Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. COMPANHIA DE SEGUROS.., SA, intentou a presente ação declarativa de condenação contra C.., LDª, com sede .., em Guimarães e T.., LDª, com sede .., em Valongo, alegando essencialmente que celebrou com a C.., Lda., entidade patronal de M.., um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de trabalhadores por conta de outrem, titulado pela apólice nº 0001307620, mediante o qual transferiu, relativamente àquele, o pagamento das indemnizações a que houvesse lugar, emergentes de acidente de trabalho. Posteriormente ocorreu um acidente daquela natureza de que resultaram várias lesões para o referido M.., imputável à conduta ilícita e culposa das RR., tendo a A. diligenciado pelo tratamento das lesões da vítima e pelo pagamento do que lhe era devido (como lhe competia, tendo em conta o interesse de ordem pública da reparação das lesões e danos provenientes dos sinistros de trabalho), nos termos do contrato de seguro celebrado com a sua entidade patronal. Na sequência do processo de acidente de trabalho, a A. foi condenada e suportou já, na reparação do acidente, várias quantias pecuniárias, a título de despesas, indemnizações por incapacidade e seus efeitos, subsídio e pensões a favor do sinistrado, no valor total de € € 107.878,45. O empreiteiro da obra onde o sinistrado laborava era a 1ª R., que a havia dado de subempreitada à entidade patronal do sinistrado, C.., Lda. A grua de onde se soltou a peça que atingiu a vítima não satisfazia as necessárias condições de segurança, era propriedade da 2ª R. T.., e havia sido locada por esta à 1ª R., entidade responsável pela obra, devendo ser responsabilizadas pelo acidente. À A. assiste o direito ao reembolso do que pagou no âmbito do contrato de seguro, nos termos do art.º 31º da Lei nº 100/97 de 13 de setembro. Celebrou um acordo de pagamento em prestações relativamente à quota-parte de responsabilidade da entidade patronal quanto à parte de salário que não se encontrava transferida no âmbito do seguro de acidentes de trabalho, sendo que tal quota-parte corresponde a € 22.882,76, recusando-se as RR. a pagar o remanescente. Acrescenta que tem direito a receber daquelas, eventualmente na proporção das suas responsabilidades, mas sempre beneficiando da solidariedade destas na obrigação da indemnizarem, o montante global de € 84.995,69, o que requer. Citada, a 1ª R. contestou a ação invocando a prescrição do direito de indemnização que a A. peticionou. Impugnou parcialmente os factos, designadamente no que respeita aos factos do acidente, alegando ainda que nunca teve qualquer intervenção, utilização própria ou uso da grua, nem antes da sua montagem, nem posteriormente, tendo a mesma sido entregue diretamente na obra pela R. T.. à subempreiteira, ficando esta responsável pela sua utilização. Culmina o seu articulado no sentido de que se julgue procedente a exceção da prescrição ou, não sendo assim, se julgue a ação improcedente, com absolvição da contestante do pedido. Ainda antes da apresentação da réplica e da citação da 2ª R., veio a A. requerer a ampliação do pedido inicial por si formulado, para € 90.358,31, alegando para o efeito e em síntese que, após a interposição da ação suportou novas despesas no valor global de € 5.362,62, que igualmente diz serem da responsabilidade das RR. Tendo-se entretanto constatado que a R. T.., Ldª foi dissolvida e liquidada e que já se encontra registado o encerramento da sua liquidação, foi proferida sentença quanto a ela julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Notificada da contestação, a A. apresentou réplica, na qual defendeu a improcedência da exceção perentória da prescrição. No mais impugnou a factualidade invocada na contestação, concluindo como na petição inicial. Foi proferido despacho saneador onde foi julgada improcedente a invocada exceção da prescrição, seguindo-se a condensação, com factos assentes e base instrutória, de que as partes não reclamaram. Designada, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença fundamentada em matéria de facto e de direito que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Em face do exposto, julgo a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolvo a ré C.., Ldª do pedido. Custas a cargo da autora, nos termos previstos no art.º 527, nºs 1 e 2, do NCPC.». * Inconformada com a decisão sentenciada, recorreu a A. alegando com as seguintes CONCLUSÕES: «l- O Tribunal recorrido fez uma pouco rigorosa apreciação da prova produzida em audiência de julgamento e uma menos correcta aplicação da lei. 2- Na prossecução do seu fim social, a lª Ré procedeu ao aluguer de uma grua, tendo-a colocado à disposição dos seus subempreiteiros: C.., na fase inicial da obra, e S.., na fase final. 3- A 1ª Ré não acompanhou a montagem, instalação e ensaios da grua no seu estaleiro; não se certificou que a grua reunia as condições de operacionalidade e de segurança exigíveis; não mandatou ninguém que atestasse a veracidade do teor da “Verificação de Fim de Montagem” e dos “Ensaios de Fim de Montagem”. 4- A l- Ré, na qualidade de locatária da grua e de empreiteira geral da obra a executar, assumiu deveres e obrigações que simplesmente ignorou, pelo simples facto de não ser ela, mas outras entidades, a utilizarem directamente a grua. 5- O facto de ter dado de subempreitada partes da empreitada que lhe havia sido confiada pelo dono da obra, não isenta a lã Ré da obrigação e assegurar que todas as medidas de segurança são respeitadas, nomeadamente as que dizem respeito à montagem e estado de conservação da grua a utilizar no estaleiro. 6- Foi a 1ª Ré quem assumiu a responsabilidade de, e por isso era a ela que competia, pagar do aluguer da grua, garantir que a grua apenas seria manobrada por pessoas competentes, zelar peia conservação e bom manuseamento da grua e cobrir o risco decorrente da sua utilização. 7- Aquando da entrega e montagem da grua, não estavam presentes na obra funcionários da lã Ré (nem da C..) com competência para se certificarem que a grua reunia boas condições de segurança e de conservação); tal obrigação cabia à lª Ré. 8- A resposta ao quesito 6 da BI deve ser alterada para “Provado”, 9- A resposta ao quesito 7 da BI desse ser alterada para “Provado apenas que a grua foi transportada para o local da obra pela T.. e que, na altura, apenas se encontravam na obra dois trabalhadores da subempreiteira, que não possuíam conhecimentos técnicos da montagem de gruas”. 10-A resposta ao quesito 8 da BI deve ser alterada para “Não provado”. 11-A resposta ao quesito 9 da BI deve ser alterada para “Provado apenas que se a grua foi objecto de ensaios”. 12-A resposta ao quesito 10 da BASE INSTRUTÓRIA deve ser alterada para “Provado que a l5 Ré ficou responsável pela lubrificação da grua e peto bom funcionamento da mesma, assim como avarias causadas pelo mau funcionamento da mesma e por deficiente abastecimento eléctrico à máquina”. 13- Por fim, a resposta ao quesito 11 da BASE INSTRUTÓRIA deve ser alterada para “Provado que a lª Ré ficou responsável por denunciar à T.. quaisquer avarias ou anomalias da grua”. 14- Enquanto responsável pelo dever de vigilância ou pelo dever de assegurar a vigilância da grua, e da integridade da sua estrutura, a 1ª Ré deve ser condenada a pagar à Autora os montantes peticionários, a título de reembolso pelo que foi esta obrigada a despender na regularização do acidente dos autos, nos termos do disposto no art. 493º do Código Civil. 15- Existe uma relação de comissão entre a 1ª Ré e a T.., já que foi a primeira quem contratou com a segunda o fornecimento e instalação da grua que esteve na origem do acidente de trabalho dos autos; como tal, e concluindo-se pela responsabilidade da T.. no fornecimento de uma grua defeituosa; sempre será a 1.ª Ré a responsável perante a Ré, pelos valores peticionados. 16-A Sentença recorrida faz uma incorrecta apreciação da prova produzida, devendo, como tal, ser revogada e substituída por outra que, concluindo pela responsabilização da 1ª Ré, na qualidade de entidade locatária da grua, e de empreiteira geral da obra em apreço, a condene no pedido.» (sic) Defendeu, assim, a revogação da sentença e a sua substituição por outra decisão conforme as conclusões. * Não foram oferecidas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões das apelações da A. recorrente (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do Código de Processo Civil [1]). Impõe-se assim a apreciar e decidir: 1. Erro de julgamento em matéria de facto; e 2. A responsabilidade delitual da 1ª R. nos termos do art.º 493º ou, pelo risco, com base na existência de uma relação de comissão entre a 1ª R. e a Tacharon. III. Os factos dados como provados na ação [2]: 1. No dia 24 de Março de 2006, pelas 17 horas, numa obra, sita na Quinta da Naia, Lote 6, Maximinos, em Braga, enquanto prestava a sua actividade profissional de pedreiro, sob as ordens e direcções da sociedade comercial C.., Lda., M.. foi atingido na cabeça por uma peça de metal, caída de uma grua que se encontrava no local da obra, e adstrita à obra (al. A) dos Factos Provados). 2. O objecto metálico, peça da referida grua, que caiu de uma altura de mais de vinte metros, e atingiu a cabeça do referido M.., provocando-lhe um traumatismo craniano, com perda de massa encefálica, e traumatismo torácico, com contusão pulmonar subjacente (al. B) dos Factos Provados). 3. A entidade patronal do M.., à data do sinistro, havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral relativa aos seus trabalhadores, entre os quais o supra identificado, para a ora autora, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 0001307620, cuja cópia se junta, conforme documento de fls. 14 e cujo teor se dá por reproduzido (al. C) dos Factos Provados). 4. A autora diligenciou pelo tratamento das lesões do sinistrado e pelo pagamento do que lhe era devido, nos termos do contrato de seguro celebrado com a entidade patronal daquele, nomeadamente de acordo com a retribuição que se encontrava transferida (al. D) dos Factos Provados). 