Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MANSO RAÍNHO
Descritores
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO SALVADOS PARALISAÇÃO DE VEÍCULO
No do documento
RG
Data do Acordão
02/09/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário
I - Salvo acordo em contrário entre o lesado e a seguradora, o valor dos salvados do veículo sinistrado tem de ser levado em linha de conta na indemnização a pagar, sob pena de enriquecimento injustificado do lesado. II - Em caso de imobilização do veículo por efeito do acidente, e não tendo a seguradora proporcionado veículo de substituição, tem o lesado direito a ser indemnizado pelo prejuízo decorrente da supressão das utilidades que o veículo normalmente lhe proporcionaria. III - Tal direito é imediato e automático, no sentido de que existe independentemente da prova de despesas com a afectação de um outro veículo aos fins do lesado.
Decisão integral
Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães:

DS demandou, em autos de ação com processo na forma sumária, N... S.A., peticionando a condenação desta na reparação do veículo matrícula 60-73-VG ou, subsidiariamente, na substituição do dito veículo ou, ainda subsidiariamente, no pagamento da indemnização de €12.600,00, valor do veículo, acrescendo em qualquer dos casos sempre indemnização pela privação do uso do veículo.
Alegou para o efeito, muito em síntese, que é dono de tal veículo, sucedendo porém que o veículo veio a ser interveniente em acidente de viação causado culposamente pelo condutor de um outro veículo, matrícula 59-63-FZ. Por efeito do acidente o veículo do Autor sofreu estragos graves, ficando o Autor privado da respectiva fruição. Compete à Ré reparar o prejuízo inerente, na medida em que para ela estava transferida a responsabilidade civil emergente da utilização do FZ.
Contestou a Ré, concluindo por dizer que a acção deveria ser julgada de acordo com a prova que se viesse a produzir.
A final foi proferida sentença que, em procedência parcial da acção, condenou a Ré a pagar ao Autor as quantias indemnizatórias de €12.000,00 (perda do veículo) e €3.610,00 (privação do uso do veículo).

Inconformada com o assim decidido, apela a Ré.

Da sua alegação extrai as seguintes conclusões: 

