Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
JOÃO MANUEL MONTEIRO AMARO
Descritores
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ MEDIDA DA PENA PENA ACESSÓRIA HORÁRIO DE TRABALHO
No do documento
Data do Acordão
09/27/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO PENAL
Decisão
PROVIDO
Sumário
I – A pena acessória de proibição de conduzir não pode ser cumprida por forma descontínua, fora do horário laboral. II – Atenta a natureza do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com a inerente perigosidade decorrente da conduta nele pressuposta, surge como adequada e proporcional a sanção de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer, no caso concreto, a perda de emprego por parte do arguido. III – Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afectar o seu emprego, são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena pretende prevenir. IV – A norma constante do artigo 69.º do Código Penal, na interpretação segundo a qual a execução da pena acessória aí prevista tem de ser contínua, não viola qualquer disposição da Constituição da República Portuguesa.
Decisão integral
Acordam os Juízes, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Sumário com o nº 249/11.0PALGS, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, em que é arguido J, após audiência de discussão e julgamento, foi decidido condenar o arguido (e na parte que ora releva), como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, perfazendo o montante global de 300 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do mesmo Código Penal, pelo período de 4 meses, podendo o arguido conduzir, exclusivamente, no exercício da sua actividade profissional actual, por conta da “L Rent-a-Car, Ldª.” e dentro do seu horário de trabalho. Para o efeito, deverá o arguido entregar, no prazo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença, a fim de cumprir a pena acessória, todas as suas cartas e licenças de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, sendo emitida pela secção certidão a atestar a possibilidade de o arguido conduzir no exercício da sua actividade profissional actual, por conta da “L Rent-a-Car, Ldª.”, e dentro do seu horário de trabalho.

Inconformado com a decisão, interpôs recurso o Ministério Público, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1ª - Não é legalmente admissível que o cumprimento da pena acessória não seja contínuo (mas apenas limitado ao período de tempo em que o arguido não esteja a trabalhar, como foi decidido na sentença).
2ª - Ocorre, pois, uma situação de inadmissibilidade legal de se limitar os efeitos da proibição de condução prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, a determinados períodos de tempo.
3ª - Nos termos do preceituado no artigo 500º, nº 4, do C. P. Penal, a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição de condução, pelo que tal mecanismo não é compatível com quaisquer interrupções.
4ª - O princípio da execução contínua impede o fraccionamento da execução da pena acessória de proibição de conduzir, ou seja, impede que esta pena só se torne efectiva em certos períodos de tempo (no caso, fora do horário de trabalho).
Conclui o Exmº Magistrado do Ministério Público recorrente que a sentença sub judice deve ser revogada, no que concerne à parte em que exclui do período de inibição de condução o período de tempo em que o arguido esteja a desenvolver a sua actividade profissional, porque violadora do preceituado nos artigos 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, e 500º, nº 4, do C. P. Penal, e, consequentemente, deve condenar-se o arguido na pena acessória de proibição de condução pelo período de 4 meses (contínuos, sem interrupções ou excepções).

O arguido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, e concluindo a sua resposta nos seguintes (transcritos) termos:
“a) O Tribunal a quo fez uma completa aplicação do artigo 69.º/1/alínea a) do CP e do 500.º/4 do CPP, tendo sido atendidos e ponderados na determinação da medida da pena todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do artigo 71.º do CP;
b) O modo de execução da sanção acessória contínua contende com o exercício do direito do arguido ao trabalho, constitucionalmente erigido a direito fundamental, resultando numa restrição ilegítima em violação do artigo 58.º da CRP, bem como do artigo 65.º do CP, por envolver, necessariamente, a perda de direitos profissionais, e nomeadamente a impossibilidade prática e real de exercer a profissão que é o sustentáculo da sua subsistência;
c) A aplicação da Justiça no caso concreto impõe que, face à situação socioprofissional do arguido e à sua subsistência, a aplicação da pena ao arguido tenha em devida conta os critérios supra alegados, e, salvaguardando o princípio da justiça e da equidade;
d) A condenação do arguido na pena acessória de inibição de condução durante 4 meses nos termos explanados na Douta Sentença, ou seja, permitindo a condução no exclusivo exercício da profissão, constituiria por si só medida de prevenção bastante;
e) Mesmo que se admitisse que a regra é a continuidade da execução das penas, sendo excepcional a sua execução descontínua, pelo que na falta de previsão legal que admitisse o seu cumprimento descontínuo, teria a pena acessória de proibição de conduzir de ser cumprida de forma ininterrupta, sempre se diria que na determinação da medida da pena o Tribunal deverá sempre atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do artigo 71.º do CP, nomeadamente:
g) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
h) A intensidade do dolo ou da negligência;
i) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
j) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
K) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
l) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
f) Circunstâncias que deverão como tal ser atendidas na determinação da medida da pena e, consequentemente, no modo de execução da sanção acessória, que no caso concreto, considerou - e bem - o douto Tribunal a quo que o cumprimento da pena acessória de inibição de condução, com a possibilidade de condução no exclusivo exercício da actividade profissional, satisfazia as exigências de prevenção geral e especial;
g) Por outro lado, sempre se justificaria dizer que o n.º 2 do artigo 69.º do CP demonstra bem a inexistência de rigidez na aplicação do citado artigo, ao prever a faculdade de o Tribunal restringir a proibição de conduzir a certa ou certas categorias de veículos, ao dispor que "A proibição (...) pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria";
h) Considerando parte da Doutrina que para o Código Penal Português não é a perigosidade do condutor que constitui a razão determinante da pena acessória de proibição de conduzir, independentemente do tipo de crime que fundamenta a sua aplicação, mas sim a perigosidade do veículo, pelo que nada obsta à restrição a certa categoria de veículos;
i) Faculdade que cumprirá mais satisfatoriamente o princípio da proporcionalidade imposto genericamente pelo art. 18.º n.º 2 da CRP, da maior relevância em toda a matéria das penas, ao mesmo tempo que permite procurar de forma mais eficaz a reintegração do agente na sociedade, uma das finalidades das penas afirmada no art. 40.º n.º 1 do C. P, desde que criteriosamente utilizada;
j) Significando na prática que um arguido condenado numa pena acessória de proibição de conduzir uma determinada categoria de veículo motorizado poderá sempre continuar a conduzir outros para os quais não foi impedido legalmente;
K) Não distorcendo este modo de execução da pena acessória qualquer uma das suas virtualidades preventivas especiais ou gerais, assim como, o não distorceria a execução da pena acessória de inibição de condução, com possibilidade de condução no exclusivo exercício da actividade profissional;
l) Não sendo a entrega da carta de condução na secretaria do Tribunal, mediante a entrega de certidão a atestar a permissão de condução para o exclusivo exercício da actividade profissional, facto impeditivo do cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir que foi - e bem - aplicada ao arguido, ora recorrido;
m) Se assim o fosse então, então as guias de substituição que são entregues ao condutor que solicitou a emissão ou renovação do seu título de habilitação legal para condução de nada serviriam;
n) Ficando, segundo tal entendimento - errado em nosso ver, salvo o devido e merecido respeito - os referidos condutores impedidos de conduzir no período de espera pelo novo documento de habilitação, o que como bem se sabe não é o que se verifica na prática…
o) Nesta conformidade, é entendimento do arguido que a Douta Sentença recorrida fez uma completa aplicação do artigo 69.º/1/alínea a) do CP e do artigo 500.º/4 do CPP, inexistindo as violações invocadas pelo recorrente.
Termos em que, deverá ser mantida a Douta Sentença recorrida, por não ter violado qualquer disposição legal, fazendo-se assim a devida a merecida JUSTIÇA”.

Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, entendendo que o recurso deve ser julgado procedente.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, o arguido respondeu, mantendo, no essencial, o já alegado na resposta ao recurso.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência.


II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objecto do recurso.

Uma questão, em síntese, é suscitada no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objecto e poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: a possibilidade de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor fora do horário laboral, ou seja, por forma descontínua.
Não estando invocados quaisquer dos vícios elencados no nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal, nem eles se divisando numa apreciação oficiosa, e sendo também inequívoco que o recurso em causa versa apenas questão de direito, o acervo factual mostra-se definitivamente fixado nos precisos termos em que o tribunal de primeira instância o definiu, havendo pois que apreciar o mérito do recurso no quadro da matéria de facto por ele considerada como provada.
Por outro lado, porque não é posta em causa a qualificação jurídico-normativa dos factos, desde já temos como assente o cometimento por parte do arguido da precisa infracção pela qual foi condenado, a saber, a prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal.

Assim sendo, e no caso destes autos, a única questão a conhecer consiste em saber se a pena acessória de proibição de conduzir pode ou não (e deve ou não) ser cumprida fora do horário laboral (portanto, por forma descontínua).


2 - A decisão recorrida.

Da sentença recorrida (proferida oralmente – artigo 389º-A do C. P. Penal), e quanto ao essencial dos factos provados (sendo certo que não há quaisquer factos não provados), é de retirar os seguintes elementos (com relevo para a decisão do objecto do presente recurso):
- No dia 20 de Março de 2011, pelas 03,19 horas, na Rua de S. José, em Lagos, o arguido conduzia o veículo automóvel (ligeiro de passageiros) de matrícula (…).
- Ali, então, o arguido foi embater com esse veículo em duas moradias que existem na dita rua.
- Logo após, submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, o arguido acusou uma TAS de 1,81 gr/l.
- O arguido, antes da condução, havia ingerido bebidas alcoólicas, e, mesmo assim, decidiu empreender a condução do aludido veículo, bem sabendo que tal era proibido.
- O arguido está, presentemente, e desde há dois anos, a trabalhar numa empresa de “rent-a-car”.
- Para efeito do exercício da sua actividade profissional, o arguido necessita da sua carta de condução, já que nas suas funções estão incluídas deslocações diárias ao aeroporto de Faro (para ir buscar clientes da sua entidade patronal).
- O arguido aufere um vencimento equivalente ao salário mínimo nacional.
- Vive sozinho, numa casa cedida pelo seu pai, ao qual entrega, mensalmente, 200 euros por tal cedência.
- O arguido possui carta de condução desde há cinco anos.
- O arguido não tem quaisquer condenações criminais anteriores.

