Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores
CONTRATO DE ARRENDAMENTO FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO ACÇÃO DE DESPEJO
No do documento
RG
Data do Acordão
05/31/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
I. Em caso de não pagamento de rendas por parte do arrendatário, pode a senhorio operar a resolução por via de acção declarativa, pela correspondente acção de despejo nos termos do art.º 14º da NRAU ( Lei n.º 6/2006 de 27/2 ), e, ainda, em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do n.º1 do art.º 1084º do Código Civil e art.º 9º-n.º7 da citada Lei n.º 6/2006, sendo optativo este meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas previsto no NRAU ( cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2010 ). II. “A necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada.”- Prof. A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 170.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Maria e outros, instauraram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, nº 6856/11.4TBBRG, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, contra Delfina e outros, alegando, em síntese, que os 2º a 6ª autores (na qualidade de proprietários da raiz) e a 1ª autora (na qualidade de usufrutuária) em conjunto, são donos (plenos) e legítimos possuidores da Loja nº …, rés-do-chão, destinada a actividades económicas, com entrada pelo nº …, da Rua Nova de Santa Cruz, Braga (S. Vitor), fracção autónoma designada pela letra “F”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 1371-F e inscrito na matriz respectiva sob o artº 4199-F BRAGA (S. Vitor), tendo a referida e identificada loja vindo ao domínio dos autores por havê-la adquirido por compra, a “José Gomes, S.A.”, sendo que tal acto foi levado ao registo, definitivo, em 15.07.1996.
No dia 22 de Fevereiro de 2011, Autores e Réus celebraram um contrato de arrendamento por documento escrito, mediante o qual os Autores deram de arrendamento aos 1ª e 2º Réus, que o aceitaram, e intervindo o 3º Réu como fiador, a fracção autónoma designada pela letra “F”, Loja nº …, destinada a actividades económicas, no piso do r/c, com entrada pelo nº …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Nova de Santa Cruz, freguesia de Braga (S. Vitor), descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o nº 1371/19960112-F e inscrito na respectiva matriz sob o artº 4199-F, Braga (S. Vitor), destinando-se o local arrendado ao funcionamento de um estabelecimento de restauração e tendo o arrendamento sido celebrado pelo período inicial de cinco anos, com início em 01 de Março de 2011 terminando, por isso, em 28 de Fevereiro de 2016, sem prejuízo de ulteriores renovações, nos termos da lei.
A renda anual estipulada foi de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), pagos em duodécimos de € 1.750,00 quantia esta que, por isso, corresponde à renda mensal acordada e cujo pagamento teria que ser efectuado até ao dia oito do mês a que respeitar.
Todavia, desde o início do arrendamento até hoje, apenas pagaram aos Autores, a título de rendas, € 3.500,00, ou seja, apenas pagaram as rendas relativas aos meses de Março e Abril, estando em divida as rendas dos meses subsequentes de Maio a Outubro, no montante global de € 10.500,00, verificando-se a previsão do n.º3 do art.º 1083º do Código Civil.
E, concluem, pedindo: 
a. Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento titulado pelo documento junto sob o documento nº 3, com o fundamento na falta de pagamento de rendas;
b. Sejam os Réus (arrendatários e fiador) condenados a desocupar o local arrendado, entregando-o aos autores, livre de pessoas e de bens e no estado em que o receberam;
c- Sejam os Réus (arrendatários e fiador) condenados a pagar aos Autores, solidariamente, a quantia de € 10.600,46 (dez mil e seiscentos euros e quarenta e seis cêntimos), a título de rendas em mora (€ 10.500,00) e juros vencidos (€ 100,46), bem como a pagar-lhes as rendas vincendas até efectiva devolução do locado, livre e desocupado, acrescidas dos juros de mora vincendos, desde o dia 20 de Outubro de 2011, à taxa de 4% ao ano.
Citados regularmente, os Réus vieram apresentar contestação, por excepção, invocando a falta de interesse em agir dos Autores, alegando não ser a forma de processo escolhida pelos Autores a que a lei exige para as causas de resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento de rendas, e concluem pedindo sejam os Réus absolvidos da instância por procedência da invocada excepção dilatória.
Na réplica, os Autores pugnaram pela improcedência da invocada excepção dilatória e pedem a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em multa a fixar pelo Tribunal.
Foi proferido despacho saneador, no qual, julgando-se improcedente a excepção dilatória deduzida e conhecendo-se do mérito da causa, decidiu a Mª Juiz “ a quo “  julgar a acção procedente, nos seguintes termos: “ a. declaro a resolução do contrato de arrendamento identificado nos autos, com o fundamento na falta de pagamento de rendas; b. condeno os réus inquilinos a desocupar o local arrendado, entregando-o aos autores, livre de pessoas e de bens e no estado em que o receberam; c. condeno todos os réus a pagar aos autores, solidariamente, a quantia de € 10.600,46 (dez mil e seiscentos euros e quarenta e seis cêntimos), a título de rendas em mora (€ 10.500,00) e juros vencidos (€ 100,46), bem como a pagar-lhes as rendas vincendas até efectiva devolução do locado, livre e desocupado, acrescidas dos juros de mora vincendos, desde o dia 20 de Outubro de 2011, à taxa de 4% ao ano; Absolvo os réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé.”
Inconformados viram recorrer os Réus, interpondo recurso de apelação.
 
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, os RR. alegaram a falta de interesse em agir dos AA. porquanto a dedução da ação de despejo com a finalidade de obter a resolução do contrato de arrendamento para entrega de prédio e pagamento de rendas vencidas há mais de três meses não carece de tutela judicial.
2. O artigo 1080º, preceitua explicitamente que todas as normas inseridas nesta subsecção tem natureza imperativa, salvo disposição em contrário. Assim, todas as disposições previstas nos artigos 1079º a 1090º devem ser aplicadas imperativamente, salvo disposição legal em contrário, impondo-se direta e imediatamente aos particulares que ficam impossibilitados de as afastar por acordo ou decisão unilateral.
3. De acordo com a nova Lei do Arrendamento, o senhorio pode agora também resolver os contratos de arrendamento.
4. No entanto, tal liberdade resolutiva é mitigada pela imperatividade, imposta pelo artigo 1080º da aplicação dos preceitos que no presente regulam a resolução do contrato de arrendamento.
5. Portanto, em todas as situações descritas nas alíneas a) a e) do nº 2 do artigo 1083º quando não exista acordo na cessação do contrato (art.º 1082º nº 1), pretendendo o senhorio fazer cessar o arrendamento, é imperioso que o faça conforme dispõe o nº 2 do art.º 1084º “nos termos da lei do processo”, ou seja, através da indispensável ação de despejo, como prevê o art.º 14º nº 1 do NRAU.
6. No que respeita à falta de pagamento da renda pelo inquilino, diz o nº 3 do art.º 1083º do Código Civil: “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo seguinte”.
7. Aqui, o legislador pretendeu claramente presumir que a mora de três meses no pagamento da renda, preenche a condição do nº 2, tornando inexigível a manutenção da relação locatícia.
8. Assim, impõe o nº 1 do artº 1084º, que “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do art.º anterior…opera por comunicação à contraparte onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida”.
9. A causa prevista no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil é precisamente a existência de mora superior a três meses no pagamento da renda.
10. Se assim é, na situação constante dos autos, é este o procedimento a seguir, já que esse critério é imposto de modo imperativo pela lei do processo.
11. Ao senhorio não lhe é lícito instaurar acção de despejo quando ocorra situação justificativa de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses. O senhorio apenas pode resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil, porque não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial.