1.ª - O ilustre julgador bem realça os princípios aplicáveis ao caso em apreço, muito embora deles não retire as devidas conclusões.
2.ª - É inegável que à situação em apreço, cumpre aplicar o disposto no supra referido artigo 41.º, n.º 1, c), 2 e 3 do Código Civil, não sendo correcta a decisão proferida, na medida em que determina que o Autor deverá receber o montante correspondente ao que foi aferido no orçamento por si apresentado.
3.ª - Na verdade, este preceito nada mais faz do que concretizar, limitando, o que o artigo 566.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil diz.
4.ª - Pois, é certo que a indemnização aqui em causa não pode ser a reconstituição natural por ser excessivamente onerosa, conceito/limite este, fixado por ambos os artigos (566.º do C.C. e 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto), como também é certo que a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que teria se não tivesse havido dano.
5.ª – E, em termos práticos, como a reparação do GV é anti-económica, a indemnização correspondente teria sempre de ser em dinheiro.
6.ª - Sendo que o ilustre julgador “a quo” não atendeu ao alegado por ambas as partes, é que os salvados tinham um valor de € 2.105,00 e que os mesmos são e estão na posse do Autor.
7.ª - Pelo que o pagamento do valor do veículo sem dedução do valor dos salvados é um locupletamento ilícito do Autor, uma vez que estaremos a colocar o Autor numa situação patrimonial desproporcionalmente mais favorável do que a que este teria, caso tivesse conservado a sua viatura incólume.
8.ª - Assim, os € 2.105,00 que valem o VG terão que ser descontados aos €12.000,00 já tão benevolamente atribuídos ao Tribunal a quo.
9.ª - Concluindo-se que, não obstante reconheça a aplicação dos artigos 562.º e 566.º do Código Civil ao caso presente, o ilustre tribunal “a quo” ignora a verdadeira implicação do teor destas normas e bem assim a sua concretização em sede de lei especial, concretamente o disposto no artigo 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, que impunha como limite indemnizatório máximo, o valor venal da viatura, deduzido do montante relativo ao salvado;
10.ª – Sendo este o limite da responsabilidade da ora recorrente para efeitos indemnizatórios, impondo-se a redução do arbitrado na presente sentença em conformidade com o mesmo.
11.ª - Comprometendo mesmo o princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos com a solução judicial assim arbitrada, já que o mesmo tem, como vimos de referir, um limite legal, isto é, o seu valor venal à data do sinistro, segundo a fórmula legal que a lei impõe, nos termos do artigo 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto.
12.ª - Neste sentido e atendendo a todo o exposto, ao decidir nos termos em que o fez, o ilustre julgador violou, neste particular, o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil e ainda o disposto no artigo 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto.
13.ª - No que ao dano resultante da paralisação do VG diz respeito, sempre se dirá que, em face da conclusão pela inviabilidade económica da reparação e de tudo mais que se vem de referir, deverá decair o pedido formulado pelo Autor no que concerne ao pagamento de danos derivados da paralisação do veículo sinistrado, concretamente o custo do aluguer de uma viatura durante o período que alega ter estado necessitado da mesma.
14.ª - É que, em casos como o dos presentes autos, não parece que possa peticionar-se uma indemnização decorrente da paralisação a partir do momento em que a entidade seguradora, ora recorrente colocou à disposição do lesado/Autor o valor da indemnização correspondente ao valor venal, acrescido do valor do salvado, caso este não ficasse com o mesmo.
15.ª - Entendimento esse, que veio a ser acolhido pelo legislador na nova alteração legislativa supra mencionada.
 16.ª - Tendo assim direito o lesado/Autor, a uma viatura de substituição, no caso de perda total do veículo sinistrado, como foi o caso, apenas até à altura em que a empresa de seguros, aqui Ré, colocou à sua disposição o pagamento da indemnização, conforme prescreve o n.º 2 do artigo 42.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto.
17.ª - Pelo que, terá que improceder o peticionado a titulo de aluguer da dita viatura de substituição que vá para além dessa data, já que esse remanescente é da sua exclusiva responsabilidade, não configurando dano atendível, para efeitos da responsabilidade que recai sobre a ora recorrente.
18.ª - Deste modo, tendo em conta a data na qual a ora Ré cumpriu o disposto em tal disposição legal – 14 de Outubro de 2008 - e reduzindo montante do aluguer da viatura proporcionalmente ao período que medeia entre a data do sinistro e aquela que se acabou de referir, apura-se o montante de € 460,00.
19.ª - Concluindo-se, mais uma vez, que os princípios referidos pelo ilustre tribunal “a quo”, não foram correctamente aplicados ao caso concreto, sendo certo que aos mesmos, e tendo em conta o já anteriormente dito, cabe acrescer o que vem na lei, concretamente, neste particular, o disposto no artigo 42.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto.
20.ª - E nesse sentido, reduzir o montante do referido aluguer ao montante já apurado de € 460,00.
21.ª - Podendo afirmar-se, face ao exposto que, ao decidir como decidiu, o ilustre julgador “a quo” violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, bem como o artigo 42.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto. 
22.ª – Ao decidir como decidiu, o aresto recorrido violou o disposto nos artigos 483.°, 494° e 496.º, n.º 3, todos do Código Civil.
23.ª – Quanto ao montante arbitrado pela privação do uso acontece que o Autor não logrou provar qualquer prejuízo material efectivo, no que respeita ao dano respeitante à privação do veículo.
24.ª - Sufragamos a posição jurisprudencial que considera que é necessário fazer prova efectiva da existência de prejuízos de ordem material, negando-se o direito á indemnização à simples não prova da utilização do veículo – entre outros, Vide Ac. RP de 17.10.84, CLJ, T 4, pag. 246.
 25.ª - O recurso à equidade não pode sobrepor-se às regras do ónus da prova, porque, não se provando qualquer prejuízo e atribuindo-se uma indemnização por recurso à equidade, pode dar-se um enriquecimento sem causa, visto que a paralisação dum veículo, só por si, pode não acarretar qualquer prejuízo;
26.ª - Só perante a alegação e prova da factualidade pertinente seria possível concluir ou não pela justeza, ou seja, pela verificação de um verdadeiro dano, como consequência adequada do acidente.
27.ª - A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.
28.ª - A douta sentença recorrida violou, assim, nessa parte o estatuído nos art.s 562º e ss. e 342º e ss. do Código Civil; 

					+

A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.

					+

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Ter-se-á em conta que o teor das conclusões define o âmbito do conhecimento deste tribunal ad quem e que importa conhecer de questões e não de fundamentos ou razões.


					+

Estão provados os factos seguintes:

