ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA AA intentou, Procedimento Cautelar Especificado de Embargo de Obra Nova, contra BB Sociedade de Construção, S.A. alegando factos que em seu entender são tendentes a peticionar o embargo judicial da construção que a requerida está a desenvolver num lote que lhe pertence, correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4791/20100104, da freguesia da Luz, e inscrito na matriz predial urbana no artigo 6930.º-P. Deduzida oposição, inquiridas as testemunhas, veio a ser proferida sentença pela qual se julgou totalmente improcedente a providência e se absolveu a requerida do pedido.+ Inconformada, com tal decisão, veio a requerente interpor recurso apresentando as respetivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões, que se passam a transcrever: a) Com base nos depoimentos das testemunhas da Recorrente o Tribunal Recorrido deveria ter considerado demonstrado que do apartamento da Recorrente apenas se consegue agora visualizar uma parede estando a vista se não toda quase obstruída na sua totalidade. b) Sendo certo que anteriormente à obra a vista era de uma amplitude de cerca de 90º sobre a baía e a alguma praia. c) Tal facto está perfeitamente corroborado pelas imagens constantes das duas fotografias juntas aos autos designadamente a fotografia de Google pela qual se pode visualizar a vista a partir do apartamento da Recorrente, d) E a fotografia tirada da janela da casa da Recorrida também claramente mostra ao Tribunal a realidade visual a partir do apartamento da Recorrente. e) Houve assim erro de julgamento. f) A nova construção fez com que da varanda, janela e porta do prédio da requerente, em vez da vista mar que anteriormente existia, seja possível visualizar apenas uma parede. g) A testemunha CC foi muito clara quanto à obstrução de quase da totalidade vista anteriormente existente e que era desafogada, pela obra nova. h) A testemunha DD confirmou a obstrução da vista anteriormente existente que foi substituída pela obra nova. i) a recorrente alega que o valor de mercado da fração da requerente desceu de €130.00,00 para cerca de €70 000,00. j) houve quanto a este facto também um erro de julgamento. k) e a conclusão do Tribunal é incoerente com os factos demonstrados. l) É de experiência comum que existe uma correlação direta entre a vista de um imóvel e o valor de mercado, e que se pode retirar teor das declarações da mesma testemunha, independente de outros fatores de mercado poderem também contribuir para uma desvalorização m) A verdade é que a obstrução de uma vista acentua a desvalorização. n) o Tribunal não pode apenas e simplesmente concluir que se o apartamento não fora vendido antes da obra, que tal significa que a obra não influenciou na não concretização de uma venda. o) Tal foi confirmado e facilmente corroborado pelas declarações da testemunha DD quando questionado sobre o valor de mercado era que o preço inicial a pedir será sempre mais reduzido do que a desvalorização normal provocada por crise de mercado. p) Pelas declarações da testemunha e pela prova da destruição da vista é forçoso concluir que o apartamento desvalorizou de cerca de 120 000,00 euros para 80 000,00 euros. q) E errou o douto Tribunal ao não qualificar construção como sendo de 3 pisos considerando-se a obra não conforme ao processo licenciado. r) A testemunha CC, disse: que havia uma outra construção acima dos dois pisos que ocupa metade do terraço com área suficiente para ser qualificada por um piso extra independentemente de a mesma se destinar a cobertura, a compartimento as escadas etc. s) Tendo a área de cerca 11,50- 15 m2, a largura de cerca de 4-5 metros e altura de 3 metros tal como os outros pisos. t) Também a testemunha DD quando questionado acerca do números de pisos respondeu que “3 pisos…a considerar acima da terra… do terraço plano, nesse terraço existe uma construção” a qual confirmou ser a constante da fotografia pela qual se vê claramente o tamanho e composição do terceiro piso sendo certo que a altura é igual ao primeiro e segundo piso e a largura cerca de 4-5 metros. u) Depois de forçosamente se concluir para total obstrução e eliminação das vistas a que a Recorrente gozava desde que é proprietária evidentemente terá que se concluir pela gravidade do transtorno do bem-estar, o uso, o gosto e o entusiasmo da requerente na utilização da sua fração. v) Por fim houve omissão de pronúncia quanto à análise de factos alegados pela recorrente e que são no entender desta, relevantes para a resolução da colisão de direitos entre a Recorrente e a Recorrida, designadamente: a construção do terceiro piso é excessiva e a obra sem a cobertura “ou seja com mesmos apenas os dois pisos inseria-se perfeitamente na zona, w) E a cobertura ou terceiro piso não traz qualquer benefício para desenvolvimento económico-social da zona, x) o terceiro piso por ter um compartimento pequeno e servir de cobertura não traz grande valor ao tipo de moradias e às suas características; no entanto a largura e altura da parede do compartimento do compartimento afeta gravemente as características do prédio da Autora. y) A testemunha da requerida ter confirmado que os edifícios são todos em anfiteatro por forma a permitirem, pelo lado Sul, a visualização da praia. z) E a testemunha DD referiu que os tipos de construção existentes na zona são casas rés de chão e primeiro andar com salas em cima para aproveitamento de vistas. aa) Assim, deveria ter concluído o Tribunal que o prejuízo causado à Recorrente não é compensado pela mais valias à sociedade ou até absolutamente necessária para o exercício do direito fundamental do Recorrido. Conclusões de direito: 1. Ao contrário que considera o douto Tribunal, a requerente dispõe de um direito subjetivo à paisagem fazendo a paisagem parte do ambiente independentemente da sua caracterização enquanto direitos de personalidade. 2. A generalidade da doutrina ambientalista defende que o direito ao ambiente previsto na norma constitucional constante do artigo 66.º (Ambiente e qualidade de vida) nº 1 é um direito fundamental subjetivo diretamente aplicável na esfera dos particulares conforme o artigo 18º da CRP que prescreve que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 3. José Eduardo Figueiredo Dias fala num direito subjetivo tutelado direta e autonomamente (e não apenas como meio de efetivar outros direitos com ele relacionados, como o direito à vida, à saúde, de propriedade, etc). 4. Vasco Pereira da Silva defende que o “direito ao ambiente é um direito subjetivo fundamental que radica no principio da dignidade da pessoa humana. 5. Defendendo em “A vinculação das entidades privadas pelos direitos liberdades e garantias RDES 1987 p. 272-273 um deve geral de respeito que cabe a todos e qualquer individuo respeitar um direito fundamental. 6. Mafalda Carmona em O acto administrativo conformador de relações de vizinhança, 2011, 200- 209 referindo-se ao artigo 18º: “Da leitura clara resulta uma clara opção no sentido da vinculação das entidades privadas… valendo o direito fundamental para todos os sujeitos de direito, públicos ou privados, impõe-se a unidade do ordenamento jurídico, unidade essa cujo sentido é dado pela constituição. No especifico domínio do direito do ambiente como refere Jorge Miranda, não podem existir dúvidas do dever de respeito do ambiente são igualmente os sujeitos privados, … não consiste num efeito externo da previsão de um direito mas de um direito fundamental”… para de um dever geral de respeito pelos direitos fundamentais. 