Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANA CRISTINA DUARTE
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO PERDA DE VEÍCULO PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
No do documento
RG
Data do Acordão
05/03/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
Deve ser ressarcido o dano decorrente da privação do uso, mesmo nos casos de perda total do veículo em consequência de acidente de viação.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

        D… intentou contra «…Companhia de Seguros, SA» acção declarativa com processo sumário em que pede a condenação da ré no pagamento de € 15.275,00, acrescida de juros de mora e de € 225,00 mensais até lhe ser entregue o valor reclamado para que possa adquirir outro veículo semelhante ao danificado. Alega, para tanto, que se viu envolvido num acidente de viação da responsabilidade exclusiva de um segurado da ré, que já assumiu a sua culpa, em consequência do qual resultaram danos no seu veículo e prejuízos para a sua actividade profissional, que a ré se nega a indemnizar.
	Contestou a ré, aceitando a responsabilidade do seu segurado, mas impugnando o valor dos danos, já que entende que o valor do veículo era apenas € 3.050,00.
	Respondeu o autor mantendo o já alegado na petição inicial quanto ao valor venal do veículo.
	Elaborou-se despacho saneador, sem fixação da base instrutória, em função da sua simplicidade.
	Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a ré a pagar ao autor a indemnização global de € 12.670,00 e a quantia de € 180,00 mensais devidos a contar do mês de Setembro de 2009, até ser entregue ao autor o valor da indemnização para que o mesmo possa adquirir outro veículo semelhante ao sinistrado, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação, sobre a quantia de € 12.670,00.
	Discordando da decisão, dela interpôs recurso a ré, tendo na alegação formulado as seguintes
	Conclusões:
1ª – Como o autor reconhece, o veículo JM ficou completamente destruído em consequência do acidente em causa, não sendo possível a sua reparação, sendo esta, além disso, técnica e economicamente desaconselhável.
2ª – Deste modo, não era possível a reconstituição natural, pelo que a indemnização devida ao autor era em dinheiro ou seja, a importância correspondente ao valor comercial do veículo destruído, deduzido o valor dos salvados, no montante de € 9.250,00. (€ 10.000,00 – € 750,00).
3ª - Sendo a indemnização devida em dinheiro, o Autor apenas tinha direito a receber a importância correspondente ao valor do veículo, competindo ao Autor proceder à substituição do veículo destruído, como e quando entendesse.
4ª – A obrigação em que a Ré ficou constituída passou a ser assim uma obrigação pecuniária, e indemnização pelo incumprimento da obrigação pecuniária corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.
5ª – Assim, para além de não se ter provado que o autor tivesse realmente sofrido danos em consequência da privação do veículo desde que este foi considerado perda total e que não era recuperável, a indemnização devida ao autor era tão só a importância correspondente ao valor do veículo, deduzido o valor dos salvados.
6ª - De todo o modo, o maior gasto de tempo supostamente havido pelo autor deveu-se ao facto de este ter passado a efectuar os dois circuitos de transporte de passageiros que, antes eram, ou podiam ser realizados por duas pessoas.
7ª - Assim, ao passar o Autor a fazer os dois circuitos que antes eram feitos por duas pessoas, ficou completamente livre a outra pessoa.
8ª – Se o autor continuar a dividir o transporte dos jogadores por duas pessoas, como o fazia antes, quando utilizava dois veículos em simultâneo, gasta o mesmo tempo que gastava antes.
9ª – O valor dos salvados do veículo destruído foi fixado em € 750,00.
10ª – Deste modo, ao valor atribuído do veículo JM há que deduzir o valor dos salvados.
11ª – A indemnização a atribuir em dinheiro ao Autor não deve fixar-se em quantia superior a € 9.250,00, correspondente ao valor do veículo JM, deduzido o valor dos salvados.
12ª – Caso outro seja o entendimento, o montante que foi atribuído pela privação do veículo destruído deve ser o correspondente aos juros vencidos desde a
ocorrência do acidente.
13ª – Ao decidir, como decidiu, o Mmº. Juiz a quo não teve na devida conta a matéria de facto provada e o direito aplicável, mostrando-se violado o disposto nos artºs. 566º e 806º do Cód. Proc. Civil.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida.

	O apelado contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença sob recurso.
	O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos autos e com efeito devolutivo.
	Foram colhidos os vistos legais.

	A única questão a resolver consiste no apuramento dos danos resultantes do acidente de viação em causa.	

	II. FUNDAMENTAÇÃO
	Na sentença foram considerados os seguintes factos:
1. O A. é e era também em 14 de Janeiro de 2008, proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 19-34-JM ( cfr. doc. n.º 1 e 2 juntos com a p.i.).
2. Nesse mesmo dia 14 de Agosto 2008, pelas 18:35h, na E.N 203, KM 19,150m, na freguesia da Correlhã, concelho de Ponte de Lima, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente aquele veículo do A e o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 69-AC-03 ( cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i).
