Procº nº 252/08.8TALQ.E1 ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Relatório Nos presentes autos com o número acima mencionado, do 1º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A que foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, na condição de entregar no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado a quantia de € 1.000,00 (mil euros) à Associação B, a comprovar nos autos no mesmo prazo, nos termos do art. 50º, nºs 1, 2 e 5 do C.Penal e absolvido por ilegitimidade da instância cível. Os pedidos de indemnização civil foram julgados parcialmente procedentes, porque parcialmente provados e, em consequência, foi condenada a demandada Companhia de Seguros C no pagamento das seguintes quantias: (i) € 55,000,00 à demandante D a título de danos patrimoniais; (ii) € 45.000,00 à demandante E a título de danos patrimoniais; (iii) € 70.000,00 a ambas as demandantes a título de dano não patrimonial pela perda do direito à vida; (iv) 15.000,00 à demandante E a título de danos não patrimoniais próprios; (v) € 18.000,00 à demandante D a título de danos não patrimoniais próprios. Inconformado o arguido recorreu tendo concluído do seguinte modo: “A) Rege o julgamento penal o princípio “in dubio” que impõe a absolvição do arguido, perante a menor dúvida que se funde na presunção de inocência constitucional. B) Neste caso, a sentença recorrida julgou por presunção judicial, com base na refutação das declarações do arguido, conjugada com os vestígios assinalados no “croqui” policial. C) Mas a versão do arguido não é absurda, e baseia-se precisamente na circunstãncia de estar evidenciado nesse “croquis” a presença de uma mancha de sangue, de derrame directo de ferida do corpo da vítima, doze metros para além do local onde ficou caída. D) Se esta circunstância não autorizar crédito à versão do arguido, de ter sido a vítima colhida por outro automóvel e se o local onde apareceu esta mancha, não 12 metros depois, mas 12 metros antes do local onde foi encontrado o corpo do ofendido, pelo menos instala uma dúvida insanável quanto à matéria dada como provada. E) Dúvida que tem por base não só a metodologia que levou à convicção, como o relato dos próprios factos feito pelo recorrente, na conjugação também com os vestígios assinalados no croquis. F) Assim sendo, deve o arguido ser abolvido, tendo em conta a aplicabilidade directa do disposto no art. 32º nº 2 da CRP, visto o art. 18/1 da lei Fundamental. G) E salienta-se, ainda que, a desconsideração das declarações do arguido, face aos elementos constantes do “croquis” de fls. 15 infringe o princípio da presunção de inocência, como se disse, garantia fundamental prevista no art. 32º nº 2 da CRP, sendo também violado o estatuído no art. 374º nº 2 do CPP. H) E, deste modo, a aplicação ao caso do art. 127º do CPP, sob esta perspectiva implica que do preceito se retire uma norma inconstitucional, precisamente por violar aquela garantia. I) Por dever de patrocínio, é alegado, sem conceder a favor do recorrente a pena excessiva a que foi condenado, devendo, no limite, e também sem conceder, ser graduada muito próxima do mínimo, deixando de estar condicionada a suspensão ao contributo para a Associação B”. A assistente respondeu ao recurso alegando que o recorrente carece de razão. O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo: “1.Ao fixar a matéria de facto nos exactos termos em que o fez, o tribunal a quo valorou correcta e criteriosamente a prova pessoal produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como a prova documental constante dos autos, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem do princípio da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. 2. O tribunal a quo explana longa e detalhadamente, em concreto, as razões que o levaram a dar como provado o facto nº 3 relativo à condução do veículo dirigido pelo recorrente para a meia faixa de rodagem à sua esquerda. 3. A versão apresentada em audiência de julgamento pelo recorrente quanto à existência de uma terceira pessoa envolvida no atropelamento da vítima reveste reduzida verosimilhança, à luz das regras da experiência comum e no confronto com a demais matéria de facto julgada provada e não provada. 4. Pelo que a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá, no essencial, permanecer inalterada. 5. Na existe na douta sentença recorrida que evidencie ter ficado num estado de dúvida acerca da autoria do recorrente na prática do crime em causa, pelo que não tem qualquer aplicação o princípio do in dubio pro reo. 6. Pelo que não deverá o recorrente ser absolvido do crime de homicidio por negligência pelo qual foi condenado, pungando-se pela manutenção da decisão da sentença recorrida. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantida a douta sentença recorrida”. A Companhia de seguros C recorreu, tendo concluído do seguinte modo: “1.O tribunal a quo condenou a Tranquilidade no pagamento de € 55.000,00 a D a título de danos patrimoniais e € 45.000,00 a E a título de danos patrimoniais; 2. Resulta do documento de fls… (carta da Companhia de Seguros F, com carimbo de entrada no Tribunal Judicial do Cartaxo a 26.04.2012) e do auto de conciliação que as demandantes receberam quantias a título de indemnização da Companhia de Seguros F; 3. Assim, à demandante E a título de danos patrimoniais deveriam ser deduzidos, em sede de condenação, € 11.292,88 (onze mil duzentos e noventa e dois euros e oitenta e oito cêntimos) e à demandante D deveriam ser deduzidos, sem sede de condenação, € 15.403,28 (quinze mil quatrocentos e três euros e vinte e oito cêntimos), quantias estas recebidas da Companhia de Seguros F de acordo com os cálculos supra. 4. Caso contrário, nos exactos termos da sentença, há lugar a uma duplicação de indemnizações. (que repita-se, não são cumuláveis); 5. A Tranquilidade deveria ser condenada a pagar, sob pena de duplicação da indemnização, apenas as seguintes quantias: € 39.596,72 a D a título de danos patrimoniais e € 33.707, 12 a E a título de danos patrimoniais; 6. Com efeito a sentença é nula, uma vez que os seus fundamentos estão em manifesta oposição com a decisão, na medida em que o Tribunal a quo reconhece que as indemnizações não são cumuláveis (mas complementares) e não extrai as devidas e legais consequências – cfr. art. 668, nº 1, al. c) do CPC; 7. Ainda que assim não se entenda, o Tribunal a quo ao condenar a Tranquilidade no pagamento da totalidade das quantias a título de danos patrimoniais, sem deduzir os valores já recebidos pelas demandantes e, reconhecendo que as indemnizações não são cumuláveis, violou expressamente os arts. 483º, 495º, nº 3, 562º, 563º, 564º do Código Civil. 8. O Tribunal a quo condenou também a Tranquilidade no pagamento de € 70.000,00 a ambas as demandantes a título de dano não patrimonial pela perda do direito à vida. 9. Porém, a união de facto (in casu, a demandante D) não tem direito à indemnização pelo dano privação da vida. 10. À data dos factos (data da morte) as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto não estavam em vigor. 11. O tribunal a quo quis substituir-se ao legislador e à sua vontade (que propositadamente criou traços distintivos entre duas figuras jurídicas, o casamento e a união de facto. 12. Sendo certo que o art. 12º do CCivil dispõe que “ a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe sejam atribuídos efeitos retroactivos, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”. 13. Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou expressamente o art. 12º do Cód. Civil, aplicando as alterações introduzidas e pela Lei nº 23/2010 de 30 de agosto a factos anteriores à sua entrega em vigor, bem como violou os arts. 496º, nº 1, 3 e 4 do cód. Civil. Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada, nos precisos termos expostos, reduzindo a condenação da demandada Tranquilidade ao pagamento de € 39.596,72 a D a título de danos patrimoniais e € 33.707,12 a E a título de danos patrimoniais, e absolvendo-a do peticionado pela demandante D a título de direito à indemnização pelo dano privação de vida”. A demandante D por si e em representação de sua filha interpôs, na parte respeitante à decisão do pedido cível, recurso subordinado, tendo concluído do seguinte modo: 1. Tendo em consideração os factos provados, nomeadamente os rendimentos de G e a forma como este os afectava em benefício do seu agregado familiar composto por ele e pelas duas Assistentes, bem como o seu tempo expectável de vida - 32 anos - justifica-se a ampliação do valor dos danos patrimoniais fixados na sentença recorrida para: - 125.231,44 euros, a favor da demandante D; - 60.112,16 euros, a favor da demandante E. 2. As quantias arbitradas na sentença recorrida, 45.000,00 euros a favor da menor E e 55.000,00 euros a favor da D, são manifestamente insuficientes e violam os princípios definidos nos arts. 562º, 564º, nº 2, e 566º do CC. 3. Tendo em consideração factos provados nºs. 33, 34, 35 e 36 relativamente à filha menor e nºs. 38, 39, 40, 41, 42 e 43 relativamente à D, justifica-se a ampliação do valor arbitrado na sentença a título de indemnização pelos danos não patrimoniais para 60.000,00 euros, sendo metade a favor de cada uma das Assistentes. 4. As quantias arbitradas na sentença recorrida, 15.000,00 euros a favor da menor E e 18.000,00 euros a favor da D, são manifestamente insuficientes e violam os princípios definidos nos arts. 562º, 564º, nº 2, e 566º do CC. Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso subordinado e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, na parte respeitante aos valores fixados a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais - mantendo-se o valor indemnizatório fixado pela perda do direito à vida - condenando-se a demandada cível no pagamento das seguintes quantias: A título de danos patrimoniais, 125.231,44 euros a favor da demandante D e 60.112,16 euros a favor da demandante E. A título de danos não patrimoniais, 60.000,00 euros, sendo metade a favor de cada uma das Assistentes. II. Fundamentação de facto · Factos provados Da prova produzida e com interesse para a boa decisão da causa resultou provado que: 1. No dia 28 de Outubro de 2008, pelas 23 horas e 40 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 54-06-LD, pela EN 3, no sentido Carregado/Azambuja. 2. O tempo estava seco e o piso em bom estado. 3. Ao km 7,590 daquela estrada, área desta comarca, num local onde a mesma é recta, com uma faixa de rodagem com 11,600 metros de largura, com o limite de velocidade de 90 km/h, e onde não há qualquer iluminação pública, o arguido conduziu o veículo para a meia faixa de rodagem à sua esquerda. 4. Por isso e porque guiava desatento, o arguido não verificou que, vindo das instalações da empresa (…), o peão G, atravessava a estrada em que A seguia, encontrando-se já em plena hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado. 5. Assim, ao predito quilómetro, ao deparar-se com G, o arguido não conseguiu que o veículo por si conduzido o contornasse e, sem esboçar qualquer tentativa de travagem, embateu-lhe com a frente esquerda, zona da óptica, quando este ainda se encontrava na hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado. 6. G foi projectado para a berma à direita da meia faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Azambuja/Carregado, ficando imobilizado 87 metros depois do local do embate. 7. Como consequência directa e necessária dos factos descritos, G sofreu as lesões seguintes: i) Ao nível do hábito externo: - fractura com esfacelo da face e crânio, com início no vértice da pirâmide nasal e que se prolonga pelo osso frontal e atingindo o parietal; - fractura completa de todos os ossos do crânio e hemiface direita com exposição da massa encefálica; - desarticulação de ambos os membros superiores pelo ombro; - fractura exposta dos ossos da perna esquerda, com diástases dos topos ossos abaixo do joelho; - fractura exposta dos ossos da perna direita, do terço superior da mesma, sem diástases dos topos ossos; - fractura de ambos os maxilares, restando apenas o dente 21 do maxilar superior; ii) Ao nível do hábito interno: - infiltração sanguínea do que resta das meninges e leptomeninges; - amalgama correspondente ao que resta de massa encefálica; - fractura completa dos arcos costais anteriores à direita da segunda à sétima; - hemoperitoneu com cerca de 600 cc de sangue líquido e coágulos; - fractura do fígado, lobo hepático superior; - desgarro do baço. 8. As lesões traumáticas crânio-encefálicas, faciais e abdominais supra descritas foram causa adequada da morte de G. 9. O embate narrado aconteceu porque A preteriu as cautelas exigíveis pelo dever de cuidado que vincula todos os utentes das vias rodoviárias e, em particular, porque, não prevendo a possibilidade de atingir a vítima, conduziu o seu veículo sem a necessária atenção, para a meia faixa de rodagem no sentido contrário àquele em que seguia. 10. A agiu livre e conscientemente. 11. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento. 12. Nas descritas circunstâncias o arguido seguia a uma velocidade não apurada, mas pelo menos de 80/90 km/h. 13. Fazia o descrito percurso diariamente. 14. Não existe no local do embate nem a menos de 50 metros qualquer passagem destinada à travessia de peões. 15. Submetido a exame de sangue para despistagem de álcool e substâncias psicotrópicas o arguido acusou uma TAS de 0,22 g/l, sendo negativos os demais resultados. 16. Submetido a exame de sangue para despistagem de álcool e substâncias psicotrópicas G acusou uma TAS de 0,11 g/l. 17. A responsabilidade civil pelos danos a terceiros emergente da circulação rodoviária do veículo de matrícula 54-06-LD, conduzido pelo arguido A estava, na data do acidente, transferida para a Companhia de Seguros C pela Apólice n.º 0001603020. Mais se provou que: 18. O arguido não tem antecedentes criminais registados. 19. É titular de carta de condução para veículos de categoria B desde 21.12.1979, não tendo averbada a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave no seu registo individual de condutor. 20. É motorista, auferindo um rendimento mensal médio de € 600,00 a € 630,00. 21. Vive com a sua ex-mulher, com quem se reconciliou após o divórcio, com os quatro filhos do casal, de 10, 12, 19 e 21 anos de idade e com a sogra. 22. Os dois filhos mais velhos trabalham e os mais novos encontram-se a estudar. 23. A sua companheira trabalha na assistência a idosos, auferindo um rendimento não concretamente apurado, mas superior a € 400,00. 24. Vivem em casa própria da mãe da companheira. 25. Suporta uma prestação mensal de cerca de € 190,00 relativa a um crédito pessoal. 26. De habilitações literárias tem o 9.º ano. 27. G residia com D aproximadamente desde o ano 2000. 28. Dormiam juntos, tomavam as refeições, faziam compras para a casa, conviviam com os familiares e amigos, passavam as férias e as épocas festivas como se fossem casados entre si. 29. Assumiram sempre publicamente o seu relacionamento, como se de marido e mulher se tratassem. 30. Situação que se manteve ininterruptamente até ao falecimento de G. 31. Desse relacionamento nasceu, em 31.08.2001, uma filha, E, que vivia com eles. 32. G era um pai presente, que acompanhava o crescimento e a educação da filha. 33. A morte de G constituiu um choque emocional e causou profunda tristeza na filha, que foi acometida por frequentes crises de choro e abatimento. 34. E era, até ao falecimento do pai, uma criança extrovertida e feliz. 35. Após a morte de G a filha passou vários meses numa situação de grande fragilidade emocional. 36. A ausência do pai constitui ainda motivo de sofrimento e perturbação na vida de E. 37. D e G eram um casal feliz. 38. A súbita morte de G constituiu um choque emocional para D, agravado pela circunstância de ter sido chamada para reconhecimento do cadáver. 39. D sentiu-se profundamente triste com a morte de G e foi progressivamente entrando num estado de grande abatimento. 40. Perdeu o apetite e enfraqueceu fisicamente. 41. Em consequência do progressivo abatimento e enfraquecimento físico, D foi internada no Hospital de São José em 11 de Janeiro de 2010, onde permaneceu até 5 de Fevereiro do mesmo ano. 42. Até à morte de G, D era uma pessoa feliz e extrovertida e não tinha problemas de saúde. 43. Desde então passou a isolar-se e tornou-se uma pessoa abatida e triste, situação que se mantém. 44. À data da sua morte, G trabalhava na firma (…), tendo a categoria profissional de auxiliar de armazém. 45. Em Abril de 2008 auferia retribuição mensal no valor de € 660,00. 