7. Isto para dizer que não é necessário uma atuação estadual ou norma ordinária que proteja a tutela do direito. 8. Luís Filipe Colaço Antunes em Direito Público do Ambiente, considera a paisagem como sendo elemento do ambiente: ambiente-paisagem referindo-se ao elemento estético, cultural e existencial do ambiente e m contraposição com o elemento naturalístico (componentes físicas e biológicas: “a paisagem é o modo de ser existencial da pessoa humana, poderemos… O direito à paisagem porventura mais do que o direito ao ambiente (stricto sensu) é um novo modo de ser dos direitos, liberdades e garantias pessoais.” 9. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado o ambiente e a paisagem enquanto direito humanos ambientais e confere-lhes uma proteção como direito pessoais enquanto direito à vida, direito a processo equitativo, direito ao respeito à vida privada e familiar nos termos do artigo 8º da convenção. 10. Os destinatários dos direitos fundamentais não são só o estado mas também os particulares na sua relação com outros particulares. 11. Neste sentido Gomes Canotilho Direito Constitucional e teoria da constituição 7ª Ed. Almedina, Coimbra. 12. Ora de acordo com a concordância prática deverá ser obtida a harmonização entre direitos potencialmente conflituantes. 13. Concluindo: Sendo a paisagem um direito fundamental enquanto direito ao ambiente previsto na constituição deve ser exigido o dever geral de respeito por entidades públicas e particulares e o entrar em ponderação de valores quando em concorrência com outros direitos fundamentais. 14. Assim, dada a gravidade da lesão do direito fundamental da Recorrente e a medida do benefício para o Recorrido a justiça far-se-á se a obra for demolida pelo menos na parte excessivamente onerosa para a Recorrente. 15. Estão violados os artigos 66º e 18º da CRP, os artigos 640º do CPC.+ A requerida apresentou alegações defendendo a manutenção do julgado. Cumpre apreciar e decidir+ O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso. Em face do teor das conclusões as questões suscitadas e a apreciar são: 1ª – Se existe erro de julgamento da matéria de facto; 2ª – Se a construção viola direitos subjetivos da recorrente, mais propriamente o seu direito de personalidade. Na 1ª instância foram dados como indiciariamente demonstrados os seguintes factos: 1. Através da AP. 3264 de 2010/11/12 foi registada, na proporção de ½ para EE e de ½ para AA, por compra a FF e GG, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “P” (Duplex), correspondente ao 2.º andar do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1909/19910618, da freguesia da Luz. 2. Através da AP. 425 de 2015/01/09 foi registada, a favor de AA, por sucessão hereditária de EE, a aquisição de ½ da referida fracção autónoma. 3. Através da AP. 7 de 1978/11/22 foi registada, por compra a “HH Imobiliária, Limitada”, a aquisição do terreno para construção urbana com área total de 235 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4791/20100104, inscrito na matriz predial no artigo 6930.º-P. 4. Nesse lote de terreno, a requerida está a edificar uma moradia, cuja construção foi autorizada pelo «Alvará de Obras de Construção n.º 43/22015», emitido em 31-08-2015 pela Câmara Municipal . 5. Segundo o referido alvará, com inicio em 31-08-2015 e termo em 01-09-2016, foi autorizada a construção de uma moradia unifamiliar no lote de terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4791/20100104, da freguesia da Luz, com as seguintes características: «Tipo de Obra: construção nova Área total de construção: 302,00 m2 Volumetria: 907,00 m2 Área de implantação: 107 m2 N.º de pisos acima da cota de soleira: 2 N.º de pisos abaixo da cota de soleira: 1 Cércea: 8,90 m N.º de fogos: 1 Utilização: habitação». 6. A edificação desenvolvida pela requerida está, pelo menos, a seis metros de distância do lado Sul da fração da requerente e à frente desta, lado a lado. 7. A nova construção impede, parcialmente, que da varanda, janela e da porta da fração da requerente seja visualizada parte do areal da praia e a “Rocha Negra”. 8. A altura máxima da parede da construção que a requerida está a desenvolver fica abaixo da cumeeira do telhado do edifício onde se situa a fração da requerente. 9. A requerida está a construir 2 pisos acima da cota de soleira e uma cobertura da estrutura de acesso ao terraço, com cerca de 11,50 m2. 10. No terraço da construção levada a cabo pela requerida serão instalados os equipamentos técnicos de ar condicionado e da bomba de calor do aquecimento central e ainda os painéis solares. 11. A requerente colocou o seu imóvel à venda em várias agências imobiliárias há cerca de 2 anos e 6 meses, retirando-o da venda há cerca de 15 dias, por razões não apuradas. 12. Nesse período, todas as ofertas de potenciais interessados adquirentes ficaram aquém dos valores pedidos pela requerente para a mencionada venda. Foram considerados indiciariamente não demonstrados os seguintes factos: 1. Que o terreno identificado da requerida, até à presente data, permanecesse coberto de ervas e plantas selvagens, aparentando ser um espaço de fruição pública ou um espaço verde da urbanização. 2. Que antes da edificação promovida pela requerida no seu terreno, da fração da autora era totalmente visível a praia e o mar. 3. Que a construção levada a cabo pela requerida retirasse luz solar à fração da requerente, designadamente quando o sol está a Sul desta última. 4. Que a requerente esteja a construir no terraço do edifício um compartimento recuado, constituindo mais um piso de construção. 5. Que a requerente pretenda passar a residir com a família em Inglaterra. 6. Que, em consequência da edificação realizada pela requerida, o valor de mercado da fração da requerente tenda descido de € 130 000 para cerca de € 70 000. 