Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ROSA TCHING
Descritores
CONTRATO DE SEGURO EMPRÉSTIMO BANCÁRIO AQUISIÇÃO DE IMÓVEL MORTE INVALIDEZ DOENÇA
No do documento
RG
Data do Acordão
05/31/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
1º- A celebração de um contrato de seguro de grupo, que cobre os riscos de invalidez absoluta e definitiva do segurado que contraiu um empréstimo bancário para aquisição de habitação tem por finalidade prevenir o risco de ocorrência de um acontecimento – a morte ou invalidez absoluta e definitiva – que lhe não permita ou dificulte o pagamento das prestações em dívida. 2º- Neste tipo de contrato, a exigência concomitante do grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa não é justificada, sendo desproporcionada à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro firmado visou prevenir. 3º- Este último segmento é abusivo, por desproporcionalmente violador dos interesses visados, sendo, consequentemente, nulo. 4º- Uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência. 5º- Tendo a autora, devido a doença oncológica, ficado incapacitada para o exercício da sua profissão habitual e tendo sido reformada por invalidez, esta incapacidade não pode deixar de corresponder a uma incapacidade absoluta e definitiva, por, de harmonia com o disposto nos arts. 236º e 238º, nº1 do C. Civil, ser este o entendimento que um destinatário médio e de boa fé ao aderir ao contrato de seguro de grupo dos autos extrairia da cláusula da respectiva apólice de seguro, denominada “Invalidez Absoluta e definitiva” por doença,
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


João... e mulher Maria..., residentes na Rua ..., Guimarães, instauraram a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra Companhia de Seguros A..., S.A., com sede na Rua ... Lisboa, pedindo que se declare que a A. encontra-se  no estado de invalidez absoluta e definitiva e que, por isso,  a R. seja condenada a pagar ao banco B..., S.A., desde Janeiro de 2005, os valores dos empréstimos supra descritos nos art.º 4.º a 10.º, da p.i..
Alegaram, para tanto e em síntese, que celebraram com a ré dois  “seguros de vida”, titulados pelas apólices nº 5318/800500/529318 e 5318/800500/529319, por via dos quais a segunda garantiu o pagamento do capital de € 79.714,91 e € 17.457,93 no caso de invalidez absoluta e definitiva.
Em Dezembro de 2004, foi diagnosticada à autora Maria... uma neoplasia gástrica, pelo que, em Janeiro de 2005, foi a mesma submetida a gastrectomia total.
Devido a esta doença oncológica, a autora encontra-se em estado de incapacidade de 80% para o exercício da sua actividade habitual, mas a ré não reconhece este estado como integrando a previsão de invalidez que consta das condições de seguro e recusa-se a pagar ao banco B..., S.A. o capital mutuado.


A ré contestou, excepcionando a incompetência territorial do tribunal, impugnando parte dos factos alegados pelos autores e sustentando não se encontrarem verificados os pressupostos de verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pela mencionado contrato de seguro.

Na sua resposta, os autores sustentam a improcedência da invocada excepção.

Proferido despacho saneador, nele julgou-se improcedente a invocada excepção de incompetência.
Foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls. 426 e 427.

A final, foi proferida sentença  que  julgou procedente a acção e, em consequência, condenou a R. Companhia de Seguros A..., S.A. no pedido formulado pelos AA. João... e mulher Maria....
As custas ficaram a cargo da  R..

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a ré, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: 
“1. A Sentença Recorrida elimina um segmento da cláusula 2.2 da Apólice dos autos, concretamente a “impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa” por abusiva ao abrigo art° 15 e 16 b) do DL 446/85 de 25/10 e por considerar que fica aquém das expectativas dos Apelados.
2. Porém, não se evidenciando por qualquer facto concreto a invocada desproporcionalidade e reunindo a Apelada todos os requisitos dessa cláusula – vide alínea b), ponto 2.2 do artigo 2° - FACTOS PROVADOS P) E 9°, devia a acção ter sido improcedente.
3. Concretamente, entende - se que a Sentença recorrida viola os Arts° 13º. 61°, 62°, 80° e  86° da Constituição da República Portuguesa. atendendo a que se trata de um seguro facultativo e não está demonstrada factualmente qualquer desproporcionalidade entre a amplitude da cobertura e o prémio recebido pela Apelante.
4. Mais: A Sentença recorrida, por ignorar toda a legislação aplicável à Apólice dos autos, viola também os arts 425º e seguintes do Código Comercial, com destaque para o artigo 427º e ainda artigos 455º e 462º, também do Código Comercial.
5. Além disso, a limitação  à liberdade contratual constitui  violação aos art°s 405°, art°s 219°, 217° 236° a 239° e 12°, todos do C.C.
6. Acresce que, o seguro de vida dos autos é um seguro de grupo, não devia ter sido considerado o contrato de seguro dos autos como contrato de adesão, não lhe sendo aplicáveis as normas do DL- 446/85, mas o Decreto-Lei n.° 176/95, de 26 de Julho, o que implica interpretação e aplicação errada do DL 466/85, tudo com apoio no recente e Douto Acórdão deste Venerando Tribunal, de 22-01-2009, in htttp/Jurisrudencia.no. sapo.pt.
7. O tomador/beneficiário dos seguros é o BPI e não os Segurados AA., pelo que, não pode dizer-se, sem qualquer suporte factual, que a cobertura ficou aquém das expectativas do tomador/segurado. O Segurado não escolheu individualmente as coberturas, limitou-se a aderir a uma  Apólice de grupo: e a partir desse  momento, aceita o contrato com a amplitude que  tem.
8. Se não se entender assim,  em qualquer caso os arts 15º e 16º, b) das CCG foi mal interpretado, pois, a situação que aí se tem em vista não se aplica ao caso sub judice.
9 Também foi mal interpretado e art° 9 da Lei nº 2 4/96, de 31 de Julho -  Lei de defesa do consumidor.
10. Por um lado porque a situação da Apelada não pode ser considerada irreversível  e definitiva pois, ficou provado que a sua invalidez tem de ser revista ao fim de cinco anos  (o que significa que pode reduzir para valor inferior a 75%).
11. Para além disso, não consta dos autos que a Autora tivesse ficado dependente da assistência permanente de terceira pessoa, nem que tivesse ficado impedido de exercer qualquer actividade remuneratória.
12. De acordo com a liberdade contratual é lícito à Apelante definir a invalidez absoluta e definitiva que consta da Apólice dos autos, tendo em conta que recebeu a título de prémio apenas o que estava previsto para aquela cobertura  e não é com base em expectativas que se limitam ou definem as coberturas de qualquer seguro, nem evidentemente o seguro dos autos.
13.Invoca¬se Acórdão do STJ de 18¬03¬2004, in http://jurisprudencia.no.sapo.pt/, onde se decide que a obrigação da  seguradora indemnizar o segurado tem de estar dentro dos limites contratualmente estabelecidos.
14. O preâmbulo da directiva em que se baseia a actual redacção das cláusulas Contratuais Gerais, invocado pela MM° Juiz, foi mal interpretado pois, o que nele se prevê é que a censura a uma cláusula, à luz do mesmo diploma, não deve incidir sobre cláusulas que descrevam o objecto principal do contrato ou a relação qualidade/preço do fornecimento da prestação, (...) o objecto principal do contrato e a relação qualidade/preço podem, todavia, ser considerados na apreciação do carácter abusivo de outras cláusulas.
15. Desse facto decorre, inter alia, que no caso de contratos de seguro, as   cláusulas que definem ou delimitem claramente o risco segurado e o compromisso do segurador não são objecto de tal apreciação, desde que essas limitações sejam tidas em conta no cálculo do prémio a pagar pelo consumidor.
16. A Sentença recorrida nada refere quanto ao prémio pago pelo seguro dos autos e que foi fixado proporcionalmente, tendo em conta a duração do seguro, o grau de probabilidade e de que o sinistro acabe a indemnização  contratada.
17. Ou seja, nada é alegado ou referido entre o tipo de produto que foi vendido e o preço, e só assim se elucidaria eventual desproporcionalidade não sendo suficiente dizer que o que pretendiam os segurados era prevenção de um risco de ocorrência na pessoa dos segurados que lhe não lhe permitisse ou um risco de ocorrência na pessoa dos segurados que  não lhe permitisse ou  dificultasse o pagamento das prestações em dívida - Se assim fosse, todo o tipo de invalidez levaria à cobertura do seguro pois, todos os sinistrados de invalidez querem deixar de pagar as prestações.
18. Acresce que, a sentença recorrida apenas ataca a dependência de terceira pessoa, deixando de fora o outro segmento da cláusula, sendo que se trata de requisitos cumulativos.
19. Como tal, quanto a esse segmento - Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória.” Cfr doc de fIs. 104 ... P e 9°, não declarou a Sentença recorrida qualquer vício, por abusivo ou contrário à boa fé.
20. Assim, se esse segmento da cláusula não mereceu censura, pelo facto da Apelada sinistrada não ter provado que estava incapacitada irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória, devia ter sido excluída da garantida o seguro e, em consequência, a acção improceder.
21. É que a Autora provou apenas que ficou impossibilitada para a actividade habitual.
22. Impõe-se face ao alegado, e salvo melhor opinião, a revogação da douta sentença recorrida e a absolvição da Apelante.”


Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. 

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1º- Por escritura pública outorgada em 29.07.1993, no 2º Cartório Notarial de Guimarães entre Jorge... e Maria A..., como primeiros outorgantes, e os ora autores, como segundos outorgantes, vieram aqueles declarar vender aos segundos, que declararam aceitar, contra o pagamento de um preço acordado entre ambos, Fracção autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, no rés-do-chão e andar do lado esquerdo, com uma garagem, ao nível do rés-do-chão, no estremo direito do prédio, e logradouro a sul e norte, com a área de 51,70 m2, do prédio urbano situado no lugar da ... Guimarães, descrito na Conservatória sob o nº 129, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-1 – cfr. Certidão de fls. 24 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (A).
2º- No mesmo escrito, como terceiro outorgante, o Banco B...., representado por António J... e António de A..., obrigaram-se nos seguintes termos: “(…) ajustam um contrato de empréstimo, em garantia de cujo pagamento e integral cumprimento das obrigações assumidas, constituem a favor do Banco, hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “C”, já referida na presente escritura, regulando-se o empréstimo e a hipoteca pelos termos, cláusulas e condições constantes do documento complementar anexo(…)” - cfr. certidão de fls. 24 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (B).
3º- Por escritura pública outorgada no dia 14.02.02 os ora autores, como primeiros outorgantes, e o Banco BPI, S.A., representado por Olívia ..., como segundo outorgante, celebraram o acordo de vontades constante da certidão de fls. 44 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, por via do qual os primeiros declararam proceder à substituição dos empréstimos à habitação, contraídos juntos do B.C.I. – Banco de Comércio e Indústria, S.A., e do Banco Santander Portugal, S.A., ao abrigo do Regime Geral de Crédito, dos montantes de 50.162,88 € e de 27.349,97 €, num total de 77.512,85 €, por igual empréstimo contraído junto do B..., S.A., de 77.512,85 €, o que foi aceite. (C).
4º- O Banco B... S.A. declarou aceitar esse empréstimo referido em C), pelo prazo de 21 anos, tendo os autores oferecido em garantia dos juros contados à taxa de 4,350%, da sobretaxa de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal e das despesas extrajudiciais para efeitos de registo, que se fixaram em 3.100,50 €, hipoteca sobre a fracção referida em A). (D).
5º- Como parte integrante da escritura referida em D), dou por integramente reproduzido o teor do documento complementar junto a fls. 50 ss. (E).
6º- Autores e ré acordaram, em 27.12.01, a celebração de dois “seguros de vida”, titulados pelas apólices nº 5318/800500/529318 e 5318/800500/529319, por via dos quais a segunda garantiu o pagamento do capital de € 79.714,91 e € 17.457,93 no caso de invalidez absoluta e definitiva. (F) e (1.º).
7º- À autora Maria..., em Dezembro de 2004, foi diagnosticada uma neoplasia gástrica, pelo que foi submetida a gastrectomia total em Janeiro de 2005. (G).
8º- Por carta datada de 25.07.2005 os autores participaram à ré a invalidez absoluta e definitiva da autora Maria Manuela Faria. (H) e (8.º).
9º- Em 4/10/2005 a ré notificou o Banco B.P.I, S.A., dizendo que da documentação clínica fornecida pelos autores a invalidez que a autora apresenta não se enquadra na definição de invalidez absoluta e definitiva constante das condições contratuais. (I).
10º- E por isso não assumiu o pagamento da indemnização ao abrigo do processo de sinistro, facto que comunicou à autora por carta datada de 27 de Outubro de 2005, não assumindo o pagamento das prestações em dívida ao Banco B..., S.A. (J).
11º- Face à posição assumida pela ré, o Banco B..., S.A. notificou os autores da recusa daquela assumir o pagamento dos empréstimos e disponibilizou-se para a reanálise do processo. (L).
12º- Por carta de 07 de Julho de 2006, dirigida à ré, os autores pediram àquele a reabertura e reapreciação do processo, tendo depois recebido do Banco B..., S.A., carta datada de 18 de Setembro de 2006, a comunicar-lhes que a ré manteve a decisão anterior, pelo que solicitava que os autores tivessem a conta provisionada para pagamento das prestações. (M).
13º- Por carta datada de 19 de Dezembro de 2006 os autores solicitaram novamente à ré a reapreciação do processo mas esta, por carta datada de 11 de Janeiro de 2007, voltou a considerar a autora não afectada por invalidez absoluta e definitiva, não assumindo por isso o pagamento dos valores em dívida. (N)
14º- Nos termos da apólice de seguro, condição geral 2.2., alínea b), “no caso de invalidez absoluta e definitiva do segurado, a seguradora, nos termos previstos nas condições da apólice, garante o pagamento do capital seguro ao beneficiário” (cfr. doc. de fls. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (O).
15º- Considerando-se existir “invalidez absoluta e definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
- Possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa;
- Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória” (cfr. doc. de fls. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (P) e (9.º).
16º- A gastrectomia referida em G) é uma gastrectomia total radical D II com esofagojejunostomia em y de Roux por Adenocargnoma gástrico pouco diferenciado com significativo comprometimento de células em anel de sineta. (2.º).
17º- A A. tem incapacidade para a actividade habitual. (3.º) e (7.º).
18º- Necessita de uma vigilância clínica apertada, a título definitivo. (4.º).
19º- Por causa do referido em 1) a 3) encontra-se com uma incapacidade de 80%, que deverá ser revista ao fim de cinco anos. (5.º).
20º- Por causa do referido em G) e em 5) a autora foi reformada por invalidez.(6.º).


FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões  que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. 

Assim, as únicas questões a decidir traduzem-se em saber se:

1ª-  é  abusiva a cláusula da apólice do  contrato de seguro dos autos que impõe, para a ocorrência da invalidez absoluta e definitiva, “a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa”. 

2ª- estão preenchidos os pressupostos da verificação de invalidez absoluta e definitiva coberta pelo contrato de seguro.

I- Quanto à primeira questão, sustenta a ré/apelante que não evidenciando os factos provados qualquer desproporcionalidade entre a amplitude da cobertura da apólice de seguro e o prémio por ela recebido e  tratando-se de um seguro facultativo, no uso  da igualdade, liberdade económica e de empresa, a sentença recorrida não podia considerar abusiva e, consequentemente, eliminar  o segmento da cláusula 2.2, alínea b) da apólice dos autos, que impõe, para a ocorrência da invalidez absoluta e definitiva, “a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa”, pelo que, ao fazê-lo,  é inconstitucional por violação dos arts. 13º, 61º, 62º, 80º e 86º da CRP.
Mais sustenta  ser tal decisão ofensiva da liberdade contratual e, por isso, violadora quer dos arts. 12º, 217º, 219º, 236º a 239º do C. Civil, quer dos arts. 425º, 427º e 455º a 462º do C. Comercial. 
E sustenta ainda que, sendo o seguro de vida em causa um seguro de grupo, não podia ser considerado como um contrato de adesão, pelo que não lhe são aplicáveis as normas do DL nº 176/95, de 26 de Junho.
Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão.
Senão vejamos.
Ainda que se tenha dado como provada a celebração entre autores e ré de dois “seguros de vida”, titulados pelas apólices nº 5318/800500/529318 e 5318/800500/529319, a verdade é que resulta, claramente,  da demais factualidade provada estarmos perante  dois contratos de seguro grupo, celebrados entre o  Banco B... S.A. e a ré, aos quais os autores aderiram, com vista à obtenção de crédito hipotecário naquele banco.
E a circunstância de se tratar de seguro de grupo, que José Vasques , define como  sendo aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum, não lhe retira a natureza de contrato de adesão , posto que os contratos em causa  foram celebrados com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela ré seguradora, que os autores, na qualidade de segurados, se limitaram a aceitar .
Mas se assim é, dúvidas não restam, estarem tais contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais contido no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 220/95, de 31 de Outubro e pelo DL nº 249/99, de 7 de Julho .
Daí cair, desde logo, por terra o primeiro dos argumentos avançados pela ré.
E igual destino terão todos os demais argumentos.
É que, como se escreve no Acórdão do STJ, de 7 de Outubro de 2010 , seguido de perto na sentença recorrida e cuja orientação também perfilhamos, a eventual censura ao objecto ou cobertura principal da apólice do seguro de grupo, através do controlo da sua natureza abusiva, não ofende o “princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do C. C.”, porquanto “a liberdade de celebração dos contratos e a liberdade da fixação do seu conteúdo (…) tem de se mover dentro dos limites da lei, encarada na sua letra e no seu espírito”.
E muito menos se vê que  tal entendimento possa constituir violação dos arts. 12º, 217º, 219º, 236º a 239º do C. Civil, que, neste particular aspecto,  nem sequer  têm aplicação.
E o mesmo vale dizer em relação aos arts. 425º, 427º e 455º a 462º do C. Comercial, tanto mais que  é o próprio  art. 427º a estabelecer que o contrato de seguro regula-se  pelas disposições da apólice não proibidas por lei. 
Do mesmo modo não se vê em que medida o controlo  da natureza abusiva das cláusulas da apólice de seguro, ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais, integre violação aos princípios da igualdade, da livre iniciativa económica, da garantia  da propriedade privada, da organização económica e do incentivo do Estado à actividade empresarial consagrados, respectivamente, nos citados arts.. 13º, 61º, 62º, 80º e 86º da CRP.
Assente que a censura às cláusulas estipulados pela ré/apelante, no âmbito da sua actividade económica de seguros, nos contrato de seguro de grupo é legítima, impõe-se, agora, averiguar se  a cláusula em discussão no caso dos autos é, ou não, abusiva.    
Dispõe a cláusula 2.2, alínea b) das condições gerais da apólice de seguro em causa que “ No caso de invalidez absoluta e definitiva do segurado, a seguradora, nos termos previstos nas condições da apólice, garante o pagamento do capital seguro ao beneficiário”.
Considera-se existir invalidez absoluta e definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
- Possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa;
- Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória”.
É consabido que o regime das cláusulas contratuais gerais visa tutelar fundamentalmente aquele que negoceia com o proponente, o chamado contraente indeterminado.
Assim e no que respeita ao carácter abusivo  das cláusulas gerais expressas  neste tipo de contrato, estabelece o art. 15º, nºs 1 a 3  do citado DL 446/85 que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
Estatui o art. 16º do mesmo diploma que “ Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, respectivamente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”. 
E o critério de apreciação da natureza abusiva de uma cláusula  encontra-se ínsito  no artigo 3º, nº1 da Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril , o qual dispõe que  “Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.
Daqui decorre  que o critério a seguir radica no  princípio da boa fé, do qual flui  a necessidade de  averiguar se existe um desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa fé.
Seguindo os ensinamentos de Almeno de Sá , diremos que, nesta ponderação, importa ter em consideração,  «todas as circunstâncias que rodeiam o contrato, as quais devem ser apreciadas objectivamente, na óptica de um observador razoável e com referência ao momento em que é feita valer a nulidade da cláusula e não ao momento da celebração do contrato», havendo de  « concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder “à medida” do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador».
Significa isto, no dizer do mesmo autor, que « nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos».
E, segundo Moitinho de Almeida , há ainda que ponderar a finalidade do contrato, pelo que, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa fé  contar, tais cláusulas devem ser consideradas nulas.  
Ora, sendo  a celebração do  contrato de seguro em apreço condição para  os autores obterem do tomador ( Banco  B... S.A.) a concessão de crédito para aquisição de habitação, é inquestionável que, para os autores/segurados, a  finalidade deste mesmo contrato é a de prevenir o risco de ocorrência de um acontecimento – a morte ou invalidez absoluta e definitiva – que lhes não  permita ou dificulte o pagamento das prestações em dívida. 
Daí ser de ser concluir, nas palavras do citado acórdão do STJ, de 12.10.2010,  que « a exigência concomitante do grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa não é justificada, sendo desproporcionado à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro firmado visou  prevenir».
Desde logo, porque qualquer observador razoável aceitará que o portador de uma incapacidade permanente igual ou superior a 75%, esteja irrecuperavelmente impossibilitado de exercer qualquer actividade remunerada, bastando por isso, esta impossibilidade para consubstanciar a invalidez permanente que o seguro visava proteger.  
E ainda porque, tal como se escreveu no Acórdão do STJ, de 27.05.2010 , «haveria um desequilíbrio significativo da situação jurídica dos contraentes em detrimento do autor se, apesar dessa incapacidade, para se preencher aquele pressuposto, ainda fosse necessário que o segurado estivesse num estado de “praticamente defunto”, ou seja, num estado em que já não podia lavar-se, alimentar-se, vestir-se, deslocar-se na sua residência e depender de terceira pessoa para a realização desses actos», caso em que a cobertura do contrato de seguro  « ficaria manifestamente aquém daquilo que o autor podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato».
Por tudo isto, impõe-se considerar que o segmento da cláusula 2.2., alínea b) do apólice  do contrato de seguro em causa, ao obrigar ao permanente apoio de terceira pessoa para que o seguro possa ser accionado, é abusivo, por desproporcionalmente violadora dos interesses visados, sendo, consequentemente nulo. 
Daí nenhuma censura merecer, neste capítulo, a sentença recorrida, improcedendo, deste modo, as 1ª a 17ª conclusões a ré/apelante.

