Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores
ACÇÃO COMUM DEMARCAÇÃO
No do documento
Data do Acordão
10/20/2016
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
Decisão
REVOGADA
Sumário
I – A ação declarativa sob a forma de processo comum constitui o meio adequado para esgrimir a pretensão de estabelecer a demarcação, num determinado prédio ou parte dele, entre a zona afeta a uso comum e a zona afeta a uso exclusivo de determinado sujeito. II – O direito substantivo de obter a demarcação é inerente a outros direitos reais limitados, para além do direito à demarcação do proprietário consagrado no art.º 1353.º do CC.
Decisão integral
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autor: AA 

Recorridos / Réus: BB, CC, DD e mulher EE, FF e mulher GG, e HHe mulher II, representados pela Administração do Condomínio

 
Trata-se de uma ação declarativa por via da qual o A pretende ver reconhecido o direito de demarcar no prédio devidamente identificado nos autos a sua área de uso exclusivo em conformidade com a planta que junta ou, assim não se entendendo, que a linha de demarcação entre o uso exclusivo e o uso comum do prédio seja estabelecida com recurso a critérios de equidade e respeito pelos equipamentos e construção implantados no local, os quais deverão resultar integrados na área de uso comum.


II – O Objeto do Recurso

Concluída a fase dos articulados, exarando-se não haver necessidade de realizar a audiência final, foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente absolvendo os RR do pedido.

Inconformado, o A interpôs recurso da sentença pugnando pela nulidade e consequente revogação da decisão recorrida.

Apresenta as seguintes conclusões:
“1. Errou o tribunal a quo quando decidiu pela inaplicabilidade do artigo 1353º do Código Civil ao caso vertido nos autos.
2. Mais concretamente, errou o tribunal a quo ao não admitir a aplicabilidade da referida norma, por interpretação extensiva, no âmbito do artigo 9º do Código Civil.
 	3. Desta forma, é nula a sentença, nos termos da alínea c) do nº 1 e nº 4 do artigo
615º do Código de Processo Civil.
4. Não se pronunciou o tribunal quanto às questões vertidas pelo autor, aqui recorrente, nos artigos 26º até 33º e artigo 39º, todos da petição inicial.
 	5. Da mesma forma, não se pronunciou o tribunal quanto a um dos pedidos deduzidos pelo Autor, aqui recorrente.
 	6. Também por este motivo é nula a sentença, nos termos da alínea d) do nº 1 e nº 4 do artigo 615º do Código de Processo Civil.”

A Administração do Condomínio, em representação dos RR, contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida. 

Assim, cabe decidir as seguintes questões:
 	- da nulidade da sentença;
	- do direito do A a obter a demarcação da área sobre a qual lhe assiste o direito de uso exclusivo.
 

III – Fundamentos

A – Os factos provados 

Os factos considerados provados na 1.ª instância
 
	1. O Autor adquiriu por escritura celebrada em 29/05/2009 a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, apartamento número três, destinada a habitação, de tipologia T-um, com o uso exclusivo de uma zona do logradouro com 177,35m2, que faz parte do prédio urbano designado por Lote um-dois-três, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 4584, afeto ao regime de propriedade horizontal, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7612, encontrando-se a aquisição registada em nome do Autor pela Ap.5009 de 2009/06/01 – docs. fls.20 e segs. e fls.29 e segs., cujo teor se dá por reproduzido. 

 	2. Os Réus BB, CC, DD e mulher EE, FF e mulher GG, e HHe mulher II, são respectivamente donos das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “D”, “E” e “F”, do prédio urbano acima identificado. 

 	3. Foi deliberado pelos Réus em assembleia de condomínio realizada em 23.02.2013 que“…Entre a área de uso exclusivo do proprietário da fracção C e o jardim da área comum serão plantadas flores a fazer a divisão conforme desenho marcado com asterisco na foto nº 5”. 