7. Que a edificação realizada pela requerida transtorne o bem-estar, o uso, o gosto e o entusiasmo da requerente na utilização da sua fração. Conhecendo da 1ª questão Como é sabido, a sindicalização da matéria de facto só pode ser exercida pelo Tribunal da Relação nos termos referidos no artº 662º do CPC. Nos termos do nº 1 da referida disposição legal a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Se bem entendemos das conclusões da alegação da recorrente, esta pretende impugnar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, invocando que foi incorretamente valorada pelo Tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, pugnando pela alteração da factualidade, não fazendo referência, no entanto, a qualquer ponto dos factos que foram dados como provados e não provados que se devam considerar incorretamente julgados e qual a resposta que em seu entender deve ser dada. Diremos que o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objeto do recurso; só deve conhecer, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada na respetiva fundamentação. (v. Ac do STJ de 12/01/1995, in C.J.I. 3, 84). Em todos os pontos das conclusões, a recorrente não menciona os pontos concretos da matéria (provada e não provada), cujas respostas, na sua perspetiva devessem merecer resposta diferente, apenas se limita de forma genérica, a invocar factos que considera incorretamente julgados pelo tribunal “a quo”, relativamente à questão das vistas, referindo que anteriormente havia uma larga visualização da envolvente exterior do apartamento, abrangendo toda a rocha negra, baia e parte da praia e agora a construção nova tirou-lhe essas vistas; da desvalorização económica do apartamento, por deixar de ter as vistas; o edifício está construído com três pisos e não dois; que a edificação realizada pela requerida transtorna o bem estar, o gosto da recorrente na utilização da sua fração, os quais pretende que sejam considerados provados, sem qualquer alusão aos pontos concretos da matéria provada e não provada que na sua perspetiva devem ser alterados. Também refere que houve omissão de pronuncia, relativamente à construção do terceiro piso, pois esta é excessiva e que o prédio com dois pisos tal como a maioria em seu redor seria uma mais valia para a envolvente urbanística da área. Dispõe o artº 640º, nº 1, do CPC (á semelhança do artº 685º-B, do CPC revogado) que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. E o nº 2 refere: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte; Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. As referidas exigências compreendem-se à luz do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (vide, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª ed., 2010, Almedina, 159). Assim, ante o descrito regime jurídico, verifica-se ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei em matéria de impugnação da matéria de facto referidas no artº 640º, do CPC. Não resta, pois, alternativa à total rejeição do recurso da decisão relativa à matéria de facto, atento o disposto no artº 640º, nº 1 e 2 do CPC., o mesmo é dizer que nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados. Já era, este o entendimento do anterior CPC, conforme decorria do disposto no artº 685º B nº 1 alíneas a) e b). Nesse sentido, aliás, pode ver-se Amâncio Ferreira que sustenta que a não satisfação dos ónus impostos pelo referido art.685º B, a cargo da recorrente, implicam a rejeição imediata do recurso ( - cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed.,157.) Com entendimento semelhante também se pronuncia Lopes do Rego ao afirmar que este preceito não previu o convite ao aperfeiçoamento quando o recurso versa sobre a matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente o estipulado nos nº 1 e 2 pois, se isso acontecer, o recurso é logo liminarmente rejeitado - cfr. Comentário ao C.P.C., 1999, 466 (sublinhado nosso). Também a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido que o recurso em que se impugna a matéria de facto deve ser rejeitado quando não levar às conclusões, não apenas a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorretamente julgados pelo tribunal recorrido, como também daqueles que, de harmonia com os fundamentos apontados, reputa demonstrados. Ou seja, impende sobre a recorrente, o ónus de especificar quais os pontos de facto em concreto que reputa indevidamente apreciados, com referência precisa aos aludidos depoimentos e/ou documentos, bem como indicar o sentido concreto em que a matéria fáctica impugnada deveria ter sido julgada pelo tribunal recorrido. Pelo exposto, atentas as razões e fundamentos acima explanados, não resta alternativa à total rejeição do recurso da decisão relativa à matéria de facto, atento o disposto no artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC, o mesmo é dizer que nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados. Porém, analisando a motivação da matéria de facto, encontramos na mesma - fls 89 a 91, uma cuidada apreciação da prova produzida, com referência direta e devidamente identificada não só do depoimento de cada uma das testemunhas como dos documentos juntos aos autos, tudo no âmbito da faculdade concedida pelo artº 607º, nº 5 do CPC. Assim, importa atender à factualidade dada como provada na 1ª instância. Face ao exposto, improcede a impugnação feita pela recorrente. Conhecendo da 2ª questão Entende a recorrente que o tribunal “a quo” fez uma incorreta aplicação do direito aos factos, porquanto entende que dispõe de um direito subjetivo à paisagem, fazendo, esta, parte do ambiente independentemente da sua caracterização enquanto direito de personalidade. Resulta da matéria dada como provada nos pontos 3, 4, 5, 6, que a construção que a requerida está a edificar, uma moradia, a mesma está a ser implantada em terreno de sua propriedade, sendo tal construção autorizada pelo “Alvará de Obras de Construção nº 43/22015”, emitido em 31-08-2015 pela Câmara Municipal. A construção desenvolvida pela requerida está, pelo menos, a seis metros de distância do lado Sul da fração da recorrente e à frente desta, lado a lado. Ora, como se refere na douta decisão, a qual não podemos deixar de sufragar, para existir servidão de vistas tutelada juridicamente, seria necessário que a distância entre os prédios fosse inferior a metro e meio, tal como resulta dos artºs 1360º, nº 1 e 1362º, nº 1, do Código Civil. Na situação dos autos não se mostra que tais preceitos tenham sido violados, quer porque a distância legal exigida entre os prédios foi manifestamente respeitada, quer porque não se demonstrou (nem sequer foi alegado) que a requerida tivesse feito qualquer abertura de janelas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes para o prédio da recorrente. Aqui chegados, importa apreciar se a construção levada a cabo pela requerida, viola o direito de personalidade da recorrente, (na vertente de direito subjetivo à paisagem). E, quanto a esta questão não podemos deixar de sufragar o entendimento que foi manifestado na sentença sob censura, onde ai se fez constar: “Não sofre contestação a ideia de que a nossa Lei Fundamental, nos seus artigos 1.º, 2.º, 69.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, nº 2, e Declaração Universal dos Direitos do Homem, que constitui um instrumento vinculativo para o Estado Português, nos seus artigos 6.º e 29.º, n.º 1, garantem e protegem os direitos de personalidade do ser humano. O mesmo acontece com a lei ordinária, conforme resulta, designadamente do artigo 70.º do Código Civil, instituindo a tutela geral de personalidade. Esta tutela a personalidade tem de reportar-se à especificidade de cada pessoa, podendo dizer-se com o Professor RABINDRANATH CAPELO DESOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 2011, p. 116, que a lei não tutela aqui um arquétipo como a personalidade normal, física ou sócio- culturalmente abstratamente dominantes, mas cada homem em si mesmo concretizado na sua específica realidade física e psíquica e moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à sua conceção e atuação moral próprias. É também ponto assente que os direitos de personalidade têm como objeto as mais variadas realidades atinentes à pessoa humana: vida, o próprio corpo, elementos anatómicos destacados do corpo, equipamento psíquico, identidade, honra, saúde física e psíquica. Sobre este último aspeto, quando se fala de saúde não se pode deixar de terem vista também as realidades que lhe são co-envolventes, como o sossego, o descanso, o lazer, o sono reparador, o ar puro, o ambiente sadio... Como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 28-04-2004, Processo n.