Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

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Relator
GILBERTO CUNHA
Descritores
CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
No do documento
Data do Acordão
03/11/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO PENAL
Decisão
NEGADO PROVIMENTO
Sumário
No quadro do direito penal vigente a pena acessória de proibição de conduzir não pode ser restringida a determinada categoria de veículos, nem a execução dessa pena pode ser suspensa ou interrompida no período laboral do condenado.
Decisão integral
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo sumário … do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o arguido J., devidamente identificado nos autos, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença de 5 de Junho de 2009, a ser condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, pp. pelas disposições conjugadas dos arts.292º nº1 e 69º nº1 al. a), do Código Penal, na pena de cento e dez (110) dias de multa à taxa diária de € 5,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de cinco (5) meses.

Recurso.

Inconformado com esta decisão dela o arguido interpôs o presente recurso restrito à matéria de direito, pugnando para que a pena acessória de proibição de conduzir não abranja a proibição de conduzir o veículo com a matrícula --- e apenas para se deslocar para o trabalho, entre as 7 e as 22 horas nos dias úteis, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1. O presente recurso fundamenta-se no facto de haver uma violação dos pressupostos de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados nos termos dos artigos 30° n°4 e 58° da C.R.P., 65° e 69° n°2do Código Penal, violando os princípios constitucionais do direito ao trabalho e de que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.

2. O arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir todo e qualquer veículo motorizado pelo período de 5 (cinco) meses.

3. O art. 69° do C.P. prevê-se uma pena acessória. E como pena acessória, depende da aplicação em concreto de uma pena principal e não é, igualmente, de funcionamento automático, excepto nos casos previstos na lei (cfr. Art.65° n°2 do C.P.).

4. O art. 69°, n°2 do C.P. estabelece que a inibição de conduzir pode abranger a condução de veículos a motor de qualquer categoria; tal norma significa, igualmente, que a inibição pode ser de apenas determinadas categorias. Ora, se assim é, pode tal inibição excluir um determinado veículo de uma determinada categoria.

5. Por outro lado, nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos - cfr.Artigos 30° n°4 da Constituição da República portuguesa e 65° n° do C.P.
6. E certo que, no presente caso, a aplicação da pena não tem como efeito directo, automático, a perda de emprego por parte do arguido. Contudo, para o exercício da sua profissão de angariador imobiliário necessita de se deslocar de automóvel (dentro e fora da cidade de Évora).

7. Portanto, para que o arguido possa continuar a exercer a sua profissão é imprescindível a condução diária de veículo automóvel; por isso a aplicação da proibição de conduzir sem qualquer limitação pode implicar, ainda que reflexamente, a perda do emprego, com prejuízo não só para o arguido mas também para aqueles que dele dependem, o que extravasa por completo as finalidades de prevenção da perigosidade do agente inerente à penas acessória.

8. Assim, atendendo às circunstâncias laborais do arguido é de excluir da inibição determinado veículo, por forma a não perigar a sua própria subsistência e das pessoas a seu cargo.

9. A decisão de que se recorre viola os princípios constitucionais previstos no artigo 30° n°4 e 58° da C.R.P. e os artigos 65° e 69° n° do Código Penal.

10. Deverão V. Exas., por isso revogar a decisão proferida em 05-06-2009, na parte em que condena o arguido na sanção acessória de conduzir todo e qualquer veículo motorizado pelo período de 5 meses, substituindo-a por outra que condene o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos de todas as categorias pelo período de seis meses, com excepção da viatura de matrícula --- e apenas para se deslocar para o local de trabalho, entre as 7h00 e as 22h00 nos dias úteis.

Contra-motivou o Ministério Público no tribunal recorrido pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença sob censura, concluindo nos seguintes termos:

1 - A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é geral (aplica-se a todo e qualquer tipo de veículo motorizado) não se podendo excluir do respectivo cumprimento uma determinada categoria de veículos.

2 - O cumprimento da referida pena - assumido de forma contínua - está delimitado no tempo e resulta da apreciação da culpa concreta do agente.

3 - Apesar dos reflexos (negativos) na capacidade de movimentação e de trabalho, nem a pena é de aplicação cega/automática, nem viola o direito ao trabalho.

4 - O apenas aparente conflito de interesses resolve-se pela ponderação de valores, adequadamente consagrados na legislação penal, que bem aplicada foi na douta decisão recorrida.

Nesta Relação a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, louvando-se na argumentação expendida pelo Ministério Público na 1ª Instância, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento com a consequente confirmação da sentença impugnada. 

Observado o disposto no nº2 do art.417º do CPP não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade:

«1- No dia 23 de Maio de 2009, cerca das 04.07 horas, no largo das Portas de Moura, em Évora, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ---;

2- Submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue, acusou uma TAS de 1,77 g/l;

3- Agiu como descrito, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que se encontrava sob a influência do álcool, em limites superiores aos legalmente permitidos e que, nessas circunstâncias, lhe estava vedada por lei a condução de veículos a motor.

4- Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

5- O arguido confessou a sua conduta.
6- O arguido é angariador imobiliário de profissão não conseguindo quantificar os seus rendimentos; vive sozinho; tem três filhos com 18, 15 e 12 anos de idade aos quais presta alimentos no valor mensal de € 400,00 (quatrocentos euros); concluiu o 12.º ano de escolaridade.

7- O arguido atravessa fase difícil da sua vida, atenta a doença que incapacitou o seu pai bem como o divórcio da sua mulher. 

8- Por sentença datada de 09.06.2008, proferido no âmbito do processo n.º ---GTEVR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, o arguido foi condenado pela prática, em 06.12.2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à razão diária de € 5,00, bem como na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses.

Foi consignado não haver factos não provados.

O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção da seguinte forma:

A convicção do Tribunal baseou-se, no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento.

Desde logo, no teor das declarações prestadas pelo arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos praticados, ao que acresce o resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue efectuado.

Mais se consideraram as declarações que prestou relativamente à sua situação social e económica, as quais foram sustentadas pelas testemunhas ouvidas e que confirmaram, de forma credível, a situação difícil que o arguido atravessa.

Por último, considerou-se o teor do CRC do arguido, junto aos presentes autos.

O tribunal “ a quo” procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha da espécie e determinação da medida das penas do seguinte modo:

Enquadramento Jurídico Penal

Dispõe o art. 292.º, n.º 1, do Cód. Penal que: “Quem, pelo menos com negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”

São elementos objectivos deste tipo de crime, a condução de veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada e a existência de uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l.

Estamos, assim, perante um crime de perigo abstracto, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para o bem jurídico directamente protegido, a segurança da circulação rodoviária, ou para outros bens jurídicos indirectamente protegidos, como a vida ou a integridade física. 

“O perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção por parte do legislador,(...)  fundada numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma”. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 1093.
Conforme se constata da análise da matéria de facto dada como provada, o arguido conduzia uma viatura numa via pública, com uma TAS de 1,77 g/l.

Quanto aos elementos subjectivos, o arguido sabia que ingerira bebidas alcoólicas, capazes de lhe provocar a TAS que veio a apresentar. Actuou com dolo, uma vez que, sabendo que possuía um teor de álcool no sangue dentro dos valores proibidos por lei para a condução, quis assumir, e assumiu, a condução do veículo, sendo irrelevante se o agente se sentiu, ou não, seguro na condução ou se esta, na realidade, era ou não segura.
Perante o preenchimento dos elementos objectivos do tipo, a existência de dolo directo e, sabendo o arguido que lhe estava vedada por lei, a condução de veículo em estado de embriaguez, dúvidas não restam, que o mesmo cometeu, em autoria material, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Cód. Penal.

Escolha e medida da pena
A moldura penal abstracta do artigo 292.º, n.º 1, do Cód. Penal é de pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

Na escolha da pena, deve o julgador ter em atenção o critério constante do artigo 70º do Cód. Penal, o qual dispõe:

 “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e não da culpa. Esta última revela para efeitos da medida da pena.

Assim, o recurso às penas detentivas só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas.

Pese embora os antecedentes criminais do arguido, também pela prática de crime da mesma natureza, considerando a confissão efectuada, bem como a situação pessoal do arguido – que terá proporcionado a prática de ambos os crimes, num contexto excepcional na sua vida – considera o Tribunal que, ainda assim, é de aplicar pena não privativa da liberdade.

De acordo com o disposto no artigo 71.º, do Cód. Penal, a determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites fixados na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tomando-se para tal em conta, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele.

A opção do legislador pela culpa e exigências de prevenção, compreende-se como forma de realizar, por um lado, as finalidades da punição com a exigência de considerações sobre a prevenção e, por outro, ao atender-se à culpa, respeita-se a dignidade da pessoa do agente, funcionando esta vertente pessoal do crime como limite inultrapassável pelas exigências da prevenção – vide Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 215.

Princípio básico imposto por aquele normativo e reforçado pelo artigo 40.º n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, é de que toda a pena tem como suporte a culpa concreta do agente, não havendo pena sem culpa e é esta que determina a medida daquela, intervindo também a prevenção geral positiva ou de integração, que visa a defesa do ordenamento jurídico e da própria sociedade, e a prevenção especial, que visa a ressocialização do agente.

Contra o arguido, relevam as circunstâncias de a conduta lhe ser imputada a título de dolo directo e, por isso, intenso, as necessidades de prevenção geral, as quais não são de descorar, atenta a grande incidência deste tipo de crime na comarca, bem como o grau elevado de ilicitude manifestado no cometimento dos factos, atenta a taxa de álcool apresentada. Acrescem os seus antecedentes criminais e grau médio de ilicitude com que agiu, atenta a taxa de álcool no sangue apresentada.

A favor do arguido, a confissão efectuada, a sua integração profissional e familiar, a fase difícil que atravessa a nível pessoal.

Atento o exposto, entende o Tribunal ser de aplicar ao arguido a pena de 110 (cento e dez) dias de multa.

No que concerne à determinação do quantitativo diário da pena de multa aplicada, não se tendo apurado os concretos rendimentos do arguido, mas não deixando de considerar as despesas indicadas, ao abrigo do artigo 47.º, n.º 2, fixa-se o mesmo em € 5,00 (cinco euros).

A conduta do arguido, é, ainda, integrável no disposto no artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, já que a condução sob o efeito do álcool constitui uma grave violação das regras de trânsito rodoviário, susceptível de afectar a integridade física e mesmo a vida de terceiros. Tendo isto em consideração, bem como os factos apurados, impõe-se, pois, a aplicação da pena acessória aí prevista.

Assim sendo, tendo em consideração os mesmos aspectos focados para a determinação da medida da pena, mormente, todas as circunstâncias que tornam diminutas as necessidades de prevenção especial, considera o Tribunal como adequado, aplicar ao arguido a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Cód. Penal».

Apreciando.

Poderes de cognição deste tribunal. Objecto do recurso. Questão a examinar.

Os poderes cognitivos deste Tribunal conformam-se à revisão da matéria de direito, quer por que também não se alega nem ex officio se vislumbra qualquer dos vícios elencados no nº2 do art.410º, do CPP, quer por que o recorrente também centra a sua dissidência relativamente ao julgado em matéria de direito, assim demarcando o objecto do recurso (art.412º, nº1, do CPP), tendo-se por definitiva a decisão proferida na 1ª Instância sobre a matéria de facto.

Nestes termos, e tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, a única questão a examinar que reclama solução consiste em saber se a pena acessória de proibição de conduzir pode ser restringida a determinada categoria de veículos, excluindo-se dela, como preconizado pelo recorrente, o veículo alegadamente por si utilizado na sua actividade profissional e se a execução dessa pena pode ser suspensa ou interrompida no período laboral.

Vejamos.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados foi introduzida no C. Penal com a revisão operada pelo DL nº48/95 de 15 de Março, dispondo então o art.69º, nº1 que «é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido:

a) Por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; ou

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.

Acrescentava o nº2 que a «proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículo motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada».

Actualmente, após a redacção introduzida pela Lei nº77/2001 de 13 de Julho, em vigor desde o dia 18 desse mês, passou a dispor-se:

«É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido:

a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292º;

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante;

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo».

Por sua vez o nº2 do citado preceito foi alterado, passando a ter a seguinte redacção:

«A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria».

A eliminação do segmento “ou de uma categoria determinada”, operada pela citada lei, não introduziu qualquer alteração de fundo. Tal deve-se à desnecessidade dessa expressão continuar no texto da lei, pois que a mesma já estava prevista na proposição que a antecedia.

Salvo melhor opinião, na esteira da jurisprudência que julgamos que tem vindo a fazer vencimento e que já sufragámos noutras ocasiões (v.g. acórdãos desta Relação de 4-7-2006 e de 2-6-2009 proc.nº1095/06-1, nº315/06.4GBODM.E1 e da Relação de Lisboa de 18-1-2007, proc.nº9093/06-9, que mantemos, pois não vislumbramos argumentos novos que nos façam alterar aquela posição, no caso de condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, pp. pelo art.292º, nº1 do C. Penal, entendemos que o legislador ao consagrar que a proibição pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria, quer significar que a proibição pode abarcar outras categorias de veículos com motor diferentes daqueles a que pertence o veículo ligado à infracção e não que o julgador pode restringir a proibição de conduzir a uma determinada categoria de veículo e muito menos a um determinado e concreto veículo.

Assim, na lógica desta interpretação, que reputamos a que melhor se afeiçoa aos elementos a ter em consideração de acordo com o estatuído no art.9º do C. Civil, nenhuma categoria de veículo com motor está excluída da possibilidade de proibição de conduzir.

Com efeito, como é sabido, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no art.292º, é um crime de perigo abstracto, uma vez que ali o perigo surge como mero motivo da incriminação, renunciando o legislador a concebê-lo como resultado da acção. O perigo é, pois, aqui requisito explícito da fattispecie incriminadora, limitando-se o legislador a tipificar uma conduta, a qual a verificar-se preenche, sem mais, o respectivo crime.

 Na verdade, os perigos que a condução em estado de embriaguez potencia, não resultam da natureza do veículo, mas antes do estado de influenciado pelo álcool de quem o conduz.

Por isso, a proibição de conduzir, quando tem como fundamento a condenação pelo crime do art°292° do C.P, não pode limitar-se a uma categoria de veículos com motor, devendo antes abarcar quaisquer categorias desses veículos, desde que destinados a circular nas vias públicas ou equiparadas. 

Efectivamente, se a perigosidade da condução, que é a razão de ser da proibição, é alheia ao tipo de veículo que se conduz, por respeitar à pessoa do condenado, ela poderá verificar-se na condução de qualquer veículo com motor. 

A possibilidade de a proibição de conduzir abranger apenas uma determinada categoria de veículos com motor ou um determinado e concreto veículo, não está prevista para casos em que aquele é o fundamento da proibição.

Na verdade, é inquestionável que a condução de veículos em estado de embriaguez constitui por si só uma grave violação das regras que regem a condução rodoviária, e um perigo para a segurança rodoviária, justificando a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir.

Se esta visa prevenir a perigosidade que está imanente na própria norma incriminatória, que a justifica e impõe, sendo-lhe indiferente, quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena. Só através da proibição (efectiva) da condução tal é alcançável, o que é incompatível com a excepção a essa medida preconizada pelo recorrente. 

Ora, as penas acessórias, muito embora sejam sanções dependentes da aplicação de uma pena principal, uma vez que esta é condição necessária daquela, não decorrem directa e imediatamente da aplicação desta, no sentido de que não são seu efeito automático (art.65 nº1, do C. Penal).

A pena acessória decorre, isso sim, da prática de certos crimes a que a lei faz corresponder a proibição do exercício de determinados direitos e profissões (art.65 nº2, do C. Penal).

Como doutamente referiu o Prof. Figueiredo Dias, com a autoridade que neste domínio lhe é sobejamente conhecida, no seio da Comissão de revisão do Código Penal de 1982 (cfr.acta nº8, de 29/5/1989), a pena acessória corporiza uma censura adicional pelo facto praticado, visando prevenir a perigosidade deste.

A perigosidade que a pena acessória visa prevenir está intimamente conexionada com o perigo que subjaz ao próprio facto ilícito típico de que depende a sua aplicação.

Acresce que tendo na sentença impugnada sido também decretada a obrigação do arguido entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença, devendo ficar retida durante o período de vigência da pena acessória, nessa situação, o arguido não poderia fazer-se acompanhar dela no exercício da condução do veículo por si indicado na sua actividade profissional e se, por outro lado, permanecesse com a disponibilidade da carta, tal inviabilizaria o cumprimento da referida pena fora da sua actividade profissional de quaisquer tipo de veículos.

Assim, não se vislumbra como seja possível compatibilizar a execução efectiva da pena acessória, segundo a modalidade proposta pelo recorrente, com aquela obrigação.

 Quanto aos custos de ordem profissional que advém para o arguido da proibição de conduzir veículos com motor, são os próprios da pena em causa, não sendo o critério da necessidade da carta relevante para o não cumprimento da pena acessória ou para o estabelecimento de excepções, como as pretendidas pelo recorrente.

Importa ainda sublinhar que a inibição de conduzir imposta pela prática de contra-ordenação grave e/ou muito grave abrange indistintamente todos os veículos a motor (art.147º, nº2 do C. Estrada), pelo que seria incompreensível e incongruente possibilitar-se a exclusão da proibição de conduzir a determinados veículos no caso da infracção ser crime e isso já não ser possível quando a infracção constitua ilícito de mera ordenação social. 

Há ainda a dizer que esta pena acessória resulta de uma decisão ponderada do tribunal, que a concretizou dentro dos parâmetros estabelecidos na lei, tendo na fixação do período de proibição de conduzir sido ponderado, além do mais, a condição social, familiar e profissional do recorrente, pena essa que naquela medida é necessária e adequada à protecção do bem jurídico tutelado pela referida norma e à culpa do agente, pelo que não se mostram postergados os princípios da necessidade ou da proporcionalidade, nem violado o direito constitucional do direito ao trabalho.

Aliás, a este propósito, em situações semelhantes, já o Tribunal Constitucional, teve oportunidade de esclarecer no acórdão de 23/01/1997, publicado no DR – II Série, de 5/3/1997, que “(…) a perda desse direito (de conduzir) é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do art.71º, do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei.

O que no art.30º, nº4 da Lei Fundamental se pretendeu proibir ao estipular-se que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, é que em resultado de certas condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. Mas não se pretendeu impedir que a sentença condenatória pudesse decretar essa perda de direitos em função de uma graduação da culpa feita casuisticamente.

Nestas circunstâncias e nos casos como o que aqui se aprecia, o facto de à aplicação da pena de prisão ou de multa ter sempre de acrescer a pena acessória de proibição de conduzir não colide com a proibição do nº4, do art.30º, da CRP.

Neste sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs234/95 e 237/95, de 16/5/95, in DR- Série, de 6/7/1995; nº53/97, de 23/1/97, in DR – Série de 5/3/97; nº143/95, de 15/3/95, in DR- Série, de 20/6/95.

Acresce dizer que estando definitivamente fixada a matéria de facto apurada na 1ª Instância nos termos supramencionados, em circunstância alguma este Tribunal poderia tomar em consideração factos ou circunstâncias que não se contenham naquela, como é o caso alegado pelo de recorrente de que a pena de proibição de conduzir o impossibilita de trabalhar.

Em todo o caso sempre se dirá, que a imposição de tal pena acessória, não constitui violação do direito ao trabalho consagrado no art.58º da Lei Fundamental e o facto do arguido eventualmente necessitar de conduzir para poder desenvolver a sua actividade profissional (o que até nem está provado), não constitui fundamento por si só, habilitante ao deferimento da pretensão do recorrente, no sentido de ser excepcionado da proibição de conduzir o veículo por si indicado, dentro do horário por si mencionado, nos dias úteis pois, a adopção de uma tal benevolência, não só se mostra-se injustificada, como até se fosse adoptada acarretaria na prática a neutralização das finalidades (preventivas) da pena acessória reclamadas no caso concreto.

Na verdade, como é sublinhado no acórdão do Tribunal Constitucional nº440/202, de 23-10-2002, citado pelo recorrido, com a proibição de conduzir imposta ao recorrente, não fica postergado o direito ao trabalho, mas tão só «constrangido» esse direito, sendo que o direito ao trabalho (sem restrições), não pode ser valorado em termos absolutos, e a limitação desse direito decorrente da proibição de conduzir em consequência da prática do crime de condução em estado de embriaguez, é necessário na medida em que o sacrifício parcial daí resultante não é arbitrário ou carente de justificação, estando justificada essa limitação, para salvaguarda de outros bens fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança e a vida das pessoas que circulam nas estradas, como é aqui o caso.

Aliás, aqueles que para exercerem a sua actividade tem de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem de uma tal benevolência.

Se, como dissemos, a pena acessória de proibição de conduzir, visa prevenir a perigosidade que está imanente na própria norma incriminatória, que a justifica e impõe, sendo-lhe indiferente, quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução plena e efectiva da correspondente pena. Só através da proibição (efectiva e plena) da condução tal é alcançável, pelo que a execução da pena acessória de proibição de conduzir não é passível de suspensão, nem de interrupções e intervalos.

Na verdade, o Código Penal (art.50º) apenas permite a suspensão da execução das penas de prisão, pelo que este normativo não pode ser aplicável no caso de que aqui nos ocupamos.

Nesta conformidade, mesmo que os factos apurados pudessem alicerçar a formulação de um prognóstico favorável, nos termos do art.50º, do C. Penal, pelas razões explanadas, a pena acessória aplicada ao arguido nunca poderia ser suspensa na sua execução durante o período laboral.

Neste sentido, pode ainda ver-se entre muitos outros, o acórdão desta Relação, de 14/6/2000, C. J. Ano XXV, tomo 3, pp.54/55; de 10/7/2001, C. J Ano XXVI, tomo 4, pp.290 e da Relação de Lisboa, de 30/10/2003, C. J. Ano XXVIII, tomo 4, pp.143/144 e o Prof. Germano Marques da Silva, “ Crimes Rodoviários – Pena Acessória e Medidas de Segurança”, pp.28.

Acresce dizer que o regime da suspensão previsto no art.142º, do C. Estrada, antes da revisão operada pelo DL nº44/2005, de 23 de Fevereiro e actualmente prevenido no art.141º do mesmo Código, apenas é aplicável em matéria de ilícito contra-ordenacional previsto nesse código, não podendo miscigenar-se um instituto de carácter contra-ordenacional e uma medida de carácter penal.

Não pode, pois, confundir-se a inibição de conduzir, que enquanto sanção acessória de ilícito de mera ordenação social, está submetida a um regime jurídico próprio diferenciado do previsto para a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art.69º, do C. Penal, aplicável aquando do cometimento de certos crimes.

Como já dissemos, estando definitivamente fixada a matéria de facto apurada na 1ª Instância, em circunstância alguma este Tribunal poderia tomar em consideração factos ou circunstâncias que não se contenham na sentença recorrida.

Em todo o caso sempre se dirá, que para esse efeito pretendido é também absolutamente irrelevante a circunstância do arguido necessitar da carta de condução para exercer a sua actividade profissional, bem como as consequências que eventualmente lhe possam advir da proibição de conduzir.

Na verdade, como já referimos, o facto do arguido necessitar de conduzir na sua actividade profissional, não constitui razão juridicamente válida para que possa decretar-se a suspensão ou a interrupção da execução da pena acessória de proibição de conduzir, no período laboral, pois, como pretende o recorrente, essa modalidade de execução da proibição de conduzir, acarretaria a neutralização das finalidades (preventivas) da pena acessória.

Aliás, como já atrás dissemos, aqueles que para exercerem a sua actividade tem de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem das excepções preconizadas pelo recorrente relativamente à proibição de conduzir, sendo que os eventuais transtornos profissionais que a pena acessória possa causar ao recorrente, nos quais devia ter pensado antes de adoptar o comportamento delituoso em causa [sendo que já antes fora condenado pela prática de um crime da mesma natureza] não têm aptidão para a influenciar, nem legitimam ou autorizam, nos termos do direito vigente, o cumprimento de forma descontínuo dessa pena, designadamente aos fins-de-semana, em férias, ou apenas após o horário laboral como pretende o recorrente, ou segundo outro qualquer critério estritamente de conveniência pessoal do arguido, sob pena de se fazer”tábua rasa” e se ignorar em absoluto os fins das penas a que atrás fizemos referência.

Ora se tal é vedado em matéria contra ordenacional, como se constata do art. 138º, nº4 do C. Estrada, que impõe o cumprimento em dias seguidos da inibição de conduzir, por maioria de razão terá de ser assim em matéria criminal. O que não é invalidado por o C. Penal não conter uma norma idêntica aquela.

Apesar da inexistência de norma no Código Penal que expressamente imponha o cumprimento de forma contínua da pena acessória de proibição de conduzir, como se refere no douto acórdão da Relação de Coimbra, de 29/11/2000, publicado na C. J.,Ano XXV, tomo V, pags. 49/50, essa imposição resulta implicitamente do art.500º, nº2 do CPP ao determinar que no prazo de 10 dias a contar trânsito em julgado da sentença, o condenado tem de entregar na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial a licença de condução se a mesma não se encontrar já apreendida no processo. O que revela como aí se diz que o cumprimento dessa sanção não pode ser deferido “a prestações”.

Também neste conspecto falece razão ao recorrente.

Nesta conformidade, o recurso não merece provimento, devendo manter-se na íntegra a sentença recorrida, que não posterga ou viola quaisquer princípios e normas, nomeadamente as indicadas pelo recorrente, devendo por conseguinte a pena acessória de proibição de conduzir abranger todo e qualquer veículo com motor, sem excepção, e ser cumprida de forma contínua, sem qualquer intervalo, suspensão ou interrupção.

DECISÃO.

Nestes termos e com tais fundamentos negamos provimento ao recurso e consequentemente mantemos a sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s [arts.513º, nºs1 e 3 e 514º, nº1 do CPP; 8º, nº5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais].

Évora, 

(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Gilberto Cunha (relator)

Martinho Cardoso (Adjunto)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO. Decisão recorrida. No processo sumário … do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o arguido J., devidamente identificado nos autos, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença de 5 de Junho de 2009, a ser condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, pp. pelas disposições conjugadas dos arts.292º nº1 e 69º nº1 al. a), do Código Penal, na pena de cento e dez (110) dias de multa à taxa diária de € 5,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de cinco (5) meses. Recurso. Inconformado com esta decisão dela o arguido interpôs o presente recurso restrito à matéria de direito, pugnando para que a pena acessória de proibição de conduzir não abranja a proibição de conduzir o veículo com a matrícula --- e apenas para se deslocar para o trabalho, entre as 7 e as 22 horas nos dias úteis, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1. O presente recurso fundamenta-se no facto de haver uma violação dos pressupostos de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados nos termos dos artigos 30° n°4 e 58° da C.R.P., 65° e 69° n°2do Código Penal, violando os princípios constitucionais do direito ao trabalho e de que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos. 2. O arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir todo e qualquer veículo motorizado pelo período de 5 (cinco) meses. 3. O art. 69° do C.P. prevê-se uma pena acessória. E como pena acessória, depende da aplicação em concreto de uma pena principal e não é, igualmente, de funcionamento automático, excepto nos casos previstos na lei (cfr. Art.65° n°2 do C.P.). 4. O art. 69°, n°2 do C.P. estabelece que a inibição de conduzir pode abranger a condução de veículos a motor de qualquer categoria; tal norma significa, igualmente, que a inibição pode ser de apenas determinadas categorias. Ora, se assim é, pode tal inibição excluir um determinado veículo de uma determinada categoria. 5. Por outro lado, nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos - cfr.Artigos 30° n°4 da Constituição da República portuguesa e 65° n° do C.P. 6. E certo que, no presente caso, a aplicação da pena não tem como efeito directo, automático, a perda de emprego por parte do arguido. Contudo, para o exercício da sua profissão de angariador imobiliário necessita de se deslocar de automóvel (dentro e fora da cidade de Évora). 7. Portanto, para que o arguido possa continuar a exercer a sua profissão é imprescindível a condução diária de veículo automóvel; por isso a aplicação da proibição de conduzir sem qualquer limitação pode implicar, ainda que reflexamente, a perda do emprego, com prejuízo não só para o arguido mas também para aqueles que dele dependem, o que extravasa por completo as finalidades de prevenção da perigosidade do agente inerente à penas acessória. 8. Assim, atendendo às circunstâncias laborais do arguido é de excluir da inibição determinado veículo, por forma a não perigar a sua própria subsistência e das pessoas a seu cargo. 9. A decisão de que se recorre viola os princípios constitucionais previstos no artigo 30° n°4 e 58° da C.R.P. e os artigos 65° e 69° n° do Código Penal. 10. Deverão V. Exas., por isso revogar a decisão proferida em 05-06-2009, na parte em que condena o arguido na sanção acessória de conduzir todo e qualquer veículo motorizado pelo período de 5 meses, substituindo-a por outra que condene o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos de todas as categorias pelo período de seis meses, com excepção da viatura de matrícula --- e apenas para se deslocar para o local de trabalho, entre as 7h00 e as 22h00 nos dias úteis. Contra-motivou o Ministério Público no tribunal recorrido pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença sob censura, concluindo nos seguintes termos: 1 - A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados é geral (aplica-se a todo e qualquer tipo de veículo motorizado) não se podendo excluir do respectivo cumprimento uma determinada categoria de veículos. 2 - O cumprimento da referida pena - assumido de forma contínua - está delimitado no tempo e resulta da apreciação da culpa concreta do agente. 3 - Apesar dos reflexos (negativos) na capacidade de movimentação e de trabalho, nem a pena é de aplicação cega/automática, nem viola o direito ao trabalho. 4 - O apenas aparente conflito de interesses resolve-se pela ponderação de valores, adequadamente consagrados na legislação penal, que bem aplicada foi na douta decisão recorrida. Nesta Relação a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, louvando-se na argumentação expendida pelo Ministério Público na 1ª Instância, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento com a consequente confirmação da sentença impugnada. Observado o disposto no nº2 do art.417º do CPP não foi apresentada resposta. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência. Cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO. Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade: «1- No dia 23 de Maio de 2009, cerca das 04.07 horas, no largo das Portas de Moura, em Évora, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula ---; 2- Submetido a teste de pesquisa de álcool no sangue, acusou uma TAS de 1,77 g/l; 3- Agiu como descrito, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que se encontrava sob a influência do álcool, em limites superiores aos legalmente permitidos e que, nessas circunstâncias, lhe estava vedada por lei a condução de veículos a motor. 4- Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei. 5- O arguido confessou a sua conduta. 6- O arguido é angariador imobiliário de profissão não conseguindo quantificar os seus rendimentos; vive sozinho; tem três filhos com 18, 15 e 12 anos de idade aos quais presta alimentos no valor mensal de € 400,00 (quatrocentos euros); concluiu o 12.º ano de escolaridade. 7- O arguido atravessa fase difícil da sua vida, atenta a doença que incapacitou o seu pai bem como o divórcio da sua mulher. 8- Por sentença datada de 09.06.2008, proferido no âmbito do processo n.º ---GTEVR, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, o arguido foi condenado pela prática, em 06.12.2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à razão diária de € 5,00, bem como na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses. Foi consignado não haver factos não provados. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção da seguinte forma: A convicção do Tribunal baseou-se, no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento. Desde logo, no teor das declarações prestadas pelo arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos praticados, ao que acresce o resultado do teste de pesquisa de álcool no sangue efectuado. Mais se consideraram as declarações que prestou relativamente à sua situação social e económica, as quais foram sustentadas pelas testemunhas ouvidas e que confirmaram, de forma credível, a situação difícil que o arguido atravessa. Por último, considerou-se o teor do CRC do arguido, junto aos presentes autos. O tribunal “ a quo” procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha da espécie e determinação da medida das penas do seguinte modo: Enquadramento Jurídico Penal Dispõe o art. 292.º, n.º 1, do Cód. Penal que: “Quem, pelo menos com negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” São elementos objectivos deste tipo de crime, a condução de veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada e a existência de uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l. Estamos, assim, perante um crime de perigo abstracto, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para o bem jurídico directamente protegido, a segurança da circulação rodoviária, ou para outros bens jurídicos indirectamente protegidos, como a vida ou a integridade física. “O perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção por parte do legislador,(...) fundada numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma”. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 1093. Conforme se constata da análise da matéria de facto dada como provada, o arguido conduzia uma viatura numa via pública, com uma TAS de 1,77 g/l. Quanto aos elementos subjectivos, o arguido sabia que ingerira bebidas alcoólicas, capazes de lhe provocar a TAS que veio a apresentar. Actuou com dolo, uma vez que, sabendo que possuía um teor de álcool no sangue dentro dos valores proibidos por lei para a condução, quis assumir, e assumiu, a condução do veículo, sendo irrelevante se o agente se sentiu, ou não, seguro na condução ou se esta, na realidade, era ou não segura. Perante o preenchimento dos elementos objectivos do tipo, a existência de dolo directo e, sabendo o arguido que lhe estava vedada por lei, a condução de veículo em estado de embriaguez, dúvidas não restam, que o mesmo cometeu, em autoria material, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Cód. Penal. Escolha e medida da pena A moldura penal abstracta do artigo 292.º, n.º 1, do Cód. Penal é de pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias. Na escolha da pena, deve o julgador ter em atenção o critério constante do artigo 70º do Cód. Penal, o qual dispõe: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e não da culpa. Esta última revela para efeitos da medida da pena. Assim, o recurso às penas detentivas só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas. Pese embora os antecedentes criminais do arguido, também pela prática de crime da mesma natureza, considerando a confissão efectuada, bem como a situação pessoal do arguido – que terá proporcionado a prática de ambos os crimes, num contexto excepcional na sua vida – considera o Tribunal que, ainda assim, é de aplicar pena não privativa da liberdade. De acordo com o disposto no artigo 71.º, do Cód. Penal, a determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites fixados na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tomando-se para tal em conta, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele. A opção do legislador pela culpa e exigências de prevenção, compreende-se como forma de realizar, por um lado, as finalidades da punição com a exigência de considerações sobre a prevenção e, por outro, ao atender-se à culpa, respeita-se a dignidade da pessoa do agente, funcionando esta vertente pessoal do crime como limite inultrapassável pelas exigências da prevenção – vide Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 215. Princípio básico imposto por aquele normativo e reforçado pelo artigo 40.º n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, é de que toda a pena tem como suporte a culpa concreta do agente, não havendo pena sem culpa e é esta que determina a medida daquela, intervindo também a prevenção geral positiva ou de integração, que visa a defesa do ordenamento jurídico e da própria sociedade, e a prevenção especial, que visa a ressocialização do agente. Contra o arguido, relevam as circunstâncias de a conduta lhe ser imputada a título de dolo directo e, por isso, intenso, as necessidades de prevenção geral, as quais não são de descorar, atenta a grande incidência deste tipo de crime na comarca, bem como o grau elevado de ilicitude manifestado no cometimento dos factos, atenta a taxa de álcool apresentada. Acrescem os seus antecedentes criminais e grau médio de ilicitude com que agiu, atenta a taxa de álcool no sangue apresentada. A favor do arguido, a confissão efectuada, a sua integração profissional e familiar, a fase difícil que atravessa a nível pessoal. Atento o exposto, entende o Tribunal ser de aplicar ao arguido a pena de 110 (cento e dez) dias de multa. No que concerne à determinação do quantitativo diário da pena de multa aplicada, não se tendo apurado os concretos rendimentos do arguido, mas não deixando de considerar as despesas indicadas, ao abrigo do artigo 47.º, n.º 2, fixa-se o mesmo em € 5,00 (cinco euros). A conduta do arguido, é, ainda, integrável no disposto no artigo 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, já que a condução sob o efeito do álcool constitui uma grave violação das regras de trânsito rodoviário, susceptível de afectar a integridade física e mesmo a vida de terceiros. Tendo isto em consideração, bem como os factos apurados, impõe-se, pois, a aplicação da pena acessória aí prevista. Assim sendo, tendo em consideração os mesmos aspectos focados para a determinação da medida da pena, mormente, todas as circunstâncias que tornam diminutas as necessidades de prevenção especial, considera o Tribunal como adequado, aplicar ao arguido a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de 5 (cinco) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Cód. Penal». Apreciando. Poderes de cognição deste tribunal. Objecto do recurso. Questão a examinar. Os poderes cognitivos deste Tribunal conformam-se à revisão da matéria de direito, quer por que também não se alega nem ex officio se vislumbra qualquer dos vícios elencados no nº2 do art.410º, do CPP, quer por que o recorrente também centra a sua dissidência relativamente ao julgado em matéria de direito, assim demarcando o objecto do recurso (art.412º, nº1, do CPP), tendo-se por definitiva a decisão proferida na 1ª Instância sobre a matéria de facto. Nestes termos, e tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, a única questão a examinar que reclama solução consiste em saber se a pena acessória de proibição de conduzir pode ser restringida a determinada categoria de veículos, excluindo-se dela, como preconizado pelo recorrente, o veículo alegadamente por si utilizado na sua actividade profissional e se a execução dessa pena pode ser suspensa ou interrompida no período laboral. Vejamos. A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados foi introduzida no C. Penal com a revisão operada pelo DL nº48/95 de 15 de Março, dispondo então o art.69º, nº1 que «é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido: a) Por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; ou b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante. Acrescentava o nº2 que a «proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículo motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada». Actualmente, após a redacção introduzida pela Lei nº77/2001 de 13 de Julho, em vigor desde o dia 18 desse mês, passou a dispor-se: «É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292º; b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo». Por sua vez o nº2 do citado preceito foi alterado, passando a ter a seguinte redacção: «A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria». A eliminação do segmento “ou de uma categoria determinada”, operada pela citada lei, não introduziu qualquer alteração de fundo. Tal deve-se à desnecessidade dessa expressão continuar no texto da lei, pois que a mesma já estava prevista na proposição que a antecedia. Salvo melhor opinião, na esteira da jurisprudência que julgamos que tem vindo a fazer vencimento e que já sufragámos noutras ocasiões (v.g. acórdãos desta Relação de 4-7-2006 e de 2-6-2009 proc.nº1095/06-1, nº315/06.4GBODM.E1 e da Relação de Lisboa de 18-1-2007, proc.nº9093/06-9, que mantemos, pois não vislumbramos argumentos novos que nos façam alterar aquela posição, no caso de condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, pp. pelo art.292º, nº1 do C. Penal, entendemos que o legislador ao consagrar que a proibição pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria, quer significar que a proibição pode abarcar outras categorias de veículos com motor diferentes daqueles a que pertence o veículo ligado à infracção e não que o julgador pode restringir a proibição de conduzir a uma determinada categoria de veículo e muito menos a um determinado e concreto veículo. Assim, na lógica desta interpretação, que reputamos a que melhor se afeiçoa aos elementos a ter em consideração de acordo com o estatuído no art.9º do C. Civil, nenhuma categoria de veículo com motor está excluída da possibilidade de proibição de conduzir. Com efeito, como é sabido, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no art.292º, é um crime de perigo abstracto, uma vez que ali o perigo surge como mero motivo da incriminação, renunciando o legislador a concebê-lo como resultado da acção. O perigo é, pois, aqui requisito explícito da fattispecie incriminadora, limitando-se o legislador a tipificar uma conduta, a qual a verificar-se preenche, sem mais, o respectivo crime. Na verdade, os perigos que a condução em estado de embriaguez potencia, não resultam da natureza do veículo, mas antes do estado de influenciado pelo álcool de quem o conduz. Por isso, a proibição de conduzir, quando tem como fundamento a condenação pelo crime do art°292° do C.P, não pode limitar-se a uma categoria de veículos com motor, devendo antes abarcar quaisquer categorias desses veículos, desde que destinados a circular nas vias públicas ou equiparadas. Efectivamente, se a perigosidade da condução, que é a razão de ser da proibição, é alheia ao tipo de veículo que se conduz, por respeitar à pessoa do condenado, ela poderá verificar-se na condução de qualquer veículo com motor. A possibilidade de a proibição de conduzir abranger apenas uma determinada categoria de veículos com motor ou um determinado e concreto veículo, não está prevista para casos em que aquele é o fundamento da proibição. Na verdade, é inquestionável que a condução de veículos em estado de embriaguez constitui por si só uma grave violação das regras que regem a condução rodoviária, e um perigo para a segurança rodoviária, justificando a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir. Se esta visa prevenir a perigosidade que está imanente na própria norma incriminatória, que a justifica e impõe, sendo-lhe indiferente, quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena. Só através da proibição (efectiva) da condução tal é alcançável, o que é incompatível com a excepção a essa medida preconizada pelo recorrente. Ora, as penas acessórias, muito embora sejam sanções dependentes da aplicação de uma pena principal, uma vez que esta é condição necessária daquela, não decorrem directa e imediatamente da aplicação desta, no sentido de que não são seu efeito automático (art.65 nº1, do C. Penal). A pena acessória decorre, isso sim, da prática de certos crimes a que a lei faz corresponder a proibição do exercício de determinados direitos e profissões (art.65 nº2, do C. Penal). Como doutamente referiu o Prof. Figueiredo Dias, com a autoridade que neste domínio lhe é sobejamente conhecida, no seio da Comissão de revisão do Código Penal de 1982 (cfr.acta nº8, de 29/5/1989), a pena acessória corporiza uma censura adicional pelo facto praticado, visando prevenir a perigosidade deste. A perigosidade que a pena acessória visa prevenir está intimamente conexionada com o perigo que subjaz ao próprio facto ilícito típico de que depende a sua aplicação. Acresce que tendo na sentença impugnada sido também decretada a obrigação do arguido entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença, devendo ficar retida durante o período de vigência da pena acessória, nessa situação, o arguido não poderia fazer-se acompanhar dela no exercício da condução do veículo por si indicado na sua actividade profissional e se, por outro lado, permanecesse com a disponibilidade da carta, tal inviabilizaria o cumprimento da referida pena fora da sua actividade profissional de quaisquer tipo de veículos. Assim, não se vislumbra como seja possível compatibilizar a execução efectiva da pena acessória, segundo a modalidade proposta pelo recorrente, com aquela obrigação. Quanto aos custos de ordem profissional que advém para o arguido da proibição de conduzir veículos com motor, são os próprios da pena em causa, não sendo o critério da necessidade da carta relevante para o não cumprimento da pena acessória ou para o estabelecimento de excepções, como as pretendidas pelo recorrente. Importa ainda sublinhar que a inibição de conduzir imposta pela prática de contra-ordenação grave e/ou muito grave abrange indistintamente todos os veículos a motor (art.147º, nº2 do C. Estrada), pelo que seria incompreensível e incongruente possibilitar-se a exclusão da proibição de conduzir a determinados veículos no caso da infracção ser crime e isso já não ser possível quando a infracção constitua ilícito de mera ordenação social. Há ainda a dizer que esta pena acessória resulta de uma decisão ponderada do tribunal, que a concretizou dentro dos parâmetros estabelecidos na lei, tendo na fixação do período de proibição de conduzir sido ponderado, além do mais, a condição social, familiar e profissional do recorrente, pena essa que naquela medida é necessária e adequada à protecção do bem jurídico tutelado pela referida norma e à culpa do agente, pelo que não se mostram postergados os princípios da necessidade ou da proporcionalidade, nem violado o direito constitucional do direito ao trabalho. Aliás, a este propósito, em situações semelhantes, já o Tribunal Constitucional, teve oportunidade de esclarecer no acórdão de 23/01/1997, publicado no DR – II Série, de 5/3/1997, que “(…) a perda desse direito (de conduzir) é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do art.71º, do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei. O que no art.30º, nº4 da Lei Fundamental se pretendeu proibir ao estipular-se que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, é que em resultado de certas condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. Mas não se pretendeu impedir que a sentença condenatória pudesse decretar essa perda de direitos em função de uma graduação da culpa feita casuisticamente. Nestas circunstâncias e nos casos como o que aqui se aprecia, o facto de à aplicação da pena de prisão ou de multa ter sempre de acrescer a pena acessória de proibição de conduzir não colide com a proibição do nº4, do art.30º, da CRP. Neste sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs234/95 e 237/95, de 16/5/95, in DR- Série, de 6/7/1995; nº53/97, de 23/1/97, in DR – Série de 5/3/97; nº143/95, de 15/3/95, in DR- Série, de 20/6/95. Acresce dizer que estando definitivamente fixada a matéria de facto apurada na 1ª Instância nos termos supramencionados, em circunstância alguma este Tribunal poderia tomar em consideração factos ou circunstâncias que não se contenham