3. No preciso local do acidente, a E.N. 203 configura uma recta com cerca de 100/120m, marginada de ambos os lados por várias habitações voltadas para a E.N 203 (cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i).
4. Momentos antes do acidente, o condutor do JM circulava na referida via, no sentido P.Lima/Viana, pela hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o referido sentido.
5. Animado de velocidade não superior a 50 km/h.
6. Circulando junto da berma direita da sua hemi-faixa de rodagem
7. Nesse mesmo momento, o veículo AC circulava nessa mesma via, no sentido inverso, ou seja, Viana/P.Lima, a uma velocidade de cerca de 80 km/h.
8. Antes da entrada na recta do local do acidente, a E.N 203, atento o sentido de marcha do AC, descreve uma curva para a esquerda.
9. Logo após terminar de descrever essa curva para a esquerda, quando estava a não mais de 25/30 metros do veiculo JM, sem que nada o fizesse esperar, o veiculo AC direccionou-se para a sua esquerda e invadiu a hemi-faixa destinada à circulação em sentido contrário e em que o JM seguia.
10. O condutor do JM, perante a invasão da sua hemi-faixa de rodagem por parte do AC, direccionou o JM para o lado direito direita, tentando desviar-se o mais possível do AC.
11. O AC continuou a sua trajectória de viragem à esquerda e invasão da hemi-faixa rodagem destinada à circulação do sentido de transito contrário e chocou frontalmente com o JM.
12. O ponto de embate inicial assim entre a parte frontal esquerda do AC e a zona angular formada pela parte frontal esquerda e zona da cava da roda dianteira esquerda do veiculo JM. ( cfr. doc. n.º3 junto com a p.i).
13. O local de embate ocorreu, pelo menos, a mais de 2 metros contados desde o eixo da via para o interior da hemi-faixa de rodagem onde seguia o JM, ou seja, a do sentido P.Lima/ Viana.
14. O JM, devido ao choque sofrido, foi projectado contra o muro que, pelo lado direito, atento o seu sentido de marcha, delimita a berma da referida via. ( cfr. doc. n.º3 junto com a p.i).
15. Projecção que fez com que o JM embatesse com toda a sua parte lateral direita no referido muro.
16. O veiculo AC, por força do mesmo choque, rodopiou sobre a roda da frente esquerda e veio a ficar imobilizado, atravessado na perpendicular à faixa de rodagem, com a traseira virada para a berma direita e com a frente virada para a berma esquerda, atento o seu sentido de marcha, tal como melhor está representado no croquis do doc n.º 3 já junto com a p.i
17. O JM era perfeitamente avistável pelo condutor do AC.
18. No momento do acidente, o tempo apresentava-se seco e sem condições que perturbassem a visibilidade a qualquer condutor ( cfr. doc. n.º3 junto com a p.i).
19. A via tem, no referido local, sem contar com as bermas, a largura de 7,5metros e a berma do lado direito, atento o sentido P. Lima/ Viana mede 1,5 metros ( cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i ).
20. No local do acidente a via tinha e tem as suas bermas definidas por uma linha branca e o eixo da via está marcado por uma linha longitudinal descontínua, de cor branca.
21. O condutor do AC assumiu imediatamente a sua culpa e total responsabilidade pela ocorrência do acidente em causa, tendo referido ao condutor do JM e às autoridades policiais, logo após o acidente que, possivelmente, teria desmaiado e perdido o controlo e direcção do veículo. ( cfr. doc. n.º 3)
22. O veículo da A., por efeito do embate sofrido, ficou completamente destruído, nomeadamente na parte frontal, na parte lateral esquerda e toda a parte lateral direita.
23. Como a própria R também reconhece, fruto da destruição que sofreu, a reparação do JM era materialmente impossível e tecnicamente e economicamente desaconselhável. (cfr doc n.º 4 junto com a p.i).
24. Isto por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança, já que foi danificada a sua estrutura e o seu chassis ficou empenado.
25. O veículo do A. era um ligeiro de passageiros, de marca Mercedes, modelo Vito, movido a gasóleo, de 2300cc de cilindrada, com oito lugares, do ano de
1998. ( cfr. doc. n.º 1 junto com a pi).
26. Veículo que o A havia adquirido em Maio de 2007 e que registou nesse mês a seu favor (cfr doc 2 ).
27. Veiculo que estava em perfeito estado de conservação, sendo uma versão de luxo, especial para o transporte de passageiros, que o A. contava manter por muitos anos.
28. O valor comercial do veículo, à data do acidente, era de, pelo menos, 10.000 euros.
29. Sendo que, ainda hoje – Setembro de 2009 - passados mais de 20 meses após o acidente, veículos semelhantes, têm um preço que oscila entre os 9000 e os 10.000 euros.
