Proc. n.º 151/14.4TBLLE.E1 – 1.ª secção Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora. (…) veio apresentar-se à insolvência e a mesma foi declarada por sentença proferida em 4-2-2014. Em 28 de Abril de 2014 foi proferida decisão que deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor insolvente, fixou o valor correspondente a um e 1/2 salário mínimo nacional como sendo o necessário ao sustento do devedor, durante os 5 anos subsequentes ao encerramento do processo, determinou que durante este período o devedor fique sujeito às obrigações decorrentes do art.º 239.º, nº 4 do CIRE c declarou encerrado o processo, por insuficiência da massa insolvente nos termos dos art.ºs 210.º, n.º 1, al. d), 232.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal. Em 9 de Maio de 2014 veio o insolvente requerer a junção aos autos do contrato de arrendamento para habitação por ele celebrado em 1/05/2014, alegando que teve necessidade de arrendar uma casa para poder receber as suas filhas, conforme acordado no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, sendo a renda mensal no valor de 350 Euros, e pedindo que seja acrescentada a quantia de 100 Euros ao valor definido no despacho inicial de exoneração do passivo restante. A pretensão do ora recorrente foi indeferida com o fundamento em que proferida decisão que deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e fixado o valor tido como necessário ao sustento do devedor, mostra-se esgotado o poder jurisdicional para apreciação do rendimento a ceder. Inconformado recorreu o insolvente tendo formulado as seguintes conclusões: A decisão do Tribunal a quo que o Recorrente muito respeita e estima, resulta de uma aplicação de direito errónea, incorrecta c consequentemente injusta, atendendo ao disposto no art.º 239.º, n.º 3, al. b), iii) e n.º 4 do CIRE. A redacção do art.º 239.º, n.º 3, al. b), III) e n.º 4 do CIRE aponta inequivocamente para a possibilidade de existirem despesas que podem ser tidas em consideração pelo Tribunal a quo, em momento posterior ao despacho inicial. Pelo que também é inequívoco que o despacho de que se recorre violou o disposto nas normas supra citadas e deve ser substituído por despacho que tenha em consideração os documentos juntos aos autos e que aumente o rendimento disponível do recorrente, em cem euros. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido pelo Relator, nesta Relação, despacho que determinou o cumprimento do contraditório nos termos do art.º 655.º, n.º 1, do CPC, por considerar existir uma circunstância que obsta ao conhecimento do recurso. Isto é, o valor da causa não cumprir os requisitos de admissibilidade do recurso previstos no art.º 629.º do CPC aplicável, ex vi do art.º 17.º do CIRE. Respondeu apenas o insolvente alegando em síntese que não é o valor indicado na petição inicial que deve ser considerado em sede de recurso, uma vez que o montante de € 825 representa apenas o rendimento mensal do recorrente e, sendo o período de cessão de 5 anos terá de se ter em conta a utilidade económica do pedido de exoneração do passivo, pelo que o activo global a considerar será o activo mensal a multiplicar por sessenta meses (5 anos), ou seja, 49.500,00 Euros. Proferida decisão, concluiu-se no sentido de rejeitar, por legalmente inadmissível, em função do valor da causa, o recurso de apelação interposto pelo insolvente (…). O Ministério Público, na qualidade de parte acessória no processo, veio requerer que sobre a aludida decisão singular recaísse acórdão, mediante submissão do caso a conferência, nos termos do art.º 652.º, n.º 3, CPC, invocando o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 328/2012, de 27-06-2012. Decidiu-se então indeferir o requerido pelo Ministério Publico por falta de legitimidade. O Exmo. Magistrado do Ministério Publico interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional que veio a decidir julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma constante do artigo 15.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de exoneração do passivo restante em processo de insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinada pelo activo do devedor e, por isso, julgou, em consequência, procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão da constitucionalidade. Cumpre, pois, conhecer do objecto do recurso. A decisão recorrida sustenta o entendimento segundo o qual no âmbito do pedido de exoneração do passivo restante, proferido despacho liminar, fica esgotado o poder jurisdicional para o efeito de apreciação do montante fixado naquele despacho a título de rendimento minimamente digno do devedor. Nas suas alegações sustenta o recorrente, em síntese, que a redacção do art.º 239.º, n.º 3, al. b), iii) e n.º 4 do CIRE aponta inequivocamente para a possibilidade de existirem despesas que podem ser tidas em consideração pelo Tribunal a quo, em momento posterior ao despacho inicial. Formulado pedido de exoneração do passivo é proferido despacho inicial determinando que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade designada de fiduciário. Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, para além do mais, do rendimento necessário ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (art.º 239.º, n.ºs 2 e 3, do CIRE). São também excluídas do rendimento disponível outras despesas ressalvadas pelo Juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor (art.