Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
JORGE SEABRA
Descritores
CONTRATO DE ARRENDAMENTO EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
No do documento
RG
Data do Acordão
03/03/2016
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
1. Tendo sido concedido ao autor o contraditório legal relativamente à contestação do réu e optando aquele, na sua resposta, por não impugnar especificadamente a matéria de facto que suportava as excepções (dilatórias e/ou peremptórias) invocadas, de forma separada e especificada, pelo réu na sua contestaçã, essa matéria de facto é de julgar-se como provada, por acordo (arts. 570º, n.º 2 e 587º, n.º1, ambos do CPC), salvo nas hipóteses a que aludem os n.ºs 2, 2ª parte, n.º 3 e n.º 4 do artigo 570º do mesmo Código. 2. A excepção de não cumprimento do contrato é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desiquilíbrio, injustificado e contrário à boa-fé, entre as prestações a cargo das partes contraentes, configurando-se a exceptio como um meio de repôr o dito equilíbrio (sinalagma) contratual. 3. Destarte, por princípio, a excepção de não cumprimento do contrato é aplicável no âmbito do contrato de arrendamento. 4. Todavia, regra geral, a mora do senhorio na realização de obras não justifica a invocação da exceptio, por inexistência de correspectividade entre a obrigação de pagamento da renda a cargo do arrendatário e a obrigação do senhorio de efectuar, em determinadas condições, obras no locado; Só assim não será se a omissão das ditas obras implicar directamente com o gozo do imóvel, gerando uma situação de privação, total ou parcial, desse gozo por parte do arrendatário. 5. Por outro lado, ainda, a circunstância de o locado, por força de vícios ou patologias supervenientes, não vier a proporcionar boas condições de habitabilidade, a exceptio apenas é de admitir se o arrendatário ficar privado, total ou parcialmente, do gozo do locado, mas já não o será se, a despeito de tais patologias ou vícios, o arrendatário permanecer no gozo do mesmo, designadamente se aí continuar a habitar, assim como o respectivo agregado familiar. 6. Em tais condições, a falta de pagamento da renda por parte do arrendatário, a coberto da alegada exceptio, mostra-se injustificada e constitui justa causa de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio. 7. A exceptio constitui uma excepção material dilatória, cujo ónus de alegação e prova (do respectivo substracto factual) incumbe ao arrendatário.
Decisão integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: B. 

Recorrida: C..
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Viana do Castelo – Instância Local – Secção Cível – Jz. 2

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1. C. intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B., E. e D., pedindo: que se declare a resolução do contrato de arrendamento identificado no artigo 2.º da p.i., por falta de pagamento de rendas; que se condenem os 1º e 2ª réus, na qualidade de inquilinos, a despejar imediatamente o local arrendado, deixando-o devoluto de pessoas e bens; que se condenem todos os réus no pagamento à autora das rendas vencidas e não pagas até à data de interposição da presente acção, no [...] montante de € 2.706,54 (dois mil setecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como a rendas vincendas até à entrega efectiva à autora do local arrendado, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

2. Regularmente citados, apenas o Réu B. apresentou articulado de contestação, pelo qual, além de excepcionar a incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria, invocou a excepção de não cumprimento do contrato, por falta de condições de habitabilidade e falta de realização de obras no locado.

3. Ao abrigo do princípio do contraditório, foi a Autora notificada da contestação e para, querendo, responder, em 10 dias, à matéria de excepção alegada pelo Réu B., o que a Autora efectuou por meio de articulado constante de fls. 39-42 dos autos, pugnando a final pela improcedência das ditas excepções.

4. Dispensada a realização de audiência prévia, foi lavrado despacho saneador (julgando improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal), foi dispensada também a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, foram admitidos os meios de prova oferecidos pelas partes e designada data para a audiência de julgamento.

5. Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença que:
i. declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e os 1.º e 2ª réus, relativo à fracção autónoma id. correspondente ao R/C esquerdo do Bloco 2 do Bairro do Atlântico, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 4.288º.
ii. condenou os réus B. e E. a despejar, imediatamente, o imóvel mencionado em a), livre de pessoas e bens, e a entregá-lo à autora.
iii. condenou os mesmos réus B., E. e D. a pagar à A. a quantia de € 2.706,54 (dois mil setecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como a rendas vincendas até trânsito em julgado da decisão e o valor de € 161,57 por cada mês de ocupação [correspondente ao valor actual da renda], a título de indemnização, até efectiva entrega do locado.
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6. Inconformado com a aludida sentença, veio o Réu B. a interpor recurso da mesma, deduzindo as seguintes conclusões recursivas:
a)- Vem presente recurso interposta da sentença que declara resolvido o contrato de arrendamento entre AA. e RR. e condena os RR ao pagamento da quantia de dois mil setecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos, bem como das rendas vincendas. 
b)- O imóvel arrendado não permitia uma utilização plena do mesmo, e nestes termos, suspende-se o dever de pagamento da renda quando a falta de condições de habitabilidade não permita ao prédio realizar cabalmente o fim a que é destinado.
c)- Os factos que fundamentam a excepção invocada encontram-se especificamente narrados na contestação. 
d)- A A. não respondeu à excepção invocada em qualquer momento processual, nem sequer fazendo prova da inexistência dos factos elencados que suportam a excepção. Assim, e desde logo se entende que admitem tais factos, pelo que, tal deveria ser atendido em sede de sentença, o que não sucedeu. 
e)- A testemunha Núria, com referência à acta do dia 26 de Junho de 2015 [depoimento gravado no sistema de gravação digital - H@bilus Média Studio - desde 00:00:01 a 00:07:76.], foi clara em manifestar que nada sabe acerca do estado real do imóvel.
f)- Aliás, a testemunha informa que “há inspecções periódicas ao local”, no entanto não soube esclarecer qual a periodicidade, atestando que não foram feitas obras no interior do imóvel que o R. habita, o que corrobora os seguintes artigos da conclusão.
g)- Ora perante este testemunho e perante a admissão da Ré dos factos vertidos na contestação entende-se não haver fundamentação quanto à matéria dada por não provada. 
h)- Muito pelo contrário. Entendemos que, os factos não provados a), b), c), d), e e) deveriam ser dados por provados.
i)- Assim, não se entende o percurso lógico feito nem o que fundou a convicção do Tribunal em tais juízos.
j)- Termos pelos quais: deverá ser a sentença tida como nula por falta de fundamentação, assim não se entendendo, deverá a factualidade não provada descrita de a) a e) ser dada como provada, sendo julgada procedente a excepção invocada pelo Réu, dando consequentemente a acção de despejo como improcedente. 
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	7. Por seu turno, a Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais pugnou pela improcedência da apelação e pela manutenção da sentença recorrida.

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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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	II – FUNDAMENTOS.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do NCPC.
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No seguimento desta orientação, cumpre decidir.
	Neste âmbito, em função das conclusões recursivas as questões que se colocam são as seguintes:
1º nulidade da sentença por falta de fundamentação (quanto à matéria julgada como não provada na sentença recorrida).
2º alteração da factualidade julgada como não provada na sentença recorrida;
3º excepção de não cumprimento.

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III – FUNDAMENTOS de FACTO.


Na sentença recorrida, foi julgada provada a seguinte factualidade (ipsis verbis):
1. A Autora é dona e legitima proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, bloco 2, integrado no denominado “Bairro…”, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 4.288º.
2. Mediante contrato escrito, a autora deu de arrendamento aos 1º e 2ª réus, para fins habitacionais, o rés-do-chão esquerdo do prédio identificado no artigo precedente, pelo prazo de seis meses, renovável por iguais períodos, com início no dia 01 de Agosto de 2009, mediante a renda mensal de € 150,00, a pagar nos primeiros oito dias do mês a que disser respeito, na secretaria da autora.
3. Em virtude das actualizações anuais legalmente previstas, a renda do referido locado foi de € 154,79 por mês a partir de 01 de Janeiro de 2012, de € 159,99 a partir de 01 de Janeiro de 2013 e de € 161,57 a partir de 01 de Janeiro de 2014.
4. Os réus não pagaram à autora parte da renda relativa ao mês de Junho de 2012, no montante de € 18,52, bem como a totalidade das rendas respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro também de 2012, como também não pagaram a totalidade das rendas respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2013, e também não pagaram parte da renda relativa ao mês de Abril, no montante de € 149,28, parte da renda relativa ao mês de Maio, no montante de € 6,78, e a totalidade das rendas relativas aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2014.
5. Tudo num total de € 2.706,54, à data da interposição da presente acção.

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Por seu turno, na mesma sentença foi julgada como não provada a seguinte factualidade (ipsis verbis):
a)- O locado apresenta inúmeros defeitos e necessita de obras urgentes, o que os 1º e 2ª réus já solicitaram por inúmeras vezes ao senhorio.
b)- As portas do locado encontram-se partidas, com fendas por onde entram ratos, tendo os inquilinos de colocar várias ratoeiras na habitação.
c)- O esgoto entope regularmente e funciona mal.
d)- A canalização está gasta e a água sai turva do seu interior.
e)- As janelas são em madeira, cujos vidros estão partidos, que se encontram em mau estado de conservação, entrando as intempéries para a habitação.

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IV – FUNDAMENTAÇÃO de DIREITO.