30. O A é proprietário e gere, juntamente com outro familiar, uma escola juvenil de futebol, na freguesia da Correlhã, concelho de Ponte de Lima.
31. O A havia adquirido o veículo JM e outro veículo para, antes e no fim de cada treino ou jogo, poder transportar os jogadores até às suas casas.
32. Desde o dia 14.01.2008, que o A está privado da utilização do veículo JM, não tendo condições económicas para adquirir outro da mesma categoria.
33. Desde o dia do acidente, o A tem utilizado apenas um veículo para efectuar o transporte dos jogadores, fazendo com o mesmo veiculo os dois circuitos que antes podia fazer, em simultâneo, com recurso aos dois veículos que tinha.
34. Em virtude disso, demora o dobro do tempo a ir buscar e entregar os jogadores nas suas casas e conduz o dobro do que conduzia até aí, demorando, em média, mais 45 minutos para ir buscar e outros 45 minutos para ir levar os jogadores, num total de tempo acrescido de hora e meia diária.
35. Por este facto, o A, passou a chegar a casa cerca das 22:30, quando antes o fazia pelas 21:30 horas.
36. O A efectua estas recolhas e entregas de jogadores cerca de 3 a 4 vezes por semana, o que se traduz num trabalho acrescido para si de 18/24 horas por mês.
37. Por esse esforço acrescido levado a cabo pelo A, fixo a quantia de , por recurso à equidade, uma indemnização de 180 euros/mês (10,00euros x 18 horas) quantia essa que se peticiona até ser entregue ao A o valor aqui reclamado para que o mesmo possa adquirir outro veiculo semelhante ao JM.
38. Neste momento – Setembro de 2009 - tendo em atenção que a escola do A fecha nos meses de Agosto, perfazendo um total de 19 meses desde que ficou privado do JM, tal valor liquida-se em 3.420 euros.
39. O proprietário do veículo 69-AC-03, por contrato de seguro titulado sob a apólice n.º 5511534 da R., transferiu para esta a responsabilidade civil para com terceiros emergente de acidente de viação causado na condução daquele veículo.
40. O valor dos salvados do JM é de € 750,00.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.ºs 2 e 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
A delimitação do objecto do recurso pelas conclusões da alegação é, neste caso concreto, de particular importância, uma vez que a apelante no corpo da alegação, parece não concordar com a inclusão de determinados factos nos factos provados, sem que, no entanto, impugne a decisão sobre a matéria de facto, o que podia fazer, uma vez que a prova foi gravada.
Não o tendo feito, são irrelevantes as considerações àcerca da má decisão sobre a matéria de facto que, assim, se tem que considerar assente.
Teremos, portanto, que nos ater às conclusões do recurso.

A apelante restringiu o recurso à matéria dos danos e ao cálculo da indemnização devida, aceitando a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização.
Relativamente aos danos provou-se que o veículo do autor ficou destruído, sendo a sua reparação técnica e economicamente desaconselhável, pelo que foi considerado uma “perda total”, sendo o seu valor comercial, à data do acidente, de € 10.000,00 e o valor dos salvados de € 750,00. Mais se provou que o autor tinha este veículo e outro para transportar os jogadores de uma escola de futebol, de que é proprietário, no início e no fim de cada treino ou jogo, tendo ficado privado da sua utilização desde o dia do acidente, o que o obriga a gastar o dobro do tempo nos referidos transportes (por só ter, agora, um veículo disponível), tendo este esforço acrescido sido quantificado no valor de € 180,00/mês.
	Como decorre do artigo 562º do CC, o princípio geral da obrigação de indemnizar é o da reposição natural, isto é, o de que a reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
	Tal reconstituição deve, em princípio, ser feita mediante reconstituição natural – artigo 566.º, n.º 1 do CC.
	Excepcionalmente, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 566º do CC, quando não for possível a reconstituição natural, quando não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, é que a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atribuída pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
	É encargo do lesante promover a reparação dos danos que causou, sendo que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – danos emergentes e lucros cessantes, na expressão do artigo 564.º, n.º 1 do CC.
	E que danos são esses?
	As partes estão de acordo e resultou assente nos autos que o veículo do autor ficou destruído em consequência do acidente, sendo a sua reparação materialmente impossível e técnica e economicamente desaconselhável.
	Ou seja, trata-se de uma perda total.
	Ora, entende a apelante que, tratando-se de uma perda total, por força da inviabilidade da reparação, a paralisação do veículo é definitiva, pelo que não poderia o autor ter direito a uma indemnização pela privação do uso do veículo, pois a impossibilidade da sua utilização não constitui um prejuízo autónomo susceptível de gerar indemnização.
	Não podemos concordar com tal entendimento.