º 253/04-1, relatado pelo Desembargador MANSO RAÍNHO, acessível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b880cace8d637c4a80256ed70052741d?OpenDocument, entendimento que foi reiterado no Acórdão da mesma Relação de 06-03-2014, Processo n.º 44/10.4TBVLN.G1, do mesmo relator, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4ecb7802579ec004d3832/a74cc 438a53741fd80257cb0003f0cf7?OpenDocument, solucionando questão idêntica à que se coloca na presente providência cautelar, «o conceito de direito de personalidade não é tão extenso que implique a vinculação de terceiros a absterem-se de usar e fruir de um prédio de modo a não causar sombra em prédio vizinho. E dizer isto é o mesmo que dizer que, a nível de direitos de personalidade, ninguém goza de qualquer direito à abstenção por parte de terceiros de projeção de sombras sobre a sua propriedade. O que as pessoas têm direito, enquanto manifestação do direito a um ambiente humano e sadio, é a um nível de luminosidade conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto. Isto di-lo expressamente a Lei de Bases do Ambiente no seu artigo 9.º, n.º 1. Mas como é evidente, a projeção de sombras por efeito de legítima edificação em prédio alheio em nada contende com este direito. Portanto, pese embora o prédio dos AA. ser atingido por sombra decorrente da interposição do viaduto, nenhuma ofensa a direitos de personalidade aqui se surpreende. O mesmo se diga quanto à paisagem: desfrutar de um cenário paisagístico natural interessante aos olhos de cada um (e ainda por cima à custa de bens e recursos naturais em grande parte necessariamente alheios...) não é um quid subsumível ao conceito de direitos de personalidade. Ninguém goza do direito a impedir outrem de edificar (bem como de florestar, de explorar o subsolo, etc.) só para que a paisagem de que vem desfrutando não fique (aos seus olhos, claro está!) diminuída ou degradada. Também neste domínio, tudo o que a lei – v. artigo 18.º, n.º 1 da Lei de Bases do Ambiente - visa é impor à Administração (Central, Local e Regional) uma atuação de modo a que na implantação de construções, infraestruturas e aglomerados urbanos não se provoque um impacto violento na paisagem preexistente. A defesa aqui é a do ambiente enquanto realidade estética aos olhos da coletividade, e não a defesa das vistas panorâmicas de um qualquer proprietário.» A requerente não o faz de modo expresso, mas pode também invocar-se a Convenção Europeia da Paisagem, feita em Florença em 20 de Outubro de 2000 e recebida no direito interno pelo Decreto n.º 4/2005, que tem por objetivo promover a proteção, a gestão e o ordenamento da paisagem e organizar a cooperação europeia neste domínio. Esta Convenção, que incide sobre área naturais, rurais, urbanas e periurbanas, abrangendo também as áreas terrestres, águas interiores e águas marítimas (artigo 2.º), não cria, contudo, na esfera dos particulares um direito subjetivo à paisagem, não dispondo de normas destinadas diretamente a tutelar o interesse particular. A sua finalidade é estabelecer um conjunto de critérios para as autoridades dos Estados signatários, para que adotem políticas locais, regionais e centrais adequadas e favoráveis ao correto ordenamento do território. De facto, refere-se no preâmbulo da Convenção o seguinte: «considerando que a paisagem desempenha importantes funções de interesse público nos campos cultural, ecológico, ambiental e social e que constitui um recurso favorável à atividade económica, cuja proteção, gestão e ordenamento adequados podem contribuir para a criação de emprego». O que está em causa é, segundo se crê, um interesse geral da coletividade na ordenação, requalificação ou preservação da paisagem e não o interesse particular e subjetivo de um qualquer proprietário, que apenas indiretamente poderá sair beneficiado pelas obrigações decorrentes da mencionada Convenção [com este enquadramento pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-09-2011, Processo n.º 11/09.7TBMRA.E1.S1, relatado pelo Conselheiro MOREIRA ALVES, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980 256b5f003fa814/8bde727c55527f288025790b0030cdd6?OpenDocument]. Feito este enquadramento prévio, pode concluir-se que a requerente não dispõe de um direito subjetivo à paisagem que possa impor aos proprietários confinantes, designadamente impedindo-os de edificar de acordo com autorizações administrativas regularmente concedidas para o efeito. O que está em causa no recurso pela requerente à via judicial será a eventual privação de alguma luz solar (ainda que tal circunstância se tivesse indiciado – cfr. o facto não demonstrado n.º 3) e o desfrute de vistas em virtude da construção da moradia da requerida. De acordo com o que vimos defendendo, não se está perante verdadeiros direitos de personalidade, mas, quanto muito, face a expectativas criadas pela requerente – admitidas nos artigos 17.º e ss. do articulado inicial – de que jamais seria privada daquilo que estava habituada (mais sol e uma vista da varanda da sua habitação mais desafogada). Mas mesmo admitindo que no caso, em consequência da situação retratada na matéria de facto indiciada, sejam reconhecidos verdadeiros direitos de personalidade, nunca estaríamos perante uma situação que pela gravidade ou anormalidade se devesse considerar excluída pelos riscos próprios da vida em comunidade, mas sim perante pequenos incómodos e aborrecimentos que sempre têm de ceder em face da ordenação que a requerida pretendeu dar ao seu direito de propriedade. Tenha-se presente, por último, que não se trata de uma situação de privação total ou significativa de sol, luminosidade ou vistas, mas de uma relativa diminuição das vistas, situação que nunca poderia justificar uma proibição de a requerida edificar no seu prédio, de acordo com projeto de licenciamento aprovado pela Câmara Municipal – cuja validade não foi colocada em causa e cuja competência sempre reservadas às instâncias jurídico-administrativas –, e respeitando as demais imposições legais e administrativas aplicáveis ao caso. Nesta conformidade, o recurso à presente providência por parte da requerente não preenche todos os referidos requisitos legais exigidos pelo legislador, improcedendo totalmente o pedido de embargo de obra nova formulado pela requerente.” Em suma, diremos que a decisão impugnada, não merece censura, sendo de confirmar, irrelevando, por isso, as conclusões apresentadas pela recorrente, não se mostrando violados os preceitos legais cuja violação foi invocada. DECISÃO Pelo exposto decide-se, julgar improcedente a apelação interposta e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. Évora, 22 de Setembro de 2016 Maria da Conceição Ferreira Mário António Mendes Serrano Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA AA intentou, Procedimento Cautelar Especificado de Embargo de Obra Nova, contra BB Sociedade de Construção, S.A. alegando factos que em seu entender são tendentes a peticionar o embargo judicial da construção que a requerida está a desenvolver num lote que lhe pertence, correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4791/20100104, da freguesia da Luz, e inscrito na matriz predial urbana no artigo 6930.