4.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação:

A primeira questão que, por razões de ordem lógica, cumpre conhecer e decidir reporta-se à alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, em concreto, quanto à factualidade que, na sentença recorrida, foi julgada não provada. – vide conclusões g)- e j)- da apelação.

Decidindo.
A propósito da nulidade da sentença reza o art. 615º, n.º 1 al. b)- do CPC., que a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito e que justificam a decisão;» (sublinhado nosso)

Por seu turno, quanto à fundamentação da sentença, preceitua o art. 607º, n.º 4 do mesmo Código que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, (...) e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção...»

No que se refere à fundamentação da convicção subjacente à decisão de facto constitui ela, sem dúvida, uma das mais delicadas, significativas (e espinhosas) vertentes da intervenção do juiz do processo, porquanto, mais do que um mero acto mecânico de declaração dos factos provados e não provados, é indispensável que o julgador explicite as razões pelas quais optou por uma determinada decisão da matéria de facto provada e/ou não provada em detrimento de outra.
A explicitação cabal destas razões (enquanto forma que melhor exprime o âmago da actividade jurisdicional) exige sempre a análise crítica das provas e a especificação de todos os demais fundamentos decisivos para a convicção do juiz, que devem, por isso, sempre figurar na dita fundamentação da decisão.

Neste sentido, a fundamentação da sentença constitui, não só, um imperativo constitucional (cfr. art. 205º da Constituição da República Portuguesa), mas, ainda, um instrumento de compreensão da decisão por parte dos seus destinatários, um instrumento controle externo da decisão (por via da respectiva impugnação pela parte interessada e/ou pela sua sindicância pelo tribunal superior) e um instrumento de controle interno a efectuar pelo próprio juiz do processo pois que, atenta a sobredita necessidade de fundamentação, este último sempre terá que confrontar a sua convicção intíma com os elementos probatórios produzidos, em termos de aquela convicção encontrar apoio nesses elementos, o que é expectável que contribua para evitar  [...] decisões fundadas em meras convicções ou intuições pessoais. Vide, neste sentido, por todos J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 628. 

Todavia, uma coisa é a falta de fundamentação/motivação da decisão da matéria de facto, outra coisa é a nulidade da sentença, sendo certo que esta só ocorre quando esta última não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3 do citado Código que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação da sentença, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º. - Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, “ Manual de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 687 e J. LEBRE de FREITAS, op. cit., pág. 669. 
A fundamentação de facto e de direito deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. - Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, op. cit., pág. 687.
Esta nulidade, para que se mostre verificada, supõe uma absoluta falta de fundamentação de facto e ou de direito na sentença proferida, isto é que a dita peça omita por completo os factos que se consideraram provados e não provados ou o [...] direito aplicável aos mesmos, o que, no caso dos autos, manifestamente, não ocorre, sendo certo que a Srª Juiz elencou, na sentença em apreço, os factos que julgou provados e não provados e convocou o regime jurídico e as consequentes normas tidas por aplicáveis ao litígio em apreço.

Portanto, ao contrário do que sustenta o Recorrente, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada e constante da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º

Todavia, como já se expôs, diferente deste vício, é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto (factos provados e não provados).

Esta fundamentação mostra-se imposta pelo citado art. 607º, n.º 4 do CPC. e dele resulta que a motivação não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão no culminar da audiência de discussão e julgamento.
O juízo probatório é a decisão judicativa pela qual se julgam provados ou não provados os factos relevantes, controvertidos e carecidos de prova, mediante a livre valoração dos meios probatórios apresentados pelas partes ou determinados oficiosamente. 
Neste contexto, impondo-se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que se estabeleça o fio condutor entre os meios de prova usados na aquisição da convicção (fundamentos) e a decisão da matéria de facto (resultado), fazendo a apreciação crítica daqueles, nos seus aspectos mais relevantes, a decisão encontrar-se-á viciada quando não forem observadas as regras contidas no artigo 607.º, nº 4.

Todavia, apesar do juiz dever efectuar o exame crítico das provas respectivas e especificar todos os fundamentos que que foram decisivos para a sua convicção, não é a falta de tal exame ou especificação que basta para preencher a nulidade prevista na al. b) do artigo 615.º, sendo que essa só se verifica nos termos já antes referidos.

Na verdade, a falta de motivação no julgamento da matéria de facto (provada e não provada) determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no artigo 662.º, nº 2 al. d)-, ou a anulação do julgamento, ao abrigo da alínea c) do mesmo normativo, ou seja, o vício também não conduz, por isso, à nulidade da sentença. 

Todavia, ainda assim, não se poderá dizer que, no caso sub judice, a decisão exarada pelo tribunal recorrido sobre o julgamento da matéria de facto, não esteja fundamentada e que a mesma não tenha feito a análise crítica da prova.

	Na verdade, como se vê da sentença recorrida, a Srª Juiz, no que se reporta à matéria de facto julgada não provada (e é sobre esta que incide a questão da nulidade suscitada pelo Recorrente), explicita claramente e de forma suficiente as razões concretas que, de um ponto de vista probatório, e na sua perspectiva, conduziram à não demonstração da dita factualidade.
Neste sentido, ali se escreve (a fls. 61), ipis verbis, o seguinte: «...os 1º e 2º réus, em sede de contestação, não negam nem a existência do contrato nem a falta de pagamento das rendas, excepcionando apenas que tal não cumprimento do contrato se ficou a dever à falta de condições de habitabilidade do locado e falta de realização de obras necessárias no mesmo. Porém, nenhum dos factos alegados para o efeito resultaram provados, por nenhuma prova ter pelos réus sido produzida.» (sublinhado nosso)

	Ora, neste contexto, sendo certo que, de facto, os réus não produziram em audiência de julgamento qualquer prova (vide a respectiva acta), nem juntaram com a sua contestação qualquer documento (vide a respectiva contestação), logo se alcança da citada fundamentação que a Srª Juiz a quo considerou que a matéria de facto alegada pelos RR. na sua peça processual (contestação) e atinente à alegada excepção de não cumprimento do contrato carecia de prova e essa prova não foi produzida pelos RR., a quem a incumbia demonstar.

	Este raciocínio é perfeitamente claro e expresso na sentença recorrida, falecendo, de todo, razão ao recorrente quando sustenta que não existe fundamentação atinente a tais factos ou que não se alcança o precurso lógico e/ou não se percebe o que motivou a resposta negativa à dita matéria.

	Outra coisa, é, diga-se, o Recorrente discordar, e até ter, como é o caso [como se exporá, em sede própria], razões válidas para essa discordância, da aludida análise da prova ou da consideração de tais factos como controvertidos [e sujeitos a prova], esgrimindo ele as razões que, em seu entender, justificariam que tais factos logo fossem dados por assentes ou, até, os meios probatórios que imporiam uma decisão diversa em matéria de facto.
Todavia, como já decorre do exposto, daí não resulta a nulidade da sentença.
Com efeito, é de referir, neste âmbito, que uma eventual insuficiência dos elementos probatórios necessários à formação da convicção judicial sobre determinado facto, uma incorrecta valoração desses elementos probatórios, uma sua indevida desconsideração ou uma incorrecta aplicação de regras processuais que conduziram à prova de determinados factos (que é o que, verdadeiramente, está em causa no concreto caso ora em apreço), não geram uma situação de nulidade da sentença por falta de fundamentação, mas antes um eventual erro de julgamento ou «error in iudicando», que apenas nessa sede pode ser dirimido.

Destarte, e por todo o exposto, quanto à invocada nulidade da sentença por falta ou insuficiência de fundamentação de facto, a mesma deverá improceder, o que se julga.
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4.2. Da alteração da matéria de facto julgada não provada na sentença recorrida.
Dirimida a questão da nulidade da sentença recorrida, cumpre conhecer da segunda questão suscitada, qual seja a de saber se os factos alegados pelo réu na sua contestação e atinentes à excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento em apreço (vide arts. 13º a 17º da contestação, transpostos para as alíneas a)- a e)- da factualidade julgada não provada na sentença recorrida) deveriam ter sido, como advoga o recorrente, julgados como provados.

Nesta sede, invoca o recorrente que a dita matéria factual exceptiva não foi objecto de resposta pela Autora em qualquer momento processual, razão porque deveria a mesma ter sido julgada como provada na sentença recorrida, ao invés do ali decidido. – vide conclusões em c)-, d)-, e)-, f)-, h) e i)- da apelação.

Ora, neste conspecto e em termos de princípio geral, ter-se-á de referir que assiste por inteiro razão ao recorrente, na estrita medida em que, de facto, a   [...] Autora, não obstante ter respondido à contestação do réu (na sequência do despacho que lhe concedeu, expressamente, a possibilidade de exercer o legal contraditório quanto à matéria de excepção – vide despacho a fls. 38 dos autos), em nenhuma parte desse seu articulado de resposta impugnou, de forma especificada, a matéria de facto alegada pelo réu, sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 572º, al. c)- do citado CPC., este procedeu à especificação separada e destacada da matéria de excepção - vide título II da contestação do réu (fls. 35, frente e verso) e articulado da autora a fls. 39-42 dos autos.