5. O sinistro supra descrito deu origem ao processo de Acidente de Trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, sob o número 269/07.0TTBRG e, enquanto decorreram esses autos, foi fixada a obrigação de a ora autora, a título de pensão provisória pagar ao sinistrado uma pensão anual, no montante de € 2.987,53 (al. E) dos Factos Provados). 6. Tendo ainda sido condenada a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 4.228,50 (anualmente actualizável), em 14 vezes ao ano, e quantia mensal de € 281,39, a título de prestação de auxílio de terceira pessoa e o subsídio de elevada incapacidade, no montante de € 2.895,64 (anualmente actualizável), conforme documento de fls. e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. F) dos Factos Provados). 7. Até à entrada da presente acção em juízo, a autora, em consequência desse sinistro, suportou o pagamento das seguintes quantias: a. € 1.356,00 a título de despesas judiciais; b. € 15.714,08, a título de despesas de deslocação e hospedagem do sinistrado; c. € 42.605,66, pelos tratamentos a que o sinistrado foi sujeito; d. € 32,80, com despesas medicamentosas; e. € 7.507,49, a título de indemnizações por períodos de incapacidade temporária (salários) pagos ao sinistrado; f. € 1.640,00, em pagamentos por ajuda de 3ª pessoa; g. € 2.895,64, a título de subsídio por elevada incapacidade; h. € 1.077,00, a título de despesas em consultas médicas, em regime de avença; e i. € 32.050,36, por pagamento de pensões ao sinistrado (resposta ao item 4 da base instrutória). 8. Após a entrada da acção, a autora suportou mensalmente ainda os seguintes montantes: a. 326,00, a título de pensão/salário, actualizado para 337,84, a partir do mês de Julho de 2012; b. 260,00, a título de ajuda de terceira pessoa, actualizado para 337,84, a partir do mês de Julho de 2012; c. € 3.436,09, a título de despesas de transporte; d. € 2.291,58, em despesas hospitalares; e. € 10.321,37, em pensões e prestação suplementar por auxílio de terceira pessoa; f. € 4.582,61, em prestações suplementares por auxílio de terceira pessoa; e g. € 357,33, em consultas médicas por avença (resposta ao item 5 da base instrutória e aos factos alegados no requerimento de fls. 485 a 487). 9. A autora intentou já acção contra as ora rés, as quais foram absolvidas da instância, e contra a entidade patronal do sinistrado, que correu por apenso aos supra identificados autos de acidente de trabalho; tendo celebrado um acordo de pagamento em prestações relativamente à quota-parte de responsabilidade da entidade patronal quanto à parte de salário que não se encontrava transferida no âmbito do seguro de acidentes de trabalho já identificado (correspondente a 37,47% do salário efectivamente auferido pelo sinistrado) computando tal quota-parte na quantia de € 22.882,76, conforme certidão de fls. 393 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. I) dos Factos Provados). 10. A 1ª Ré havia subcontratado a entidade patronal do sinistrado C.., Lda para a execução da obra (al. G) dos Factos Provados). 11. A grua de onde se soltou e caiu a peça metálica, com o peso de 3,127 quilogramas - objecto que atingiu o sinistrado na cabeça e tronco, pertencia à sociedade “T..”, e havia sido locada por esta à 1ª ré, entidade responsável pela obra (al. H) dos Factos Provados). 12. No momento do sinistro, o aludido M.. não usava capacete de protecção na cabeça (al. J) dos Factos Provados). 13. A peça que se soltou e atingiu o sinistrado caiu quando a máquina estava parada, e tinha findado a laboração naquele dia (resposta ao item 3 da base instrutória). 14. A queda da peça ocorreu devido ao mau estado de funcionamento e conservação da grua, sendo que o cordão de soldadura, que ligava a peça ao moitão “secundário”, apresentava claros sinais de corrosão (resposta ao item 1 da base instrutória). 15. No momento da queda da peça a união da mesma ao moitão era insuficiente para resistir aos esforços resultantes do funcionamento da máquina, ou já não existia (resposta ao item 2 da base instrutória). 15. A grua foi transportada para o local da obra pela “T..” e foi entregue directamente à subempreiteira (resposta ao item 7 da base instrutória). 16. A “T..” procedeu à montagem da grua na obra e procedeu à sua vistoria na presença da subempreiteira (resposta ao item 8 da base instrutória). 17. Tendo procedido a ensaios à grua igualmente na presença do representante da subempreiteira (resposta ao item 9 da base instrutória). 18. A partir desse momento, a subempreiteira obrigou-se a lubrificar a grua e a reparar quaisquer avarias causadas pelo mau manuseamento da mesma (resposta ao item 10 da base instrutória). 19. E ainda a denunciar quaisquer avarias ou anomalias da grua (resposta ao item 11 da base instrutória). 20. A subempreiteira nunca comunicou à 1ª ré a existência de qualquer anomalia no funcionamento da grua (resposta ao item 12 da base instrutória). * A matéria de facto dada como não provada na ação [3]: “Não resultou provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente, que quando a 1ª ré “C.., Ldª” alugou a grua à “T..” esta garantiu-lhe que a mesma se encontrava em perfeitas condições de funcionamento e conservação.” IV. 1. Erro de julgamento em matéria de facto Nos termos do art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (al. a)); - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)) e - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c)). A recorrente deu satisfação às especificações das al.s a), b) e c) do referido nº 1. Os concretos pontos de facto que impugnou são os quesitos nºs 6, 7, 8, 9, 10 e 11. Estão perfeitamente identificados e concretizados. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impunham decisão diversa, estão também identificados nas alegações (não nas conclusões) com indicação dos nomes das testemunhas que a recorrente considera relevantes. Também a al. c) está cumprida. A A. faz uma identificação precisa das respostas que entende que deveriam ter sidos dadas e devem ter agora lugar no âmbito da impugnação da matéria de facto objeto dos quesitos postos em causa e acima identificados. Já o mesmo não acontece com a exigência prevista no nº 2, al. a), do art.º 640º, segundo o qual “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Em bom rigor, o cumprimento deste ónus, assim como o da indicação dos meios probatórios, deve ser satisfeito quer nas alegações propriamente ditas, quer nas respetivas conclusões. Naquelas, porque devem explanar todos os fundamentos do recurso, sendo as conclusões uma síntese, um resumo, delas e nada mais do que isso (art.º 639º, nº 1)[4] ; nas conclusões, porque são elas que delimitam o objeto do recurso (art.º 635º, nº 4). A apelante não usou do devido rigor na formulação das conclusões nesta matéria. Cumpriu ali apenas o ónus previsto nas al.s a) e c) do nº 1 do art.º 640º. Somos, desta forma, remetidos para as alegações da apelação, de onde constam efetivamente os nomes das testemunhas cujos depoimentos a recorrente considera relevantes e as transcrições de excertos dos mesmos depoimentos. A par dessas transcrições, a recorrente indica, para cada um daqueles depoimentos, um valor de tempo ali expresso, nos seguintes termos: “Atente-se ao depoimento da testemunha J.., dono da obra, que se encontra gravado no sistema informático Habilus do presente Tribunal, no dia 26/02/2014, no período compreendido entre as 10:30:29 e as 10:46:27 (e cuja transcrição integral ora se junta e se dá por inteiramente reproduzida, para todas as consequências legais)”. Transcreve de imediato um excerto daquele depoimento. A recorrente procede de igual modo com outra testemunha, transcrevendo excertos de depoimento de ambas. Verifica-se que os tempos que a apelante indica não respeitam a quaisquer passagens de gravação dos depoimentos, mas aos momentos do início e do termo de cada um deles; ou seja, embora a recorrente transcreva o que lhe parece ser relevante no âmbito de cada um daqueles depoimentos --- e esta não é mais do que uma faculdade que a lei lhe concede --- não indicou (com exatidão) as passagens da gravação em que funda o seu recurso. Não o fez nas conclusões, como em bom rigor deveria ter feito, mas também não o fez nas alegações propriamente ditas. E se, para nós, a remissão que efetuasse das conclusões para as alegações não constituiria obstáculo ao conhecimento do recurso, a verdade é que nem nas alegações se mostra cumprido o referido ónus de impugnação, sendo a referida al. a) do nº 2 do art.º 640º muito clara, quer ao exigir exatidão na indicação das passagens da gravação, quer ao cominar a sua falta com a rejeição do recurso na respetiva parte. Poderia discutir-se se, previamente àquela rejeição, se a recorrente deveria ser convidada ao aperfeiçoamento das conclusões, atenta a previsão do art.º 639º, nº 3. Tem-se entendido negativamente.[5] Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere que a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar, porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, e não também quanto às alegações propriamente ditas. A não ser assim, estaríamos a contrariar todo o sentido e o espírito do circunstancialismo jurídico que orientou os novos termos da admissibilidade do recurso em matéria de facto e o próprio art.º 640º, que lhes dá corpo ao prever a imediata rejeição do recurso --- portanto, sem possibilidade de aperfeiçoamento --- designadamente nas situações em que falta cumprir os requisitos da al. a) do nº 2 do art.º 640º. Também a transcrição de algumas passagens da gravação não releva. Por um lado, é facultativa; por outro lado, não dispensa o esforço da Relação quanto à sua confirmação, havendo sempre a necessidade de as situar na gravação e conhecer, por isso, com exatidão os tempos a que respeitam as respetivas passagens. A propósito, é pertinente chamar a atenção para o que escreveu A. Abrantes Geraldes :[6] “… as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida, …”. Já numa sua obra anterior [7], o citado autor dava conta destes níveis de exigência, por referência ao então vigente regime de recursos emergente da alteração preconizada pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto, no respetivo art.