 	4. A fossa séptica, cisterna, e a casa da água são de uso comum do prédio, e pertencem a todos os proprietários.

	Os factos provados por documentos (fls. 253 vs. e ss)

	5. O aqui A / Recorrente intentou ação declarativa de anulação de deliberações do condomínio contra os aqui RR / Recorridos visando, designadamente, a anulação da seguinte deliberação: 
	“Entre a área de uso exclusivo do proprietário da fração C e o jardim da área comum serão plantadas flores a fazer a divisão conforme desenho marcado com asterisco na foto n.º 5”.

	6. Tal ação foi julgada totalmente improcedente na 1.ª instância, vindo a ser confirmada por Acórdão desta Relação.

	7. Da fundamentação jurídica desse Acórdão consta, designadamente, o seguinte:
	- “da deliberação em causa, resulta uma pretensão delimitativa e simultaneamente decorativa entre a área de uso exclusivo do proprietário da fração C e o jardim inserido na área comum do prédio”;
	- “a deliberação é expressa no sentido de delimitar esse espaço (não o invadindo), sendo que é o próprio autor a admitir a existência dessa fronteira no art.º 15.º da petição inicial ao afirmar que os réus pretendem dividir a área de uso exclusivo do autor e o jardim da área comum”;
	- “é de concluir pela validade e eficácia desta deliberação (…)”;
	- “o condomínio pretende estabelecer a linha divisória entre a área destinada ao uso exclusivo do autor (proprietário da fração designada pela letra “C”) e o jardim da área comum”.


	B – O Direito

 Da nulidade da sentença.

	O recorrente invoca que a sentença é nula à luz do disposto no art.º 615.º n.º 1 als. c) e d) e n.º 4 do CPC. Sustenta, para tanto, que não foi lavrada pronúncia sobre questões vertidas na petição inicial nem sobre pedidos formulados nos autos. 

Ora vejamos.

Nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 al. c), é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; nos termos da al. d) do citado preceito, a nulidade verifica-se quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Já o n.º 4 regula o modo de arguição da referida nulidade.

 	Alcança-se da sentença recorrida que a mesma contempla fundamentos que implicam na decisão tomada, a qual não padece de ambiguidade, obscuridade ou inteligibilidade. Na verdade, aí se sustentou que não assiste ao A o direito a obter a demarcação ou a delineação da área sobre a qual tem o uso exclusivo relativamente à área de uso comum dos condóminos porquanto a situação em apreço não se enquadra no regime consagrado no art.º 1353.º do CC. Nesta senda, conclui pela absolvição dos RR do pedido. Ora, entendendo o tribunal a quo[1] que o direito do A não pode ser tutelado através das pretensões aqui formuladas com vista a ver reconhecido o direito de demarcação, com o desfecho sentenciado resulta prejudicado o conhecimento das questões e pedidos suscitados, nomeadamente a questão de saber o local concreto onde deve estabelecer-se, materialmente, a linha divisória entre a parte afeta ao uso exclusivo do A e a parte afeta ao uso comum dos condóminos.

	Por conseguinte, a sentença proferida não enferma de nulidade.

 Do direito do A a obter a demarcação da área sobre a qual lhe assiste o direito de uso exclusivo.

	O A, na qualidade de proprietário de uma fração autónoma e de titular do direito de uso exclusivo de uma zona do logradouro com 177,35m2 que faz parte do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, apresenta-se a juízo a requerer que os RR sejam condenados a reconhecer o seu direito de demarcar no prédio a sua área de uso exclusivo nos moldes por si indicados ou, assim não se entendendo, com recurso a critérios de equidade e respeito por equipamentos e construção implantados no local, os quais deverão estar integrados na área de uso comum.

	Os RR, demandados na qualidade de condóminos, pugnam pela improcedência da ação; alcança-se, no entanto, da contestação apresentada que se opõem ao concreto local onde o A pretende traçar a delimitação, aceitando, contudo, a necessidade de materialmente implantar a delimitação das zonas de uso comum e de uso exclusivo do A – o que, aliás, está em consonância com a deliberação tomada, julgada válida, com vista a plantar flores na linha divisória.