º-P. Deduzida oposição, inquiridas as testemunhas, veio a ser proferida sentença pela qual se julgou totalmente improcedente a providência e se absolveu a requerida do pedido.+ Inconformada, com tal decisão, veio a requerente interpor recurso apresentando as respetivas alegações e terminando por formular as seguintes conclusões, que se passam a transcrever: a) Com base nos depoimentos das testemunhas da Recorrente o Tribunal Recorrido deveria ter considerado demonstrado que do apartamento da Recorrente apenas se consegue agora visualizar uma parede estando a vista se não toda quase obstruída na sua totalidade. b) Sendo certo que anteriormente à obra a vista era de uma amplitude de cerca de 90º sobre a baía e a alguma praia. c) Tal facto está perfeitamente corroborado pelas imagens constantes das duas fotografias juntas aos autos designadamente a fotografia de Google pela qual se pode visualizar a vista a partir do apartamento da Recorrente, d) E a fotografia tirada da janela da casa da Recorrida também claramente mostra ao Tribunal a realidade visual a partir do apartamento da Recorrente. e) Houve assim erro de julgamento. f) A nova construção fez com que da varanda, janela e porta do prédio da requerente, em vez da vista mar que anteriormente existia, seja possível visualizar apenas uma parede. g) A testemunha CC foi muito clara quanto à obstrução de quase da totalidade vista anteriormente existente e que era desafogada, pela obra nova. h) A testemunha DD confirmou a obstrução da vista anteriormente existente que foi substituída pela obra nova. i) a recorrente alega que o valor de mercado da fração da requerente desceu de €130.00,00 para cerca de €70 000,00. j) houve quanto a este facto também um erro de julgamento. k) e a conclusão do Tribunal é incoerente com os factos demonstrados. l) É de experiência comum que existe uma correlação direta entre a vista de um imóvel e o valor de mercado, e que se pode retirar teor das declarações da mesma testemunha, independente de outros fatores de mercado poderem também contribuir para uma desvalorização m) A verdade é que a obstrução de uma vista acentua a desvalorização. n) o Tribunal não pode apenas e simplesmente concluir que se o apartamento não fora vendido antes da obra, que tal significa que a obra não influenciou na não concretização de uma venda. o) Tal foi confirmado e facilmente corroborado pelas declarações da testemunha DD quando questionado sobre o valor de mercado era que o preço inicial a pedir será sempre mais reduzido do que a desvalorização normal provocada por crise de mercado. p) Pelas declarações da testemunha e pela prova da destruição da vista é forçoso concluir que o apartamento desvalorizou de cerca de 120 000,00 euros para 80 000,00 euros. q) E errou o douto Tribunal ao não qualificar construção como sendo de 3 pisos considerando-se a obra não conforme ao processo licenciado. r) A testemunha CC, disse: que havia uma outra construção acima dos dois pisos que ocupa metade do terraço com área suficiente para ser qualificada por um piso extra independentemente de a mesma se destinar a cobertura, a compartimento as escadas etc. s) Tendo a área de cerca 11,50- 15 m2, a largura de cerca de 4-5 metros e altura de 3 metros tal como os outros pisos. t) Também a testemunha DD quando questionado acerca do números de pisos respondeu que “3 pisos…a considerar acima da terra… do terraço plano, nesse terraço existe uma construção” a qual confirmou ser a constante da fotografia pela qual se vê claramente o tamanho e composição do terceiro piso sendo certo que a altura é igual ao primeiro e segundo piso e a largura cerca de 4-5 metros. u) Depois de forçosamente se concluir para total obstrução e eliminação das vistas a que a Recorrente gozava desde que é proprietária evidentemente terá que se concluir pela gravidade do transtorno do bem-estar, o uso, o gosto e o entusiasmo da requerente na utilização da sua fração. v) Por fim houve omissão de pronúncia quanto à análise de factos alegados pela recorrente e que são no entender desta, relevantes para a resolução da colisão de direitos entre a Recorrente e a Recorrida, designadamente: a construção do terceiro piso é excessiva e a obra sem a cobertura “ou seja com mesmos apenas os dois pisos inseria-se perfeitamente na zona, w) E a cobertura ou terceiro piso não traz qualquer benefício para desenvolvimento económico-social da zona, x) o terceiro piso por ter um compartimento pequeno e servir de cobertura não traz grande valor ao tipo de moradias e às suas características; no entanto a largura e altura da parede do compartimento do compartimento afeta gravemente as características do prédio da Autora. y) A testemunha da requerida ter confirmado que os edifícios são todos em anfiteatro por forma a permitirem, pelo lado Sul, a visualização da praia. z) E a testemunha DD referiu que os tipos de construção existentes na zona são casas rés de chão e primeiro andar com salas em cima para aproveitamento de vistas. aa) Assim, deveria ter concluído o Tribunal que o prejuízo causado à Recorrente não é compensado pela mais valias à sociedade ou até absolutamente necessária para o exercício do direito fundamental do Recorrido. Conclusões de direito: 1. Ao contrário que considera o douto Tribunal, a requerente dispõe de um direito subjetivo à paisagem fazendo a paisagem parte do ambiente independentemente da sua caracterização enquanto direitos de personalidade. 2. A generalidade da doutrina ambientalista defende que o direito ao ambiente previsto na norma constitucional constante do artigo 66.º (Ambiente e qualidade de vida) nº 1 é um direito fundamental subjetivo diretamente aplicável na esfera dos particulares conforme o artigo 18º da CRP que prescreve que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 3. José Eduardo Figueiredo Dias fala num direito subjetivo tutelado direta e autonomamente (e não apenas como meio de efetivar outros direitos com ele relacionados, como o direito à vida, à saúde, de propriedade, etc). 4. Vasco Pereira da Silva defende que o “direito ao ambiente é um direito subjetivo fundamental que radica no principio da dignidade da pessoa humana. 5. Defendendo em “A vinculação das entidades privadas pelos direitos liberdades e garantias RDES 1987 p. 272-273 um deve geral de respeito que cabe a todos e qualquer individuo respeitar um direito fundamental. 