Com efeito, como se alcança deste articulado de resposta à matéria de excepção invocada pelo réu (excepção de incompetência absoluta do tribunal e excepção de não cumprimento do contrato), a Autora pugnou pela improcedência de tais excepções à luz apenas de considerações jurídicas, nomeadamente, no que à excepção de não cumprimento releva (única que permanece em causa), sustentando que as obras em causa não seriam, pela sua natureza, de sua responsabilidade (senhorio) e, ainda, que os vícios ou anomalias em causa não seriam justificativos da exceptio na estrita medida em que não comprometiam o gozo (total ou parcial) do locado. - vide arts. 7º a 19º da dita peça processual da autora.

Dito de outra forma, a autora configurou a sua defesa perante a dita «exceptio non adimplenti contractus» invocada pelo réu (enquanto facto impeditivo do direito de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário), como questão de direito, que não de facto, não impugnando a dita factualidade, por ser seu entendimento jurídico que, ainda que demonstrada tal factualidade, ainda assim não existiria fundamento legal para o exercício daquela exceptio.

	Sendo assim, como é, naturalmente, por ausência de impugnação especificada (cfr. arts. 3º, n.º 3, 4º, 574º, n.ºs 1 e 2 ex vi do art. 587º, n.º 1, todos do CPC), a factualidade alegada pelos RR. na contestação e atinente à dita exceptio (e reportamo-nos a factualidade alegada e não a meras conclusões ou afirmações conclusivas ou opinativas – as quais, como é consabido, não constituem sequer objecto de prova), deveria, desde logo, em sede de audiência prévia ou em sede de despacho saneador-sentença autónomo (em caso de dispensa daquela), ter sido considerada admitida por acordo.

	Nesta perspectiva, que temos como a correcta face ao quadro normativo processual antes referido, a aludida matéria factual alegada pelo réu não poderia, salvo o devido respeito, vir a ter o julgamento de não provada (por falta de produção de prova quanto à mesma), mas antes, pelo exposto, deveria ter sido considerada provada por ter sido ela aceite por acordo, atenta a sua não impugnação especificada por parte da autora. – cfr. arts. 574º, n.º 2 e 587º, ambos do CPC. .
 
De facto, se no confronto com o CPC de 1961, o actual CPC tornou a réplica uma peça ainda mais eventual, na medida em que restringiu as hipóteses da sua apresentação à dedução de reconvenção (art. 584º, n.º 1 do CPC), [salvo em caso de acção de simples apreciação negativa – n.º 2 do citado art. 584º], não deixou o legislador de acautelar o direito de resposta do autor à matéria de excepção invocada pelo réu, seja através de previsão de momento próprio para o efeito em sede de audiência prévia (cfr. art. 3º, n.º 4 do CPC), seja, ainda, como sucedeu no caso em apreço, através de despacho autónomo (prévio à audiência  prévia), despacho esse destinado, precisamente, a proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito e quanto à matéria de excepção, despacho este proferido em conformidade com o princípio da adequação [...]
formal do processo às especificidades da causa (art. 547º do CPC).

	Destarte, para concluir, tendo sido concedido à Autora o contraditório legal relativamente à contestação dos RR. e optando ela por, na sua resposta, não impugnar especificadamente a matéria de facto que suporta a excepção (dilatória ou peremptória) invocada, de forma separada e especificada, pelo Réu, essa matéria é de considerar como provada, por acordo, salvo nas hipóteses consignadas nos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 570º (hipóteses estas que, no caso dos autos, não têm, no entanto, qualquer aplicação). – cfr. arts. 572º, al. c)-, 574º, n.º 2 e 587º, todos do CPC. . Vide, neste sentido, em situação similar, AC RP de 23.02.2015, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES, in www.dgsi.pt .

Assim, face ao exposto, é de concluir que, nesta parte, deve proceder a apelação, com a consequente alteração da matéria de facto julgada como não provada pelo tribunal recorrido, passando essa matéria factual (mas apenas essa) alegada pelo réu contestante e em fundamento da invocada exceptio a ter-se como provada..

Em consequência, expurgando a alegação do réu das afirmações/alegações conclusivas ou opinativas (que não constituem matéria sujeita a prova ou perante a qual seja suposto ou exigível a autora defender-se), a matéria de facto a ter como provada por acordo é a seguinte (em aditamento ao elenco dos factos já provados na sentença recorrida e acima elencados) :

6. O locado tem 45 anos de idade e necessita de obras, obras que os réus já solicitaram por inúmeras vezes ao senhorio.
7. As portas do locado encontram-se partidas, com fendas por onde entram ratos.
8. O esgoto entope regularmente.
9. A canalização está gasta e a água sai turva do seu interior.
10. As janelas são em madeira e existem vidros partidos.

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4.3. Da excepção de não cumprimento:
Fixado o quadro factual provado e relevante, cumpre conhecer da excepção de não cumprimento invocada pelo réu/contestante, sendo certo que, face ao teor das conclusões recursivas, é esta a última questão que importa dirimir.
Decidindo.

4.3.1. Considerações gerais:
A excepção de não cumprimento encontra-se acolhida no nosso ordenamento civil pelo artigo 428º do Cód. Civil .
Reza o citado artigo 428º, n.º 1 que «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.»
Digamos, portanto, que o credor, em vez de optar por instar o devedor a cumprir, opta por uma outra atitude mais passiva, recusando-se apenas a cumprir a sua própria prestação se e enquanto o devedor não cumprir a sua ou não lhe oferecer esse  cumprimento em simultâneo .

Esta recusa do credor justifica-se precisamente porque a sua própria prestação é o correlativo da contraprestação do devedor, porque as respectivas obrigações [...]
estão ligadas entre si por um nexo de causalidade – uma é o motivo determinante da outra – ou de correspectividade – uma é a contrapartida da outra. Logo, se o devedor não cumpre, não quer cumprir ou não pode cumprir, ainda que não imputavelmente, o credor pode suspender unilateralmente o cumprimento da sua obrigação, dada a ausência de contrapartida e reciprocidade que liga causalmente a prestação debitória e a prestação creditória  .

Neste sentido, a exceptio non adimplenti contractus é, no essencial, um meio de conservação do equilíbrio sinalagmático que deverá existir na génese e no próprio desenvolvimento dos contratos bilaterais, em especial no seu cumprimento, justificando-se essa exceptio quando ocorra uma ausência de correspondência ou de reciprocidade entre as obrigações que, no âmbito dos contratos bilaterais, emergem para ambas as partes. Vide, neste sentido, por todos, J. CALVÃO DA SILVA, “ Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória ”, Coimbra, 1987, pág. 329/330 e A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral ”, I volume, Almedina, 6ª edição, pág. 362 a 365 .

Dir-se-á, assim, de outra forma, que a exceptio é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário às regras da boa-fé, nas prestações a cargo das partes, configurando-se a exceptio como o meio de repôr o dito equilíbrio contratual entre as prestações das partes . 
É de notar, ainda, que, conforme vem sendo posição unânime da doutrina e da jurisprudência, este desiquilíbrio contratual que legitima a exceptio pode ter como causa 
não só a mora do devedor, como, ainda, o próprio cumprimento defeituoso ou [...] imperfeito, embora, nesta última hipotese, a procedência da exceptio dependa da demonstração pelo excipiens de que os defeitos da prestação realizada prejudicam, de forma relevante ou significativa, a satisfação do (seu) interesse visado no contrato. Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, op. cit., pág. 364, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, Vol. II, Almedina, 6ª edição, pág. 264, MENEZES CORDEIRO in anotação ao AC STJ de 31.01.80, ROA, ano 41º (1981), n.º 1, pág. 150 e segs, J. JOÃO ABRANTES, “ A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português ”, Almedina, 1986, pág. 110 e segs.. e , por todos, AC STJ de 17.11.2015, relator MARIA CLARA SOTTOMAYOR, AC STJ de 16.06.2015, relator FONSECA RAMOS e, ainda, AC STJ de 27.05.2008, relator JOÃO CAMILO, todos in www.dgsi.pt .

	Com efeito, como resulta da lição exposta, apenas quando, em sede de cumprimento defeituoso ou imperfeito, sobrevenha um desiquílibrio relevante das prestações a cargo dos contraentes, ocorrerá um motivo que, à luz das regras da boa-fé (cfr. art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil), torna justificativa a exceptio.

	Por outro lado, ainda, resulta do antes referido, que a exceptio non adimplenti contratus só tem cabimento lógico e legal nas hipoteses de mora (incumprimento temporário) ou cumprimento defeituoso pelo devedor, mas já não se o devedor incorrer em situação de incumprimento definitivo da sua prestação, seja este incumprimento definitivo resultante da impossibilidade da realização da prestação - impossibilidade fortuita ou impossibilidade imputável ao devedor -, seja resultante da recusa inequívoca e peremptória do devedor ao cumprimento, seja resultante do facto de, por via do retardamento no cumprimento, ter o credor perdido o seu interesse objectivo na na prestação em falta – arts. 801º, n.º 1 e 808º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil; Nesta  [...] última hipotese, a excepção de não cumprimento (que visa instar/pressionar o devedor a cumprir) já não pode surtir efeito útil e o credor deverá lançar mão antes da resolução do contrato, cumulando esta com a eventual indemnização – cfr. art. 801º, n.º 1 do Cód. Civil. Vide, neste sentido, por todos, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 86.