46. Auferiu, nesse mesmo mês, a quantia mensal de € 50,63 a título de subsídio nocturno. 47. Além disso, recebeu a quantia de € 126,00 a título de subsídio de alimentação. 48. Anualmente auferia ainda subsídio de férias e subsídio de Natal, de valor igual à retribuição. 49. À data da sua morte, G tinha 43 anos de idade. 50. Nessa mesma data, D tinha 39 anos de idade. 51. D encontrava-se, à data, desempregada, auferindo, pontualmente, rendimentos como artista plástica. 52. No ano de 2008 esses rendimentos atingiram o valor total de € 1.560,00. 53. G suportava, com o seu salário, as despesas com alimentação e vestuário de D e de E, bem como as despesas de educação desta última. 54. Residiam os três em casa dos pais de D. 55. No âmbito dos autos de Acidente de Trabalho derivados da morte de G que correram termos sob o n.º 613/08.2TTSTR, no 3.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, foi celebrado acordo nos seguintes termos: "A entidade seguradora pagará, com início em 29-10-2008, a cada um dos beneficiários legais do sinistrado, o seguinte: - À D a pensão anual de € 3.612,59, pensão actualizável para o ano de 2009 para o montante de € 3.717,36 para o ano de 2010 o montante de € 3.763,83 (...). - À menor E a pensão anual temporária de € 2.408,39, com início em 29-10-2008, pensão actualizável para os montantes de € 2.478,24 no ano de 2009 e € 2.509,22 para o ano de 2010. A companhia pagará um subsídio por morte no montante de € 5.112,00, sendo metade para a companheira em união de facto e metade para a filha menor (...)." *· Factos não provados Com interesse para a boa decisão da causa não se provou que: A) Ao km 7,590 da E.N. 3, sentido Carregado/Azambuja a faixa de rodagem tenha 10,500 metros de largura. B) O arguido imprimia ao veículo velocidade não inferior a 100 km/hora. C) No momento do embate a vítima encontrava-se já em plena hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado. D) O embate tenha acontecido porque o arguido imprimiu velocidade excessiva e inadequada à diminuta visibilidade naquele trecho da estrada ao seu veículo. E) Após a morte do pai, E perdeu o apetite e sofreu enfraquecimento físico. F) D tenha, em 11 de Janeiro de 2010, sofrido um acidente vascular cerebral. G) À data sua morte, a retribuição mensal de G fosse de € 660,00 e que recebesse em média a quantia mensal de € 50,63 a título de subsídio nocturno e a quantia de € 126,00 a título de subsídio de alimentação. H) G direccionasse um terço do seu rendimento em benefício da companheira e outro terço a favor da filha. I) D continue desempregada.*· Motivação da decisão de facto A convicção do Tribunal em relação à factualidade sob apreciação alicerçou-se na análise, confronto e ponderação da prova produzida em audiência de julgamento e dos documentos juntos aos autos e que a seguir se descriminam, à luz das regras da lógica e da experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso. Assim, no que se refere às características da via, dinâmica do acidente e respectivas consequências, o Tribunal atendeu às declarações do arguido e aos depoimentos das testemunhas H e I, militares da GNR que se deslocaram ao local após o acidente, tomando conta da respectiva ocorrência, elementos probatórios que foram conjugados e concatenados com os seguintes elementos já constantes dos autos: - O relatório de autópsia de fls. 162 a 164, do qual resultou a prova de todas as lesões sofridas pelo falecido, a nível de hábito externo e interno, bem como causa directa da sua morte; - O relatório do exame toxicológico efectuado ao arguido de fls. 122 (cfr. fls. 118), que detectou a presença de etanol numa taxa de 0,22 g/l; - O relatório do exame toxicológico efectuado a G de fls. 153, de onde resultou que o mesmo apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,11 g/l; - O auto de exame directo ao local, integrado por relatório fotográfico de fls. 127 a 129, o relatório fotográfico de acidente de viação de fls. 76 a 86, realizado imediatamente após e no local do acidente, as fotografias do veículo de matrícula 54-06-LD, de fls. 88 a 93, a participação de acidente, integrado pela respectivo croqui, de fls. 62 a 64, resultando dos mesmos exames/documentos a prova dos factos respeitantes: - às características da via, nomeadamente da zona onde ocorreu o acidente, designadamente no que se refere ao limite de velocidade, à inexistência de iluminação pública (conforme se visualiza a fls. 126); - aos danos sofridos no veículo 54-06-LD; - à localização do corpo da vítima. Concretizando: O arguido prestou declarações, das quais dimanou, com relevo, que seguia com o veículo em apreço na via onde ocorreu o acidente, no sentido Carregado/Azambuja, na sua faixa de rodagem, à velocidade de 80/90 km/h, quando, de repente, embate na vítima, com a zona do pisca esquerdo, sendo o corpo da mesma projectado primeiro para cima do veículo e depois para o seu lado esquerdo, tendo de imediato parado o veículo, não tendo realizado qualquer travagem antes ou após o embate. Sustentou ainda que imediatamente antes do embate se cruzou com veículos que seguiam em sentido contrário. Por outro lado, se bem que tenha começado por afirmar que a vítima vinha a correr, mais à frente acabou por referir que apenas a viu no momento do embate. Mais mencionou que, enquanto esperava pelas autoridades, veio um indivíduo, cuja identidade desconhece, ter consigo, dizendo-lhe que tinha acabado de atropelar um homem, desaparecendo imediatamente de seguida, sem que se tenha conseguido aperceber para onde se dirigiu ou em que veículo o mesmo se deslocava. Partindo da constatação de que ninguém, à excepção do arguido, assistiu à ocorrência do acidente, importava essencialmente aferir se a referida versão fazia ou não sentido em termos naturalísticos, atendendo, designadamente, à velocidade imprimida ao veículo, à violência das lesões sofridas pela vítima mortal, aos danos produzidos no veículo, à distância que mediou entre a zona onde foram detectadas as manchas de sangue no solo e o local onde o veículo conduzido pelo arguido acabou por parar, às condições atmosféricas e da via e, bem assim, à localização dos demais vestígios encontrados no local. Sucede que esta versão conflitua desde logo com a localização dos vestígios detectados no local, conforme emerge do croqui do acidente de viação constante de fls. 64, cujo teor foi devidamente corroborado pelo militar que o elaborou, a testemunha H, que acorreu ao local imediatamente após a ocorrência do acidente, e que, de forma segura, isenta e objectiva, esclareceu que todos os vestígios do acidente se encontravam ao eixo da via, para o seu lado esquerdo (em consonância com o que resulta do croqui), não existindo quaisquer outros vestígios na faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido de marcha do arguido. Ora, se o facto do embate se ter dado com o lado esquerdo do veículo, conforme o documentam, designadamente as fotografias de fls. 83 a 86, pode explicar a projecção do corpo da vítima nessa direcção, a verdade é que já não explica porque razão é que todos os demais vestígios, designadamente as peças do veículo, se localizam também na faixa da esquerda, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, já totalmente fora da faixa de rodagem destinada à sua circulação. Com efeito, o normal, de acordo com as regras da experiência comum, é esses vestígios começarem no local do embate. Mesmo que se admita que alguns vestígios pudessem ter sido arrastados por outros veículos que entretanto tenham passado no local, uma vez que as autoridades competentes (desde logo o militar H) apenas chegaram alguns minutos depois da ocorrência, dificilmente se alcança, atento o curto hiato temporal decorrido, que isso tivesse sucedido com todos eles, de modo a que no suposto local do embate (atenta a versão do arguido) não restasse o mais pequeno sinal da sua ocorrência. Sob outra perspectiva, atentos os danos que do embate resultaram para o veículo conduzido pelo arguido, não faz sentido a versão, em audiência aventada por este, de que o corpo da vítima pudesse ter sido projectado por uma qualquer outra viatura que seguisse em sentido contrário. Na verdade, a circunstância dos danos detectados no veículo do arguido se estenderem desde o pára-choques até ao tejadilho indiciam um embate com um corpo erguido e não com um corpo projectado, em velocidade, por um outro veículo, para mais quando é certo, em face do rasto de sangue deixado no veículo do arguido e foi admitido pelo próprio, que a primeira zona de embate foi precisamente o pára-choques. Por outro lado, não faz igualmente sentido que esse embate num segundo veículo que seguisse em sentido contrário tivesse ocorrido após o embate no veículo do arguido, já que os vestígios encontrados no local e o posicionamento final da vítima revelam que a mesma foi projectada por um veículo que seguia no sentido Carregado/Azambuja, e não o oposto. Ademais, resultou do depoimento da testemunha H, que não foram encontrados vestígios de qualquer outra viatura no local, como seria normal que sucedesse caso tivesse havido um outro embate envolvendo outra viatura. Acresce que, vindo a vítima das instalações da empresa (…) - circunstância que não foi colocada em causa por ninguém e que se afigura compatível com o facto da mesma trabalhar nesse local, conforme se afere pelo contrato de trabalho de fls. 233 a 236, atento o respectivo horário de trabalho (cfr. certidão do auto de conciliação de fls. 366 a 371) - a travessia da via ter-se-á iniciado pela faixa de sentido contrário (Azambuja/Carregado), o que infirma a versão do arguido de que a vítima surgiu de forma repentina imediatamente após o cruzamento com outros veículos que seguiam em sentido contrário ao seu, que deixa por explicar em que momento é que a vítima teria percorrido toda a faixa contrária, já que a mesma teria estado praticamente até ao momento do embate ocupada por veículos. A não ser que a vítima já estivesse no eixo da via nesse momento, mas neste caso não se vê como é que o arguido, seguindo atento, poderia não a ver a tempo de desviar o carro. Nenhuma outra prova foi produzida que permitisse corroborar a versão confusa e pouco concretizada do arguido. Sobre esta matéria foi ainda inquirido o militar I, que esclareceu ter chegado ao local do acidente cerca de 1 hora após a sua ocorrência, e que, se bem que, pela isenção demonstrada, tenha merecido a confiança do Tribunal, apenas revelou ter conhecimento dos factos documentados nas fotografias que então tirou e das condições da via. Em face do que se deixou dito, designadamente dos vestígios encontrados na via (e sua localização) e deixados no veículo conduzido pelo arguido, não ficou, pois, o Tribunal com dúvidas de que os factos ocorreram conforme descrito na acusação, com excepção dos atinentes à velocidade que o arguido imprimia ao veículo no momento do embate, por não ter sido produzida prova cabal da mesma, já que o arguido sustenta que seguia a 80/90 km/h e não foi realizada qualquer perícia que permita afastar essa versão, não se afigurando suficiente para concluir nesse sentido a constatação, sem mais, de que o corpo da vítima se imobilizou a 87 metros do local do embate. A prova dos factos relativos ao elemento subjectivo resultou dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, sendo certo que, além disso, qualquer homem medianamente diligente e sagaz, como se presume, até pela sua postura e actividade profissional, ser o caso do arguido, sabe que os factos em equação nos presentes autos constituem crime. A inexistência, no local, de zonas destinadas à travessia de peões resultou dos depoimentos das testemunhas H e I. Quanto à situação sócio-económica do arguido, atendeu-se às declarações do próprio, as quais se afiguraram nesta parte sinceras e se revelaram conformes às regras da experiência comum, quanto aos seus antecedentes criminais ao CRC de fls. 340, quanto à ausência de cadastro rodoviário à informação de fls. 219/220 e quanto à data em que obteve carta de condução à cópia do respectivo documento de fls. 71. Já quanto aos factos respeitantes ao pedido cível, atendeu-se aos depoimentos das testemunhas J, vizinho e amigo de D, e K, pai de D e avô de E, em casa de quem as mesmas se encontram a viver, o que já sucedia em vida da vítima, que aí também residia. Com efeito, se bem que o primeiro tivesse um contacto mais próximo com D do que com a vítima, não hesitou em confirmar o relacionamento de ambos, também descrito em audiência por K, em termos que lograram convencer o Tribunal, revelando-se consentâneos com a existência de uma filha em comum (certidão de fls. 241) e resultando corroborados pela própria morada indicada pela vítima no contrato de trabalho (cfr. fls. 233), que corresponde à residência da testemunha K (cfr. fls. 251 e 252). Em face dos descritos depoimentos e atenta a natureza das relações existentes entre as demandantes e a vítima, não teve o Tribunal também dúvidas em considerar provada a factualidade atinente ao sofrimento causado por um evento desta natureza nas mesmas, em consonância com as regras da normalidade social. Assim, a este nível o Tribunal apenas não ficou convencido que esta situação tenha determinado perda do apetite e enfraquecimento físico da menor, por não ter sido espontaneamente referido por nenhuma das testemunhas, nem haver nos autos documentos clínicos que o comprovem. Outro tanto se diga quanto à circunstância de D ter sofrido um acidente vascular cerebral, que não se encontra clinicamente documentado, como se impunha, nem foi referido por nenhuma das testemunhas. Daí que o Tribunal apenas tenha considerado provado o internamento pelo período referido, conforme se afere da declaração médica de fls. 232. Por outro lado, o reconhecimento do corpo da vítima por parte de D encontra-se documentado a fls. 7, resultando das regras da experiência comum que tal circunstância, para mais atentas as mazelas físicas da vítima, constitui um factor de sofrimento acrescido. Para aferir da actividade e rendimentos do falecido, teve-se em consideração o teor do contrato de trabalho de fls. 233 a 236 e o recibo de vencimento de fls. 237, de onde, no entanto, apenas resulta o valor dos rendimentos auferidos no mês de Abril de 2008, pelo que não foi possível ao Tribunal aferir do valor médio dos diversos componentes da retribuição. A idade do falecido, da companheira e da filha resultou das certidões de fls. 238/239, 249/250 e 240/241, respectivamente. Os rendimentos auferidos em 2008 por D foram apurados com base na declaração de IRS pela mesma entregue nesse ano, na declaração de retenção e na cópia dos recibos emitidos pela mesma, constantes de fls. 243 a 246. Acresce que, atento o valor dos rendimentos pela mesma declarados em 2007, documentados a fls. 247/248, bem como o depoimento de K, não subsistem dúvidas de que era o arguido quem, no essencial, provinha ao sustento daquela e da filha de ambos, não se tendo, no entanto, apurado o montante da respectiva contribuição, por não ser matéria de que as testemunhas indicadas tivessem demonstrado conhecimento. Atendeu-se ainda à apólice de seguro junta aos autos para apuramento da transferência da responsabilidade emergente de acidentes de viação do veículo de matrícula 54-06-LD e à certidão do auto de tentativa de conciliação de fls. 366 a 371 do processo laboral por acidente de trabalho decorrente do sinistro que vitimou G. De referir ainda que a factualidade não provada resulta do que supra se expôs, sendo de salientar que se considerou não provado o facto da vítima já se encontrar em plena hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado, alterando-se esse facto no sentido de ficar a constar que a mesma ainda se encontrava nessa hemi-faixa, por a primeira redacção ser susceptível de criar a convicção de que a travessia tinha acabado de se iniciar, o que não é compatível com a localização dos vestígios, ainda perto do eixo da via. III- Apreciação do Recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação, artº 412º, nº 1 do CPPenal. As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância da recorrente em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito e por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac.STJ de 19-6-96, in BMJ 458,98). Perante as conclusões do recurso as questões a decidir são as seguintes: 1ª- Da pretensa impugnação da matéria de facto e da valoração da prova relativa ao acidente (recurso do arguido); 2ª- Da medida da pena (recurso do arguido); 3ª- Se às quantias fixadas por danos patrimoniais futuros às demandantes devem ser subtraídas as quantias pagas pela Companhia de Seguros F (Companhia de Acidentes de trabalho) (recurso da Seguros C); 4ª- Do montante da indemnização arbitrado a D a título de dano não patrimoniais pela perda do direito à vida do seu companheiro (recurso da Companhia de seguros C); 5ª- Da indemnização por danos patrimoniais futuros (recurso subordinado das demandantes); 6ª- Da indemnização por danos não patrimoniais próprios das demandantes (recurso subordinado das demandantes). 