Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I Â…, L.da instaurou a presente acção, que se iniciou como injunção e veio a correr termos na comarca de Esposende, contra M…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe € 11 562,00, acrescidos de € 73,17 de juros de mora vencidos e de juros vincendos. Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade "prestou ao requerido, serviços de auditoria à contabilidade, consultoria fiscal, análise económica e da rentabilidade da exploração, análise previsional da rentabilidade da exploração futura e respectiva viabilidade económica da sociedade comercial por quotas com a firma "G…", da qual o requerido é sócio, relativamente aos anos de 2008 e 2009, bem como perspectiva da valorização das quotas sociais e apoio ao trabalho de fecho de contas do exercício de 2009." Posteriormente, "emitiu, em 30.09.2011, em nome do requerido, a Factura n.º DC-2/110046, no valor de 11.562,00 Euros (…), com vencimento em 30.09.2011". O réu contestou dizendo, em suma, que nunca "solicitou à requerente qualquer serviço". Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu que: "Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo o Réu do pedido." Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1 - Para formar a sua convicção o "tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e na prova testemunhal produzida em audiência, conjugados entre si e criticamente analisados à luz das regras da lógica e da experiencia comum…". 2 - O Tribunal a quo fundamenta, a sua decisão essencialmente em "regras da experiência comum" que "inculcam-nos a ideia de ser mais provável" determinada situação ser mais provável que outra, tecendo juízos de normalidade e considerações generalistas, sem qualquer conexão com a prova constante dos autos. 3 - Sobre a prova testemunhal efectivamente produzida em sede de audiência de julgamento, apenas faz referência ao depoimento de parte do legal representante da Autora (para justificar porque não convenceu o Tribunal) e das testemunhas do Réu I… e M…. 4 - Contudo, é completamente omissa quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas pela Autora. Da leitura sentença não se vislumbra sequer que a Autora tenha apresentado qualquer prova testemunhal, já que nada consta sobre os respectivos depoimentos. 5 - Foi a total desconsideração dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Autora que conduziu á absolvição do pedido. 6 - Se tivermos em consideração a razão de ciência (conhecimento directo) de pelo menos uma das testemunhas apresentadas pela Autora: - esteve na origem da contratação do serviços da Autora e no dizer do Tribunal foi " o pai de toda a situação" tal omissão é absolutamente inexplicável e assume uma gravidade extrema. 7 - A recorrente considera erradamente julgada a seguinte matéria de facto: Em data não concretamente apurada, a requerente prestou serviços à firma "G…, Ldª" , designadamente de apoio ao fecho de contas. 8 - Do mesmo modo, encontram-se erradamente julgados os factos não provados, designadamente que: - Que no exercício da sua actividade a Requerente tenha prestado ao requerido os serviços constantes na factura supra referida; - Que os serviços prestados pela Requerente tenham sido solicitados pelo Requerido que deles beneficiou; - Que o Requerido tenha sido interpelado para proceder ao pagamento da factura supra; - Que o estudo/auditoria objecto da prestação de serviços que consta da factura que serve de causa de pedir à presente acção seja aquele que foi junto a fls. 92 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado. 9 - O depoimento da testemunha Dr. M… (que foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo) reveste conhecimento directo dos factos e particular credibilidade, uma vez que a testemunha relatou factos que conheceu no exercício da advocacia, sendo seu constituinte, à data dos factos, o ora Réu. 10 - Explicou claramente ao Tribunal quais eram as preocupações do Réu e a estratégia que sugeriu para a defesa dos interesses do Réu e que passava por munir-se da documentação e informações necessárias "para instruir, documentar e me habilitar com dados factuais para uma acção a intentar pelo Sr. M… contra a G… e os sócios face ao expurgo de património que lhe estava a ser feito, ao Sr. M…". 11 - Do depoimento da testemunha em questão resulta que o estudo em causa, visava exclusivamente a defesa dos interesses do ora Réu, em face dos restantes sócios, pelo que, dúvidas não podem restar que foi encomendado pelo Réu à Autora. 12 - Salvo o devido respeito, a testemunha em questão é a única que tem verdadeiro conhecimento dos termos em que as partes contrataram o serviço em causa nos presentes autos, não só porque esteve na génese da sua contratação, como porque acompanhou o desenvolvimento do estudo e a sua apresentação aos restantes sócios. 13 - Do mesmo modo, não se compreende a total desconsideração pelo o depoimento da testemunha M…. 14 - Sendo funcionária da Autora explicou que o serviço foi prestado ao Sr. M…, que até se recorda do mesmo se ter deslocado às instalações da Autora num Sábado e que a informação necessária à elaboração do estudo em causa era maioritariamente proveniente do mail pessoal do Réu. 15 - Mais referiu peremptoriamente que a Autora nunca prestou nenhum serviço à G… e que nunca houve nenhuma factura emitida àquela sociedade. 16 - Não se vislumbra que tenha prestado depoimento com menos sinceridade que a testemunha I…, sendo certo que conhecia bem as circunstâncias em que o trabalho foi desenvolvido. 17 - Em suma, o depoimento destas testemunhas impunha que o Tribunal desse como provado todos os factos constantes da matéria considerada não provada, nomeadamente que: "Que no exercício da sua actividade a Requerente tenha prestado ao requerido os serviços constantes na factura supra referida; Que os serviços prestados pelo Requerente tenham sido solicitados pelo Requerido que deles beneficiou; Que o Requerido tenha sido interpelado para proceder ao pagamento da factura supra; Que o estudo/auditoria objecto da prestação de serviços que consta da factura que serve de causa de pedir à presente acção seja aquele que foi junto a fls. 92 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado." 18 - E que desse como não provado o facto constante do n.