Estes princípios hão-de, ainda, ser conjugados com o princípio geral da boa-fé no cumprimento dos contratos (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil), princípio este que nesta sede, como em seguida melhor se explicitará, se revela de capital importância no exercício da exceptio.
De facto, como refere J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 124, na esteira da doutrina italiana, a invocação da excepção de não cumprimento supõe a existência de uma tripla relação entre o incumprimento (mora; cumprimento defeituoso) do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do devedor/excipiens : relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra.

Segundo a dita relação de sucessão, não poderá recusar a sua prestação, invocando a exceptio, o contraente que se encontre, ele próprio, numa situação de incumprimento /mora ; a recusa de cumprir do excipiens deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe e não precedê-la .

Por sua vez, segundo aquela relação de causalidade, a exceptio supôe a existência de um nexo de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação pelo excipiens, ou seja, a exceptio deve ser alegada tendo em vista compelir à execução da obrigação correspectiva por parte do outro contraente; se o comportamento objectivamente manifestado pelo excipiens indicia não ser esse [...]
efectivamente o motivo da sua recusa em prestar, a dita excepção será ilegítima e não poderá, assim, proceder.

Finalmente, por força do princípio da equivalência ou proporcionalidade, a recusa do excipiens deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento, de modo que, se a falta desta não assumir relevância no contexto da utilidade económica da prestação, o recurso à exceptio poderá também ser ilegítima .

Definidos, assim, os pressupostos gerais da exceptio e a sua intrínseca ligação ao princípio da boa-fé contratual, cumpre agora conhecer os seus pressupostos específicos.

Como resulta do citado artigo 428º, a excepção de não cumprimento, para além de supor, em regra, um contrato bilateral (contrato de que  emergem obrigações para ambas as partes), exige, ainda, que o cumprimento das obrigações dele decorrentes para ambas as partes não esteja sujeito a prazos diversos.
Em suma, o primeiro pressuposto é que ambas as obrigações dos contraentes não estejam sujeitas a qualquer prazo (obrigações puras) ou estejam sujeitas a um prazo rigorosamente igual, i.é, em que o cumprimento de ambas as obrigações deva ser simultâneo.             Nestas hipoteses, como decorre do já citado art. 428º, n.º 1, qualquer um dos contraentes pode recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo .
Porém, conforme é ensinamento da doutrina e da jurisprudência, mesmo existindo prazos diferentes para o cumprimento das obrigações, o contraente obrigado a cumprir em segundo lugar pode ainda invocar a exceptio se o contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar o não fizer ou o fizer de forma imperfeita, nos termos antes expostos. – Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, P. LIMA, Código Civil Anotado, I vol., Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 405, L. MENEZES LEITÃO, op. cit., pág. 263, J. CALVÃO DA SILVA, op. cit., pág. 331/332, ALMEIDA e COSTA, “ Direito das Obrigações ”, Almedina, 11ª edição, pág. 364-365.
Portanto, importa fixar-se que, mesmo existindo prazos diferentes para o cumprimento das prestações, o contraente obrigado a cumprir em segundo lugar também pode invocar a exceptio, desde que verificados os pressupostos gerais acima definidos .

Todavia, situações excepcionais existem, em que o próprio contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar pode recusar o cumprimento da sua prestação, se e enquanto o outro contraente não efectuar a sua prestação ou não der garantias de cumprimento. 
Tal possibilidade de invocação da exceptio pelo contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar, ocorre apenas quando, posteriormente ao contrato, se venham a verificar alguma das circunstâncias que importem a perda do benefício do prazo, ou seja, se o outro contraente (o obrigado a cumprir por último) se tornar insolvente, mesmo que não judicialmente declarado, se diminuirem, por facto que lhe seja imputável, as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias convencionadas – cfr. artigo 780º, n.º 1 do Cód. Civil .
Verificadas (e demonstradas) estas circunstâncias, pode o próprio contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar, recusar fundadamente a sua prestação.

4.3.2. O caso dos autos:
Feita a anterior exposição atinente ao regime jurídico aplicável, cumpre conhecer do caso sub judice.

Mostra-se indiscutido que estamos em presença de um contrato de arrendamento para habitação celebrado a 29.07.2009, entre a Autora (como senhoria) e os réus B. e E. (como arrendatários), contrato este a que são aplicáveis as normas do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27.02. - vide contrato de arrendamento reduzido a escrito e constante de fls. 13-14 dos autos.
Também se mostra indiscutido o fundamento invocado para a resolução do contrato – falta de pagamento de rendas relativas aos meses de Junho a Dezembro de 2012, aos meses de Julho a Dezembro de 2013, parte das rendas dos meses de Abril e Maio de 2014, e a totalidade das rendas relativas aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2014, num total, à data da interposição da presente acção de € 2. 706, 54 (cfr. factos provados sob os n.ºs 4 e 5 da sentença recorrida) – fundamento este que colhe apoio legal no preceituado no art. 1083º, n.ºs 2 e 3 do Cód. Civil. Vide, neste sentido, J. PINTO FURTADO, “ Manual de Arrendamento Urbano ”, II volume, Almedina, 4ª edição, pág. 1021, F. BAPTISTA de OLIVEIRA, “ A resolução do contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano ”, Almedina, 2007, pág. 82, e L. MENEZES LEITÃO, “ Arrendamento Urbano ”, Almedina, 2006, pág. 84-85.

	Desta forma, dúvidas não existem que, não colhendo a exceptio invocada pelo réu contestante e ora recorrente, falecerá qualquer causa justificativa para a suspensão ou não pagamento unilateral da renda por parte do arrendatário, constituíndo-se,  antes, o arrendatário em incumprimento (definitivo) daquela sua obrigação de pagamento [...]
de renda, o que, à luz do preceituado no art.1083º, n.º 2 do Cód. Civil, confere, de   pleno, o direito à resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio, sem prejuízo do pagamento das rendas vencidas e vincendas, como consignado na sentença recorrida.

Esta conclusão impõe-se-nos com tal evidência que julgamos não se justificarem acrescidas considerações, sendo certo, ademais, que a sentença recorrida não se mostra posta em crise nessa parte, mas antes e apenas quanto à não verificação da excepção de não cumprimento do contrato.

Assim, importa avançar quanto à questão concreta da dita exceptio.

Como é consabido, o pagamento da renda constitui uma obrigação do locatário (a primeira e mais elementar) como contrapartida do gozo da coisa cedida pelo locador, à qual se vinculou e que se mantém enquanto perdurar o dito gozo. – cfr. arts. 397º, 406º, n.º 1, 1022º e 1038º, al. a)-, todos do Cód. Civil.
O dito pagamento da renda constitui, como se referiu, obrigação essencial e característica do contrato de locação, sendo devida como contrapartida pelo gozo de um coisa imóvel, proporcionado pelo senhorio, no âmbito, portanto, de um contrato (de arrendamento) sinalagmático ou bilateral, pois que gera não só obrigações para ambas as partes, mas, ainda, obrigações unidas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência: - à obrigação do locador de proporcionar o gozo do prédio corresponde ou contrapõe-se, no pólo oposto, a obrigação de o locatário pagar a renda.

No caso em apreço, o réu, sem negar o fundamento invocado pelo senhorio (pois que não pôs em causa o não pagamento das rendas reclamadas pelo senhorio),   [...]justifica a recusa ou suspensão do pagamento das mesmas, invocando a exepção de não cumprimento do contrato por via de vícios ou patologias existentes no locado e que, segundo advoga, põem em causa a habitabilidade do mesmo, assim como, ainda, por falta de obras a cargo do senhorio, obras estas que têm sido exigidas.

Trata-se a dita exceptio de uma excepção dilatória de direito material cujo ónus de alegação incumbe ao locatário, não sendo de conhecimento oficioso; de direito material porque fundada em razões de direito substantivo (sinalagma funcional); dilatória porquanto não excluindo definitivamente o direito invocado pelo autor apenas o «paralisa» temporariamente, isto é, até ao momento em que o senhorio venha a cumprir integralmente a sua obrigação em falta ou prestada defeituosamente. Vide, neste sentido, J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 334.

De facto, a exceptio analisa-se na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazo diferentes para a realização das prestações, de recusar a prestação a que se acha adstrita, enquanto a contraparte não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.» - Vide, neste sentido, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 127-128 e ALMEIDA COSTA, op. cit., pág. 363.

Destarte, a prova da factualidade conducente à demonstração da exceptio consubstancia matéria de excepção (facto impeditivo do direito do credor), cujo ónus de prova incumbe ao arrendatário – art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil. – cfr., neste sentido, por todos, AC RP de 4.07.2013, relator MARIA AMÁLIA SANTOS, AC RP de 12.05.2015, relator FERNANDO SAMÕES e AC RL de 3.04.2014, relator FÁTIMA GALANTE, todos in www.dgsi.pt e J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 334.

No domínio concreto do contrato de arrendamento, naturalmente, a exceptio é de admitir (atento o caracter bilateral ou sinalagmático do dito contrato), embora deva a sua aplicação obedecer aos princípios gerais aplicáveis ao instituto.