	A não reposição atempada da situação anterior ao evento lesivo – reposição essa que, em casos de perda total do veículo corresponde, não à reparação dos estragos materiais sofridos pelo veículo acidentado, mas antes ao pagamento do valor necessário à aquisição de veículo com características idênticas às do veículo destruído – tem apenas como efeito o avolumar do dano decorrente da manutenção da situação lesiva. Se o lesante não repõe a situação anterior ao evento lesivo, suportará as consequências, tendo assim de pagar indemnização, tanto mais avultada quanto maior for o período em que o lesado se veja impedido de utilizar um veículo com as características idênticas às do acidentado.
	Neste caso, a impossibilidade do lesado usar e fruir um automóvel destruído num acidente de viação cessará quando o responsável repuser o seu património, através do pagamento do montante necessário à aquisição de veículo com características idênticas.
	Tal obrigação de reparação do dano que resulta da impossibilidade de fruir e usar um veículo tem a sua causa adequada no próprio acidente, pelo que, apurada que seja a existência da obrigação de indemnizar (responsabilidade civil extracontratual), tem este dano que ser reparado paralelamente com o dano da destruição do veículo.
	Daí que, quer decorra do facto lesivo uma impossibilidade de restauração natural, quer não (quer seja possível a reparação do veículo, quer não seja, ou esta seja excessivamente onerosa), sempre ocorrerá para o lesado a privação temporária do uso de um bem da sua propriedade, sendo que essa privação constitui um dano autónomo indemnizável pelo responsável civil – veja-se, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 05/01/2010, in CJ, ano XXXV, tomo I, pág. 167 e 168.
	Neste mesmo acórdão da Relação do Porto pode ler-se em abono da tese aqui defendida: «Também nestes casos – perda total do veículo interveniente em acidente de viação – o evento traduz uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que não é cabalmente reposta com a atribuição da indemnização necessária à aquisição de um outro veículo, pois que até ao recebimento de tal indemnização se manterá o desequilíbrio ocorrido com a perda da possibilidade de usar um bem da sua propriedade».
	Assim, concluindo-se pelo direito do lesado a exigir do responsável o ressarcimento pelo dano decorrente da privação do uso - dano que se verifica desde a data do embate até à data do pagamento da indemnização relativa ao valor do veículo – e tendo ficado provado que o trabalho (horas) acrescido que o autor teve que realizar em virtude de ter ficado privado do uso do veículo destruído, tem uma tradução monetária de € 180,00/mês, é esta a indemnização a que o autor tem direito pela privação do uso do seu veículo.
	Veja-se que a simples privação do uso do veículo envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo – a de o utilizar quando e como lhe aprouver – que, considerada em si, tem um valor pecuniário – cfr. Acórdão do STJ de 05/07/2007, in www.dgsi.pt – sendo que, neste caso, foi possível apurar aqueles prejuízos efectivos, traduzidos nas horas de trabalho acrescidas para o autor.
	É claro que a apelante não concorda com a fixação da indemnização a este título, porque entende que, se o autor tinha duas viaturas e elas eram conduzidas, ao mesmo tempo, por duas pessoas diferentes (para poderem conduzir os jovens que frequentam a sua escola com maior rapidez), então agora, que só tem uma viatura, não está obrigado a fazer os mesmos percursos duas vezes seguidas, pois poderá fazê-lo uma vez só e o outro condutor fará o segundo percurso, não implicando, assim, um esforço acrescido para o autor.
	Tudo isto estaria muito certo se se tivesse provado. Acontece que o que ficou provado – e a apelante não impugnou a decisão da matéria de facto – foi que «desde o dia do acidente, o autor tem utilizado apenas um veículo para efectuar o transporte dos jogadores, fazendo com o mesmo veículo os dois circuitos que antes podia fazer, em simultâneo, com recurso aos dois veículos que tinha, demorando o dobro do tempo a ir buscar e entregar os jogadores nas suas casas e conduzindo o dobro do que conduzia até aí, demorando, em média, mais 45 minutos para ir buscar e outros 45 minutos para ir levar os jogadores, pelo que passou a chegar a casa cerca das 22h30m, quando antes o fazia pelas 21h30m». Entendeu-se que este esforço acrescido correspondia a um valor monetário de € 180,00 por mês, valor a que se chegou com recurso à equidade, tendo em conta o esforço acrescido e o número de horas gastas a mais por mês.
	Face a estes factos provados, não há dúvida que o autor tem direito a ser indemnizado por aquele valor de € 180,00/mês pela privação do uso do seu veículo.
	Finalmente, deve dizer-se que a apelante faz questão de dizer que tem que ser deduzido ao valor do veículo - € 10.000,00 – o valor dos salvados - € 750,00 – mas não se percebe porquê, uma vez que essa dedução foi feita na sentença.
	Pelo que improcedem todas as conclusões da alegação da apelante, mantendo-se a sentença recorrida.

	Sumário:
	1. Deve ser ressarcido o dano decorrente da privação do uso, mesmo nos casos de perda total do veículo em consequência de acidente de viação.