6. Mafalda Carmona em O acto administrativo conformador de relações de vizinhança, 2011, 200- 209 referindo-se ao artigo 18º: “Da leitura clara resulta uma clara opção no sentido da vinculação das entidades privadas… valendo o direito fundamental para todos os sujeitos de direito, públicos ou privados, impõe-se a unidade do ordenamento jurídico, unidade essa cujo sentido é dado pela constituição. No especifico domínio do direito do ambiente como refere Jorge Miranda, não podem existir dúvidas do dever de respeito do ambiente são igualmente os sujeitos privados, … não consiste num efeito externo da previsão de um direito mas de um direito fundamental”… para de um dever geral de respeito pelos direitos fundamentais. 7. Isto para dizer que não é necessário uma atuação estadual ou norma ordinária que proteja a tutela do direito. 8. Luís Filipe Colaço Antunes em Direito Público do Ambiente, considera a paisagem como sendo elemento do ambiente: ambiente-paisagem referindo-se ao elemento estético, cultural e existencial do ambiente e m contraposição com o elemento naturalístico (componentes físicas e biológicas: “a paisagem é o modo de ser existencial da pessoa humana, poderemos… O direito à paisagem porventura mais do que o direito ao ambiente (stricto sensu) é um novo modo de ser dos direitos, liberdades e garantias pessoais.” 9. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado o ambiente e a paisagem enquanto direito humanos ambientais e confere-lhes uma proteção como direito pessoais enquanto direito à vida, direito a processo equitativo, direito ao respeito à vida privada e familiar nos termos do artigo 8º da convenção. 10. Os destinatários dos direitos fundamentais não são só o estado mas também os particulares na sua relação com outros particulares. 11. Neste sentido Gomes Canotilho Direito Constitucional e teoria da constituição 7ª Ed. Almedina, Coimbra. 12. Ora de acordo com a concordância prática deverá ser obtida a harmonização entre direitos potencialmente conflituantes. 13. Concluindo: Sendo a paisagem um direito fundamental enquanto direito ao ambiente previsto na constituição deve ser exigido o dever geral de respeito por entidades públicas e particulares e o entrar em ponderação de valores quando em concorrência com outros direitos fundamentais. 14. Assim, dada a gravidade da lesão do direito fundamental da Recorrente e a medida do benefício para o Recorrido a justiça far-se-á se a obra for demolida pelo menos na parte excessivamente onerosa para a Recorrente. 15. Estão violados os artigos 66º e 18º da CRP, os artigos 640º do CPC.+ A requerida apresentou alegações defendendo a manutenção do julgado. Cumpre apreciar e decidir+ O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso. Em face do teor das conclusões as questões suscitadas e a apreciar são: 1ª – Se existe erro de julgamento da matéria de facto; 2ª – Se a construção viola direitos subjetivos da recorrente, mais propriamente o seu direito de personalidade. Na 1ª instância foram dados como indiciariamente demonstrados os seguintes factos: 1. Através da AP. 3264 de 2010/11/12 foi registada, na proporção de ½ para EE e de ½ para AA, por compra a FF e GG, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “P” (Duplex), correspondente ao 2.º andar do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1909/19910618, da freguesia da Luz. 2. Através da AP. 425 de 2015/01/09 foi registada, a favor de AA, por sucessão hereditária de EE, a aquisição de ½ da referida fracção autónoma. 3. Através da AP. 7 de 1978/11/22 foi registada, por compra a “HH Imobiliária, Limitada”, a aquisição do terreno para construção urbana com área total de 235 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4791/20100104, inscrito na matriz predial no artigo 6930.º-P. 4. Nesse lote de terreno, a requerida está a edificar uma moradia, cuja construção foi autorizada pelo «Alvará de Obras de Construção n.º 43/22015», emitido em 31-08-2015 pela Câmara Municipal . 5. Segundo o referido alvará, com inicio em 31-08-2015 e termo em 01-09-2016, foi autorizada a construção de uma moradia unifamiliar no lote de terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4791/20100104, da freguesia da Luz, com as seguintes características: «Tipo de Obra: construção nova Área total de construção: 302,00 m2 Volumetria: 907,00 m2 Área de implantação: 107 m2 N.º de pisos acima da cota de soleira: 2 N.º de pisos abaixo da cota de soleira: 1 Cércea: 8,90 m N.º de fogos: 1 Utilização: habitação». 6. A edificação desenvolvida pela requerida está, pelo menos, a seis metros de distância do lado Sul da fração da requerente e à frente desta, lado a lado. 7. A nova construção impede, parcialmente, que da varanda, janela e da porta da fração da requerente seja visualizada parte do areal da praia e a “Rocha Negra”. 8. A altura máxima da parede da construção que a requerida está a desenvolver fica abaixo da cumeeira do telhado do edifício onde se situa a fração da requerente. 9. A requerida está a construir 2 pisos acima da cota de soleira e uma cobertura da estrutura de acesso ao terraço, com cerca de 11,50 m2. 10. No terraço da construção levada a cabo pela requerida serão instalados os equipamentos técnicos de ar condicionado e da bomba de calor do aquecimento central e ainda os painéis solares. 11. A requerente colocou o seu imóvel à venda em várias agências imobiliárias há cerca de 2 anos e 6 meses, retirando-o da venda há cerca de 15 dias, por razões não apuradas. 12. Nesse período, todas as ofertas de potenciais interessados adquirentes ficaram aquém dos valores pedidos pela requerente para a mencionada venda. Foram considerados indiciariamente não demonstrados os seguintes factos: 1. Que o terreno identificado da requerida, até à presente data, permanecesse coberto de ervas e plantas selvagens, aparentando ser um espaço de fruição pública ou um espaço verde da urbanização. 2. Que antes da edificação promovida pela requerida no seu terreno, da fração da autora era totalmente visível a praia e o mar. 3. Que a construção levada a cabo pela requerida retirasse luz solar à fração da requerente, designadamente quando o sol está a Sul desta última. 4. Que a requerente esteja a construir no terraço do edifício um compartimento recuado, constituindo mais um piso de construção. 5. Que a requerente pretenda passar a residir com a família em Inglaterra. 6. Que, em consequência da edificação realizada pela requerida, o valor de mercado da fração da requerente tenda descido de € 130 000 para cerca de € 70 000. 