	Decorre do exposto que:
- o A, enquanto proprietário da fração C, tem direito de uso exclusivo de uma zona do logradouro, parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal;
- existe litígio entre o A  e os demais condóminos sobre a concreta área de uso exclusivo do A;
- foi judicialmente reconhecida a validade da pretensão de, neste caso concreto, dividir a área de uso exclusivo do aqui A da área de uso comum.

Na medida em que “A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei”[2], bem andou o A / Recorrente ao esgrimir a sua pretensão mediante a apresentação em juízo da petição inicial com que se iniciou o presente processo.

Por outro lado, “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, (…) bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.”[3] Assistindo, como se viu, ao A o direito de uso exclusivo de uma zona do logradouro, parte comum do prédio, perante o litígio instalado sobre o concreto local que delimita a zona de uso exclusivo da zona de uso comum do mesmo logradouro, afigura-se que a ação declarativa de processo comum constitui o meio adequado para o A fazer valer a sua pretensão de delimitação, pondo termo ao referido litígio. 

Na verdade, revogado que foi o CPC aprovado pelo DL n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, deixou de estar prevista, como ação especial de arbitramento, a ação de demarcação[4], cujo fim específico era o de fazer funcionar o direito substantivo à demarcação, designadamente, é certo, o direito reconhecido ao proprietário pelo art.º 1353.º do CC. Já então se defendia o recurso à ação declarativa, e não ao processo especial de demarcação, quando esta não pudesse fazer-se em face de documentos de que dispusessem as partes.[5] Já então se defendia que “Se o requerente invocar outro direito real, exercido no terreno, força é também demonstrá-lo para efeito da verificação da sua legitimidade.[6]”

É certo que A, por um lado, e RR, por outro, não se apresentam como proprietários de prédios confinantes, a submeter ao regime jurídico inserto no art.º 1353.º do CC – nem, aliás, o A, na petição inicial, invocou tal regime substantivo[7], que estabelece que “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação as estremas entre o seu prédio e o deles.”

Ora vejamos.

Por via da posição que ocupam no prédio urbano constituído em propriedade horizontal, o A e cada um dos RR é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício – art.º 1420.º n.º 1 do CC. O conteúdo deste direito real composto é definido, em primeira linha, pelas normas que informam o regime da propriedade horizontal; em segunda linha, nos pontos lacunosos de tal regime, pelas normas reguladoras da propriedade singular e da compropriedade[8].

Ao abrigo do disposto no art.º 1406.º n.º 1 do CC, atinente à compropriedade, “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.” No caso em apreço, A e RR estão de acordo sobre a existência do direito do A de usar, de forma exclusiva, parte do logradouro.

Ora, a tal direito de que é titular o A é inerente a faculdade de delimitar materialmente a linha divisória entre a zona de uso exclusivo e a zona de uso comum. Perante o litígio instalado com os demais condóminos sobre o local onde se estabelece essa linha, e pretendendo os condóminos materializa-la mediante a plantação e flores, o direito de demarcação afirma-se mesmo como um direito substantivo, inerente ao direito de uso exclusivo, a exercitar mediante a presente ação judicial intentada pelo A.

A esta conduta processual não obsta a circunstância de o A ser condómino no prédio, daí não resulta que litiga contra ele mesmo; apresenta-se na qualidade de proprietário de fração autónoma com direito de uso exclusivo de uma zona comum a esgrimir direito em litígio com os demais condóminos – v., aliás, que na vigência do regime que previa a ação especial de demarcação, se defendeu a adequação da pretensão de demarcação entre um prédio de que o autor é proprietário pleno e outro prédio de que é comproprietário.[9]