	III. DECISÃO
	Em face do exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
	Custas pela apelante.
***
             Guimarães, 3 de Maio de 2011
Ana Cristina Duarte
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO D… intentou contra «…Companhia de Seguros, SA» acção declarativa com processo sumário em que pede a condenação da ré no pagamento de € 15.275,00, acrescida de juros de mora e de € 225,00 mensais até lhe ser entregue o valor reclamado para que possa adquirir outro veículo semelhante ao danificado. Alega, para tanto, que se viu envolvido num acidente de viação da responsabilidade exclusiva de um segurado da ré, que já assumiu a sua culpa, em consequência do qual resultaram danos no seu veículo e prejuízos para a sua actividade profissional, que a ré se nega a indemnizar. Contestou a ré, aceitando a responsabilidade do seu segurado, mas impugnando o valor dos danos, já que entende que o valor do veículo era apenas € 3.050,00. Respondeu o autor mantendo o já alegado na petição inicial quanto ao valor venal do veículo. Elaborou-se despacho saneador, sem fixação da base instrutória, em função da sua simplicidade. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a ré a pagar ao autor a indemnização global de € 12.670,00 e a quantia de € 180,00 mensais devidos a contar do mês de Setembro de 2009, até ser entregue ao autor o valor da indemnização para que o mesmo possa adquirir outro veículo semelhante ao sinistrado, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação, sobre a quantia de € 12.670,00. Discordando da decisão, dela interpôs recurso a ré, tendo na alegação formulado as seguintes Conclusões: 1ª – Como o autor reconhece, o veículo JM ficou completamente destruído em consequência do acidente em causa, não sendo possível a sua reparação, sendo esta, além disso, técnica e economicamente desaconselhável. 2ª – Deste modo, não era possível a reconstituição natural, pelo que a indemnização devida ao autor era em dinheiro ou seja, a importância correspondente ao valor comercial do veículo destruído, deduzido o valor dos salvados, no montante de € 9.250,00. (€ 10.000,00 – € 750,00). 3ª - Sendo a indemnização devida em dinheiro, o Autor apenas tinha direito a receber a importância correspondente ao valor do veículo, competindo ao Autor proceder à substituição do veículo destruído, como e quando entendesse. 4ª – A obrigação em que a Ré ficou constituída passou a ser assim uma obrigação pecuniária, e indemnização pelo incumprimento da obrigação pecuniária corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. 5ª – Assim, para além de não se ter provado que o autor tivesse realmente sofrido danos em consequência da privação do veículo desde que este foi considerado perda total e que não era recuperável, a indemnização devida ao autor era tão só a importância correspondente ao valor do veículo, deduzido o valor dos salvados. 6ª - De todo o modo, o maior gasto de tempo supostamente havido pelo autor deveu-se ao facto de este ter passado a efectuar os dois circuitos de transporte de passageiros que, antes eram, ou podiam ser realizados por duas pessoas. 7ª - Assim, ao passar o Autor a fazer os dois circuitos que antes eram feitos por duas pessoas, ficou completamente livre a outra pessoa. 8ª – Se o autor continuar a dividir o transporte dos jogadores por duas pessoas, como o fazia antes, quando utilizava dois veículos em simultâneo, gasta o mesmo tempo que gastava antes. 9ª – O valor dos salvados do veículo destruído foi fixado em € 750,00. 10ª – Deste modo, ao valor atribuído do veículo JM há que deduzir o valor dos salvados. 11ª – A indemnização a atribuir em dinheiro ao Autor não deve fixar-se em quantia superior a € 9.250,00, correspondente ao valor do veículo JM, deduzido o valor dos salvados. 12ª – Caso outro seja o entendimento, o montante que foi atribuído pela privação do veículo destruído deve ser o correspondente aos juros vencidos desde a ocorrência do acidente. 13ª – Ao decidir, como decidiu, o Mmº. Juiz a quo não teve na devida conta a matéria de facto provada e o direito aplicável, mostrando-se violado o disposto nos artºs. 566º e 806º do Cód. Proc. Civil. Termina pedindo a revogação da sentença recorrida. O apelado contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença sob recurso. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos autos e com efeito devolutivo. Foram colhidos os vistos legais. A única questão a resolver consiste no apuramento dos danos resultantes do acidente de viação em causa. II. FUNDAMENTAÇÃO Na sentença foram considerados os seguintes factos: 1. O A. é e era também em 14 de Janeiro de 2008, proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 19-34-JM ( cfr. doc. n.º 1 e 2 juntos com a p.i.). 2. Nesse mesmo dia 14 de Agosto 2008, pelas 18:35h, na E.N 203, KM 19,150m, na freguesia da Correlhã, concelho de Ponte de Lima, ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente aquele veículo do A e o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 69-AC-03 ( cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i). 