Processo:3562/14.1T8GMR.G1
Data do Acordão: 23/09/2015Relator: MARIA LUÍSA RAMOSTribunal:trg
Decisão: Meio processual:

Fixando-se no despacho recorrido em valor superior ao do salário mínimo nacional o valor excluído do rendimento disponível e a fixar nos termos e para os efeitos do citado art.º 239º-n.º3-alínea.b)-i) do C.I.R.E., como o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos devedores/insolventes, nenhuma ofensa se demonstra ocorrer dos preceitos legais aplicáveis e dos preceitos constitucionais, mostrando-se correctamente integrado o conceito legalmente imposto de sustento mínimo e de acordo com justos valores de equidade, salientando-se dever o valor em referência correspondente ao do salário mínimo nacional reportar-se a cada agregado familiar, e não individualmente, como evidente resulta, e atento o nível económico médio das famílias Portuguesas globalmente consideradas, e nos termos do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., que exclui do rendimento disponível do insolvente, o que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores
CIRE RENDIMENTO DISPONÍVEL VALOR
No do documento
RG
Data do Acordão
09/24/2015
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
Fixando-se no despacho recorrido em valor superior ao do salário mínimo nacional o valor excluído do rendimento disponível e a fixar nos termos e para os efeitos do citado art.º 239º-n.º3-alínea.b)-i) do C.I.R.E., como o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos devedores/insolventes, nenhuma ofensa se demonstra ocorrer dos preceitos legais aplicáveis e dos preceitos constitucionais, mostrando-se correctamente integrado o conceito legalmente imposto de sustento mínimo e de acordo com justos valores de equidade, salientando-se dever o valor em referência correspondente ao do salário mínimo nacional reportar-se a cada agregado familiar, e não individualmente, como evidente resulta, e atento o nível económico médio das famílias Portuguesas globalmente consideradas, e nos termos do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., que exclui do rendimento disponível do insolvente, o que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AA e BB, declarados insolventes nos autos de Insolvência de Pessoa Singular, n.º 3562/14.1T8GMR, da Inst. Central- 1ª Sec. Comércio- Guimarães, comarca de Braga, inconformados com o despacho judicial proferido em 6/5/2015, na parte em que fixa o valor global de € 750,00, o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes, determinando que a partir desse valor as quantias sobrantes deverão ser cedidas à Sra. Fiduciária, de tal decisão vêem interpor Recurso de Apelação nos termos do art. 14.º do C.I.R.E e 691.º e sgs. do Código de Processo Civil, por remissão do art. 17.º do C.I.R.E.

O recurso veio a ser admitido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões:
PRIMEIRA: No despacho recorrido, o M. Juiz “a quo” fixou, como valor excluído da cessão à fiduciária, a quantia de EUR. 750,00, considerando, por isso, este valor como razoável para o sustento minimamente digno dos dois recorrentes.
SEGUNDA: Nos termos do disposto no ponto i), da al. b), do n.º 3, do art.º 239.º do CIRE, deve ser excluído da cessão ao fiduciário o que razoavelmente seja necessário para «sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar».
TERCEIRA: Conforme decidiu o Tribunal Constitucional, em acórdão datado de 09.07.2002, Proc. n.º 177/2002, «o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo, assim também, uma pensão por invalidez, doença, velhice ou viuvez, cujo montante não seja superior ao salário mínimo nacional não pode deixar de conter em si a ideia de que a sua atribuição corresponde ao montante mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do respetivo beneficiário – sublinhado nosso.
QUARTA: Assim, o salário mínimo nacional é o limite mínimo que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.09.2011, Proc. n.º 692/11.5TBVCD-C.P1, in www.dgsi.pt.
QUINTA: Ao estabelecer como valor excluído da cessão a quantia global de EUR. 750,00 (setecentos e cinquenta euros), o tribunal recorrido fixou, como valor razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno de cada um dos recorrentes, a quantia de EUR. 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), valor substancialmente inferior ao salário mínimo nacional.
SEXTA: Assim, a decisão recorrida viola o princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1º, da alínea a) do nº 2 do artigo 59º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que deve ser considerado inconstitucional o ponto i), do n.º 3, do art.º 239.º do C.I.R.E., quando interpretado no sentido que permite fixar o valor excluído da cessão ao fiduciário, em montante inferior ao salário mínimo nacional.
SÉTIMA: Em consequência, o rendimento excluído da cessão não poderá ser inferior a um salário mínimo nacional, por cada um dos recorrentes.