7. Que a edificação realizada pela requerida transtorne o bem-estar, o uso, o gosto e o entusiasmo da requerente na utilização da sua fração. Conhecendo da 1ª questão Como é sabido, a sindicalização da matéria de facto só pode ser exercida pelo Tribunal da Relação nos termos referidos no artº 662º do CPC. Nos termos do nº 1 da referida disposição legal a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Se bem entendemos das conclusões da alegação da recorrente, esta pretende impugnar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, invocando que foi incorretamente valorada pelo Tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, pugnando pela alteração da factualidade, não fazendo referência, no entanto, a qualquer ponto dos factos que foram dados como provados e não provados que se devam considerar incorretamente julgados e qual a resposta que em seu entender deve ser dada. Diremos que o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objeto do recurso; só deve conhecer, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada na respetiva fundamentação. (v. Ac do STJ de 12/01/1995, in C.J.I. 3, 84). Em todos os pontos das conclusões, a recorrente não menciona os pontos concretos da matéria (provada e não provada), cujas respostas, na sua perspetiva devessem merecer resposta diferente, apenas se limita de forma genérica, a invocar factos que considera incorretamente julgados pelo tribunal “a quo”, relativamente à questão das vistas, referindo que anteriormente havia uma larga visualização da envolvente exterior do apartamento, abrangendo toda a rocha negra, baia e parte da praia e agora a construção nova tirou-lhe essas vistas; da desvalorização económica do apartamento, por deixar de ter as vistas; o edifício está construído com três pisos e não dois; que a edificação realizada pela requerida transtorna o bem estar, o gosto da recorrente na utilização da sua fração, os quais pretende que sejam considerados provados, sem qualquer alusão aos pontos concretos da matéria provada e não provada que na sua perspetiva devem ser alterados. Também refere que houve omissão de pronuncia, relativamente à construção do terceiro piso, pois esta é excessiva e que o prédio com dois pisos tal como a maioria em seu redor seria uma mais valia para a envolvente urbanística da área. Dispõe o artº 640º, nº 1, do CPC (á semelhança do artº 685º-B, do CPC revogado) que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. E o nº 2 refere: “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte; Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. As referidas exigências compreendem-se à luz do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (vide, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª ed., 2010, Almedina, 159). Assim, ante o descrito regime jurídico, verifica-se ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei em matéria de impugnação da matéria de facto referidas no artº 640º, do CPC. Não resta, pois, alternativa à total rejeição do recurso da decisão relativa à matéria de facto, atento o disposto no artº 640º, nº 1 e 2 do CPC., o mesmo é dizer que nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados. Já era, este o entendimento do anterior CPC, conforme decorria do disposto no artº 685º B nº 1 alíneas a) e b). Nesse sentido, aliás, pode ver-se Amâncio Ferreira que sustenta que a não satisfação dos ónus impostos pelo referido art.685º B, a cargo da recorrente, implicam a rejeição imediata do recurso ( - cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed.,157.) Com entendimento semelhante também se pronuncia Lopes do Rego ao afirmar que este preceito não previu o convite ao aperfeiçoamento quando o recurso versa sobre a matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente o estipulado nos nº 1 e 2 pois, se isso acontecer, o recurso é logo liminarmente rejeitado - cfr. Comentário ao C.P.C., 1999, 466 (sublinhado nosso). Também a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem entendido que o recurso em que se impugna a matéria de facto deve ser rejeitado quando não levar às conclusões, não apenas a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorretamente julgados pelo tribunal recorrido, como também daqueles que, de harmonia com os fundamentos apontados, reputa demonstrados. Ou seja, impende sobre a recorrente, o ónus de especificar quais os pontos de facto em concreto que reputa indevidamente apreciados, com referência precisa aos aludidos depoimentos e/ou documentos, bem como indicar o sentido concreto em que a matéria fáctica impugnada deveria ter sido julgada pelo tribunal recorrido. Pelo exposto, atentas as razões e fundamentos acima explanados, não resta alternativa à total rejeição do recurso da decisão relativa à matéria de facto, atento o disposto no artº 640º, nºs 1 e 2 do CPC, o mesmo é dizer que nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados. Porém, analisando a motivação da matéria de facto, encontramos na mesma - fls 89 a 91, uma cuidada apreciação da prova produzida, com referência direta e devidamente identificada não só do depoimento de cada uma das testemunhas como dos documentos juntos aos autos, tudo no âmbito da faculdade concedida pelo artº 607º, nº 5 do CPC. Assim, importa atender à factualidade dada como provada na 1ª instância. Face ao exposto, improcede a impugnação feita pela recorrente. Conhecendo da 2ª questão Entende a recorrente que o tribunal “a quo” fez uma incorreta aplicação do direito aos factos, porquanto entende que dispõe de um direito subjetivo à paisagem, fazendo, esta, parte do ambiente independentemente da sua caracterização enquanto direito de personalidade. Resulta da matéria dada como provada nos pontos 3, 4, 5, 6, que a construção que a requerida está a edificar, uma moradia, a mesma está a ser implantada em terreno de sua propriedade, sendo tal construção autorizada pelo “Alvará de Obras de Construção nº 43/22015”, emitido em 31-08-2015 pela Câmara Municipal. A construção desenvolvida pela requerida está, pelo menos, a seis metros de distância do lado Sul da fração da recorrente e à frente desta, lado a lado. Ora, como se refere na douta decisão, a qual não podemos deixar de sufragar, para existir servidão de vistas tutelada juridicamente, seria necessário que a distância entre os prédios fosse inferior a metro e meio, tal como resulta dos artºs 1360º, nº 1 e 1362º, nº 1, do Código Civil. Na situação dos autos não se mostra que tais preceitos tenham sido violados, quer porque a distância legal exigida entre os prédios foi manifestamente respeitada, quer porque não se demonstrou (nem sequer foi alegado) que a requerida tivesse feito qualquer abertura de janelas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes para o prédio da recorrente. Aqui chegados, importa apreciar se a construção levada a cabo pela requerida, viola o direito de personalidade da recorrente, (na vertente de direito subjetivo à paisagem). E, quanto a esta questão não podemos deixar de sufragar o entendimento que foi manifestado na sentença sob censura, onde ai se fez constar: “Não sofre contestação a ideia de que a nossa Lei Fundamental, nos seus artigos 1.º, 2.º, 69.º, n.º 1, 70.º, n.º 2, 72.º, nº 2, e Declaração Universal dos Direitos do Homem, que constitui um instrumento vinculativo para o Estado Português, nos seus artigos 6.º e 29.º, n.º 1, garantem e protegem os direitos de personalidade do ser humano. O mesmo acontece com a lei ordinária, conforme resulta, designadamente do artigo 70.º do Código Civil, instituindo a tutela geral de personalidade. Esta tutela a personalidade tem de reportar-se à especificidade de cada pessoa, podendo dizer-se com o Professor RABINDRANATH CAPELO DESOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 2011, p. 116, que a lei não tutela aqui um arquétipo como a personalidade normal, física ou sócio- culturalmente abstratamente dominantes, mas cada homem em si mesmo concretizado na sua específica realidade física e psíquica e moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à sua conceção e atuação moral próprias. É também ponto assente que os direitos de personalidade têm como objeto as mais variadas realidades atinentes à pessoa humana: vida, o próprio corpo, elementos anatómicos destacados do corpo, equipamento psíquico, identidade, honra, saúde física e psíquica. Sobre este último aspeto, quando se fala de saúde não se pode deixar de terem vista também as realidades que lhe são co-envolventes, como o sossego, o descanso, o lazer, o sono reparador, o ar puro, o ambiente sadio... Como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 28-04-2004, Processo n.