1ª- Da pretensa impugnação da matéria de facto e da valoração da prova relativa ao acidente (recurso do arguido); O arguido/recorrente alega que, a vítima teria sido atropelada por outra viatura que circulava no sentido Azambuja- Carregado na faixa de rodagem da esquerda (atento o sentido de marcha do arguido), tendo o corpo sido projectado “contra o lado esquerdo da frente do automóvel que o recorrente conduzia, aí onde terá embatido em voo para depois subir pelo capot”. Mais alega que, do croqui elaborado pelas autoridades policiais consta a existência de uma mancha de sangue 12 metros, após o local onde o corpo da vítima foi encontrado, o que em seu entender, significa que a vítima teria sido colhida por outro automóvel. Este facto permitiria aceitar como boa a versão do arguido, ou pelo menos criar uma dúvida insanável quanto à matéria dada como provada, pelo que o arguido devia ter sido absolvido. O recorrente quando impugna a matéria de facto deve nos termos do art. 412º, nº 3 e 4 do CPPenal especificar: a) Os concretos pontos de factos que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. c) As provas que devem ser renovadas: As especificações a que se alude nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, se esta contiver essa indicação, art. 412º nº 3. Se a acta não contiver essa referência, o recorrente deve identificar e transcrever nas motivações de recurso as ditas passagens. O legislador não exige apenas que o recorrente indique as provas que permitam uma decisão diversa, mas que imponham uma diversa apreciação da matéria de facto. E compreende-se que assim seja, dado que o recurso não visa um novo julgamento sobre toda a matéria de facto, ou melhor, não pressupõe uma reapreciação de todos os elementos de prova prestados em audiência, que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto, que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. A apreciação da prova pelo tribunal da primeira instância beneficiou dos princípios da imediação e oralidade. O primeiro, pressupõe um contacto directo entre o julgador e as pessoas que perante ele depõem e é essa relação de proximidade que confere ao tribunal do julgamento em primeira instância os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes. O segundo exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento se realizem oralmente, de modo que todas as prova excepto, naturalmente, aquelas cuja natureza não o permite terão de ser apreendidas pelo julgador por forma auditiva. Como salienta, o Professor Figueiredo Dias, na obra citada, pág. 233 e 234, " só os princípios da oralidade e imediação (---) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais". Neste sentido, se pronunciou o Ac.Rel. Porto de 5-6-02, in Procº nº 210320, in www.dgsi.pt, onde se escreve: ".... não podemos deixar de estar vinculados àquela situação de privilégio de que desfrutam os julgadores na primeira instância (....) o recurso não traduz uma repetição do julgamento, com análise de prova, mas sim um remédio para as situações que patenteiam erro de julgamento. Com efeito, o tribunal de recurso sofre um certo handicap relativamente ao tribunal perante o qual se produziu directamente a prova, onde têm pleno cabimento os princípios da imediação e da oralidade, complementados pelos do contraditório, livre apreciação da prova e in dubio pro reo. A prova escrita não consente a percepção do que aconteceu e não é escrito...os olhares, os esgares, as hesitações, o recato feito de personagem com papel bem desempenhado". Se a decisão de facto do julgador está devidamente fundamentada, sem vícios e é uma das soluções plausíveis, segundo a razão e as regras da experiência, então, a mesma é inatacável, visto ser proferida em obediência á lei, que impõe o julgamento segundo a sua livre convicção. Assim sendo, não basta que o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção do tribunal recorrido, através de argumentos donde se possa inferir que outra versão era possível, é necessário que demonstre que se impõe outra convicção e que a perfilhada pelo tribunal constitui uma impossibilidade lógica, uma violação das regras da experiência comum. O recorrente não indicou desde logo os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, pelo que não deu cumprimento ao disposto no art. 412º nºs 3 e 4 do CPPenal, logo a matéria de facto não pode ser modificada nos termos do art. 431º al. b) do mesmo diploma. No entender do recorrente, toda a matéria de facto relativa à dinâmica do acidente foi incorrectamente julgada, no entanto, também não se nos afigura que a sua argumentação coloque em crise a apreciação da prova realizada pelo tribunal a quo. Alega o recorrente que, a vítima teria sido atropelada por outra viatura que circulava no sentido Azambuja- Carregado na faixa de rodagem da esquerda, tendo o corpo sido projectado “contra o lado esquerdo da frente do automóvel que o recorrente conduzia, aí onde terá embatido em voo para depois subir pelo capot”. Não existe qualquer prova nos autos, a não ser na versão do arguido, que foi devidamente afastada pelo tribunal da primeira instância, de que outra viatura para além da do arguido interveio no acidente, dado que não foram encontrados na via vestígios de qualquer outra viatura na via, o que seria normal que sucedesse, caso tivesse havido um embate envolvendo outra viatura. Por outro lado, das fotografias constantes dos autos do veículo do arguido, e dos vestígios de sangue deixados na via, não há dúvidas que o veículo do arguido embateu na vítima, que foi projectada a uma distância de 87 m para a berma contrária. Como consta da fundamentação da decisão recorrida, o que corroboramos “atentos os danos que do embate resultaram para o veículo conduzido pelo arguido, não faz sentido a versão, em audiência aventada por este, de que o corpo da vítima pudesse ter sido projectado por uma qualquer outra viatura que seguisse em sentido contrário. Na verdade, a circunstância dos danos detectados no veículo do arguido se estenderem desde o pára-choques até ao tejadilho indiciam um embate com um corpo erguido e não com um corpo projectado, em velocidade, por um outro veículo, para mais quando é certo, em face do rasto de sangue deixado no veículo do arguido e foi admitido pelo próprio, que a primeira zona de embate foi precisamente o pára-choques”. Mais alega que, do croqui elaborado pelas autoridades policiais consta a existência de uma mancha de sangue 12 metros, após o local onde o corpo da vítima foi encontrado, o que em seu entender, significa que a vítima teria sido colhida por outro automóvel. Cremos que também não assiste razão ao arguido, quanto a este ponto. Na verdade, o movimento descontrolado da vítima após o embate com a viatura do arguido, que foi projectada para uma distância de 87 metros, face às lesões que apresentava descritas no nº 7 da matéria provada constitui uma razão plausível, a nosso ver, para a mancha de sangue encontrada após o local onde o corpo foi encontrado. E não temos dúvidas, que essa mancha de sangue não pode justificar a versão dos factos defendida pelo arguido, uma vez que tal implicaria que a vítima aí tivesse sido embatida por um veículo que circulava no sentido contrário ao do arguido, que tivesse sido projectada 99 metros até ser embatida pelo veículo do arguido, após o que foi projectada novamente 87 metros até ao local onde foi encontrada, versão que não assenta em qualquer meio de prova e que constitui um absurdo. A argumentação do recorrente não põe em crise a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, pelo que se impõe manter a decisão. 2ª- Da medida da pena (recurso do arguido); O arguido alega que a pena aplicada deve ser graduada muito próxima do limite mínimo e que a suspensão deve deixar de estar condicionada ao contributo para a Associação B. Vejamos. O arguido incorreu no crime de homicídio negligente p. e p. no artº 137º, nº 1 do Cód. Penal a que cabe a pena de prisão até três anos ou com pena de multa. O tribunal optou pela pena de prisão, o que está correcto, tendo em conta as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir no domínio da sinistralidade rodoviária, tanto mais que do acidente em causa nos autos resultaram consequências gravosas, a morte da vítima e as necessidades de prevenção especial são prementes dado que o arguido exerce a profissão de motorista e por isso, impõe-se que interiorize o desvalor da sua conduta e não volte a incorrer em situações semelhantes. As ideias base que devemos ter presentes para determinar a pena são as de que as finalidades desta residem, primordialmente, na tutela de bens jurídicos, na reinserção do arguido na comunidade e a de que a pena em caso algum deve ultrapassar a medida da culpa (art. 40º nº 1 e 2 do C.Penal). Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos violados. Teremos que encontrar, como ponto de referência o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição contrafáctica da norma violada. Este ponto será o limite mínimo da moldura penal concreta. Por outro lado, a culpa do arguido fornecer-nos-á o limite absolutamente inultrapassável na medida da pena. Finalmente, entre os limites máximo e mínimo, devem actuar os factores de prevenção especial visando a ressocialização e recuperação do delinquente para a sociedade. O tribunal aplicou ao arguido a pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução. Para a determinação da mesma, de acordo com os critérios constantes do art. 71º do C.Penal, o tribunal teve em conta: - a as elevadíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de criminalidade rodoviária, que causa grande alarme social em face dos bens jurídicos que estão em causa, a integridade física e a segurança rodoviária geral; -a ilicitude do facto que é média, atenta a concreta norma estradal violada; - o grau de culpa com que agiu; - as exigências de prevenção especial que se impõem de forma a que o arguido interiorize a ilicitude da sua conduta e não volte a delinquir; - as circunstâncias de ter carta de condução, há cerca de 30 anos, o não ter cadastro rodoviário, nem antecedentes criminais e o estar integrado socialmente, a nível laboral-profissional e familiar: Perante estes elementos afigura-se-nos, que a pena aplicada só peca por benevolência, pelo que não há motivos para que seja aplicada uma pena próxima do limite mínimo como pretende o recorrente. Quanto à condição de suspensão da execução da pena de entregar € 1.000,00 à Associação B, cremos que a mesma é de manter, uma vez que conforme consta da decisão recorrida, serve “ não só para uma maior interiorização por parte do arguido do mal por si praticado e da necessidade de não voltar a delinquir como constitui um sinal inequívoco à comunidade que a conduta do arguido não ficou impune (…)”. 3ª- Se às quantias fixadas por danos patrimoniais futuros às demandantes devem ser subtraídas as quantias pagas pela Companhia de Seguros F. A recorrente vem alegar que o tribunal a quo ao condená-la no pagamento da totalidade das quantias a título de danos patrimoniais, sem deduzir os valores já recebidos pelas demandantes, e reconhecendo que as indemnizações em que foi condenada não são cumuláveis violou o disposto nos arts. 483º, 495º, 562º a 564º do Cód. Civil. Cumpre decidir. A recorrente foi condenada a pagar às demandantes as quantias acima mencionadas por danos futuros e estas receberam da Seguradora de acidentes de trabalho as quantias, que constam do nº 55 da matéria provada. O acidente em causa nestes autos é simultaneamente um acidente de viação e de trabalho. O art. 26º do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto (que estabelece o regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), com a epígrafe “Acidentes de Viação e de Trabalho dispõe : “1 – Quando o acidente for simultaneamente de viação e de trabalho, aplicar-se-ão as disposições deste decreto-lei, tendo em atenção as constantes da legislação de trabalho”. À data do acidente estava em vigor a Lei nº 100/97 de 13-9, que estabelecia o regime jurídico dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que no seu art. 31º dispunha: “1.Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral. 2. Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respectiva obrigação e tem o direito a ser desembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pagão ou despendido. 3. Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante. 4. A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente. 5. A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo”. Deste preceito infere-se que havendo concorrências de responsabilidades por acidente de viação e de trabalho prevalece a responsabilidade de terceiro sobre a responsabilidade objectiva da entidade patronal. Esta tem um carácter subsidiário e residual. Neste sentido de pronunciaram os Acórdãos do STJ de 24-1-2002, CJ STJ, Ano X, tomo I, 2002, p. 54 e segs. e de 11-05-2011, proc. Nº 242-A/2001.C2.S1. Neste regime de concorrência de responsabilidades há que distinguir entre o plano das relações externas e o das relações internas. No primeiro plano, o lesado pode exigir a reparação dos danos causados pelo acidente, quer da entidade patronal, quer do condutor ou detentor do veículo. Só neste aspecto se pode falar de uma responsabilidade solidária da entidade patronal e do detentor do veículo. O outro aspecto do regime de solidariedade, como se refere no primeiro Acórdão acima citado: “ que consiste no facto de a prestação de um dos devedores liberar (os outros) já não ocorre nestes casos. Na verdade, se a indemnização paga pelo detentor do veículo extingue a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não é exacto, na medida em que a indemnização paga por esta não extingue a obrigação a cargo do responsável pelo risco do veículo ou pela culpa do respectivo condutor”. No segundo plano das relações internas, há que distinguir as seguintes situações: 1ª- Se é o detentor do veículo quem paga a indemnização devida, não lhe assiste nenhum direito em relação à entidade patronal, salvo nos casos de haver culpa por parte desta na produção do dano; 2ª- Se a indemnização for paga à vítima, no todo ou em parte, pela entidade patronal, ou Seguradora esta ficará sub-rogada nos direitos do sinistrado. Nesta hipótese, se tiver decorrido um ano e a vítima não tiver proposto a acção contra os responsáveis do acidente de viação, a entidade patronal ou Seguradora poderão intentar acção contra aqueles exercendo o direito de regresso (art. 31º nº 4 da lei nº 100/97); No caso de ser instaurada a acção pela vítima contra os responsáveis pelo acidente de viação, seja antes, ou depois de decorrido o prazo de um ano a contar da data do acidente, a entidade patronal ou a seguradora desta têm o direito de intervir como parte principal nesta acção, para aí formular o pedido de reembolso (art. 31º nº 5). Se a vítima recebeu indemnização pelo acidente de viação, a entidade patronal ou a sua Seguradora têm o direito de ser reembolsadas pela vítima (art. 31º nº2). No caso concreto, a Seguradora da entidade patronal pagou as quantias já mencionadas às demandantes, não propôs acção contra a Seguradora do acidente de viação, nem interveio na acção destes autos e a vítima não recebeu indemnização por parte da demandada, que é a Seguradora do acidente de viação, então, esta deve indemnizar integralmente as demandantes, independentemente da indemnização pelo mesmo dano arbitrada no foro laboral. O facto da companhia de Seguros da entidade patronal ter pago as quantias constantes do nº 55 da matéria provada às demandantes, não conduz a que se proceda aos descontos das mesmas na indemnização por danos patrimoniais futuros a pagar pela demandada nos presentes autos. Na verdade, a lei não prevê o desconto, por iniciativa do lesante demandado das quantias já pagas às vítimas, em consequência do acidente laboral, uma vez que, como se refere no Acórdão do STJ, de 11-12-2012, in www.dgsi.pt , “o interesse protegido através da consagração da proibição de duplicação ou acumulação matéria de indemnizações é, não obviamente o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral – pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado- sendo, antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido, (traduzida ou, na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício o direito ao reembolso contra o próprio lesado, que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de um ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito)”. As demandantes não podem receber duas vezes, pelo mesmo dano, isto é, as duas indemnizações não se cumulam, mas a Companhia de Seguros da entidade patronal não interveio em qualquer acção, então a questão terá de ser resolvida, no caso em análise, entre ambas por via por via judicial ou extra-judicial. Improcede, assim, o alegado pela recorrente, uma vez que não há que descontar qualquer quantia na indemnização fixada por danos patrimoniais futuros às demandantes. 