Neste sentido, é, aliás, a posição dominante da jurisprudência e da doutrina, reconhecendo a admissibilidade ou aplicação do instituto da excepção de não cumprimento do contrato ao contrato de arrendamento. - Vide, neste sentido, por todos, AC RP de 4.07.2013, AC RP de 12.05.2015, AC RL de 3.4.2014, relator FÁTIMA GALANTE, antes citados, e, ainda, AC RC de 18.07.2006, relator JORGE ARCANJO, também in www.dgsi.pt e, ao nível da doutrina, por todos, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 64 e segs..., A. VARELA, op. cit., pág. 364 e J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 331, nota 599.
Aliás, se dúvidas existissem quanto a essa aplicação, e hoje essas dúvidas estão, por completo afastadas (vide sobre a problemática e a evolução no seu tratamento, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 62 e segs...), o próprio art. 1040º, n.º 1 do Cód. Civil, consubstancia «uma manifestação especial da aplicação da exceptio no âmbito do contrato de arrendamento» - vide, neste sentido, A. MENEZES CORDEIRO, “ Leis do Arrendamento Urbano Anotadas ”, Almedina, 2014, pág. 72 -, ao ali prever que «se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta...». (sublinhado nosso)

De todo o modo, como vem sendo posição consistente da jurisprudência e da doutrina já citadas, para que a excepção de não cumprimento possa operar em geral, e em particular, no contrato de arrendamento, é suposto ou exigível, por um lado, que [...]

exista um nexo ou relação de correspectividade entre as prestações em causa (sinalagma) e, ainda, que, à luz dos ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil), exista uma relação de proporcionalidade ou equilíbrio entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção.

Ora, no caso em apreço, perante a factualidade provada (e que inclui a acima enunciada, em conformidade com a procedência parcial da presente apelação), cremos, ainda assim, ser patente que os aludidos pressupostos não se verificam e, consequentemente, a exceptio não pode proceder.
Se não, vejamos.
	A primeira questão, nesta sede, reporta-se às obras de que o locado carece e que os réus solicitaram à autora por várias/inúmeras vezes – vide facto provado em 6.
Neste conspecto, é de referir que a obrigação do inquilino de pagar a renda resulta do facto de lhe ser proporcionado o gozo da coisa, ou seja: obrigações correspectivas são, o dever do senhorio de proporcionar o gozo da coisa e o dever do inquilino de pagar a renda; não já o dever do inquilino de pagar a renda e o puro e simples dever do senhorio de realizar obras.
Ademais, em caso de necessidade de proceder a reparações no locado, o inquilino dispõe de meios que pode accionar - artigo 1036° do Cód. Civil -, sendo que entre esses não se encontra o de não pagar a renda.

Como assim, em princípio, a mora do senhorio na realização das obras não justifica a invocação da excepção de não cumprimento do contrato. Mantendo-se o arrendatário no gozo do arrendado, o dever que o senhorio tem de proceder a [...]reparações não é correspectivo do dever do arrendatário pagar, pontualmente, as rendas convencionadas, pois à obrigação de pagar a renda contrapõe-se o dever de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo do arrendado. 

Neste sentido, refere-se no AC STJ. de 6.05.1982, BMJ 317º, pág. 239, que  a «mora do senhorio em fazer obras sem que tal implique a perda da coisa locada, não justifica que o arrendatário deixe de pagar as rendas pois estas obrigações não são correspectivas. À falta de cumprimento pelo senhorio da obrigação de fazer as obras correspondem o dever geral de indemnização, nos termos do art° 562° do CPC., e a faculdade conferida pelo art. 1036° do mesmo Código». Vide, ainda, no mesmo sentido, AC RC de 29.10.1996, CJ, ano XXI, tomo 4, pág. 45, AC RP de 27.05.2002, relator FONSECA RAMOS, e AC STJ de 11.10.2007, relator CUSTÓDIO MONTES, estes dois últimos in www.dgsi.pt.

Com efeito, como se refere no citado AC RC de 29.10.1996, e cuja lição aqui seguimos, «O arrendatário, no caso de mora do senhorio na reparação dos defeitos, não pode, mantendo-se no gozo da coisa locada, e enquanto subsistir o contrato, deixar de pagar a renda no momento oportuno, sob pena de incorrer em mora».
Só assim não será quando esteja em causa a inobservância, pelo senhorio, do dever de realizar obras que impliquem directamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o total ou parcialmente desse gozo.

Sendo assim, no caso dos autos, este circunstancialismo – cujo ónus de prova incumbia ao arrendatário (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil) –, manifestamente não se verifica, desde logo porque, sem prejuízo das ditas obras e da sua responsabilidade poder ser assacada ao senhorio, certo é que nenhum facto se mostra alegado [...] (e provado) que demonstre que os réus/inquilinos, em razão da omissão de obras (cujo conteúdo nem sequer se mostra concretizado), se viram privados, total ou parcialmente, do gozo do locado. 
Pelo contrário, o que resulta da própria alegação do inquilino/recorrente Lourenço Silva é de que, não obstante a ausência das ditas obras, os inquilinos ali têm mantido a sua residência/habitação e o pretendem continuar a fazer... - cfr. artigo 23º da contestação do réu.
Ora, neste contexto, pode, até, conceder-se que o locado não proporcione boas condições de habitabilidade e/ou de comodidade para a residência familiar dos arrendatários, atenta a sua vetusta idade e as patologias que evidencia; todavia, daí não decorre que tenham os réus e arrendatários do locado ficado privados, total ou parcialmente, do gozo/uso do mesmo para o fim a que ele se destina, qual seja a habitação do agregado familiar, sendo certo que, como já se expôs, nada em concreto nos autos o demonstra, antes pelo contrário, pois que os mesmos ali continuam a habitar e a usufruir, em deficientes condições, é certo, o locado.

Assim, neste conspecto, sem prejuízo da ausência de obras que ficou demonstrada, sendo certo que não se mostra comprovada uma qualquer privação do gozo ou utilização, total ou parcial, do locado, por parte dos arrendatários, falece um qualquer nexo sinalagmático ou de correspectividade entre a dita conduta imputável ao senhorio (omissão de obras) e a falta de pagamento das rendas, falta esta que, é de realçar, se estende pelos anos de 2012, 2013 e 2014.

Ora, sendo assim, é de referir que, independentemente do já antes exposto – e que bastaria para excluir a pretensão dos réus e do ora recorrente –, uma tal  conduta dos réus afronta ainda claramente os ditames da boa-fé, sendo certo que esta supõe  [...]agir com correcção e lealdade.
Na verdade, é de convir que invocar falta de obras no locado a cargo do senhorio – onde, apesar disso, se mantêm a residir – e do mesmo passo, durante anos, não pagar rendas de vários meses, é procedimento que as aludidas regras de correcção e e lealdade não sancionam como conduta de bem.

Desta forma, ainda por esta outra razão, neste âmbito, a invocação procedente da exceptio não pode colher, antes se impondo a sua improcedência.

Todavia, para além das obras em falta, demonstrado ficou também que as portas do locado se encontram partidas, com fendas por onde entram ratos, que o esgoto entope regularmente, que a canalização está gasta e a água sai turva e, ainda, que as janelas têm vidros partidos – vide factos provados sob os n.ºs 6 a 10.
Sucede, no entanto, como já salientado, que, se é certo que as ditas patologias ou vícios comprometem, como é evidente, as condições de habitabilidade do locado, não deixa também de resultar da alegação do réu contestante que, apesar disso, não se encontram os réus e inquilinos privados (total ou parcialmente) do gozo do locado, onde habitam e onde pretendem continuar a habitar – vide o já citado art. 23º da contestação do réu e ora recorrente.

Ora, se assim é, inexiste, em nosso julgamento, um qualquer desiquilíbrio contratual que justifique, de um ponto de vista de proporcionalidade e boa-fé, a exceptio em apreço.

De facto, ao invés, mantendo-se os inquilinos no gozo e fruição do locado, a despeito dos seus vícios ou anomalias, que prejudicam a sua habitabilidade,  [...] o equilíbrio contratual, a proporcionalidade entre as prestações, obrigava ou exigia que os mesmos mantivessem o pagamento da renda (ou, pelo menos, de uma sua parte significativa), não sendo aceitável, por desproporcionado e contrário à boa-fé, que, nesse circunstancialismo, pura e simplesmente, tivessem os mesmos – como sucedeu – suspendido ou cessado, em absoluto, o pagamento da renda devida. Vide, neste sentido, em situação similar, o já citado AC RP de 4.07.2013, AC STJ de 9.12.2008, relator NUNO CAMEIRA, e AC RL de 19.10.2010, relator MARIA do ROSÁRIO BARBOSA, todos in www.dgsi.pt.

De facto, sendo a renda a contrapartida ou o correspectivo do gozo do locado – que o senhorio é obrigado a assegurar – e mantendo-se os inquilinos, a despeito das deficientes condições de habitabilidade do locado, nesse gozo (portanto, sem qualquer privação total ou parcial), constituiría uma situação de evidente má-fé e abuso de direito poderem os inquilinos ali permanecer e ali manter a sua habitação, sem, em contrapartida, pagarem, durante anos e meses a fio, uma qualquer contrapratida, ou seja gratuitamente...