Quanto à motivação da decisão fáctica, a Mmª Juíza disse que o tribunal formou a sua convicção nas declarações confessórias do arguido, no talão de alcoolímetro junto a fls. 03, na participação de acidente de fls. 10 e 11, e no CRC que se encontra junto aos autos a fls. 13.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

No caso sub judice, e como acima dito, o recurso interposto pelo Ministério Público está limitado à questão do cumprimento da pena acessória de proibição de condução fora do horário laboral (ou seja, e no fundo, à questão de saber se é possível o cumprimento da pena acessória em causa por forma descontínua).
Cumpre apreciar e decidir.
São várias as normas que regulamentam o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.
Desde logo, dispõe o artigo 69º, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal, que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria” (nº 2); “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo” (nº 3); “a secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior” (nº 4).
Por sua vez, preceitua o artigo 500º, nº 4, do C. P. Penal: “A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular”.
Ainda com relevante significado para a questão que agora nos ocupa, estabelece o artigo 138º, nº 4, do Código da Estrada que “as sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos” – estando aqui em causa, obviamente, a sanção acessória de inibição de conduzir (aplicada pela prática das contra-ordenações graves e muito graves previstas no Código da Estrada).
Numa outra perspectiva da questão, constata-se que o lema dominante do nosso sistema jurídico-penal, em matéria de cumprimento de penas, é o de que as penas são para ser cumpridas ininterruptamente, a partir do momento em que a respectiva execução tenha início.
Quando assim não sucede, quando esta regra geral não é seguida, existe sempre uma norma a disciplinar como é que, então, se passam as coisas.
É o que acontece, e a título meramente exemplificativo, na execução da prisão por dias livres ou em regime de semi-detenção (execução processualmente regulamentada, por forma exaustiva, nos artigos 487º e 488º do C. P. Penal), e na prestação de trabalho a favor da comunidade (cujo modo de execução no tempo está descrito no artigo 58º, nº 4, do Código Penal).
Aliás, assim não poderia deixar de ser, em obediência ao secular princípio nulla poena sine lege. Com efeito, uma das consequências deste princípio traduz-se, precisamente, na circunstância de estar completamente vedado ao juiz, mesmo que este utilize argumentos da mais esclarecida e avançada consciência político-criminal, criar instrumentos sancionatórios criminais que se não encontrem estritamente previstos em lei anterior.
Ou seja, a definição e o modo de aplicação das penas estão balizados pelo princípio da legalidade. O catálogo das penas (como o dos crimes), e do seu modo de execução, é taxativo e estabelecido, necessariamente, por lei (cfr. o disposto nos artigos 29º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, e 1º do Código Penal).
Ora, no caso da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, a lei não prevê qualquer possibilidade de diferir no tempo, para ocasião mais cómoda para o condenado, o cumprimento do período de inibição, designadamente na modalidade estabelecida na sentença recorrida (de que a inibição seja cumprida fora do horário laboral - necessariamente, portanto, nos fins-de-semana e/ou nas férias).
O normativo contido no artigo 69º do Código Penal não prevê a possibilidade da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor poder ser cumprida em fins-de-semana, nas férias ou em outros dias livres, nem tal possibilidade é aberta por qualquer outra disposição legal.
Pelo contrário, e como antes ficou exposto, as disposições legais relativas ao modo de cumprimento de tal pena acessória apontam, indiscutivelmente, para a necessidade da execução contínua da proibição de condução em análise.
Como bem refere, a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 226, nota nº 8 ao artigo 69º), “a proibição tem um efeito contínuo, como resulta do artigo 500º, nº 4, do CPP e do artigo 138º, nº 4, do CE”.
Mais salienta este autor (mesma obra e local) que, por isso, “a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos (…), nem pode ser diferido o início da respectiva execução” – cfr., neste mesmo sentido, além da jurisprudência citada na anotação agora reproduzida, o Ac. R.P. de 10-12-1997, in CJ, 1997, Tom. V, pág. 239, e o Ac. R.G. de 10-03-2003, in CJ, 2003, Tomo II, pág. 285).
Por conseguinte, a decisão constante da sentença recorrida, que permite que a pena acessória de proibição de conduzir seja cumprida fora do horário laboral do arguido, é de alterar, tal como pretendido no recurso interposto.