º 5 dos factos provados, nomeadamente que, "em data não concretamente apurada, a requerente prestou serviços à firma "G…, Ldª" , designadamente de apoio ao fecho de contas. 19 - Do depoimento da testemunha I… resulta que a mesma não tem conhecimento directo sobre as circunstâncias em que o estudo em questão foi encomendado à Autora. 20 - Tudo o que julga saber reduz-se a conclusões que retirou de determinados comportamentos (veja-se os argumentos que o Tribunal a quo utilizou para indeferir a sua acareação). 21 - A testemunha nunca esteve presente em qualquer contacto havido ao longo do desenvolvimento do trabalho, nunca falou directamente com o legal representante da A. ou com qualquer funcionário desta. 22 - A sua participação nos factos em causa reduz-se a ter remetido para a Autora via e-mail alguns documentos relativos à contabilidade da empresa, a pedido do Réu. 23 - Face ao exposto, o depoimento em causa não é suficiente para dar como provado que os serviços prestados pela Autora tenham sido à firma "G… Lda" e não ao Réu, designadamente de apoio ao fecho de contas. 24 - Do mesmo modo, a testemunha M… não soube sequer responder em que é que consistia o estudo e por que razão foi encomendado à Autora, considerando que pouco tempo antes já havia sido efectuado um estudo por outro economista. 25 - Reconheceu que a Autora foi apresentada à empresa pelo Réu e pelo Dr. M… e "as pessoas que lá estavam"…mas não soube explicar por que razão o Dr. M… estava presente na reunião numa altura em que já não era advogado da empresa. 26 - Mas foi quando questionado frontalmente sobre quem tinha tido a ideia de mandar fazer o estudo "meteu os pés pelas mãos"!. Ora foram "os três", ora "falaram sobre isso, nós todos juntos, na empresa, os quatro", ora foi a própria testemunha que teve a ideia, ora foi o Autor … 27 - O seu depoimento foi hesitante, contraditório e desmerecedor de qualquer credibilidade, pelo que, em face do mesmo, não poderá ser dado como provado que foi a sociedade que solicitou o estudo em questão nos presentes autos. 28 - Por último, saliente-se que as duas testemunhas apresentadas pelo Réu trabalham actualmente na empresa do pai do Réu, diferentemente do Dr. M… que actualmente não possui qualquer vínculo com o Réu, tendo sido seu mandatário à data dos factos. 29 - Acresce que, em nosso entender, também a prova documental junta aos autos impõe uma alteração da matéria de facto julgada como não provada. 30 - De acordo com decisão recorrida, os serviços descritos na factura junta aos autos vão muito para além do objecto contratual configurado pela Autora e daí que se conclua que os mesmos foram prestados à sociedade. 31 - A avaliação das quotas sociais está intimamente ligada aos resultados da sociedade e à sua saúde financeira. Assim sendo, para que as quotas sociais do Ré fossem correctamente avaliadas é e foi necessário efectuar um estudo económico da empresa e daí que constem da factura os seguinte itens: Serviço de Auditoria à Contabilidade da Empresa - anos de 2008 e 2009; Serviço de Consultoria Fiscal Anos 2008 e 2009; Análise Económica e da Rentabilidade da Exploração da Empresa – Anos 2008 e 2009 Análise Previsional da Rentabilidade da Exploração Futuro da Empresa e respectiva viabilidade económica; 32 - Cumpre ainda conjugar o teor da factura com o depoimento da testemunha Dr. M… do qual resulta que um dos objectivos do estudo era munir-se da documentação e informações necessárias "para instruir, documentar e me habilitar com dados factuais para uma acção a intentar pelo Sr. M… contra a G… e os sócios face ao expurgo de património que lhe estava a ser feito, ao Sr. M…". 33 - E daí a necessidade de fazer uma análise à contabilidade da empresa e um serviço de consultoria fiscal. 34 - Do depoimento da testemunha Dr. M… resulta evidente que todas as tarefas efectuadas visavam, afinal, a defesa dos interesses do Réu, quer no sentido de obter o valor real da sua quota social de forma a poder negociar com os restantes sócios a respectiva cessão, quer na lógica de preparar um litígio judicial. 35 - A descrição feita na factura não passa de um detalhe dos diferentes aspectos cuja análise foi efectuada e tida em consideração para que fosse possível avaliar a quota social do Réu. 36 - Acresce que, salvo o devido respeito, no caso vertente, não podem funcionar as regras da experiência comum referentes ao funcionamento das empresas em Portugal. 37 - Isto porque, a confusão entre a pessoa do sócio e da pessoa colectiva que conduzirá a que os serviços corram por conta da empresa ainda que tenham sido solicitados pelos sócios, com a conivência do prestador de serviços, existe sobretudo nas sociedades familiares e em que não existe qualquer conflito entre os sócios. 38 - Ora, conforme resulta dos depoimentos prestados até pelas testemunhas do Réu e do teor dos documentos juntos aos autos pela Autora (doc. 4 e ss), resulta evidente que as relações entre os sócios da sociedade G… estavam profundamente deterioradas, o que corrobora o depoimento prestado pelo Dr. M…. 39 - Acresce que, dos e-mails juntos aos autos resulta que a informação necessária à elaboração do estudo foi remetida à Autora pelo Réu e não directamente da G… para a Autora (como seria normal se o estudo tivesse sido solicitado por esta entidade). 40 - E para ter acesso à contabilidade da empresa o ora Réu foi obrigado a remeter comunicação à empresa, na qual solicitava que a mesma lhe fosse facultada. 41 - Do teor do documento remetido aos autos pelo sócio M…, a solicitação do Tribunal resulta que o estudo foi feito e que não foi pago "porque a empresa ‘A…, Lda.’ não apresentou na devida altura documentação para a empresa pagar." 