º 685º-B. Esta exigência de rigor é considerada também por outros autores. [8] No recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2014 [9] escreveu-se o seguinte: «Esta exigência visa permitir que, nomeadamente nos depoimentos longos, se possa encontrar fácil e rapidamente “as passagens da gravação em que se funda” a impugnação de forma a, num primeiro momento, se avaliar se tais “passagens” são, por si só, idóneas a delas se extrair conclusão diversa da extraída pelo tribunal a quo, sem prejuízo de, em caso afirmativo, depois ter que se ir para além desses trechos, pois só assim se poderá formular um juízo definitivo. E ao obrigar o recorrente a, neste aspecto, melhor fundamentar o seu recurso, evita-se o uso abusivo e injustificado da faculdade de impugnar a decisão relativa à matéria de facto. … Ora, exigindo-se no n° 2 daquele normativo que à impugnação se proceda com a “exacta indicação dos trechos da gravação com referência ao que tenha ficado assinalado em acta”(Abrantes Geraldes, obra citada, ed 2013, 126), é manifesto que com a simples enunciação dos depoimentos por referência à mera identificação de quem os prestou, a sinalização deles apenas por referência ao início e termo de seu registo ou o excerto transcrito de alguns desses depoimentos desacompanhados da exacta passagem da respectiva gravação, se não dá cumprimento ao particular ónus imposto à Recorrente nesse domínio». Mas ainda que se admitisse a possibilidade de o apelante beneficiar do direito a aperfeiçoar as conclusões do recurso em função das suas alegações em matéria de facto --- no que não se concede --- sempre se reafirmaria que nem ali (nas alegações) foi (rigorosamente) cumprido o ónus de impugnação previsto no nº 2, al. a), 1ª parte, do art.º 640º. Rejeita-se, pois, por falta de requisitos, nos termos do art.º 640º, nº 2, al. a), o recurso na parte em que se impugna a decisão em matéria de facto. * 2. A responsabilidade delitual da 1ª R. nos termos do art.º 493º ou, pelo risco, com base na existência de uma relação de comissão entre a 1ª R. e a T.. No essencial, para efeito desta questão, a A. apelante conclui que, na prossecução do seu fim social, a lª R. procedeu ao aluguer de uma grua, tendo-a colocado à disposição dos seus subempreiteiros sem que tivesse acompanhado a montagem, instalação e ensaios da grua no seu estaleiro, não se certificando de que a grua reunia as condições de operacionalidade e de segurança exigíveis, assim ignorando deveres que devia ter cumprido enquanto entidade locatária da grua e de empreiteira geral da obra. Defende que o facto de a lª R. ter dado de subempreitada partes da empreitada que lhe havia sido confiada pelo dono da obra, não a isenta da obrigação de assegurar que todas as medidas de segurança são respeitadas, nomeadamente as que dizem respeito à montagem e estado de conservação da grua a utilizar no estaleiro. Era a ela que competia pagar o aluguer da grua, garantir que a grua apenas seria manobrada por pessoas competentes, zelar pela sua conservação e bom manuseamento e cobrir o risco decorrente da sua utilização. Todavia, nunca se certificou de que a grua reunia boas condições de segurança e conservação. Esta omissão do dever de vigilância da grua gera a sua responsabilidade nos termos do art.º 493º, nº 1 do Código Civil. A A. recorrente argumenta ainda que existe uma relação de comissão entre a 1ª R., empreiteira geral da obra, e a empresa locadora da grua, a T.., “já que foi a primeira quem contratou com a segunda o fornecimento e instalação da grua que esteve na origem do acidente de trabalho dos autos; como tal, e concluindo-se pela responsabilidade da T.. no fornecimento de uma grua defeituosa, sempre será a 1ª Ré a responsável perante a Ré, pelos valores peticionados”. Vejamos. A A. respondeu, na qualidade de seguradora, com base num contrato de seguro por acidentes de trabalho, pelas consequências danosas que emergiram de um sinistro daquela natureza para um trabalhador da sociedade “C.., Lda, subempreiteira da 1º R., C.., Lda. Tendo pago a indemnização a favor do trabalhador sinistrado com base num seguro obrigatório de responsabilidade civil, de pendor marcadamente social, a A. entende que há terceiros responsáveis pelo acidente e que, por isso, lhe assiste o direito ao reembolso do que pagou, nos termos do art.º 31º, nºs 1 e 4, da Lei nº 100/97, de 13 de setembro [10]. Reconhece-se ali, nos termos da lei geral, o direito de ação da seguradora ou da entidade empregadora que tenha pago a indemnização para o exercício do direito de regresso contra trabalhadores ou terceiros que tenham dado causa ao acidente e sejam por ele responsáveis. Os terceiros em causa são a 1ª R. e a 2ª R. Aquela enquanto empreiteira geral da obra e locatária da grua que está na origem do acidente, a última na qualidade de locadora da mesma grua e relativamente à qual se julgou já, com trânsito em julgado, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por se tratar de uma sociedade comercial já dissolvida e liquidada, com registo do encerramento e liquidação [11]. O dissídio da apelante passou a respeitar apenas à responsabilidade da 1ª R. e subsiste agora no recurso relativamente à decisão sentenciada que a absolveu do pedido. O primeiro argumento da recorrente é a omissão de deveres de vigilância e conservação, garantia de operacionalidade e zelo pela grua, que recaíam sobre a 1ª R. enquanto empreiteira geral da obra que, a terem sido observados, teriam evitado o dano causado a um trabalhador dependente da sociedade subempreiteira, a C.., Lda. Em sede de responsabilidade, segundo o art.º 486º do Código Civil, “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”. Esta norma é comum à responsabilidade delitual e contratual. Para a doutrina mais tradicional, este preceito consagra uma disciplina que comporta, para além dos demais requisitos da responsabilidade civil, dois requisitos específicos: a) Que existisse o dever jurídico da prática do ato omitido; b) Que o ato omitido tivesse, seguramente ou com a maior probabilidade, obstado ao dano. [12] Já Menezes Cordeiro argumenta não há propriamente especificidades na responsabilidade por omissão. Nesta, tal como na responsabilidade por ação, existe uma violação de deveres, não se concebendo esta fora da hipótese da existência de norma que mande praticar a atividade omitida. Algum problema poderá surgir na avaliação da obrigação de evitar o dano ou, pelo menos, de desenvolver, nesse sentido, um esforço razoável face a determinado dano iminente. Quanto a este aspeto, defende aquele distinto Professor que a resposta não pode ser dada em geral, por não existir qualquer norma explícita nesse sentido ou outro: “Cada situação deve ser ponderada, concretamente, à luz das normas aplicáveis e no espírito dado, pela boa fé, à colaboração intersubjectiva que deve reinar no espaço jurídico da nossa disciplina. Nos casos limites — em que, por exemplo, um dano máximo pode ser evitado com esforço mínimo — … a simples boa fé manda agir, sob pena de surgir um delito omissivo”. [13] Situamo-nos na relação que se estabeleceu entre o empreiteiro geral e o subempreiteiro. Ninguém duvida de que assim se deve qualificar, como de subempreitada, a relação contratual estabelecida entre a 1ª R. e a C.., Lda., empregadora da vítima. A 1ª instância afastou --- e bem --- a existência de uma relação de comissão entre aquelas sociedades que justificasse a responsabilização da 1ª R., como comitente, em função de qualquer obrigação e indemnizar que coubesse à C.., Lda. Resulta do art.º 500º, nº 1, do Código Civil, sob a epígrafe “responsabilidade do comitente”, que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar. A comissão é o serviço ou atividade realizada por conta e sob a direção de outrem, sendo pressupostos da responsabilização do comitente a existência desse vínculo entre ele e o comissário e a prática por este de um facto ilícito e culposo no exercício da função ou por causa dela e, verificados que sejam, a responsabilidade civil do comitente assume-se como objetiva. Nas relações subsumíveis ao contrato de empreitada, regulado nos art.ºs 1207º e seg.s do Código Civil, avultam o resultado da obrigação do empreiteiro e a sua autonomia quanto aos meios utilizados para a respetiva realização. O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, como o não é o subempreiteiro relativamente ao empreiteiro. Agem com autonomia ou independência na respetiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenham por próprias e adequadas para cumprimento da exata prestação correspondente ao resultado contratado. Inexiste qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência do empreiteiro ao dono da obra, posição que o conteúdo do mero direito de fiscalização consagrado no art.º 1209º do Código Civil não prejudica nem limita. Não cabe, por isso, falar-se de relação de comissão entre os sujeitos do contrato de empreitada ou do contrato de subempreitada. E assim, não pode, em princípio, estender-se à 1ª R. a título de responsabilidade objetiva, a responsabilidade que a C.., Lda possa ter tido pela ocorrência do sinistro que vitimou o seu trabalhador. [14] Todavia, a responsabilidade da 1ª R. poderia resultar dos concretos termos do contrato de subempreitada. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.9.2006 [15], “é necessário averiguar do rigoroso conteúdo deste negócio, pois a responsabilidade do dono da obra pode resultar dos específicos contornos da relação estabelecida com o empreiteiro, designadamente, do tipo de obra em questão, dos quais pode resultar, com ou sem responsabilidade concreta do empreiteiro, a ofensa de direitos de terceiros”. Tal não ocorre no caso. A grua havia sido locada pela 1ª R., na qualidade de locatária, é certo. Mas foi transportada para o local da obra pela locadora “T..” e foi entregue diretamente à subempreiteira que assistiu à sua montagem, vistoria e ensaios. A subempreiteira assumiu, a partir desse momento, a obrigação de a lubrificar e reparar quaisquer avarias causadas pelo mau manuseamento da mesma. Assumiu ainda a obrigação de denunciar quaisquer avarias ou anomalias da grua, nunca o tendo feito perante a 1ª R., o empreiteiro geral. Não se vislumbra, assim, qualquer facto ou circunstância que possa acarretar a responsabilidade da 1ª R. no âmbito do contrato de subempreitada. De outro passo, mais diretamente, na apelação, a A. defendeu a aplicação do art.