2ª—Do montante da indemnização arbitrado a D a título de dano não patrimonial pela perda do direito à vida do seu companheiro. O tribunal da primeira instância fixou o montante da indemnização pela perda do direito à vida em 70.000,00 € a pagar a ambas as demandantes. A demandada vem alegar que, D vivia em união de facto com a vítima falecida, por isso, não tem direito à indemnização pela perda do direito à vida, uma vez que à data do acidente ainda não estavam em vigor as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto e a lei só dispõe para o futuro, pelo que o tribunal ao fixar-lhe tal indemnização violou o disposto nos arts. 12º, 496º nºs 1 3 e 4 do Cód. Civil. Vejamos. O acidente em causa nos autos ocorreu no dia 28 de Outubro de 2008. À data dos factos, sob a epígrafe “danos não patrimoniais” dispunha o art. 496º nº 2 do Cód. Civil: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização nos termos do número anterior”. Na vigência deste preceito formaram-se duas correntes de jurisprudência: uma no sentido de que o membro sobrevivo da união de facto não tinha direito a ser indemnizado pela perda do direito à vida do seu companheiro e outra no sentido afirmativo. No sentido da primeira corrente citam-se os Ac. STJ de 24-05-2005, in CJ, ano XI, tomo 3, pag. 133; o Ac. STJ de 23-08-1998, in C.J., Ano VI, Tomo II, pág. 49; os Acs. da Rel. de Coimbra de 12-4-2004 e 18-10-2005; da Relação do Porto de 9-2-2009 e da Rel. Lisboa de 23-5-2006, todos in www.dgsi.pt. Seguiram o segundo entendimento, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 275/2002 de 19-06-2002, in DR II Série, os Acs. nºs 86/07 e 87/07 de 6-2-2007 e Acórdão nº 210/07 de 21-2-2007 do mesmo tribunal. Com a entrada em vigor da Lei nº 23/2010, o art. 496º do Cód. Civil passou a ter a seguinte redacção: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem 3. Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização nos termos dos números anteriores”. Perante as divergências surgidas na anterior redacção do art. 496º do Cód. Civil, com a Lei nº 23/2010, que alterou tal preceito, o legislador veio adoptar uma das posições, a de que no caso da união de facto, a pessoa que vivia com a vítima falecida tem direito á indemnização por danos não patrimoniais. Assim, esta nova norma constitui-se como uma lei “interpretativa”. As leis interpretativas como refere o Prof. Baptista Machado, em “Introdução ao Direito e ao Discurso Legimitador” Almedina, 1983, pág.246 “ são aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais podiam ter adoptado”. Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei (obra citada, pág. 247). O saber se a pessoa sobreviva que vivia em união de facto com a vítima falecida tinha direito ou não a indemnização por danos não patrimoniais, na vigência anterior do art. 496º do Cód.Civil, constituía uma questão controversa e face à redacção da nova lei, o intérprete poderia ter interpretado aquela norma, de acordo com o teor actualmente em vigor, como já acontecia com uma das correntes jurisprudenciais, acima mencionadas, sem ultrapassar os limites da interpretação, pelo que a Lei nº 23/2010, constitui sem dúvida uma lei interpretativa. Assim, esta nova lei aplica-se a situações anteriores como resulta do art. 13º, nº 1 do Cód. Civil que estabelece, “ a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando, salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”. A razão de aplicação da lei interpretativa a factos e situações anteriores, como refere o Prof. Baptista Machado na obra citada págs. 246 e ss., reside em que, “vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da Lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas”. Tal lei veio consagrar uma solução que os tribunais podiam ter adoptado perante situações incertas ou de sentido controvertido. Pelo exposto, apesar dos factos em causa nos autos terem ocorrido em data anterior à publicação da Lei nº 23/2010, face à natureza interpretativa do art. 496º desta lei, que se aplica a situações anteriores, assiste à demandante D o direito a ser indemnizada pela perda do direito à vida da infeliz vítima, conforme o decidido pelo tribunal da primeira instância. Improcede, assim, o alegado pela recorrente. 5ª- Da indemnização por danos patrimoniais futuros (recurso subordinado das demandantes); O tribunal fixou a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 55.000,00 para a demandante D e em 45.000,00 para a demandante E. As demandantes alegam no recurso subordinado que estes montantes são manifestamente insuficientes, que violam o disposto nos arts. 562º, 564º, nº 2 e 566º do CPcivil e que devem ser fixados respectivamente em 125.231,44 € e 60.112,16 €. Estamos perante danos futuros indemnizáveis porque previsíveis, a concretizar por referência ao dinheiro (art. 564º nº 2, e 566º nº 1 do Cód. Civil). A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos e, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566/2 e 3 do Cód. Civil). Para o cálculo da indemnização por danos futuros a jurisprudência tem lançado mão de vários critérios, como de forma clara consta do acórdão recorrido, dos quais se destacam os seguintes: «- A capitalização do valor mensal, atribuindo-se um capital cujo rendimento calculado com base na taxa média liquida de juros dos depósitos a prazo, seja equivalente ao rendimento perdido; - A utilização de tabelas financeiras para determinação do capital necessário à formação de uma renda correspondente à perda de ganho, de modo a que no fim do prazo considerado aquele capital se extinga; - A aplicação das fórmulas utilizadas no cálculo das pensões em acidentes de trabalho. - Através da equidade com recurso a um cálculo aritmético traduzido no salário anual reduzido das despesas próprias – que se fixa em um terço – multiplicado pelo juro corrente descontado de uma parcela que impeça o enriquecimento injustificado pelo recebimento antecipado dos juros com manutenção do capital intacto – que se fixa em um quarto - e ponderada pelos anos de vida presumivelmente restantes». O Tribunal da primeira instância seguiu este último entendimento expresso pelo insigne Juiz Conselheiro Sousa Dinis (CJSTJ, ano IX, tomo I, 2001, 9), que nós também adoptámos, por se nos afigurar ser o mais útil a alcançar soluções mais justas, sem prejuízo, de se lhe introduzirem a alterações que se afigurem equitativas. Há que proceder, então, ao cálculo dos danos futuros de acordo com este critério, que está devidamente explanado no estudo do Insigne Juiz Conselheiro, que seguimos de perto. G faleceu com 43 anos de idade, vivia em união de facto e auferia um rendimento mensal de € (660,00 x 14 ) + (176, 63 x 12) = € 11.359,56. O seu rendimento anual era de € 11.359,56. G gastaria consigo 1/3 desse rendimento, ou seja, € 3.786,52, que deverá descontar-se (não há razões par alterar este ajustamento que vem sendo seguido pela nossa jurisprudência – Cfr. AcSTJ de 2/02/1993, CJSTJ, 1993, tomo I, pág. 131-, a menos que se trate de pequenas economias domésticas, em que há grande peso nas despesas fixas que se não se reduzem com a morte do consorte – cfr. Ac.RC de 15/01/1980, CJ, 1980, Tomo I, pág. 110). A importância restante- € 7.573,04 – seria o contributo de G para o lar que, com a sua morte, ficou privado, Então, há que determinar o capital necessário para ao juros de 5%, , se obter o rendimento de € 7.573,04/ano. Então, 100……..5 x………€ 7.573,04 757.040,00 : 5 = € 151.460,08 Esta importância vai sofrer um primeiro ajustamento, porque os familiares de G vão receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveriam receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de enriquecimento injustificado à custa alheia, há que proceder a um desconto. Com efeito, o capital de indemnização não pode ser aquele que produza rendimento igual ao dos proventos do lesado. A redução destina-se, assim, a evitar que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto. O desconto a efectuar deve depender do nível de vida do país, do custo de vida e até da sensibilidade do próprio juiz que, genericamente, terá de calcular, quando é que o capital está totalmente amortizado. Pelo exposto, no caso em apreço, entende o Tribunal efectuar um desconto de ¼, ou seja € 37.865,02. O capital encontrado é, assim, de € 113.595,6. Sobre este valor deve recair um juízo de equidade, de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeque ao caso concreto, tendo em conta a idade do lesado e eventualmente outros factores que se provem, para aferir se a unida de facto e a filha devem receber a totalidade daquele valor, um valor aproximado ou um valor superior, sendo quanto mais baixa for a idade da vítima, maior será a tendência para nos aproximarmos da quantia encontrada ou mesmo ultrapassá-la. Importa também ter em conta que a filha D tinha 7 anos à data dos factos e que a prestação de alimentos se prolongaria até aos 18 anos, 22 ou 25 consoante a mesma continuasse ou não a estudar. No caso em apreço, G faleceu com 43 anos de idade, esperando-o uma vida activa, em princípio, de mais 27 anos. Durante este período, G contribuiria para o sustento do agregado familiar e mais importante proporcionaria à filha, a possibilidade económica de até aos 25 anos continuar os estudos a nível superior. Do exposto, consideramos justa e equitativa a indemnização fixada a título de danos futuros previsíveis fixada pelo tribunal da primeira instância, em € 55.000,00 para a demandante D e em € 45.000,00 para a E. Improcede, assim, o alegado pelas demandantes no sentido de que os valores fixados são manifestamente insuficientes e não vislumbramos que violem os princípios definidos nos arts. 562º e 564º, nº 2 e 566º do cód. Civil. 6ª- Da indemnização por danos não patrimoniais próprios sofridos pelas demandantes com a morte da vítima (recurso subordinado das demandantes). As demandantes formularam o pedido de 30.000,00 € para cada uma, em relação a este tipo de danos. O tribunal da primeira instância fixou a indemnização em € 15.000,00 para demandante E e em € 18.000,00 para D. As demandantes no recurso subordinado consideram estes valores insignificantes, apontando como justas as quantias de € 30.000,00 para cada uma e que os valores da Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho não devem ser tomados em conta. O montante da indemnização, (por danos não patrimoniais) será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias no art. 494º; no caso de morte, podem ser atendidos, não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior (art. 496º, nº 3 do Código Civil). Os danos não patrimoniais sofridos pela companheira e filha com a morte da vítima, são graves e merecem a tutela do direito, o que decorre da lei. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral” diz que a indemnização por danos não patrimoniais “reveste aqui uma natureza acentuadamente mista: Por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. Como se entendeu no Ac. Rel. Porto de 9-7-1998, in C.J, Ano XXIII, Tomo IV, pág. 185, que “mais que uma verdadeira indemnização o montante em dinheiro a arbitrar por danos não patrimoniais representa antes a possibilidade de o lesado conseguir outros prazeres que, de alguma forma, lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão”. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo à sua gravidade, ao grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, como resulta do nº 3 do art. 496º e do art. 494º do C.Civil. A forma de medir a gravidade do dano não patrimonial fica sempre, por conseguinte, dependente do arbítrio do julgador, a quem se pede que avalie o quantum necessário para proporcionar ao lesado meios económicos que, de algum modo, o compensem da lesão sofrida. O montante da indemnização, como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela “ deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda etc. E deve se proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”- Cfr. ibidem, pág. 474. Como se refere no Ac. STJ , de 10/2/1998, in C.J., Ano VI, Tomo I, pág. 67 “ a equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na lei”, pelo que será norteados por estes princípios que haverá de ser arbitrada a indemnização a quem a ela se considerar com direito. Posto isto, vejamos o caso concreto. Os valores fixados nas Portarias nºs 377/2008 de 28 de Junho e 679/2009 de 25 de Junho têm como objectivo a concretização de proposta razoável a fazer pelas Companhias de Seguros aos terceiros lesados, no entanto, não podem deixar de ser ponderados pelo tribunal, isto é “servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo”, com se refere no Acórdão do STJ de 25-2-2009, proferido no processo nº 3459/08. Os valores previstos nas Portarias mencionadas baseiam-se na duração da união de facto em relação à demandante D e no que respeita à filha na idade desta A demandante D viveu com G, cerca de 8 anos, e a filha tinha 7 anos à data do óbito do pai. Assim, os valores previstos são respectivamente de 20.520,00 € e 15.390,00 (anexo II da Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho). Quanto ao danos em causa provou-se que: A D e G eram um casal feliz; a morte deste constituiu um choque emocional para aquela, agravado pela circunstância de ter sido chamada para reconhecimento do cadáver; sentiu-se profundamente triste com a morte do companheiro e foi progressivamente entrando num estado de abatimento e enfraquecimento físico e foi internada no Hospital de S. José de 11 de Janeiro de 2010 até 5 de Fevereiro; antes da morte de G, D era uma pessoa feliz e extrovertida e não tinha problemas de saúde, desde então passou a isolar-se e tornou-se uma pessoa abatida e triste, situação que se mantém. Quanto à menor provou-se que antes da morte do pai era uma criança extrovertida e feliz; a morte do pai causou-lhe profunda tristeza e frequentes crises de choro e abatimento; que passou vários meses numa situação de grande fragilidade emocional; que a ausência do pai constitui ainda motivo de sofrimento e de perturbação na sua vida. Como se refere no acórdão do STJ de 18-7-2005, processo nº 72730, BMJ 349, pág.499 “Há que não fazer tábua rasa, na matéria, de que o desgosto de um filho que perde o pai se irá agravando com o seu crescimento, sobretudo por se ver privado do amparo daquele, relativamente à sua criação e educação”. Há que fazer apelo também aos critérios da igualdade e equidade tendo em conta nomeadamente os valores fixados pela Jurisprudência. Neste sentido, confere o Acórdão do STJ de 15.4.2009, proferido no procº nº 08P3704 em www.dgsi.pt. Ponderando os factos provados relativos aos danos sofridos pelas demandantes com a morte de G e fazendo apelo à equidade e aos valores que vêm sendo considerados na nossa jurisprudência, não há qualquer razão para alterar os montantes fixados pelo tribunal da 1ª instância. IV- Decisão Termos em que acordam os Juízes do Tribunal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas crime pelo arguido com taxa de justiça que fixamos em 4 UCs, Custas Cíveis pela demandada e quanto ao recurso subordinado pelas demandantes. Notifique. Évora, 19 de Dezembro de 2013 (texto elaborado e revisto pelo relator) José Maria Martins Simão Maria Onélia Vicente Neves Madaleno