1. No dia 20 de Setembro de 2008, pelas 20:50 horas, na EN 306, ao km 47,526, na freguesia de Roriz, do concelho de Barcelos, ocorreu um acidente de viação.
2. Neste acidente foram intervenientes os seguintes veículos: a) o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 59-63-FZ (FZ), propriedade de Domingos e conduzido por Luís; b) o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 50-91-MC (MC), propriedade de João e conduzido por Bruno e, c) o veículo ligeiro de passageiros, marca Audi, modelo A3, matrícula 60-73-VG (VG), propriedade do autor e conduzido pelo seu filho Bruno.
3. O veículo do autor circulava pela EN 306, no sentido Alheira-Lijó (Roriz-Barcelos),
4. a velocidade na ordem dos 50 km/h,
5. pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido,
6. com os órgãos de iluminação accionados e 
7. estando seu condutor atento ao trânsito de veículos e de peões.
8. Imediatamente à sua frente circulava o veículo MC, a uma distância de cerca de 39,70m.
9. Quando o VG circulava pela metade direita da faixa de rodagem, em local em que a via descreve uma recta dos quais havia já percorrido alguns metros, eis que surge à sua frente, em derrapagem, descontrolado, o veículo FZ.
10. O FZ seguia em movimento enviesado e transversal, acabando por colidir com a sua parte lateral direita – do lado da passageira -, na frente do VG.
11. Ao condutor do VG, atentas as circunstâncias, não era exigível outra conduta.
12. O embate entre o FZ e o VG verificou-se na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do VG.
13. O FZ entrou em despiste.
14. O local do embate está ladeado por edificações e estabelecimentos, de ambos os lados, com saída para a via pública. 
15. Era noite e o local tinha iluminação pública.
16. O piso estava molhado, porque havia chovido.
17. O embate ocorreu numa recta é precedido em ambos os lados, atento o sentido de marcha do veículo do autor, por uma curva para a direita e, no seu final, por uma curva para a esquerda.
18. O condutor FZ perdeu o controlo sobre o veículo,
19. transpondo para a esquerda a linha longitudinal descontínua aposta no eixo delimitador da via, 
20. invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem, destinada aos veículos que, como o VG e MC, circulassem no sentido Roriz-Barcelos, 21. onde acabou por embater naquele MC,
22. com a sua frente esquerda na lateral esquerda do MC,
23. prosseguindo, após o embate, descontroladamente, a sua marcha, 
24. e atravessou-se na faixa de rodagem, embatendo com a parte lateral direita na frente do VG 
25. tendo, mercê do embate, rodopiado, descrevendo um pião e 
26. ficando com a frente apontada para o eixo delimitador da via.
27. Em resultado da violência do embate, o VG foi projectado para a sua retaguarda, 
28. tendo recuado.
29. O embate entre o VG e o FZ ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Roriz-Barcelos. 
30. O acidente deveu-se à manifesta falta de perícia e destreza do condutor do veículo FZ, 
31. por violação das mais elementares regras de condução e segurança rodoviária.
32. Como consequência directa e necessária do acidente de viação descrito, a reparação do veículo do autor, segundo estimativa, sem desmontagem, levada a cabo pela ré, ascendia à € 11.938,43, 
33. concluindo a ré que, atento o valor venal do veículo, a reparação era economicamente inviável.
34. O autor, de forma a permitir uma resolução rápida do assunto, inicialmente aceitaria a perda total e, consequentemente, uma indemnização de € 11.605,00, 
35. o que não foi aceite pela ré.
36. O veículo do autor era um Audi A3 Sport, 1.9 TDi, de 1998, 
37. encontrava-se em bom estado de conservação,
38. tinha cerca de 200.000 quilómetros, 
39. e tinha um valor comercial na ordem dos € 11.000/€ 13.000.
40. A ré não proporcionou ao autor a entrega de um veículo usado com as características e qualidades idênticas ao do autor.
41. O VG, de cinco lugares, era o único veículo, com aquelas características, que o autor possuía, sendo proprietário de outros dois veículos, ambos ligeiros de mercadorias: Toyota Hiace e Seat Ibiza comercial de dois lugares, usados no exercício da sua actividade profissional de assistência técnica de áudio, vídeo e donótica.
42. O VG era usado pelo autor e respectivo agregado para as deslocações profissionais, pessoais, sendo também usado pelo filho Bruno para as deslocações diárias para a Universidade do Minho, Pólo de Guimarães, onde frequenta o curso de Engenharia Electrotécnica Industrial e Computadores.
43. O autor, de forma a permitir assegurar as suas deslocações e do respectivo agregado, teve que recorrer a um veículo de aluguer, 
44. que manteve até 24/11/2008.
45. tendo despendido a quantia de € 3.000,00. 
46. E procedeu à entrega do veículo de aluguer porque o valor era incomportável.
47. Desde essa data, o autor e respectivo agregado perdeu a utilidade de um meio de transporte necessário às suas comodidades até Janeiro de 2009 quando comprou e passou a usar um veículo que adquiriu, também de maca Audi. 
48. O uso e fruição de um veículo é um factor relevante de qualidade de vida, proporcionado aos respectivos utilizadores condições únicas de conforto, flexibilidade e rapidez nas deslocações, nomeadamente nas deslocações quotidianas, ao banco, ao mercado, ao médico, às compras, enfim para fazer a sua vida normal, terá que recorrer a transportes alternativos, com o que sofre necessariamente tensão nervosa, aborrecimentos, ansiedade, 
49. Naquele período, o autor esteve impossibilitado de dar os seus passeios com a família.
50. Estes prejuízos estimam-se em € 10,00 diários.
50-A. A N Seguros, S. A., por contrato de seguro titulado pela apólice nº 90/25063, válida e eficaz à altura do sinistro, havia-se responsabilizado pelos danos causados a terceiros pelo veículo matrícula 59-63-FZ. 
51. A Ré efectuou peritagem, a título condicional, ao veículo do autor, tendo sido calculada uma estimativa para o valor da reparação superior a € 11.938,43, sem desmontagem.
52. Atento o facto de o valor comercial do veículo sinistrado ser de € 9.500,00 e o valor do salvado ser de € 2.105,00, a Ré concluiu pela perda total do veículo, por a reparação não ser economicamente viável.
53. A ré informou o autor dos montantes que se propunha indemnizar, de forma condicional, aguardando a conclusão das averiguações, em 14 de Outubro de 2008.