º 239.º, n.º 3, (iii), do CIRE). A Lei aponta, pois, para a possibilidade de existirem despesas que podem ser tidas em consideração pelo Tribunal em momento posterior ao despacho inicial, despesas essas que podem integrar o conceito de rendimento necessário ao sustento minimamente digno ou serem consideradas autonomamente, mas de qualquer modo, excluídas do rendimento disponível a ceder aos credores. Ponto é que o devedor alegue factualidade nova tendo por referência a data de prolação do despacho liminar. Nesta sede o recorrente alegou ter tido necessidade de arrendar uma casa para poder receber as filhas, conforme acordado no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, sendo a renda de 350,00 Euros, mensais. Ora, a invocada regulação das responsabilidades parentais é bem anterior à prolação do despacho liminar. Podemos dizer que o regime de visitas então fixado não seria praticável dado que o recorrente habitava um quarto não sendo, por isso, possível que as filhas pernoitassem na sua companhia. Ou seja, a necessidade de um espaço habitacional maior não constitui factualidade superveniente em relação à data em que foi proferido despacho liminar. O que seria susceptível de constituir factualidade nova era a busca com sucesso desse novo espaço habitacional que, por sua vez, determinaria a necessidade de ter em conta essa nova despesa. O montante indispensável a uma existência condigna deve ser objecto de uma apreciação casuística tendo ainda em consideração os restantes interesses em causa, designadamente os dos credores. A exoneração do passivo não pode transformar-se num perdão generalizado das dívidas. Como sustenta o Tribunal a quo, entendemos que o ponto de partida será o valor de um salário mínimo nacional. Se o devedor não receber nenhuma quantia acima de tal valor, nada deverá entregar ao fiduciário. No caso dos autos o valor fixado corresponde a um salário mínimo e meio o que corresponde a cerca de 7/8 dos rendimentos que o recorrente aufere pelo seu trabalho. A alegação singela de que carece de espaço habitacional maior e que, por isso, arrendou uma casa pelo valor mensal de 350,00 Euros, traduz uma opção de facto consumado que desacompanhada de qualquer alegação tendente a demonstrar a impossibilidade, ou pelo menos, a extrema dificuldade em obter habitação a preços mais baixos, se nos afigura insuficiente para alterar o quantum fixado no despacho liminar a título de sustento minimamente digno. Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recuso. Custas a cargo da massa insolvente. Évora, 30-04-2015 Jaime de Castro Pestana Paulo de Brito Amaral Maria Rosa Barroso
Proc. n.º 151/14.4TBLLE.E1 – 1.ª secção Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora. (…) veio apresentar-se à insolvência e a mesma foi declarada por sentença proferida em 4-2-2014. Em 28 de Abril de 2014 foi proferida decisão que deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor insolvente, fixou o valor correspondente a um e 1/2 salário mínimo nacional como sendo o necessário ao sustento do devedor, durante os 5 anos subsequentes ao encerramento do processo, determinou que durante este período o devedor fique sujeito às obrigações decorrentes do art.º 239.º, nº 4 do CIRE c declarou encerrado o processo, por insuficiência da massa insolvente nos termos dos art.ºs 210.º, n.º 1, al. d), 232.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal. Em 9 de Maio de 2014 veio o insolvente requerer a junção aos autos do contrato de arrendamento para habitação por ele celebrado em 1/05/2014, alegando que teve necessidade de arrendar uma casa para poder receber as suas filhas, conforme acordado no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, sendo a renda mensal no valor de 350 Euros, e pedindo que seja acrescentada a quantia de 100 Euros ao valor definido no despacho inicial de exoneração do passivo restante. A pretensão do ora recorrente foi indeferida com o fundamento em que proferida decisão que deferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e fixado o valor tido como necessário ao sustento do devedor, mostra-se esgotado o poder jurisdicional para apreciação do rendimento a ceder. Inconformado recorreu o insolvente tendo formulado as seguintes conclusões: A decisão do Tribunal a quo que o Recorrente muito respeita e estima, resulta de uma aplicação de direito errónea, incorrecta c consequentemente injusta, atendendo ao disposto no art.º 239.º, n.º 3, al. b), iii) e n.º 4 do CIRE. A redacção do art.º 239.º, n.º 3, al. b), III) e n.º 4 do CIRE aponta inequivocamente para a possibilidade de existirem despesas que podem ser tidas em consideração pelo Tribunal a quo, em momento posterior ao despacho inicial. Pelo que também é inequívoco que o despacho de que se recorre violou o disposto nas normas supra citadas e deve ser substituído por despacho que tenha em consideração os documentos juntos aos autos e que aumente o rendimento disponível do recorrente, em cem euros. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido pelo Relator, nesta Relação, despacho que determinou o cumprimento do contraditório nos termos do art.º 655.º, n.º 1, do CPC, por considerar existir uma circunstância que obsta ao conhecimento do recurso. Isto é, o valor da causa não cumprir os requisitos de admissibilidade do recurso previstos no art.º 629.º do CPC aplicável, ex vi do art.º 17.