42 - E não o fez, simplesmente, porque o trabalho executado não foi por ela solicitado, não se lhe dirigia, nem servia qualquer propósito que fosse do seu interesse. Antes, ela – sociedade – foi a base indispensável do trabalho desenvolvido, essência das conclusões a obter (valorização da quota de um sócio - M…) com vista à decisão da sua continuidade ou não na predita sociedade. 43 - Logo, a factura só podia ser emitida à entidade que solicitou o serviço, ao aqui Réu. 44 - E só não a emitiu em nome do Réu, logo após a conclusão do trabalho porque conforme explicou a testemunha Dr. M…, bem sabia que este não teria capacidade financeira para proceder ao seu pagamento integral de uma só vez. 45 - Acresce que, foi igualmente junto aos autos uma comunicação remetida pelo Administrador de Insolvência da sociedade G… nos termos da qual na documentação apreendida não consta nenhum relatório projecto de avaliação de quota social realizado por "Â…, Ldª." 46 – Ora, de acordo com as regras da experiência comum, se tal estudo tivesse sido elaborado a pedido da empresa, constaria certamente da documentação arquivada na respectiva sede/escritórios, o que não se verifica. 47 - Assim sendo, o teor dos documentos juntos aos autos pela Autora em sede de audiência de julgamento, conjugado com os depoimentos das testemunhas Dr. M… e M… determina que tivesse resultado provado que no exercício da sua actividade a Autora tenha prestado ao Réu os serviços constantes na factura supra referida e que os serviços prestados pela Autora tenham sido solicitados pelo Réu, que deles beneficiou. 48 - Como quer que seja, sempre se diga que não se compreende como é que o facto de as páginas do Estudo Preliminar de Avaliação de Quota Social não estarem numeradas conduzem a dúvidas sobre o teor do mesmo. 49 - Do mesmo modo pelo facto de na factura estarem descritos os ‘passos’ percorridos para chegar ao produto final do trabalho, não significa que a cada um deles devesse corresponder um relatório separado! 50 - O documento junto reporta-se ao essencial do trabalho que foi solicitado. 51 - Da análise cuidada do conteúdo do relatório junto aos autos e pelo qual ao Autora reclama pagamento, resulta evidente que se trata do estudo objecto da prestação de serviços que consta da factura que serve de causa de pedir à presente acção seja aquele que foi junto a fls. 92 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado. 52 - Pelo que se impõe a revisão da matéria de facto provada e não provada, conforme supra se expôs, e a consequente condenação do Réu no pedido. O réu contra-alegou sustentando que "deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida." As conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se: a) há erro no julgamento da matéria de facto que se identifica nas conclusões 7.ª e 8.ª; b) uma vez alterada a "matéria de facto provada e não provada", há lugar à "consequente condenação do Réu no pedido." [1] II 1.º Segundo a autora a prova produzida conduz a conclusões diferentes das extraídas pelo tribunal a quo, no que se refere ao julgamento da matéria de facto que se menciona nas conclusões 7.ª e 8.ª. Importa, antes do mais, averiguar se estão reunidos os pressupostos legais para se proceder à reapreciação da prova quanto a esse conjunto de factos. A autora fundamenta a sua divergência na prova testemunhal [2] que se produziu. O artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil [3] estabelece os requisitos para a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e no seu n.º 2 diz-se que, tendo havido gravação da prova testemunhal, "incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição." A mesma solução foi adoptada pelo n.º 2 do artigo 640.º do novo Código de Processo Civil [4]. Com este n.º 2 "introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto" impondo-se que "se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (…) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (…)." E "o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento." [5] Com efeito, "impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso", sendo um deles o de "indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos". [6] Aliás, se dúvidas houvesse quanto ao sentido da norma, o preâmbulo do Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto resolvia-as, pois é claro ao mencionar que "é ainda de referir a alteração das regras que regem o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, determinando que cabe ao recorrente, sempre que os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, proceder à identificação da passagem da gravação em que funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o quiser, à respectiva transcrição". Como é sabido, o «texto [da lei] é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer "correspondência" ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, (…) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma.»[7] Sendo assim, a expressão "sem prejuízo [8] da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição", que é antecedida pela imposição da obrigação de "indicar com exactidão as passagens da gravação", tem que ser interpretada no sentido de que o legislador, bem ou mal [9], entendeu que a possibilidade de se "proceder à respectiva transcrição" não era suficiente para se poder ter como feita a indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação". E convém não esquecer que "exactidão" significa "observância rigorosa de um (…) dever"[10] , "cuidado escrupuloso" [11], "precisão" [12]. Neste contexto, atento o actual sistema de gravação dos depoimentos, terá que se concluir que a indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação em que se funda" concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais "passagens" tem o seu início. A parte, se "assim o quiser", para além disso poderá