Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães J…, instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, nº 163/09.0TBPVL, do Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso, contra J. C…, invocando, em síntese, ter emprestado ao Réu a quantia total de € 19.951,92, com vista a futura restituição ao Autor, e o Réu não lhe devolveu os montantes mutuados apesar das insistências do Autor, e, pedindo se declare nulo contrato de mútuo celebrado entre Autor e Réu, condenando-se o Réu a restituir ao Autor a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida da quantia de € 7.661,54, a título de frutos civis, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, ou, em alternativa, a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação. O Réu deduziu contestação, impugnando os factos e pedido do Autor. Foi oferecida réplica. Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto assente e elaboração da B.I. Procedeu-se a julgamento, tendo vindo a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido, e, absolvendo-se Autor e Réu dos respectivos pedidos de condenação como litigantes de má-fé. Inconformado veio o Autor interpor recurso de apelação. O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Nas alegações de recurso que apresenta o apelante formula as seguintes conclusões: 1- Tal como plasmado na sentença recorrida, ficou provado em sede de julgamento que o autor ora apelante, preencheu e entregou ao réu ora apelado, dois cheques no montante global de 19.951,92€. 2- Cheques esses, que o réu recebeu e integrou no seu património, alegando posteriormente que os montantes recebidos não diziam respeito a nenhum contrato de mútuo, dada a inexistência de qualquer tipo de documento assinado pelo mutuário, no qual o mesmo se obrigaria a restituir o montante mutuado. 3- Diferente opinião, possui o autor aqui apelante, que com base na doutrina e jurisprudência de tribunal superior, considera que a entrega dos cheques e o seu recebimento, já implicam a celebração de contrato, sendo sua condição de validade e elemento essencial do mesmo negócio. 4- Pelo que o negócio de mútuo é consumado com a entrega dos montantes mutuados. 5- Efectivamente, no caso em apreço, o contrato de mútuo referente ao quantitativo supra referido de 19.951,92€ tornou-se perfeito, no dia em que o montante entrou na esfera patrimonial do réu, não se mostrando, porém, reduzido a documento particular, porquanto teve como únicos documentos de suporte que o titularam, os dois cheques, de igual montante. 6- Assim sendo, trata-se de um contrato nulo, por inobservância da forma, legalmente, com o consequente dever de restituição pelo mutuário de tudo o que lhe foi prestado pelo mutuante, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1143º, 219º, 220º, 286º e 289º, nº 1, todos do CC. 7- Deste modo, declarada a nulidade do negócio jurídico de mútuo, a obrigação de restituição da quantia em dinheiro, a cargo do réu, em consequência do negócio viciado, funda-se no preceituado pelo artigo 289º, nº 1. 8- Tal como defende a jurisprudência quando postula que a entrega, material ou simbólica, da coisa ou do dinheiro continua a ser o elemento constitutivo do contrato real em si, como acontece com o mútuo, para além do consenso das partes, e não apenas uma condição de eficácia do contrato já existente, não se tratando da execução do acordo, do cumprimento da obrigação, mas da existência do próprio contrato com a qual se completa. 9- O contrato tipificado de mútuo pode, por consenso das partes, firmado ao abrigo do princípio da liberdade negocial, constituir-se, por simples acordo, como um contrato atípico de mútuo, quando um dos contraentes se obriga a entregar dinheiro ou outra coisa fungível ao outro, ficando este vinculado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. 10- O preenchimento e subscrição da declaração cartular pelo sacador do cheque cria, desde logo, para o mesmo uma obrigação cambiária que, embora perfeita, tem a sua eficácia dependente da entrada do cheque em circulação, a qual, mais do que uma “conditio iuris”, é um elemento essencial à própria validade daquela obrigação, que só se verifica com a subsequente entrega do título ao portador imediato, quando o sacador abre mão do mesmo, com a perda dos correspondentes direitos, que entram na esfera patrimonial do beneficiário. 