II- Mas, argumenta  ainda a ré ser  a sentença recorrida omissa  quanto à verificação do  segundo pressuposto enunciado na dita cláusula, ou seja, “possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória”, sustentando que a incapacidade  da autora não é absoluta nem definitiva.
Posto que a sentença recorrida não conheceu, conforme lhe competia, desta questão, impõe-se decidir se assiste razão à apelante neste particular aspecto.
Assim e no que respeita à interpretação e integração das declarações negociais expressas neste tipo de contrato, estabelece o art. 10º do citado DL 446/85 que “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluem”.
Quer  isto dizer que a interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais com o regime previsto nos arts. 236º a 238º do C. Civil, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem, devendo ser entendidas com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real, ou seja, à luz da “impressão do destinatário”.
E bem se compreende a razão de ser deste regime.
É que, atenta a situação de vantagem técnica e jurídica  em que se encontra o predisponente, é justo, conforme flui do  princípio da boa fé contratual, que se proteja o segurado aderente, de forma  a que a cobertura do contrato de seguro não fique  aquém daquilo que o mesmo pudesse contar.
Temos como certo, na esteira  do acórdão do STJ, de 29.03.2011 , que « Uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência».   
A este respeito, lograram os autores provar que à autora Maria Manuela Faria, em Dezembro de 2004, foi diagnosticada uma neoplasia gástrica, pelo que, em Janeiro de 2005, foi submetida a gastrectomia total radical D II com esofagojejunostomia em y de Roux por Adenocargnoma gástrico pouco diferenciado com significativo comprometimento de células em anel de sineta; a A. tem incapacidade para a profissão habitual, tendo sido reformada por invalidez, e encontra-se com uma IPP de 80%, que deverá ser revista ao fim de cinco anos.
Ora, se é verdade que  uma  IPP de 80%, sujeita a revisão  ao fim de cinco anos e, por isso, susceptível de variação futura, não pode, por si só, ser equiparada a uma incapacidade absoluta e definitiva, também não é menos verdade que, no caso dos autos, para além desta incapacidade parcial permanente, a autora foi considerada incapaz para a profissão habitual, o que significa a existência de um prejuízo funcional total que a impossibilitou de  continuar a exercer  a actividade profissional que desenvolvia antes da doença e determinou a perda das remunerações que auferia do respectivo exercício.
E, a nosso ver, esta incapacidade  da autora para o exercício da sua profissão habitual, associada à perda de remuneração por incapacidade de a angariar, não pode deixar de corresponder a uma incapacidade absoluta e definitiva, por, de harmonia com o disposto nos arts. 236º e 238º, nº1 do C. Civil,  ser este o entendimento que um destinatário médio e de boa fé  ao aderir ao contrato de seguro de grupo dos autos extrairia da cláusula 2.2. alínea b) da respectiva apólice de seguro.
Acresce que,  sendo consabido que  a doença oncológica de que padece a autora é de difícil cura,  qualquer observador razoável aceitará que o portador de uma tal doença e reformado por invalidez decorrente da incapacidade para o exercício da sua profissão, esteja também irrecuperavelmente impossibilitado de exercer qualquer outra actividade remunerada.  
Daí entender-se, por todo o exposto, que a situação de incapacidade alegada e demonstrada preenche os pressupostos de inclusão na garantia da cobertura, subsistente na cláusula 2.2, alínea b)  do contrato de seguro celebrado, denominada “Invalidez Absoluta e definitiva” por doença, pelo que a acção não podia deixar de proceder, conforme decidiu a sentença recorrida que, por isso, será de manter.