ACRESCE QUE:
OITAVA: A quantia de EUR. 750,00, fixada como rendimento excluído da cessão, não é suficiente proporcionar um sustento minimamente digno dos recorrentes.
NONA: Para um fazer face, com um mínimo de dignidade, às despesas relacionadas com habitação, água, luz, gás, telecomunicações, medicamentos, alimentação (tendo em conta que os insolventes padecem de diabetes tipo 2), transportes, calçado, vestuário, higiene pessoal, bem como outras despesas imprevistas e não regulares como, por exemplo, consultas médias e tratamentos que não resultem do acompanhamento normal no Hospital de Guimarães necessitam os recorrentes de uma quantia mensal nunca inferior a EUR. 1’180,00 (mil cento e oitenta euros), valor em que deve ser declarado excluído da cessão.
DÉCIMA: A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação do disposto no artigo 1º, da alínea a) do nº 2, do artigo 59º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, do ponto i), do n.º 3, do art.º 239.º do C.I.R.E
Nestes termos e nos melhores doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, alterando-se, em consequência, o despacho recorrido no sentido de declarar isento de cessão o rendimento global mensal dos insolventes que não ultrapasse os EUR. 1’180,00 (mil cento e oitenta euros).



Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, e considerando que é pelas conclusões do recurso que se delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso (artigos 666º-n.º2, 684º e 685º-A do Código de Processo Civil) é a seguinte a questão a apreciar:
-  reapreciação da decisão relativa ao pedido de exoneração do passivo restante, proferido em proferido em 6/5/2015, nos termos da qual decidiu o Mº Juiz “ a quo “ fixar o valor global de €750,00 como o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes.


I) Fundamentação ( de facto ):
- São os seguintes os factos com interesse à decisão do presente recurso: - 
( Não tendo os apelantes impugnado a matéria de facto fixada na decisão )
	- No despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante, proferido em 6/5/2015, decidiu o Mº Juiz “ a quo “ fixar o valor global de € 750,00 como o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes.
	- O apelante AA recebe uma pensão de velhice no valor de € 442,40, e, a apelante Alice da Silva Machado recebe uma pensão de velhice no valor de € 519,72. 
- Como despesas regulares têm as com alojamento, energia, água e telecomunicações e ainda despesas com medicamentos, num valor que se situa entre os 400 e 500 euros mensais.


II) O DIREITO APLICÁVEL
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (… ) – art.º 1º do CIRE, podendo ser sujeitos passivos da declaração de insolvência quaisquer pessoas singulares ou colectivas, considerando-se em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas ( art.sº 2º-n.º1-alínea a), e 3º, do citado diploma legal ).
Nos termos do disposto no art.º 235º do CIRE, sendo o devedor uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições regulamentadoras do diploma legal em causa, nomeadamente dos art.º 235 e 248º.
Pretende-se com esta medida, e tal como expressamente se consigna no ponto 45º do preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, a possibilidade da extinção das dívidas e a libertação do devedor, segundo o princípio do fresh start, aí se declarando que o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental de ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica, segundo o princípio do fresh start, face á ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar e que justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua integração plena na vida económica.
O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor nos termos e prazos consignados no art.º 236º do CIRE, mediante os pressupostos previstos no art.º 237º.
A concessão efectiva da exoneração do passivo restante consiste, nos termos dos art.º 237º e 239º, do diploma citado, na faculdade concedida ao devedor pessoa singular, da exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento desta, pressupondo, nestes termos, tal benefício, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período de cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos, e, obrigando-se, durante esse período, entre várias outras obrigações, a ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário, que afectará os montantes recebidos ao pagamento aos credores, e, findo este período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento.
Nos termos do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., supra citado, integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, nomeadamente, do que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (alínea.b)-i ).
Conforme decorre dos factos provados, tendo os apelantes formulado nos autos pedido de exoneração do passivo restante, o que lhes foi concedido, em consequência, e nos termos e para os efeitos das disposições legais aplicáveis, no despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante, fixou-se a obrigação dos insolventes de, durante esse período, e entre várias outras obrigações, cederem o seu rendimento disponível a um fiduciário, em tal despacho se decidindo, para efeitos do art.º 239º-n.º 2 e n.º 3-alínea b) –i ) do CIRE,  fixar-se o valor global de €750,00 como o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes, nestes termos, tendo-se excluído do rendimento disponível dos insolventes a ceder ao fiduciário quantia superior à do salário mínimo nacional, reduzindo-se aquele rendimento disponível residual ao valor mensal de € 211,00.