11- O cheque nominativo só ao beneficiário da ordem de pagamento pode ser pago, cujo montante viria a ser descontado pela entidade bancária sacada, traduz a concretização da auto-regulamentação de interesses das partes constante da proposta de empréstimo e da correspondente aceitação, sendo suficiente para qualificar o acordo celebrado como um contrato de mútuo. 12- Sendo o contrato de mútuo nulo por falta de forma legal, a restituição abrange tudo o que tiver sido prestado, não havendo que atender as regras do enriquecimento sem causa, que constitui uma obrigação de natureza subsidiaria, dado que a eficácia retroactiva da declaração de nulidade do contrato obriga á restituição de tudo quanto tiver sido prestado. 13- Pelo que a douta sentença recorrida violou as disposições legais citadas, bem como fez uma errada valoração dos factos praticados por autor e réu tal como quando não classificou a relação negocial como integrante de um contrato de mútuo. 14- Pretendendo-se dessa forma, que seja reconhecido o contrato de mutuo entre as partes, que tendo sido celebrado sem respeitar a forma legalmente exigida, implica a sua anulação e restituição dos valores mutuados ao autor ora apelante, acrescido de juros legais desde a citação. Não foram proferidas contra – alegações. O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas. Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questão a apreciar: - reapreciação do mérito da causa - a entrega dos cheques e o seu recebimento, já implicam a celebração de contrato de mútuo, como defende o apelante ? FUNDAMENTAÇÃO I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida): A. Em 14 de Junho de 1993, o A. entregou ao R. o cheque nº 4610565420, preenchido pelo A. à ordem do R., no valor de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), actualmente 9.975,96€ (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), quantia que o R. recebeu. B. Em 9 de Novembro de 1993, foi entregue ao R., o cheque nº 27339360, no valor de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos, actualmente, € 9 975, 96), sacado pela sociedade Construtora Ribeiro & Filhos, Lda. à ordem do R., quantia que o R. recebeu. II) O DIREITO APLICÁVEL Tendo o Autor, J…, instaurado a acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, em curso, contra o Réu J. C…, pedindo se declare nulo contrato de mútuo celebrado entre Autor e Réu, condenando-se o Réu a restituir ao Autor a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida da quantia de € 7.661,54, a título de frutos civis, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, ou, em alternativa, a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, invocando o Autor, em síntese, e no essencial, ter emprestado ao Réu a quantia total de € 19.951,92, com vista a futura restituição ao Autor, e o Réu não lhe devolveu os montantes mutuados apesar das insistências do Autor, veio a ser proferida sentença, a julgar a acção a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu do pedido, fundamentando o Mº Juiz “a quo“ a decisão no facto que refere de que “ face à matéria de facto assente, não se provou a celebração entre A. e R. de qualquer contrato de mútuo. Temos apenas a entrega de dois cheques e o recebimento pelo R. das quantias por eles tituladas”. E bem decidiu. O contrato de Mútuo, tal como definido nos termos da noção legal do art. 1142.º do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. “ Quem empresta, não o faz com a finalidade de realizar uma atribuição patrimonial em benefício do mutário. O empréstimo é feito com o objectivo de atribuir a este o uso da coisa, a qual deverá ser restituída em género, qualidade e quantidade”. P. Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, Vol II, pg. 600. “ A palavra emprestar continua a ser empregada com o sentido corrente, que sempre teve, - de atribuição de uma coisa para ser restituída em espécie ou coisa equivalente ” – autores e obra citada, pg. 589. E, sendo o contrato de mútuo, pela doutrina e jurisprudência, considerado um contrato real, quoad constitutionem, quer se defina como contrato unilateral ( na doutrina, autores e obra citada), quer bilateral ( Acs. Supremo Tribunal de Justiça infra citados ), em qualquer caso, para sua constituição sempre necessário será que a coisa entregue pelo mutuante o seja a título de empréstimo e que, correlativamente, o mutuário se haja obrigado a restituir o equivalente ao que havia recebido a esse preciso título ( P. Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, Vol II, pg. 602; Ac.Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2013, Proc. nº 220/10.0TBPNI.L1.S1; Ac. de 25/1/2011, Proc. nº 4033/05.2TVLSB.L1.S1); referindo-se, expressamente, no Ac. so Supremo Tribunal de Justiça de 25/1/2011, citado pelo apelante, e em sentido contrário ao que este preconiza: “ A entrega material ou simbólica, da coisa ou do dinheiro continua a ser, para a doutrina tradicional, um elemento constitutivo do contrato real em si, como acontece com o mútuo, para além do consenso das partes, (…) O contrato tipificado de mútuo pode, por consenso das partes, firmado ao abrigo do princípio da liberdade negocial, constituir-se, por simples acordo, como um contrato atípico de mútuo, quando um dos contraentes se obriga a entregar dinheiro ou outra coisa fungível ao outro, ficando este vinculado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. No caso sub judice, dos factos provados resulta que se desconhece qual a “causa jurídica” determinativa da transferência monetária operada por via da entrega dos indicados cheques do Autor para o Réu, e, tendo o Autor, na petição inicial, invocado o contrato de mútuo como sendo a causa das deslocações patrimoniais realizadas, não o logrou provar, desde logo, não provando a entrega a título de empréstimo, nem a obrigação de restituição - elementos essenciais do contrato de mútuo nos termos da definição legal do artº 1142º do Código Civil. “ … tornava-se necessário que, da prova produzida, resultasse que as quantias haviam sido entregues a título de empréstimo e que, correlativamente, a Ré se tivesse obrigado a restituir o equivalente ao que avia recebido a esse título “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2013, supra citado. Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação. DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Guimarães, 22 de maio de 2014 Maria Luisa Ramos Raquel Rego António Sobrinho
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães J…, instaurou acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, nº 163/09.0TBPVL, do Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso, contra J. C…, invocando, em síntese, ter emprestado ao Réu a quantia total de € 19.951,92, com vista a futura restituição ao Autor, e o Réu não lhe devolveu os montantes mutuados apesar das insistências do Autor, e, pedindo se declare nulo contrato de mútuo celebrado entre Autor e Réu, condenando-se o Réu a restituir ao Autor a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida da quantia de € 7.661,54, a título de frutos civis, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, ou, em alternativa, a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação. O Réu deduziu contestação, impugnando os factos e pedido do Autor. Foi oferecida réplica. Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto assente e elaboração da B.I. Procedeu-se a julgamento, tendo vindo a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido, e, absolvendo-se Autor e Réu dos respectivos pedidos de condenação como litigantes de má-fé. Inconformado veio o Autor interpor recurso de apelação. O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Nas alegações de recurso que apresenta o apelante formula as seguintes conclusões: 1- Tal como plasmado na sentença recorrida, ficou provado em sede de julgamento que o autor ora apelante, preencheu e entregou ao réu ora apelado, dois cheques no montante global de 19.951,92€. 2- Cheques esses, que o réu recebeu e integrou no seu património, alegando posteriormente que os montantes recebidos não diziam respeito a nenhum contrato de mútuo, dada a inexistência de qualquer tipo de documento assinado pelo mutuário, no qual o mesmo se obrigaria a restituir o montante mutuado. 3- Diferente opinião, possui o autor aqui apelante, que com base na doutrina e jurisprudência de tribunal superior, considera que a entrega dos cheques e o seu recebimento, já implicam a celebração de contrato, sendo sua condição de validade e elemento essencial do mesmo negócio. 4- Pelo que o negócio de mútuo é consumado com a entrega dos montantes mutuados. 