º 253/04-1, relatado pelo Desembargador MANSO RAÍNHO, acessível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b880cace8d637c4a80256ed70052741d?OpenDocument, entendimento que foi reiterado no Acórdão da mesma Relação de 06-03-2014, Processo n.º 44/10.4TBVLN.G1, do mesmo relator, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4ecb7802579ec004d3832/a74cc 438a53741fd80257cb0003f0cf7?OpenDocument, solucionando questão idêntica à que se coloca na presente providência cautelar, «o conceito de direito de personalidade não é tão extenso que implique a vinculação de terceiros a absterem-se de usar e fruir de um prédio de modo a não causar sombra em prédio vizinho. E dizer isto é o mesmo que dizer que, a nível de direitos de personalidade, ninguém goza de qualquer direito à abstenção por parte de terceiros de projeção de sombras sobre a sua propriedade. O que as pessoas têm direito, enquanto manifestação do direito a um ambiente humano e sadio, é a um nível de luminosidade conveniente à sua saúde, bem-estar e conforto. Isto di-lo expressamente a Lei de Bases do Ambiente no seu artigo 9.º, n.º 1. Mas como é evidente, a projeção de sombras por efeito de legítima edificação em prédio alheio em nada contende com este direito. Portanto, pese embora o prédio dos AA. ser atingido por sombra decorrente da interposição do viaduto, nenhuma ofensa a direitos de personalidade aqui se surpreende. O mesmo se diga quanto à paisagem: desfrutar de um cenário paisagístico natural interessante aos olhos de cada um (e ainda por cima à custa de bens e recursos naturais em grande parte necessariamente alheios...) não é um quid subsumível ao conceito de direitos de personalidade. Ninguém goza do direito a impedir outrem de edificar (bem como de florestar, de explorar o subsolo, etc.) só para que a paisagem de que vem desfrutando não fique (aos seus olhos, claro está!) diminuída ou degradada. Também neste domínio, tudo o que a lei – v. artigo 18.º, n.º 1 da Lei de Bases do Ambiente - visa é impor à Administração (Central, Local e Regional) uma atuação de modo a que na implantação de construções, infraestruturas e aglomerados urbanos não se provoque um impacto violento na paisagem preexistente. A defesa aqui é a do ambiente enquanto realidade estética aos olhos da coletividade, e não a defesa das vistas panorâmicas de um qualquer proprietário.» A requerente não o faz de modo expresso, mas pode também invocar-se a Convenção Europeia da Paisagem, feita em Florença em 20 de Outubro de 2000 e recebida no direito interno pelo Decreto n.º 4/2005, que tem por objetivo promover a proteção, a gestão e o ordenamento da paisagem e organizar a cooperação europeia neste domínio. Esta Convenção, que incide sobre área naturais, rurais, urbanas e periurbanas, abrangendo também as áreas terrestres, águas interiores e águas marítimas (artigo 2.º), não cria, contudo, na esfera dos particulares um direito subjetivo à paisagem, não dispondo de normas destinadas diretamente a tutelar o interesse particular. A sua finalidade é estabelecer um conjunto de critérios para as autoridades dos Estados signatários, para que adotem políticas locais, regionais e centrais adequadas e favoráveis ao correto ordenamento do território. De facto, refere-se no preâmbulo da Convenção o seguinte: «considerando que a paisagem desempenha importantes funções de interesse público nos campos cultural, ecológico, ambiental e social e que constitui um recurso favorável à atividade económica, cuja proteção, gestão e ordenamento adequados podem contribuir para a criação de emprego». O que está em causa é, segundo se crê, um interesse geral da coletividade na ordenação, requalificação ou preservação da paisagem e não o interesse particular e subjetivo de um qualquer proprietário, que apenas indiretamente poderá sair beneficiado pelas obrigações decorrentes da mencionada Convenção [com este enquadramento pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-09-2011, Processo n.º 11/09.7TBMRA.E1.S1, relatado pelo Conselheiro MOREIRA ALVES, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980 256b5f003fa814/8bde727c55527f288025790b0030cdd6?OpenDocument]. Feito este enquadramento prévio, pode concluir-se que a requerente não dispõe de um direito subjetivo à paisagem que possa impor aos proprietários confinantes, designadamente impedindo-os de edificar de acordo com autorizações administrativas regularmente concedidas para o efeito. O que está em causa no recurso pela requerente à via judicial será a eventual privação de alguma luz solar (ainda que tal circunstância se tivesse indiciado – cfr. o facto não demonstrado n.º 3) e o desfrute de vistas em virtude da construção da moradia da requerida. De acordo com o que vimos defendendo, não se está perante verdadeiros direitos de personalidade, mas, quanto muito, face a expectativas criadas pela requerente – admitidas nos artigos 17.º e ss. do articulado inicial – de que jamais seria privada daquilo que estava habituada (mais sol e uma vista da varanda da sua habitação mais desafogada). Mas mesmo admitindo que no caso, em consequência da situação retratada na matéria de facto indiciada, sejam reconhecidos verdadeiros direitos de personalidade, nunca estaríamos perante uma situação que pela gravidade ou anormalidade se devesse considerar excluída pelos riscos próprios da vida em comunidade, mas sim perante pequenos incómodos e aborrecimentos que sempre têm de ceder em face da ordenação que a requerida pretendeu dar ao seu direito de propriedade. Tenha-se presente, por último, que não se trata de uma situação de privação total ou significativa de sol, luminosidade ou vistas, mas de uma relativa diminuição das vistas, situação que nunca poderia justificar uma proibição de a requerida edificar no seu prédio, de acordo com projeto de licenciamento aprovado pela Câmara Municipal – cuja validade não foi colocada em causa e cuja competência sempre reservadas às instâncias jurídico-administrativas –, e respeitando as demais imposições legais e administrativas aplicáveis ao caso. Nesta conformidade, o recurso à presente providência por parte da requerente não preenche todos os referidos requisitos legais exigidos pelo legislador, improcedendo totalmente o pedido de embargo de obra nova formulado pela requerente.” Em suma, diremos que a decisão impugnada, não merece censura, sendo de confirmar, irrelevando, por isso, as conclusões apresentadas pela recorrente, não se mostrando violados os preceitos legais cuja violação foi invocada. DECISÃO Pelo exposto decide-se, julgar improcedente a apelação interposta e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. Évora, 22 de Setembro de 2016 Maria da Conceição Ferreira Mário António Mendes Serrano Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes