alterar a redacção do 690º-A, deixando este preceito de impor ao recorrente o ónus de transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação dos depoimentos, passando a constar do seu nº 2: «No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.». Coerentemente, com a alteração introduzida ao artº 690-A, o aludido DL nº 183/2000, veio aditar ao 522-C, um nº 2, determinando que, quando houvesse lugar a registo áudio ou vídeo, deveria ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.[6] Foi esta a primeira significativa modificação ao ónus primitivamente imposto pelo Artº 690-A ao recorrente, ónus esse que, tomado o preceito “ao pé da letra”, passou a ter diminuta expressão e quase nenhum relevo em termos de cooperação com o Tribunal de recurso, pois que a indicação exigida, pouco ou nada adiantava relativamente ao que a lei determinava que constasse da acta. Não obstante a alteração que o DL nº 183/2000 introduziu ao artº 690-A, que, sem margem para dúvidas, visou eliminar a transcrição obrigatória que originariamente este preceito previa, o recorrente que visasse impugnar a matéria de facto, não poderia deixar de fundamentar a sua pretensão demonstrando ter havido erro no julgamento de facto, o que implicaria, para a concretização desse erro, por exemplo, no caso de entender que o depoimento de determinada testemunha deveria ser erigido pelo Tribunal para, ainda que depoimentos em sentido contrário existisse, dar a determinado ponto da base instrutória resposta diversa daquela que se deu, referir, ainda que sinteticamente, o que a testemunha declarara quanto a essa matéria. Daí que não satisfizesse a indicação pretendia pela lei, a crítica a determinado ponto da matéria de facto, alicerçada em remissão genérica para os depoimentos de determinadas testemunhas, ainda que se transcrevesse, nas alegações, a totalidade, ou parte, dos depoimentos em causa.  E é assim que, não obstante a referida alteração introduzida pelo DL nº 183/2000 ao artº 690-A, do CPC, se compreendem entendimentos como aquele que foi expresso no aresto do STJ, de 08-11-2007 (Revista n.º 3445/07 - 7.ª Secção), assim sumariado: «I - O recorrente que pretenda impugnar na apelação a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá indicar os pontos de facto que considere incorrectamente julgados e especificar ou concretizar os pontos dos depoimentos testemunhais que, no seu entender, impõem diferente resposta (art. 690.º-A, n.º 1, al. b), do CPC). II - A mera indicação dos depoimentos prestados sobre os pontos da matéria de facto impugnados não cumpre suficientemente a exigência legal, sendo ainda necessário que se especifiquem as passagens desses depoimentos que concretamente levem à alteração da decisão de facto proferida.». Ora, o art. 690º-A veio a ser revogado pelo DL 303/2007, de 24/08, substituindo-o o art. 685º-B, cujo nº 2, como inicialmente se disse, impunha ao recorrente que impugnasse a matéria de facto com base no erro de valoração dos depoimentos, que especificasse aqueles em que se alicerçava e que indicasse, com exactidão, as passagens da gravação em que se fundava, sem prejuízo, de, a acrescer ao assim exigido, se lhe permitir que, por sua iniciativa, procedesse à transcrição dessas passagens. A mesma indicação é exigida, actualmente, como acima se viu, pelo artº 640º, nº 2, a), do NCPC, que, para além dela, também possibilita ao recorrente proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Do exposto resulta, por um lado, que a exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no referido 685º-B, nº 2 e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivaleria a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens. Daí que, ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso. Do exposto também resulta, por outro lado, que esta exigência da indicação exacta das passagens do depoimento em que se funda o recurso não é substituível pela transcrição das mesmas, transcrição esta que constitui uma faculdade do recorrente, que, querendo-a utilizar, terá, ainda assim, de satisfazer a apontada exigência legal[7]. E não se diga que se surpreende exagero na apontada imposição, pois que a exigência em causa tem, a contrabalançá-la, o benefício que se concede ao recorrente, em caso de reapreciação da prova gravada, do acréscimo de 10 dias no prazo de recurso (artº 638º, nº 7, do NCPC). Ora, no caso “sub judice”, a Recorrente não efectuou a indicação exigida pelo apontado preceito quanto às passagens da gravação (640º, nº 2, a)), limitando-se a indicar a hora do início e do termo de cada um dos depoimentos que invocara para imputar ao Tribunal “a quo” a incorrecta apreciação da prova. Não estando legalmente previsto e parecendo, até, em face da redacção do preceito, estar manifestamente afastado - na medida em que dele consta a expressão “imediata rejeição”-, o convite ao aperfeiçoamento, para indicação das mencionadas passagens, consistiria num benefício injustificado ao “infractor”, que assim teria, além do alargamento de 10 dias do prazo de recurso, previsto para o caso de se pretender a reapreciação da prova gravada, mais um acréscimo de prazo para apresentar a alegação de recurso em conformidade com a lei. No caso “sub judice”, a apontada omissão, impõe, pois, nos termos do preceito citado, a rejeição imediata do recurso no que concerne à requerida alteração da matéria de facto baseada nos depoimentos prestados, o que ora se decide.». É certo que o Tribunal da Relação, face à impugnação da matéria de facto, não fica limitado à apreciação das passagens que o recorrente indique para o efeito, mas isso é circunstância que não isenta ou atenua a responsabilidade do recorrente que não indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nos termos do nº 2, a), do artº 640º do NCPC. Trata-se de um ónus de natureza formal cujo desiderato não se esgota no evitar a chamada “impugnação genérica”, mas, sendo certo que o que a lei determina, na matéria em causa, é que o recorrente indique com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, não obedece a esta exigência legal, porque a desvirtua, o recorrente que, em lugar dela, como se disse no despacho, indica a hora do início e do termo de cada um desses depoimentos. Como já se apontou a função complementar da transcrição das passagens, bem como a impossibilidade legal de se convidar o recorrente a suprir a omissão da indicação exata que o artº 640º, nº 2, a), manda fazer, resta salientar que, no caso, mesmo a ter-se como efectuada, tal indicação, nas transcrições que o Apelante juntou, “sponte sua”, com o requerimento de 05/06/2014, esta sempre teria de ser desatendida, porque manifestamente extemporânea. Este Colectivo, revendo-se nos fundamentos em que a mesma se alicerçou, incluindo, pois, o atinente à impossibilidade legal, de, na situação em causa, se convidar o recorrente a aperfeiçoar a alegação de recurso, acolhe a decisão do Relator quanto à rejeição da impugnação da matéria de facto, pelo que indefere a reclamação respectiva. Sucede que na alínea kk) dos factos provados se consignou: “A incapacidade permanente geral é de 25%, o dano futuro e rebate profissional é de 15%. (30º e 31º da b.i.)”. Ora, o dano futuro existe ou não em função dos factos provados a ele atinentes, não se compadecendo com uma existência percentual, nem com a sua afirmação conclusiva, competindo ao julgador apurar dessa existência e a sua tradução indemnizatória, que é efectuada em função de parâmetros vários e em juízo de equidade, pelo que reveste anacronismo que não se pode manter, por não integrar verdadeira matéria de facto, o consignado na alínea kk) dos factos provados quanto ao dano futuro, que assim se dá como não escrito. A matéria de facto que se tem como provada é, pois que não se vislumbra razão que nos leve a decidir de outro modo, aquela que assim foi considerada na 1ª Instância e que acima se discriminou, com a ressalva que se fez quanto à alínea kk), que ficará com o seguinte teor: “kk) A incapacidade permanente geral é de 25% e o rebate profissional é de 15%.”. B) O Direito. 1) - Diz a Apelante que o Tribunal violou o artigo 615.º n.º 1 al. e) do CPC (redacção dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06), já que, tendo sido peticionados € 75.000,00 a título de danos biológicos/patrimoniais, condenou a Ré/Apelante no montante de € 100.000,00. Vejamos. A exemplo do que sucedia com o entendimento que se dava à norma correspondente do CPC (alínea e) do n.º 1 do art.º 668.º), a nulidade prevista no artº 615.º n.º 1 al. e), do NCPC, radica na violação da proibição da condenação “extra vel ultra petitum”, proibição esta imposta pelo art.º 609º, nº 1, do NCPC (que corresponde ao artº 661º, n.º 1, do CPC). Efectivamente, decorrente do princípio do dispositivo, a norma do citado art.º 609º, n.º 1, impede que o Juiz condene em quantidade superior, ou em objecto diverso do que se pedir. Pressuposto da apontada violação e, consequentemente, da correspondente nulidade de sentença, é que nesta se tenha extravasado o pedido. A sentença, nas palavras de Manuel de Andrade, versando o correspondente direito processual pretérito, “…deve manter-se no âmbito da acção (pedido, lato sensu), identificada através dos sujeitos, do objecto e da causa de pedir…” (in, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora - 1979 - pág. 298). Não se olvidando, assim, que a apontada infracção também se verificará no caso de se absolver o réu de um pedido que o autor não formule, a patologia de que tratamos ocorre, em regra, nos casos em que o Juiz, saindo do “thema decidendum” configurado pelo autor, condena em quantidade superior, ou em objecto diverso do que este pediu. Como se disse no Acórdão da Relação de Guimarães, de 22/04/2010 (Apelação nº 105/06.4TBFAF.G1)[8], versando então o disposto no referido artº 661º, nº 1, do CPC decorre desta norma que “…o julgador apenas está vinculado ao pedido global de indemnização formulado na petição e não a cada uma das parcelas que a compõem.”.[9] Ora, no caso “sub judice”, a Autora, sem se entrar em linha de conta com a indemnização cuja liquidação requereu que fosse relegada para ulterior momento, pediu uma indemnização no montante global de € 228.772,00, tendo-lhe sido atribuído, a esse título (fora o que se liquidasse em ulterior momento), a indemnização de € 140.000,00, que, tal está muito aquém, pois, daquele montante global peticionado, pelo que é despiciendo, para a verificação da nulidade em causa, que o Tribunal, em resultado da aplicação do direito que entendeu ser de fazer ao caso, em lugar de ter atribuído à Autora, o montante indemnizatório parcelar de € 75.000,00, a título de danos biológicos/patrimoniais, haja condenado a Ré/Apelante, a título de danos patrimoniais, no montante de € 100.000,00. Não ocorre, assim, a apontada nulidade de sentença, prevista no artº 615.º n.º 1 al. e), do NCPC. Refere a Apelante, por outro lado, que, tendo-se dito, na fundamentação das respostas dadas à matéria controvertida, quanto ao condutor do veículo atropelante, que “O facto de ter parado a 10 m indicia que circulava a velocidade não superior a 50 Km/h por reporte à tabela constante em Código da Estrada Anotado…”, enquanto que, posteriormente, na sentença, se concluiu ser evidente que tal condutor, conseguindo parar o veículo só após 10 m do embate, circulava em velocidade excessiva em relação ao tráfego concreto que ali se desenrolava, consubstancia uma contradição que se enquadra na previsão da nulidade de sentença estabelecida no artº 615º nº 1 al. c), do novo CPC. A exemplo do que sucedia com o entendimento que se dava à norma correspondente do CPC (alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º), para que ocorra a oposição considerada no artº 615.º, nº 1, c) do NCPC, é essencial que se verifique uma real contradição entre a parte dispositiva da sentença ou do acórdão e os respectivos os fundamentos. O raciocínio do julgador terá de enfermar deste vício real: “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”[10]. Ora, sendo certo que a velocidade excessiva pode ser muito bem aquela, que, em circunstâncias normais, é permitida por lei, mas que as circunstâncias específicas que se verificam na ocasião (v.g., piso da estrada escorregadio devido a chuva, localidade com intenso tráfego de peões a fazer a travessia da estrada, etc.) impunham que fosse menor, se assume como desadequada a evitar um acidente, está visto que não há qualquer contradição entre as duas apontadas conclusões tiradas pelo julgador. Mas o que importa afirmar é, sobretudo, que o que quer que se diga na fundamentação das respostas dadas, em decisão autónoma à base instrutória, não pode fundar a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do pretérito CPC (agora, prevista no artº 615.º, nº 1, c) do NCPC), pois que, como se viu, a oposição que tais normas sancionam tem de se surpreender na sentença e existir entre os fundamentos desta e a respectiva decisão. Do acima exposto resulta que, no caso “sub judice”, o que a Apelante invoca não se enquadra na nulidade prevista no artº 615.º, nº 1, c), do NCPC, nulidade esta que, aliás, é patente não se verificar, pois que não há, entre os fundamentos da sentença - confluentes no sentido da parcial procedência da acção - e a respectiva decisão, qualquer contradição que se identifique com aquela oposição que acima se descreveu. 2) - Não sendo suficiente a atingir tal escopo a matéria dada como assente nas alíneas j) e l), também a restante factualidade que foi dada como provada não permite, em nosso entender, atribuir, ainda que só em parte, a eclosão do acidente a conduta reprovável da menor C…, não lhe podendo ser atribuído comportamento causal do acidente que integrasse qualquer das infracções previstas nos artºs 99º e 100º do Código da Estrada (na versão então em vigor, que era a conferida pelo DL nº 44/2005, de 23/02), não se tendo provado, designadamente, ao contrário daquilo que a Apelante defendia ter ocorrido, nem que aquela menor tenha iniciado a travessia da estrada em correria, desatenta ao trânsito, nem que mesma tenha surgido ao condutor do …-TQ subitamente, de forma a cortar, a uma distância de cerca de 5 metros, a linha de marcha desse veículo. Esta referida falta de prova da contribuição, ainda que parcial, da C…, para a eclosão do acidente, torna desde logo despicienda a questão da ausência de vigilância relativamente à menor, ausência essa, aliás, que não se provou (cfr., designadamente a resposta ao quesito 68º). Mas também não podemos concordar com conclusão, que na sentença se tira, da existência de prova da culpa do condutor do …-TQ na produção do acidente em causa. A este propósito escreveu-se na sentença: «Mostra-se adquirido que no local a via apresenta-se como uma recta, constando uma igreja no local e um estacionamento de autocarros, o que permite dizer que se trata de local povoado e de fluência no tráfego. Por outro lado, é acessível a qualquer condutor, nomeadamente ao condutor do veículo segurado, a presença de crianças, impondo-se ao condutor do veículo TQ conduzir de forma a que contasse com a notória agitação infantil, havendo para além de tudo um passeio com um metro de largura. É sabido que qualquer condutor deve abrandar a marcha na presença de crianças na via, atento o perigo que as mesmas representam para si próprias e para os outros. Ora, tal não foi feito, antes conseguiu parar o veículo só após 10 m. do embate. É pois evidente que se verificou velocidade excessiva em relação ao tráfego concreto que ali se desenrolava. Mais, se dúvidas houvessem em relação à desadequação da velocidade da condução em relação ao ambiente que se desenrolava no local (repete-se, presença de crianças) as mesmas dissipar-se-iam por consideração aos danos que C… sofreu no que tange ao impacto do veículo no seu corpo.». Preliminarmente, importa esclarecer que a circunstância de não se ter provado que a C… haja iniciado a travessia da estrada em correria, desatenta ao trânsito, nem que mesma tenha surgido ao condutor do …-TQ subitamente, quando esse veículo já se encontrava a curta distância dela, não equivale à prova, pela positiva, de que isso assim não sucedeu. Cumpre ter esta ideia em mente, já que útil ao raciocínio que adiante iremos explanar, muito embora seja evidente, que, para efeitos processuais, bastava a apontada falta de prova para eximir a C… à “responsabilidade” da eclosão do acidente. Depois, cumpre salientar que se o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, mesmo sabendo que o condutor do veículo …-TQ “conseguiu parar a mais de 10 m. do local do atropelamento”, não teve este facto como suficiente para dar como provado que tal veículo circulava a velocidade superior a 50Km/h, que era a velocidade máxima permitida no local (Cfr. alínea c) e resposta restritiva ao quesito 3º) - o que bem se compreende, pois, nada apurou quanto à distância a que se encontrava a C… quando a presença desta na estrada foi, ou poderia ter sido, perceptível, ao condutor do referido veículo -, também esse mero facto, ou seja a distância a que se deteve o veículo, após o embate, relativamente ao local do atropelamento, não permite extrair a conclusão de que a velocidade do …-TQ era superior àquela que seria adequada “em relação ao ambiente que se desenrolava no local”, nem esta última conclusão poderia resultar da mera constatação da gravidade das lesões que a C… sofreu. Esta nossa última afirmação escora-se no facto de as lesões resultantes de um atropelamento, mesmo que o veículo circule a uma velocidade reduzida, poderem ser muito graves e múltiplas, pois que essa gravidade e extensão podem resultar de outros factores, entre os quais destacamos, pela sua frequência, das específicas zonas do corpo que, para além daquela que é embatida pelo veículo, são atingidas em consequência da queda da vítima no solo, subsequentemente ao embate. Face a esta apontada aleatoriedade, não se nos afigura que a mera constatação da gravidade das lesões, sem prova de outros elementos - como, por exemplo, a distância a que se encontrava a C… quando a presença desta na estrada foi, ou poderia ter sido, perceptível, ao condutor do referido veículo, a existência de rasto de travagem e a distância a que ficou o corpo relativamente ao local em que o atropelamento ocorreu -, permita concluir, ainda que aliada à prova de que o condutor do veículo “conseguiu parar a mais de 10 m. do local do atropelamento”, pela apontada desadequação da velocidade …-TQ e, portanto, pela velocidade excessiva deste veículo. É claro que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” introduz aqui um elemento perturbador - depois de explanar raciocínios que até se aceitam -, mas que não pode ser tido como provado, nem mesmo por inferência dos factos assentes. Já veremos que factualidade é essa que na sentença se deu indevidamente como assente e que cria condições para que a conclusão pela apontada velocidade desadequada “em relação ao ambiente que se desenrolava no local” se nos apresente com aparente consistência lógica. Não se discorda que na sentença se tenha afirmado que “é acessível a qualquer condutor, nomeadamente ao condutor do veículo segurado, a presença de crianças, impondo-se ao condutor do veículo TQ conduzir de forma a que contasse com a notória agitação infantil…”. Também se aceita que, em princípio, “qualquer condutor deve abrandar a marcha na presença de crianças na via, atento o perigo que as mesmas representam para si próprias e para os outros” (a ressalva justifica-se pois haverá casos em que a velocidade em que se circula é já tão reduzida que, a circunstância, impondo um redobrar da atenção, não justifica uma diminuição da velocidade). “In casu”, não se sabe, verdadeiramente - pois desconhece-se a velocidade a que seguia o …-TQ, sabendo-se apenas que a prova não permitiu que o julgador desse por assente que aquela era superior a 50Km/h - se ao condutor do veículo, mesmo em face circunstancialismo provado, se impunha a necessidade de reduzir a velocidade do mesmo. Mas, ainda que se tenha como assente que tal redução seria necessária, o que temos por seguro é que a afirmação de que o condutor do veículo …-TQ “conseguiu parar a mais de 10 m. do local do atropelamento, é reportada ao que se seguiu ao embate, não podendo nós, desse facto, ou de outro que se tenha provado, afirmar que, nos momentos que antecederam o embate, em face das circunstâncias que se lhe depararam, tal condutor não haja abrandado a velocidade a que circulava o …-TQ. Por isso discordamos da Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, quando, sem saber como era feita a condução do …-TQ nos momentos que antecederam o embate, nem a distância a que o veículo se encontrava da C… quando esta entrou na via, tenha concluído, quer que o condutor do …-TQ, atenta a presença de crianças na via, devia ter abrandado a marcha do mesmo, quer que “tal não foi feito”, para daí concluir ser “…evidente que se verificou velocidade excessiva em relação ao tráfego concreto que ali se desenrolava.”. Sendo a presunção judicial a ilação que o julgador, por força das regras de experiência comum, - ou seja, de acordo com aquilo que, em situações semelhantes, as mais das vezes sucede (id quod plerumque accidit) - tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido (artºs 349° e 351º do Código Civil[11]), já se vê que o acima exposto revela, atenta, desde logo, a ausência de prova de factos-base que serviriam de fundamento à sua dedução, ou inferência (v.g., velocidade que seguia o veículo nos momentos que antecederam o embate), ser vedado ao Mmo. Juiz dar como assente, que condutor do …-TQ deveria ter abrandado a velocidade do mesmo e, sobretudo, que tal condutor não procedeu a tal abrandamento, factos estes que conduziram, assim, indevidamente, à conclusão de que a condução desse veículo se fez a velocidade desadequada “em relação ao ambiente” que se desenrolava no local, sendo, pois, excessiva, em relação ao tráfego concreto que ali se fazia. Permanecendo, assim, desconhecidas as condições concretas em que ocorreu o acidente em causa, entender como assente que o mesmo se deu devido à circunstância de o condutor circular a velocidade desadequada, é conclusão só possível por extrapolação ilegítima, pois que não habilitada por inferência dos factos provados.[12] Temos assim que, não se provando que o acidente seja imputável à C…, também não se provou a culpa, ainda que parcial, de J…, condutor do veículo …-TQ, pertencente a C…, o que não significa que, por força da responsabilidade pelo risco que recai sobre este proprietário, e do contrato de seguro que vincula a Ré Apelante, esta não responda pelos danos que do acidente advieram para a menor C... É certo que não se tendo alegado e, consequentemente, provado que o aludido J…, conduzisse o …-TQ por conta e no interesse do respectivo proprietário, C…, nem aquele responde como comissário (daí que, afastada a culpa efectiva na produção do acidente, não faça sentido trazer à colação a culpa presumida do condutor, prevista na 1ª parte do nº 3 do art.º 503º do CC), nem este responde, nos termos do artº 500º do CC, como comitente. Isso não afasta, porém, “in totum” a responsabilidade do dono do …-QT pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo (e, por consequência do contrato de seguro, a responsabilidade da sua seguradora), que também se consagra no artº 503º, nº 1, do CC, para aquele que, ainda que sem ser por intermédio de comissário, tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse. Efectivamente, a Ré pode ter de indemnizar a Autora, em lugar do dono do …-QT enquanto detentor do veículo causador do acidente, pois que a expressão “ainda que por intermédio de comissário”, constante do nº 1 do art.º 503º do CC, vinca bem que também nos casos em que a utilização do veículo não se faz por intermédio de comitente, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo quem, tendo a respectiva direcção efectiva, o utilizar no seu interesse. Assim, a falta de uma relação de comissão não afasta, “per se”, a responsabilidade do detentor do veículo, ou seja daquele que, não obstante não o conduzir, tem a direcção do veículo e utiliza-o no seu interesse, conforme se prevê no artº 503º do CC. “Assim, se não há comissário, a responsabilidade do detentor do veículo baseia-se no art. 503º do CC; Se há comissário, a responsabilidade do dono baseia-se, quer no disposto no art. 503º, quer no preceituado no art. 500º, ambos do CC”.[13] Ora, constitui jurisprudência pacífica ser de concluir, por presunção resultante daquilo que decorre ser o conteúdo normal do direito de propriedade definido no art.º 1305º do Código Civil que o proprietário do veículo possui a respectiva direcção efectiva e utiliza-o no seu interesse. Trata-se de uma presunção natural que o julgador pode tirar (art.º 349º e 351º do CC), assente nas regras de experiência da vida, ou, seja, naquilo que, em circunstâncias idênticas, sucede as mais das vezes, cujo funcionamento não é prejudicado pela falta de verificação da presunção legal estabelecida na 1ª parte do nº 3 do art.º 503º, do CC, não obstando, pois, a falta de prova da relação de comissão a que se reporta esta norma, à afirmação da existência de direcção efectiva e interessada do veículo por parte do respectivo proprietário. E é ao proprietário de veículo, ou à sua seguradora (se apenas esta última deva ser demandada, de acordo com os princípios processuais vigentes para acções que se situem dentro do capital mínimo obrigatório - cfr. artº 29º, nº 1, a), do DL nº 522/85, de 31/12)[14] que compete provar factos tendentes a contrariar essa conclusão assente naquilo que, em situações idênticas, as mais das vezes ocorre, de modo a afastar a referida presunção natural (v.g., demonstrando a existência de uma situação de condução abusiva). Assim, ainda que não se prove a existência de uma relação de comissão, o proprietário do veículo que não afaste a presunção natural de onde resulta que tem a direcção efectiva do veículo e que este circula no seu interesse, é responsável pelos danos causados, nos termos do nº 1 do artigo 503º do Código Civil. Ora, no caso “sub judice” e atento o acima exposto, aplica-se o que se disse no citado Acórdão do STJ de 22 de Janeiro de 2009: “Não provada a culpa do menor, atropelado por um veículo automóvel, e não sendo possível afirmar que os danos por aquele sofridos são consequência da sua concreta actuação, subsiste apenas a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, pois tais danos são exclusivamente provenientes dos riscos próprios do veículo e seu condutor.”. Em sentido idêntico decidiu esta Relação de Coimbra, no Acórdão de 02/06/2006 (Apelação nº 205/2002.C1)[15], aí se tendo entendido que inexistindo - como no caso inexiste - qualquer das situações previstas no artº 505º do CC, “afastada a culpa efectiva de ambos os intervenientes no acidente de viação (condutor do veículo automóvel e peão), e também a culpa presumida do condutor do veículo segurado”, conclui-se pela responsabilidade objectiva, ou fundada no risco, como fundamento para a condenação nas indemnizações que foram arbitradas. Apurando-se, assim, no “caso “sub judice”, ser a Ré Apelante, não obstante a não prova da culpa do condutor do …-QT, responsável pela indemnização a atribuir à Autora em consequência dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente em causa, não se deixará de esclarecer que uma tal responsabilidade em conexão com a derivada do contrato de seguro, pode alicerçar uma eventual confirmação do julgado, já que vale aqui “mutatis mutandis”, o seguinte entendimento expresso no Acórdão desta Relação de 03/06/2008 (Apelação nº 801/2002.C1), relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Teles Pereira e subscrito, enquanto 2º Adjunto, pelo ora relator: «A exclusão de uma indemnização respeitante ao acidente não decorre, todavia, nestas particulares circunstâncias, da simples consideração de ausência de culpa por parte do condutor. Embora a Sentença não tenha ponderado este aspecto do problema, subsiste, com efeito, a questão da responsabilidade pelo risco, aqui reportada à intervenção das regras previstas no artigo 503º do CC, havendo que ponderar ainda, para afastamento de qualquer indemnização, a verificação em concreto da facti species de exclusão constante do artigo 505º do CC[[16]]. Vale aqui, dada a ausência desta questão (possível responsabilidade pelo risco) do argumentário do Apelante (tanto na acção como no recurso) a consideração, presente no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 4 de Outubro de 2007[[17]], de que “[a] causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar”, presumindo-se, na falta de indicação expressa em contrário, que se não descarta, mesmo face a um argumentário referido à culpa, uma consideração subsidiária (mesmo sem pedido subsidiário) da responsabilidade pelo risco.». Embora partindo da premissa - já que, com a ressalva acima referida, se queda intocada a matéria de facto fixada na 1ª Instância -, de que o valor que se tem de ter em conta para a incapacidade permanente geral da Autora é o de 25%, importará agora enfrentar as questões atinentes às indemnizações atribuídas à C…, começando pela questão da violação que a Apelante vê na fixação das mesmas, do estabelecido na Portaria 377/2008, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06. Ora, sobre a questão do valor das referidas Portarias para efeito da fixação judicial das indemnizações aos lesados por acidente de acidente de viação, pronunciou-se já esta 3ª Secção, no Acórdão de 11/09/2012[18], proferido nos autos de Apelação nºs 129/07.4TBAVR.C1, aí se tendo dito, a propósito: “A Portaria n.º 377/2008, de 26/5, como, a nosso ver, transparece claramente do seu art.º 1º, que define o respectivo objecto, não se destina a regular o arbitramento, pelos Tribunais, das indemnizações respeitantes aos danos que na mesma estão previstos[19]. Isso resulta, até, do objectivo que no preâmbulo de tal diploma se confessa, ao dizer-se: «…importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.». Por seu turno, a Portaria n.º 679/2009, de 25/06, não tem escopo diverso daquele que visa a referida Portaria nº 377/2008, que veio alterar, estando a sua utilidade bem vincada no respectivo preâmbulo, ao referir-se: «…procede-se, assim, para além da divulgação dos valores actualizados de acordo com o índice de preços no consumidor que em 2008 foi de 2,6 % (total nacional, excepto habitação), à revisão de alguns dos critérios adoptados e a ajustamentos pontuais.». Assim, na fixação do “quantum” indemnizatório relativo aos danos futuros advenientes da perda da capacidade aquisitiva, embora se possa deles servir enquanto elementos indicadores ou referenciais a ter em conta, o Tribunal não está vinculado a seguir os critérios e as tabelas constantes da Portaria 377/2008, de 26/5.”. Este entendimento, que veio reafirmar o que já tinha sido dito no Acórdão desta Relação de 21/12/2010 (Apelação nº 1601/08.4TBVIS.C1)[20], reflecte o que o presente Colectivo de Juízes pensa sobre a matéria em causa. Não havendo lugar, como resulta claro do amplamente já explanado, à consideração do preceituado no artº 570º do CC, cuidemos, então, de verificar o acerto do “quantum” das indemnizações arbitradas, sendo certo que em face da matéria de facto provada (designadamente o que resulta da circunstância de a Autora ser portadora de uma incapacidade permanente geral de 25%), dúvidas não restam que do acidente resultaram danos que é usual enquadrar nos chamados “danos futuros”, bem como danos não patrimoniais. Efectivamente, como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/04/2005 (Apelação nº 0531755)[21] “A incapacidade permanente parcial (IPP) é, de "per se", um dano patrimonial indemnizável”. Mas o rebate profissional deve também ser tido em conta no âmbito dos danos futuros, pois representa, para a C…, um “handicap” no futuro exercício de uma profissão. Abrangendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (art. 564º, n.º 1), na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (art. 564º, n.º 2). Dispõe o art. 566º do CC: «1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. 2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. 3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.». Para a determinação dos danos patrimoniais, na sua vertente de danos futuros, o tribunal não se encontra vinculado ao resultado de cálculos matemáticos obtidos com o uso de fórmulas mais ou menos complexas, não obstante essas fórmulas poderem ser utilizadas como auxiliares importantes para conseguir a determinação do “quantum” indemnizatório relativo aos apontados danos. É o disposto nos citados normativos legais, onde a equidade desempenha papel preponderante, que rege a fixação desse montante indemnizatório (cfr. Ac. do S.T.J. de 11/03/97, no B.M.J. n.º 465, pág. 537 e ss.). Observado o estabelecido nesses preceitos legais, mostrando-se ajustada face a juízos de equidade, a indemnização fixada relativamente aos mencionados danos, pouco importa que para alcançar tal resultado se tenha recorrido ou não uma fórmula matemática, a uma tabela financeira, ou a um outro método de trabalho. Bem se salienta no sumário do Ac. do STJ. de 21/11/96 (Revista n.º 96B371), que «...face ao carácter aleatório de alguns dos factores usados nas fórmulas para cálculo dos danos patrimoniais futuros por incapacidade laboral, total ou parcial, as tabelas aritmético-financeiras só podem servir como um mero elemento de trabalho, como um elemento adminicular do básico critério da equidade.». O Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, em juízo de equidade onde, entre outros factores e com ampla ilustração da pertinente jurisprudência, ponderou o que havia sido decidido pelos nossos tribunais superiores em casos com algumas semelhanças com o que ora analisamos, fixou em €100.000,00 a indemnização pelo dano patrimonial futuro da C…, montante este que não achamos excessivo, como resultará da explicitação que iremos fazer, socorrendo-nos, em parte, advirta-se já, daquilo que, versando situação com afinidades com a que ora se cura, foi o entendimento desta Relação no citado Acórdão de 11/09/2012 (Apelação n.º 129/07.4TBAVR.C1). Escreveu-se nesse Acórdão: “…importará lembrar o que no Acórdão do STJ de 23/10/2003, (proc. n.º 03B3071) se salientou: “…procurando atingir a justiça dos casos, tem vindo a prevalecer a solução de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de sua vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho (Acs. do STJ, de 9.1.79, BMJ, nº. 283, pág. 260; e de 6.7.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144).”. Ora, como base de orientação visando a fixação da indemnização em causa, é valiosa a contribuição de um critério assente em coordenadas específicas, como é aquele que nos é proposto, por exemplo, pelo Sr. Conselheiro Sousa Dinis [22], sendo que, como o próprio adverte, o resultado desse cálculo há-de ser sempre apenas um ponto de referência, pois que é em juízo de equidade que tem de ser fixada essa indemnização.”. No citado Acórdão desta Relação, de 11/09/2012, entendeu-se que seria de considerar, no que concerne à idade a atender como elemento do cálculo da indemnização em causa, para aferir da perda de rendimento derivada da incapacidade de que a vítima era portadora, os 70 anos, por se entender, então, que era aquela que maior consenso na jurisprudência merecia[23], não obstante se ter feito notar, que, ultimamente, alguns arestos do STJ consideravam já, para o efeito, não os anos de vida activa, mas sim os correspondentes à esperança média de vida (então 78 anos). A evolução da jurisprudência do STJ nesta matéria leva a que aceitemos atender os 80 anos de idade considerados na sentença, por ser essa a previsão de esperança de vida nas mulheres (cfr. “Tábuas de Mortalidade para Portugal” 2011 - 2013, Instituto Nacional de Estatística).[24] Quanto ao salário a atender para efeito da determinação de indemnização por danos patrimoniais futuros, escreveu-se no citado Acórdão de 11/09/2012: «(…) Não se afigura justo, nem atenderia àquilo que, em condições idênticas, seria o mais provável acontecer, ficcionar-se que o autor, derivado de tal impedimento, que não lhe é imputável, não fora o acidente, ganharia apenas, quando entrasse no mercado de trabalho e durante o período provável da sua vida activa, salário de valor equivalente ao da retribuição mínima mensal garantida. Na ponderação dos vários elementos que concorrem para, em juízo de equidade, se fixar a referida indemnização por danos futuros, não recebendo a vítima qualquer remuneração, v.g., por ser menor de idade ou estar ainda a frequentar o ensino, o valor da remuneração mensal a considerar também deve ser encontrado num juízo de prognose, segundo aquilo que, em circunstâncias semelhantes, as mais das vezes sucede. Assim, o valor da remuneração a ter em conta para a fixação da referida perda de rendimento não deverá ser o da retribuição mínima mensal garantida, pois que o capital calculado nessa base não é aquele que, com maior verosimilhança, seria auferido pelo Autor durante o período provável sua vida activa, antes sendo de apelar - pois que, consentâneo com um legítimo juízo de prognose positivo quanto à afirmação profissional do Autor, proporcionará a este um montante global que mais se aproximará daquele capital -, ao valor do salário médio mensal, líquido, dos trabalhadores por conta de outrem. Recorda-se que tem sido considerado em diversas decisões dos nossos Tribunais superiores, que “…o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é a regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho” (Acórdão da Relação do Porto de 26/05/2009 - Apelação nº 153/06.4TBPNF.P1 - e jurisprudência aí citada). Afigura-se, pois, repete-se, que, à semelhança daquilo que se entendeu em decisões anteriores dos nossos Tribunais superiores, no caso “sub judice” o valor a considerar deverá ser o do salário médio dos portugueses, pois, como tal como se explicita no Acórdão do STJ de 18/12/2003 (Revista nº 03A3897) «…dada a impossibilidade de, neste momento, se determinar quais os aumentos salariais que o autor poderia obter ao longo da sua vida mesmo começando no salário mínimo, tem de se proceder aos cálculos partindo de um salário médio dos portugueses, fixo, ou seja, igual durante toda a vida, o qual, podendo no princípio ser superior ao salário mínimo, acabará por ser inferior ao real, assim se compensando algum eventual excesso inicial com a inferioridade final.».[25] Na sentença ora em causa atendeu-se ao valor de 770 euros, pois considerou-se que o salário médio atual de um trabalhador em Portugal rondaria por esse valor. Contudo, trata-se, salvo o devido respeito, de um valor que está desactualizado, sendo de € 818 o último valor que conhecemos apurado pelo Instituto Nacional de Estatística para o Rendimento médio mensal líquido da população empregada por conta de outrem.[26] É pois com este valor que se terá de entrar em linha de conta no apuramento que está em causa. Deste modo, para fixar a indemnização pelos danos futuros decorrentes da incapacidade de que a autora ficou portadora, atender-se-á: - Aos aludidos € 818, como valor do rendimento mensal da A.; - Ao coeficiente de incapacidade da A. - 25%; - Ao período provável de esperança de vida de 69 anos, tendo em conta o que acima ficou dito e relembrando que a C…, à data do acidente, contava 9 anos de idade (embora a poucos dias de perfazer os 10 anos). Perante os elementos acima referidos concluiremos por um rendimento anual da autora de € 2863 (€ 818 x14meses), sendo que o coeficiente de incapacidade de 25%, levaria a que a perda anual correspondesse a um valor de € 2863. Uma vez que a autora terá uma previsível esperança vida de cerca de 69 anos, o capital obtido rondaria os € 197547. Todavia, tal valor deve merecer um primeiro ajustamento, uma vez que vai receber de uma só vez aquilo que em princípio, deveria receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia, há que proceder a um desconto destinando a evitar que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto. Seguindo o que referido é pelo Sr. Cons. Sousa Dinis[27], no exemplo que dá da jurisprudência francesa, e que também é o entendimento de parte da nossa jurisprudência, afigura-se-nos, neste caso, ser de descontar 1/3, ou seja, € 65849, pelo que encontramos o capital de € 131698. Para a fixação final desta indemnização há também que considerar outros factores que, sendo projectados no futuro, não é possível quantificar, como, por exemplo, a futura evolução profissional da autora, a inflação e a variabilidade das taxas de capitalização. Como é fácil de constatar, considerável parte dos elementos utilizados no cálculo acima efectuado resultam de juízos lógicos de probabilidade, segundo o princípio “id quod plerumque accidit”, entrando aqui o juízo de equidade para corrigir o valor assim encontrado. Neste contexto, sendo a autora muito jovem, a correcção a efectuar seria, em princípio, no sentido do aumento do valor acima encontrado (Cfr. confortando este entendimento, Cons. Sousa Dinis, Obra citada, pág. 9 e o Acórdão desta Relação de 16/11/2010 - Apelação nº 15/07.8TBFAG.C1)[28], mas sempre seria um aumento ligeiro, uma vez que há a considerar, por outro lado, que quanto mais distante está o lesado, temporalmente, da possibilidade de, em razão da idade, entrar no mercado de trabalho, mais premente se mostra a necessidade de corrigir os efeitos de uma antecipação de capital que, no momento, não equivale a uma perda actual e efectiva de rendimentos do trabalho. No entanto não se justifica aqui acertar esse “quantum” indemnizatório, pois que, estando já demonstrado não ser excessiva a quantia de €100.000 fixada pela 1ª Instância para ressarcir o dano patrimonial futuro da Autora, esta Relação, por efeito da proibição da chamada “reformatio in pejus” (artº 635, nº 5, do NCPC) não pode ultrapassar esse montante. Apenas exemplificativamente, pois os casos são sempre diferentes, ainda que apresentem elementos comuns, não deixaremos de dizer, porém, que esta Relação, no citado acórdão proferido nos autos nº 129/07.4TBAVR.C1, atendendo a € 777, como valor do rendimento mensal do A., ao coeficiente de incapacidade de 30% que este apresentava e a período provável de vida activa de 50 anos, considerou como ajustado, o montante indemnizatório de € 140.000,00 fixado pela 1ª Instância relativamente aos danos futuros decorrentes da incapacidade de que o Autor ficou a padecer.[29] Estando assente, pois, em €100.000,00 o valor de indemnizatório fixado para o dano patrimonial futuro e não tendo a Apelante posto em causa a condenação a pagar a indemnização do montante que se viesse a apurar em ulterior liquidação, resta abordar a indemnização de 40.000,00 euros arbitrada à Autora, para a compensar dos danos não patrimoniais resultantes do acidente. O art.º 496.º, nº 1, do CC dispõe que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.". O n.º 3 do mesmo artigo, por sua vez, preceitua que " O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”. Tem-se entendido que a indemnização ou reparação pecuniária do dano não patrimonial se destina a conceder ao lesado uma quantia em dinheiro susceptível de lhe atribuir prazeres capazes de compensar, na medida do possível, o dano, fazendo-o esquecer ou mitigando-o. Sinteticamente, dir-se-á, que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, obedecendo ao comando da lei que lhe manda julgar de harmonia com a equidade, tem, para o efeito, de atender a determinados factores que são expressamente referidos na lei, e ainda a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, de modo a que, tudo ponderado, o levem a concluir pelo valor pecuniário que considere como o justo, para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu. Daqui resulta que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não se reconduza ao puro arbítrio, embora também tenha, como é óbvio, uma forte componente subjectiva. A determinação da indemnização respeitante aos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado faz-se, pois, de harmonia com o disposto no artº 496º, n.º 3, do CC, com recurso à equidade, circunstância esta que, como resulta do exposto, desde logo implica, pelo necessário grau de subjectividade que acarreta, que não haja decisões iguais, por mais semelhantes que pareçam os casos. Não se discutindo “in casu”, nem a verificação dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, nem que esta tem direito a ser indemnizada por tais danos, resta apenas apreciar a pretensão da Apelante em ver reduzido de 40.000,00 € para € 20.000,00 o montante indemnizatório arbitrado a esse título. Ao abordar a fixação da indemnização a atribuir ao Autor por tais danos, escreveu o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida: «Ao nível do dano não patrimonial, ponderando-se o caso e a regra de decisão descrita no artigo 496 n.º 1 e n.º 3 do Código Civil, sob o ambiente da soberana dignidade da Pessoa Humana, coluna mestra de qualquer arquitetura jurídica, espelhada na genesíaca norma do Direito rececionada constitucionalmente no artigo 1º da nossa Constituição, e concretamente (descendo à realidade onde estão relações, pretensões, direitos, deveres) atendendo-se às dores sofridas num espaço temporal considerável, à imobilidade a que esteve submetida em estabelecimentos de saúde, à perda de autoestima, à interiorização do corpo inibidor de relacionamento comunicativo numa altura de formação da personalidade (em que o diálogo eu vs. tu se impõe como facto de desenvolvimento adequado e normal), à relativa perda de capacidades escolares fundamentais na idade da A. (concretizada na perda de grau escolar), à perda temporária de um tempo de brincar (irreversível), como é o próprio da idade da A, à marca permanente no seu corpo (no andar), entende-se por equitativa a quantia de 40.000,00 euros.». A Apelante, para defender a redução da indemnização atinente aos danos não patrimoniais, sustentou que a sentença não teve em conta a referida Portaria e que o montante que defende seja fixado é o mais conforme com a matéria de facto provada, “designadamente os períodos de internamento a que esteve sujeita, as sequelas impeditivas do exercício da actividade escolar habitual, o dano estético de 5/7 e o quantum doloris de grau 4/7…”, o “período de incapacidade temporária (total e parcial), quantum doloris, prejuízo estético, prejuízo de afirmação pessoal, desgosto e internamento hospitalar…”. Acrescenta que para a sua inconformidade concorre o facto de, “…na própria valorização do dano vida - valor cimeiro - nos arestos mais arrojados, não se ultrapassar o montante de € 50.000,00”. Importa dizer, primeiramente, que, desde há muito se tem entendido que os montantes indemnizatórios usualmente arbitrados pelo dano morte não constituem entrave à fixação de montantes indemnizatórios superiores para ressarcir ou compensar outro tipo de danos.[30] É argumento amiúde utilizado nas alegações de recurso por quem se vê condenado a satisfazer determinado montante indemnizatório respeitante a danos não patrimoniais decorrentes de lesão corporal, defender ser tal indemnização excessiva por comparação com o que "é normal" arbitrar como indemnização pelo dano-morte, sustentando que, sendo a vida um bem supremo, a valoração da sua perda não pode ser suplantada pela das dores e sofrimentos. Porém, como se entendeu no Acórdão do STJ de 24/09/2009 (Revista n.º 37/09 - 7.ª Secção)[31], assentando, a compensação pela perda do direito à vida, em razões manifestamente diversas daquelas que justificam uma indemnização por outros danos não patrimoniais, é inadequada a comparação entre os montantes arbitrados. A C…, que à data do acidente contava 9 anos de idade, estando prestes a fazer 10 anos, sofreu um grave revés na fruição do seu tempo de criança e de início de adolescência, com marcas que não deixarão de se fazer sentir, ainda que mais atenuadamente, na sua idade adulta, quer no campo pessoal, quer no âmbito profissional, este último, atento, designadamente, o rebate que se provou. A matéria de facto provada (nomeadamente, a descrita nas alíneas p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), aa), bb), cc), dd), ff), gg), hh), ii), kk), ll), mm), nn), oo), pp) e tt)), ilustra bem as lesões graves, com coma profundo, que a C… sofreu, as sequelas dessas lesões, quer as de ordem física (problemas de visão, de equilíbrio, de concentração e memória, encurtamento do membro inferior direito), quer as do foro psíquico (com perda de auto-estima e de segurança), sendo que algumas dessas sequelas - que ainda agora levam a que a C… tenha muitas dificuldades de ordem física, social e emocional - perdurarão, ainda que mais atenuadas, durante a idade adulta, com repercussões negativas na sua vida pessoal e na sua futura vida profissional. Por outro lado, a C…, em consequência de tais lesões, teve vários internamentos hospitalares, prolongados períodos de incapacidade temporária, submeteu-se a diversos tratamentos, perdeu o 5º ano de escolaridade e terá ainda que se submeter a mais cirurgias. Face ao apontado circunstancialismo e o disposto no artº 496º, nºs 1 e 3, aplicável “ex vi” do artº 499º, ambos do CC, atenta a idade da C…, a multiplicidade e a gravidade das lesões que esta sofreu e as respectivas consequências, entende-se não se mostrar desadequado, para a compensar pelos danos não patrimoniais resultantes do acidente, o montante de 40.000 € que foi fixado na decisão impugnada, pelo que, também nessa matéria, não merece alteração o decidido pelo Tribunal recorrido.  De tudo o exposto resulta que, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes com os que alicerçaram a sentença, entende-se ser de confirmar a condenação nesta proferida quanto à ora Recorrente e, assim, julgar-se a Apelação improcedente. III - Decisão: Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em indeferir a reclamação e, julgando improcedente a Apelação, manter o decidido na sentença recorrida. Custas pela Apelante. Coimbra, 17/12/2014          (Luís José Falcão de Magalhães)          (Jaime Manuel Baeta Carlos Ferreira)        (Sílvia Maria Pereira Pires) [1] Código que se continuará a referir como NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se identificará como CPC. [2] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação. [3] As notas de rodapé também se transcrevem, embora sem respeitar a sua numeração original. [4] Doravante referido como “NCPC”, designando-se como “CPC”, o Código que o precedeu. [5] Cfr. Prof. OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito - Introdução e Teoria Geral", 6ª edição revista, Coimbra, 1991, pág. 380. [6] «2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento.». [7] No domínio da norma do pretérito artigo 685º-B, nº 2, o ónus do recorrente considerava-se satisfeito com a transcrição dos depoimentos, caso - situação esta que aqui também não ocorre - não fosse possível, por força dos meios técnicos utilizados para a gravação, a identificação precisa e separada dos depoimentos (artº 685-B nºs 2 e 4 do CPC - Cfr. Acórdão desta Relação de 06/11/2012, [Apelação nº 169487/08.3YIPRT-A.C1), relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Henrique Antunes, consultável e “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”]. [8] Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase. [9] É, ao que julgamos, jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores, desde há muitos anos (Cfr., entre outros, o Acórdão do STJ, de 18.11.75, no BMJ, nº 251º, pág. 107, que é referido pela Relação de Guimarães.). [10] Cfr. Antunes Varela, obra citada, pág. 590; Rodrigues Bastos, “in” Notas ao Código de Processo Civil - 1992 - nota 4 ao artigo 668º; Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984,Volume V, págs. 140 e 141. [11] Doravante designado como CC. [12] Como se diz no Acórdão do STJ de 02/12/2010 (Revista nº 1/04.0TBCPV.P1.S1), as deduções extraídas por presunção judicial hão-de ser o desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes, não sendo possível extraí-las de factos não provados, nem de factos não alegados. [13] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 18/05/2006 (Apelação nº 3022/2006-6), consultável, tal como os restantes que, dessa Relação, vierem a ser citados sem referência de publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase; Cfr. tb. o Acórdão do STJ, de 22 de Janeiro de 2009 (Revista nº 08B3404). [14] Embora aquando da instauração da acção já estivesse em vigor (desde 20 de Outubro de 2007) o DL nº 291/2007, de 21/08, o acidente ocorreu ainda na vigência do DL nº 522/85 de 31/12, o que, para o apontado efeito processual irreleva, pois que à luz de qualquer um desses diplomas, existindo seguro e contendo-se o pedido – como é o caso - dentro do capital mínimo obrigatório, é apenas a seguradora que deve ser demandada (art. 29, nº 1, a), do DL nº 522/85 e 64° nº 1, a), do DL nº 291/2007). [15] Consultável, tal como os restantes que, desta Relação, vierem a ser citados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/btrc/btrc.nsf?OpenDatabase”. [16] “Sem prejuízo do disposto no artigo 570º, a responsabilidade fixada pelo nº 1 do artigo 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”. [17] Relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, publicado na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 137º (Setembro-Outubro de 2007) nº 3946, pp. 35/49, seguido de uma anotação concordante de Calvão da Silva (pp. 49/64). Trata-se do Acórdão respeitante ao processo nº 07B1710, também disponível no sítio www.dgsi.pt/jstj.nsf. [18] Com a intervenção do ora 1º subscritor do presente Acórdão, como relator, bem assim como da Exma. 2ª Adjunta. [19] Cfr. Acórdão desta Relação de Coimbra de 05/05/2009, Apelação n.º 2945/06.5TBVIS.C1., onde se refere:”… foi publicada a Portaria nº 377/2008 de 26/5 - na sequência do DL nº 291/2007 de 21/8, com as alterações entretanto introduzidas pelo DL nº 153/2008 de 6/8 - fixando (sem carácter vinculativo) critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação (em fase não contenciosa) aos lesados por acidente de viação, de proposta razoável para indemnização pelo dano corporal (sendo alguns desses critérios de cálculo com recurso também a tabelas matemáticas - vg. Anexo III).”. [20] Subscrito pelo ora relator, também enquanto tal, e pela aqui 2ª Adjunta. [21] Consultável, tal como os que, dessa Relação, vierem a ser citados sem referência de publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase. [22] “Dano Corporal Em Acidentes de Viação”, Separata dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Ano IX - Tomo I, 2001, págs. 8 e 9. [23] Assim, entre outros, Acórdão do STJ de 03/11/2005 (Revista n.º 2568/05 - 7.ª Secção), em cujo sumário se pode ler: «III - A capitalização dessa indemnização em dinheiro, correspondente ao dano futuro previsível, deve abranger tão só a vida activa da vítima e não a previsibilidade da esperança de vida. IV - No que concerne ao período de vida activa a considerar para o cálculo da IPP, deve atender-se ao limite temporal dos 70 anos de idade.». [24]“Cfr.”http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=211349189&DESTAQUESmodo=2. [25] Entendendo, também, não ser de atender, na fixação da indemnização por danos futuros, ao salário mínimo nacional, cfr. Ac do STJ de 13/01/2009 (Revista nº 08A3747) e Ac do STJ de 01/10/2009 (Recurso Penal nº 1311/05.4TAFUN.S1). [26]http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0005585&contexto=bd&selTab=tab2 [27] Obra citada, pág. 9. [28] Tem interesse apontar as razões invocadas no Acórdão para alicerçar esse seu entendimento, aí se tendo dito a propósito: «…a primeira, porque é muito longa a dimensão temporal do período de vida activa da autora (só terminará, repare-se, à beira do último quartel deste século, que mal começou), sendo perfeitamente previsível a ocorrência, no seu decurso, de uma escalada ou, ao menos, de uma progressão significativa do valor dos salários; a segunda, porque é expectável, hoje (quando o acesso ao ensino é uma realidade para todos e as novas tecnologias abrem perspectivas de futuro nunca vistas), para qualquer criança ou jovem a obtenção de uma remuneração bem acima da que funcionou como base de cálculo (€ 700,00), por via do completamento de formação académica ou técnico-profissional de nível elevado; a terceira, porque num tempo em que o trabalho é, cada vez mais, um bem escasso, como já alguém disse, um grau de incapacidade de 25% tende a limitar o acesso ao mercado de emprego e, por via de consequência, a potenciar a escassez da oferta.». [29] No Acórdão do STJ de 14-09-2010 (Revista n.º 797/05.1TBSTS.P1) entendeu-se adequada a indemnização de € 200.000, a título de danos patrimoniais futuros, para compensar a perda da capacidade de ganho, de um jovem de 19 anos, atendendo à idade útil de 70 anos, ao vencimento anual de 6.700€ e de 9.100 € a partir de 1-3-2004, e à IPP de 35%, até aos 49 anos (durante 28 anos) e de 40%, a partir dos 50 anos. [30] Cfr. Acórdão do STJ, de 18/03/2010 (Revista n.º 198/1998.P1.S1 - 2.ª Secção), sumariado em “http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios”. [31] Com sumário consultável em “http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios”.