5- Efectivamente, no caso em apreço, o contrato de mútuo referente ao quantitativo supra referido de 19.951,92€ tornou-se perfeito, no dia em que o montante entrou na esfera patrimonial do réu, não se mostrando, porém, reduzido a documento particular, porquanto teve como únicos documentos de suporte que o titularam, os dois cheques, de igual montante. 6- Assim sendo, trata-se de um contrato nulo, por inobservância da forma, legalmente, com o consequente dever de restituição pelo mutuário de tudo o que lhe foi prestado pelo mutuante, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1143º, 219º, 220º, 286º e 289º, nº 1, todos do CC. 7- Deste modo, declarada a nulidade do negócio jurídico de mútuo, a obrigação de restituição da quantia em dinheiro, a cargo do réu, em consequência do negócio viciado, funda-se no preceituado pelo artigo 289º, nº 1. 8- Tal como defende a jurisprudência quando postula que a entrega, material ou simbólica, da coisa ou do dinheiro continua a ser o elemento constitutivo do contrato real em si, como acontece com o mútuo, para além do consenso das partes, e não apenas uma condição de eficácia do contrato já existente, não se tratando da execução do acordo, do cumprimento da obrigação, mas da existência do próprio contrato com a qual se completa. 9- O contrato tipificado de mútuo pode, por consenso das partes, firmado ao abrigo do princípio da liberdade negocial, constituir-se, por simples acordo, como um contrato atípico de mútuo, quando um dos contraentes se obriga a entregar dinheiro ou outra coisa fungível ao outro, ficando este vinculado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. 10- O preenchimento e subscrição da declaração cartular pelo sacador do cheque cria, desde logo, para o mesmo uma obrigação cambiária que, embora perfeita, tem a sua eficácia dependente da entrada do cheque em circulação, a qual, mais do que uma “conditio iuris”, é um elemento essencial à própria validade daquela obrigação, que só se verifica com a subsequente entrega do título ao portador imediato, quando o sacador abre mão do mesmo, com a perda dos correspondentes direitos, que entram na esfera patrimonial do beneficiário. 11- O cheque nominativo só ao beneficiário da ordem de pagamento pode ser pago, cujo montante viria a ser descontado pela entidade bancária sacada, traduz a concretização da auto-regulamentação de interesses das partes constante da proposta de empréstimo e da correspondente aceitação, sendo suficiente para qualificar o acordo celebrado como um contrato de mútuo. 12- Sendo o contrato de mútuo nulo por falta de forma legal, a restituição abrange tudo o que tiver sido prestado, não havendo que atender as regras do enriquecimento sem causa, que constitui uma obrigação de natureza subsidiaria, dado que a eficácia retroactiva da declaração de nulidade do contrato obriga á restituição de tudo quanto tiver sido prestado. 13- Pelo que a douta sentença recorrida violou as disposições legais citadas, bem como fez uma errada valoração dos factos praticados por autor e réu tal como quando não classificou a relação negocial como integrante de um contrato de mútuo. 14- Pretendendo-se dessa forma, que seja reconhecido o contrato de mutuo entre as partes, que tendo sido celebrado sem respeitar a forma legalmente exigida, implica a sua anulação e restituição dos valores mutuados ao autor ora apelante, acrescido de juros legais desde a citação. Não foram proferidas contra – alegações. O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas. Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questão a apreciar: - reapreciação do mérito da causa - a entrega dos cheques e o seu recebimento, já implicam a celebração de contrato de mútuo, como defende o apelante ? FUNDAMENTAÇÃO I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida): A. Em 14 de Junho de 1993, o A. entregou ao R. o cheque nº 4610565420, preenchido pelo A. à ordem do R., no valor de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), actualmente 9.975,96€ (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), quantia que o R. recebeu. B. Em 9 de Novembro de 1993, foi entregue ao R., o cheque nº 27339360, no valor de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos, actualmente, € 9 975, 96), sacado pela sociedade Construtora Ribeiro & Filhos, Lda. à ordem do R., quantia que