também, não porque esteja obrigada, mas porque nisso vê alguma utilidade, "proceder (…) à (…) transcrição" das "passagens" que considera importantes. Portanto, a "transcrição" das "passagens" não constitui, de todo, uma alternativa à indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação". E essa indicação "com exactidão [d]as passagens" também não se pode ter por feita quando somente se menciona a hora de início e do fim de cada depoimento. Esta exigência visa, principalmente no caso dos depoimentos longos, permitir ouvir, fácil e rapidamente, "as passagens da gravação em que se funda" a impugnação de forma a, num primeiro momento, se avaliar se tais "passagens" são, por si só, idóneas a delas se extrair conclusão diversa da extraída pelo tribunal a quo, sem prejuízo de, em caso afirmativo, depois ter que se ir para lá desses trechos, pois só assim se poderá formular um juízo definitivo. E ao obrigar o recorrente a, neste aspecto, melhor fundamentar o seu recurso, pretende-se evitar o uso abusivo e injustificado da faculdade de impugnar a decisão relativa à matéria de facto. Voltando ao caso dos autos regista-se que a autora não observou este requisito. Examinadas as suas alegações nelas não se encontra, em lado algum, a identificação "com exactidão [d]as passagens da gravação em que se funda". A autora refere-se a alguns depoimentos de testemunhas sem, no entanto, "proceder à identificação da passagem da gravação em que" radica a impugnação [13]. É ainda oportuno sublinhar que, como bem observa a autora, "para formar a sua convicção o tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e na prova testemunhal produzida em audiência, conjugados entre si" [14], o que significa que a reapreciação da matéria de facto não pode assentar unicamente na prova documental; esta terá, necessariamente, que ser conjugada com a testemunhal. A inobservância, por parte da autora, do que lhe é imposto pelo n.º 2 do 685.º-B do anterior Código de Processo Civil e n.º 2 do artigo 640.º do novo Código de Processo Civil, determina a "imediata rejeição do recurso" no que toca à impugnação da matéria de facto, o mesmo é dizer que nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados e não provados pelo tribunal a quo. 2.º Estão provados os seguintes factos: 1- A requerente tem por objecto social o exercício da actividade de prestação de serviços de contabilidade, auditoria, estudos e projectos, fiscalidade e informática. 2- Teor da factura junta a fls. 17 que aqui se dá por reproduzido e integrado, factura n.º DC-2/110046, no valor de € 11 562,00, com vencimento em 30.09.2011, onde constam como serviços prestados (designações), os seguintes: "Serviço de Auditoria à Contabilidade da Empresa - anos de 2008 e 2009 Serviço de Consultoria Fiscal Anos 2008 e 2009 Análise Económica e da Rentabilidade da Exploração da Empresa - Anos 2008 e 2009 Análise Previsional da Rentabilidade da Exploração Futura da Empresa e respectiva viabilidade económica Perspectiva da Valorização das Quotas Sociais, com base na ainda ausência do Fecho de Contas do ano de 2009 Apoio ao Trabalho de Fecho de Contas do ano de 2009". 3- O aqui Requerido era sócio maioritário da firma "G…, Lda." - cfr. certidão a qual foi declarada insolvente no dia 31 de Janeiro de 2011 - cfr. informação (art. 38.º, n.º 3, al. b) do C.I.R.E.) junta a fls. 78, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais. 4- Teor da resposta do sócio M… à solicitação do Tribunal constante a fls. 203, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado. 5- Em data não concretamente apurada, a Requerente prestou serviços à firma "G…, Lda.", designadamente de apoio ao fecho de contas. 3.º Como resulta claramente da conclusão 52.ª, a pretendida "condenação do Réu no pedido" pressupunha, antes de mais, uma alteração na "matéria de facto provada e não provada". Ora, essa modificação, como se viu, não se concretizou, pelo que falta a primeira das premissas em que radica a pretensão de se condenar o "Réu no pedido", o mesmo é dizer que não há lugar a essa condenação. III Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso pelo que se mantém a decisão recorrida. Custas pela autora. 30 de Janeiro de 2014 António Beça Pereira Manuela Fialho Edgar Gouveia Valente ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- [1] Cfr. conclusão 52.ª. [2] Independentemente de em alguns pontos também mencionar prova documental. [3] Em vigor à data da prolação da sentença. [4] Em vigor aquando da interposição do recurso. Neste aspecto a única diferença entre estes dois artigos consiste em antes se dizer "imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto" e agora afirmar-se "imediata rejeição do recurso na respectiva parte". [5] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 136 e 138. [6] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 181. Neste sentido veja-se ainda Luís Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 152 e Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, pág. 63. [7] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 18.ª Reimpressão, pág. 182. [8] Sublinhado nosso. [9] E, salvo melhor juízo, a solução desenhada não parece ser a que melhor salvaguarda os fins tidos em vista. [10] Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido Figueiredo, Vol. I, 16.ª Edição, pág. 1143. [11] Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2009, pág. 688. [12] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, www.priberam.pt. [13] Presentemente, ao contrário do que constava no artigo 690.º-A n.º 2 do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 183/2000 de 10-8, já não basta "indicar os depoimentos em que se funda". Tanto o legislador de 2007 (Decreto-Lei 303/2007), como o de 2013 (Lei 41/2013), entenderem que era necessário ir mais além, identificando a divergência em algo mais concreto e palpável. [14] Cfr. conclusão 1.ª.