					+
O julgamento da matéria de facto não vem impugnado, nem nós encontramos qualquer fundamento para modificar oficiosamente tal matéria, pelo que consideramos fixada a base factual da causa.
					+

A primeira questão que a Apelante coloca à apreciação desta Relação é a de saber se deve ser abatida à indemnização estabelecida a título da perda do veículo o valor dos salvados.
Ora, a regra é sem dúvida a de que quem é o dono do veículo é também o dono dos respectivos salvados, pois que estes são ainda o que resta do próprio veículo. Assim, exceto se lesado e seguradora convencionarem outra coisa, o valor dos salvados tem de ser abatido à indemnização a pagar, sob pena de haver um enriquecimento injusto por parte do lesado.
No caso vertente, retira-se do que se alega no artigo 78º da petição inicial, bem como do que consta da carta de fls. 35 (carta que o Autor enviou à Ré, datada de 21 de Outubro de 2008), que o Autor não deixa de aceitar que o valor dos salvados era aquele que foi proposto pela Ré, €2.105,00. E do ponto 52º da fundamentação fáctica acima elencada, no que tem de útil, não deve senão retirar-se que os salvados tinham tal valor. Logo, deverá tal quantia ser abatida ao valor do veículo.
Mas mesmo que assim se não vejam as coisas, sempre é certo que há salvados. Disto ninguém duvida. O que estaria em causa seria apenas o respectivo quantum. Ora, nesta perspectiva, haveria que fixar tal valor segundo juízos de equidade (nº 3 do art. 566º do CC), e essa equidade transporta-nos precisamente para o acima indicado valor.
Donde, por uma razão ou por outra, tem razão a Apelante, havendo que abater à indemnização pela perda do veículo o aludido valor dos salvados.
O que o Apelado diz em contrário disto, carece assim, quanto a nós, de validade.
Quanto à questão da privação do uso do veículo e prejuízo decorrente:
Como já se observou no acórdão desta Relação de 7/7/2011 (disponível em www.dgsi.pt), asserção esta mutatis mutandis que vale para o caso vertente, é ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, sendo que as implicações danosas emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado.
De outro lado, todo o prejuízo sofrido pelo lesado deve ser indemnizado.
O disposto no DL nº 291/07 em nada contraria estas regras gerais, apenas comporta normas que visam garantir de forma mais assertiva o funcionamento da obrigação de indemnização que recai sobre a seguradora.
Em matéria de privação do uso do veículo, temos entendido, na sequência de basta jurisprudência e doutrina (dispensamo-nos de proceder aqui a citações: trata-se de assunto mais que consabido e estafado), que tal privação implica um prejuízo automático para o dono do veículo, não carecendo este de alegar e provar que durante o período da privação esteve impossibilitado de utilizar outro veículo. Na realidade, vivemos numa sociedade em que o veículo automóvel se tornou um bem omnipresente na vida das pessoas, projectando estas as suas dinâmicas vivenciais muito em função da disponibilidade do veículo. A supressão desta disponibilidade é, portanto, um dano imediato e automático, e não ver as coisas assim é, portanto, olvidar a realidade.
Ora, aplicando estes considerandos ao caso vertente, temos de concluir que a Apelante carece de razão aí onde sustenta que a privação do uso do veículo não devia conduzir à indemnização fixada na sentença recorrida. 
De facto, resulta que o veículo do Autor ficou inoperacional, pelo que não pôde ser objecto de fruição. O que significa que está consolidado o prejuízo. E, de outro lado, não se mostra que a Apelante tenha proporcionado veículo de substituição ou que de alguma forma tenha colmatado os efeitos nefastos da supressão do veículo.
Donde, tem a Apelante que indemnizar o Autor por todo o dano adveniente. E assim, tem de indemnizar pelo facto do Autor ter tido que alugar um outro veículo (com o que gastou €3.000,00), bem como pelo facto do Autor ter estado depois, durante 61 dias, privado em absoluto de qualquer veículo. A quantia encontrada na sentença recorrida - €10,00 por dia - para indemnizar esta última privação é justa e adequada.
Improcede pois a apelação neste segmento.

					+

Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, modificando correspectivamente a sentença recorrida, condenam a Ré a pagar ao Autor a quantia de €9.895,00 (€12.000,00 - €2.105,00) a título de indemnização pelo valor do veículo. No mais é confirmada a sentença recorrida.

Regime de custas:

Custas da apelação e da acção por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Sumário (art. 713º nº 7 do CPC):
I - Salvo acordo em contrário entre o lesado e a seguradora, o valor dos salvados do veículo sinistrado tem de ser levado em linha de conta na indemnização a pagar, sob pena de enriquecimento injustificado do lesado.
II - Em caso de imobilização do veículo por efeito do acidente, e não tendo a seguradora proporcionado veículo de substituição, tem o lesado direito a ser indemnizado pelo prejuízo decorrente da supressão das utilidades que o veículo normalmente lhe proporcionaria.
III - Tal direito é imediato e automático, no sentido de que existe independentemente da prova de despesas com a afectação de um outro veículo aos fins do lesado.