Improcedem, pois,  todas as demais  conclusões da ré/apelante. 
 

DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a sentença  recorrida ainda que com base em fundamentos não inteiramente coincidentes.
Custas da apelação a cargo da ré/apelante.

Guimarães, 31 de Maio de 2011

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães João... e mulher Maria..., residentes na Rua ..., Guimarães, instauraram a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra Companhia de Seguros A..., S.A., com sede na Rua ... Lisboa, pedindo que se declare que a A. encontra-se no estado de invalidez absoluta e definitiva e que, por isso, a R. seja condenada a pagar ao banco B..., S.A., desde Janeiro de 2005, os valores dos empréstimos supra descritos nos art.º 4.º a 10.º, da p.i.. Alegaram, para tanto e em síntese, que celebraram com a ré dois “seguros de vida”, titulados pelas apólices nº 5318/800500/529318 e 5318/800500/529319, por via dos quais a segunda garantiu o pagamento do capital de € 79.714,91 e € 17.457,93 no caso de invalidez absoluta e definitiva. Em Dezembro de 2004, foi diagnosticada à autora Maria... uma neoplasia gástrica, pelo que, em Janeiro de 2005, foi a mesma submetida a gastrectomia total. Devido a esta doença oncológica, a autora encontra-se em estado de incapacidade de 80% para o exercício da sua actividade habitual, mas a ré não reconhece este estado como integrando a previsão de invalidez que consta das condições de seguro e recusa-se a pagar ao banco B..., S.A. o capital mutuado. A ré contestou, excepcionando a incompetência territorial do tribunal, impugnando parte dos factos alegados pelos autores e sustentando não se encontrarem verificados os pressupostos de verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pela mencionado contrato de seguro. Na sua resposta, os autores sustentam a improcedência da invocada excepção. Proferido despacho saneador, nele julgou-se improcedente a invocada excepção de incompetência. Foram elaborados os factos assentes e a base instrutória. Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls. 426 e 427. A final, foi proferida sentença que julgou procedente a acção e, em consequência, condenou a R. Companhia de Seguros A..., S.A. no pedido formulado pelos AA. João... e mulher Maria.... As custas ficaram a cargo da R.. Não se conformando com esta decisão, dela apelou a ré, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: “1. A Sentença Recorrida elimina um segmento da cláusula 2.2 da Apólice dos autos, concretamente a “impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa” por abusiva ao abrigo art° 15 e 16 b) do DL 446/85 de 25/10 e por considerar que fica aquém das expectativas dos Apelados. 2. Porém, não se evidenciando por qualquer facto concreto a invocada desproporcionalidade e reunindo a Apelada todos os requisitos dessa cláusula – vide alínea b), ponto 2.2 do artigo 2° - FACTOS PROVADOS P) E 9°, devia a acção ter sido improcedente. 3. Concretamente, entende - se que a Sentença recorrida viola os Arts° 13º. 61°, 62°, 80° e 86° da Constituição da República Portuguesa. atendendo a que se trata de um seguro facultativo e não está demonstrada factualmente qualquer desproporcionalidade entre a amplitude da cobertura e o prémio recebido pela Apelante. 4. Mais: A Sentença recorrida, por ignorar toda a legislação aplicável à Apólice dos autos, viola também os arts 425º e seguintes do Código Comercial, com destaque para o artigo 427º e ainda artigos 455º e 462º, também do Código Comercial. 5. Além disso, a limitação à liberdade contratual constitui violação aos art°s 405°, art°s 219°, 217° 236° a 239° e 12°, todos do C.C. 6. Acresce que, o seguro de vida dos autos é um seguro de grupo, não devia ter sido considerado o contrato de seguro dos autos como contrato de adesão, não lhe sendo aplicáveis as normas do DL- 446/85, mas o Decreto-Lei n.° 176/95, de 26 de Julho, o que implica interpretação e aplicação errada do DL 466/85, tudo com apoio no recente e Douto Acórdão deste Venerando Tribunal, de 22-01-2009, in htttp/Jurisrudencia.no. sapo.pt. 7. O tomador/beneficiário dos seguros é o BPI e não os Segurados AA., pelo que, não pode dizer-se, sem qualquer suporte factual, que a cobertura ficou aquém das expectativas do tomador/segurado. O Segurado não escolheu individualmente as coberturas, limitou-se a aderir a uma Apólice de grupo: e a partir desse momento, aceita o contrato com a amplitude que tem. 8. Se não se entender assim, em qualquer caso os arts 15º e 16º, b) das CCG foi mal interpretado, pois, a situação que aí se tem em vista não se aplica ao caso sub judice. 9 Também foi mal interpretado e art° 9 da Lei nº 2 4/96, de 31 de Julho - Lei de defesa do consumidor. 10. Por um lado porque a situação da Apelada não pode ser considerada irreversível e definitiva pois, ficou provado que a sua invalidez tem de ser revista ao fim de cinco anos (o que significa que pode reduzir para valor inferior a 75%). 11. Para além disso, não consta dos autos que a Autora tivesse ficado dependente da assistência permanente de terceira pessoa, nem que tivesse ficado impedido de exercer qualquer actividade remuneratória. 12. De acordo com a liberdade contratual é lícito à Apelante definir a invalidez absoluta e definitiva que consta da Apólice dos autos, tendo em conta que recebeu a título de prémio apenas o que estava previsto para aquela cobertura e não é com base em expectativas que se limitam ou definem as coberturas de qualquer seguro, nem evidentemente o seguro dos autos. 13.Invoca¬se Acórdão do STJ de 18¬03¬2004, in http://jurisprudencia.no.sapo.pt/, onde se decide que a obrigação da seguradora indemnizar o segurado tem de estar dentro dos limites contratualmente estabelecidos. 14. O preâmbulo da directiva em que se baseia a actual redacção das cláusulas Contratuais Gerais, invocado pela MM° Juiz, foi mal interpretado pois, o que nele se prevê é que a censura a uma cláusula, à luz do mesmo diploma, não deve incidir sobre cláusulas que descrevam o objecto principal do contrato ou a relação qualidade/preço do fornecimento da prestação, (...) o objecto principal do contrato e a relação qualidade/preço podem, todavia, ser considerados na apreciação do carácter abusivo de outras cláusulas. 15. Desse facto decorre, inter alia, que no caso de contratos de seguro, as cláusulas que definem ou delimitem claramente o risco segurado e o compromisso do segurador não são objecto de tal apreciação, desde que essas limitações sejam tidas em conta no cálculo do prémio a pagar pelo consumidor. 16. A Sentença recorrida nada refere quanto ao prémio pago pelo seguro dos autos e que foi fixado proporcionalmente, tendo em conta a duração do seguro, o grau de probabilidade e de que o sinistro acabe a indemnização contratada. 