º 493º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. Concordamos com o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2011 quando refere que se estabelece ali uma modalidade especial de responsabilidade delitual, ou seja, fundada na culpa, mediante uma inversão do ónus da prova ou presunção de culpa a recair sobre quem exerça ou beneficie de determinadas atividades, em regra também com especial aptidão para causar danos. Quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais, para evitar a sua responsabilidade há de provar que não teve culpa. É essa pessoa que tem as coisas ou animais à sua guarda que deve tomar as providências indispensáveis para evitar a lesão. [16] Fica responsável pelos danos causados pelas coisas e onera com a presunção de culpa da sua produção quem tiver em seu poder a coisa móvel ou imóvel geradora do evento danoso e, cumulativamente, tenha o dever de a vigiar. Pese embora seja a 1ª R. a locatária da grua, esta foi, como observámos já, imediatamente destinada ao serviço da subempreiteira que logo, depois de ter assistido à sua vistoria e ensaios levados a cabo pela locadora, se obrigou à sua manutenção, vigilância, denúncia de quaisquer avarias ou anomalias e até à reparação de avarias causadas pelo mau manuseamento da máquina. Não interessa especialmente a forma e o modo como chegou ao poder do subempreiteiro, ou a quem pertencia a grua, mas releva que tais factos significam que foi colocada sob o poder da empresa que a passou a utilizar para servir o fim a que se destinava. É que a responsabilidade recai sobre a pessoa que detém a coisa, exercendo sobre ela o poder de facto, e encontra fundamento na ideia de que ela não tomou as necessárias medidas cautelares idóneas à não produção do dano. Só se verifique relativamente a quem mantém uma relação direta de poder de facto sobre a coisa causadora do dano. [17] Foi a C.., Lda que passou a exercer poder de facto sobre a grua, assumindo então o encargo da sua vigilância e manutenção, sem que alguma vez tivesse denunciado qualquer anomalia junto da 1ª R. Por conseguinte, também por esta via do nº 1 do art.º 493º do Código Civil não é possível imputar à 1ª R., a empreiteira geral, qualquer responsabilidade pelo acidente de trabalho que vitimou o trabalhador da subempreiteira. Dirige ainda a recorrente o seu esforço na defesa da existência de uma relação de comissão entre a locadora da grua T.. e a 1ª R. enquanto locatária da mesma, para tentar estender a responsabilidade da primeira, resultante do aluguer de uma máquina defeituosa e, por isso, causadora do acidente, também àquela demandada. De novo, é trazida a matéria da comissão e da responsabilidade objetiva do comitente em função da responsabilidade do comissário. Já observámos que o art.º 500º do Código Civil utiliza o termo comissão em sentido muito amplo, abrangendo, toda a tarefa de que uma pessoa, — o comissario —, tenha sido incumbida por outra — desde que: - exista escolha do comitente; - o comissário aja por conta do comitente; - estabelecendo-se uma relação de subordinação do primeiro ao segundo. Como ensina o Professor Menezes Cordeiro [18], “a incumbência pode consubstanciar-se em qualquer contrato, nominado (v.g. mandato) ou não, ou emergir duma situação jurídica mais complexa (v.g. situação de trabalho)”. Ora, entre o locador e o locatário não existe uma relação de comissão. Este não desenvolve qualquer tarefa por incumbência daquele. O locatário recebe do locador uma coisa para a gozar temporariamente no seu interesse próprio (e não do locador), mediante uma retribuição (a renda ou aluguer) --- art.ºs 1022º, 1023º, 1031º e 1038º, al. a), do Código Civil. O locatário não é subordinado do locador, não há, entre eles, qualquer vínculo de subordinação, não é incumbido de nada por parte do último, antes utiliza para si, com liberdade e autonomia, a coisa locada. Não age por conta e sob a direção do locador. Ainda que existisse uma relação de comissão naqueles moldes (que não existe), jamais seria a 1ª R., na qualidade de comissária, a responder pelo risco em função da comprovada obrigação de indemnizar da comitente. É a este que se estende a responsabilidade do comissário, e não o contrário, nos termos do art.º 500º do Código Civil. Considera, porém, a recorrente que, na relação locatícia, o comissário é a 2ª R. T.., Lda. e o comitente é a 1º R. locatária, acentuando a imputação dos trabalhos de montagem da grua em obra por parte da locadora a favor da locatária. Não nos parece que assim seja. O transporte e montagem da grua pela locadora integra a obrigação contratual por ela assumida no âmbito do aluguer de modo a que este se concretize. Não há também no cumprimento desse dever contratual qualquer subordinação da locadora à locatária, não age por conta dela. Aquela executa autonomamente o transporte e a instalação do bem locado, como cumpriria fazer a um empreiteiro, sendo responsável pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação, sem prejuízo de responsabilidade delitual que pudesse verificar-se. Não procedeu segundo um critério da locatária e no interesse desta, mas no seu interesse próprio subjacente à locação. E tanto assim foi que a 1ª R. não esteve nem tinha que estar presente, esperando apenas que a locadora cumprisse escrupulosamente, de boa fé, a sua obrigação contratual. Não há, na locação, uma relação de comissão, na expressão de Calvão da Silva, “a existência de relações de autoridade e de subordinação correlativas” [19]. Seria mesmo um absurdo jurídico responsabilizar uma das partes contratantes no âmbito de um contrato com obrigações correspetivas, pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação da parte contrária, deixando-a agora duplamente penalizada [20]. Com efeito, apesar da 2ª R. locadora ser responsável pela queda da peça da grua que vitimou o trabalhador da subempreiteira, não o é a 1ª R. empreiteira e locatária da mesma grua. A douta sentença merece inteira confirmação. * SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1. Deve ser rejeitado, sem oportunidade de aperfeiçoamento prévio, o recurso em matéria de facto alicerçado na reapreciação de prova testemunhal gravada e em que o recorrente nem nas conclusões nem nas alegações indica com exatidão as passagens da gravação que considera relevantes para a modificação pretendida, ainda que os depoimentos se encontrem transcritos, total ou parcialmente. 2. Em princípio, não existe uma relação de comissão entre o empreiteiro e o subempreiteiro, tal como não existe entre o dono da obra e o empreiteiro, para efeitos de responsabilidade pelo risco nos termos dom art.º 500º do Código Civil. 3. A responsabilidade delitual de alguém por danos causados por coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, prevista no art.º 493º, nº 1, do Código Civil, depende da existência de poder de facto sobre a coisa causadora do dano, da sua detenção, por parte dessa pessoa. 4. Não existe uma relação de comissão entre o locador e o locatário de uma grua, para efeitos de responsabilização do último, como comitente, nos termos do art.º 500º do Código Civil, na situação em que o locador transporta e instala uma grua defeituosa, em mau estado de funcionamento e conservação, por isso resultando o acidente de trabalho, já que não existe uma relação de autoridade e subordinação entre as partes, mas cumprimento (defeituoso), em autonomia, de obrigações contratuais correspetivas, no interesse de cada uma delas. V. Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da A. improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custa da apelação pela apelante. Guimarães, 8 de janeiro de 2015 Filipe Caroço António Santos Figueiredo de Almeida _________________________________________________________________ [1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [2] Por transcrição. [3] Por transcrição. [4] Por isso, as conclusões nada podem acrescentar às alegações. [5] Lopes do Rego, Código de Processo Civil anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 585. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p.s 127 e 128, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 181, nota 357. [6] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129. [7] Recurso em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição revista e atualizada, pág.s 146 e 147. [8] José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, vol. III, pág. 61. [9] Proc. nº 100482/10.6YPRT.G1, inédito, ao menos por enquanto, e que recaiu sobre uma decisão proferida nesta Relação de Guimarães. [10] Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais. [11] Cf. decisão de fl.s 381. [12] Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág. 369. [13] Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1980, pág.s 347 e 348. [14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.6.2003, proc. 03B1813, de 30.3.2006, proc. 06B905, de 17.6.2003, proc. 03A1556, de 6.7.2004, proc. 04A2320, de 7.4.2011, proc. 5606/03.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, citando acórdãos do STJ de 09.6.2005, proc. 05B1424 e de 04.3.2008, proc. 08A164 (da mesma Conferência e relator); PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Contrato de Empreitada”, 1994, pág. 183. [15] Proc. 06B2337e acórdão de 4.3.2008, proc. 08A164, in www.dgsi.pt. [16] V.d. ainda P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, 2ª edição revista e atualizada, vol. I, pág. 430. [17] Ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2011, citando P. de Lima e A. Varela, “Código Civil anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 495. [18] Ob. e vol. cit., pág. 371. [19] Direito das Obrigações, pág. 298. [20] Para além de a obrigação da locadora não ter sido devidamente cumprida, a 1ª R. locatária ainda seria agora responsabilizada pelo reembolso da indemnização suportada pela A. seguradora.