Guimarães, 9 de Fevereiro de 2012
José Rainho
Carlos Guerra
Conceição Bucho

Acordam em conferência na 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães: DS demandou, em autos de ação com processo na forma sumária, N... S.A., peticionando a condenação desta na reparação do veículo matrícula 60-73-VG ou, subsidiariamente, na substituição do dito veículo ou, ainda subsidiariamente, no pagamento da indemnização de €12.600,00, valor do veículo, acrescendo em qualquer dos casos sempre indemnização pela privação do uso do veículo. Alegou para o efeito, muito em síntese, que é dono de tal veículo, sucedendo porém que o veículo veio a ser interveniente em acidente de viação causado culposamente pelo condutor de um outro veículo, matrícula 59-63-FZ. Por efeito do acidente o veículo do Autor sofreu estragos graves, ficando o Autor privado da respectiva fruição. Compete à Ré reparar o prejuízo inerente, na medida em que para ela estava transferida a responsabilidade civil emergente da utilização do FZ. Contestou a Ré, concluindo por dizer que a acção deveria ser julgada de acordo com a prova que se viesse a produzir. A final foi proferida sentença que, em procedência parcial da acção, condenou a Ré a pagar ao Autor as quantias indemnizatórias de €12.000,00 (perda do veículo) e €3.610,00 (privação do uso do veículo). Inconformada com o assim decidido, apela a Ré. Da sua alegação extrai as seguintes conclusões: 1.ª - O ilustre julgador bem realça os princípios aplicáveis ao caso em apreço, muito embora deles não retire as devidas conclusões. 2.ª - É inegável que à situação em apreço, cumpre aplicar o disposto no supra referido artigo 41.º, n.º 1, c), 2 e 3 do Código Civil, não sendo correcta a decisão proferida, na medida em que determina que o Autor deverá receber o montante correspondente ao que foi aferido no orçamento por si apresentado. 3.ª - Na verdade, este preceito nada mais faz do que concretizar, limitando, o que o artigo 566.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil diz. 4.ª - Pois, é certo que a indemnização aqui em causa não pode ser a reconstituição natural por ser excessivamente onerosa, conceito/limite este, fixado por ambos os artigos (566.º do C.C. e 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto), como também é certo que a indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que teria se não tivesse havido dano. 5.ª – E, em termos práticos, como a reparação do GV é anti-económica, a indemnização correspondente teria sempre de ser em dinheiro. 6.ª - Sendo que o ilustre julgador “a quo” não atendeu ao alegado por ambas as partes, é que os salvados tinham um valor de € 2.105,00 e que os mesmos são e estão na posse do Autor. 7.ª - Pelo que o pagamento do valor do veículo sem dedução do valor dos salvados é um locupletamento ilícito do Autor, uma vez que estaremos a colocar o Autor numa situação patrimonial desproporcionalmente mais favorável do que a que este teria, caso tivesse conservado a sua viatura incólume. 8.ª - Assim, os € 2.105,00 que valem o VG terão que ser descontados aos €12.000,00 já tão benevolamente atribuídos ao Tribunal a quo. 9.ª - Concluindo-se que, não obstante reconheça a aplicação dos artigos 562.º e 566.º do Código Civil ao caso presente, o ilustre tribunal “a quo” ignora a verdadeira implicação do teor destas normas e bem assim a sua concretização em sede de lei especial, concretamente o disposto no artigo 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, que impunha como limite indemnizatório máximo, o valor venal da viatura, deduzido do montante relativo ao salvado; 10.ª – Sendo este o limite da responsabilidade da ora recorrente para efeitos indemnizatórios, impondo-se a redução do arbitrado na presente sentença em conformidade com o mesmo. 11.ª - Comprometendo mesmo o princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos com a solução judicial assim arbitrada, já que o mesmo tem, como vimos de referir, um limite legal, isto é, o seu valor venal à data do sinistro, segundo a fórmula legal que a lei impõe, nos termos do artigo 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto. 12.ª - Neste sentido e atendendo a todo o exposto, ao decidir nos termos em que o fez, o ilustre julgador violou, neste particular, o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil e ainda o disposto no artigo 41.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto. 13.ª - No que ao dano resultante da paralisação do VG diz respeito, sempre se dirá que, em face da conclusão pela inviabilidade económica da reparação e de tudo mais que se vem de referir, deverá decair o pedido formulado pelo Autor no que concerne ao pagamento de danos derivados da paralisação do veículo sinistrado, concretamente o custo do aluguer de uma viatura durante o período que alega ter estado necessitado da mesma. 14.ª - É que, em casos como o dos presentes autos, não parece que possa peticionar-se uma indemnização decorrente da paralisação a partir do momento em que a entidade seguradora, ora recorrente colocou à disposição do lesado/Autor o valor da indemnização correspondente ao valor venal, acrescido do valor do salvado, caso este não ficasse com o mesmo. 