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I Â…, L.da instaurou a presente acção, que se iniciou como injunção e veio a correr termos na comarca de Esposende, contra M…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe € 11 562,00, acrescidos de € 73,17 de juros de mora vencidos e de juros vincendos. Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade "prestou ao requerido, serviços de auditoria à contabilidade, consultoria fiscal, análise económica e da rentabilidade da exploração, análise previsional da rentabilidade da exploração futura e respectiva viabilidade económica da sociedade comercial por quotas com a firma "G…", da qual o requerido é sócio, relativamente aos anos de 2008 e 2009, bem como perspectiva da valorização das quotas sociais e apoio ao trabalho de fecho de contas do exercício de 2009." Posteriormente, "emitiu, em 30.09.2011, em nome do requerido, a Factura n.º DC-2/110046, no valor de 11.562,00 Euros (…), com vencimento em 30.09.2011". O réu contestou dizendo, em suma, que nunca "solicitou à requerente qualquer serviço". Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu que: "Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo o Réu do pedido." Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões: 1 - Para formar a sua convicção o "tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e na prova testemunhal produzida em audiência, conjugados entre si e criticamente analisados à luz das regras da lógica e da experiencia comum…". 2 - O Tribunal a quo fundamenta, a sua decisão essencialmente em "regras da experiência comum" que "inculcam-nos a ideia de ser mais provável" determinada situação ser mais provável que outra, tecendo juízos de normalidade e considerações generalistas, sem qualquer conexão com a prova constante dos autos. 3 - Sobre a prova testemunhal efectivamente produzida em sede de audiência de julgamento, apenas faz referência ao depoimento de parte do legal representante da Autora (para justificar porque não convenceu o Tribunal) e das testemunhas do Réu I… e M…. 4 - Contudo, é completamente omissa quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas pela Autora. Da leitura sentença não se vislumbra sequer que a Autora tenha apresentado qualquer prova testemunhal, já que nada consta sobre os respectivos depoimentos. 5 - Foi a total desconsideração dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Autora que conduziu á absolvição do pedido. 6 - Se tivermos em consideração a razão de ciência (conhecimento directo) de pelo menos uma das testemunhas apresentadas pela Autora: - esteve na origem da contratação do serviços da Autora e no dizer do Tribunal foi " o pai de toda a situação" tal omissão é absolutamente inexplicável e assume uma gravidade extrema. 7 - A recorrente considera erradamente julgada a seguinte matéria de facto: Em data não concretamente apurada, a requerente prestou serviços à firma "G…, Ldª" , designadamente de apoio ao fecho de contas. 8 - Do mesmo modo, encontram-se erradamente julgados os factos não provados, designadamente que: - Que no exercício da sua actividade a Requerente tenha prestado ao requerido os serviços constantes na factura supra referida; - Que os serviços prestados pela Requerente tenham sido solicitados pelo Requerido que deles beneficiou; - Que o Requerido tenha sido interpelado para proceder ao pagamento da factura supra; - Que o estudo/auditoria objecto da prestação de serviços que consta da factura que serve de causa de pedir à presente acção seja aquele que foi junto a fls. 92 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado. 9 - O depoimento da testemunha Dr. M… (que foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo) reveste conhecimento directo dos factos e particular credibilidade, uma vez que a testemunha relatou factos que conheceu no exercício da advocacia, sendo seu constituinte, à data dos factos, o ora Réu. 10 - Explicou claramente ao Tribunal quais eram as preocupações do Réu e a estratégia que sugeriu para a defesa dos interesses do Réu e que passava por munir-se da documentação e informações necessárias "para instruir, documentar e me habilitar com dados factuais para uma acção a intentar pelo Sr. M… contra a G… e os sócios face ao expurgo de património que lhe estava a ser feito, ao Sr. M…". 11 - Do depoimento da testemunha em questão resulta que o estudo em causa, visava exclusivamente a defesa dos interesses do ora Réu, em face dos restantes sócios, pelo que, dúvidas não podem restar que foi encomendado pelo Réu à Autora. 12 - Salvo o devido respeito, a testemunha em questão é a única que tem verdadeiro conhecimento dos termos em que as partes contrataram o serviço em causa nos presentes autos, não só porque esteve na génese da sua contratação, como porque acompanhou o desenvolvimento do estudo e a sua apresentação aos restantes sócios. 13 - Do mesmo modo, não se compreende a total desconsideração pelo o depoimento da testemunha M…. 14 - Sendo funcionária da Autora explicou que o serviço foi prestado ao Sr. M…, que até se recorda do mesmo se ter deslocado às instalações da Autora num Sábado e que a informação necessária à elaboração do estudo em causa era maioritariamente proveniente do mail pessoal do Réu. 15 - Mais referiu peremptoriamente que a Autora nunca prestou nenhum serviço à G… e que nunca houve nenhuma factura emitida àquela sociedade. 16 - Não se vislumbra que tenha prestado depoimento com menos sinceridade que a testemunha I…, sendo certo que conhecia bem as circunstâncias em que o trabalho foi desenvolvido. 17 - Em suma, o depoimento destas testemunhas impunha que o Tribunal desse como provado todos os factos constantes da matéria considerada não provada, nomeadamente que: "Que no exercício da sua actividade a Requerente tenha prestado ao requerido os serviços constantes na factura supra referida; Que os serviços prestados pelo Requerente tenham sido solicitados pelo Requerido que deles beneficiou; Que o Requerido tenha sido interpelado para proceder ao pagamento da factura supra; Que o estudo/auditoria objecto da prestação de serviços que consta da factura que serve de causa de pedir à presente acção seja aquele que foi junto a fls. 92 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado." 18 - E que desse como não provado o facto constante do n.