12. O principal fator impeditivo para o recurso à via judicial é a própria imperatividade do art. 1084º nº 1, reforçada pelo disposto no artº 14º nº 1 do NRAU, quando diz: “A ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação…”
13. O que quer dizer que a ação despejo não é a adequada em todas as situações em que a lei não imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação.
14. O artº 1084º nº 1 do Código Civil não diz que a causa prevista no nº 3 do artº 1083º pode operar por comunicação à contraparte, diz sim que imperativamente opera por essa comunicação.
15. Daí que no mesmo preceito se faça distinção entre o nº 1 e o nº 2, quando neste se diz que a resolução pelo senhorio com o fundamento numa das causas previstas no nº 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei do processo.
16. Sendo ela no seu todo imperativa tanto o é no âmbito do nº 1 como do nº 2, não admitindo, a nosso ver, a possibilidade alternativa de não ser aplicada.
17. Em juízo devem ser discutidas causas onde exista um verdadeiro litígio entre as partes, ou que a própria matéria pressuponha a possibilidade dessa discussão, sendo necessária e imperativa a instauração de ação de despejo nestas situações. A ação de despejo, com fundamento na falta de pagamento de renda, não implica qualquer litígio.
18. 18.“Estamos convictos que a intenção do legislador do NRAU foi conduzido pelo pensamento atual de racionalizar meios e os motivos de acesso à justiça, sendo o tribunal chamado a julgar onde seja necessário o juiz intervir. Mas nem por isso ficam diminuídas as garantias de defesa do inquilino. È uma evidência que o locatário, confrontado com as execuções para entrega de coisa certa e para pagamento de quantia certa (despejo e pagamento de rendas), terá sempre a possibilidade de deduzir oposição ás mesmas, nos termos dos artºs 929º; 814º e 816º do C.P.C. (obtendo a sua suspensão – vg. art.º 930º-B nº 1 al. a) e 818 nº 2 do C.P.C.).” (neste sentido, A resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas em caso de mora superior a três meses Ação de Despejo, ou Comunicação? Dr. Fernando da Silva Bastos, Juiz de Direito, Verbo Jurídico)
19. Daí que, em nossa opinião deva interpretar-se os artigos 1079º e seguintes, designadamente artº 1084º, relativas ao arrendamento urbano, como normas especiais em relação ao regime geral previsto no Código Civil.
20. O legislador, inserindo o artigo 1084º nº 1 do Código Civil num contexto imperativo, harmonizando-o com o artigo 14º nº 1 do NRAU, tomou uma concreta opção, não consentindo a nosso ver o uso de qualquer outra forma de processo.
21. Neste sentido, onde se admite a imperatividade do artigo 1084º nº 1, Acórdão da Relação de Coimbra de 15/04/08 –Proc. 937/07 (http://www.dgsi) e mais recentemente o Acórdão do Tribunal de Guimarães de 30/04/09 – Proc. 5967/08.8 (http://www.dgsi), onde se lê que: “- A forma legalmente prevista para fazer cessar o contrato de arrendamento por resolução do senhorio, por falta de pagamento da renda por mais três meses é a indicada no nº 1 do artigo 1084º do CC, mediante comunicação à contraparte. O modo como se processa a comunicação está estabelecido no nº 7 do artº 9º da Lei nº 6/06. A menos que se aleguem factos excecionais que legitimem o recurso à arma judiciária, carece de interesse em agir o senhorio que pretende fazer cessar o contrato mediante ação judicial.
22. Face à legislação vigente, não há qualquer utilidade em instaurar acção de despejo por falta de pagamento de rendas, já que sendo revogado o RAU aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15/10, deixou de existir possibilidade de o senhorio requerer mandado para a execução do despejo, conforme sucedia no âmbito daquele diploma.
23. Na verdade, nas situações em que a lei impõe o recurso à ação de despejo (art.º 1083º nº 2 do Código Civil), bem como a hipótese do artº 21º nº 2 do NRAU, o senhorio, através da decisão favorável na ação, fica munido de título executivo judicial, devendo instaurar a respetiva execução (para entrega de coisa certa) nos termos da lei do processo (se também para pagamento de quantia certa, conforme art.º 14º nº 5 do NRAU).
24. Ora, o mesmo procedimento terá de prosseguir, no caso da comunicação resolutiva feita nos termos do artigo 1084º nº 1 do CC, já que igualmente se mune de título executivo, tal como o prevê o art.º 15º nº 1 al. e) e 2 do NRAU.
25. Na sequência da argumentação que vimos desenvolvendo e como já dissemos, consideramos que não existe interesse em agir para deduzir pleito cujo fundamento seja a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas com mora superior a três meses.
26. Sobre esta questão pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra exarado em 15/04/08 – Proc. 937/07 (http//www.dgsi). Conforme ali se diz, o interesse em agir é um pressuposto processual referente às partes, cuja falta consubstancia uma exceção dilatória inominada e como tal de conhecimento oficioso (vg. Antunes Varela in “Manual de Processo Civil – 2ª Edição – Coimbra Editora – pág. 179 e seg; Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil – Coimbra Editora – 1979, pág. 79 e seg; Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório – Vol. II, Almedina – Coimbra – paginas 251 a 255).
27. Conceptualmente, o interesse em agir relaciona-se com a “necessidade de usar o processo”, de instaurar ou de fazer prosseguir a ação, ou, de forma mais expressiva, da necessidade de tutela judiciária.
28. 28.“ Existe esse interesse processual, se para afirmação do direito a que alguém se arroga, seja necessária a intervenção dos tribunais. Tal necessidade não tem de ser absoluta, mas carece de ser sempre justificada, ter fundamento, ser razoável, afirmativa e com carência tal que exija a tutela judiciária.” (Fernando da Silva Bastos, obra supra mencionada).
29. 29. Conforme se salienta neste Acórdão e pelas palavras de “Anselmo de Castro (in obra referida – pág. 252 e seg), “…nas ações constitutivas o interesse em agir deriva do puro facto de o direito potestativo correspondente não ser daqueles que se exercem por simples declaração unilateral de vontade do respetivo titular“…O interesse em agir é um interesse processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial primário e tem por objeto a providência solicitada ao tribunal, através do qual se procura ver satisfeito aquele interesse primário, lesado pelo comportamento da contraparte, ou, mais genericamente, pela situação de facto objetivamente existente.”
“O interesse em agir surge, pois, da necessidade em obter do processo, a proteção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível, integral satisfação. Temos portanto, que esse pressuposto não se destina a assegurar a eficácia à sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade: - não fora exigido o interesse e a atividade jurisdicional exercer-se-ia em vão.”
30. Retira-se desta doutrina a necessidade do recurso aos tribunais só nas situações em que a tutela dos interesses subjetivos exija a intervenção judicial e por outro lado, tal como já dissemos, acautelar a verdadeira função judicial - julgar e decidir as questões onde exista na verdade litígio a ser dirimido.
31. Assim se conclui que não carece de tutela judicial, a dedução de acção de despejo com finalidade de obter a resolução do contrato de arrendamento para entrega do prédio e pagamento das rendas vencidas há mais de três meses, por inexistência do interesse processual em agir, já que esse efeito é conseguido através de uma norma legal sem a intervenção dos tribunais e com o mesmo efeito que seria obtido através da respetiva sentença.
32. O interesse processual em agir conforma uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que reconhecido, impõe a absolvição da instância de quem tenha sido demandado com aquele fundamento.