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. COMPANHIA DE SEGUROS.., SA, intentou a presente ação declarativa de condenação contra C.., LDª, com sede .., em Guimarães e T.., LDª, com sede .., em Valongo, alegando essencialmente que celebrou com a C.., Lda., entidade patronal de M.., um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de trabalhadores por conta de outrem, titulado pela apólice nº 0001307620, mediante o qual transferiu, relativamente àquele, o pagamento das indemnizações a que houvesse lugar, emergentes de acidente de trabalho. Posteriormente ocorreu um acidente daquela natureza de que resultaram várias lesões para o referido M.., imputável à conduta ilícita e culposa das RR., tendo a A. diligenciado pelo tratamento das lesões da vítima e pelo pagamento do que lhe era devido (como lhe competia, tendo em conta o interesse de ordem pública da reparação das lesões e danos provenientes dos sinistros de trabalho), nos termos do contrato de seguro celebrado com a sua entidade patronal. Na sequência do processo de acidente de trabalho, a A. foi condenada e suportou já, na reparação do acidente, várias quantias pecuniárias, a título de despesas, indemnizações por incapacidade e seus efeitos, subsídio e pensões a favor do sinistrado, no valor total de € € 107.878,45. O empreiteiro da obra onde o sinistrado laborava era a 1ª R., que a havia dado de subempreitada à entidade patronal do sinistrado, C.., Lda. A grua de onde se soltou a peça que atingiu a vítima não satisfazia as necessárias condições de segurança, era propriedade da 2ª R. T.., e havia sido locada por esta à 1ª R., entidade responsável pela obra, devendo ser responsabilizadas pelo acidente. À A. assiste o direito ao reembolso do que pagou no âmbito do contrato de seguro, nos termos do art.º 31º da Lei nº 100/97 de 13 de setembro. Celebrou um acordo de pagamento em prestações relativamente à quota-parte de responsabilidade da entidade patronal quanto à parte de salário que não se encontrava transferida no âmbito do seguro de acidentes de trabalho, sendo que tal quota-parte corresponde a € 22.882,76, recusando-se as RR. a pagar o remanescente. Acrescenta que tem direito a receber daquelas, eventualmente na proporção das suas responsabilidades, mas sempre beneficiando da solidariedade destas na obrigação da indemnizarem, o montante global de € 84.995,69, o que requer. Citada, a 1ª R. contestou a ação invocando a prescrição do direito de indemnização que a A. peticionou. Impugnou parcialmente os factos, designadamente no que respeita aos factos do acidente, alegando ainda que nunca teve qualquer intervenção, utilização própria ou uso da grua, nem antes da sua montagem, nem posteriormente, tendo a mesma sido entregue diretamente na obra pela R. T.. à subempreiteira, ficando esta responsável pela sua utilização. Culmina o seu articulado no sentido de que se julgue procedente a exceção da prescrição ou, não sendo assim, se julgue a ação improcedente, com absolvição da contestante do pedido. Ainda antes da apresentação da réplica e da citação da 2ª R., veio a A. requerer a ampliação do pedido inicial por si formulado, para € 90.358,31, alegando para o efeito e em síntese que, após a interposição da ação suportou novas despesas no valor global de € 5.362,62, que igualmente diz serem da responsabilidade das RR. Tendo-se entretanto constatado que a R. T.., Ldª foi dissolvida e liquidada e que já se encontra registado o encerramento da sua liquidação, foi proferida sentença quanto a ela julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Notificada da contestação, a A. apresentou réplica, na qual defendeu a improcedência da exceção perentória da prescrição. No mais impugnou a factualidade invocada na contestação, concluindo como na petição inicial. Foi proferido despacho saneador onde foi julgada improcedente a invocada exceção da prescrição, seguindo-se a condensação, com factos assentes e base instrutória, de que as partes não reclamaram. Designada, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença fundamentada em matéria de facto e de direito que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Em face do exposto, julgo a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolvo a ré C.., Ldª do pedido. Custas a cargo da autora, nos termos previstos no art.º 527, nºs 1 e 2, do NCPC.». * Inconformada com a decisão sentenciada, recorreu a A. alegando com as seguintes CONCLUSÕES: «l- O Tribunal recorrido fez uma pouco rigorosa apreciação da prova produzida em audiência de julgamento e uma menos correcta aplicação da lei. 2- Na prossecução do seu fim social, a lª Ré procedeu ao aluguer de uma grua, tendo-a colocado à disposição dos seus subempreiteiros: C.., na fase inicial da obra, e S.., na fase final. 3- A 1ª Ré não acompanhou a montagem, instalação e ensaios da grua no seu estaleiro; não se certificou que a grua reunia as condições de operacionalidade e de segurança exigíveis; não mandatou ninguém que atestasse a veracidade do teor da “Verificação de Fim de Montagem” e dos “Ensaios de Fim de Montagem”. 4- A l- Ré, na qualidade de locatária da grua e de empreiteira geral da obra a executar, assumiu deveres e obrigações que simplesmente ignorou, pelo simples facto de não ser ela, mas outras entidades, a utilizarem directamente a grua. 5- O facto de ter dado de subempreitada partes da empreitada que lhe havia sido confiada pelo dono da obra, não isenta a lã Ré da obrigação e assegurar que todas as medidas de segurança são respeitadas, nomeadamente as que dizem respeito à montagem e estado de conservação da grua a utilizar no estaleiro. 6- Foi a 1ª Ré quem assumiu a responsabilidade de, e por isso era a ela que competia, pagar do aluguer da grua, garantir que a grua apenas seria manobrada por pessoas competentes, zelar peia conservação e bom manuseamento da grua e cobrir o risco decorrente da sua utilização. 7- Aquando da entrega e montagem da grua, não estavam presentes na obra funcionários da lã Ré (nem da C..) com competência para se certificarem que a grua reunia boas condições de segurança e de conservação); tal obrigação cabia à lª Ré. 8- A resposta ao quesito 6 da BI deve ser alterada para “Provado”, 9- A resposta ao quesito 7 da BI desse ser alterada para “Provado apenas que a grua foi transportada para o local da obra pela T.. e que, na altura, apenas se encontravam na obra dois trabalhadores da subempreiteira, que não possuíam conhecimentos técnicos da montagem de gruas”. 10-A resposta ao quesito 8 da BI deve ser alterada para “Não provado”. 11-A resposta ao quesito 9 da BI deve ser alterada para “Provado apenas que se a grua foi objecto de ensaios”. 12-A resposta ao quesito 10 da BASE INSTRUTÓRIA deve ser alterada para “Provado que a l5 Ré ficou responsável pela lubrificação da grua e peto bom funcionamento da mesma, assim como avarias causadas pelo mau funcionamento da mesma e por deficiente abastecimento eléctrico à máquina”. 13- Por fim, a resposta ao quesito 11 da BASE INSTRUTÓRIA deve ser alterada para “Provado que a lª Ré ficou responsável por denunciar à T.. quaisquer avarias ou anomalias da grua”. 14- Enquanto responsável pelo dever de vigilância ou pelo dever de assegurar a vigilância da grua, e da integridade da sua estrutura, a 1ª Ré deve ser condenada a pagar à Autora os montantes peticionários, a título de reembolso pelo que foi esta obrigada a despender na regularização do acidente dos autos, nos termos do disposto no art. 493º do Código Civil. 15- Existe uma relação de comissão entre a 1ª Ré e a T.., já que foi a primeira quem contratou com a segunda o fornecimento e instalação da grua que esteve na origem do acidente de trabalho dos autos; como tal, e concluindo-se pela responsabilidade da T.. no fornecimento de uma grua defeituosa; sempre será a 1.ª Ré a responsável perante a Ré, pelos valores peticionados. 16-A Sentença recorrida faz uma incorrecta apreciação da prova produzida, devendo, como tal, ser revogada e substituída por outra que, concluindo pela responsabilização da 1ª Ré, na qualidade de entidade locatária da grua, e de empreiteira geral da obra em apreço, a condene no pedido.» (sic) Defendeu, assim, a revogação da sentença e a sua substituição por outra decisão conforme as conclusões. * Não foram oferecidas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões das apelações da A. recorrente (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º, do Código de Processo Civil [1]). Impõe-se assim a apreciar e decidir: 1. Erro de julgamento em matéria de facto; e 2. A responsabilidade delitual da 1ª R. nos termos do art.º 493º ou, pelo risco, com base na existência de uma relação de comissão entre a 1ª R. e a Tacharon. III. Os factos dados como provados na ação [2]: 1. No dia 24 de Março de 2006, pelas 17 horas, numa obra, sita na Quinta da Naia, Lote 6, Maximinos, em Braga, enquanto prestava a sua actividade profissional de pedreiro, sob as ordens e direcções da sociedade comercial C.., Lda., M.. foi atingido na cabeça por uma peça de metal, caída de uma grua que se encontrava no local da obra, e adstrita à obra (al. A) dos Factos Provados). 2. O objecto metálico, peça da referida grua, que caiu de uma altura de mais de vinte metros, e atingiu a cabeça do referido M.., provocando-lhe um traumatismo craniano, com perda de massa encefálica, e traumatismo torácico, com contusão pulmonar subjacente (al. B) dos Factos Provados). 3. A entidade patronal do M.., à data do sinistro, havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral relativa aos seus trabalhadores, entre os quais o supra identificado, para a ora autora, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 0001307620, cuja cópia se junta, conforme documento de fls. 14 e cujo teor se dá por reproduzido (al. C) dos Factos Provados). 4. A autora diligenciou pelo tratamento das lesões do sinistrado e pelo pagamento do que lhe era devido, nos termos do contrato de seguro celebrado com a entidade patronal daquele, nomeadamente de acordo com a retribuição que se encontrava transferida (al. D) dos Factos Provados). 