o R. recebeu. II) O DIREITO APLICÁVEL Tendo o Autor, J…, instaurado a acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, em curso, contra o Réu J. C…, pedindo se declare nulo contrato de mútuo celebrado entre Autor e Réu, condenando-se o Réu a restituir ao Autor a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida da quantia de € 7.661,54, a título de frutos civis, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, ou, em alternativa, a quantia mutuada no valor de € 19.951,92, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, invocando o Autor, em síntese, e no essencial, ter emprestado ao Réu a quantia total de € 19.951,92, com vista a futura restituição ao Autor, e o Réu não lhe devolveu os montantes mutuados apesar das insistências do Autor, veio a ser proferida sentença, a julgar a acção a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu do pedido, fundamentando o Mº Juiz “a quo“ a decisão no facto que refere de que “ face à matéria de facto assente, não se provou a celebração entre A. e R. de qualquer contrato de mútuo. Temos apenas a entrega de dois cheques e o recebimento pelo R. das quantias por eles tituladas”. E bem decidiu. O contrato de Mútuo, tal como definido nos termos da noção legal do art. 1142.º do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. “ Quem empresta, não o faz com a finalidade de realizar uma atribuição patrimonial em benefício do mutário. O empréstimo é feito com o objectivo de atribuir a este o uso da coisa, a qual deverá ser restituída em género, qualidade e quantidade”. P. Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, Vol II, pg. 600. “ A palavra emprestar continua a ser empregada com o sentido corrente, que sempre teve, - de atribuição de uma coisa para ser restituída em espécie ou coisa equivalente ” – autores e obra citada, pg. 589. E, sendo o contrato de mútuo, pela doutrina e jurisprudência, considerado um contrato real, quoad constitutionem, quer se defina como contrato unilateral ( na doutrina, autores e obra citada), quer bilateral ( Acs. Supremo Tribunal de Justiça infra citados ), em qualquer caso, para sua constituição sempre necessário será que a coisa entregue pelo mutuante o seja a título de empréstimo e que, correlativamente, o mutuário se haja obrigado a restituir o equivalente ao que havia recebido a esse preciso título ( P. Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, Vol II, pg. 602; Ac.Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2013, Proc. nº 220/10.0TBPNI.L1.S1; Ac. de 25/1/2011, Proc. nº 4033/05.2TVLSB.L1.S1); referindo-se, expressamente, no Ac. so Supremo Tribunal de Justiça de 25/1/2011, citado pelo apelante, e em sentido contrário ao que este preconiza: “ A entrega material ou simbólica, da coisa ou do dinheiro continua a ser, para a doutrina tradicional, um elemento constitutivo do contrato real em si, como acontece com o mútuo, para além do consenso das partes, (…) O contrato tipificado de mútuo pode, por consenso das partes, firmado ao abrigo do princípio da liberdade negocial, constituir-se, por simples acordo, como um contrato atípico de mútuo, quando um dos contraentes se obriga a entregar dinheiro ou outra coisa fungível ao outro, ficando este vinculado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”. No caso sub judice, dos factos provados resulta que se desconhece qual a “causa jurídica” determinativa da transferência monetária operada por via da entrega dos indicados cheques do Autor para o Réu, e, tendo o Autor, na petição inicial, invocado o contrato de mútuo como sendo a causa das deslocações patrimoniais realizadas, não o logrou provar, desde logo, não provando a entrega a título de empréstimo, nem a obrigação de restituição - elementos essenciais do contrato de mútuo nos termos da definição legal do artº 1142º do Código Civil. “ … tornava-se necessário que, da prova produzida, resultasse que as quantias haviam sido entregues a título de empréstimo e que, correlativamente, a Ré se tivesse obrigado a restituir o equivalente ao que avia recebido a esse título “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2013, supra citado. Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação. DECISÃO Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante. Guimarães, 22 de maio de 2014 Maria Luisa Ramos Raquel Rego António Sobrinho