33. No caso concreto, apesar de os AA. virem alegar que, para além da falta de pagamento de rendas, há uma outra causa para pedir a resolução do contrato de arrendamento.
34. Não vislumbram os RR. qualquer outra causa para além daquela falta de pagamento, que se admite, sendo que o pedido de pagamento de juros não configura qualquer tipo de indemnização, antes fazendo parte do pedido principal de rendas vencidas à qual acrescem, legalmente, aqueles juros legais.
35. Por tal, e pelo acima exposto, entendem os RR. não ser esta a forma de processo que a lei exige para as causas de resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento de rendas.


Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. 
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
	O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC).
	E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.  
	Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar e que os recorrentes invocam:
- ao senhorio não é lícito instaurar acção de despejo quando ocorra situação justificativa de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses, apenas podendo resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil ?
- consequentemente, não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial ?


 Fundamentação.
I)	OS FACTOS  ( factos declarados provados na sentença recorrida):
1. Encontra-se registada a favor dos autores, dos 2ºs a 6ª autores (na qualidade de proprietários da raiz) e da 1ª autora (na qualidade de usufrutuária) a aquisição por compra da fracção autónoma designada pela letra “F”, destinada a actividades económicas, com entrada pelo nº …, da Rua Nova de Santa Cruz, Braga (S. Vitor), descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 1371-F e inscrito na matriz respectiva sob o art.º 4199-F, Braga (S. Vitor), conforme documentos de fls. 17 a 20 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. No dia 22 de Fevereiro de 2011, autores e réus celebraram um acordo escrito, mediante o qual os autores declararam dar de arrendamento aos 1ª e 2º réus, que declararam tomar de arrendamento a fracção autónoma designada pela letra “F”, Loja nº …, destinada a actividades económicas, no piso do r/c, com entrada pelo nº …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Nova de Santa Cruz, freguesia de Braga (S. Vitor) descrita (a fracção) na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o nº 1371/19960112-F e inscrito na respectiva matriz sob o artº 4199-F, Braga (S. Vitor), conforme documento de fls. 21 a 28 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. O local arrendado destina-se ao funcionamento de um estabelecimento de restauração.
4. O aduzido arrendamento foi celebrado pelo período inicial de cinco anos, com início em 01 de Março de 2011 terminando, por isso, em 28 de Fevereiro de 2016, sem prejuízo de ulteriores renovações, nos termos da lei.
5. A renda anual estipulada foi de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), pagos em duodécimos de € 1.750,00 (Cláusula Sexta) quantia esta que, por isso, corresponde à renda mensal acordada.
6. O pagamento desta renda mensal de € 1.750,00, contratualmente, teria que ser efectuado até ao dia oito do mês a que disser respeito, por transferência bancária para um NIB a indicar pelos autores (cláusula SEXTA, § Único) indicação essa que ocorreu oportunamente.
7. O 3º réu assumiu no contrato de arrendamento a posição de fiador e principal pagador dos arrendatários, obrigando-se solidariamente com os afiançados ao pagamento da renda e demais obrigações por eles contraídas, conforme clausulado no item 13º do referido contrato.
8. Os réus apenas pagaram aos autores, a título de rendas, a quantia de € 3.500,00, referente aos meses de Março e Abril de 2011.
9. No âmbito de um processo executivo intentado contra os anteriores arrendatários, foi reduzido a auto o seguinte: “Sendo a D. Delfina e o Sr. Carlos, NIF 180 156 969 e 176 463 305, divorciados, os actuais detentores do estabelecimento, residentes na Rua Fernando Pessoa, ent. …, 1º Esqº, freguesia de Fermentões, comarca de Guimarães e não tendo estes qualquer relação com os executados, procedeu-se então à entrega do imóvel com a mudança de fechadura da porta principal tendo sido a mesma entregue à representante da exequente Ana.
Dado que é interesse da referida D. Delfina celebrar contrato de arrendamento com os exequentes/proprietários, convencionou-se o seguinte:
Será elaborado contrato de arrendamento entre os ora exequentes e a referida D. Delfina com início em 1 de Março de 2011, definindo-se desde já que o valor da renda mensal é de 1.750,00 €. Será também redigido acordo de pagamento em que Delfina e Carlos se confessam devedores dos exequentes da quantia de 36.455,67 € sendo que tal quantia deverá ser paga no prazo de 7 meses, portanto 6 em prestações mensais, iguais e sucessivas no montante de 5.000,00 sendo a última de 6.455,67 €, cujo início será no ia 1 de Março de 2011, e termo em Setembro de 2011”.
10. Tendo sido elaborada a competente confissão de dívida, os réus somente pagaram a primeira prestação acordada.


II)	O DIREITO APLICÁVEL
Pretendem os Autores, Maria e outros, por via da acção ordinária instaurada contra os Réus, e apelantes, Delfina e outros,, seja declarada a resolução do contrato de arrendamento em referência nos autos, com o fundamento na falta de pagamento de rendas, sendo os Réus (arrendatários e fiador) condenados a desocupar o local arrendado, entregando-o aos autores, livre de pessoas e de bens e no estado em que o receberam, e, ainda, sejam os Réus (arrendatários e fiador) condenados a pagar aos Autores, solidariamente, a quantia de € 10.600,46 (dez mil e seiscentos euros e quarenta e seis cêntimos), a título de rendas em mora (€ 10.500,00) e juros vencidos (€ 100,46), bem como a pagar-lhes as rendas vincendas até efectiva devolução do locado, livre e desocupado, acrescidas dos juros de mora vincendos, desde o dia 20 de Outubro de 2011, à taxa de 4% ao ano.
Resulta dos factos provados que tendo Autores e os 1º e 2º Réus, em 22 de Fevereiro de 2011, celebrado contrato de arrendamento relativo á fracção autónoma designada pela letra “F”, Loja nº …, destinada a actividades económicas, no piso do r/c, com entrada pelo nº …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Nova de Santa Cruz, freguesia de Braga (S. Vitor) descrita (a fracção) na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o nº 1371/19960112-F e inscrito na respectiva matriz sob o artº 4199-F, Braga (S. Vitor), intervindo o 3º Réu no contrato de arrendamento na posição de fiador e principal pagador dos arrendatários, obrigando-se solidariamente com os afiançados ao pagamento da renda e demais obrigações por eles contraídas, os Réus apenas pagaram aos autores, a título de rendas, a quantia de € 3.500,00, referente aos meses de Março e Abril de 2011, estando em divida as rendas dos meses subsequentes de Maio a Outubro ( à data da propositura da acção ), no montante global de € 10.500,00, tendo o arrendamento sido celebrado pelo período de cinco anos, com início em 1 de Março de 2011, sem prejuízo de ulteriores renovações, nos termos da lei ( factos provados n.º 2, 4, 5, 7, 8 ) .
Regulamenta a Subsecção IV, da Secção VII- Arrendamento de prédios urbanos, do Capítulo IV- Locação-, do Código Civil, a Cessação do contrato de arrendamento urbano, dispondo o art.º 1079º, do citado código, que “o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”, tendo natureza imperativa as normas constantes da indicada Subsecção IV, como determina e estatuí o art.º 1080º. 