Procº nº 252/08.8TALQ.E1 ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Relatório Nos presentes autos com o número acima mencionado, do 1º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A que foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, na condição de entregar no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado a quantia de € 1.000,00 (mil euros) à Associação B, a comprovar nos autos no mesmo prazo, nos termos do art. 50º, nºs 1, 2 e 5 do C.Penal e absolvido por ilegitimidade da instância cível. Os pedidos de indemnização civil foram julgados parcialmente procedentes, porque parcialmente provados e, em consequência, foi condenada a demandada Companhia de Seguros C no pagamento das seguintes quantias: (i) € 55,000,00 à demandante D a título de danos patrimoniais; (ii) € 45.000,00 à demandante E a título de danos patrimoniais; (iii) € 70.000,00 a ambas as demandantes a título de dano não patrimonial pela perda do direito à vida; (iv) 15.000,00 à demandante E a título de danos não patrimoniais próprios; (v) € 18.000,00 à demandante D a título de danos não patrimoniais próprios. Inconformado o arguido recorreu tendo concluído do seguinte modo: “A) Rege o julgamento penal o princípio “in dubio” que impõe a absolvição do arguido, perante a menor dúvida que se funde na presunção de inocência constitucional. B) Neste caso, a sentença recorrida julgou por presunção judicial, com base na refutação das declarações do arguido, conjugada com os vestígios assinalados no “croqui” policial. C) Mas a versão do arguido não é absurda, e baseia-se precisamente na circunstãncia de estar evidenciado nesse “croquis” a presença de uma mancha de sangue, de derrame directo de ferida do corpo da vítima, doze metros para além do local onde ficou caída. D) Se esta circunstância não autorizar crédito à versão do arguido, de ter sido a vítima colhida por outro automóvel e se o local onde apareceu esta mancha, não 12 metros depois, mas 12 metros antes do local onde foi encontrado o corpo do ofendido, pelo menos instala uma dúvida insanável quanto à matéria dada como provada. E) Dúvida que tem por base não só a metodologia que levou à convicção, como o relato dos próprios factos feito pelo recorrente, na conjugação também com os vestígios assinalados no croquis. F) Assim sendo, deve o arguido ser abolvido, tendo em conta a aplicabilidade directa do disposto no art. 32º nº 2 da CRP, visto o art. 18/1 da lei Fundamental. G) E salienta-se, ainda que, a desconsideração das declarações do arguido, face aos elementos constantes do “croquis” de fls. 15 infringe o princípio da presunção de inocência, como se disse, garantia fundamental prevista no art. 32º nº 2 da CRP, sendo também violado o estatuído no art. 374º nº 2 do CPP. H) E, deste modo, a aplicação ao caso do art. 127º do CPP, sob esta perspectiva implica que do preceito se retire uma norma inconstitucional, precisamente por violar aquela garantia. I) Por dever de patrocínio, é alegado, sem conceder a favor do recorrente a pena excessiva a que foi condenado, devendo, no limite, e também sem conceder, ser graduada muito próxima do mínimo, deixando de estar condicionada a suspensão ao contributo para a Associação B”. A assistente respondeu ao recurso alegando que o recorrente carece de razão. O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo: “1.Ao fixar a matéria de facto nos exactos termos em que o fez, o tribunal a quo valorou correcta e criteriosamente a prova pessoal produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como a prova documental constante dos autos, à luz das regras da lógica, da experiência comum e da normalidade da vida a que estava vinculado, sem extravasar os poderes/deveres que emergem do princípio da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova. 2. O tribunal a quo explana longa e detalhadamente, em concreto, as razões que o levaram a dar como provado o facto nº 3 relativo à condução do veículo dirigido pelo recorrente para a meia faixa de rodagem à sua esquerda. 3. A versão apresentada em audiência de julgamento pelo recorrente quanto à existência de uma terceira pessoa envolvida no atropelamento da vítima reveste reduzida verosimilhança, à luz das regras da experiência comum e no confronto com a demais matéria de facto julgada provada e não provada. 4. Pelo que a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá, no essencial, permanecer inalterada. 5. Na existe na douta sentença recorrida que evidencie ter ficado num estado de dúvida acerca da autoria do recorrente na prática do crime em causa, pelo que não tem qualquer aplicação o princípio do in dubio pro reo. 6. Pelo que não deverá o recorrente ser absolvido do crime de homicidio por negligência pelo qual foi condenado, pungando-se pela manutenção da decisão da sentença recorrida. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantida a douta sentença recorrida”. A Companhia de seguros C recorreu, tendo concluído do seguinte modo: “1.O tribunal a quo condenou a Tranquilidade no pagamento de € 55.000,00 a D a título de danos patrimoniais e € 45.000,00 a E a título de danos patrimoniais; 2. Resulta do documento de fls… (carta da Companhia de Seguros F, com carimbo de entrada no Tribunal Judicial do Cartaxo a 26.04.2012) e do auto de conciliação que as demandantes receberam quantias a título de indemnização da Companhia de Seguros F; 3. Assim, à demandante E a título de danos patrimoniais deveriam ser deduzidos, em sede de condenação, € 11.292,88 (onze mil duzentos e noventa e dois euros e oitenta e oito cêntimos) e à demandante D deveriam ser deduzidos, sem sede de condenação, € 15.403,28 (quinze mil quatrocentos e três euros e vinte e oito cêntimos), quantias estas recebidas da Companhia de Seguros F de acordo com os cálculos supra. 4. Caso contrário, nos exactos termos da sentença, há lugar a uma duplicação de indemnizações. (que repita-se, não são cumuláveis); 5. A Tranquilidade deveria ser condenada a pagar, sob pena de duplicação da indemnização, apenas as seguintes quantias: € 39.596,72 a D a título de danos patrimoniais e € 33.707, 12 a E a título de danos patrimoniais; 6. Com efeito a sentença é nula, uma vez que os seus fundamentos estão em manifesta oposição com a decisão, na medida em que o Tribunal a quo reconhece que as indemnizações não são cumuláveis (mas complementares) e não extrai as devidas e legais consequências – cfr. art. 668, nº 1, al. c) do CPC; 7. Ainda que assim não se entenda, o Tribunal a quo ao condenar a Tranquilidade no pagamento da totalidade das quantias a título de danos patrimoniais, sem deduzir os valores já recebidos pelas demandantes e, reconhecendo que as indemnizações não são cumuláveis, violou expressamente os arts. 483º, 495º, nº 3, 562º, 563º, 564º do Código Civil. 8. O Tribunal a quo condenou também a Tranquilidade no pagamento de € 70.000,00 a ambas as demandantes a título de dano não patrimonial pela perda do direito à vida. 9. Porém, a união de facto (in casu, a demandante D) não tem direito à indemnização pelo dano privação da vida. 10. À data dos factos (data da morte) as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010 de 30 de Agosto não estavam em vigor. 11. O tribunal a quo quis substituir-se ao legislador e à sua vontade (que propositadamente criou traços distintivos entre duas figuras jurídicas, o casamento e a união de facto. 12. Sendo certo que o art. 12º do CCivil dispõe que “ a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe sejam atribuídos efeitos retroactivos, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”. 13. Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo violou expressamente o art. 12º do Cód. Civil, aplicando as alterações introduzidas e pela Lei nº 23/2010 de 30 de agosto a factos anteriores à sua entrega em vigor, bem como violou os arts. 496º, nº 1, 3 e 4 do cód. Civil. Pelo que, deve a sentença recorrida ser revogada, nos precisos termos expostos, reduzindo a condenação da demandada Tranquilidade ao pagamento de € 39.596,72 a D a título de danos patrimoniais e € 33.707,12 a E a título de danos patrimoniais, e absolvendo-a do peticionado pela demandante D a título de direito à indemnização pelo dano privação de vida”. A demandante D por si e em representação de sua filha interpôs, na parte respeitante à decisão do pedido cível, recurso subordinado, tendo concluído do seguinte modo: 1. Tendo em consideração os factos provados, nomeadamente os rendimentos de G e a forma como este os afectava em benefício do seu agregado familiar composto por ele e pelas duas Assistentes, bem como o seu tempo expectável de vida - 32 anos - justifica-se a ampliação do valor dos danos patrimoniais fixados na sentença recorrida para: - 125.231,44 euros, a favor da demandante D; - 60.112,16 euros, a favor da demandante E. 2. As quantias arbitradas na sentença recorrida, 45.000,00 euros a favor da menor E e 55.000,00 euros a favor da D, são manifestamente insuficientes e violam os princípios definidos nos arts. 562º, 564º, nº 2, e 566º do CC. 3. Tendo em consideração factos provados nºs. 33, 34, 35 e 36 relativamente à filha menor e nºs. 38, 39, 40, 41, 42 e 43 relativamente à D, justifica-se a ampliação do valor arbitrado na sentença a título de indemnização pelos danos não patrimoniais para 60.000,00 euros, sendo metade a favor de cada uma das Assistentes. 4. As quantias arbitradas na sentença recorrida, 15.000,00 euros a favor da menor E e 18.000,00 euros a favor da D, são manifestamente insuficientes e violam os princípios definidos nos arts. 562º, 564º, nº 2, e 566º do CC. Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso subordinado e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, na parte respeitante aos valores fixados a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais - mantendo-se o valor indemnizatório fixado pela perda do direito à vida - condenando-se a demandada cível no pagamento das seguintes quantias: A título de danos patrimoniais, 125.231,44 euros a favor da demandante D e 60.112,16 euros a favor da demandante E. A título de danos não patrimoniais, 60.000,00 euros, sendo metade a favor de cada uma das Assistentes. II. Fundamentação de facto · Factos provados Da prova produzida e com interesse para a boa decisão da causa resultou provado que: 1. No dia 28 de Outubro de 2008, pelas 23 horas e 40 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 54-06-LD, pela EN 3, no sentido Carregado/Azambuja. 2. O tempo estava seco e o piso em bom estado. 3. Ao km 7,590 daquela estrada, área desta comarca, num local onde a mesma é recta, com uma faixa de rodagem com 11,600 metros de largura, com o limite de velocidade de 90 km/h, e onde não há qualquer iluminação pública, o arguido conduziu o veículo para a meia faixa de rodagem à sua esquerda. 4. Por isso e porque guiava desatento, o arguido não verificou que, vindo das instalações da empresa (…), o peão G, atravessava a estrada em que A seguia, encontrando-se já em plena hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado. 5. Assim, ao predito quilómetro, ao deparar-se com G, o arguido não conseguiu que o veículo por si conduzido o contornasse e, sem esboçar qualquer tentativa de travagem, embateu-lhe com a frente esquerda, zona da óptica, quando este ainda se encontrava na hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado. 6. G foi projectado para a berma à direita da meia faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Azambuja/Carregado, ficando imobilizado 87 metros depois do local do embate. 7. Como consequência directa e necessária dos factos descritos, G sofreu as lesões seguintes: i) Ao nível do hábito externo: - fractura com esfacelo da face e crânio, com início no vértice da pirâmide nasal e que se prolonga pelo osso frontal e atingindo o parietal; - fractura completa de todos os ossos do crânio e hemiface direita com exposição da massa encefálica; - desarticulação de ambos os membros superiores pelo ombro; - fractura exposta dos ossos da perna esquerda, com diástases dos topos ossos abaixo do joelho; - fractura exposta dos ossos da perna direita, do terço superior da mesma, sem diástases dos topos ossos; - fractura de ambos os maxilares, restando apenas o dente 21 do maxilar superior; ii) Ao nível do hábito interno: - infiltração sanguínea do que resta das meninges e leptomeninges; - amalgama correspondente ao que resta de massa encefálica; - fractura completa dos arcos costais anteriores à direita da segunda à sétima; - hemoperitoneu com cerca de 600 cc de sangue líquido e coágulos; - fractura do fígado, lobo hepático superior; - desgarro do baço. 8. As lesões traumáticas crânio-encefálicas, faciais e abdominais supra descritas foram causa adequada da morte de G. 9. O embate narrado aconteceu porque A preteriu as cautelas exigíveis pelo dever de cuidado que vincula todos os utentes das vias rodoviárias e, em particular, porque, não prevendo a possibilidade de atingir a vítima, conduziu o seu veículo sem a necessária atenção, para a meia faixa de rodagem no sentido contrário àquele em que seguia. 10. A agiu livre e conscientemente. 11. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, sendo capaz de a orientar de harmonia com esse conhecimento. 12. Nas descritas circunstâncias o arguido seguia a uma velocidade não apurada, mas pelo menos de 80/90 km/h. 13. Fazia o descrito percurso diariamente. 14. Não existe no local do embate nem a menos de 50 metros qualquer passagem destinada à travessia de peões. 15. Submetido a exame de sangue para despistagem de álcool e substâncias psicotrópicas o arguido acusou uma TAS de 0,22 g/l, sendo negativos os demais resultados. 16. Submetido a exame de sangue para despistagem de álcool e substâncias psicotrópicas G acusou uma TAS de 0,11 g/l. 17. A responsabilidade civil pelos danos a terceiros emergente da circulação rodoviária do veículo de matrícula 54-06-LD, conduzido pelo arguido A estava, na data do acidente, transferida para a Companhia de Seguros C pela Apólice n.º 0001603020. Mais se provou que: 18. O arguido não tem antecedentes criminais registados. 19. É titular de carta de condução para veículos de categoria B desde 21.12.1979, não tendo averbada a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave no seu registo individual de condutor. 20. É motorista, auferindo um rendimento mensal médio de € 600,00 a € 630,00. 21. Vive com a sua ex-mulher, com quem se reconciliou após o divórcio, com os quatro filhos do casal, de 10, 12, 19 e 21 anos de idade e com a sogra. 22. Os dois filhos mais velhos trabalham e os mais novos encontram-se a estudar. 23. A sua companheira trabalha na assistência a idosos, auferindo um rendimento não concretamente apurado, mas superior a € 400,00. 24. Vivem em casa própria da mãe da companheira. 25. Suporta uma prestação mensal de cerca de € 190,00 relativa a um crédito pessoal. 26. De habilitações literárias tem o 9.º ano. 27. G residia com D aproximadamente desde o ano 2000. 28. Dormiam juntos, tomavam as refeições, faziam compras para a casa, conviviam com os familiares e amigos, passavam as férias e as épocas festivas como se fossem casados entre si. 29. Assumiram sempre publicamente o seu relacionamento, como se de marido e mulher se tratassem. 30. Situação que se manteve ininterruptamente até ao falecimento de G. 31. Desse relacionamento nasceu, em 31.08.2001, uma filha, E, que vivia com eles. 32. G era um pai presente, que acompanhava o crescimento e a educação da filha. 33. A morte de G constituiu um choque emocional e causou profunda tristeza na filha, que foi acometida por frequentes crises de choro e abatimento. 34. E era, até ao falecimento do pai, uma criança extrovertida e feliz. 35. Após a morte de G a filha passou vários meses numa situação de grande fragilidade emocional. 36. A ausência do pai constitui ainda motivo de sofrimento e perturbação na vida de E. 37. D e G eram um casal feliz. 38. A súbita morte de G constituiu um choque emocional para D, agravado pela circunstância de ter sido chamada para reconhecimento do cadáver. 39. D sentiu-se profundamente triste com a morte de G e foi progressivamente entrando num estado de grande abatimento. 40. Perdeu o apetite e enfraqueceu fisicamente. 41. Em consequência do progressivo abatimento e enfraquecimento físico, D foi internada no Hospital de São José em 11 de Janeiro de 2010, onde permaneceu até 5 de Fevereiro do mesmo ano. 42. Até à morte de G, D era uma pessoa feliz e extrovertida e não tinha problemas de saúde. 43. Desde então passou a isolar-se e tornou-se uma pessoa abatida e triste, situação que se mantém. 44. À data da sua morte, G trabalhava na firma (…), tendo a categoria profissional de auxiliar de armazém. 45. Em Abril de 2008 auferia retribuição mensal no valor de € 660,00. 46. Auferiu, nesse mesmo mês, a quantia mensal de € 50,63 a título de subsídio nocturno. 47. Além disso, recebeu a quantia de € 126,00 a título de subsídio de alimentação. 48. Anualmente auferia ainda subsídio de férias e subsídio de Natal, de valor igual à retribuição. 