5. O sinistro supra descrito deu origem ao processo de Acidente de Trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo, sob o número 269/07.0TTBRG e, enquanto decorreram esses autos, foi fixada a obrigação de a ora autora, a título de pensão provisória pagar ao sinistrado uma pensão anual, no montante de € 2.987,53 (al. E) dos Factos Provados). 6. Tendo ainda sido condenada a pagar ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 4.228,50 (anualmente actualizável), em 14 vezes ao ano, e quantia mensal de € 281,39, a título de prestação de auxílio de terceira pessoa e o subsídio de elevada incapacidade, no montante de € 2.895,64 (anualmente actualizável), conforme documento de fls. e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. F) dos Factos Provados). 7. Até à entrada da presente acção em juízo, a autora, em consequência desse sinistro, suportou o pagamento das seguintes quantias: a. € 1.356,00 a título de despesas judiciais; b. € 15.714,08, a título de despesas de deslocação e hospedagem do sinistrado; c. € 42.605,66, pelos tratamentos a que o sinistrado foi sujeito; d. € 32,80, com despesas medicamentosas; e. € 7.507,49, a título de indemnizações por períodos de incapacidade temporária (salários) pagos ao sinistrado; f. € 1.640,00, em pagamentos por ajuda de 3ª pessoa; g. € 2.895,64, a título de subsídio por elevada incapacidade; h. € 1.077,00, a título de despesas em consultas médicas, em regime de avença; e i. € 32.050,36, por pagamento de pensões ao sinistrado (resposta ao item 4 da base instrutória). 8. Após a entrada da acção, a autora suportou mensalmente ainda os seguintes montantes: a. 326,00, a título de pensão/salário, actualizado para 337,84, a partir do mês de Julho de 2012; b. 260,00, a título de ajuda de terceira pessoa, actualizado para 337,84, a partir do mês de Julho de 2012; c. € 3.436,09, a título de despesas de transporte; d. € 2.291,58, em despesas hospitalares; e. € 10.321,37, em pensões e prestação suplementar por auxílio de terceira pessoa; f. € 4.582,61, em prestações suplementares por auxílio de terceira pessoa; e g. € 357,33, em consultas médicas por avença (resposta ao item 5 da base instrutória e aos factos alegados no requerimento de fls. 485 a 487). 9. A autora intentou já acção contra as ora rés, as quais foram absolvidas da instância, e contra a entidade patronal do sinistrado, que correu por apenso aos supra identificados autos de acidente de trabalho; tendo celebrado um acordo de pagamento em prestações relativamente à quota-parte de responsabilidade da entidade patronal quanto à parte de salário que não se encontrava transferida no âmbito do seguro de acidentes de trabalho já identificado (correspondente a 37,47% do salário efectivamente auferido pelo sinistrado) computando tal quota-parte na quantia de € 22.882,76, conforme certidão de fls. 393 e seguintes e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. I) dos Factos Provados). 10. A 1ª Ré havia subcontratado a entidade patronal do sinistrado C.., Lda para a execução da obra (al. G) dos Factos Provados). 11. A grua de onde se soltou e caiu a peça metálica, com o peso de 3,127 quilogramas - objecto que atingiu o sinistrado na cabeça e tronco, pertencia à sociedade “T..”, e havia sido locada por esta à 1ª ré, entidade responsável pela obra (al. H) dos Factos Provados). 12. No momento do sinistro, o aludido M.. não usava capacete de protecção na cabeça (al. J) dos Factos Provados). 13. A peça que se soltou e atingiu o sinistrado caiu quando a máquina estava parada, e tinha findado a laboração naquele dia (resposta ao item 3 da base instrutória). 14. A queda da peça ocorreu devido ao mau estado de funcionamento e conservação da grua, sendo que o cordão de soldadura, que ligava a peça ao moitão “secundário”, apresentava claros sinais de corrosão (resposta ao item 1 da base instrutória). 15. No momento da queda da peça a união da mesma ao moitão era insuficiente para resistir aos esforços resultantes do funcionamento da máquina, ou já não existia (resposta ao item 2 da base instrutória). 15. A grua foi transportada para o local da obra pela “T..” e foi entregue directamente à subempreiteira (resposta ao item 7 da base instrutória). 16. A “T..” procedeu à montagem da grua na obra e procedeu à sua vistoria na presença da subempreiteira (resposta ao item 8 da base instrutória). 17. Tendo procedido a ensaios à grua igualmente na presença do representante da subempreiteira (resposta ao item 9 da base instrutória). 18. A partir desse momento, a subempreiteira obrigou-se a lubrificar a grua e a reparar quaisquer avarias causadas pelo mau manuseamento da mesma (resposta ao item 10 da base instrutória). 19. E ainda a denunciar quaisquer avarias ou anomalias da grua (resposta ao item 11 da base instrutória). 20. A subempreiteira nunca comunicou à 1ª ré a existência de qualquer anomalia no funcionamento da grua (resposta ao item 12 da base instrutória). * A matéria de facto dada como não provada na ação [3]: “Não resultou provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente, que quando a 1ª ré “C.., Ldª” alugou a grua à “T..” esta garantiu-lhe que a mesma se encontrava em perfeitas condições de funcionamento e conservação.” IV. 1. Erro de julgamento em matéria de facto Nos termos do art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (al. a)); - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)) e - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c)). A recorrente deu satisfação às especificações das al.s a), b) e c) do referido nº 1. Os concretos pontos de facto que impugnou são os quesitos nºs 6, 7, 8, 9, 10 e 11. Estão perfeitamente identificados e concretizados. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impunham decisão diversa, estão também identificados nas alegações (não nas conclusões) com indicação dos nomes das testemunhas que a recorrente considera relevantes. Também a al. c) está cumprida. A A. faz uma identificação precisa das respostas que entende que deveriam ter sidos dadas e devem ter agora lugar no âmbito da impugnação da matéria de facto objeto dos quesitos postos em causa e acima identificados. Já o mesmo não acontece com a exigência prevista no nº 2, al. a), do art.º 640º, segundo o qual “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Em bom rigor, o cumprimento deste ónus, assim como o da indicação dos meios probatórios, deve ser satisfeito quer nas alegações propriamente ditas, quer nas respetivas conclusões. Naquelas, porque devem explanar todos os fundamentos do recurso, sendo as conclusões uma síntese, um resumo, delas e nada mais do que isso (art.º 639º, nº 1)[4] ; nas conclusões, porque são elas que delimitam o objeto do recurso (art.º 635º, nº 4). A apelante não usou do devido rigor na formulação das conclusões nesta matéria. Cumpriu ali apenas o ónus previsto nas al.s a) e c) do nº 1 do art.º 640º. Somos, desta forma, remetidos para as alegações da apelação, de onde constam efetivamente os nomes das testemunhas cujos depoimentos a recorrente considera relevantes e as transcrições de excertos dos mesmos depoimentos. A par dessas transcrições, a recorrente indica, para cada um daqueles depoimentos, um valor de tempo ali expresso, nos seguintes termos: “Atente-se ao depoimento da testemunha J.., dono da obra, que se encontra gravado no sistema informático Habilus do presente Tribunal, no dia 26/02/2014, no período compreendido entre as 10:30:29 e as 10:46:27 (e cuja transcrição integral ora se junta e se dá por inteiramente reproduzida, para todas as consequências legais)”. Transcreve de imediato um excerto daquele depoimento. A recorrente procede de igual modo com outra testemunha, transcrevendo excertos de depoimento de ambas. Verifica-se que os tempos que a apelante indica não respeitam a quaisquer passagens de gravação dos depoimentos, mas aos momentos do início e do termo de cada um deles; ou seja, embora a recorrente transcreva o que lhe parece ser relevante no âmbito de cada um daqueles depoimentos --- e esta não é mais do que uma faculdade que a lei lhe concede --- não indicou (com exatidão) as passagens da gravação em que funda o seu recurso. Não o fez nas conclusões, como em bom rigor deveria ter feito, mas também não o fez nas alegações propriamente ditas. E se, para nós, a remissão que efetuasse das conclusões para as alegações não constituiria obstáculo ao conhecimento do recurso, a verdade é que nem nas alegações se mostra cumprido o referido ónus de impugnação, sendo a referida al. a) do nº 2 do art.º 640º muito clara, quer ao exigir exatidão na indicação das passagens da gravação, quer ao cominar a sua falta com a rejeição do recurso na respetiva parte. Poderia discutir-se se, previamente àquela rejeição, se a recorrente deveria ser convidada ao aperfeiçoamento das conclusões, atenta a previsão do art.º 639º, nº 3. Tem-se entendido negativamente.[5] Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere que a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar, porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, e não também quanto às alegações propriamente ditas. A não ser assim, estaríamos a contrariar todo o sentido e o espírito do circunstancialismo jurídico que orientou os novos termos da admissibilidade do recurso em matéria de facto e o próprio art.º 640º, que lhes dá corpo ao prever a imediata rejeição do recurso --- portanto, sem possibilidade de aperfeiçoamento --- designadamente nas situações em que falta cumprir os requisitos da al. a) do nº 2 do art.º 640º. Também a transcrição de algumas passagens da gravação não releva. Por um lado, é facultativa; por outro lado, não dispensa o esforço da Relação quanto à sua confirmação, havendo sempre a necessidade de as situar na gravação e conhecer, por isso, com exatidão os tempos a que respeitam as respetivas passagens. A propósito, é pertinente chamar a atenção para o que escreveu A. Abrantes Geraldes :[6] “… as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida, …”. Já numa sua obra anterior [7], o citado autor dava conta destes níveis de exigência, por referência ao então vigente regime de recursos emergente da alteração preconizada pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto, no respetivo art.