Nos termos do disposto no art.º 1083º, do Código Civil, n.º1- “ Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte” e, n.º2: “ È fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento…”, dispondo o n.º3 do indicado preceito legal que “È inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas (…) sem prejuízo do disposto nos n.º3 e 4 do art.º seguinte”, dispondo o indicado n.º3 do art.º 1084º que “A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento de renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”, dispondo, por sua vez, o n.º1 do art.º 1084º, relativamente ao modo de operar a resolução do contrato de arrendamento que “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no n.º3 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida”, sendo esta comunicação realizada nos termos consignados no n.º 7 do art.º 9º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, Lei esta que aprovou o NRAU, e entrou em vigor em 28/6/2006, sendo aplicável ao caso sub judice.
Relativamente às normas gerais que regulam o contrato de locação, e, designadamente, no tocante à “Resolução” determinam, por sua vez, o art.º 1047º que “ A resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extra judicialmente”, dispondo o n.º2 do art.º 1048º, do citado código, que a faculdade de fazer operar a caducidade do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de rendas decorrente do respectivo pagamento até ao termo do prazo de contestação na acção declarativa ou oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, só pode ser usada por uma única vez e com referência a cada contrato; 
sendo o regime geral de resolução legalmente previsto divergente do regime especial consignado nas normas da indicada Subsecção IV- art.º 1079º e sgs., ;
reconduzindo-se a questão em discussão no presente recurso a saber qual o regime aplicável ou se ocorre regime de aplicação prevalecente e exclusivo, sendo questão debatida e de divergente entendimento na Doutrina e Jurisprudência (v. designadamente, (no sentido que seguimos) Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2010, 17/2/2011; Ac. TRL de 17/4/2008, 23/10/2007, 24/5/2007, 11/3/2008, 18/6/2009; Ac. TRP de 31/1/2008, 19/2/2009, 20/4/2009, 23/3/2010, já citados nos autos, e, Ac. TRL de 15/3/2011, 31/3/2009, 25/2/2009, e, em sentido contrário, nomeadamente, Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 15/4/2008, TRG de 30/4/2009, todos in www.dgsi.pt)  
Com efeito, alega o apelante, que ao senhorio não é lícito instaurar acção de despejo por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses, apenas podendo resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil, por comunicação à outra parte, e, consequentemente, não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial, em recurso da sentença recorrida na qual, contrariamente a esta interpretação, se julgou improcedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir invocada pelos Réus pelas razões que ora reiteram em sede de recurso de apelação, e se decidiu, em conclusão,  “ … tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das normas consagradas, entende-se que assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (art.º 9º do Cód. Civil) “.
Atentas as normas aplicáveis e sua interpretação conjugada e, nesta, e como se salienta na sentença recorrida, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e demais circunstâncias em que a lei foi elaborada e aplicada, a considerar nos termos do art.º 9º do Código Civil, e, no seguimento das considerações e explanação jurídica constante dos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2011 e 6/5/2010, propendemos a considerar, reiterando as considerações expressas na sentença recorrida, e como no citado Ac. do STJ de 6/5/2010 se refere “ O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, previsto no NRAU, é optativo. Assim, o senhorio pode resolver o contrato com esse fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em mora relevante.”, considerando como especialmente pertinentes, e assim se salientando, os seguintes fundamentos expressos no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça : “… tendo em conta a arrumação sistemática da norma, o princípio geral estatuído na lei é o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, podendo lançar mão da acção de despejo, baseado no incumprimento por qualquer causa que o fundamente, e, no caso do n.º 3, pode ainda o senhorio utilizar, em alternativa, a resolução extrajudicial aí prevista, se verificar que essa possibilidade que a lei lhe concede é mais expedita. 
(…)
A imperatividade a que alude o art. 1080.º do CC. não é a de se considerar que a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas superior a três meses se faz pela via extrajudicial exclusivamente, a imperatividade aí vertida reporta-se a todos os mecanismos que a lei prevê para obter a cessação do contrato e não apenas àquela: (…) Portanto, a regra da imperatividade tem a ver com a definição do regime jurídico da cessação do contrato de arrendamento (a todo ele) e não com a possibilidade que se abre ao senhorio de a fazer operar também por via extrajudicial. 
Quer a inserção sistemática do n.º 3 do art. 1084.º, a seguir ao n.º 1, quer a intenção do legislador em agilizar a resolução do contrato de arrendamento pelo reiterado incumprimento do arrendatário, justificam esta posição.; 
no caso de pretender demandar também o fiador para pagamento das rendas; nesses casos, seria preciso intentar duas acções autónomas, uma declarativa outra executiva, o que dificultaria muito o exercício do direito do senhorio em despejar o arrendado, contrariamente à intenção do legislador em pretender agilizar essa possibilidade com a nova lei do arrendamento.;  como o art. 9.º, 7 do RAU estabelece uma forma de notificação do arrendatário que tem que ser pessoal, não sendo permitida a notificação edital, como acontece na acção de despejo, essa eventual demora está em contradição com a celeridade que o legislador visou para tornar mais expedito o despejo do arrendatário que seja um contumaz incumpridor; 
o art. 1048.º, 2, que é uma norma inovadora, permite apenas uma vez a possibilidade do arrendatário purgar a mora, em acção de despejo; é, por isso, uma forma mais expedita de resolver o contrato por falta de pagamento de rendas do que a extrajudicial em que o arrendatário a pode sempre purgar em sucessivos incumprimentos contratuais por tal fundamento; se se admitisse só esta forma de fazer cessar o contrato por resolução, estar-se-ia a permitir ao arrendatário um constante incumprimento contratual, o que contrariaria a celeridade e agilidade que o legislador quis introduzir na resolução do contrato. 
(…)
Mesmo quem defende a posição contrária – exclusividade da resolução extrajudicial -, tem que admitir casos em que só por via da acção de despejo se consegue a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, o que torna incoerente a defesa da exclusividade e imperatividade do recurso à referida via extrajudicial”.
Mais se considerando ser sempre possivel o recurso à via judicial para obter a resolução do contrato de arrendamento por reconhecimento da inexigibilidade da sua manutenção nos termos do n.º 2 e 3 do art.º 1083º do Código Civil, pois que a limitação constante do nº 2 do art.º 1048º, do citado código, só vale em fase judicial, e por via da resolução extrajudicial operada nos termos do n.º1 do art.º1084º sempre poderia o arrendatário, indefinidamente, reiterar a situação de incumprimento, obstando à resolução do arrendamento nos termos previstos no n.º3 do art.º 1084º, do Código Civil, pondo fim à mora no prazo de três meses, não podendo ao senhorio ser coarctado o direito de acção correspondente ao efectivo exercício do direito de resolução do contrato nas situações de falta de pagamento de rendas e mora superior a três meses, acrescendo que não se mostra impedido, por não excluído por lei, o uso de tal direito em casos de prazo inferior de mora no cumprimento desta obrigação contratual do arrendatário.
Conclui-se, nos termos expostos, que em caso de não pagamento de rendas por parte do arrendatário, pode a senhorio operar a resolução por via de acção declarativa, pela correspondente acção de despejo nos termos do art.º 14º da NRAU ( Lei n.º 6/2006 de 27/2 ), e, ainda, em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do n.º1 do art.º 1084º do Código Civil e art.º 9º-n.º7 da citada Lei n.º 6/2006, mais se concluindo, consequentemente, improceder a invocada excepção de falta de Interesse Processual, consistindo este, na noção dada pelo Prof. A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 170, “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”, no dizer do mesmo autor, “ Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjectivo.
O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso.”
Nestes termos, se conclui pela improcedência do recurso de apelação, devendo manter-se a sentença recorrida, a qual não merece qualquer censura.







DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. 
Custas pelos apelantes. 