17. Ou seja, nada é alegado ou referido entre o tipo de produto que foi vendido e o preço, e só assim se elucidaria eventual desproporcionalidade não sendo suficiente dizer que o que pretendiam os segurados era prevenção de um risco de ocorrência na pessoa dos segurados que lhe não lhe permitisse ou um risco de ocorrência na pessoa dos segurados que não lhe permitisse ou dificultasse o pagamento das prestações em dívida - Se assim fosse, todo o tipo de invalidez levaria à cobertura do seguro pois, todos os sinistrados de invalidez querem deixar de pagar as prestações. 18. Acresce que, a sentença recorrida apenas ataca a dependência de terceira pessoa, deixando de fora o outro segmento da cláusula, sendo que se trata de requisitos cumulativos. 19. Como tal, quanto a esse segmento - Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória.” Cfr doc de fIs. 104 ... P e 9°, não declarou a Sentença recorrida qualquer vício, por abusivo ou contrário à boa fé. 20. Assim, se esse segmento da cláusula não mereceu censura, pelo facto da Apelada sinistrada não ter provado que estava incapacitada irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória, devia ter sido excluída da garantida o seguro e, em consequência, a acção improceder. 21. É que a Autora provou apenas que ficou impossibilitada para a actividade habitual. 22. Impõe-se face ao alegado, e salvo melhor opinião, a revogação da douta sentença recorrida e a absolvição da Apelante.” Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes: 1º- Por escritura pública outorgada em 29.07.1993, no 2º Cartório Notarial de Guimarães entre Jorge... e Maria A..., como primeiros outorgantes, e os ora autores, como segundos outorgantes, vieram aqueles declarar vender aos segundos, que declararam aceitar, contra o pagamento de um preço acordado entre ambos, Fracção autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, no rés-do-chão e andar do lado esquerdo, com uma garagem, ao nível do rés-do-chão, no estremo direito do prédio, e logradouro a sul e norte, com a área de 51,70 m2, do prédio urbano situado no lugar da ... Guimarães, descrito na Conservatória sob o nº 129, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-1 – cfr. Certidão de fls. 24 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (A). 2º- No mesmo escrito, como terceiro outorgante, o Banco B...., representado por António J... e António de A..., obrigaram-se nos seguintes termos: “(…) ajustam um contrato de empréstimo, em garantia de cujo pagamento e integral cumprimento das obrigações assumidas, constituem a favor do Banco, hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “C”, já referida na presente escritura, regulando-se o empréstimo e a hipoteca pelos termos, cláusulas e condições constantes do documento complementar anexo(…)” - cfr. certidão de fls. 24 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (B). 3º- Por escritura pública outorgada no dia 14.02.02 os ora autores, como primeiros outorgantes, e o Banco BPI, S.A., representado por Olívia ..., como segundo outorgante, celebraram o acordo de vontades constante da certidão de fls. 44 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, por via do qual os primeiros declararam proceder à substituição dos empréstimos à habitação, contraídos juntos do B.C.I. – Banco de Comércio e Indústria, S.A., e do Banco Santander Portugal, S.A., ao abrigo do Regime Geral de Crédito, dos montantes de 50.162,88 € e de 27.349,97 €, num total de 77.512,85 €, por igual empréstimo contraído junto do B..., S.A., de 77.512,85 €, o que foi aceite. (C). 4º- O Banco B... S.A. declarou aceitar esse empréstimo referido em C), pelo prazo de 21 anos, tendo os autores oferecido em garantia dos juros contados à taxa de 4,350%, da sobretaxa de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal e das despesas extrajudiciais para efeitos de registo, que se fixaram em 3.100,50 €, hipoteca sobre a fracção referida em A). (D). 5º- Como parte integrante da escritura referida em D), dou por integramente reproduzido o teor do documento complementar junto a fls. 50 ss. (E). 6º- Autores e ré acordaram, em 27.12.01, a celebração de dois “seguros de vida”, titulados pelas apólices nº 5318/800500/529318 e 5318/800500/529319, por via dos quais a segunda garantiu o pagamento do capital de € 79.714,91 e € 17.457,93 no caso de invalidez absoluta e definitiva. (F) e (1.º). 7º- À autora Maria..., em Dezembro de 2004, foi diagnosticada uma neoplasia gástrica, pelo que foi submetida a gastrectomia total em Janeiro de 2005. (G). 8º- Por carta datada de 25.07.2005 os autores participaram à ré a invalidez absoluta e definitiva da autora Maria Manuela Faria. (H) e (8.º). 9º- Em 4/10/2005 a ré notificou o Banco B.P.I, S.A., dizendo que da documentação clínica fornecida pelos autores a invalidez que a autora apresenta não se enquadra na definição de invalidez absoluta e definitiva constante das condições contratuais. (I). 10º- E por isso não assumiu o pagamento da indemnização ao abrigo do processo de sinistro, facto que comunicou à autora por carta datada de 27 de Outubro de 2005, não assumindo o pagamento das prestações em dívida ao Banco B..., S.A. (J). 11º- Face à posição assumida pela ré, o Banco B..., S.A. notificou os autores da recusa daquela assumir o pagamento dos empréstimos e disponibilizou-se para a reanálise do processo. (L). 12º- Por carta de 07 de Julho de 2006, dirigida à ré, os autores pediram àquele a reabertura e reapreciação do processo, tendo depois recebido do Banco B..., S.A., carta datada de 18 de Setembro de 2006, a comunicar-lhes que a ré manteve a decisão anterior, pelo que solicitava que os autores tivessem a conta provisionada para pagamento das prestações. (M). 13º- Por carta datada de 19 de Dezembro de 2006 os autores solicitaram novamente à ré a reapreciação do processo mas esta, por carta datada de 11 de Janeiro de 2007, voltou a considerar a autora não afectada por invalidez absoluta e definitiva, não assumindo por isso o pagamento dos valores em dívida. (N) 14º- Nos termos da apólice de seguro, condição geral 2.2., alínea b), “no caso de invalidez absoluta e definitiva do segurado, a seguradora, nos termos previstos nas condições da apólice, garante o pagamento do capital seguro ao beneficiário” (cfr. doc. de fls. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (O). 15º- Considerando-se existir “invalidez absoluta e definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos: - Possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa; - Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória” (cfr. doc. de fls. 104, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). (P) e (9.