3. No preciso local do acidente, a E.N. 203 configura uma recta com cerca de 100/120m, marginada de ambos os lados por várias habitações voltadas para a E.N 203 (cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i). 4. Momentos antes do acidente, o condutor do JM circulava na referida via, no sentido P.Lima/Viana, pela hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o referido sentido. 5. Animado de velocidade não superior a 50 km/h. 6. Circulando junto da berma direita da sua hemi-faixa de rodagem 7. Nesse mesmo momento, o veículo AC circulava nessa mesma via, no sentido inverso, ou seja, Viana/P.Lima, a uma velocidade de cerca de 80 km/h. 8. Antes da entrada na recta do local do acidente, a E.N 203, atento o sentido de marcha do AC, descreve uma curva para a esquerda. 9. Logo após terminar de descrever essa curva para a esquerda, quando estava a não mais de 25/30 metros do veiculo JM, sem que nada o fizesse esperar, o veiculo AC direccionou-se para a sua esquerda e invadiu a hemi-faixa destinada à circulação em sentido contrário e em que o JM seguia. 10. O condutor do JM, perante a invasão da sua hemi-faixa de rodagem por parte do AC, direccionou o JM para o lado direito direita, tentando desviar-se o mais possível do AC. 11. O AC continuou a sua trajectória de viragem à esquerda e invasão da hemi-faixa rodagem destinada à circulação do sentido de transito contrário e chocou frontalmente com o JM. 12. O ponto de embate inicial assim entre a parte frontal esquerda do AC e a zona angular formada pela parte frontal esquerda e zona da cava da roda dianteira esquerda do veiculo JM. ( cfr. doc. n.º3 junto com a p.i). 13. O local de embate ocorreu, pelo menos, a mais de 2 metros contados desde o eixo da via para o interior da hemi-faixa de rodagem onde seguia o JM, ou seja, a do sentido P.Lima/ Viana. 14. O JM, devido ao choque sofrido, foi projectado contra o muro que, pelo lado direito, atento o seu sentido de marcha, delimita a berma da referida via. ( cfr. doc. n.º3 junto com a p.i). 15. Projecção que fez com que o JM embatesse com toda a sua parte lateral direita no referido muro. 16. O veiculo AC, por força do mesmo choque, rodopiou sobre a roda da frente esquerda e veio a ficar imobilizado, atravessado na perpendicular à faixa de rodagem, com a traseira virada para a berma direita e com a frente virada para a berma esquerda, atento o seu sentido de marcha, tal como melhor está representado no croquis do doc n.º 3 já junto com a p.i 17. O JM era perfeitamente avistável pelo condutor do AC. 18. No momento do acidente, o tempo apresentava-se seco e sem condições que perturbassem a visibilidade a qualquer condutor ( cfr. doc. n.º3 junto com a p.i). 19. A via tem, no referido local, sem contar com as bermas, a largura de 7,5metros e a berma do lado direito, atento o sentido P. Lima/ Viana mede 1,5 metros ( cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i ). 20. No local do acidente a via tinha e tem as suas bermas definidas por uma linha branca e o eixo da via está marcado por uma linha longitudinal descontínua, de cor branca. 21. O condutor do AC assumiu imediatamente a sua culpa e total responsabilidade pela ocorrência do acidente em causa, tendo referido ao condutor do JM e às autoridades policiais, logo após o acidente que, possivelmente, teria desmaiado e perdido o controlo e direcção do veículo. ( cfr. doc. n.º 3) 22. O veículo da A., por efeito do embate sofrido, ficou completamente destruído, nomeadamente na parte frontal, na parte lateral esquerda e toda a parte lateral direita. 23. Como a própria R também reconhece, fruto da destruição que sofreu, a reparação do JM era materialmente impossível e tecnicamente e economicamente desaconselhável. (cfr doc n.º 4 junto com a p.i). 24. Isto por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança, já que foi danificada a sua estrutura e o seu chassis ficou empenado. 25. O veículo do A. era um ligeiro de passageiros, de marca Mercedes, modelo Vito, movido a gasóleo, de 2300cc de cilindrada, com oito lugares, do ano de 1998. ( cfr. doc. n.º 1 junto com a pi). 26. Veículo que o A havia adquirido em Maio de 2007 e que registou nesse mês a seu favor (cfr doc 2 ). 27. Veiculo que estava em perfeito estado de conservação, sendo uma versão de luxo, especial para o transporte de passageiros, que o A. contava manter por muitos anos. 28. O valor comercial do veículo, à data do acidente, era de, pelo menos, 10.000 euros. 29. Sendo que, ainda hoje – Setembro de 2009 - passados mais de 20 meses após o acidente, veículos semelhantes, têm um preço que oscila entre os 9000 e os 10.000 euros. 30. O A é proprietário e gere, juntamente com outro familiar, uma escola juvenil de futebol, na freguesia da Correlhã, concelho de Ponte de Lima. 31. O A havia adquirido o veículo JM e outro veículo para, antes e no fim de cada treino ou jogo, poder transportar os jogadores até às suas casas. 