º do CIRE. Respondeu apenas o insolvente alegando em síntese que não é o valor indicado na petição inicial que deve ser considerado em sede de recurso, uma vez que o montante de € 825 representa apenas o rendimento mensal do recorrente e, sendo o período de cessão de 5 anos terá de se ter em conta a utilidade económica do pedido de exoneração do passivo, pelo que o activo global a considerar será o activo mensal a multiplicar por sessenta meses (5 anos), ou seja, 49.500,00 Euros. Proferida decisão, concluiu-se no sentido de rejeitar, por legalmente inadmissível, em função do valor da causa, o recurso de apelação interposto pelo insolvente (…). O Ministério Público, na qualidade de parte acessória no processo, veio requerer que sobre a aludida decisão singular recaísse acórdão, mediante submissão do caso a conferência, nos termos do art.º 652.º, n.º 3, CPC, invocando o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 328/2012, de 27-06-2012. Decidiu-se então indeferir o requerido pelo Ministério Publico por falta de legitimidade. O Exmo. Magistrado do Ministério Publico interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional que veio a decidir julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, a norma constante do artigo 15.º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que, no recurso de decisões proferidas no incidente de exoneração do passivo restante em processo de insolvência, o valor da causa para efeitos de relação com a alçada do tribunal de que se recorre é determinada pelo activo do devedor e, por isso, julgou, em consequência, procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão da constitucionalidade. Cumpre, pois, conhecer do objecto do recurso. A decisão recorrida sustenta o entendimento segundo o qual no âmbito do pedido de exoneração do passivo restante, proferido despacho liminar, fica esgotado o poder jurisdicional para o efeito de apreciação do montante fixado naquele despacho a título de rendimento minimamente digno do devedor. Nas suas alegações sustenta o recorrente, em síntese, que a redacção do art.º 239.º, n.º 3, al. b), iii) e n.º 4 do CIRE aponta inequivocamente para a possibilidade de existirem despesas que podem ser tidas em consideração pelo Tribunal a quo, em momento posterior ao despacho inicial. Formulado pedido de exoneração do passivo é proferido despacho inicial determinando que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade designada de fiduciário. Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, para além do mais, do rendimento necessário ao sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (art.º 239.º, n.ºs 2 e 3, do CIRE). São também excluídas do rendimento disponível outras despesas ressalvadas pelo Juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor (art.º 239.º, n.º 3, (iii), do CIRE). A Lei aponta, pois, para a possibilidade de existirem despesas que podem ser tidas em consideração pelo Tribunal em momento posterior ao despacho inicial, despesas essas que podem integrar o conceito de rendimento necessário ao sustento minimamente digno ou serem consideradas autonomamente, mas de qualquer modo, excluídas do rendimento disponível a ceder aos credores. Ponto é que o devedor alegue factualidade nova tendo por referência a data de prolação do despacho liminar. Nesta sede o recorrente alegou ter tido necessidade de arrendar uma casa para poder receber as filhas, conforme acordado no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, sendo a renda de 350,00 Euros, mensais. Ora, a invocada regulação das responsabilidades parentais é bem anterior à prolação do despacho liminar. Podemos dizer que o regime de visitas então fixado não seria praticável dado que o recorrente habitava um quarto não sendo, por isso, possível que as filhas pernoitassem na sua companhia. Ou seja, a necessidade de um espaço habitacional maior não constitui factualidade superveniente em relação à data em que foi proferido despacho liminar. O que seria susceptível de constituir factualidade nova era a busca com sucesso desse novo espaço habitacional que, por sua vez, determinaria a necessidade de ter em conta essa nova despesa. O montante indispensável a uma existência condigna deve ser objecto de uma apreciação casuística tendo ainda em consideração os restantes interesses em causa, designadamente os dos credores. A exoneração do passivo não pode transformar-se num perdão generalizado das dívidas. Como sustenta o Tribunal a quo, entendemos que o ponto de partida será o valor de um salário mínimo nacional. Se o devedor não receber nenhuma quantia acima de tal valor, nada deverá entregar ao fiduciário. No caso dos autos o valor fixado corresponde a um salário mínimo e meio o que corresponde a cerca de 7/8 dos rendimentos que o recorrente aufere pelo seu trabalho. A alegação singela de que carece de espaço habitacional maior e que, por isso, arrendou uma casa pelo valor mensal de 350,00 Euros, traduz uma opção de facto consumado que desacompanhada de qualquer alegação tendente a demonstrar a impossibilidade, ou pelo menos, a extrema dificuldade em obter habitação a preços mais baixos, se nos afigura insuficiente para alterar o quantum fixado no despacho liminar a título de sustento minimamente digno. Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recuso. Custas a cargo da massa insolvente. Évora, 30-04-2015 Jaime de Castro Pestana Paulo de Brito Amaral Maria Rosa Barroso