º 5 dos factos provados, nomeadamente que, "em data não concretamente apurada, a requerente prestou serviços à firma "G…, Ldª" , designadamente de apoio ao fecho de contas. 19 - Do depoimento da testemunha I… resulta que a mesma não tem conhecimento directo sobre as circunstâncias em que o estudo em questão foi encomendado à Autora. 20 - Tudo o que julga saber reduz-se a conclusões que retirou de determinados comportamentos (veja-se os argumentos que o Tribunal a quo utilizou para indeferir a sua acareação). 21 - A testemunha nunca esteve presente em qualquer contacto havido ao longo do desenvolvimento do trabalho, nunca falou directamente com o legal representante da A. ou com qualquer funcionário desta. 22 - A sua participação nos factos em causa reduz-se a ter remetido para a Autora via e-mail alguns documentos relativos à contabilidade da empresa, a pedido do Réu. 23 - Face ao exposto, o depoimento em causa não é suficiente para dar como provado que os serviços prestados pela Autora tenham sido à firma "G… Lda" e não ao Réu, designadamente de apoio ao fecho de contas. 24 - Do mesmo modo, a testemunha M… não soube sequer responder em que é que consistia o estudo e por que razão foi encomendado à Autora, considerando que pouco tempo antes já havia sido efectuado um estudo por outro economista. 25 - Reconheceu que a Autora foi apresentada à empresa pelo Réu e pelo Dr. M… e "as pessoas que lá estavam"…mas não soube explicar por que razão o Dr. M… estava presente na reunião numa altura em que já não era advogado da empresa. 26 - Mas foi quando questionado frontalmente sobre quem tinha tido a ideia de mandar fazer o estudo "meteu os pés pelas mãos"!. Ora foram "os três", ora "falaram sobre isso, nós todos juntos, na empresa, os quatro", ora foi a própria testemunha que teve a ideia, ora foi o Autor … 27 - O seu depoimento foi hesitante, contraditório e desmerecedor de qualquer credibilidade, pelo que, em face do mesmo, não poderá ser dado como provado que foi a sociedade que solicitou o estudo em questão nos presentes autos. 28 - Por último, saliente-se que as duas testemunhas apresentadas pelo Réu trabalham actualmente na empresa do pai do Réu, diferentemente do Dr. M… que actualmente não possui qualquer vínculo com o Réu, tendo sido seu mandatário à data dos factos. 29 - Acresce que, em nosso entender, também a prova documental junta aos autos impõe uma alteração da matéria de facto julgada como não provada. 30 - De acordo com decisão recorrida, os serviços descritos na factura junta aos autos vão muito para além do objecto contratual configurado pela Autora e daí que se conclua que os mesmos foram prestados à sociedade. 31 - A avaliação das quotas sociais está intimamente ligada aos resultados da sociedade e à sua saúde financeira. Assim sendo, para que as quotas sociais do Ré fossem correctamente avaliadas é e foi necessário efectuar um estudo económico da empresa e daí que constem da factura os seguinte itens: Serviço de Auditoria à Contabilidade da Empresa - anos de 2008 e 2009; Serviço de Consultoria Fiscal Anos 2008 e 2009; Análise Económica e da Rentabilidade da Exploração da Empresa – Anos 2008 e 2009 Análise Previsional da Rentabilidade da Exploração Futuro da Empresa e respectiva viabilidade económica; 32 - Cumpre ainda conjugar o teor da factura com o depoimento da testemunha Dr. M… do qual resulta que um dos objectivos do estudo era munir-se da documentação e informações necessárias "para instruir, documentar e me habilitar com dados factuais para uma acção a intentar pelo Sr. M… contra a G… e os sócios face ao expurgo de património que lhe estava a ser feito, ao Sr. M…". 33 - E daí a necessidade de fazer uma análise à contabilidade da empresa e um serviço de consultoria fiscal. 34 - Do depoimento da testemunha Dr. M… resulta evidente que todas as tarefas efectuadas visavam, afinal, a defesa dos interesses do Réu, quer no sentido de obter o valor real da sua quota social de forma a poder negociar com os restantes sócios a respectiva cessão, quer na lógica de preparar um litígio judicial. 35 - A descrição feita na factura não passa de um detalhe dos diferentes aspectos cuja análise foi efectuada e tida em consideração para que fosse possível avaliar a quota social do Réu. 36 - Acresce que, salvo o devido respeito, no caso vertente, não podem funcionar as regras da experiência comum referentes ao funcionamento das empresas em Portugal. 37 - Isto porque, a confusão entre a pessoa do sócio e da pessoa colectiva que conduzirá a que os serviços corram por conta da empresa ainda que tenham sido solicitados pelos sócios, com a conivência do prestador de serviços, existe sobretudo nas sociedades familiares e em que não existe qualquer conflito entre os sócios. 38 - Ora, conforme resulta dos depoimentos prestados até pelas testemunhas do Réu e do teor dos documentos juntos aos autos pela Autora (doc. 4 e ss), resulta evidente que as relações entre os sócios da sociedade G… estavam profundamente deterioradas, o que corrobora o depoimento prestado pelo Dr. M…. 39 - Acresce que, dos e-mails juntos aos autos resulta que a informação necessária à elaboração do estudo foi remetida à Autora pelo Réu e não directamente da G… para a Autora (como seria normal se o estudo tivesse sido solicitado por esta entidade). 40 - E para ter acesso à contabilidade da empresa o ora Réu foi obrigado a remeter comunicação à empresa, na qual solicitava que a mesma lhe fosse facultada. 41 - Do teor do documento remetido aos autos pelo sócio M…, a solicitação do Tribunal resulta que o estudo foi feito e que não foi pago "porque a empresa ‘A…, Lda.’ não apresentou na devida altura documentação para a empresa pagar." 