Nos termos e para os efeitos do indicado art.º 239º-n.º 2 e n.º 3-alínea b) –i) do CIRE, estabelece a lei dever considerar-se excluído do rendimento disponível do insolvente a afectar ao pagamento aos credores e a ceder ao fiduciário, o valor que for “razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor”.
In casu, provando-se que o apelante AA recebe uma pensão de velhice no valor de € 442,40, e, a apelante BB recebe uma pensão de velhice no valor de € 519,72, tendo despesas regulares têm as com alojamento, energia, água e telecomunicações, em valor não apurado, e ainda despesas com medicamentos, num valor que se situa entre os 400 e 500 euros mensais, tomando-se por referência o valor do RSI, criado pela Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, e que consiste numa prestação que visa garantir a satisfação das necessidades básicas essenciais, e o valor do salário mínimo nacional ( cujo valor foi estabelecido em € 505,00, para vigorar no ano de 2015, nos termos do DL n.º 144/2014, de 30.9 ), fixando-se no despacho recorrido em valor superior a este último o valor excluído do rendimento disponível e a fixar nos termos e para os efeitos do citado art.º 239º-n.º3-alínea.b)-i) do C.I.R.E., como o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno “dos devedores“,  tendo-se fixado em € 750,00 o valor do rendimento dos insolventes, afastada está a alegada inconstitucionalidade na aplicação dos preceitos legais em causa, e que se defende dever ser, em absoluto, salvaguardado ( v., no sentido seguido Ac. TRL, de 20/3/2012, in www.dgsi.pt e vários outros Ac. deste colectivo), mais se salientando, e como se referiu já no Ac. de 20-01-2011, deste TRG, que “Numa perspectiva constitucional, à luz dos preceitos contidos nos artºs 59º, nº 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3, da CRP, o salário mínimo representará aquele valor imprescindível a uma subsistência digna”, sendo este um valor mínimo inviolável e o qual se mostra garantido no caso em apreço, mostrando-se correctamente integrado o conceito legalmente imposto de sustento mínimo, e de acordo com justos valores de equidade, e equitativo atentos os valores em referência nos autos correspondentes ainda ás obrigações dos insolventes perante os seus credores, salientando-se dever o valor em referência correspondente ao do salário mínimo nacional reportar-se a cada agregado familiar, e não individualmente, como evidente resulta, e atento o nível económico médio das famílias Portuguesas globalmente consideradas, e como decorre do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., que exclui do rendimento disponível do insolvente,  o rendimento que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação, devendo manter-se a decisão recorrida que não merece reparo, mostrando-se equitativo o valor fixado, atento o valor residual sobrante do rendimento disponível a ceder ao fiduciário no valor mensal de € 211,00.



DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela massa insolvente. 

					Guimarães, 24.09.2015
					Maria Luisa Ramos
					Raquel Rego
					António Sobrinho

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães AA e BB, declarados insolventes nos autos de Insolvência de Pessoa Singular, n.º 3562/14.1T8GMR, da Inst. Central- 1ª Sec. Comércio- Guimarães, comarca de Braga, inconformados com o despacho judicial proferido em 6/5/2015, na parte em que fixa o valor global de € 750,00, o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes, determinando que a partir desse valor as quantias sobrantes deverão ser cedidas à Sra. Fiduciária, de tal decisão vêem interpor Recurso de Apelação nos termos do art. 14.º do C.I.R.E e 691.º e sgs. do Código de Processo Civil, por remissão do art. 17.º do C.I.R.E. O recurso veio a ser admitido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Nas alegações de recurso que apresentam, os apelantes formulam as seguintes conclusões: PRIMEIRA: No despacho recorrido, o M. Juiz “a quo” fixou, como valor excluído da cessão à fiduciária, a quantia de EUR. 750,00, considerando, por isso, este valor como razoável para o sustento minimamente digno dos dois recorrentes. SEGUNDA: Nos termos do disposto no ponto i), da al. b), do n.º 3, do art.º 239.º do CIRE, deve ser excluído da cessão ao fiduciário o que razoavelmente seja necessário para «sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar». TERCEIRA: Conforme decidiu o Tribunal Constitucional, em acórdão datado de 09.07.2002, Proc. n.º 177/2002, «o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o ‘mínimo dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo, assim também, uma pensão por invalidez, doença, velhice ou viuvez, cujo montante não seja superior ao salário mínimo nacional não pode deixar de conter em si a ideia de que a sua atribuição corresponde ao montante mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do respetivo beneficiário – sublinhado nosso. QUARTA: Assim, o salário mínimo nacional é o limite mínimo que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.09.2011, Proc. n.