Certo é que o direito substantivo à demarcação não se restringe àquele que é consagrado no art.º 1353.º do CC. “A atribuição do direito de demarcação apenas ao proprietário não significa que os titulares de um direito real limitado que nisso tenham interesse não possam tomar a iniciativa de pedir a demarcação. O que não dispõem é de legitimidade para o fazerem só por si, devendo provocar, pelos meios processuais próprios, a intervenção do proprietário na lide, sempre que com ele não consigam estabelecer uma relação de litisconsórcio voluntário.”[10]

No caso em apreço, ao A assiste o direito a estabelecer a linha divisória entre a área destinada ao seu uso exclusivo e a área de uso comum. O que, aliás, indo de encontro à pretensão dos demais condóminos (atenta deliberação tomada em assembleia de condóminos), foi já judicialmente reconhecido. Estando presentes na lide todos aqueles que são comproprietários da parte comum do prédio onde há de estabelecer-se a linha divisória de cada uma das zonas, o efeito útil da demanda, em termos de legitimidade, encontra-se acautelado.

Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos com vista a determinar onde se estabelece a linha divisória entre a área destinada ao uso exclusivo do A e a área destinada a uso comum no logradouro do prédio.




IV – DECISÃO

Por todo o exposto, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos formulados pelo A.

Custas pelos Recorridos.

Registe e notifique.


					*

Évora, 20 de outubro de 2016



Isabel de Matos Peixoto Imaginário


Maria da Conceição Ferreira


Mário António Mendes Serrano


__________________________________________________
[1] 	 V. sentença a fls. 289 vs dos autos.
[2] 	 Art.º 1.º do CPC.
[3] 	 Art.º 2.º n.º 2 do CPC.
[4] 	 V. art.ºs 1052.º e ss, bem como art.º 1058.º daquele CPC.
[5] 	 V. Ac. STJ de 14 de junho de 1977, in BMJ n.º 268, p. 225; Ac. TRC de 8 de maio de 1934, RLJ LV II, p. 107; António Carvalho Martins, A Acção de Demarcação, Coimbra Editora, 1988, p. 21.
[6] 	 Cunha Gonçalves, Tratado, XII, n.º 1811, p. 122.
[7] 	 A sentença recorrida é que apreciou o direito invocado pelo A à luz de tal regime substantivo e não à luz de qualquer outro.
[8] 	 Jorge Alberto Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª edição, p. 61.
[9] 	 Cunha Gonçalves, ob. cit., p. 122.
[10] 	 António Carvalho Martins, ob. cit., p. 43.