49. À data da sua morte, G tinha 43 anos de idade. 50. Nessa mesma data, D tinha 39 anos de idade. 51. D encontrava-se, à data, desempregada, auferindo, pontualmente, rendimentos como artista plástica. 52. No ano de 2008 esses rendimentos atingiram o valor total de € 1.560,00. 53. G suportava, com o seu salário, as despesas com alimentação e vestuário de D e de E, bem como as despesas de educação desta última. 54. Residiam os três em casa dos pais de D. 55. No âmbito dos autos de Acidente de Trabalho derivados da morte de G que correram termos sob o n.º 613/08.2TTSTR, no 3.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, foi celebrado acordo nos seguintes termos: "A entidade seguradora pagará, com início em 29-10-2008, a cada um dos beneficiários legais do sinistrado, o seguinte: - À D a pensão anual de € 3.612,59, pensão actualizável para o ano de 2009 para o montante de € 3.717,36 para o ano de 2010 o montante de € 3.763,83 (...). - À menor E a pensão anual temporária de € 2.408,39, com início em 29-10-2008, pensão actualizável para os montantes de € 2.478,24 no ano de 2009 e € 2.509,22 para o ano de 2010. A companhia pagará um subsídio por morte no montante de € 5.112,00, sendo metade para a companheira em união de facto e metade para a filha menor (...)." *· Factos não provados Com interesse para a boa decisão da causa não se provou que: A) Ao km 7,590 da E.N. 3, sentido Carregado/Azambuja a faixa de rodagem tenha 10,500 metros de largura. B) O arguido imprimia ao veículo velocidade não inferior a 100 km/hora. C) No momento do embate a vítima encontrava-se já em plena hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado. D) O embate tenha acontecido porque o arguido imprimiu velocidade excessiva e inadequada à diminuta visibilidade naquele trecho da estrada ao seu veículo. E) Após a morte do pai, E perdeu o apetite e sofreu enfraquecimento físico. F) D tenha, em 11 de Janeiro de 2010, sofrido um acidente vascular cerebral. G) À data sua morte, a retribuição mensal de G fosse de € 660,00 e que recebesse em média a quantia mensal de € 50,63 a título de subsídio nocturno e a quantia de € 126,00 a título de subsídio de alimentação. H) G direccionasse um terço do seu rendimento em benefício da companheira e outro terço a favor da filha. I) D continue desempregada.*· Motivação da decisão de facto A convicção do Tribunal em relação à factualidade sob apreciação alicerçou-se na análise, confronto e ponderação da prova produzida em audiência de julgamento e dos documentos juntos aos autos e que a seguir se descriminam, à luz das regras da lógica e da experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso. Assim, no que se refere às características da via, dinâmica do acidente e respectivas consequências, o Tribunal atendeu às declarações do arguido e aos depoimentos das testemunhas H e I, militares da GNR que se deslocaram ao local após o acidente, tomando conta da respectiva ocorrência, elementos probatórios que foram conjugados e concatenados com os seguintes elementos já constantes dos autos: - O relatório de autópsia de fls. 162 a 164, do qual resultou a prova de todas as lesões sofridas pelo falecido, a nível de hábito externo e interno, bem como causa directa da sua morte; - O relatório do exame toxicológico efectuado ao arguido de fls. 122 (cfr. fls. 118), que detectou a presença de etanol numa taxa de 0,22 g/l; - O relatório do exame toxicológico efectuado a G de fls. 153, de onde resultou que o mesmo apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,11 g/l; - O auto de exame directo ao local, integrado por relatório fotográfico de fls. 127 a 129, o relatório fotográfico de acidente de viação de fls. 76 a 86, realizado imediatamente após e no local do acidente, as fotografias do veículo de matrícula 54-06-LD, de fls. 88 a 93, a participação de acidente, integrado pela respectivo croqui, de fls. 62 a 64, resultando dos mesmos exames/documentos a prova dos factos respeitantes: - às características da via, nomeadamente da zona onde ocorreu o acidente, designadamente no que se refere ao limite de velocidade, à inexistência de iluminação pública (conforme se visualiza a fls. 126); - aos danos sofridos no veículo 54-06-LD; - à localização do corpo da vítima. Concretizando: O arguido prestou declarações, das quais dimanou, com relevo, que seguia com o veículo em apreço na via onde ocorreu o acidente, no sentido Carregado/Azambuja, na sua faixa de rodagem, à velocidade de 80/90 km/h, quando, de repente, embate na vítima, com a zona do pisca esquerdo, sendo o corpo da mesma projectado primeiro para cima do veículo e depois para o seu lado esquerdo, tendo de imediato parado o veículo, não tendo realizado qualquer travagem antes ou após o embate. Sustentou ainda que imediatamente antes do embate se cruzou com veículos que seguiam em sentido contrário. Por outro lado, se bem que tenha começado por afirmar que a vítima vinha a correr, mais à frente acabou por referir que apenas a viu no momento do embate. Mais mencionou que, enquanto esperava pelas autoridades, veio um indivíduo, cuja identidade desconhece, ter consigo, dizendo-lhe que tinha acabado de atropelar um homem, desaparecendo imediatamente de seguida, sem que se tenha conseguido aperceber para onde se dirigiu ou em que veículo o mesmo se deslocava. Partindo da constatação de que ninguém, à excepção do arguido, assistiu à ocorrência do acidente, importava essencialmente aferir se a referida versão fazia ou não sentido em termos naturalísticos, atendendo, designadamente, à velocidade imprimida ao veículo, à violência das lesões sofridas pela vítima mortal, aos danos produzidos no veículo, à distância que mediou entre a zona onde foram detectadas as manchas de sangue no solo e o local onde o veículo conduzido pelo arguido acabou por parar, às condições atmosféricas e da via e, bem assim, à localização dos demais vestígios encontrados no local. Sucede que esta versão conflitua desde logo com a localização dos vestígios detectados no local, conforme emerge do croqui do acidente de viação constante de fls. 64, cujo teor foi devidamente corroborado pelo militar que o elaborou, a testemunha H, que acorreu ao local imediatamente após a ocorrência do acidente, e que, de forma segura, isenta e objectiva, esclareceu que todos os vestígios do acidente se encontravam ao eixo da via, para o seu lado esquerdo (em consonância com o que resulta do croqui), não existindo quaisquer outros vestígios na faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido de marcha do arguido. Ora, se o facto do embate se ter dado com o lado esquerdo do veículo, conforme o documentam, designadamente as fotografias de fls. 83 a 86, pode explicar a projecção do corpo da vítima nessa direcção, a verdade é que já não explica porque razão é que todos os demais vestígios, designadamente as peças do veículo, se localizam também na faixa da esquerda, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo arguido, já totalmente fora da faixa de rodagem destinada à sua circulação. Com efeito, o normal, de acordo com as regras da experiência comum, é esses vestígios começarem no local do embate. Mesmo que se admita que alguns vestígios pudessem ter sido arrastados por outros veículos que entretanto tenham passado no local, uma vez que as autoridades competentes (desde logo o militar H) apenas chegaram alguns minutos depois da ocorrência, dificilmente se alcança, atento o curto hiato temporal decorrido, que isso tivesse sucedido com todos eles, de modo a que no suposto local do embate (atenta a versão do arguido) não restasse o mais pequeno sinal da sua ocorrência. Sob outra perspectiva, atentos os danos que do embate resultaram para o veículo conduzido pelo arguido, não faz sentido a versão, em audiência aventada por este, de que o corpo da vítima pudesse ter sido projectado por uma qualquer outra viatura que seguisse em sentido contrário. Na verdade, a circunstância dos danos detectados no veículo do arguido se estenderem desde o pára-choques até ao tejadilho indiciam um embate com um corpo erguido e não com um corpo projectado, em velocidade, por um outro veículo, para mais quando é certo, em face do rasto de sangue deixado no veículo do arguido e foi admitido pelo próprio, que a primeira zona de embate foi precisamente o pára-choques. Por outro lado, não faz igualmente sentido que esse embate num segundo veículo que seguisse em sentido contrário tivesse ocorrido após o embate no veículo do arguido, já que os vestígios encontrados no local e o posicionamento final da vítima revelam que a mesma foi projectada por um veículo que seguia no sentido Carregado/Azambuja, e não o oposto. Ademais, resultou do depoimento da testemunha H, que não foram encontrados vestígios de qualquer outra viatura no local, como seria normal que sucedesse caso tivesse havido um outro embate envolvendo outra viatura. Acresce que, vindo a vítima das instalações da empresa (…) - circunstância que não foi colocada em causa por ninguém e que se afigura compatível com o facto da mesma trabalhar nesse local, conforme se afere pelo contrato de trabalho de fls. 233 a 236, atento o respectivo horário de trabalho (cfr. certidão do auto de conciliação de fls. 366 a 371) - a travessia da via ter-se-á iniciado pela faixa de sentido contrário (Azambuja/Carregado), o que infirma a versão do arguido de que a vítima surgiu de forma repentina imediatamente após o cruzamento com outros veículos que seguiam em sentido contrário ao seu, que deixa por explicar em que momento é que a vítima teria percorrido toda a faixa contrária, já que a mesma teria estado praticamente até ao momento do embate ocupada por veículos. A não ser que a vítima já estivesse no eixo da via nesse momento, mas neste caso não se vê como é que o arguido, seguindo atento, poderia não a ver a tempo de desviar o carro. Nenhuma outra prova foi produzida que permitisse corroborar a versão confusa e pouco concretizada do arguido. Sobre esta matéria foi ainda inquirido o militar I, que esclareceu ter chegado ao local do acidente cerca de 1 hora após a sua ocorrência, e que, se bem que, pela isenção demonstrada, tenha merecido a confiança do Tribunal, apenas revelou ter conhecimento dos factos documentados nas fotografias que então tirou e das condições da via. Em face do que se deixou dito, designadamente dos vestígios encontrados na via (e sua localização) e deixados no veículo conduzido pelo arguido, não ficou, pois, o Tribunal com dúvidas de que os factos ocorreram conforme descrito na acusação, com excepção dos atinentes à velocidade que o arguido imprimia ao veículo no momento do embate, por não ter sido produzida prova cabal da mesma, já que o arguido sustenta que seguia a 80/90 km/h e não foi realizada qualquer perícia que permita afastar essa versão, não se afigurando suficiente para concluir nesse sentido a constatação, sem mais, de que o corpo da vítima se imobilizou a 87 metros do local do embate. A prova dos factos relativos ao elemento subjectivo resultou dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, sendo certo que, além disso, qualquer homem medianamente diligente e sagaz, como se presume, até pela sua postura e actividade profissional, ser o caso do arguido, sabe que os factos em equação nos presentes autos constituem crime. A inexistência, no local, de zonas destinadas à travessia de peões resultou dos depoimentos das testemunhas H e I. Quanto à situação sócio-económica do arguido, atendeu-se às declarações do próprio, as quais se afiguraram nesta parte sinceras e se revelaram conformes às regras da experiência comum, quanto aos seus antecedentes criminais ao CRC de fls. 340, quanto à ausência de cadastro rodoviário à informação de fls. 219/220 e quanto à data em que obteve carta de condução à cópia do respectivo documento de fls. 71. Já quanto aos factos respeitantes ao pedido cível, atendeu-se aos depoimentos das testemunhas J, vizinho e amigo de D, e K, pai de D e avô de E, em casa de quem as mesmas se encontram a viver, o que já sucedia em vida da vítima, que aí também residia. Com efeito, se bem que o primeiro tivesse um contacto mais próximo com D do que com a vítima, não hesitou em confirmar o relacionamento de ambos, também descrito em audiência por K, em termos que lograram convencer o Tribunal, revelando-se consentâneos com a existência de uma filha em comum (certidão de fls. 241) e resultando corroborados pela própria morada indicada pela vítima no contrato de trabalho (cfr. fls. 233), que corresponde à residência da testemunha K (cfr. fls. 251 e 252). Em face dos descritos depoimentos e atenta a natureza das relações existentes entre as demandantes e a vítima, não teve o Tribunal também dúvidas em considerar provada a factualidade atinente ao sofrimento causado por um evento desta natureza nas mesmas, em consonância com as regras da normalidade social. Assim, a este nível o Tribunal apenas não ficou convencido que esta situação tenha determinado perda do apetite e enfraquecimento físico da menor, por não ter sido espontaneamente referido por nenhuma das testemunhas, nem haver nos autos documentos clínicos que o comprovem. Outro tanto se diga quanto à circunstância de D ter sofrido um acidente vascular cerebral, que não se encontra clinicamente documentado, como se impunha, nem foi referido por nenhuma das testemunhas. Daí que o Tribunal apenas tenha considerado provado o internamento pelo período referido, conforme se afere da declaração médica de fls. 232. Por outro lado, o reconhecimento do corpo da vítima por parte de D encontra-se documentado a fls. 7, resultando das regras da experiência comum que tal circunstância, para mais atentas as mazelas físicas da vítima, constitui um factor de sofrimento acrescido. Para aferir da actividade e rendimentos do falecido, teve-se em consideração o teor do contrato de trabalho de fls. 233 a 236 e o recibo de vencimento de fls. 237, de onde, no entanto, apenas resulta o valor dos rendimentos auferidos no mês de Abril de 2008, pelo que não foi possível ao Tribunal aferir do valor médio dos diversos componentes da retribuição. A idade do falecido, da companheira e da filha resultou das certidões de fls. 238/239, 249/250 e 240/241, respectivamente. Os rendimentos auferidos em 2008 por D foram apurados com base na declaração de IRS pela mesma entregue nesse ano, na declaração de retenção e na cópia dos recibos emitidos pela mesma, constantes de fls. 243 a 246. Acresce que, atento o valor dos rendimentos pela mesma declarados em 2007, documentados a fls. 247/248, bem como o depoimento de K, não subsistem dúvidas de que era o arguido quem, no essencial, provinha ao sustento daquela e da filha de ambos, não se tendo, no entanto, apurado o montante da respectiva contribuição, por não ser matéria de que as testemunhas indicadas tivessem demonstrado conhecimento. Atendeu-se ainda à apólice de seguro junta aos autos para apuramento da transferência da responsabilidade emergente de acidentes de viação do veículo de matrícula 54-06-LD e à certidão do auto de tentativa de conciliação de fls. 366 a 371 do processo laboral por acidente de trabalho decorrente do sinistro que vitimou G. De referir ainda que a factualidade não provada resulta do que supra se expôs, sendo de salientar que se considerou não provado o facto da vítima já se encontrar em plena hemi-faixa de rodagem no sentido Azambuja/Carregado, alterando-se esse facto no sentido de ficar a constar que a mesma ainda se encontrava nessa hemi-faixa, por a primeira redacção ser susceptível de criar a convicção de que a travessia tinha acabado de se iniciar, o que não é compatível com a localização dos vestígios, ainda perto do eixo da via. III- Apreciação do Recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação, artº 412º, nº 1 do CPPenal. As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância da recorrente em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito e por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac.STJ de 19-6-96, in BMJ 458,98). Perante as conclusões do recurso as questões a decidir são as seguintes: 1ª- Da pretensa impugnação da matéria de facto e da valoração da prova relativa ao acidente (recurso do arguido); 2ª- Da medida da pena (recurso do arguido); 3ª- Se às quantias fixadas por danos patrimoniais futuros às demandantes devem ser subtraídas as quantias pagas pela Companhia de Seguros F (Companhia de Acidentes de trabalho) (recurso da Seguros C); 4ª- Do montante da indemnização arbitrado a D a título de dano não patrimoniais pela perda do direito à vida do seu companheiro (recurso da Companhia de seguros C); 5ª- Da indemnização por danos patrimoniais futuros (recurso subordinado das demandantes); 6ª- Da indemnização por danos não patrimoniais próprios das demandantes (recurso subordinado das demandantes). 