º 692/11.5TBVCD-C.P1, in www.dgsi.pt. QUINTA: Ao estabelecer como valor excluído da cessão a quantia global de EUR. 750,00 (setecentos e cinquenta euros), o tribunal recorrido fixou, como valor razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno de cada um dos recorrentes, a quantia de EUR. 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), valor substancialmente inferior ao salário mínimo nacional. SEXTA: Assim, a decisão recorrida viola o princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1º, da alínea a) do nº 2 do artigo 59º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que deve ser considerado inconstitucional o ponto i), do n.º 3, do art.º 239.º do C.I.R.E., quando interpretado no sentido que permite fixar o valor excluído da cessão ao fiduciário, em montante inferior ao salário mínimo nacional. SÉTIMA: Em consequência, o rendimento excluído da cessão não poderá ser inferior a um salário mínimo nacional, por cada um dos recorrentes. ACRESCE QUE: OITAVA: A quantia de EUR. 750,00, fixada como rendimento excluído da cessão, não é suficiente proporcionar um sustento minimamente digno dos recorrentes. NONA: Para um fazer face, com um mínimo de dignidade, às despesas relacionadas com habitação, água, luz, gás, telecomunicações, medicamentos, alimentação (tendo em conta que os insolventes padecem de diabetes tipo 2), transportes, calçado, vestuário, higiene pessoal, bem como outras despesas imprevistas e não regulares como, por exemplo, consultas médias e tratamentos que não resultem do acompanhamento normal no Hospital de Guimarães necessitam os recorrentes de uma quantia mensal nunca inferior a EUR. 1’180,00 (mil cento e oitenta euros), valor em que deve ser declarado excluído da cessão. DÉCIMA: A decisão recorrida violou ou não fez a melhor interpretação do disposto no artigo 1º, da alínea a) do nº 2, do artigo 59º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, do ponto i), do n.º 3, do art.º 239.º do C.I.R.E Nestes termos e nos melhores doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, alterando-se, em consequência, o despacho recorrido no sentido de declarar isento de cessão o rendimento global mensal dos insolventes que não ultrapasse os EUR. 1’180,00 (mil cento e oitenta euros). Não foram oferecidas contra-alegações. O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir. Atentas as conclusões do recurso de apelação deduzidas, e supra descritas, e considerando que é pelas conclusões do recurso que se delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso (artigos 666º-n.º2, 684º e 685º-A do Código de Processo Civil) é a seguinte a questão a apreciar: - reapreciação da decisão relativa ao pedido de exoneração do passivo restante, proferido em proferido em 6/5/2015, nos termos da qual decidiu o Mº Juiz “ a quo “ fixar o valor global de €750,00 como o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes. I) Fundamentação ( de facto ): - São os seguintes os factos com interesse à decisão do presente recurso: - ( Não tendo os apelantes impugnado a matéria de facto fixada na decisão ) - No despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante, proferido em 6/5/2015, decidiu o Mº Juiz “ a quo “ fixar o valor global de € 750,00 como o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes. - O apelante AA recebe uma pensão de velhice no valor de € 442,40, e, a apelante Alice da Silva Machado recebe uma pensão de velhice no valor de € 519,72. - Como despesas regulares têm as com alojamento, energia, água e telecomunicações e ainda despesas com medicamentos, num valor que se situa entre os 400 e 500 euros mensais. II) O DIREITO APLICÁVEL O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência (… ) – art.º 1º do CIRE, podendo ser sujeitos passivos da declaração de insolvência quaisquer pessoas singulares ou colectivas, considerando-se em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas ( art.sº 2º-n.º1-alínea a), e 3º, do citado diploma legal ). Nos termos do disposto no art.º 235º do CIRE, sendo o devedor uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições regulamentadoras do diploma legal em causa, nomeadamente dos art.º 235 e 248º. Pretende-se com esta medida, e tal como expressamente se consigna no ponto 45º do preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o CIRE, a possibilidade da extinção das dívidas e a libertação do devedor, segundo o princípio do fresh start, aí se declarando que o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental de ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica, segundo o princípio do fresh start, face á ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar e que justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua integração plena na vida económica. O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor nos termos e prazos consignados no art.