				Guimarães, 31 de Maio de 2012
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Maria e outros, instauraram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, nº 6856/11.4TBBRG, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, contra Delfina e outros, alegando, em síntese, que os 2º a 6ª autores (na qualidade de proprietários da raiz) e a 1ª autora (na qualidade de usufrutuária) em conjunto, são donos (plenos) e legítimos possuidores da Loja nº …, rés-do-chão, destinada a actividades económicas, com entrada pelo nº …, da Rua Nova de Santa Cruz, Braga (S. Vitor), fracção autónoma designada pela letra “F”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 1371-F e inscrito na matriz respectiva sob o artº 4199-F BRAGA (S. Vitor), tendo a referida e identificada loja vindo ao domínio dos autores por havê-la adquirido por compra, a “José Gomes, S.A.”, sendo que tal acto foi levado ao registo, definitivo, em 15.07.1996. No dia 22 de Fevereiro de 2011, Autores e Réus celebraram um contrato de arrendamento por documento escrito, mediante o qual os Autores deram de arrendamento aos 1ª e 2º Réus, que o aceitaram, e intervindo o 3º Réu como fiador, a fracção autónoma designada pela letra “F”, Loja nº …, destinada a actividades económicas, no piso do r/c, com entrada pelo nº …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Nova de Santa Cruz, freguesia de Braga (S. Vitor), descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o nº 1371/19960112-F e inscrito na respectiva matriz sob o artº 4199-F, Braga (S. Vitor), destinando-se o local arrendado ao funcionamento de um estabelecimento de restauração e tendo o arrendamento sido celebrado pelo período inicial de cinco anos, com início em 01 de Março de 2011 terminando, por isso, em 28 de Fevereiro de 2016, sem prejuízo de ulteriores renovações, nos termos da lei. A renda anual estipulada foi de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), pagos em duodécimos de € 1.750,00 quantia esta que, por isso, corresponde à renda mensal acordada e cujo pagamento teria que ser efectuado até ao dia oito do mês a que respeitar. Todavia, desde o início do arrendamento até hoje, apenas pagaram aos Autores, a título de rendas, € 3.500,00, ou seja, apenas pagaram as rendas relativas aos meses de Março e Abril, estando em divida as rendas dos meses subsequentes de Maio a Outubro, no montante global de € 10.500,00, verificando-se a previsão do n.º3 do art.º 1083º do Código Civil. E, concluem, pedindo: a. Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento titulado pelo documento junto sob o documento nº 3, com o fundamento na falta de pagamento de rendas; b. Sejam os Réus (arrendatários e fiador) condenados a desocupar o local arrendado, entregando-o aos autores, livre de pessoas e de bens e no estado em que o receberam; c- Sejam os Réus (arrendatários e fiador) condenados a pagar aos Autores, solidariamente, a quantia de € 10.600,46 (dez mil e seiscentos euros e quarenta e seis cêntimos), a título de rendas em mora (€ 10.500,00) e juros vencidos (€ 100,46), bem como a pagar-lhes as rendas vincendas até efectiva devolução do locado, livre e desocupado, acrescidas dos juros de mora vincendos, desde o dia 20 de Outubro de 2011, à taxa de 4% ao ano. Citados regularmente, os Réus vieram apresentar contestação, por excepção, invocando a falta de interesse em agir dos Autores, alegando não ser a forma de processo escolhida pelos Autores a que a lei exige para as causas de resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento de rendas, e concluem pedindo sejam os Réus absolvidos da instância por procedência da invocada excepção dilatória. Na réplica, os Autores pugnaram pela improcedência da invocada excepção dilatória e pedem a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em multa a fixar pelo Tribunal. Foi proferido despacho saneador, no qual, julgando-se improcedente a excepção dilatória deduzida e conhecendo-se do mérito da causa, decidiu a Mª Juiz “ a quo “ julgar a acção procedente, nos seguintes termos: “ a. declaro a resolução do contrato de arrendamento identificado nos autos, com o fundamento na falta de pagamento de rendas; b. condeno os réus inquilinos a desocupar o local arrendado, entregando-o aos autores, livre de pessoas e de bens e no estado em que o receberam; c. condeno todos os réus a pagar aos autores, solidariamente, a quantia de € 10.600,46 (dez mil e seiscentos euros e quarenta e seis cêntimos), a título de rendas em mora (€ 10.500,00) e juros vencidos (€ 100,46), bem como a pagar-lhes as rendas vincendas até efectiva devolução do locado, livre e desocupado, acrescidas dos juros de mora vincendos, desde o dia 20 de Outubro de 2011, à taxa de 4% ao ano; Absolvo os réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé.” Inconformados viram recorrer os Réus, interpondo recurso de apelação. O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos, os RR. alegaram a falta de interesse em agir dos AA. porquanto a dedução da ação de despejo com a finalidade de obter a resolução do contrato de arrendamento para entrega de prédio e pagamento de rendas vencidas há mais de três meses não carece de tutela judicial. 2. O artigo 1080º, preceitua explicitamente que todas as normas inseridas nesta subsecção tem natureza imperativa, salvo disposição em contrário. Assim, todas as disposições previstas nos artigos 1079º a 1090º devem ser aplicadas imperativamente, salvo disposição legal em contrário, impondo-se direta e imediatamente aos particulares que ficam impossibilitados de as afastar por acordo ou decisão unilateral. 3. De acordo com a nova Lei do Arrendamento, o senhorio pode agora também resolver os contratos de arrendamento. 4. No entanto, tal liberdade resolutiva é mitigada pela imperatividade, imposta pelo artigo 1080º da aplicação dos preceitos que no presente regulam a resolução do contrato de arrendamento. 5. Portanto, em todas as situações descritas nas alíneas a) a e) do nº 2 do artigo 1083º quando não exista acordo na cessação do contrato (art.º 1082º nº 1), pretendendo o senhorio fazer cessar o arrendamento, é imperioso que o faça conforme dispõe o nº 2 do art.º 1084º “nos termos da lei do processo”, ou seja, através da indispensável ação de despejo, como prevê o art.º 14º nº 1 do NRAU. 6. No que respeita à falta de pagamento da renda pelo inquilino, diz o nº 3 do art.º 1083º do Código Civil: “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas, ou de oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo seguinte”. 7. Aqui, o legislador pretendeu claramente presumir que a mora de três meses no pagamento da renda, preenche a condição do nº 2, tornando inexigível a manutenção da relação locatícia. 8. Assim, impõe o nº 1 do artº 1084º, que “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº 3 do art.º anterior…opera por comunicação à contraparte onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida”. 9. A causa prevista no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil é precisamente a existência de mora superior a três meses no pagamento da renda. 10. Se assim é, na situação constante dos autos, é este o procedimento a seguir, já que esse critério é imposto de modo imperativo pela lei do processo. 11. Ao senhorio não lhe é lícito instaurar acção de despejo quando ocorra situação justificativa de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses. O senhorio apenas pode resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil, porque não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial. 12. O principal fator impeditivo para o recurso à via judicial é a própria imperatividade do art. 1084º nº 1, reforçada pelo disposto no artº 14º nº 1 do NRAU, quando diz: “A ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação…” 13. O que quer dizer que a ação despejo não é a adequada em todas as situações em que a lei não imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação. 14. O artº 1084º nº 1 do Código Civil não diz que a causa prevista no nº 3 do artº 1083º pode operar por comunicação à contraparte, diz sim que imperativamente opera por essa comunicação. 