15.ª - Entendimento esse, que veio a ser acolhido pelo legislador na nova alteração legislativa supra mencionada. 16.ª - Tendo assim direito o lesado/Autor, a uma viatura de substituição, no caso de perda total do veículo sinistrado, como foi o caso, apenas até à altura em que a empresa de seguros, aqui Ré, colocou à sua disposição o pagamento da indemnização, conforme prescreve o n.º 2 do artigo 42.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto. 17.ª - Pelo que, terá que improceder o peticionado a titulo de aluguer da dita viatura de substituição que vá para além dessa data, já que esse remanescente é da sua exclusiva responsabilidade, não configurando dano atendível, para efeitos da responsabilidade que recai sobre a ora recorrente. 18.ª - Deste modo, tendo em conta a data na qual a ora Ré cumpriu o disposto em tal disposição legal – 14 de Outubro de 2008 - e reduzindo montante do aluguer da viatura proporcionalmente ao período que medeia entre a data do sinistro e aquela que se acabou de referir, apura-se o montante de € 460,00. 19.ª - Concluindo-se, mais uma vez, que os princípios referidos pelo ilustre tribunal “a quo”, não foram correctamente aplicados ao caso concreto, sendo certo que aos mesmos, e tendo em conta o já anteriormente dito, cabe acrescer o que vem na lei, concretamente, neste particular, o disposto no artigo 42.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto. 20.ª - E nesse sentido, reduzir o montante do referido aluguer ao montante já apurado de € 460,00. 21.ª - Podendo afirmar-se, face ao exposto que, ao decidir como decidiu, o ilustre julgador “a quo” violou o disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 566.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil, bem como o artigo 42.º do DL 291/2007 de 21 de Agosto. 22.ª – Ao decidir como decidiu, o aresto recorrido violou o disposto nos artigos 483.°, 494° e 496.º, n.º 3, todos do Código Civil. 23.ª – Quanto ao montante arbitrado pela privação do uso acontece que o Autor não logrou provar qualquer prejuízo material efectivo, no que respeita ao dano respeitante à privação do veículo. 24.ª - Sufragamos a posição jurisprudencial que considera que é necessário fazer prova efectiva da existência de prejuízos de ordem material, negando-se o direito á indemnização à simples não prova da utilização do veículo – entre outros, Vide Ac. RP de 17.10.84, CLJ, T 4, pag. 246. 25.ª - O recurso à equidade não pode sobrepor-se às regras do ónus da prova, porque, não se provando qualquer prejuízo e atribuindo-se uma indemnização por recurso à equidade, pode dar-se um enriquecimento sem causa, visto que a paralisação dum veículo, só por si, pode não acarretar qualquer prejuízo; 26.ª - Só perante a alegação e prova da factualidade pertinente seria possível concluir ou não pela justeza, ou seja, pela verificação de um verdadeiro dano, como consequência adequada do acidente. 27.ª - A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil. 28.ª - A douta sentença recorrida violou, assim, nessa parte o estatuído nos art.s 562º e ss. e 342º e ss. do Código Civil; + A parte contrária contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação. + Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Ter-se-á em conta que o teor das conclusões define o âmbito do conhecimento deste tribunal ad quem e que importa conhecer de questões e não de fundamentos ou razões. + Estão provados os factos seguintes: 1. No dia 20 de Setembro de 2008, pelas 20:50 horas, na EN 306, ao km 47,526, na freguesia de Roriz, do concelho de Barcelos, ocorreu um acidente de viação. 2. Neste acidente foram intervenientes os seguintes veículos: a) o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 59-63-FZ (FZ), propriedade de Domingos e conduzido por Luís; b) o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 50-91-MC (MC), propriedade de João e conduzido por Bruno e, c) o veículo ligeiro de passageiros, marca Audi, modelo A3, matrícula 60-73-VG (VG), propriedade do autor e conduzido pelo seu filho Bruno. 3. O veículo do autor circulava pela EN 306, no sentido Alheira-Lijó (Roriz-Barcelos), 4. a velocidade na ordem dos 50 km/h, 5. pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido, 6. com os órgãos de iluminação accionados e 7. estando seu condutor atento ao trânsito de veículos e de peões. 8. Imediatamente à sua frente circulava o veículo MC, a uma distância de cerca de 39,70m. 9. Quando o VG circulava pela metade direita da faixa de rodagem, em local em que a via descreve uma recta dos quais havia já percorrido alguns metros, eis que surge à sua frente, em derrapagem, descontrolado, o veículo FZ. 10. O FZ seguia em movimento enviesado e transversal, acabando por colidir com a sua parte lateral direita – do lado da passageira -, na frente do VG. 11. Ao condutor do VG, atentas as circunstâncias, não era exigível outra conduta. 