1ª- Da pretensa impugnação da matéria de facto e da valoração da prova relativa ao acidente (recurso do arguido); O arguido/recorrente alega que, a vítima teria sido atropelada por outra viatura que circulava no sentido Azambuja- Carregado na faixa de rodagem da esquerda (atento o sentido de marcha do arguido), tendo o corpo sido projectado “contra o lado esquerdo da frente do automóvel que o recorrente conduzia, aí onde terá embatido em voo para depois subir pelo capot”. Mais alega que, do croqui elaborado pelas autoridades policiais consta a existência de uma mancha de sangue 12 metros, após o local onde o corpo da vítima foi encontrado, o que em seu entender, significa que a vítima teria sido colhida por outro automóvel. Este facto permitiria aceitar como boa a versão do arguido, ou pelo menos criar uma dúvida insanável quanto à matéria dada como provada, pelo que o arguido devia ter sido absolvido. O recorrente quando impugna a matéria de facto deve nos termos do art. 412º, nº 3 e 4 do CPPenal especificar: a) Os concretos pontos de factos que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. c) As provas que devem ser renovadas: As especificações a que se alude nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, se esta contiver essa indicação, art. 412º nº 3. Se a acta não contiver essa referência, o recorrente deve identificar e transcrever nas motivações de recurso as ditas passagens. O legislador não exige apenas que o recorrente indique as provas que permitam uma decisão diversa, mas que imponham uma diversa apreciação da matéria de facto. E compreende-se que assim seja, dado que o recurso não visa um novo julgamento sobre toda a matéria de facto, ou melhor, não pressupõe uma reapreciação de todos os elementos de prova prestados em audiência, que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes constitui um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, isto é, trata-se de uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto, que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. A apreciação da prova pelo tribunal da primeira instância beneficiou dos princípios da imediação e oralidade. O primeiro, pressupõe um contacto directo entre o julgador e as pessoas que perante ele depõem e é essa relação de proximidade que confere ao tribunal do julgamento em primeira instância os meios próprios e adequados para valorar a credibilidade dos depoentes. O segundo exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento se realizem oralmente, de modo que todas as prova excepto, naturalmente, aquelas cuja natureza não o permite terão de ser apreendidas pelo julgador por forma auditiva. Como salienta, o Professor Figueiredo Dias, na obra citada, pág. 233 e 234, " só os princípios da oralidade e imediação (---) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais". Neste sentido, se pronunciou o Ac.Rel. Porto de 5-6-02, in Procº nº 210320, in www.dgsi.pt, onde se escreve: ".... não podemos deixar de estar vinculados àquela situação de privilégio de que desfrutam os julgadores na primeira instância (....) o recurso não traduz uma repetição do julgamento, com análise de prova, mas sim um remédio para as situações que patenteiam erro de julgamento. Com efeito, o tribunal de recurso sofre um certo handicap relativamente ao tribunal perante o qual se produziu directamente a prova, onde têm pleno cabimento os princípios da imediação e da oralidade, complementados pelos do contraditório, livre apreciação da prova e in dubio pro reo. A prova escrita não consente a percepção do que aconteceu e não é escrito...os olhares, os esgares, as hesitações, o recato feito de personagem com papel bem desempenhado". Se a decisão de facto do julgador está devidamente fundamentada, sem vícios e é uma das soluções plausíveis, segundo a razão e as regras da experiência, então, a mesma é inatacável, visto ser proferida em obediência á lei, que impõe o julgamento segundo a sua livre convicção. Assim sendo, não basta que o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção do tribunal recorrido, através de argumentos donde se possa inferir que outra versão era possível, é necessário que demonstre que se impõe outra convicção e que a perfilhada pelo tribunal constitui uma impossibilidade lógica, uma violação das regras da experiência comum. O recorrente não indicou desde logo os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, pelo que não deu cumprimento ao disposto no art. 412º nºs 3 e 4 do CPPenal, logo a matéria de facto não pode ser modificada nos termos do art. 431º al. b) do mesmo diploma. No entender do recorrente, toda a matéria de facto relativa à dinâmica do acidente foi incorrectamente julgada, no entanto, também não se nos afigura que a sua argumentação coloque em crise a apreciação da prova realizada pelo tribunal a quo. Alega o recorrente que, a vítima teria sido atropelada por outra viatura que circulava no sentido Azambuja- Carregado na faixa de rodagem da esquerda, tendo o corpo sido projectado “contra o lado esquerdo da frente do automóvel que o recorrente conduzia, aí onde terá embatido em voo para depois subir pelo capot”. Não existe qualquer prova nos autos, a não ser na versão do arguido, que foi devidamente afastada pelo tribunal da primeira instância, de que outra viatura para além da do arguido interveio no acidente, dado que não foram encontrados na via vestígios de qualquer outra viatura na via, o que seria normal que sucedesse, caso tivesse havido um embate envolvendo outra viatura. Por outro lado, das fotografias constantes dos autos do veículo do arguido, e dos vestígios de sangue deixados na via, não há dúvidas que o veículo do arguido embateu na vítima, que foi projectada a uma distância de 87 m para a berma contrária. Como consta da fundamentação da decisão recorrida, o que corroboramos “atentos os danos que do embate resultaram para o veículo conduzido pelo arguido, não faz sentido a versão, em audiência aventada por este, de que o corpo da vítima pudesse ter sido projectado por uma qualquer outra viatura que seguisse em sentido contrário. Na verdade, a circunstância dos danos detectados no veículo do arguido se estenderem desde o pára-choques até ao tejadilho indiciam um embate com um corpo erguido e não com um corpo projectado, em velocidade, por um outro veículo, para mais quando é certo, em face do rasto de sangue deixado no veículo do arguido e foi admitido pelo próprio, que a primeira zona de embate foi precisamente o pára-choques”. Mais alega que, do croqui elaborado pelas autoridades policiais consta a existência de uma mancha de sangue 12 metros, após o local onde o corpo da vítima foi encontrado, o que em seu entender, significa que a vítima teria sido colhida por outro automóvel. Cremos que também não assiste razão ao arguido, quanto a este ponto. Na verdade, o movimento descontrolado da vítima após o embate com a viatura do arguido, que foi projectada para uma distância de 87 metros, face às lesões que apresentava descritas no nº 7 da matéria provada constitui uma razão plausível, a nosso ver, para a mancha de sangue encontrada após o local onde o corpo foi encontrado. E não temos dúvidas, que essa mancha de sangue não pode justificar a versão dos factos defendida pelo arguido, uma vez que tal implicaria que a vítima aí tivesse sido embatida por um veículo que circulava no sentido contrário ao do arguido, que tivesse sido projectada 99 metros até ser embatida pelo veículo do arguido, após o que foi projectada novamente 87 metros até ao local onde foi encontrada, versão que não assenta em qualquer meio de prova e que constitui um absurdo. A argumentação do recorrente não põe em crise a apreciação da prova feita pelo tribunal recorrido, pelo que se impõe manter a decisão. 2ª- Da medida da pena (recurso do arguido); O arguido alega que a pena aplicada deve ser graduada muito próxima do limite mínimo e que a suspensão deve deixar de estar condicionada ao contributo para a Associação B. Vejamos. O arguido incorreu no crime de homicídio negligente p. e p. no artº 137º, nº 1 do Cód. Penal a que cabe a pena de prisão até três anos ou com pena de multa. O tribunal optou pela pena de prisão, o que está correcto, tendo em conta as elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir no domínio da sinistralidade rodoviária, tanto mais que do acidente em causa nos autos resultaram consequências gravosas, a morte da vítima e as necessidades de prevenção especial são prementes dado que o arguido exerce a profissão de motorista e por isso, impõe-se que interiorize o desvalor da sua conduta e não volte a incorrer em situações semelhantes. As ideias base que devemos ter presentes para determinar a pena são as de que as finalidades desta residem, primordialmente, na tutela de bens jurídicos, na reinserção do arguido na comunidade e a de que a pena em caso algum deve ultrapassar a medida da culpa (art. 40º nº 1 e 2 do C.Penal). Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos violados. Teremos que encontrar, como ponto de referência o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição contrafáctica da norma violada. Este ponto será o limite mínimo da moldura penal concreta. Por outro lado, a culpa do arguido fornecer-nos-á o limite absolutamente inultrapassável na medida da pena. Finalmente, entre os limites máximo e mínimo, devem actuar os factores de prevenção especial visando a ressocialização e recuperação do delinquente para a sociedade. O tribunal aplicou ao arguido a pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução. Para a determinação da mesma, de acordo com os critérios constantes do art. 71º do C.Penal, o tribunal teve em conta: - a as elevadíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de criminalidade rodoviária, que causa grande alarme social em face dos bens jurídicos que estão em causa, a integridade física e a segurança rodoviária geral; -a ilicitude do facto que é média, atenta a concreta norma estradal violada; - o grau de culpa com que agiu; - as exigências de prevenção especial que se impõem de forma a que o arguido interiorize a ilicitude da sua conduta e não volte a delinquir; - as circunstâncias de ter carta de condução, há cerca de 30 anos, o não ter cadastro rodoviário, nem antecedentes criminais e o estar integrado socialmente, a nível laboral-profissional e familiar: Perante estes elementos afigura-se-nos, que a pena aplicada só peca por benevolência, pelo que não há motivos para que seja aplicada uma pena próxima do limite mínimo como pretende o recorrente. Quanto à condição de suspensão da execução da pena de entregar € 1.000,00 à Associação B, cremos que a mesma é de manter, uma vez que conforme consta da decisão recorrida, serve “ não só para uma maior interiorização por parte do arguido do mal por si praticado e da necessidade de não voltar a delinquir como constitui um sinal inequívoco à comunidade que a conduta do arguido não ficou impune (…)”. 3ª- Se às quantias fixadas por danos patrimoniais futuros às demandantes devem ser subtraídas as quantias pagas pela Companhia de Seguros F. A recorrente vem alegar que o tribunal a quo ao condená-la no pagamento da totalidade das quantias a título de danos patrimoniais, sem deduzir os valores já recebidos pelas demandantes, e reconhecendo que as indemnizações em que foi condenada não são cumuláveis violou o disposto nos arts. 483º, 495º, 562º a 564º do Cód. Civil. Cumpre decidir. A recorrente foi condenada a pagar às demandantes as quantias acima mencionadas por danos futuros e estas receberam da Seguradora de acidentes de trabalho as quantias, que constam do nº 55 da matéria provada. O acidente em causa nestes autos é simultaneamente um acidente de viação e de trabalho. O art. 26º do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto (que estabelece o regime de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), com a epígrafe “Acidentes de Viação e de Trabalho dispõe : “1 – Quando o acidente for simultaneamente de viação e de trabalho, aplicar-se-ão as disposições deste decreto-lei, tendo em atenção as constantes da legislação de trabalho”. À data do acidente estava em vigor a Lei nº 100/97 de 13-9, que estabelecia o regime jurídico dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que no seu art. 31º dispunha: “1.Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral. 2. Se o sinistrado em acidente receber de outros trabalhadores ou de terceiros indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou seguradora, esta considera-se desonerada da respectiva obrigação e tem o direito a ser desembolsada pelo sinistrado das quantias que tiver pagão ou despendido. 3. Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente ou da doença, a desoneração da responsabilidade será limitada àquele montante. 4. A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº 1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano, a contar da data do acidente. 5. A entidade empregadora e a seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo”. Deste preceito infere-se que havendo concorrências de responsabilidades por acidente de viação e de trabalho prevalece a responsabilidade de terceiro sobre a responsabilidade objectiva da entidade patronal. Esta tem um carácter subsidiário e residual. Neste sentido de pronunciaram os Acórdãos do STJ de 24-1-2002, CJ STJ, Ano X, tomo I, 2002, p. 54 e segs. e de 11-05-2011, proc. Nº 242-A/2001.C2.S1. Neste regime de concorrência de responsabilidades há que distinguir entre o plano das relações externas e o das relações internas. No primeiro plano, o lesado pode exigir a reparação dos danos causados pelo acidente, quer da entidade patronal, quer do condutor ou detentor do veículo. Só neste aspecto se pode falar de uma responsabilidade solidária da entidade patronal e do detentor do veículo. O outro aspecto do regime de solidariedade, como se refere no primeiro Acórdão acima citado: “ que consiste no facto de a prestação de um dos devedores liberar (os outros) já não ocorre nestes casos. Na verdade, se a indemnização paga pelo detentor do veículo extingue a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não é exacto, na medida em que a indemnização paga por esta não extingue a obrigação a cargo do responsável pelo risco do veículo ou pela culpa do respectivo condutor”. No segundo plano das relações internas, há que distinguir as seguintes situações: 1ª- Se é o detentor do veículo quem paga a indemnização devida, não lhe assiste nenhum direito em relação à entidade patronal, salvo nos casos de haver culpa por parte desta na produção do dano; 2ª- Se a indemnização for paga à vítima, no todo ou em parte, pela entidade patronal, ou Seguradora esta ficará sub-rogada nos direitos do sinistrado. Nesta hipótese, se tiver decorrido um ano e a vítima não tiver proposto a acção contra os responsáveis do acidente de viação, a entidade patronal ou Seguradora poderão intentar acção contra aqueles exercendo o direito de regresso (art. 31º nº 4 da lei nº 100/97); No caso de ser instaurada a acção pela vítima contra os responsáveis pelo acidente de viação, seja antes, ou depois de decorrido o prazo de um ano a contar da data do acidente, a entidade patronal ou a seguradora desta têm o direito de intervir como parte principal nesta acção, para aí formular o pedido de reembolso (art. 31º nº 5). Se a vítima recebeu indemnização pelo acidente de viação, a entidade patronal ou a sua Seguradora têm o direito de ser reembolsadas pela vítima (art. 31º nº2). No caso concreto, a Seguradora da entidade patronal pagou as quantias já mencionadas às demandantes, não propôs acção contra a Seguradora do acidente de viação, nem interveio na acção destes autos e a vítima não recebeu indemnização por parte da demandada, que é a Seguradora do acidente de viação, então, esta deve indemnizar integralmente as demandantes, independentemente da indemnização pelo mesmo dano arbitrada no foro laboral. O facto da companhia de Seguros da entidade patronal ter pago as quantias constantes do nº 55 da matéria provada às demandantes, não conduz a que se proceda aos descontos das mesmas na indemnização por danos patrimoniais futuros a pagar pela demandada nos presentes autos. Na verdade, a lei não prevê o desconto, por iniciativa do lesante demandado das quantias já pagas às vítimas, em consequência do acidente laboral, uma vez que, como se refere no Acórdão do STJ, de 11-12-2012, in www.dgsi.pt , “o interesse protegido através da consagração da proibição de duplicação ou acumulação matéria de indemnizações é, não obviamente o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral – pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o mero argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado- sendo, antes indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido, (traduzida ou, na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício o direito ao reembolso contra o próprio lesado, que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de acção de regresso em substituição do lesado que, no prazo de um ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito à indemnização global a que teria direito)”. As demandantes não podem receber duas vezes, pelo mesmo dano, isto é, as duas indemnizações não se cumulam, mas a Companhia de Seguros da entidade patronal não interveio em qualquer acção, então a questão terá de ser resolvida, no caso em análise, entre ambas por via por via judicial ou extra-judicial. Improcede, assim, o alegado pela recorrente, uma vez que não há que descontar qualquer quantia na indemnização fixada por danos patrimoniais futuros às demandantes. 