º 685º-B. Esta exigência de rigor é considerada também por outros autores. [8] No recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2014 [9] escreveu-se o seguinte: «Esta exigência visa permitir que, nomeadamente nos depoimentos longos, se possa encontrar fácil e rapidamente “as passagens da gravação em que se funda” a impugnação de forma a, num primeiro momento, se avaliar se tais “passagens” são, por si só, idóneas a delas se extrair conclusão diversa da extraída pelo tribunal a quo, sem prejuízo de, em caso afirmativo, depois ter que se ir para além desses trechos, pois só assim se poderá formular um juízo definitivo. E ao obrigar o recorrente a, neste aspecto, melhor fundamentar o seu recurso, evita-se o uso abusivo e injustificado da faculdade de impugnar a decisão relativa à matéria de facto. … Ora, exigindo-se no n° 2 daquele normativo que à impugnação se proceda com a “exacta indicação dos trechos da gravação com referência ao que tenha ficado assinalado em acta”(Abrantes Geraldes, obra citada, ed 2013, 126), é manifesto que com a simples enunciação dos depoimentos por referência à mera identificação de quem os prestou, a sinalização deles apenas por referência ao início e termo de seu registo ou o excerto transcrito de alguns desses depoimentos desacompanhados da exacta passagem da respectiva gravação, se não dá cumprimento ao particular ónus imposto à Recorrente nesse domínio». Mas ainda que se admitisse a possibilidade de o apelante beneficiar do direito a aperfeiçoar as conclusões do recurso em função das suas alegações em matéria de facto --- no que não se concede --- sempre se reafirmaria que nem ali (nas alegações) foi (rigorosamente) cumprido o ónus de impugnação previsto no nº 2, al. a), 1ª parte, do art.º 640º. Rejeita-se, pois, por falta de requisitos, nos termos do art.º 640º, nº 2, al. a), o recurso na parte em que se impugna a decisão em matéria de facto. * 2. A responsabilidade delitual da 1ª R. nos termos do art.º 493º ou, pelo risco, com base na existência de uma relação de comissão entre a 1ª R. e a T.. No essencial, para efeito desta questão, a A. apelante conclui que, na prossecução do seu fim social, a lª R. procedeu ao aluguer de uma grua, tendo-a colocado à disposição dos seus subempreiteiros sem que tivesse acompanhado a montagem, instalação e ensaios da grua no seu estaleiro, não se certificando de que a grua reunia as condições de operacionalidade e de segurança exigíveis, assim ignorando deveres que devia ter cumprido enquanto entidade locatária da grua e de empreiteira geral da obra. Defende que o facto de a lª R. ter dado de subempreitada partes da empreitada que lhe havia sido confiada pelo dono da obra, não a isenta da obrigação de assegurar que todas as medidas de segurança são respeitadas, nomeadamente as que dizem respeito à montagem e estado de conservação da grua a utilizar no estaleiro. Era a ela que competia pagar o aluguer da grua, garantir que a grua apenas seria manobrada por pessoas competentes, zelar pela sua conservação e bom manuseamento e cobrir o risco decorrente da sua utilização. Todavia, nunca se certificou de que a grua reunia boas condições de segurança e conservação. Esta omissão do dever de vigilância da grua gera a sua responsabilidade nos termos do art.º 493º, nº 1 do Código Civil. A A. recorrente argumenta ainda que existe uma relação de comissão entre a 1ª R., empreiteira geral da obra, e a empresa locadora da grua, a T.., “já que foi a primeira quem contratou com a segunda o fornecimento e instalação da grua que esteve na origem do acidente de trabalho dos autos; como tal, e concluindo-se pela responsabilidade da T.. no fornecimento de uma grua defeituosa, sempre será a 1ª Ré a responsável perante a Ré, pelos valores peticionados”. Vejamos. A A. respondeu, na qualidade de seguradora, com base num contrato de seguro por acidentes de trabalho, pelas consequências danosas que emergiram de um sinistro daquela natureza para um trabalhador da sociedade “C.., Lda, subempreiteira da 1º R., C.., Lda. Tendo pago a indemnização a favor do trabalhador sinistrado com base num seguro obrigatório de responsabilidade civil, de pendor marcadamente social, a A. entende que há terceiros responsáveis pelo acidente e que, por isso, lhe assiste o direito ao reembolso do que pagou, nos termos do art.º 31º, nºs 1 e 4, da Lei nº 100/97, de 13 de setembro [10]. Reconhece-se ali, nos termos da lei geral, o direito de ação da seguradora ou da entidade empregadora que tenha pago a indemnização para o exercício do direito de regresso contra trabalhadores ou terceiros que tenham dado causa ao acidente e sejam por ele responsáveis. Os terceiros em causa são a 1ª R. e a 2ª R. Aquela enquanto empreiteira geral da obra e locatária da grua que está na origem do acidente, a última na qualidade de locadora da mesma grua e relativamente à qual se julgou já, com trânsito em julgado, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por se tratar de uma sociedade comercial já dissolvida e liquidada, com registo do encerramento e liquidação [11]. O dissídio da apelante passou a respeitar apenas à responsabilidade da 1ª R. e subsiste agora no recurso relativamente à decisão sentenciada que a absolveu do pedido. O primeiro argumento da recorrente é a omissão de deveres de vigilância e conservação, garantia de operacionalidade e zelo pela grua, que recaíam sobre a 1ª R. enquanto empreiteira geral da obra que, a terem sido observados, teriam evitado o dano causado a um trabalhador dependente da sociedade subempreiteira, a C.., Lda. Em sede de responsabilidade, segundo o art.º 486º do Código Civil, “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”. Esta norma é comum à responsabilidade delitual e contratual. Para a doutrina mais tradicional, este preceito consagra uma disciplina que comporta, para além dos demais requisitos da responsabilidade civil, dois requisitos específicos: a) Que existisse o dever jurídico da prática do ato omitido; b) Que o ato omitido tivesse, seguramente ou com a maior probabilidade, obstado ao dano. [12] Já Menezes Cordeiro argumenta não há propriamente especificidades na responsabilidade por omissão. Nesta, tal como na responsabilidade por ação, existe uma violação de deveres, não se concebendo esta fora da hipótese da existência de norma que mande praticar a atividade omitida. Algum problema poderá surgir na avaliação da obrigação de evitar o dano ou, pelo menos, de desenvolver, nesse sentido, um esforço razoável face a determinado dano iminente. Quanto a este aspeto, defende aquele distinto Professor que a resposta não pode ser dada em geral, por não existir qualquer norma explícita nesse sentido ou outro: “Cada situação deve ser ponderada, concretamente, à luz das normas aplicáveis e no espírito dado, pela boa fé, à colaboração intersubjectiva que deve reinar no espaço jurídico da nossa disciplina. Nos casos limites — em que, por exemplo, um dano máximo pode ser evitado com esforço mínimo — … a simples boa fé manda agir, sob pena de surgir um delito omissivo”. [13] Situamo-nos na relação que se estabeleceu entre o empreiteiro geral e o subempreiteiro. Ninguém duvida de que assim se deve qualificar, como de subempreitada, a relação contratual estabelecida entre a 1ª R. e a C.., Lda., empregadora da vítima. A 1ª instância afastou --- e bem --- a existência de uma relação de comissão entre aquelas sociedades que justificasse a responsabilização da 1ª R., como comitente, em função de qualquer obrigação e indemnizar que coubesse à C.., Lda. Resulta do art.º 500º, nº 1, do Código Civil, sob a epígrafe “responsabilidade do comitente”, que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar desde que sobre este recaia a obrigação de indemnizar. A comissão é o serviço ou atividade realizada por conta e sob a direção de outrem, sendo pressupostos da responsabilização do comitente a existência desse vínculo entre ele e o comissário e a prática por este de um facto ilícito e culposo no exercício da função ou por causa dela e, verificados que sejam, a responsabilidade civil do comitente assume-se como objetiva. Nas relações subsumíveis ao contrato de empreitada, regulado nos art.ºs 1207º e seg.s do Código Civil, avultam o resultado da obrigação do empreiteiro e a sua autonomia quanto aos meios utilizados para a respetiva realização. O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, como o não é o subempreiteiro relativamente ao empreiteiro. Agem com autonomia ou independência na respetiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenham por próprias e adequadas para cumprimento da exata prestação correspondente ao resultado contratado. Inexiste qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência do empreiteiro ao dono da obra, posição que o conteúdo do mero direito de fiscalização consagrado no art.º 1209º do Código Civil não prejudica nem limita. Não cabe, por isso, falar-se de relação de comissão entre os sujeitos do contrato de empreitada ou do contrato de subempreitada. E assim, não pode, em princípio, estender-se à 1ª R. a título de responsabilidade objetiva, a responsabilidade que a C.., Lda possa ter tido pela ocorrência do sinistro que vitimou o seu trabalhador. [14] Todavia, a responsabilidade da 1ª R. poderia resultar dos concretos termos do contrato de subempreitada. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.9.2006 [15], “é necessário averiguar do rigoroso conteúdo deste negócio, pois a responsabilidade do dono da obra pode resultar dos específicos contornos da relação estabelecida com o empreiteiro, designadamente, do tipo de obra em questão, dos quais pode resultar, com ou sem responsabilidade concreta do empreiteiro, a ofensa de direitos de terceiros”. Tal não ocorre no caso. A grua havia sido locada pela 1ª R., na qualidade de locatária, é certo. Mas foi transportada para o local da obra pela locadora “T..” e foi entregue diretamente à subempreiteira que assistiu à sua montagem, vistoria e ensaios. A subempreiteira assumiu, a partir desse momento, a obrigação de a lubrificar e reparar quaisquer avarias causadas pelo mau manuseamento da mesma. Assumiu ainda a obrigação de denunciar quaisquer avarias ou anomalias da grua, nunca o tendo feito perante a 1ª R., o empreiteiro geral. Não se vislumbra, assim, qualquer facto ou circunstância que possa acarretar a responsabilidade da 1ª R. no âmbito do contrato de subempreitada. De outro passo, mais diretamente, na apelação, a A. defendeu a aplicação do art.