12. O embate entre o FZ e o VG verificou-se na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do VG. 13. O FZ entrou em despiste. 14. O local do embate está ladeado por edificações e estabelecimentos, de ambos os lados, com saída para a via pública. 15. Era noite e o local tinha iluminação pública. 16. O piso estava molhado, porque havia chovido. 17. O embate ocorreu numa recta é precedido em ambos os lados, atento o sentido de marcha do veículo do autor, por uma curva para a direita e, no seu final, por uma curva para a esquerda. 18. O condutor FZ perdeu o controlo sobre o veículo, 19. transpondo para a esquerda a linha longitudinal descontínua aposta no eixo delimitador da via, 20. invadindo a metade esquerda da faixa de rodagem, destinada aos veículos que, como o VG e MC, circulassem no sentido Roriz-Barcelos, 21. onde acabou por embater naquele MC, 22. com a sua frente esquerda na lateral esquerda do MC, 23. prosseguindo, após o embate, descontroladamente, a sua marcha, 24. e atravessou-se na faixa de rodagem, embatendo com a parte lateral direita na frente do VG 25. tendo, mercê do embate, rodopiado, descrevendo um pião e 26. ficando com a frente apontada para o eixo delimitador da via. 27. Em resultado da violência do embate, o VG foi projectado para a sua retaguarda, 28. tendo recuado. 29. O embate entre o VG e o FZ ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Roriz-Barcelos. 30. O acidente deveu-se à manifesta falta de perícia e destreza do condutor do veículo FZ, 31. por violação das mais elementares regras de condução e segurança rodoviária. 32. Como consequência directa e necessária do acidente de viação descrito, a reparação do veículo do autor, segundo estimativa, sem desmontagem, levada a cabo pela ré, ascendia à € 11.938,43, 33. concluindo a ré que, atento o valor venal do veículo, a reparação era economicamente inviável. 34. O autor, de forma a permitir uma resolução rápida do assunto, inicialmente aceitaria a perda total e, consequentemente, uma indemnização de € 11.605,00, 35. o que não foi aceite pela ré. 36. O veículo do autor era um Audi A3 Sport, 1.9 TDi, de 1998, 37. encontrava-se em bom estado de conservação, 38. tinha cerca de 200.000 quilómetros, 39. e tinha um valor comercial na ordem dos € 11.000/€ 13.000. 40. A ré não proporcionou ao autor a entrega de um veículo usado com as características e qualidades idênticas ao do autor. 41. O VG, de cinco lugares, era o único veículo, com aquelas características, que o autor possuía, sendo proprietário de outros dois veículos, ambos ligeiros de mercadorias: Toyota Hiace e Seat Ibiza comercial de dois lugares, usados no exercício da sua actividade profissional de assistência técnica de áudio, vídeo e donótica. 42. O VG era usado pelo autor e respectivo agregado para as deslocações profissionais, pessoais, sendo também usado pelo filho Bruno para as deslocações diárias para a Universidade do Minho, Pólo de Guimarães, onde frequenta o curso de Engenharia Electrotécnica Industrial e Computadores. 43. O autor, de forma a permitir assegurar as suas deslocações e do respectivo agregado, teve que recorrer a um veículo de aluguer, 44. que manteve até 24/11/2008. 45. tendo despendido a quantia de € 3.000,00. 46. E procedeu à entrega do veículo de aluguer porque o valor era incomportável. 47. Desde essa data, o autor e respectivo agregado perdeu a utilidade de um meio de transporte necessário às suas comodidades até Janeiro de 2009 quando comprou e passou a usar um veículo que adquiriu, também de maca Audi. 48. O uso e fruição de um veículo é um factor relevante de qualidade de vida, proporcionado aos respectivos utilizadores condições únicas de conforto, flexibilidade e rapidez nas deslocações, nomeadamente nas deslocações quotidianas, ao banco, ao mercado, ao médico, às compras, enfim para fazer a sua vida normal, terá que recorrer a transportes alternativos, com o que sofre necessariamente tensão nervosa, aborrecimentos, ansiedade, 49. Naquele período, o autor esteve impossibilitado de dar os seus passeios com a família. 50. Estes prejuízos estimam-se em € 10,00 diários. 50-A. A N Seguros, S. A., por contrato de seguro titulado pela apólice nº 90/25063, válida e eficaz à altura do sinistro, havia-se responsabilizado pelos danos causados a terceiros pelo veículo matrícula 59-63-FZ. 51. A Ré efectuou peritagem, a título condicional, ao veículo do autor, tendo sido calculada uma estimativa para o valor da reparação superior a € 11.938,43, sem desmontagem. 52. Atento o facto de o valor comercial do veículo sinistrado ser de € 9.500,00 e o valor do salvado ser de € 2.105,00, a Ré concluiu pela perda total do veículo, por a reparação não ser economicamente viável. 