º 236º do CIRE, mediante os pressupostos previstos no art.º 237º. A concessão efectiva da exoneração do passivo restante consiste, nos termos dos art.º 237º e 239º, do diploma citado, na faculdade concedida ao devedor pessoa singular, da exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento desta, pressupondo, nestes termos, tal benefício, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos – designado período de cessão – ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos, e, obrigando-se, durante esse período, entre várias outras obrigações, a ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário, que afectará os montantes recebidos ao pagamento aos credores, e, findo este período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. Nos termos do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., supra citado, integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão, nomeadamente, do que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional (alínea.b)-i ). Conforme decorre dos factos provados, tendo os apelantes formulado nos autos pedido de exoneração do passivo restante, o que lhes foi concedido, em consequência, e nos termos e para os efeitos das disposições legais aplicáveis, no despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante, fixou-se a obrigação dos insolventes de, durante esse período, e entre várias outras obrigações, cederem o seu rendimento disponível a um fiduciário, em tal despacho se decidindo, para efeitos do art.º 239º-n.º 2 e n.º 3-alínea b) –i ) do CIRE, fixar-se o valor global de €750,00 como o valor necessário a assegurar a existência condigna dos insolventes, nestes termos, tendo-se excluído do rendimento disponível dos insolventes a ceder ao fiduciário quantia superior à do salário mínimo nacional, reduzindo-se aquele rendimento disponível residual ao valor mensal de € 211,00. Nos termos e para os efeitos do indicado art.º 239º-n.º 2 e n.º 3-alínea b) –i) do CIRE, estabelece a lei dever considerar-se excluído do rendimento disponível do insolvente a afectar ao pagamento aos credores e a ceder ao fiduciário, o valor que for “razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor”. In casu, provando-se que o apelante AA recebe uma pensão de velhice no valor de € 442,40, e, a apelante BB recebe uma pensão de velhice no valor de € 519,72, tendo despesas regulares têm as com alojamento, energia, água e telecomunicações, em valor não apurado, e ainda despesas com medicamentos, num valor que se situa entre os 400 e 500 euros mensais, tomando-se por referência o valor do RSI, criado pela Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, e que consiste numa prestação que visa garantir a satisfação das necessidades básicas essenciais, e o valor do salário mínimo nacional ( cujo valor foi estabelecido em € 505,00, para vigorar no ano de 2015, nos termos do DL n.º 144/2014, de 30.9 ), fixando-se no despacho recorrido em valor superior a este último o valor excluído do rendimento disponível e a fixar nos termos e para os efeitos do citado art.º 239º-n.º3-alínea.b)-i) do C.I.R.E., como o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno “dos devedores“, tendo-se fixado em € 750,00 o valor do rendimento dos insolventes, afastada está a alegada inconstitucionalidade na aplicação dos preceitos legais em causa, e que se defende dever ser, em absoluto, salvaguardado ( v., no sentido seguido Ac. TRL, de 20/3/2012, in www.dgsi.pt e vários outros Ac. deste colectivo), mais se salientando, e como se referiu já no Ac. de 20-01-2011, deste TRG, que “Numa perspectiva constitucional, à luz dos preceitos contidos nos artºs 59º, nº 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3, da CRP, o salário mínimo representará aquele valor imprescindível a uma subsistência digna”, sendo este um valor mínimo inviolável e o qual se mostra garantido no caso em apreço, mostrando-se correctamente integrado o conceito legalmente imposto de sustento mínimo, e de acordo com justos valores de equidade, e equitativo atentos os valores em referência nos autos correspondentes ainda ás obrigações dos insolventes perante os seus credores, salientando-se dever o valor em referência correspondente ao do salário mínimo nacional reportar-se a cada agregado familiar, e não individualmente, como evidente resulta, e atento o nível económico médio das famílias Portuguesas globalmente consideradas, e como decorre do n.º3 do art.º 239º do C.I.R.E., que exclui do rendimento disponível do insolvente, o rendimento que seja razoavelmente necessário para – o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência da apelação, devendo manter-se a decisão recorrida que não merece reparo, mostrando-se equitativo o valor fixado, atento o valor residual sobrante do rendimento disponível a ceder ao fiduciário no valor mensal de € 211,00. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela massa insolvente. Guimarães, 24.09.2015 Maria Luisa Ramos Raquel Rego António Sobrinho