º). 16º- A gastrectomia referida em G) é uma gastrectomia total radical D II com esofagojejunostomia em y de Roux por Adenocargnoma gástrico pouco diferenciado com significativo comprometimento de células em anel de sineta. (2.º). 17º- A A. tem incapacidade para a actividade habitual. (3.º) e (7.º). 18º- Necessita de uma vigilância clínica apertada, a título definitivo. (4.º). 19º- Por causa do referido em 1) a 3) encontra-se com uma incapacidade de 80%, que deverá ser revista ao fim de cinco anos. (5.º). 20º- Por causa do referido em G) e em 5) a autora foi reformada por invalidez.(6.º). FUNDAMENTAÇÃO: Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Assim, as únicas questões a decidir traduzem-se em saber se: 1ª- é abusiva a cláusula da apólice do contrato de seguro dos autos que impõe, para a ocorrência da invalidez absoluta e definitiva, “a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa”. 2ª- estão preenchidos os pressupostos da verificação de invalidez absoluta e definitiva coberta pelo contrato de seguro. I- Quanto à primeira questão, sustenta a ré/apelante que não evidenciando os factos provados qualquer desproporcionalidade entre a amplitude da cobertura da apólice de seguro e o prémio por ela recebido e tratando-se de um seguro facultativo, no uso da igualdade, liberdade económica e de empresa, a sentença recorrida não podia considerar abusiva e, consequentemente, eliminar o segmento da cláusula 2.2, alínea b) da apólice dos autos, que impõe, para a ocorrência da invalidez absoluta e definitiva, “a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa”, pelo que, ao fazê-lo, é inconstitucional por violação dos arts. 13º, 61º, 62º, 80º e 86º da CRP. Mais sustenta ser tal decisão ofensiva da liberdade contratual e, por isso, violadora quer dos arts. 12º, 217º, 219º, 236º a 239º do C. Civil, quer dos arts. 425º, 427º e 455º a 462º do C. Comercial. E sustenta ainda que, sendo o seguro de vida em causa um seguro de grupo, não podia ser considerado como um contrato de adesão, pelo que não lhe são aplicáveis as normas do DL nº 176/95, de 26 de Junho. Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão. Senão vejamos. Ainda que se tenha dado como provada a celebração entre autores e ré de dois “seguros de vida”, titulados pelas apólices nº 5318/800500/529318 e 5318/800500/529319, a verdade é que resulta, claramente, da demais factualidade provada estarmos perante dois contratos de seguro grupo, celebrados entre o Banco B... S.A. e a ré, aos quais os autores aderiram, com vista à obtenção de crédito hipotecário naquele banco. E a circunstância de se tratar de seguro de grupo, que José Vasques , define como sendo aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum, não lhe retira a natureza de contrato de adesão , posto que os contratos em causa foram celebrados com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela ré seguradora, que os autores, na qualidade de segurados, se limitaram a aceitar . Mas se assim é, dúvidas não restam, estarem tais contratos sujeitos ao regime das cláusulas contratuais gerais contido no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL nº 220/95, de 31 de Outubro e pelo DL nº 249/99, de 7 de Julho . Daí cair, desde logo, por terra o primeiro dos argumentos avançados pela ré. E igual destino terão todos os demais argumentos. É que, como se escreve no Acórdão do STJ, de 7 de Outubro de 2010 , seguido de perto na sentença recorrida e cuja orientação também perfilhamos, a eventual censura ao objecto ou cobertura principal da apólice do seguro de grupo, através do controlo da sua natureza abusiva, não ofende o “princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do C. C.”, porquanto “a liberdade de celebração dos contratos e a liberdade da fixação do seu conteúdo (…) tem de se mover dentro dos limites da lei, encarada na sua letra e no seu espírito”. E muito menos se vê que tal entendimento possa constituir violação dos arts. 12º, 217º, 219º, 236º a 239º do C. Civil, que, neste particular aspecto, nem sequer têm aplicação. E o mesmo vale dizer em relação aos arts. 425º, 427º e 455º a 462º do C. Comercial, tanto mais que é o próprio art. 427º a estabelecer que o contrato de seguro regula-se pelas disposições da apólice não proibidas por lei. Do mesmo modo não se vê em que medida o controlo da natureza abusiva das cláusulas da apólice de seguro, ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais, integre violação aos princípios da igualdade, da livre iniciativa económica, da garantia da propriedade privada, da organização económica e do incentivo do Estado à actividade empresarial consagrados, respectivamente, nos citados arts.. 13º, 61º, 62º, 80º e 86º da CRP. Assente que a censura às cláusulas estipulados pela ré/apelante, no âmbito da sua actividade económica de seguros, nos contrato de seguro de grupo é legítima, impõe-se, agora, averiguar se a cláusula em discussão no caso dos autos é, ou não, abusiva. Dispõe a cláusula 2.2, alínea b) das condições gerais da apólice de seguro em causa que “ No caso de invalidez absoluta e definitiva do segurado, a seguradora, nos termos previstos nas condições da apólice, garante o pagamento do capital seguro ao beneficiário”. Considera-se existir invalidez absoluta e definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos: - Possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa; - Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória”. É consabido que o regime das cláusulas contratuais gerais visa tutelar fundamentalmente aquele que negoceia com o proponente, o chamado contraente indeterminado. Assim e no que respeita ao carácter abusivo das cláusulas gerais expressas neste tipo de contrato, estabelece o art. 15º, nºs 1 a 3 do citado DL 446/85 que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”. Estatui o art. 16º do mesmo diploma que “ Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, respectivamente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”. E o critério de apreciação da natureza abusiva de uma cláusula encontra-se ínsito no artigo 3º, nº1 da Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril , o qual dispõe que “Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”. Daqui decorre que o critério a seguir radica no princípio da boa fé, do qual flui a necessidade de averiguar se existe um desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa fé. Seguindo os ensinamentos de Almeno de Sá , diremos que, nesta ponderação, importa ter em consideração, «todas as circunstâncias que rodeiam o contrato, as quais devem ser apreciadas objectivamente, na óptica de um observador razoável e com referência ao momento em que é feita valer a nulidade da