53. A ré informou o autor dos montantes que se propunha indemnizar, de forma condicional, aguardando a conclusão das averiguações, em 14 de Outubro de 2008. + O julgamento da matéria de facto não vem impugnado, nem nós encontramos qualquer fundamento para modificar oficiosamente tal matéria, pelo que consideramos fixada a base factual da causa. + A primeira questão que a Apelante coloca à apreciação desta Relação é a de saber se deve ser abatida à indemnização estabelecida a título da perda do veículo o valor dos salvados. Ora, a regra é sem dúvida a de que quem é o dono do veículo é também o dono dos respectivos salvados, pois que estes são ainda o que resta do próprio veículo. Assim, exceto se lesado e seguradora convencionarem outra coisa, o valor dos salvados tem de ser abatido à indemnização a pagar, sob pena de haver um enriquecimento injusto por parte do lesado. No caso vertente, retira-se do que se alega no artigo 78º da petição inicial, bem como do que consta da carta de fls. 35 (carta que o Autor enviou à Ré, datada de 21 de Outubro de 2008), que o Autor não deixa de aceitar que o valor dos salvados era aquele que foi proposto pela Ré, €2.105,00. E do ponto 52º da fundamentação fáctica acima elencada, no que tem de útil, não deve senão retirar-se que os salvados tinham tal valor. Logo, deverá tal quantia ser abatida ao valor do veículo. Mas mesmo que assim se não vejam as coisas, sempre é certo que há salvados. Disto ninguém duvida. O que estaria em causa seria apenas o respectivo quantum. Ora, nesta perspectiva, haveria que fixar tal valor segundo juízos de equidade (nº 3 do art. 566º do CC), e essa equidade transporta-nos precisamente para o acima indicado valor. Donde, por uma razão ou por outra, tem razão a Apelante, havendo que abater à indemnização pela perda do veículo o aludido valor dos salvados. O que o Apelado diz em contrário disto, carece assim, quanto a nós, de validade. Quanto à questão da privação do uso do veículo e prejuízo decorrente: Como já se observou no acórdão desta Relação de 7/7/2011 (disponível em www.dgsi.pt), asserção esta mutatis mutandis que vale para o caso vertente, é ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, sendo que as implicações danosas emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado. De outro lado, todo o prejuízo sofrido pelo lesado deve ser indemnizado. O disposto no DL nº 291/07 em nada contraria estas regras gerais, apenas comporta normas que visam garantir de forma mais assertiva o funcionamento da obrigação de indemnização que recai sobre a seguradora. Em matéria de privação do uso do veículo, temos entendido, na sequência de basta jurisprudência e doutrina (dispensamo-nos de proceder aqui a citações: trata-se de assunto mais que consabido e estafado), que tal privação implica um prejuízo automático para o dono do veículo, não carecendo este de alegar e provar que durante o período da privação esteve impossibilitado de utilizar outro veículo. Na realidade, vivemos numa sociedade em que o veículo automóvel se tornou um bem omnipresente na vida das pessoas, projectando estas as suas dinâmicas vivenciais muito em função da disponibilidade do veículo. A supressão desta disponibilidade é, portanto, um dano imediato e automático, e não ver as coisas assim é, portanto, olvidar a realidade. Ora, aplicando estes considerandos ao caso vertente, temos de concluir que a Apelante carece de razão aí onde sustenta que a privação do uso do veículo não devia conduzir à indemnização fixada na sentença recorrida. De facto, resulta que o veículo do Autor ficou inoperacional, pelo que não pôde ser objecto de fruição. O que significa que está consolidado o prejuízo. E, de outro lado, não se mostra que a Apelante tenha proporcionado veículo de substituição ou que de alguma forma tenha colmatado os efeitos nefastos da supressão do veículo. Donde, tem a Apelante que indemnizar o Autor por todo o dano adveniente. E assim, tem de indemnizar pelo facto do Autor ter tido que alugar um outro veículo (com o que gastou €3.000,00), bem como pelo facto do Autor ter estado depois, durante 61 dias, privado em absoluto de qualquer veículo. A quantia encontrada na sentença recorrida - €10,00 por dia - para indemnizar esta última privação é justa e adequada. Improcede pois a apelação neste segmento. + Decisão: Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, modificando correspectivamente a sentença recorrida, condenam a Ré a pagar ao Autor a quantia de €9.895,00 (€12.000,00 - €2.105,00) a título de indemnização pelo valor do veículo. No mais é confirmada a sentença recorrida. Regime de custas: Custas da apelação e da acção por ambas as partes, na proporção do decaimento. Sumário (art. 713º nº 7 do CPC): I - Salvo acordo em contrário entre o lesado e a seguradora, o valor dos salvados do veículo sinistrado tem de ser levado em linha de conta na indemnização a pagar, sob pena de enriquecimento injustificado do lesado. II - Em caso de imobilização do veículo por efeito do acidente, e não tendo a seguradora proporcionado veículo de substituição, tem o lesado direito a ser indemnizado pelo prejuízo decorrente da supressão das utilidades que o veículo normalmente lhe proporcionaria. III - Tal direito é imediato e automático, no sentido de que existe independentemente da prova de despesas com a afectação de um outro veículo aos fins do lesado. Guimarães, 9 de Fevereiro de 2012 José Rainho Carlos Guerra Conceição Bucho