32. Desde o dia 14.01.2008, que o A está privado da utilização do veículo JM, não tendo condições económicas para adquirir outro da mesma categoria. 33. Desde o dia do acidente, o A tem utilizado apenas um veículo para efectuar o transporte dos jogadores, fazendo com o mesmo veiculo os dois circuitos que antes podia fazer, em simultâneo, com recurso aos dois veículos que tinha. 34. Em virtude disso, demora o dobro do tempo a ir buscar e entregar os jogadores nas suas casas e conduz o dobro do que conduzia até aí, demorando, em média, mais 45 minutos para ir buscar e outros 45 minutos para ir levar os jogadores, num total de tempo acrescido de hora e meia diária. 35. Por este facto, o A, passou a chegar a casa cerca das 22:30, quando antes o fazia pelas 21:30 horas. 36. O A efectua estas recolhas e entregas de jogadores cerca de 3 a 4 vezes por semana, o que se traduz num trabalho acrescido para si de 18/24 horas por mês. 37. Por esse esforço acrescido levado a cabo pelo A, fixo a quantia de , por recurso à equidade, uma indemnização de 180 euros/mês (10,00euros x 18 horas) quantia essa que se peticiona até ser entregue ao A o valor aqui reclamado para que o mesmo possa adquirir outro veiculo semelhante ao JM. 38. Neste momento – Setembro de 2009 - tendo em atenção que a escola do A fecha nos meses de Agosto, perfazendo um total de 19 meses desde que ficou privado do JM, tal valor liquida-se em 3.420 euros. 39. O proprietário do veículo 69-AC-03, por contrato de seguro titulado sob a apólice n.º 5511534 da R., transferiu para esta a responsabilidade civil para com terceiros emergente de acidente de viação causado na condução daquele veículo. 40. O valor dos salvados do JM é de € 750,00. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 660.º, n.º 2, 684.º, n.ºs 2 e 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil. A delimitação do objecto do recurso pelas conclusões da alegação é, neste caso concreto, de particular importância, uma vez que a apelante no corpo da alegação, parece não concordar com a inclusão de determinados factos nos factos provados, sem que, no entanto, impugne a decisão sobre a matéria de facto, o que podia fazer, uma vez que a prova foi gravada. Não o tendo feito, são irrelevantes as considerações àcerca da má decisão sobre a matéria de facto que, assim, se tem que considerar assente. Teremos, portanto, que nos ater às conclusões do recurso. A apelante restringiu o recurso à matéria dos danos e ao cálculo da indemnização devida, aceitando a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização. Relativamente aos danos provou-se que o veículo do autor ficou destruído, sendo a sua reparação técnica e economicamente desaconselhável, pelo que foi considerado uma “perda total”, sendo o seu valor comercial, à data do acidente, de € 10.000,00 e o valor dos salvados de € 750,00. Mais se provou que o autor tinha este veículo e outro para transportar os jogadores de uma escola de futebol, de que é proprietário, no início e no fim de cada treino ou jogo, tendo ficado privado da sua utilização desde o dia do acidente, o que o obriga a gastar o dobro do tempo nos referidos transportes (por só ter, agora, um veículo disponível), tendo este esforço acrescido sido quantificado no valor de € 180,00/mês. Como decorre do artigo 562º do CC, o princípio geral da obrigação de indemnizar é o da reposição natural, isto é, o de que a reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Tal reconstituição deve, em princípio, ser feita mediante reconstituição natural – artigo 566.º, n.º 1 do CC. Excepcionalmente, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 566º do CC, quando não for possível a reconstituição natural, quando não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, é que a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atribuída pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. É encargo do lesante promover a reparação dos danos que causou, sendo que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – danos emergentes e lucros cessantes, na expressão do artigo 564.º, n.º 1 do CC. E que danos são esses? As partes estão de acordo e resultou assente nos autos que o veículo do autor ficou destruído em consequência do acidente, sendo a sua reparação materialmente impossível e técnica e economicamente desaconselhável. Ou seja, trata-se de uma perda total. Ora, entende a apelante que, tratando-se de uma perda total, por força da inviabilidade da reparação, a paralisação do veículo é definitiva, pelo que não poderia o autor ter direito a uma indemnização pela privação do uso do veículo, pois a impossibilidade da sua utilização não constitui um prejuízo autónomo susceptível de gerar indemnização. Não podemos concordar com tal entendimento. A não reposição atempada da situação anterior ao evento lesivo – reposição essa que, em casos de perda total do veículo corresponde, não à reparação dos estragos materiais sofridos pelo veículo acidentado, mas antes ao pagamento do valor necessário à aquisição de veículo com características idênticas às do veículo destruído – tem