Um tal conduta não merece o acolhimento da ordem jurídica e, concomitantemente, o não pagamento das rendas em apreço só podia conduzir, como conduziu, à resolução do contrato e consequente despejo do locado, sem prejuízo, ainda, do pagamento das rendas vencidas e vincendas, precisamente enquanto contrapartida pelo gozo do imóvel locado.

O que, em conclusão, terá que conduzir à improcedência da excepção de não cumprimento e à improcedência da apelação, ainda que por fundamentos ou razões diversas das invocadas na sentença recorrida.

* *

V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença proferida, embora por fundamentos diversos.

*

Custas pelo Recorrente, que ficou vencido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
*
Guimarães, 3.03.2016
*
 
Sumário: 

	1. Tendo sido concedido ao autor o contraditório legal relativamente à contestação do réu e optando aquele, na sua resposta, por não impugnar especificadamente a matéria de facto que suportava as excepções (dilatórias e/ou peremptórias) invocadas, de forma separada e especificada, pelo réu na sua contestaçã, essa matéria de facto é de julgar-se como provada, por acordo (arts. 570º, n.º 2 e 587º, n.º1, ambos do CPC), salvo nas hipóteses a que aludem os n.ºs 2, 2ª parte, n.º 3 e n.º 4 do artigo 570º do mesmo Código. 

	2. A excepção de não cumprimento do contrato é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desiquilíbrio, injustificado e contrário à boa-fé, entre as prestações a cargo das partes contraentes, configurando-se a exceptio como um meio de repôr o dito equilíbrio (sinalagma) contratual.

	3. Destarte, por princípio, a excepção de não cumprimento do contrato é aplicável no âmbito do contrato de arrendamento.

	4. Todavia, regra geral, a mora do senhorio na realização de obras não justifica a invocação da exceptio, por inexistência de correspectividade entre a obrigação de pagamento da renda a cargo do arrendatário e a obrigação do senhorio de efectuar, em determinadas condições, obras no locado; Só assim não será se a omissão das ditas obras implicar directamente com o gozo do imóvel, gerando uma situação de privação, total ou parcial, desse gozo por parte do arrendatário.

5. Por outro lado, ainda, a circunstância de o locado, por força de vícios ou patologias supervenientes, não vier a proporcionar boas condições de habitabilidade, a exceptio apenas é de admitir se o arrendatário ficar privado, total ou parcialmente, do gozo do locado, mas já não o será se, a despeito de tais patologias ou vícios, o arrendatário permanecer no gozo do mesmo, designadamente se aí continuar a habitar, assim como o respectivo agregado familiar.

6. Em tais condições, a falta de pagamento da renda por parte do arrendatário, a coberto da alegada exceptio, mostra-se injustificada e constitui justa causa de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio.

7. A exceptio constitui uma excepção material dilatória, cujo ónus de alegação e prova (do respectivo substracto factual) incumbe ao arrendatário.
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Jorge Miguel Pinto de Seabra



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José Fernando Cardoso do Amaral