15. Daí que no mesmo preceito se faça distinção entre o nº 1 e o nº 2, quando neste se diz que a resolução pelo senhorio com o fundamento numa das causas previstas no nº 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei do processo. 16. Sendo ela no seu todo imperativa tanto o é no âmbito do nº 1 como do nº 2, não admitindo, a nosso ver, a possibilidade alternativa de não ser aplicada. 17. Em juízo devem ser discutidas causas onde exista um verdadeiro litígio entre as partes, ou que a própria matéria pressuponha a possibilidade dessa discussão, sendo necessária e imperativa a instauração de ação de despejo nestas situações. A ação de despejo, com fundamento na falta de pagamento de renda, não implica qualquer litígio. 18. 18.“Estamos convictos que a intenção do legislador do NRAU foi conduzido pelo pensamento atual de racionalizar meios e os motivos de acesso à justiça, sendo o tribunal chamado a julgar onde seja necessário o juiz intervir. Mas nem por isso ficam diminuídas as garantias de defesa do inquilino. È uma evidência que o locatário, confrontado com as execuções para entrega de coisa certa e para pagamento de quantia certa (despejo e pagamento de rendas), terá sempre a possibilidade de deduzir oposição ás mesmas, nos termos dos artºs 929º; 814º e 816º do C.P.C. (obtendo a sua suspensão – vg. art.º 930º-B nº 1 al. a) e 818 nº 2 do C.P.C.).” (neste sentido, A resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas em caso de mora superior a três meses Ação de Despejo, ou Comunicação? Dr. Fernando da Silva Bastos, Juiz de Direito, Verbo Jurídico) 19. Daí que, em nossa opinião deva interpretar-se os artigos 1079º e seguintes, designadamente artº 1084º, relativas ao arrendamento urbano, como normas especiais em relação ao regime geral previsto no Código Civil. 20. O legislador, inserindo o artigo 1084º nº 1 do Código Civil num contexto imperativo, harmonizando-o com o artigo 14º nº 1 do NRAU, tomou uma concreta opção, não consentindo a nosso ver o uso de qualquer outra forma de processo. 21. Neste sentido, onde se admite a imperatividade do artigo 1084º nº 1, Acórdão da Relação de Coimbra de 15/04/08 –Proc. 937/07 (http://www.dgsi) e mais recentemente o Acórdão do Tribunal de Guimarães de 30/04/09 – Proc. 5967/08.8 (http://www.dgsi), onde se lê que: “- A forma legalmente prevista para fazer cessar o contrato de arrendamento por resolução do senhorio, por falta de pagamento da renda por mais três meses é a indicada no nº 1 do artigo 1084º do CC, mediante comunicação à contraparte. O modo como se processa a comunicação está estabelecido no nº 7 do artº 9º da Lei nº 6/06. A menos que se aleguem factos excecionais que legitimem o recurso à arma judiciária, carece de interesse em agir o senhorio que pretende fazer cessar o contrato mediante ação judicial. 22. Face à legislação vigente, não há qualquer utilidade em instaurar acção de despejo por falta de pagamento de rendas, já que sendo revogado o RAU aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15/10, deixou de existir possibilidade de o senhorio requerer mandado para a execução do despejo, conforme sucedia no âmbito daquele diploma. 23. Na verdade, nas situações em que a lei impõe o recurso à ação de despejo (art.º 1083º nº 2 do Código Civil), bem como a hipótese do artº 21º nº 2 do NRAU, o senhorio, através da decisão favorável na ação, fica munido de título executivo judicial, devendo instaurar a respetiva execução (para entrega de coisa certa) nos termos da lei do processo (se também para pagamento de quantia certa, conforme art.º 14º nº 5 do NRAU). 24. Ora, o mesmo procedimento terá de prosseguir, no caso da comunicação resolutiva feita nos termos do artigo 1084º nº 1 do CC, já que igualmente se mune de título executivo, tal como o prevê o art.º 15º nº 1 al. e) e 2 do NRAU. 25. Na sequência da argumentação que vimos desenvolvendo e como já dissemos, consideramos que não existe interesse em agir para deduzir pleito cujo fundamento seja a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas com mora superior a três meses. 26. Sobre esta questão pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra exarado em 15/04/08 – Proc. 937/07 (http//www.dgsi). Conforme ali se diz, o interesse em agir é um pressuposto processual referente às partes, cuja falta consubstancia uma exceção dilatória inominada e como tal de conhecimento oficioso (vg. Antunes Varela in “Manual de Processo Civil – 2ª Edição – Coimbra Editora – pág. 179 e seg; Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil – Coimbra Editora – 1979, pág. 79 e seg; Anselmo de Castro in “Direito Processual Civil Declaratório – Vol. II, Almedina – Coimbra – paginas 251 a 255). 27. Conceptualmente, o interesse em agir relaciona-se com a “necessidade de usar o processo”, de instaurar ou de fazer prosseguir a ação, ou, de forma mais expressiva, da necessidade de tutela judiciária. 28. 28.“ Existe esse interesse processual, se para afirmação do direito a que alguém se arroga, seja necessária a intervenção dos tribunais. Tal necessidade não tem de ser absoluta, mas carece de ser sempre justificada, ter fundamento, ser razoável, afirmativa e com carência tal que exija a tutela judiciária.” (Fernando da Silva Bastos, obra supra mencionada). 29. 29. Conforme se salienta neste Acórdão e pelas palavras de “Anselmo de Castro (in obra referida – pág. 252 e seg), “…nas ações constitutivas o interesse em agir deriva do puro facto de o direito potestativo correspondente não ser daqueles que se exercem por simples declaração unilateral de vontade do respetivo titular“…O interesse em agir é um interesse processual, secundário e instrumental em relação ao interesse substancial primário e tem por objeto a providência solicitada ao tribunal, através do qual se procura ver satisfeito aquele interesse primário, lesado pelo comportamento da contraparte, ou, mais genericamente, pela situação de facto objetivamente existente.” “O interesse em agir surge, pois, da necessidade em obter do processo, a proteção do interesse substancial, pelo que pressupõe a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível, integral satisfação. Temos portanto, que esse pressuposto não se destina a assegurar a eficácia à sentença; o que está em jogo é antes a sua utilidade: - não fora exigido o interesse e a atividade jurisdicional exercer-se-ia em vão.” 30. Retira-se desta doutrina a necessidade do recurso aos tribunais só nas situações em que a tutela dos interesses subjetivos exija a intervenção judicial e por outro lado, tal como já dissemos, acautelar a verdadeira função judicial - julgar e decidir as questões onde exista na verdade litígio a ser dirimido. 31. Assim se conclui que não carece de tutela judicial, a dedução de acção de despejo com finalidade de obter a resolução do contrato de arrendamento para entrega do prédio e pagamento das rendas vencidas há mais de três meses, por inexistência do interesse processual em agir, já que esse efeito é conseguido através de uma norma legal sem a intervenção dos tribunais e com o mesmo efeito que seria obtido através da respetiva sentença. 32. O interesse processual em agir conforma uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que reconhecido, impõe a absolvição da instância de quem tenha sido demandado com aquele fundamento. 33. No caso concreto, apesar de os AA. virem alegar que, para além da falta de pagamento de rendas, há uma outra causa para pedir a resolução do contrato de arrendamento. 34. Não vislumbram os RR. qualquer outra causa para além daquela falta de pagamento, que se admite, sendo que o pedido de pagamento de juros não configura qualquer tipo de indemnização, antes fazendo parte do pedido principal de rendas vencidas à qual acrescem, legalmente, aqueles juros legais. 35. Por tal, e pelo acima exposto, entendem os RR. não ser esta a forma de processo que a lei exige para as causas de resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento de rendas. Foram proferidas contra – alegações. O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas. Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar e que os recorrentes invocam: - ao senhorio não é lícito instaurar acção de despejo quando ocorra situação justificativa de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses, apenas podendo resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil ? - consequentemente, não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial ? Fundamentação. I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida): 1. Encontra-se registada a favor dos autores, dos 2ºs a 6ª autores (na qualidade de proprietários da raiz) e da 1ª autora (na qualidade de usufrutuária) a aquisição por compra da fracção autónoma designada pela letra “F”, destinada a actividades económicas, com entrada pelo nº …, da Rua Nova de Santa Cruz, Braga (S. Vitor), descrita na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o nº 1371-F e inscrito na matriz respectiva sob o art.º 4199-F, Braga (S. Vitor), conforme documentos de fls. 17 a 20 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2. No dia 22 de Fevereiro de 2011, autores e réus celebraram um acordo escrito, mediante o qual os autores declararam dar de arrendamento aos 1ª e 2º réus, que declararam tomar de arrendamento a fracção autónoma designada pela letra “F”, Loja nº …, destinada a actividades económicas, no piso do r/c, com entrada pelo nº …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Nova de Santa Cruz, freguesia de Braga (S. Vitor) descrita (a fracção) na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o nº 1371/19960112-F e inscrito na respectiva matriz sob o artº 4199-F, Braga (S. Vitor), conforme documento de fls. 21 a 28 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 3. O local arrendado destina-se ao funcionamento de um estabelecimento de restauração. 4. O aduzido arrendamento foi celebrado pelo período inicial de cinco anos, com início em 01 de Março de 2011 terminando, por isso, em 28 de Fevereiro de 2016, sem prejuízo de ulteriores renovações, nos termos da lei. 5. A renda anual estipulada foi de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), pagos em duodécimos de € 1.750,00 (Cláusula Sexta) quantia esta que, por isso, corresponde à renda mensal acordada. 6. O pagamento desta renda mensal de € 1.750,00, contratualmente, teria que ser efectuado até ao dia oito do mês a que disser respeito, por transferência bancária para um NIB a indicar pelos autores (cláusula SEXTA, § Único) indicação essa que ocorreu oportunamente. 7. O 3º réu assumiu no contrato de arrendamento a posição de fiador e principal pagador dos arrendatários, obrigando-se solidariamente com os afiançados ao pagamento da renda e demais obrigações por eles contraídas, conforme clausulado no item 13º do referido contrato. 8. Os réus apenas pagaram aos autores, a título de rendas, a quantia de € 3.500,00, referente aos meses de Março e Abril de 2011. 9. No âmbito de um processo executivo intentado contra os anteriores arrendatários, foi reduzido a auto o seguinte: “Sendo a D. Delfina e o Sr. Carlos, NIF 180 156 969 e 176 463 305, divorciados, os actuais detentores do estabelecimento, residentes na Rua Fernando Pessoa, ent. …, 1º Esqº, freguesia de Fermentões, comarca de Guimarães e não tendo estes qualquer relação com os executados, procedeu-se então à entrega do imóvel com a mudança de fechadura da porta principal tendo sido a mesma entregue à representante da exequente Ana. Dado que é interesse da referida D. Delfina celebrar contrato de arrendamento com os exequentes/proprietários, convencionou-se o seguinte: Será elaborado contrato de arrendamento entre os ora exequentes e a referida D. Delfina com início em 1 de Março de 2011, definindo-se desde já que o valor da renda mensal é de 1.750,00 €. Será também redigido acordo de pagamento em que Delfina e Carlos se confessam devedores dos exequentes da quantia de 36.455,67 € sendo que tal quantia deverá ser paga no prazo de 7 meses, portanto 6 em prestações mensais, iguais e sucessivas no montante de 5.000,00 sendo a última de 6.455,67 €, cujo início será no ia 1 de Março de 2011, e termo em Setembro de 2011”. 10. Tendo sido elaborada a competente confissão de dívida, os réus somente pagaram a primeira prestação acordada. II) O DIREITO APLICÁVEL Pretendem os Autores, Maria e outros, por via da acção ordinária instaurada contra os Réus, e apelantes, Delfina e outros,, seja declarada a resolução do contrato de arrendamento em referência nos autos, com o fundamento na falta de pagamento de rendas, sendo os Réus (arrendatários e fiador) condenados a desocupar o local arrendado, entregando-o aos autores, livre de pessoas e de bens e no estado em que o receberam, e, ainda, sejam os Réus (arrendatários e fiador) condenados a pagar aos Autores, solidariamente, a quantia de € 10.600,46 (dez mil e seiscentos euros e quarenta e seis cêntimos), a título de rendas em mora (€ 10.500,00) e juros vencidos (€ 100,46), bem como a pagar-lhes as rendas vincendas até efectiva devolução do locado, livre e desocupado, acrescidas dos juros de mora vincendos, desde o dia 20 de Outubro de 2011, à taxa de 4% ao ano. Resulta dos factos provados que tendo Autores e os 1º e 2º Réus, em 22 de Fevereiro de 2011, celebrado contrato de arrendamento relativo á fracção autónoma designada pela letra “F”, Loja nº …, destinada a actividades económicas, no piso do r/c, com entrada pelo nº …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Nova de Santa Cruz, freguesia de Braga (S. Vitor) descrita (a fracção) na Conservatória do Registo Predial de Braga, sob o nº 1371/19960112-F e inscrito na respectiva matriz sob o artº 4199-F, Braga (S. Vitor), intervindo o 3º Réu no contrato de arrendamento na posição de fiador e principal pagador dos arrendatários, obrigando-se solidariamente com os afiançados ao pagamento da renda e demais obrigações por eles contraídas, os Réus apenas pagaram aos autores, a título de rendas, a quantia de € 3.500,00, referente aos meses de Março e Abril de 2011, estando em divida as rendas dos meses subsequentes de Maio a Outubro ( à data da propositura da acção ), no montante global de € 10.500,00, tendo o arrendamento sido celebrado pelo período de cinco anos, com início em 1 de Março de 2011, sem prejuízo de ulteriores renovações, nos termos da lei ( factos provados n.º 2, 4, 5, 7, 8 ) . Regulamenta a Subsecção IV, da Secção VII- Arrendamento de prédios urbanos, do Capítulo IV- Locação-, do Código Civil, a Cessação do contrato de arrendamento urbano, dispondo o art.º 1079º, do citado código, que “o arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”, tendo natureza imperativa as normas constantes da indicada Subsecção IV, como determina e estatuí o art.º 1080º. Nos termos do disposto no art.º 1083º, do Código Civil, n.º1- “ Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte” e, n.º2: “ È fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento…”, dispondo o n.º3 do indicado preceito legal que “È inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas (…) sem prejuízo do disposto nos n.º3 e 4 do art.º seguinte”, dispondo o indicado n.º3 do art.º 1084º que “A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento de renda, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de três meses”, dispondo, por sua vez, o n.º1 do art.º 1084º, relativamente ao modo de operar a resolução do contrato de arrendamento que “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no n.º3 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte, onde fundamentalmente se invoque a obrigação incumprida”, sendo esta comunicação realizada nos termos consignados no n.º 7 do art.º 9º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, Lei esta que aprovou o NRAU, e entrou em vigor em 28/6/2006, sendo aplicável ao caso sub judice. Relativamente às normas gerais que regulam o contrato de locação, e, designadamente, no tocante à “Resolução” determinam, por sua vez, o art.º 1047º que “ A resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extra judicialmente”, dispondo o n.º2 do art.