42 - E não o fez, simplesmente, porque o trabalho executado não foi por ela solicitado, não se lhe dirigia, nem servia qualquer propósito que fosse do seu interesse. Antes, ela – sociedade – foi a base indispensável do trabalho desenvolvido, essência das conclusões a obter (valorização da quota de um sócio - M…) com vista à decisão da sua continuidade ou não na predita sociedade. 43 - Logo, a factura só podia ser emitida à entidade que solicitou o serviço, ao aqui Réu. 44 - E só não a emitiu em nome do Réu, logo após a conclusão do trabalho porque conforme explicou a testemunha Dr. M…, bem sabia que este não teria capacidade financeira para proceder ao seu pagamento integral de uma só vez. 45 - Acresce que, foi igualmente junto aos autos uma comunicação remetida pelo Administrador de Insolvência da sociedade G… nos termos da qual na documentação apreendida não consta nenhum relatório projecto de avaliação de quota social realizado por "Â…, Ldª." 46 – Ora, de acordo com as regras da experiência comum, se tal estudo tivesse sido elaborado a pedido da empresa, constaria certamente da documentação arquivada na respectiva sede/escritórios, o que não se verifica. 47 - Assim sendo, o teor dos documentos juntos aos autos pela Autora em sede de audiência de julgamento, conjugado com os depoimentos das testemunhas Dr. M… e M… determina que tivesse resultado provado que no exercício da sua actividade a Autora tenha prestado ao Réu os serviços constantes na factura supra referida e que os serviços prestados pela Autora tenham sido solicitados pelo Réu, que deles beneficiou. 48 - Como quer que seja, sempre se diga que não se compreende como é que o facto de as páginas do Estudo Preliminar de Avaliação de Quota Social não estarem numeradas conduzem a dúvidas sobre o teor do mesmo. 49 - Do mesmo modo pelo facto de na factura estarem descritos os ‘passos’ percorridos para chegar ao produto final do trabalho, não significa que a cada um deles devesse corresponder um relatório separado! 50 - O documento junto reporta-se ao essencial do trabalho que foi solicitado. 51 - Da análise cuidada do conteúdo do relatório junto aos autos e pelo qual ao Autora reclama pagamento, resulta evidente que se trata do estudo objecto da prestação de serviços que consta da factura que serve de causa de pedir à presente acção seja aquele que foi junto a fls. 92 e seguintes, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado. 52 - Pelo que se impõe a revisão da matéria de facto provada e não provada, conforme supra se expôs, e a consequente condenação do Réu no pedido. O réu contra-alegou sustentando que "deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida." As conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se: a) há erro no julgamento da matéria de facto que se identifica nas conclusões 7.ª e 8.ª; b) uma vez alterada a "matéria de facto provada e não provada", há lugar à "consequente condenação do Réu no pedido." [1] II 1.º Segundo a autora a prova produzida conduz a conclusões diferentes das extraídas pelo tribunal a quo, no que se refere ao julgamento da matéria de facto que se menciona nas conclusões 7.ª e 8.ª. Importa, antes do mais, averiguar se estão reunidos os pressupostos legais para se proceder à reapreciação da prova quanto a esse conjunto de factos. A autora fundamenta a sua divergência na prova testemunhal [2] que se produziu. O artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil [3] estabelece os requisitos para a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e no seu n.º 2 diz-se que, tendo havido gravação da prova testemunhal, "incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição." A mesma solução foi adoptada pelo n.º 2 do artigo 640.º do novo Código de Processo Civil [4]. Com este n.º 2 "introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto" impondo-se que "se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (…) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (…)." E "o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento." [5] Com efeito, "impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso", sendo um deles o de "indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos". [6] Aliás, se dúvidas houvesse quanto ao sentido da norma, o preâmbulo do Decreto-Lei 303/2007 de 24 de Agosto resolvia-as, pois é claro ao mencionar que "é ainda de referir a alteração das regras que regem o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, determinando que cabe ao recorrente, sempre que os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados, proceder à identificação da passagem da gravação em que funde essa impugnação, sem prejuízo da possibilidade de proceder, se assim o quiser, à respectiva transcrição". Como é sabido, o «texto [da lei] é o ponto de partida da interpretação. Como tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer "correspondência" ou ressonância nas palavras da lei. Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, (…) se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma.»