Alega o arguido, na resposta ao recurso, que o modo de execução contínuo da pena de proibição de conduzir contende com o exercício do seu direito ao trabalho, constitucionalmente protegido no artigo 58º da Constituição da República Portuguesa.
Estabelece o artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
Por sua vez, o artigo 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa refere que “todos têm direito ao trabalho”.
Preceitua o artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).
Por último, traduzindo a reprodução, ao nível da lei ordinária, do comando constante do artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, dispõe o artigo 65º, nº 1, do Código Penal, que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”.
Aplicando estes normativos ao caso dos autos, há que salientar, em primeiro lugar, que nenhum ponto da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (matéria de facto esta não impugnada nem questionada no recurso ou na resposta do arguido ao mesmo) nos permite concluir pela perda de emprego por parte do arguido em consequência do cumprimento da proibição de conduzir em questão.
A este propósito, ficou apenas provado que “para efeito do exercício da sua actividade profissional, o arguido necessita da sua carta de condução, já que nas suas funções estão incluídas deslocações diárias ao aeroporto de Faro (para ir buscar clientes da sua entidade patronal) ”.
Na verdade, e desde logo, como é da experiência comum, o arguido sempre poderá efectuar outras tarefas ou exercer outras funções na empresa onde trabalha (uma “rent-a-car”), que não necessitem da sua condução.
Além disso, e repete-se, nada nos permite dizer, face aos factos provados, que o arguido perderá o seu emprego em consequência da proibição de conduzir imposta na sentença sub judice.
Em segundo lugar, levando a tese do arguido às últimas consequências, chegaríamos à absurda conclusão de que, quando fosse aplicada a um cidadão uma pena privativa de liberdade, resultaria violado, por forma constitucionalmente inadmissível, o “direito ao trabalho” desse cidadão (sobretudo se ele, em liberdade, tinha um emprego, emprego que perdeu com a privação de liberdade).
Salvo o devido respeito, a alegação do arguido carece de sentido.
Com efeito, embora a Constituição da República Portuguesa garanta o direito ao trabalho, não é menos certo que permite a limitação a esse direito em caso de cumprimento de pena ou medida de segurança.
Não há dúvidas que, no caso da proibição de conduzir veículos com motor em causa nestes autos (sanção prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal), estamos perante uma pena acessória, pois a mesma pressupõe a aplicação de uma pena principal (prisão ou multa - cfr. o disposto no artigo 292º, nº 1, do mesmo Código Penal).
Por sua vez, o “direito ao trabalho”, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia, e, por outro lado, se impõe ao Estado o cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado em virtude de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Ora, a esta luz, a constrição do direito ao trabalho que possa resultar para o arguido da aplicação da medida sancionatória em causa apresenta-se, de um ponto de vista constitucional, como plenamente justificada.
Tal justificação resulta da circunstância de a sanção de proibição (temporária) de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, quer, por um lado, na perspectiva do arguido, a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade, posto que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, como que “compensá-la” do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução em estado de embriaguez.
É claro que não pode esquecer-se o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais e a sua ponderação relativa, onde avultam, neste caso, de um lado, o direito ao trabalho, e, de outro lado, a justificação de restrições a direitos fundamentais que a aplicação das penas implica.
No que diz respeito à primeira vertente assinalada, contrariamente ao que alega o arguido, o conteúdo essencial do direito ao trabalho, que o recorrente vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da proibição de condução por 4 meses, não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto do direito ao trabalho com a protecção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação da pena acessória infligida - não redunda na aniquilação, ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho.
No tocante à segunda vertente descrita, é inquestionável que se pretendem proteger, com a aplicação da sanção acessória de proibição de condução, bens ou interesses de grande relevo e constitucionalmente protegidos (por exemplo, a vida e a segurança das pessoas), sobretudo em face da dimensão do risco que para esses bens a conduta criminosa de condução de veículo em estado de embriaguez comporta, pondo em causa a vida, a integridade física e a segurança de todos os que circulam nas estradas.
Daí que a alegada violação do direito ao trabalho, tal como é sustentado pelo arguido, não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses de grande relevo e constitucionalmente protegidos.
Acresce que, não estando o arguido perante qualquer perda do direito de conduzir, mas apenas perante uma proibição temporária (quatro meses) do exercício da condução, não pode considerar-se que a sua liberdade de exercer o trabalho esteja postergada ou limitada de forma desproporcionada e desadequada.
O núcleo essencial do direito ao trabalho do arguido está, por conseguinte, plenamente assegurado.
Por último, não está proibido pela Constituição da República Portuguesa a possibilidade de a lei definir como penas (ou medidas de segurança) a privação definitiva ou temporária de direitos.
O que o artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, proíbe, isso sim, é, tão-só, a perda automática desses direitos (civis, profissionais ou políticos), ou seja, a perda como consequência automática de uma condenação penal.
Neste ponto, o que decorre da nossa Lei Fundamental é que as penas devem ser aplicadas em função de uma prévia decisão judicial, tomada de acordo com as regras pertinentes em matéria penal, decisão judicial essa na qual, necessariamente, têm que ser respeitados os princípios da culpa, da tipicidade, da proporcionalidade e da necessidade.
O relevante, neste aspecto, é que a duração da proibição de condução varie consoante a gravidade da infracção. Ou seja, o aplicador da pena inibitória tem de ponderar as circunstâncias da infracção por forma a adequar o tempo da proibição em causa.
Como muito bem se escreveu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 362/92 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 08 de Abril de 1993), não se está, no presente caso, "perante um efeito ope legis da condenação por certos crimes (…) que leve à perda do direito de conduzir veículos, mas, antes, perante um tipo de conduta (condução de veículo sob o efeito do álcool) que, sendo valorada para a condenação, pelo crime que integra, deve também poder ser apreciada complementarmente para, segundo os mesmos critérios de justiça, permitir a aplicação pelo tribunal da medida de inibição temporária de condução, enquanto pena acessória”.
A aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, como é bom de ver, não decorre automaticamente, e sem qualquer intervenção jurisdicional (ou seja, como um efeito necessário), da imposição da pena aplicada pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa pena acessória, ainda que no seu limite mínimo, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, colisão com a proibição de automaticidade.
A necessidade da adequação da proibição de conduzir a cada caso concreto revela que esta pena acessória se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada às penas de prisão ou de multa se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para estas últimas.
Isto é, a aplicação da proibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação das penas de prisão e de multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, e a determinação da medida concreta do período de proibição de conduzir rege-se pelos mesmos critérios seguidos para a determinação da medida concreta da pena principal.
Em jeito de síntese de tudo o que se deixa dito, atenta a natureza do crime em questão, com a inerente perigosidade decorrente da conduta nele pressuposta, surge como adequada e proporcional a sanção de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer, no caso concreto, a perda de emprego por parte do arguido.
Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afectar o seu emprego, são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena pretende prevenir.
Conclui-se, assim, que a norma constante do artigo 69º do Código Penal, na interpretação (que sufragamos) de que a execução da pena acessória aí prevista tem de ser contínua, não viola qualquer disposição da Constituição da República Portuguesa.
Posto tudo o que precede, entendemos que o recurso merece total provimento, isto é, a sentença recorrida é de revogar na parte em que exclui do período de proibição de condução o período de tempo em que o arguido esteja a desenvolver a sua actividade profissional, sendo, pois, de condenar o arguido na pena acessória de proibição de condução pelo período de 4 meses (tal como fixado na sentença em causa), mas contínuos, sem interrupções ou excepções (ao contrário do decidido na mesma sentença).