º 1048º, do citado código, que a faculdade de fazer operar a caducidade do direito à resolução do contrato por falta de pagamento de rendas decorrente do respectivo pagamento até ao termo do prazo de contestação na acção declarativa ou oposição à execução, destinadas a fazer valer esse direito, só pode ser usada por uma única vez e com referência a cada contrato; sendo o regime geral de resolução legalmente previsto divergente do regime especial consignado nas normas da indicada Subsecção IV- art.º 1079º e sgs., ; reconduzindo-se a questão em discussão no presente recurso a saber qual o regime aplicável ou se ocorre regime de aplicação prevalecente e exclusivo, sendo questão debatida e de divergente entendimento na Doutrina e Jurisprudência (v. designadamente, (no sentido que seguimos) Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2010, 17/2/2011; Ac. TRL de 17/4/2008, 23/10/2007, 24/5/2007, 11/3/2008, 18/6/2009; Ac. TRP de 31/1/2008, 19/2/2009, 20/4/2009, 23/3/2010, já citados nos autos, e, Ac. TRL de 15/3/2011, 31/3/2009, 25/2/2009, e, em sentido contrário, nomeadamente, Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 15/4/2008, TRG de 30/4/2009, todos in www.dgsi.pt) Com efeito, alega o apelante, que ao senhorio não é lícito instaurar acção de despejo por falta de pagamento de rendas cuja mora seja superior a três meses, apenas podendo resolver o contrato pela via do artigo 1084º nº 1 do Código Civil, por comunicação à outra parte, e, consequentemente, não lhe pode ser reconhecido o interesse em agir para a demanda judicial, em recurso da sentença recorrida na qual, contrariamente a esta interpretação, se julgou improcedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir invocada pelos Réus pelas razões que ora reiteram em sede de recurso de apelação, e se decidiu, em conclusão, “ … tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como o desejável acerto e adequação das normas consagradas, entende-se que assiste ao senhorio o direito a instaurar acção declarativa destinada à resolução do contrato de arrendamento, mesmo quando tenha ao seu dispor a via da resolução extrajudicial (art.º 9º do Cód. Civil) “. Atentas as normas aplicáveis e sua interpretação conjugada e, nesta, e como se salienta na sentença recorrida, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e demais circunstâncias em que a lei foi elaborada e aplicada, a considerar nos termos do art.º 9º do Código Civil, e, no seguimento das considerações e explanação jurídica constante dos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17/2/2011 e 6/5/2010, propendemos a considerar, reiterando as considerações expressas na sentença recorrida, e como no citado Ac. do STJ de 6/5/2010 se refere “ O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, previsto no NRAU, é optativo. Assim, o senhorio pode resolver o contrato com esse fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em mora relevante.”, considerando como especialmente pertinentes, e assim se salientando, os seguintes fundamentos expressos no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça : “… tendo em conta a arrumação sistemática da norma, o princípio geral estatuído na lei é o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, podendo lançar mão da acção de despejo, baseado no incumprimento por qualquer causa que o fundamente, e, no caso do n.º 3, pode ainda o senhorio utilizar, em alternativa, a resolução extrajudicial aí prevista, se verificar que essa possibilidade que a lei lhe concede é mais expedita. (…) A imperatividade a que alude o art. 1080.º do CC. não é a de se considerar que a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas superior a três meses se faz pela via extrajudicial exclusivamente, a imperatividade aí vertida reporta-se a todos os mecanismos que a lei prevê para obter a cessação do contrato e não apenas àquela: (…) Portanto, a regra da imperatividade tem a ver com a definição do regime jurídico da cessação do contrato de arrendamento (a todo ele) e não com a possibilidade que se abre ao senhorio de a fazer operar também por via extrajudicial. Quer a inserção sistemática do n.º 3 do art. 1084.º, a seguir ao n.º 1, quer a intenção do legislador em agilizar a resolução do contrato de arrendamento pelo reiterado incumprimento do arrendatário, justificam esta posição.; no caso de pretender demandar também o fiador para pagamento das rendas; nesses casos, seria preciso intentar duas acções autónomas, uma declarativa outra executiva, o que dificultaria muito o exercício do direito do senhorio em despejar o arrendado, contrariamente à intenção do legislador em pretender agilizar essa possibilidade com a nova lei do arrendamento.; como o art. 9.º, 7 do RAU estabelece uma forma de notificação do arrendatário que tem que ser pessoal, não sendo permitida a notificação edital, como acontece na acção de despejo, essa eventual demora está em contradição com a celeridade que o legislador visou para tornar mais expedito o despejo do arrendatário que seja um contumaz incumpridor; o art. 1048.º, 2, que é uma norma inovadora, permite apenas uma vez a possibilidade do arrendatário purgar a mora, em acção de despejo; é, por isso, uma forma mais expedita de resolver o contrato por falta de pagamento de rendas do que a extrajudicial em que o arrendatário a pode sempre purgar em sucessivos incumprimentos contratuais por tal fundamento; se se admitisse só esta forma de fazer cessar o contrato por resolução, estar-se-ia a permitir ao arrendatário um constante incumprimento contratual, o que contrariaria a celeridade e agilidade que o legislador quis introduzir na resolução do contrato. (…) Mesmo quem defende a posição contrária – exclusividade da resolução extrajudicial -, tem que admitir casos em que só por via da acção de despejo se consegue a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, o que torna incoerente a defesa da exclusividade e imperatividade do recurso à referida via extrajudicial”. Mais se considerando ser sempre possivel o recurso à via judicial para obter a resolução do contrato de arrendamento por reconhecimento da inexigibilidade da sua manutenção nos termos do n.º 2 e 3 do art.º 1083º do Código Civil, pois que a limitação constante do nº 2 do art.º 1048º, do citado código, só vale em fase judicial, e por via da resolução extrajudicial operada nos termos do n.º1 do art.º1084º sempre poderia o arrendatário, indefinidamente, reiterar a situação de incumprimento, obstando à resolução do arrendamento nos termos previstos no n.º3 do art.º 1084º, do Código Civil, pondo fim à mora no prazo de três meses, não podendo ao senhorio ser coarctado o direito de acção correspondente ao efectivo exercício do direito de resolução do contrato nas situações de falta de pagamento de rendas e mora superior a três meses, acrescendo que não se mostra impedido, por não excluído por lei, o uso de tal direito em casos de prazo inferior de mora no cumprimento desta obrigação contratual do arrendatário. Conclui-se, nos termos expostos, que em caso de não pagamento de rendas por parte do arrendatário, pode a senhorio operar a resolução por via de acção declarativa, pela correspondente acção de despejo nos termos do art.º 14º da NRAU ( Lei n.º 6/2006 de 27/2 ), e, ainda, em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas, através de comunicação ao arrendatário, nos termos do n.º1 do art.º 1084º do Código Civil e art.º 9º-n.º7 da citada Lei n.º 6/2006, mais se concluindo, consequentemente, improceder a invocada excepção de falta de Interesse Processual, consistindo este, na noção dada pelo Prof. A. Varela, in Manual de Processo Civil, pg. 170, “na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”, no dizer do mesmo autor, “ Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjectivo. O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso.” Nestes termos, se conclui pela improcedência do recurso de apelação, devendo manter-se a sentença recorrida, a qual não merece qualquer censura. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Guimarães, 31 de Maio de 2012 Maria Luísa Duarte Raquel Rego António Sobrinho