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I – As Partes e o Litígio Recorrente / Autor: AA Recorridos / Réus: BB, CC, DD e mulher EE, FF e mulher GG, e HHe mulher II, representados pela Administração do Condomínio Trata-se de uma ação declarativa por via da qual o A pretende ver reconhecido o direito de demarcar no prédio devidamente identificado nos autos a sua área de uso exclusivo em conformidade com a planta que junta ou, assim não se entendendo, que a linha de demarcação entre o uso exclusivo e o uso comum do prédio seja estabelecida com recurso a critérios de equidade e respeito pelos equipamentos e construção implantados no local, os quais deverão resultar integrados na área de uso comum. II – O Objeto do Recurso Concluída a fase dos articulados, exarando-se não haver necessidade de realizar a audiência final, foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente absolvendo os RR do pedido. Inconformado, o A interpôs recurso da sentença pugnando pela nulidade e consequente revogação da decisão recorrida. Apresenta as seguintes conclusões: “1. Errou o tribunal a quo quando decidiu pela inaplicabilidade do artigo 1353º do Código Civil ao caso vertido nos autos. 2. Mais concretamente, errou o tribunal a quo ao não admitir a aplicabilidade da referida norma, por interpretação extensiva, no âmbito do artigo 9º do Código Civil. 3. Desta forma, é nula a sentença, nos termos da alínea c) do nº 1 e nº 4 do artigo 615º do Código de Processo Civil. 4. Não se pronunciou o tribunal quanto às questões vertidas pelo autor, aqui recorrente, nos artigos 26º até 33º e artigo 39º, todos da petição inicial. 5. Da mesma forma, não se pronunciou o tribunal quanto a um dos pedidos deduzidos pelo Autor, aqui recorrente. 6. Também por este motivo é nula a sentença, nos termos da alínea d) do nº 1 e nº 4 do artigo 615º do Código de Processo Civil.” A Administração do Condomínio, em representação dos RR, contra-alegou pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Assim, cabe decidir as seguintes questões: - da nulidade da sentença; - do direito do A a obter a demarcação da área sobre a qual lhe assiste o direito de uso exclusivo. III – Fundamentos A – Os factos provados Os factos considerados provados na 1.ª instância 1. O Autor adquiriu por escritura celebrada em 29/05/2009 a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, apartamento número três, destinada a habitação, de tipologia T-um, com o uso exclusivo de uma zona do logradouro com 177,35m2, que faz parte do prédio urbano designado por Lote um-dois-três, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 4584, afeto ao regime de propriedade horizontal, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7612, encontrando-se a aquisição registada em nome do Autor pela Ap.5009 de 2009/06/01 – docs. fls.20 e segs. e fls.29 e segs., cujo teor se dá por reproduzido. 2. Os Réus BB, CC, DD e mulher EE, FF e mulher GG, e HHe mulher II, são respectivamente donos das fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “D”, “E” e “F”, do prédio urbano acima identificado. 3. Foi deliberado pelos Réus em assembleia de condomínio realizada em 23.02.2013 que“…Entre a área de uso exclusivo do proprietário da fracção C e o jardim da área comum serão plantadas flores a fazer a divisão conforme desenho marcado com asterisco na foto nº 5”. 4. A fossa séptica, cisterna, e a casa da água são de uso comum do prédio, e pertencem a todos os proprietários. Os factos provados por documentos (fls. 253 vs. e ss) 5. O aqui A / Recorrente intentou ação declarativa de anulação de deliberações do condomínio contra os aqui RR / Recorridos visando, designadamente, a anulação da seguinte deliberação: “Entre a área de uso exclusivo do proprietário da fração C e o jardim da área comum serão plantadas flores a fazer a divisão conforme desenho marcado com asterisco na foto n.º 5”. 6. Tal ação foi julgada totalmente improcedente na 1.ª instância, vindo a ser confirmada por Acórdão desta Relação. 7. Da fundamentação jurídica desse Acórdão consta, designadamente, o seguinte: - “da deliberação em causa, resulta uma pretensão delimitativa e simultaneamente decorativa entre a área de uso exclusivo do proprietário da fração C e o jardim inserido na área comum do prédio”; - “a deliberação é expressa no sentido de delimitar esse espaço (não o invadindo), sendo que é o próprio autor a admitir a existência dessa fronteira no art.º 15.º da petição inicial ao afirmar que os réus pretendem dividir a área de uso exclusivo do autor e o jardim da área comum”; - “é de concluir pela validade e eficácia desta deliberação (…)”; - “o condomínio pretende estabelecer a linha divisória entre a área destinada ao uso exclusivo do autor (proprietário da fração designada pela letra “C”) e o jardim da área comum”. B – O Direito Da nulidade da sentença. O recorrente invoca que a sentença é nula à luz do disposto no art.º 615.º n.º 1 als. c) e d) e n.º 4 do CPC. Sustenta, para tanto, que não foi lavrada pronúncia sobre questões vertidas na petição inicial nem sobre pedidos formulados nos autos. Ora vejamos. Nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 al. c), é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; nos termos da al. d) do citado preceito, a nulidade verifica-se quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Já o n.º 4 regula o modo de arguição da referida nulidade. Alcança-se da sentença recorrida que a mesma contempla fundamentos que implicam na decisão tomada, a qual não padece de ambiguidade, obscuridade ou inteligibilidade. Na verdade, aí se sustentou que não assiste ao A o direito a obter a demarcação ou a delineação da área sobre a qual tem o uso exclusivo relativamente à área de uso comum dos condóminos porquanto a situação em apreço não se enquadra no regime consagrado no art.º 1353.º do CC. Nesta senda, conclui pela absolvição dos RR do pedido. Ora, entendendo o tribunal a quo[1] que o direito do A não pode ser tutelado através das pretensões aqui formuladas com vista a ver reconhecido o direito de demarcação, com o desfecho sentenciado resulta prejudicado o conhecimento das questões e pedidos suscitados, nomeadamente a questão de saber o local concreto onde deve estabelecer-se, materialmente, a linha divisória entre a parte afeta ao uso exclusivo do A e a parte afeta ao uso comum dos condóminos. Por conseguinte, a sentença proferida não enferma de nulidade. Do direito do A a obter a demarcação da área sobre a qual lhe assiste o direito de uso exclusivo. O A, na qualidade de proprietário de uma fração autónoma e de titular do direito de uso exclusivo de uma zona do logradouro com 177,35m2 que faz parte do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, apresenta-se a juízo a requerer que os RR sejam condenados a reconhecer o seu direito de demarcar no prédio a sua área de uso exclusivo nos moldes por si indicados ou, assim não se entendendo, com recurso a critérios de equidade e respeito por equipamentos e construção implantados no local, os quais deverão estar integrados na área de uso comum. Os RR, demandados na qualidade de condóminos, pugnam pela improcedência da ação; alcança-se, no entanto, da contestação apresentada que se opõem ao concreto local onde o A pretende traçar a delimitação, aceitando, contudo, a necessidade de materialmente implantar a delimitação das zonas de uso comum e de uso exclusivo do A – o que, aliás, está em consonância com a deliberação tomada, julgada válida, com vista a plantar flores na linha divisória. Decorre do exposto que: - o A, enquanto proprietário da fração C, tem direito de uso exclusivo de uma zona do logradouro, parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal; - existe litígio entre o A e os demais condóminos sobre a concreta área de uso exclusivo do A; - foi judicialmente reconhecida a validade da pretensão de, neste caso concreto, dividir a área de uso exclusivo do aqui A da área de uso comum. Na medida em que “A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei”[2], bem andou o A / Recorrente ao esgrimir a sua pretensão mediante a apresentação em juízo da petição inicial com que se iniciou o presente processo. Por outro lado, “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, (…) bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.”[3] Assistindo, como se viu, ao A o direito de uso exclusivo de uma zona do logradouro, parte comum do prédio, perante o litígio instalado sobre o concreto local que delimita a zona de uso exclusivo da zona de uso comum do mesmo logradouro, afigura-se que a ação declarativa de processo comum constitui o meio adequado para o A fazer valer a sua pretensão de delimitação, pondo termo ao referido litígio. Na verdade, revogado que foi o CPC aprovado pelo DL n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, deixou de estar prevista, como ação especial de arbitramento, a ação de demarcação[4], cujo fim específico era o de fazer funcionar o direito substantivo à demarcação, designadamente, é certo, o direito reconhecido ao proprietário pelo art.º 1353.º do CC. Já então se defendia o recurso à ação declarativa, e não ao processo especial de demarcação, quando esta não pudesse fazer-se em face de documentos de que dispusessem as partes.