º 493º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. Concordamos com o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2011 quando refere que se estabelece ali uma modalidade especial de responsabilidade delitual, ou seja, fundada na culpa, mediante uma inversão do ónus da prova ou presunção de culpa a recair sobre quem exerça ou beneficie de determinadas atividades, em regra também com especial aptidão para causar danos. Quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais, para evitar a sua responsabilidade há de provar que não teve culpa. É essa pessoa que tem as coisas ou animais à sua guarda que deve tomar as providências indispensáveis para evitar a lesão. [16] Fica responsável pelos danos causados pelas coisas e onera com a presunção de culpa da sua produção quem tiver em seu poder a coisa móvel ou imóvel geradora do evento danoso e, cumulativamente, tenha o dever de a vigiar. Pese embora seja a 1ª R. a locatária da grua, esta foi, como observámos já, imediatamente destinada ao serviço da subempreiteira que logo, depois de ter assistido à sua vistoria e ensaios levados a cabo pela locadora, se obrigou à sua manutenção, vigilância, denúncia de quaisquer avarias ou anomalias e até à reparação de avarias causadas pelo mau manuseamento da máquina. Não interessa especialmente a forma e o modo como chegou ao poder do subempreiteiro, ou a quem pertencia a grua, mas releva que tais factos significam que foi colocada sob o poder da empresa que a passou a utilizar para servir o fim a que se destinava. É que a responsabilidade recai sobre a pessoa que detém a coisa, exercendo sobre ela o poder de facto, e encontra fundamento na ideia de que ela não tomou as necessárias medidas cautelares idóneas à não produção do dano. Só se verifique relativamente a quem mantém uma relação direta de poder de facto sobre a coisa causadora do dano. [17] Foi a C.., Lda que passou a exercer poder de facto sobre a grua, assumindo então o encargo da sua vigilância e manutenção, sem que alguma vez tivesse denunciado qualquer anomalia junto da 1ª R. Por conseguinte, também por esta via do nº 1 do art.º 493º do Código Civil não é possível imputar à 1ª R., a empreiteira geral, qualquer responsabilidade pelo acidente de trabalho que vitimou o trabalhador da subempreiteira. Dirige ainda a recorrente o seu esforço na defesa da existência de uma relação de comissão entre a locadora da grua T.. e a 1ª R. enquanto locatária da mesma, para tentar estender a responsabilidade da primeira, resultante do aluguer de uma máquina defeituosa e, por isso, causadora do acidente, também àquela demandada. De novo, é trazida a matéria da comissão e da responsabilidade objetiva do comitente em função da responsabilidade do comissário. Já observámos que o art.º 500º do Código Civil utiliza o termo comissão em sentido muito amplo, abrangendo, toda a tarefa de que uma pessoa, — o comissario —, tenha sido incumbida por outra — desde que: - exista escolha do comitente; - o comissário aja por conta do comitente; - estabelecendo-se uma relação de subordinação do primeiro ao segundo. Como ensina o Professor Menezes Cordeiro [18], “a incumbência pode consubstanciar-se em qualquer contrato, nominado (v.g. mandato) ou não, ou emergir duma situação jurídica mais complexa (v.g. situação de trabalho)”. Ora, entre o locador e o locatário não existe uma relação de comissão. Este não desenvolve qualquer tarefa por incumbência daquele. O locatário recebe do locador uma coisa para a gozar temporariamente no seu interesse próprio (e não do locador), mediante uma retribuição (a renda ou aluguer) --- art.ºs 1022º, 1023º, 1031º e 1038º, al. a), do Código Civil. O locatário não é subordinado do locador, não há, entre eles, qualquer vínculo de subordinação, não é incumbido de nada por parte do último, antes utiliza para si, com liberdade e autonomia, a coisa locada. Não age por conta e sob a direção do locador. Ainda que existisse uma relação de comissão naqueles moldes (que não existe), jamais seria a 1ª R., na qualidade de comissária, a responder pelo risco em função da comprovada obrigação de indemnizar da comitente. É a este que se estende a responsabilidade do comissário, e não o contrário, nos termos do art.º 500º do Código Civil. Considera, porém, a recorrente que, na relação locatícia, o comissário é a 2ª R. T.., Lda. e o comitente é a 1º R. locatária, acentuando a imputação dos trabalhos de montagem da grua em obra por parte da locadora a favor da locatária. Não nos parece que assim seja. O transporte e montagem da grua pela locadora integra a obrigação contratual por ela assumida no âmbito do aluguer de modo a que este se concretize. Não há também no cumprimento desse dever contratual qualquer subordinação da locadora à locatária, não age por conta dela. Aquela executa autonomamente o transporte e a instalação do bem locado, como cumpriria fazer a um empreiteiro, sendo responsável pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação, sem prejuízo de responsabilidade delitual que pudesse verificar-se. Não procedeu segundo um critério da locatária e no interesse desta, mas no seu interesse próprio subjacente à locação. E tanto assim foi que a 1ª R. não esteve nem tinha que estar presente, esperando apenas que a locadora cumprisse escrupulosamente, de boa fé, a sua obrigação contratual. Não há, na locação, uma relação de comissão, na expressão de Calvão da Silva, “a existência de relações de autoridade e de subordinação correlativas” [19]. Seria mesmo um absurdo jurídico responsabilizar uma das partes contratantes no âmbito de um contrato com obrigações correspetivas, pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação da parte contrária, deixando-a agora duplamente penalizada [20]. Com efeito, apesar da 2ª R. locadora ser responsável pela queda da peça da grua que vitimou o trabalhador da subempreiteira, não o é a 1ª R. empreiteira e locatária da mesma grua. A douta sentença merece inteira confirmação. * SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1. Deve ser rejeitado, sem oportunidade de aperfeiçoamento prévio, o recurso em matéria de facto alicerçado na reapreciação de prova testemunhal gravada e em que o recorrente nem nas conclusões nem nas alegações indica com exatidão as passagens da gravação que considera relevantes para a modificação pretendida, ainda que os depoimentos se encontrem transcritos, total ou parcialmente. 2. Em princípio, não existe uma relação de comissão entre o empreiteiro e o subempreiteiro, tal como não existe entre o dono da obra e o empreiteiro, para efeitos de responsabilidade pelo risco nos termos dom art.º 500º do Código Civil. 3. A responsabilidade delitual de alguém por danos causados por coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, prevista no art.º 493º, nº 1, do Código Civil, depende da existência de poder de facto sobre a coisa causadora do dano, da sua detenção, por parte dessa pessoa. 4. Não existe uma relação de comissão entre o locador e o locatário de uma grua, para efeitos de responsabilização do último, como comitente, nos termos do art.º 500º do Código Civil, na situação em que o locador transporta e instala uma grua defeituosa, em mau estado de funcionamento e conservação, por isso resultando o acidente de trabalho, já que não existe uma relação de autoridade e subordinação entre as partes, mas cumprimento (defeituoso), em autonomia, de obrigações contratuais correspetivas, no interesse de cada uma delas. V. Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da A. improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custa da apelação pela apelante. Guimarães, 8 de janeiro de 2015 Filipe Caroço António Santos Figueiredo de Almeida _________________________________________________________________ [1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [2] Por transcrição. [3] Por transcrição. [4] Por isso, as conclusões nada podem acrescentar às alegações. [5] Lopes do Rego, Código de Processo Civil anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 585. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p.s 127 e 128, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 181, nota 357. [6] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129. [7] Recurso em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição revista e atualizada, pág.s 146 e 147. [8] José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha, Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, vol. III, pág. 61. [9] Proc. nº 100482/10.6YPRT.G1, inédito, ao menos por enquanto, e que recaiu sobre uma decisão proferida nesta Relação de Guimarães. [10] Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais. [11] Cf. decisão de fl.s 381. [12] Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 1979, pág. 369. [13] Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1980, pág.s 347 e 348. [14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.6.2003, proc. 03B1813, de 30.3.2006, proc. 06B905, de 17.6.2003, proc. 03A1556, de 6.7.2004, proc. 04A2320, de 7.4.2011, proc. 5606/03.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, citando acórdãos do STJ de 09.6.2005, proc. 05B1424 e de 04.3.2008, proc. 08A164 (da mesma Conferência e relator); PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Contrato de Empreitada”, 1994, pág. 183. [15] Proc. 06B2337e acórdão de 4.3.2008, proc. 08A164, in www.dgsi.pt. [16] V.d. ainda P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, 2ª edição revista e atualizada, vol. I, pág. 430. [17] Ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2011, citando P. de Lima e A. Varela, “Código Civil anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 495. [18] Ob. e vol. cit., pág. 371. [19] Direito das Obrigações, pág. 298. [20] Para além de a obrigação da locadora não ter sido devidamente cumprida, a 1ª R. locatária ainda seria agora responsabilizada pelo reembolso da indemnização suportada pela A. seguradora.