cláusula e não ao momento da celebração do contrato», havendo de « concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder “à medida” do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador». Significa isto, no dizer do mesmo autor, que « nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos». E, segundo Moitinho de Almeida , há ainda que ponderar a finalidade do contrato, pelo que, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa fé contar, tais cláusulas devem ser consideradas nulas. Ora, sendo a celebração do contrato de seguro em apreço condição para os autores obterem do tomador ( Banco B... S.A.) a concessão de crédito para aquisição de habitação, é inquestionável que, para os autores/segurados, a finalidade deste mesmo contrato é a de prevenir o risco de ocorrência de um acontecimento – a morte ou invalidez absoluta e definitiva – que lhes não permita ou dificulte o pagamento das prestações em dívida. Daí ser de ser concluir, nas palavras do citado acórdão do STJ, de 12.10.2010, que « a exigência concomitante do grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa não é justificada, sendo desproporcionado à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro firmado visou prevenir». Desde logo, porque qualquer observador razoável aceitará que o portador de uma incapacidade permanente igual ou superior a 75%, esteja irrecuperavelmente impossibilitado de exercer qualquer actividade remunerada, bastando por isso, esta impossibilidade para consubstanciar a invalidez permanente que o seguro visava proteger. E ainda porque, tal como se escreveu no Acórdão do STJ, de 27.05.2010 , «haveria um desequilíbrio significativo da situação jurídica dos contraentes em detrimento do autor se, apesar dessa incapacidade, para se preencher aquele pressuposto, ainda fosse necessário que o segurado estivesse num estado de “praticamente defunto”, ou seja, num estado em que já não podia lavar-se, alimentar-se, vestir-se, deslocar-se na sua residência e depender de terceira pessoa para a realização desses actos», caso em que a cobertura do contrato de seguro « ficaria manifestamente aquém daquilo que o autor podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato». Por tudo isto, impõe-se considerar que o segmento da cláusula 2.2., alínea b) do apólice do contrato de seguro em causa, ao obrigar ao permanente apoio de terceira pessoa para que o seguro possa ser accionado, é abusivo, por desproporcionalmente violadora dos interesses visados, sendo, consequentemente nulo. Daí nenhuma censura merecer, neste capítulo, a sentença recorrida, improcedendo, deste modo, as 1ª a 17ª conclusões a ré/apelante. II- Mas, argumenta ainda a ré ser a sentença recorrida omissa quanto à verificação do segundo pressuposto enunciado na dita cláusula, ou seja, “possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória”, sustentando que a incapacidade da autora não é absoluta nem definitiva. Posto que a sentença recorrida não conheceu, conforme lhe competia, desta questão, impõe-se decidir se assiste razão à apelante neste particular aspecto. Assim e no que respeita à interpretação e integração das declarações negociais expressas neste tipo de contrato, estabelece o art. 10º do citado DL 446/85 que “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluem”. Quer isto dizer que a interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais com o regime previsto nos arts. 236º a 238º do C. Civil, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem, devendo ser entendidas com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real, ou seja, à luz da “impressão do destinatário”. E bem se compreende a razão de ser deste regime. É que, atenta a situação de vantagem técnica e jurídica em que se encontra o predisponente, é justo, conforme flui do princípio da boa fé contratual, que se proteja o segurado aderente, de forma a que a cobertura do contrato de seguro não fique aquém daquilo que o mesmo pudesse contar. Temos como certo, na esteira do acórdão do STJ, de 29.03.2011 , que « Uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência». A este respeito, lograram os autores provar que à autora Maria Manuela Faria, em Dezembro de 2004, foi diagnosticada uma neoplasia gástrica, pelo que, em Janeiro de 2005, foi submetida a gastrectomia total radical D II com esofagojejunostomia em y de Roux por Adenocargnoma gástrico pouco diferenciado com significativo comprometimento de células em anel de sineta; a A. tem incapacidade para a profissão habitual, tendo sido reformada por invalidez, e encontra-se com uma IPP de 80%, que deverá ser revista ao fim de cinco anos. Ora, se é verdade que uma IPP de 80%, sujeita a revisão ao fim de cinco anos e, por isso, susceptível de variação futura, não pode, por si só, ser equiparada a uma incapacidade absoluta e definitiva, também não é menos verdade que, no caso dos autos, para além desta incapacidade parcial permanente, a autora foi considerada incapaz para a profissão habitual, o que significa a existência de um prejuízo funcional total que a impossibilitou de continuar a exercer a actividade profissional que desenvolvia antes da doença e determinou a perda das remunerações que auferia do respectivo exercício. E, a nosso ver, esta incapacidade da autora para o exercício da sua profissão habitual, associada à perda de remuneração por incapacidade de a angariar, não pode deixar de corresponder a uma incapacidade absoluta e definitiva, por, de harmonia com o disposto nos arts. 236º e 238º, nº1 do C. Civil, ser este o entendimento que um destinatário médio e de boa fé ao aderir ao contrato de seguro de grupo dos autos extrairia da cláusula 2.2. alínea b) da respectiva apólice de seguro. Acresce que, sendo consabido que a doença oncológica de que padece a autora é de difícil cura, qualquer observador razoável aceitará que o portador de uma tal doença e reformado por invalidez decorrente da incapacidade para o exercício da sua profissão, esteja também irrecuperavelmente impossibilitado de exercer qualquer outra actividade remunerada. Daí entender-se, por todo o exposto, que a situação de incapacidade alegada e demonstrada preenche os pressupostos de inclusão na garantia da cobertura, subsistente na cláusula 2.2, alínea b) do contrato de seguro celebrado, denominada “Invalidez Absoluta e definitiva” por doença, pelo que a acção não podia deixar de proceder, conforme decidiu a sentença recorrida que, por isso, será de manter. Improcedem, pois, todas as demais conclusões da ré/apelante. DECISÃO: Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida ainda que com base em fundamentos não inteiramente coincidentes. Custas da apelação a cargo da ré/apelante. Guimarães, 31 de Maio de 2011