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Helena Maria Gomes Melo

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO. Recorrente: B. Recorrida: C.. * Viana do Castelo – Instância Local – Secção Cível – Jz. 2 * 1. C. intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B., E. e D., pedindo: que se declare a resolução do contrato de arrendamento identificado no artigo 2.º da p.i., por falta de pagamento de rendas; que se condenem os 1º e 2ª réus, na qualidade de inquilinos, a despejar imediatamente o local arrendado, deixando-o devoluto de pessoas e bens; que se condenem todos os réus no pagamento à autora das rendas vencidas e não pagas até à data de interposição da presente acção, no [...] montante de € 2.706,54 (dois mil setecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como a rendas vincendas até à entrega efectiva à autora do local arrendado, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal até efectivo e integral pagamento. 2. Regularmente citados, apenas o Réu B. apresentou articulado de contestação, pelo qual, além de excepcionar a incompetência absoluta deste tribunal, em razão da matéria, invocou a excepção de não cumprimento do contrato, por falta de condições de habitabilidade e falta de realização de obras no locado. 3. Ao abrigo do princípio do contraditório, foi a Autora notificada da contestação e para, querendo, responder, em 10 dias, à matéria de excepção alegada pelo Réu B., o que a Autora efectuou por meio de articulado constante de fls. 39-42 dos autos, pugnando a final pela improcedência das ditas excepções. 4. Dispensada a realização de audiência prévia, foi lavrado despacho saneador (julgando improcedente a excepção de incompetência em razão da matéria do tribunal), foi dispensada também a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova, foram admitidos os meios de prova oferecidos pelas partes e designada data para a audiência de julgamento. 5. Efectuado o julgamento, veio a ser proferida sentença que: i. declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e os 1.º e 2ª réus, relativo à fracção autónoma id. correspondente ao R/C esquerdo do Bloco 2 do Bairro do Atlântico, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 4.288º. ii. condenou os réus B. e E. a despejar, imediatamente, o imóvel mencionado em a), livre de pessoas e bens, e a entregá-lo à autora. iii. condenou os mesmos réus B., E. e D. a pagar à A. a quantia de € 2.706,54 (dois mil setecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como a rendas vincendas até trânsito em julgado da decisão e o valor de € 161,57 por cada mês de ocupação [correspondente ao valor actual da renda], a título de indemnização, até efectiva entrega do locado. * * 6. Inconformado com a aludida sentença, veio o Réu B. a interpor recurso da mesma, deduzindo as seguintes conclusões recursivas: a)- Vem presente recurso interposta da sentença que declara resolvido o contrato de arrendamento entre AA. e RR. e condena os RR ao pagamento da quantia de dois mil setecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos, bem como das rendas vincendas. b)- O imóvel arrendado não permitia uma utilização plena do mesmo, e nestes termos, suspende-se o dever de pagamento da renda quando a falta de condições de habitabilidade não permita ao prédio realizar cabalmente o fim a que é destinado. c)- Os factos que fundamentam a excepção invocada encontram-se especificamente narrados na contestação. d)- A A. não respondeu à excepção invocada em qualquer momento processual, nem sequer fazendo prova da inexistência dos factos elencados que suportam a excepção. Assim, e desde logo se entende que admitem tais factos, pelo que, tal deveria ser atendido em sede de sentença, o que não sucedeu. e)- A testemunha Núria, com referência à acta do dia 26 de Junho de 2015 [depoimento gravado no sistema de gravação digital - H@bilus Média Studio - desde 00:00:01 a 00:07:76.], foi clara em manifestar que nada sabe acerca do estado real do imóvel. f)- Aliás, a testemunha informa que “há inspecções periódicas ao local”, no entanto não soube esclarecer qual a periodicidade, atestando que não foram feitas obras no interior do imóvel que o R. habita, o que corrobora os seguintes artigos da conclusão. g)- Ora perante este testemunho e perante a admissão da Ré dos factos vertidos na contestação entende-se não haver fundamentação quanto à matéria dada por não provada. h)- Muito pelo contrário. Entendemos que, os factos não provados a), b), c), d), e e) deveriam ser dados por provados. i)- Assim, não se entende o percurso lógico feito nem o que fundou a convicção do Tribunal em tais juízos. j)- Termos pelos quais: deverá ser a sentença tida como nula por falta de fundamentação, assim não se entendendo, deverá a factualidade não provada descrita de a) a e) ser dada como provada, sendo julgada procedente a excepção invocada pelo Réu, dando consequentemente a acção de despejo como improcedente. * * 7. Por seu turno, a Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais pugnou pela improcedência da apelação e pela manutenção da sentença recorrida. * * Após os vistos legais, cumpre decidir. * * II – FUNDAMENTOS. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do NCPC. * No seguimento desta orientação, cumpre decidir. Neste âmbito, em função das conclusões recursivas as questões que se colocam são as seguintes: 1º nulidade da sentença por falta de fundamentação (quanto à matéria julgada como não provada na sentença recorrida). 2º alteração da factualidade julgada como não provada na sentença recorrida; 3º excepção de não cumprimento. * * III – FUNDAMENTOS de FACTO. Na sentença recorrida, foi julgada provada a seguinte factualidade (ipsis verbis): 1. A Autora é dona e legitima proprietária do prédio urbano sito na Avenida …, bloco 2, integrado no denominado “Bairro…”, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 4.288º. 2. Mediante contrato escrito, a autora deu de arrendamento aos 1º e 2ª réus, para fins habitacionais, o rés-do-chão esquerdo do prédio identificado no artigo precedente, pelo prazo de seis meses, renovável por iguais períodos, com início no dia 01 de Agosto de 2009, mediante a renda mensal de € 150,00, a pagar nos primeiros oito dias do mês a que disser respeito, na secretaria da autora. 3. Em virtude das actualizações anuais legalmente previstas, a renda do referido locado foi de € 154,79 por mês a partir de 01 de Janeiro de 2012, de € 159,99 a partir de 01 de Janeiro de 2013 e de € 161,57 a partir de 01 de Janeiro de 2014. 4. Os réus não pagaram à autora parte da renda relativa ao mês de Junho de 2012, no montante de € 18,52, bem como a totalidade das rendas respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro também de 2012, como também não pagaram a totalidade das rendas respeitantes aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2013, e também não pagaram parte da renda relativa ao mês de Abril, no montante de € 149,28, parte da renda relativa ao mês de Maio, no montante de € 6,78, e a totalidade das rendas relativas aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2014. 5. Tudo num total de € 2.706,54, à data da interposição da presente acção. * * Por seu turno, na mesma sentença foi julgada como não provada a seguinte factualidade (ipsis verbis): a)- O locado apresenta inúmeros defeitos e necessita de obras urgentes, o que os 1º e 2ª réus já solicitaram por inúmeras vezes ao senhorio. b)- As portas do locado encontram-se partidas, com fendas por onde entram ratos, tendo os inquilinos de colocar várias ratoeiras na habitação. c)- O esgoto entope regularmente e funciona mal. d)- A canalização está gasta e a água sai turva do seu interior. e)- As janelas são em madeira, cujos vidros estão partidos, que se encontram em mau estado de conservação, entrando as intempéries para a habitação. * * IV – FUNDAMENTAÇÃO de DIREITO. 4.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação: A primeira questão que, por razões de ordem lógica, cumpre conhecer e decidir reporta-se à alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, em concreto, quanto à factualidade que, na sentença recorrida, foi julgada não provada. – vide conclusões g)- e j)- da apelação. Decidindo. A propósito da nulidade da sentença reza o art. 615º, n.º 1 al. b)- do CPC., que a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito e que justificam a decisão;» (sublinhado nosso) Por seu turno, quanto à fundamentação da sentença, preceitua o art. 607º, n.º 4 do mesmo Código que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, (...) e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção...» No que se refere à fundamentação da convicção subjacente à decisão de facto constitui ela, sem dúvida, uma das mais delicadas, significativas (e espinhosas) vertentes da intervenção do juiz do processo, porquanto, mais do que um mero acto mecânico de declaração dos factos provados e não provados, é indispensável que o julgador explicite as razões pelas quais optou por uma determinada decisão da matéria de facto provada e/ou não provada em detrimento de outra. A explicitação cabal destas razões (enquanto forma que melhor exprime o âmago da actividade jurisdicional) exige sempre a análise crítica das provas e a especificação de todos os demais fundamentos decisivos para a convicção do juiz, que devem, por isso, sempre figurar na dita fundamentação da decisão. Neste sentido, a fundamentação da sentença constitui, não só, um imperativo constitucional (cfr. art. 205º da Constituição da República Portuguesa), mas, ainda, um instrumento de compreensão da decisão por parte dos seus destinatários, um instrumento controle externo da decisão (por via da respectiva impugnação pela parte interessada e/ou pela sua sindicância pelo tribunal superior) e um instrumento de controle interno a efectuar pelo próprio juiz do processo pois que, atenta a sobredita necessidade de fundamentação, este último sempre terá que confrontar a sua convicção intíma com os elementos probatórios produzidos, em termos de aquela convicção encontrar apoio nesses elementos, o que é expectável que contribua para evitar [...] decisões fundadas em meras convicções ou intuições pessoais. Vide, neste sentido, por todos J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, II volume, Coimbra Editora, 2001, pág. 628. Todavia, uma coisa é a falta de fundamentação/motivação da decisão da matéria de facto, outra coisa é a nulidade da sentença, sendo certo que esta só ocorre quando esta última não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artigo 607.º, nº 3 do citado Código que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação da sentença, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º. - Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, “ Manual de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 687 e J. LEBRE de FREITAS, op. cit., pág. 669. A fundamentação de facto e de direito deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. - Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, op. cit., pág. 687. Esta nulidade, para que se mostre verificada, supõe uma absoluta falta de fundamentação de facto e ou de direito na sentença proferida, isto é que a dita peça omita por completo os factos que se consideraram provados e não provados ou o [...] direito aplicável aos mesmos, o que, no caso dos autos, manifestamente, não ocorre, sendo certo que a Srª Juiz elencou, na sentença em apreço, os factos que julgou provados e não provados e convocou o regime jurídico e as consequentes normas tidas por aplicáveis ao litígio em apreço. Portanto, ao contrário do que sustenta o Recorrente, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe vem assacada e constante da alínea b) do nº 1 do artigo 615.º Todavia, como já se expôs, diferente deste vício, é a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto (factos provados e não provados). Esta fundamentação mostra-se imposta pelo citado art. 607º, n.º 4 do CPC. e dele resulta que a motivação não pode nem deve ser meramente formal, tabelar ou formatada, antes devendo expressar as verdadeiras razões que conduziram à decisão no culminar da audiência de discussão e julgamento. O juízo probatório é a decisão judicativa pela qual se julgam provados ou não provados os factos relevantes, controvertidos e carecidos de prova, mediante a livre valoração dos meios probatórios apresentados pelas partes ou determinados oficiosamente. Neste contexto, impondo-se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, que se estabeleça o fio condutor entre os meios de prova usados na aquisição da convicção (fundamentos) e a decisão da matéria de facto (resultado), fazendo a apreciação crítica daqueles, nos seus aspectos mais relevantes, a decisão encontrar-se-á viciada quando não forem observadas as regras contidas no artigo 607.º, nº 4. Todavia, apesar do juiz dever efectuar o exame crítico das provas respectivas e especificar todos os fundamentos que que foram decisivos para a sua convicção, não é a falta de tal exame ou especificação que basta para preencher a nulidade prevista na al. b) do artigo 615.º, sendo que essa só se verifica nos termos já antes referidos. Na verdade, a falta de motivação no julgamento da matéria de facto (provada e não provada) determina a remessa do processo ao tribunal da 1ª instância, nas circunstâncias previstas no artigo 662.