2ª—Do montante da indemnização arbitrado a D a título de dano não patrimonial pela perda do direito à vida do seu companheiro. O tribunal da primeira instância fixou o montante da indemnização pela perda do direito à vida em 70.000,00 € a pagar a ambas as demandantes. A demandada vem alegar que, D vivia em união de facto com a vítima falecida, por isso, não tem direito à indemnização pela perda do direito à vida, uma vez que à data do acidente ainda não estavam em vigor as alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto e a lei só dispõe para o futuro, pelo que o tribunal ao fixar-lhe tal indemnização violou o disposto nos arts. 12º, 496º nºs 1 3 e 4 do Cód. Civil. Vejamos. O acidente em causa nos autos ocorreu no dia 28 de Outubro de 2008. À data dos factos, sob a epígrafe “danos não patrimoniais” dispunha o art. 496º nº 2 do Cód. Civil: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização nos termos do número anterior”. Na vigência deste preceito formaram-se duas correntes de jurisprudência: uma no sentido de que o membro sobrevivo da união de facto não tinha direito a ser indemnizado pela perda do direito à vida do seu companheiro e outra no sentido afirmativo. No sentido da primeira corrente citam-se os Ac. STJ de 24-05-2005, in CJ, ano XI, tomo 3, pag. 133; o Ac. STJ de 23-08-1998, in C.J., Ano VI, Tomo II, pág. 49; os Acs. da Rel. de Coimbra de 12-4-2004 e 18-10-2005; da Relação do Porto de 9-2-2009 e da Rel. Lisboa de 23-5-2006, todos in www.dgsi.pt. Seguiram o segundo entendimento, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 275/2002 de 19-06-2002, in DR II Série, os Acs. nºs 86/07 e 87/07 de 6-2-2007 e Acórdão nº 210/07 de 21-2-2007 do mesmo tribunal. Com a entrada em vigor da Lei nº 23/2010, o art. 496º do Cód. Civil passou a ter a seguinte redacção: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem 3. Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito à indemnização nos termos dos números anteriores”. Perante as divergências surgidas na anterior redacção do art. 496º do Cód. Civil, com a Lei nº 23/2010, que alterou tal preceito, o legislador veio adoptar uma das posições, a de que no caso da união de facto, a pessoa que vivia com a vítima falecida tem direito á indemnização por danos não patrimoniais. Assim, esta nova norma constitui-se como uma lei “interpretativa”. As leis interpretativas como refere o Prof. Baptista Machado, em “Introdução ao Direito e ao Discurso Legimitador” Almedina, 1983, pág.246 “ são aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais podiam ter adoptado”. Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei (obra citada, pág. 247). O saber se a pessoa sobreviva que vivia em união de facto com a vítima falecida tinha direito ou não a indemnização por danos não patrimoniais, na vigência anterior do art. 496º do Cód.Civil, constituía uma questão controversa e face à redacção da nova lei, o intérprete poderia ter interpretado aquela norma, de acordo com o teor actualmente em vigor, como já acontecia com uma das correntes jurisprudenciais, acima mencionadas, sem ultrapassar os limites da interpretação, pelo que a Lei nº 23/2010, constitui sem dúvida uma lei interpretativa. Assim, esta nova lei aplica-se a situações anteriores como resulta do art. 13º, nº 1 do Cód. Civil que estabelece, “ a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando, salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”. A razão de aplicação da lei interpretativa a factos e situações anteriores, como refere o Prof. Baptista Machado na obra citada págs. 246 e ss., reside em que, “vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da Lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas”. Tal lei veio consagrar uma solução que os tribunais podiam ter adoptado perante situações incertas ou de sentido controvertido. Pelo exposto, apesar dos factos em causa nos autos terem ocorrido em data anterior à publicação da Lei nº 23/2010, face à natureza interpretativa do art. 496º desta lei, que se aplica a situações anteriores, assiste à demandante D o direito a ser indemnizada pela perda do direito à vida da infeliz vítima, conforme o decidido pelo tribunal da primeira instância. Improcede, assim, o alegado pela recorrente. 5ª- Da indemnização por danos patrimoniais futuros (recurso subordinado das demandantes); O tribunal fixou a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 55.000,00 para a demandante D e em 45.000,00 para a demandante E. As demandantes alegam no recurso subordinado que estes montantes são manifestamente insuficientes, que violam o disposto nos arts. 562º, 564º, nº 2 e 566º do CPcivil e que devem ser fixados respectivamente em 125.231,44 € e 60.112,16 €. Estamos perante danos futuros indemnizáveis porque previsíveis, a concretizar por referência ao dinheiro (art. 564º nº 2, e 566º nº 1 do Cód. Civil). A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos e, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566/2 e 3 do Cód. Civil). Para o cálculo da indemnização por danos futuros a jurisprudência tem lançado mão de vários critérios, como de forma clara consta do acórdão recorrido, dos quais se destacam os seguintes: «- A capitalização do valor mensal, atribuindo-se um capital cujo rendimento calculado com base na taxa média liquida de juros dos depósitos a prazo, seja equivalente ao rendimento perdido; - A utilização de tabelas financeiras para determinação do capital necessário à formação de uma renda correspondente à perda de ganho, de modo a que no fim do prazo considerado aquele capital se extinga; - A aplicação das fórmulas utilizadas no cálculo das pensões em acidentes de trabalho. - Através da equidade com recurso a um cálculo aritmético traduzido no salário anual reduzido das despesas próprias – que se fixa em um terço – multiplicado pelo juro corrente descontado de uma parcela que impeça o enriquecimento injustificado pelo recebimento antecipado dos juros com manutenção do capital intacto – que se fixa em um quarto - e ponderada pelos anos de vida presumivelmente restantes». O Tribunal da primeira instância seguiu este último entendimento expresso pelo insigne Juiz Conselheiro Sousa Dinis (CJSTJ, ano IX, tomo I, 2001, 9), que nós também adoptámos, por se nos afigurar ser o mais útil a alcançar soluções mais justas, sem prejuízo, de se lhe introduzirem a alterações que se afigurem equitativas. Há que proceder, então, ao cálculo dos danos futuros de acordo com este critério, que está devidamente explanado no estudo do Insigne Juiz Conselheiro, que seguimos de perto. G faleceu com 43 anos de idade, vivia em união de facto e auferia um rendimento mensal de € (660,00 x 14 ) + (176, 63 x 12) = € 11.359,56. O seu rendimento anual era de € 11.359,56. G gastaria consigo 1/3 desse rendimento, ou seja, € 3.786,52, que deverá descontar-se (não há razões par alterar este ajustamento que vem sendo seguido pela nossa jurisprudência – Cfr. AcSTJ de 2/02/1993, CJSTJ, 1993, tomo I, pág. 131-, a menos que se trate de pequenas economias domésticas, em que há grande peso nas despesas fixas que se não se reduzem com a morte do consorte – cfr. Ac.RC de 15/01/1980, CJ, 1980, Tomo I, pág. 110). A importância restante- € 7.573,04 – seria o contributo de G para o lar que, com a sua morte, ficou privado, Então, há que determinar o capital necessário para ao juros de 5%, , se obter o rendimento de € 7.573,04/ano. Então, 100……..5 x………€ 7.573,04 757.040,00 : 5 = € 151.460,08 Esta importância vai sofrer um primeiro ajustamento, porque os familiares de G vão receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveriam receber em fracções anuais. Para evitar uma situação de enriquecimento injustificado à custa alheia, há que proceder a um desconto. Com efeito, o capital de indemnização não pode ser aquele que produza rendimento igual ao dos proventos do lesado. A redução destina-se, assim, a evitar que o lesado fique colocado numa situação em que receba os juros mantendo-se o capital intacto. O desconto a efectuar deve depender do nível de vida do país, do custo de vida e até da sensibilidade do próprio juiz que, genericamente, terá de calcular, quando é que o capital está totalmente amortizado. Pelo exposto, no caso em apreço, entende o Tribunal efectuar um desconto de ¼, ou seja € 37.865,02. O capital encontrado é, assim, de € 113.595,6. Sobre este valor deve recair um juízo de equidade, de modo a encontrar a indemnização que melhor se adeque ao caso concreto, tendo em conta a idade do lesado e eventualmente outros factores que se provem, para aferir se a unida de facto e a filha devem receber a totalidade daquele valor, um valor aproximado ou um valor superior, sendo quanto mais baixa for a idade da vítima, maior será a tendência para nos aproximarmos da quantia encontrada ou mesmo ultrapassá-la. Importa também ter em conta que a filha D tinha 7 anos à data dos factos e que a prestação de alimentos se prolongaria até aos 18 anos, 22 ou 25 consoante a mesma continuasse ou não a estudar. No caso em apreço, G faleceu com 43 anos de idade, esperando-o uma vida activa, em princípio, de mais 27 anos. Durante este período, G contribuiria para o sustento do agregado familiar e mais importante proporcionaria à filha, a possibilidade económica de até aos 25 anos continuar os estudos a nível superior. Do exposto, consideramos justa e equitativa a indemnização fixada a título de danos futuros previsíveis fixada pelo tribunal da primeira instância, em € 55.000,00 para a demandante D e em € 45.000,00 para a E. Improcede, assim, o alegado pelas demandantes no sentido de que os valores fixados são manifestamente insuficientes e não vislumbramos que violem os princípios definidos nos arts. 562º e 564º, nº 2 e 566º do cód. Civil. 6ª- Da indemnização por danos não patrimoniais próprios sofridos pelas demandantes com a morte da vítima (recurso subordinado das demandantes). As demandantes formularam o pedido de 30.000,00 € para cada uma, em relação a este tipo de danos. O tribunal da primeira instância fixou a indemnização em € 15.000,00 para demandante E e em € 18.000,00 para D. As demandantes no recurso subordinado consideram estes valores insignificantes, apontando como justas as quantias de € 30.000,00 para cada uma e que os valores da Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho não devem ser tomados em conta. O montante da indemnização, (por danos não patrimoniais) será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias no art. 494º; no caso de morte, podem ser atendidos, não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior (art. 496º, nº 3 do Código Civil). Os danos não patrimoniais sofridos pela companheira e filha com a morte da vítima, são graves e merecem a tutela do direito, o que decorre da lei. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral” diz que a indemnização por danos não patrimoniais “reveste aqui uma natureza acentuadamente mista: Por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. Como se entendeu no Ac. Rel. Porto de 9-7-1998, in C.J, Ano XXIII, Tomo IV, pág. 185, que “mais que uma verdadeira indemnização o montante em dinheiro a arbitrar por danos não patrimoniais representa antes a possibilidade de o lesado conseguir outros prazeres que, de alguma forma, lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão”. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, atendendo à sua gravidade, ao grau de culpabilidade do agente e à situação económica deste e do lesado, e às demais circunstâncias do caso, como resulta do nº 3 do art. 496º e do art. 494º do C.Civil. A forma de medir a gravidade do dano não patrimonial fica sempre, por conseguinte, dependente do arbítrio do julgador, a quem se pede que avalie o quantum necessário para proporcionar ao lesado meios económicos que, de algum modo, o compensem da lesão sofrida. O montante da indemnização, como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela “ deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda etc. E deve se proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”- Cfr. ibidem, pág. 474. Como se refere no Ac. STJ , de 10/2/1998, in C.J., Ano VI, Tomo I, pág. 67 “ a equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na lei”, pelo que será norteados por estes princípios que haverá de ser arbitrada a indemnização a quem a ela se considerar com direito. Posto isto, vejamos o caso concreto. Os valores fixados nas Portarias nºs 377/2008 de 28 de Junho e 679/2009 de 25 de Junho têm como objectivo a concretização de proposta razoável a fazer pelas Companhias de Seguros aos terceiros lesados, no entanto, não podem deixar de ser ponderados pelo tribunal, isto é “servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo”, com se refere no Acórdão do STJ de 25-2-2009, proferido no processo nº 3459/08. Os valores previstos nas Portarias mencionadas baseiam-se na duração da união de facto em relação à demandante D e no que respeita à filha na idade desta A demandante D viveu com G, cerca de 8 anos, e a filha tinha 7 anos à data do óbito do pai. Assim, os valores previstos são respectivamente de 20.520,00 € e 15.390,00 (anexo II da Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho). Quanto ao danos em causa provou-se que: A D e G eram um casal feliz; a morte deste constituiu um choque emocional para aquela, agravado pela circunstância de ter sido chamada para reconhecimento do cadáver; sentiu-se profundamente triste com a morte do companheiro e foi progressivamente entrando num estado de abatimento e enfraquecimento físico e foi internada no Hospital de S. José de 11 de Janeiro de 2010 até 5 de Fevereiro; antes da morte de G, D era uma pessoa feliz e extrovertida e não tinha problemas de saúde, desde então passou a isolar-se e tornou-se uma pessoa abatida e triste, situação que se mantém. Quanto à menor provou-se que antes da morte do pai era uma criança extrovertida e feliz; a morte do pai causou-lhe profunda tristeza e frequentes crises de choro e abatimento; que passou vários meses numa situação de grande fragilidade emocional; que a ausência do pai constitui ainda motivo de sofrimento e de perturbação na sua vida. Como se refere no acórdão do STJ de 18-7-2005, processo nº 72730, BMJ 349, pág.499 “Há que não fazer tábua rasa, na matéria, de que o desgosto de um filho que perde o pai se irá agravando com o seu crescimento, sobretudo por se ver privado do amparo daquele, relativamente à sua criação e educação”. Há que fazer apelo também aos critérios da igualdade e equidade tendo em conta nomeadamente os valores fixados pela Jurisprudência. Neste sentido, confere o Acórdão do STJ de 15.4.2009, proferido no procº nº 08P3704 em www.dgsi.pt. Ponderando os factos provados relativos aos danos sofridos pelas demandantes com a morte de G e fazendo apelo à equidade e aos valores que vêm sendo considerados na nossa jurisprudência, não há qualquer razão para alterar os montantes fixados pelo tribunal da 1ª instância. IV- Decisão Termos em que acordam os Juízes do Tribunal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas crime pelo arguido com taxa de justiça que fixamos em 4 UCs, Custas Cíveis pela demandada e quanto ao recurso subordinado pelas demandantes. Notifique. Évora, 19 de Dezembro de 2013 (texto elaborado e revisto pelo relator) José Maria Martins Simão Maria Onélia Vicente Neves Madaleno