[7] Sendo assim, a expressão "sem prejuízo [8] da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição", que é antecedida pela imposição da obrigação de "indicar com exactidão as passagens da gravação", tem que ser interpretada no sentido de que o legislador, bem ou mal [9], entendeu que a possibilidade de se "proceder à respectiva transcrição" não era suficiente para se poder ter como feita a indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação". E convém não esquecer que "exactidão" significa "observância rigorosa de um (…) dever"[10] , "cuidado escrupuloso" [11], "precisão" [12]. Neste contexto, atento o actual sistema de gravação dos depoimentos, terá que se concluir que a indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação em que se funda" concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais "passagens" tem o seu início. A parte, se "assim o quiser", para além disso poderá também, não porque esteja obrigada, mas porque nisso vê alguma utilidade, "proceder (…) à (…) transcrição" das "passagens" que considera importantes. Portanto, a "transcrição" das "passagens" não constitui, de todo, uma alternativa à indicação "com exactidão [d]as passagens da gravação". E essa indicação "com exactidão [d]as passagens" também não se pode ter por feita quando somente se menciona a hora de início e do fim de cada depoimento. Esta exigência visa, principalmente no caso dos depoimentos longos, permitir ouvir, fácil e rapidamente, "as passagens da gravação em que se funda" a impugnação de forma a, num primeiro momento, se avaliar se tais "passagens" são, por si só, idóneas a delas se extrair conclusão diversa da extraída pelo tribunal a quo, sem prejuízo de, em caso afirmativo, depois ter que se ir para lá desses trechos, pois só assim se poderá formular um juízo definitivo. E ao obrigar o recorrente a, neste aspecto, melhor fundamentar o seu recurso, pretende-se evitar o uso abusivo e injustificado da faculdade de impugnar a decisão relativa à matéria de facto. Voltando ao caso dos autos regista-se que a autora não observou este requisito. Examinadas as suas alegações nelas não se encontra, em lado algum, a identificação "com exactidão [d]as passagens da gravação em que se funda". A autora refere-se a alguns depoimentos de testemunhas sem, no entanto, "proceder à identificação da passagem da gravação em que" radica a impugnação [13]. É ainda oportuno sublinhar que, como bem observa a autora, "para formar a sua convicção o tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e na prova testemunhal produzida em audiência, conjugados entre si" [14], o que significa que a reapreciação da matéria de facto não pode assentar unicamente na prova documental; esta terá, necessariamente, que ser conjugada com a testemunhal. A inobservância, por parte da autora, do que lhe é imposto pelo n.º 2 do 685.º-B do anterior Código de Processo Civil e n.º 2 do artigo 640.º do novo Código de Processo Civil, determina a "imediata rejeição do recurso" no que toca à impugnação da matéria de facto, o mesmo é dizer que nenhuma alteração se introduzirá nos factos dados como provados e não provados pelo tribunal a quo. 2.º Estão provados os seguintes factos: 1- A requerente tem por objecto social o exercício da actividade de prestação de serviços de contabilidade, auditoria, estudos e projectos, fiscalidade e informática. 2- Teor da factura junta a fls. 17 que aqui se dá por reproduzido e integrado, factura n.º DC-2/110046, no valor de € 11 562,00, com vencimento em 30.09.2011, onde constam como serviços prestados (designações), os seguintes: "Serviço de Auditoria à Contabilidade da Empresa - anos de 2008 e 2009 Serviço de Consultoria Fiscal Anos 2008 e 2009 Análise Económica e da Rentabilidade da Exploração da Empresa - Anos 2008 e 2009 Análise Previsional da Rentabilidade da Exploração Futura da Empresa e respectiva viabilidade económica Perspectiva da Valorização das Quotas Sociais, com base na ainda ausência do Fecho de Contas do ano de 2009 Apoio ao Trabalho de Fecho de Contas do ano de 2009". 3- O aqui Requerido era sócio maioritário da firma "G…, Lda." - cfr. certidão a qual foi declarada insolvente no dia 31 de Janeiro de 2011 - cfr. informação (art. 38.º, n.º 3, al. b) do C.I.R.E.) junta a fls. 78, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais. 4- Teor da resposta do sócio M… à solicitação do Tribunal constante a fls. 203, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado. 5- Em data não concretamente apurada, a Requerente prestou serviços à firma "G…, Lda.", designadamente de apoio ao fecho de contas. 3.º Como resulta claramente da conclusão 52.ª, a pretendida "condenação do Réu no pedido" pressupunha, antes de mais, uma alteração na "matéria de facto provada e não provada". Ora, essa modificação, como se viu, não se concretizou, pelo que falta a primeira das premissas em que radica a pretensão de se condenar o "Réu no pedido", o mesmo é dizer que não há lugar a essa condenação. III Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso pelo que se mantém a decisão recorrida. Custas pela autora. 30 de Janeiro de 2014 António Beça Pereira Manuela Fialho Edgar Gouveia Valente ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- [1] Cfr. conclusão 52.ª. [2] Independentemente de em alguns pontos também mencionar prova documental. [3] Em vigor à data da prolação da sentença. [4] Em vigor aquando da interposição do recurso. Neste aspecto a única diferença entre estes dois artigos consiste em antes se dizer "imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto" e agora afirmar-se "imediata rejeição do recurso na respectiva parte". [5] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pág. 136 e 138. [6] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 181. Neste sentido veja-se ainda Luís Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 152 e Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição, pág. 63. [7] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 18.ª Reimpressão, pág. 182. [8] Sublinhado nosso. [9] E, salvo melhor juízo, a solução desenhada não parece ser a que melhor salvaguarda os fins tidos em vista. [10] Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido Figueiredo, Vol. I, 16.ª Edição, pág. 1143. [11] Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2009, pág. 688. [12] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, www.priberam.pt. [13] Presentemente, ao contrário do que constava no artigo 690.º-A n.º 2 do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 183/2000 de 10-8, já não basta "indicar os depoimentos em que se funda". Tanto o legislador de 2007 (Decreto-Lei 303/2007), como o de 2013 (Lei 41/2013), entenderem que era necessário ir mais além, identificando a divergência em algo mais concreto e palpável. [14] Cfr. conclusão 1.ª.