[5] Já então se defendia que “Se o requerente invocar outro direito real, exercido no terreno, força é também demonstrá-lo para efeito da verificação da sua legitimidade.[6]” É certo que A, por um lado, e RR, por outro, não se apresentam como proprietários de prédios confinantes, a submeter ao regime jurídico inserto no art.º 1353.º do CC – nem, aliás, o A, na petição inicial, invocou tal regime substantivo[7], que estabelece que “O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação as estremas entre o seu prédio e o deles.” Ora vejamos. Por via da posição que ocupam no prédio urbano constituído em propriedade horizontal, o A e cada um dos RR é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício – art.º 1420.º n.º 1 do CC. O conteúdo deste direito real composto é definido, em primeira linha, pelas normas que informam o regime da propriedade horizontal; em segunda linha, nos pontos lacunosos de tal regime, pelas normas reguladoras da propriedade singular e da compropriedade[8]. Ao abrigo do disposto no art.º 1406.º n.º 1 do CC, atinente à compropriedade, “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.” No caso em apreço, A e RR estão de acordo sobre a existência do direito do A de usar, de forma exclusiva, parte do logradouro. Ora, a tal direito de que é titular o A é inerente a faculdade de delimitar materialmente a linha divisória entre a zona de uso exclusivo e a zona de uso comum. Perante o litígio instalado com os demais condóminos sobre o local onde se estabelece essa linha, e pretendendo os condóminos materializa-la mediante a plantação e flores, o direito de demarcação afirma-se mesmo como um direito substantivo, inerente ao direito de uso exclusivo, a exercitar mediante a presente ação judicial intentada pelo A. A esta conduta processual não obsta a circunstância de o A ser condómino no prédio, daí não resulta que litiga contra ele mesmo; apresenta-se na qualidade de proprietário de fração autónoma com direito de uso exclusivo de uma zona comum a esgrimir direito em litígio com os demais condóminos – v., aliás, que na vigência do regime que previa a ação especial de demarcação, se defendeu a adequação da pretensão de demarcação entre um prédio de que o autor é proprietário pleno e outro prédio de que é comproprietário.[9] Certo é que o direito substantivo à demarcação não se restringe àquele que é consagrado no art.º 1353.º do CC. “A atribuição do direito de demarcação apenas ao proprietário não significa que os titulares de um direito real limitado que nisso tenham interesse não possam tomar a iniciativa de pedir a demarcação. O que não dispõem é de legitimidade para o fazerem só por si, devendo provocar, pelos meios processuais próprios, a intervenção do proprietário na lide, sempre que com ele não consigam estabelecer uma relação de litisconsórcio voluntário.”[10] No caso em apreço, ao A assiste o direito a estabelecer a linha divisória entre a área destinada ao seu uso exclusivo e a área de uso comum. O que, aliás, indo de encontro à pretensão dos demais condóminos (atenta deliberação tomada em assembleia de condóminos), foi já judicialmente reconhecido. Estando presentes na lide todos aqueles que são comproprietários da parte comum do prédio onde há de estabelecer-se a linha divisória de cada uma das zonas, o efeito útil da demanda, em termos de legitimidade, encontra-se acautelado. Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos com vista a determinar onde se estabelece a linha divisória entre a área destinada ao uso exclusivo do A e a área destinada a uso comum no logradouro do prédio. IV – DECISÃO Por todo o exposto, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos pedidos formulados pelo A. Custas pelos Recorridos. Registe e notifique. * Évora, 20 de outubro de 2016 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria da Conceição Ferreira Mário António Mendes Serrano __________________________________________________ [1] V. sentença a fls. 289 vs dos autos. [2] Art.º 1.º do CPC. [3] Art.º 2.º n.º 2 do CPC. [4] V. art.ºs 1052.º e ss, bem como art.º 1058.º daquele CPC. [5] V. Ac. STJ de 14 de junho de 1977, in BMJ n.º 268, p. 225; Ac. TRC de 8 de maio de 1934, RLJ LV II, p. 107; António Carvalho Martins, A Acção de Demarcação, Coimbra Editora, 1988, p. 21. [6] Cunha Gonçalves, Tratado, XII, n.º 1811, p. 122. [7] A sentença recorrida é que apreciou o direito invocado pelo A à luz de tal regime substantivo e não à luz de qualquer outro. [8] Jorge Alberto Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª edição, p. 61. [9] Cunha Gonçalves, ob. cit., p. 122. [10] António Carvalho Martins, ob. cit., p. 43.