III - DECISÃO

Pelo exposto, e julgando totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, decide-se alterar a sentença recorrida (quanto ao modo de execução da pena acessória de proibição de conduzir), condenando-se o arguido J nos seguintes termos (e quanto ao referido aspecto):
- Na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses, em execução contínua, sem interrupções ou excepções (e, obviamente, sem a intervenção da secção de processos determinada, neste ponto, na sentença revidenda).
Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.
Sem tributação.

 
Évora, 27 de Setembro de 2011.
 (João Manuel Monteiro Amaro - Maria de Fátima Mata-Mouros)

Acordam os Juízes, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de Processo Sumário com o nº 249/11.0PALGS, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, em que é arguido J, após audiência de discussão e julgamento, foi decidido condenar o arguido (e na parte que ora releva), como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, perfazendo o montante global de 300 euros, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do mesmo Código Penal, pelo período de 4 meses, podendo o arguido conduzir, exclusivamente, no exercício da sua actividade profissional actual, por conta da “L Rent-a-Car, Ldª.” e dentro do seu horário de trabalho. Para o efeito, deverá o arguido entregar, no prazo de 10 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença, a fim de cumprir a pena acessória, todas as suas cartas e licenças de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, sendo emitida pela secção certidão a atestar a possibilidade de o arguido conduzir no exercício da sua actividade profissional actual, por conta da “L Rent-a-Car, Ldª.”, e dentro do seu horário de trabalho. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o Ministério Público, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1ª - Não é legalmente admissível que o cumprimento da pena acessória não seja contínuo (mas apenas limitado ao período de tempo em que o arguido não esteja a trabalhar, como foi decidido na sentença). 2ª - Ocorre, pois, uma situação de inadmissibilidade legal de se limitar os efeitos da proibição de condução prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, a determinados períodos de tempo. 3ª - Nos termos do preceituado no artigo 500º, nº 4, do C. P. Penal, a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição de condução, pelo que tal mecanismo não é compatível com quaisquer interrupções. 4ª - O princípio da execução contínua impede o fraccionamento da execução da pena acessória de proibição de conduzir, ou seja, impede que esta pena só se torne efectiva em certos períodos de tempo (no caso, fora do horário de trabalho). Conclui o Exmº Magistrado do Ministério Público recorrente que a sentença sub judice deve ser revogada, no que concerne à parte em que exclui do período de inibição de condução o período de tempo em que o arguido esteja a desenvolver a sua actividade profissional, porque violadora do preceituado nos artigos 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, e 500º, nº 4, do C. P. Penal, e, consequentemente, deve condenar-se o arguido na pena acessória de proibição de condução pelo período de 4 meses (contínuos, sem interrupções ou excepções). O arguido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, e concluindo a sua resposta nos seguintes (transcritos) termos: “a) O Tribunal a quo fez uma completa aplicação do artigo 69.º/1/alínea a) do CP e do 500.º/4 do CPP, tendo sido atendidos e ponderados na determinação da medida da pena todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do artigo 71.º do CP; b) O modo de execução da sanção acessória contínua contende com o exercício do direito do arguido ao trabalho, constitucionalmente erigido a direito fundamental, resultando numa restrição ilegítima em violação do artigo 58.º da CRP, bem como do artigo 65.º do CP, por envolver, necessariamente, a perda de direitos profissionais, e nomeadamente a impossibilidade prática e real de exercer a profissão que é o sustentáculo da sua subsistência; c) A aplicação da Justiça no caso concreto impõe que, face à situação socioprofissional do arguido e à sua subsistência, a aplicação da pena ao arguido tenha em devida conta os critérios supra alegados, e, salvaguardando o princípio da justiça e da equidade; d) A condenação do arguido na pena acessória de inibição de condução durante 4 meses nos termos explanados na Douta Sentença, ou seja, permitindo a condução no exclusivo exercício da profissão, constituiria por si só medida de prevenção bastante; e) Mesmo que se admitisse que a regra é a continuidade da execução das penas, sendo excepcional a sua execução descontínua, pelo que na falta de previsão legal que admitisse o seu cumprimento descontínuo, teria a pena acessória de proibição de conduzir de ser cumprida de forma ininterrupta, sempre se diria que na determinação da medida da pena o Tribunal deverá sempre atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nos termos do artigo 71.º do CP, nomeadamente: g) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; h) A intensidade do dolo ou da negligência; i) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; j) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; K) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; l) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. f) Circunstâncias que deverão como tal ser atendidas na determinação da medida da pena e, consequentemente, no modo de execução da sanção acessória, que no caso concreto, considerou - e bem - o douto Tribunal a quo que o cumprimento da pena acessória de inibição de condução, com a possibilidade de condução no exclusivo exercício da actividade profissional, satisfazia as exigências de prevenção geral e especial; g) Por outro lado, sempre se justificaria dizer que o n.º 2 do artigo 69.º do CP demonstra bem a inexistência de rigidez na aplicação do citado artigo, ao prever a faculdade de o Tribunal restringir a proibição de conduzir a certa ou certas categorias de veículos, ao dispor que "A proibição (...) pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria"; h) Considerando parte da Doutrina que para o Código Penal Português não é a perigosidade do condutor que constitui a razão determinante da pena acessória de proibição de conduzir, independentemente do tipo de crime que fundamenta a sua aplicação, mas sim a perigosidade do veículo, pelo que nada obsta à restrição a certa categoria de veículos; i) Faculdade que cumprirá mais satisfatoriamente o princípio da proporcionalidade imposto genericamente pelo art. 18.º n.º 2 da CRP, da maior relevância em toda a matéria das penas, ao mesmo tempo que permite procurar de forma mais eficaz a reintegração do agente na sociedade, uma das finalidades das penas afirmada no art. 40.º n.º 1 do C. P, desde que criteriosamente utilizada; j) Significando na prática que um arguido condenado numa pena acessória de proibição de conduzir uma determinada categoria de veículo motorizado poderá sempre continuar a conduzir outros para os quais não foi impedido legalmente; K) Não distorcendo este modo de execução da pena acessória qualquer uma das suas virtualidades preventivas especiais ou gerais, assim como, o não distorceria a execução da pena acessória de inibição de condução, com possibilidade de condução no exclusivo exercício da actividade profissional; l) Não sendo a entrega da carta de condução na secretaria do Tribunal, mediante a entrega de certidão a atestar a permissão de condução para o exclusivo exercício da actividade profissional, facto impeditivo do cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir que foi - e bem - aplicada ao arguido, ora recorrido; m) Se assim o fosse então, então as guias de substituição que são entregues ao condutor que solicitou a emissão ou renovação do seu título de habilitação legal para condução de nada serviriam; n) Ficando, segundo tal entendimento - errado em nosso ver, salvo o devido e merecido respeito - os referidos condutores impedidos de conduzir no período de espera pelo novo documento de habilitação, o que como bem se sabe não é o que se verifica na prática… o) Nesta conformidade, é entendimento do arguido que a Douta Sentença recorrida fez uma completa aplicação do artigo 69.º/1/alínea a) do CP e do artigo 500.º/4 do CPP, inexistindo as violações invocadas pelo recorrente. Termos em que, deverá ser mantida a Douta Sentença recorrida, por não ter violado qualquer disposição legal, fazendo-se assim a devida a merecida JUSTIÇA”. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, entendendo que o recurso deve ser julgado procedente. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, o arguido respondeu, mantendo, no essencial, o já alegado na resposta ao recurso. Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos, foi designada data para conferência. II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objecto do recurso. Uma questão, em síntese, é suscitada no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objecto e poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: a possibilidade de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor fora do horário laboral, ou seja, por forma descontínua. Não estando invocados quaisquer dos vícios elencados no nº 2 do artigo 410º do C. P. Penal, nem eles se divisando numa apreciação oficiosa, e sendo também inequívoco que o recurso em causa versa apenas questão de direito, o acervo factual mostra-se definitivamente fixado nos precisos termos em que o tribunal de primeira instância o definiu, havendo pois que apreciar o mérito do recurso no quadro da matéria de facto por ele considerada como provada. Por outro lado, porque não é posta em causa a qualificação jurídico-normativa dos factos, desde já temos como assente o cometimento por parte do arguido da precisa infracção pela qual foi condenado, a saber, a prática, em autoria material, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal. Assim sendo, e no caso destes autos, a única questão a conhecer consiste em saber se a pena acessória de proibição de conduzir pode ou não (e deve ou não) ser cumprida fora do horário laboral (portanto, por forma descontínua). 2 - A decisão recorrida. Da sentença recorrida (proferida oralmente – artigo 389º-A do C. P. Penal), e quanto ao essencial dos factos provados (sendo certo que não há quaisquer factos não provados), é de retirar os seguintes elementos (com relevo para a decisão do objecto do presente recurso): - No dia 20 de Março de 2011, pelas 03,19 horas, na Rua de S. José, em Lagos, o arguido conduzia o veículo automóvel (ligeiro de passageiros) de matrícula (…). - Ali, então, o arguido foi embater com esse veículo em duas moradias que existem na dita rua. - Logo após, submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, o arguido acusou uma TAS de 1,81 gr/l. - O arguido, antes da condução, havia ingerido bebidas alcoólicas, e, mesmo assim, decidiu empreender a condução do aludido veículo, bem sabendo que tal era proibido. - O arguido está, presentemente, e desde há dois anos, a trabalhar numa empresa de “rent-a-car”. - Para efeito do exercício da sua actividade profissional, o arguido necessita da sua carta de condução, já que nas suas funções estão incluídas deslocações diárias ao aeroporto de Faro (para ir buscar clientes da sua entidade patronal). - O arguido aufere um vencimento equivalente ao salário mínimo nacional. - Vive sozinho, numa casa cedida pelo seu pai, ao qual entrega, mensalmente, 200 euros por tal cedência. - O arguido possui carta de condução desde há cinco anos. - O arguido não tem quaisquer condenações criminais anteriores. Quanto à motivação da decisão fáctica, a Mmª Juíza disse que o tribunal formou a sua convicção nas declarações confessórias do arguido, no talão de alcoolímetro junto a fls. 03, na participação de acidente de fls. 10 e 11, e no CRC que se encontra junto aos autos a fls. 13. 3 - Apreciação do mérito do recurso. No caso sub judice, e como acima dito, o recurso interposto pelo Ministério Público está limitado à questão do cumprimento da pena acessória de proibição de condução fora do horário laboral (ou seja, e no fundo, à questão de saber se é possível o cumprimento da pena acessória em causa por forma descontínua). Cumpre apreciar e decidir. São várias as normas que regulamentam o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor. Desde logo, dispõe o artigo 69º, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal, que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria” (nº 2); “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo” (nº 3); “a secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior” (nº 4). Por sua vez, preceitua o artigo 500º, nº 4, do C. P. Penal: “A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular”. Ainda com relevante significado para a questão que agora nos ocupa, estabelece o artigo 138º, nº 4, do Código da Estrada que “as sanções acessórias são cumpridas em dias seguidos” – estando aqui em causa, obviamente, a sanção acessória de inibição de conduzir (aplicada pela prática das contra-ordenações graves e muito graves previstas no Código da Estrada). Numa outra perspectiva da questão, constata-se que o lema dominante do nosso sistema jurídico-penal, em matéria de cumprimento de penas, é o de que as penas são para ser cumpridas ininterruptamente, a partir do momento em que a respectiva execução tenha início. Quando assim não sucede, quando esta regra geral não é seguida, existe sempre uma norma a disciplinar como é que, então, se passam as coisas. É o que acontece, e a título meramente exemplificativo, na execução da prisão por dias livres ou em regime de semi-detenção (execução processualmente regulamentada, por forma exaustiva, nos artigos 487º e 488º do C. P. Penal), e na prestação de trabalho a favor da comunidade (cujo modo de execução no tempo está descrito no artigo 58º, nº 4, do Código Penal). Aliás, assim não poderia deixar de ser, em obediência ao secular princípio nulla poena sine lege. Com efeito, uma das consequências deste princípio traduz-se, precisamente, na circunstância de estar completamente vedado ao juiz, mesmo que este utilize argumentos da mais esclarecida e avançada consciência político-criminal, criar instrumentos sancionatórios criminais que se não encontrem estritamente previstos em lei anterior. Ou seja, a definição e o modo de aplicação das penas estão balizados pelo princípio da legalidade. O catálogo das penas (como o dos crimes), e do seu modo de execução, é taxativo e estabelecido, necessariamente, por lei (cfr. o disposto nos artigos 29º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, e 1º do Código Penal). Ora, no caso da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, a lei não prevê qualquer possibilidade de diferir no tempo, para ocasião mais cómoda para o condenado, o cumprimento do período de inibição, designadamente na modalidade estabelecida na sentença recorrida (de que a inibição seja cumprida fora do horário laboral - necessariamente, portanto, nos fins-de-semana e/ou nas férias). O normativo contido no artigo 69º do Código Penal não prevê a possibilidade da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor poder ser cumprida em fins-de-semana, nas férias ou em outros dias livres, nem tal possibilidade é aberta por qualquer outra disposição legal. Pelo contrário, e como antes ficou exposto, as disposições legais relativas ao modo de cumprimento de tal pena acessória apontam, indiscutivelmente, para a necessidade da execução contínua da proibição de condução em análise. Como bem refere, a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 226, nota nº 8 ao artigo 69º), “a proibição tem um efeito contínuo, como resulta do artigo 500º, nº 4, do CPP e do artigo 138º, nº 4, do CE”. Mais salienta este autor (mesma obra e local) que, por isso, “a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos (…), nem pode ser diferido o início da respectiva execução” – cfr., neste mesmo sentido, além da jurisprudência citada na anotação agora reproduzida, o Ac. R.P. de 10-12-1997, in CJ, 1997, Tom. V, pág. 239, e o Ac. R.G. de 10-03-2003, in CJ, 2003, Tomo II, pág. 285). Por conseguinte, a decisão constante da sentença recorrida, que permite que a pena acessória de proibição de conduzir seja cumprida fora do horário laboral do arguido, é de alterar, tal como pretendido no recurso interposto. Alega o arguido, na resposta ao recurso, que o modo de execução contínuo da pena de proibição de conduzir contende com o exercício do seu direito ao trabalho, constitucionalmente protegido no artigo 58º da Constituição da República Portuguesa. Estabelece o artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Por sua vez, o artigo 58º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa refere que “todos têm direito ao trabalho”. Preceitua o artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2). Por último, traduzindo a reprodução, ao nível da lei ordinária, do comando constante do artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, dispõe o artigo 65º, nº 1, do Código Penal, que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”. Aplicando estes normativos ao caso dos autos, há que salientar, em primeiro lugar, que nenhum ponto da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (matéria de facto esta não impugnada nem questionada no recurso ou na resposta do arguido ao mesmo) nos permite concluir pela perda de emprego por parte do arguido em consequência do cumprimento da proibição de conduzir em questão. A este propósito, ficou apenas provado que “para efeito do exercício da sua actividade profissional, o arguido necessita da sua carta de condução, já que nas suas funções estão incluídas deslocações diárias ao aeroporto de Faro (para ir buscar clientes da sua entidade patronal) ”. Na verdade, e desde logo, como é da experiência comum, o arguido sempre poderá efectuar outras tarefas ou exercer outras funções na empresa onde trabalha (uma “rent-a-car”), que não necessitem da sua condução. Além disso, e repete-se, nada nos permite dizer, face aos factos provados, que o arguido perderá o seu emprego em consequência da proibição de conduzir imposta na sentença sub judice. Em segundo lugar, levando a tese do arguido às últimas consequências, chegaríamos à absurda conclusão de que, quando fosse aplicada a um cidadão uma pena privativa de liberdade, resultaria violado, por forma constitucionalmente inadmissível, o “direito ao trabalho” desse cidadão (sobretudo se ele, em liberdade, tinha um emprego, emprego que perdeu com a privação de liberdade). Salvo o devido respeito, a alegação do arguido carece de sentido. Com efeito, embora a Constituição da República Portuguesa garanta o direito ao trabalho, não é menos certo que permite a limitação a esse direito em caso de cumprimento de pena ou medida de segurança. Não há dúvidas que, no caso da proibição de conduzir veículos com motor em causa nestes autos (sanção prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal), estamos perante uma pena acessória, pois a mesma pressupõe a aplicação de uma pena principal (prisão ou multa - cfr. o disposto no artigo 292º, nº 1, do mesmo Código Penal). Por sua vez, o “direito ao trabalho”, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia, e, por outro lado, se impõe ao Estado o cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado em virtude de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora, a esta luz, a constrição do direito ao trabalho que possa resultar para o arguido da aplicação da medida sancionatória em causa apresenta-se, de um ponto de vista constitucional, como plenamente justificada. Tal justificação resulta da circunstância de a sanção de proibição (temporária) de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, quer, por um lado, na perspectiva do arguido, a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade, posto que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, como que “compensá-la” do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução em estado de embriaguez. É claro que não pode esquecer-se o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais e a sua ponderação relativa, onde avultam, neste caso, de um lado, o direito ao trabalho, e, de outro lado, a justificação de restrições a direitos fundamentais que a aplicação das penas implica. No que diz respeito à primeira vertente assinalada, contrariamente ao que alega o arguido, o conteúdo essencial do direito ao trabalho, que o recorrente vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da proibição de condução por 4 meses, não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto do direito ao trabalho com a protecção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação da pena acessória infligida - não redunda na aniquilação, ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho. No tocante à segunda vertente descrita, é inquestionável que se pretendem proteger, com a aplicação da sanção acessória de proibição de condução, bens ou interesses de grande relevo e constitucionalmente protegidos (por exemplo, a vida e a segurança das pessoas), sobretudo em face da dimensão do risco que para esses bens a conduta criminosa de condução de veículo em estado de embriaguez comporta, pondo em causa a vida, a integridade física e a segurança de todos os que circulam nas estradas. Daí que a alegada violação do direito ao trabalho, tal como é sustentado pelo arguido, não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação que a este direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses de grande relevo e constitucionalmente protegidos. Acresce que, não estando o arguido perante qualquer perda do direito de conduzir, mas apenas perante uma proibição temporária (quatro meses) do exercício da condução, não pode considerar-se que a sua liberdade de exercer o trabalho esteja postergada ou limitada de forma desproporcionada e desadequada. O núcleo essencial do direito ao trabalho do arguido está, por conseguinte, plenamente assegurado. Por último, não está proibido pela Constituição da República Portuguesa a possibilidade de a lei definir como penas (ou medidas de segurança) a privação definitiva ou temporária de direitos. O que o artigo 30º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, proíbe, isso sim, é, tão-só, a perda automática desses direitos (civis, profissionais ou políticos), ou seja, a perda como consequência automática de uma condenação penal. Neste ponto, o que decorre da nossa Lei Fundamental é que as penas devem ser aplicadas em função de uma prévia decisão judicial, tomada de acordo com as regras pertinentes em matéria penal, decisão judicial essa na qual, necessariamente, têm que ser respeitados os princípios da culpa, da tipicidade, da proporcionalidade e da necessidade. O relevante, neste aspecto, é que a duração da proibição de condução varie consoante a gravidade da infracção. Ou seja, o aplicador da pena inibitória tem de ponderar as circunstâncias da infracção por forma a adequar o tempo da proibição em causa. Como muito bem se escreveu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 362/92 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 08 de Abril de 1993), não se está, no presente caso, "perante um efeito ope legis da condenação por certos crimes (…) que leve à perda do direito de conduzir veículos, mas, antes, perante um tipo de conduta (condução de veículo sob o efeito do álcool) que, sendo valorada para a condenação, pelo crime que integra, deve também poder ser apreciada complementarmente para, segundo os mesmos critérios de justiça, permitir a aplicação pelo tribunal da medida de inibição temporária de condução, enquanto pena acessória”. A aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, como é bom de ver, não decorre automaticamente, e sem qualquer intervenção jurisdicional (ou seja, como um efeito necessário), da imposição da pena aplicada pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez. A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa pena acessória, ainda que no seu limite mínimo, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, colisão com a proibição de automaticidade. A necessidade da adequação da proibição de conduzir a cada caso concreto revela que esta pena acessória se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada às penas de prisão ou de multa se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para estas últimas. Isto é, a aplicação da proibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação das penas de prisão e de multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, e a determinação da medida concreta do período de proibição de conduzir rege-se pelos mesmos critérios seguidos para a determinação da medida concreta da pena principal. Em jeito de síntese de tudo o que se deixa dito, atenta a natureza do crime em questão, com a inerente perigosidade decorrente da conduta nele pressuposta, surge como adequada e proporcional a sanção de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer, no caso concreto, a perda de emprego por parte do arguido. Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afectar o seu emprego, são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena pretende prevenir. Conclui-se, assim, que a norma constante do artigo 69º do Código Penal, na interpretação (que sufragamos) de que a execução da pena acessória aí prevista tem de ser contínua, não viola qualquer disposição da Constituição da República Portuguesa. Posto tudo o que precede, entendemos que o recurso merece total provimento, isto é, a sentença recorrida é de revogar na parte em que exclui do período de proibição de condução o período de tempo em que o arguido esteja a desenvolver a sua actividade profissional, sendo, pois, de condenar o arguido na pena acessória de proibição de condução pelo período de 4 meses (tal como fixado na sentença em causa), mas contínuos, sem interrupções ou excepções (ao contrário do decidido na mesma sentença). III - DECISÃO Pelo exposto, e julgando totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, decide-se alterar a sentença recorrida (quanto ao modo de execução da pena acessória de proibição de conduzir), condenando-se o arguido J nos seguintes termos (e quanto ao referido aspecto): - Na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses, em execução contínua, sem interrupções ou excepções (e, obviamente, sem a intervenção da secção de processos determinada, neste ponto, na sentença revidenda). Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida. Sem tributação. Évora, 27 de Setembro de 2011. (João Manuel Monteiro Amaro - Maria de Fátima Mata-Mouros)