apenas como efeito o avolumar do dano decorrente da manutenção da situação lesiva. Se o lesante não repõe a situação anterior ao evento lesivo, suportará as consequências, tendo assim de pagar indemnização, tanto mais avultada quanto maior for o período em que o lesado se veja impedido de utilizar um veículo com as características idênticas às do acidentado. Neste caso, a impossibilidade do lesado usar e fruir um automóvel destruído num acidente de viação cessará quando o responsável repuser o seu património, através do pagamento do montante necessário à aquisição de veículo com características idênticas. Tal obrigação de reparação do dano que resulta da impossibilidade de fruir e usar um veículo tem a sua causa adequada no próprio acidente, pelo que, apurada que seja a existência da obrigação de indemnizar (responsabilidade civil extracontratual), tem este dano que ser reparado paralelamente com o dano da destruição do veículo. Daí que, quer decorra do facto lesivo uma impossibilidade de restauração natural, quer não (quer seja possível a reparação do veículo, quer não seja, ou esta seja excessivamente onerosa), sempre ocorrerá para o lesado a privação temporária do uso de um bem da sua propriedade, sendo que essa privação constitui um dano autónomo indemnizável pelo responsável civil – veja-se, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 05/01/2010, in CJ, ano XXXV, tomo I, pág. 167 e 168. Neste mesmo acórdão da Relação do Porto pode ler-se em abono da tese aqui defendida: «Também nestes casos – perda total do veículo interveniente em acidente de viação – o evento traduz uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que não é cabalmente reposta com a atribuição da indemnização necessária à aquisição de um outro veículo, pois que até ao recebimento de tal indemnização se manterá o desequilíbrio ocorrido com a perda da possibilidade de usar um bem da sua propriedade». Assim, concluindo-se pelo direito do lesado a exigir do responsável o ressarcimento pelo dano decorrente da privação do uso - dano que se verifica desde a data do embate até à data do pagamento da indemnização relativa ao valor do veículo – e tendo ficado provado que o trabalho (horas) acrescido que o autor teve que realizar em virtude de ter ficado privado do uso do veículo destruído, tem uma tradução monetária de € 180,00/mês, é esta a indemnização a que o autor tem direito pela privação do uso do seu veículo. Veja-se que a simples privação do uso do veículo envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo – a de o utilizar quando e como lhe aprouver – que, considerada em si, tem um valor pecuniário – cfr. Acórdão do STJ de 05/07/2007, in www.dgsi.pt – sendo que, neste caso, foi possível apurar aqueles prejuízos efectivos, traduzidos nas horas de trabalho acrescidas para o autor. É claro que a apelante não concorda com a fixação da indemnização a este título, porque entende que, se o autor tinha duas viaturas e elas eram conduzidas, ao mesmo tempo, por duas pessoas diferentes (para poderem conduzir os jovens que frequentam a sua escola com maior rapidez), então agora, que só tem uma viatura, não está obrigado a fazer os mesmos percursos duas vezes seguidas, pois poderá fazê-lo uma vez só e o outro condutor fará o segundo percurso, não implicando, assim, um esforço acrescido para o autor. Tudo isto estaria muito certo se se tivesse provado. Acontece que o que ficou provado – e a apelante não impugnou a decisão da matéria de facto – foi que «desde o dia do acidente, o autor tem utilizado apenas um veículo para efectuar o transporte dos jogadores, fazendo com o mesmo veículo os dois circuitos que antes podia fazer, em simultâneo, com recurso aos dois veículos que tinha, demorando o dobro do tempo a ir buscar e entregar os jogadores nas suas casas e conduzindo o dobro do que conduzia até aí, demorando, em média, mais 45 minutos para ir buscar e outros 45 minutos para ir levar os jogadores, pelo que passou a chegar a casa cerca das 22h30m, quando antes o fazia pelas 21h30m». Entendeu-se que este esforço acrescido correspondia a um valor monetário de € 180,00 por mês, valor a que se chegou com recurso à equidade, tendo em conta o esforço acrescido e o número de horas gastas a mais por mês. Face a estes factos provados, não há dúvida que o autor tem direito a ser indemnizado por aquele valor de € 180,00/mês pela privação do uso do seu veículo. Finalmente, deve dizer-se que a apelante faz questão de dizer que tem que ser deduzido ao valor do veículo - € 10.000,00 – o valor dos salvados - € 750,00 – mas não se percebe porquê, uma vez que essa dedução foi feita na sentença. Pelo que improcedem todas as conclusões da alegação da apelante, mantendo-se a sentença recorrida. Sumário: 1. Deve ser ressarcido o dano decorrente da privação do uso, mesmo nos casos de perda total do veículo em consequência de acidente de viação. III. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. *** Guimarães, 3 de Maio de 2011 Ana Cristina Duarte Maria Rosa Tching Espinheira Baltar