naquela, como é o caso alegado pelo de recorrente de que a pena de proibição de conduzir o impossibilita de trabalhar. Em todo o caso sempre se dirá, que a imposição de tal pena acessória, não constitui violação do direito ao trabalho consagrado no art.58º da Lei Fundamental e o facto do arguido eventualmente necessitar de conduzir para poder desenvolver a sua actividade profissional (o que até nem está provado), não constitui fundamento por si só, habilitante ao deferimento da pretensão do recorrente, no sentido de ser excepcionado da proibição de conduzir o veículo por si indicado, dentro do horário por si mencionado, nos dias úteis pois, a adopção de uma tal benevolência, não só se mostra-se injustificada, como até se fosse adoptada acarretaria na prática a neutralização das finalidades (preventivas) da pena acessória reclamadas no caso concreto. Na verdade, como é sublinhado no acórdão do Tribunal Constitucional nº440/202, de 23-10-2002, citado pelo recorrido, com a proibição de conduzir imposta ao recorrente, não fica postergado o direito ao trabalho, mas tão só «constrangido» esse direito, sendo que o direito ao trabalho (sem restrições), não pode ser valorado em termos absolutos, e a limitação desse direito decorrente da proibição de conduzir em consequência da prática do crime de condução em estado de embriaguez, é necessário na medida em que o sacrifício parcial daí resultante não é arbitrário ou carente de justificação, estando justificada essa limitação, para salvaguarda de outros bens fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança e a vida das pessoas que circulam nas estradas, como é aqui o caso. Aliás, aqueles que para exercerem a sua actividade tem de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem de uma tal benevolência. Se, como dissemos, a pena acessória de proibição de conduzir, visa prevenir a perigosidade que está imanente na própria norma incriminatória, que a justifica e impõe, sendo-lhe indiferente, quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução plena e efectiva da correspondente pena. Só através da proibição (efectiva e plena) da condução tal é alcançável, pelo que a execução da pena acessória de proibição de conduzir não é passível de suspensão, nem de interrupções e intervalos. Na verdade, o Código Penal (art.50º) apenas permite a suspensão da execução das penas de prisão, pelo que este normativo não pode ser aplicável no caso de que aqui nos ocupamos. Nesta conformidade, mesmo que os factos apurados pudessem alicerçar a formulação de um prognóstico favorável, nos termos do art.50º, do C. Penal, pelas razões explanadas, a pena acessória aplicada ao arguido nunca poderia ser suspensa na sua execução durante o período laboral. Neste sentido, pode ainda ver-se entre muitos outros, o acórdão desta Relação, de 14/6/2000, C. J. Ano XXV, tomo 3, pp.54/55; de 10/7/2001, C. J Ano XXVI, tomo 4, pp.290 e da Relação de Lisboa, de 30/10/2003, C. J. Ano XXVIII, tomo 4, pp.143/144 e o Prof. Germano Marques da Silva, “ Crimes Rodoviários – Pena Acessória e Medidas de Segurança”, pp.28. Acresce dizer que o regime da suspensão previsto no art.142º, do C. Estrada, antes da revisão operada pelo DL nº44/2005, de 23 de Fevereiro e actualmente prevenido no art.141º do mesmo Código, apenas é aplicável em matéria de ilícito contra-ordenacional previsto nesse código, não podendo miscigenar-se um instituto de carácter contra-ordenacional e uma medida de carácter penal. Não pode, pois, confundir-se a inibição de conduzir, que enquanto sanção acessória de ilícito de mera ordenação social, está submetida a um regime jurídico próprio diferenciado do previsto para a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art.69º, do C. Penal, aplicável aquando do cometimento de certos crimes. Como já dissemos, estando definitivamente fixada a matéria de facto apurada na 1ª Instância, em circunstância alguma este Tribunal poderia tomar em consideração factos ou circunstâncias que não se contenham na sentença recorrida. Em todo o caso sempre se dirá, que para esse efeito pretendido é também absolutamente irrelevante a circunstância do arguido necessitar da carta de condução para exercer a sua actividade profissional, bem como as consequências que eventualmente lhe possam advir da proibição de conduzir. Na verdade, como já referimos, o facto do arguido necessitar de conduzir na sua actividade profissional, não constitui razão juridicamente válida para que possa decretar-se a suspensão ou a interrupção da execução da pena acessória de proibição de conduzir, no período laboral, pois, como pretende o recorrente, essa modalidade de execução da proibição de conduzir, acarretaria a neutralização das finalidades (preventivas) da pena acessória. Aliás, como já atrás dissemos, aqueles que para exercerem a sua actividade tem de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem das excepções preconizadas pelo recorrente relativamente à proibição de conduzir, sendo que os eventuais transtornos profissionais que a pena acessória possa causar ao recorrente, nos quais devia ter pensado antes de adoptar o comportamento delituoso em causa [sendo que já antes fora condenado pela prática de um crime da mesma natureza] não têm aptidão para a influenciar, nem legitimam ou autorizam, nos termos do direito vigente, o cumprimento de forma descontínuo dessa pena, designadamente aos fins-de-semana, em férias, ou apenas após o horário laboral como pretende o recorrente, ou segundo outro qualquer critério estritamente de conveniência pessoal do arguido, sob pena de se fazer”tábua rasa” e se ignorar em absoluto os fins das penas a que atrás fizemos referência. Ora se tal é vedado em matéria contra ordenacional, como se constata do art. 138º, nº4 do C. Estrada, que impõe o cumprimento em dias seguidos da inibição de conduzir, por maioria de razão terá de ser assim em matéria criminal. O que não é invalidado por o C. Penal não conter uma norma idêntica aquela. Apesar da inexistência de norma no Código Penal que expressamente imponha o cumprimento de forma contínua da pena acessória de proibição de conduzir, como se refere no douto acórdão da Relação de Coimbra, de 29/11/2000, publicado na C. J.,Ano XXV, tomo V, pags. 49/50, essa imposição resulta implicitamente do art.500º, nº2 do CPP ao determinar que no prazo de 10 dias a contar trânsito em julgado da sentença, o condenado tem de entregar na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial a licença de condução se a mesma não se encontrar já apreendida no processo. O que revela como aí se diz que o cumprimento dessa sanção não pode ser deferido “a prestações”. Também neste conspecto falece razão ao recorrente. Nesta conformidade, o recurso não merece provimento, devendo manter-se na íntegra a sentença recorrida, que não posterga ou viola quaisquer princípios e normas, nomeadamente as indicadas pelo recorrente, devendo por conseguinte a pena acessória de proibição de conduzir abranger todo e qualquer veículo com motor, sem excepção, e ser cumprida de forma contínua, sem qualquer intervalo, suspensão ou interrupção. DECISÃO. Nestes termos e com tais fundamentos negamos provimento ao recurso e consequentemente mantemos a sentença recorrida. Custas pelo arguido/recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s [arts.513º, nºs1 e 3 e 514º, nº1 do CPP; 8º, nº5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais]. Évora, (Elaborado e integralmente revisto pelo relator). Gilberto Cunha (relator) Martinho Cardoso (Adjunto)