º, nº 2 al. d)-, ou a anulação do julgamento, ao abrigo da alínea c) do mesmo normativo, ou seja, o vício também não conduz, por isso, à nulidade da sentença. Todavia, ainda assim, não se poderá dizer que, no caso sub judice, a decisão exarada pelo tribunal recorrido sobre o julgamento da matéria de facto, não esteja fundamentada e que a mesma não tenha feito a análise crítica da prova. Na verdade, como se vê da sentença recorrida, a Srª Juiz, no que se reporta à matéria de facto julgada não provada (e é sobre esta que incide a questão da nulidade suscitada pelo Recorrente), explicita claramente e de forma suficiente as razões concretas que, de um ponto de vista probatório, e na sua perspectiva, conduziram à não demonstração da dita factualidade. Neste sentido, ali se escreve (a fls. 61), ipis verbis, o seguinte: «...os 1º e 2º réus, em sede de contestação, não negam nem a existência do contrato nem a falta de pagamento das rendas, excepcionando apenas que tal não cumprimento do contrato se ficou a dever à falta de condições de habitabilidade do locado e falta de realização de obras necessárias no mesmo. Porém, nenhum dos factos alegados para o efeito resultaram provados, por nenhuma prova ter pelos réus sido produzida.» (sublinhado nosso) Ora, neste contexto, sendo certo que, de facto, os réus não produziram em audiência de julgamento qualquer prova (vide a respectiva acta), nem juntaram com a sua contestação qualquer documento (vide a respectiva contestação), logo se alcança da citada fundamentação que a Srª Juiz a quo considerou que a matéria de facto alegada pelos RR. na sua peça processual (contestação) e atinente à alegada excepção de não cumprimento do contrato carecia de prova e essa prova não foi produzida pelos RR., a quem a incumbia demonstar. Este raciocínio é perfeitamente claro e expresso na sentença recorrida, falecendo, de todo, razão ao recorrente quando sustenta que não existe fundamentação atinente a tais factos ou que não se alcança o precurso lógico e/ou não se percebe o que motivou a resposta negativa à dita matéria. Outra coisa, é, diga-se, o Recorrente discordar, e até ter, como é o caso [como se exporá, em sede própria], razões válidas para essa discordância, da aludida análise da prova ou da consideração de tais factos como controvertidos [e sujeitos a prova], esgrimindo ele as razões que, em seu entender, justificariam que tais factos logo fossem dados por assentes ou, até, os meios probatórios que imporiam uma decisão diversa em matéria de facto. Todavia, como já decorre do exposto, daí não resulta a nulidade da sentença. Com efeito, é de referir, neste âmbito, que uma eventual insuficiência dos elementos probatórios necessários à formação da convicção judicial sobre determinado facto, uma incorrecta valoração desses elementos probatórios, uma sua indevida desconsideração ou uma incorrecta aplicação de regras processuais que conduziram à prova de determinados factos (que é o que, verdadeiramente, está em causa no concreto caso ora em apreço), não geram uma situação de nulidade da sentença por falta de fundamentação, mas antes um eventual erro de julgamento ou «error in iudicando», que apenas nessa sede pode ser dirimido. Destarte, e por todo o exposto, quanto à invocada nulidade da sentença por falta ou insuficiência de fundamentação de facto, a mesma deverá improceder, o que se julga. * * 4.2. Da alteração da matéria de facto julgada não provada na sentença recorrida. Dirimida a questão da nulidade da sentença recorrida, cumpre conhecer da segunda questão suscitada, qual seja a de saber se os factos alegados pelo réu na sua contestação e atinentes à excepção de não cumprimento do contrato de arrendamento em apreço (vide arts. 13º a 17º da contestação, transpostos para as alíneas a)- a e)- da factualidade julgada não provada na sentença recorrida) deveriam ter sido, como advoga o recorrente, julgados como provados. Nesta sede, invoca o recorrente que a dita matéria factual exceptiva não foi objecto de resposta pela Autora em qualquer momento processual, razão porque deveria a mesma ter sido julgada como provada na sentença recorrida, ao invés do ali decidido. – vide conclusões em c)-, d)-, e)-, f)-, h) e i)- da apelação. Ora, neste conspecto e em termos de princípio geral, ter-se-á de referir que assiste por inteiro razão ao recorrente, na estrita medida em que, de facto, a [...] Autora, não obstante ter respondido à contestação do réu (na sequência do despacho que lhe concedeu, expressamente, a possibilidade de exercer o legal contraditório quanto à matéria de excepção – vide despacho a fls. 38 dos autos), em nenhuma parte desse seu articulado de resposta impugnou, de forma especificada, a matéria de facto alegada pelo réu, sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 572º, al. c)- do citado CPC., este procedeu à especificação separada e destacada da matéria de excepção - vide título II da contestação do réu (fls. 35, frente e verso) e articulado da autora a fls. 39-42 dos autos. Com efeito, como se alcança deste articulado de resposta à matéria de excepção invocada pelo réu (excepção de incompetência absoluta do tribunal e excepção de não cumprimento do contrato), a Autora pugnou pela improcedência de tais excepções à luz apenas de considerações jurídicas, nomeadamente, no que à excepção de não cumprimento releva (única que permanece em causa), sustentando que as obras em causa não seriam, pela sua natureza, de sua responsabilidade (senhorio) e, ainda, que os vícios ou anomalias em causa não seriam justificativos da exceptio na estrita medida em que não comprometiam o gozo (total ou parcial) do locado. - vide arts. 7º a 19º da dita peça processual da autora. Dito de outra forma, a autora configurou a sua defesa perante a dita «exceptio non adimplenti contractus» invocada pelo réu (enquanto facto impeditivo do direito de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário), como questão de direito, que não de facto, não impugnando a dita factualidade, por ser seu entendimento jurídico que, ainda que demonstrada tal factualidade, ainda assim não existiria fundamento legal para o exercício daquela exceptio. Sendo assim, como é, naturalmente, por ausência de impugnação especificada (cfr. arts. 3º, n.º 3, 4º, 574º, n.ºs 1 e 2 ex vi do art. 587º, n.º 1, todos do CPC), a factualidade alegada pelos RR. na contestação e atinente à dita exceptio (e reportamo-nos a factualidade alegada e não a meras conclusões ou afirmações conclusivas ou opinativas – as quais, como é consabido, não constituem sequer objecto de prova), deveria, desde logo, em sede de audiência prévia ou em sede de despacho saneador-sentença autónomo (em caso de dispensa daquela), ter sido considerada admitida por acordo. Nesta perspectiva, que temos como a correcta face ao quadro normativo processual antes referido, a aludida matéria factual alegada pelo réu não poderia, salvo o devido respeito, vir a ter o julgamento de não provada (por falta de produção de prova quanto à mesma), mas antes, pelo exposto, deveria ter sido considerada provada por ter sido ela aceite por acordo, atenta a sua não impugnação especificada por parte da autora. – cfr. arts. 574º, n.º 2 e 587º, ambos do CPC. . De facto, se no confronto com o CPC de 1961, o actual CPC tornou a réplica uma peça ainda mais eventual, na medida em que restringiu as hipóteses da sua apresentação à dedução de reconvenção (art. 584º, n.º 1 do CPC), [salvo em caso de acção de simples apreciação negativa – n.º 2 do citado art. 584º], não deixou o legislador de acautelar o direito de resposta do autor à matéria de excepção invocada pelo réu, seja através de previsão de momento próprio para o efeito em sede de audiência prévia (cfr. art. 3º, n.º 4 do CPC), seja, ainda, como sucedeu no caso em apreço, através de despacho autónomo (prévio à audiência prévia), despacho esse destinado, precisamente, a proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito e quanto à matéria de excepção, despacho este proferido em conformidade com o princípio da adequação [...] formal do processo às especificidades da causa (art. 547º do CPC). Destarte, para concluir, tendo sido concedido à Autora o contraditório legal relativamente à contestação dos RR. e optando ela por, na sua resposta, não impugnar especificadamente a matéria de facto que suporta a excepção (dilatória ou peremptória) invocada, de forma separada e especificada, pelo Réu, essa matéria é de considerar como provada, por acordo, salvo nas hipóteses consignadas nos n.ºs 2, 3 e 4 do art. 570º (hipóteses estas que, no caso dos autos, não têm, no entanto, qualquer aplicação). – cfr. arts. 572º, al. c)-, 574º, n.º 2 e 587º, todos do CPC. . Vide, neste sentido, em situação similar, AC RP de 23.02.2015, relator MANUEL DOMINGOS FERNANDES, in www.dgsi.pt . Assim, face ao exposto, é de concluir que, nesta parte, deve proceder a apelação, com a consequente alteração da matéria de facto julgada como não provada pelo tribunal recorrido, passando essa matéria factual (mas apenas essa) alegada pelo réu contestante e em fundamento da invocada exceptio a ter-se como provada.. Em consequência, expurgando a alegação do réu das afirmações/alegações conclusivas ou opinativas (que não constituem matéria sujeita a prova ou perante a qual seja suposto ou exigível a autora defender-se), a matéria de facto a ter como provada por acordo é a seguinte (em aditamento ao elenco dos factos já provados na sentença recorrida e acima elencados) : 6. O locado tem 45 anos de idade e necessita de obras, obras que os réus já solicitaram por inúmeras vezes ao senhorio. 7. As portas do locado encontram-se partidas, com fendas por onde entram ratos. 8. O esgoto entope regularmente. 9. A canalização está gasta e a água sai turva do seu interior. 10. As janelas são em madeira e existem vidros partidos. * * 4.3. Da excepção de não cumprimento: Fixado o quadro factual provado e relevante, cumpre conhecer da excepção de não cumprimento invocada pelo réu/contestante, sendo certo que, face ao teor das conclusões recursivas, é esta a última questão que importa dirimir. Decidindo. 4.3.1. Considerações gerais: A excepção de não cumprimento encontra-se acolhida no nosso ordenamento civil pelo artigo 428º do Cód. Civil . Reza o citado artigo 428º, n.º 1 que «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.» Digamos, portanto, que o credor, em vez de optar por instar o devedor a cumprir, opta por uma outra atitude mais passiva, recusando-se apenas a cumprir a sua própria prestação se e enquanto o devedor não cumprir a sua ou não lhe oferecer esse cumprimento em simultâneo . Esta recusa do credor justifica-se precisamente porque a sua própria prestação é o correlativo da contraprestação do devedor, porque as respectivas obrigações [...] estão ligadas entre si por um nexo de causalidade – uma é o motivo determinante da outra – ou de correspectividade – uma é a contrapartida da outra. Logo, se o devedor não cumpre, não quer cumprir ou não pode cumprir, ainda que não imputavelmente, o credor pode suspender unilateralmente o cumprimento da sua obrigação, dada a ausência de contrapartida e reciprocidade que liga causalmente a prestação debitória e a prestação creditória . Neste sentido, a exceptio non adimplenti contractus é, no essencial, um meio de conservação do equilíbrio sinalagmático que deverá existir na génese e no próprio desenvolvimento dos contratos bilaterais, em especial no seu cumprimento, justificando-se essa exceptio quando ocorra uma ausência de correspondência ou de reciprocidade entre as obrigações que, no âmbito dos contratos bilaterais, emergem para ambas as partes. Vide, neste sentido, por todos, J. CALVÃO DA SILVA, “ Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória ”, Coimbra, 1987, pág. 329/330 e A. VARELA, “ Das Obrigações em Geral ”, I volume, Almedina, 6ª edição, pág. 362 a 365 . Dir-se-á, assim, de outra forma, que a exceptio é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário às regras da boa-fé, nas prestações a cargo das partes, configurando-se a exceptio como o meio de repôr o dito equilíbrio contratual entre as prestações das partes . É de notar, ainda, que, conforme vem sendo posição unânime da doutrina e da jurisprudência, este desiquilíbrio contratual que legitima a exceptio pode ter como causa não só a mora do devedor, como, ainda, o próprio cumprimento defeituoso ou [...] imperfeito, embora, nesta última hipotese, a procedência da exceptio dependa da demonstração pelo excipiens de que os defeitos da prestação realizada prejudicam, de forma relevante ou significativa, a satisfação do (seu) interesse visado no contrato. Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, op. cit., pág. 364, L. MENEZES LEITÃO, “ Direito das Obrigações ”, Vol. II, Almedina, 6ª edição, pág. 264, MENEZES CORDEIRO in anotação ao AC STJ de 31.01.80, ROA, ano 41º (1981), n.º 1, pág. 150 e segs, J. JOÃO ABRANTES, “ A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português ”, Almedina, 1986, pág. 110 e segs.. e , por todos, AC STJ de 17.11.2015, relator MARIA CLARA SOTTOMAYOR, AC STJ de 16.06.2015, relator FONSECA RAMOS e, ainda, AC STJ de 27.05.2008, relator JOÃO CAMILO, todos in www.dgsi.pt . Com efeito, como resulta da lição exposta, apenas quando, em sede de cumprimento defeituoso ou imperfeito, sobrevenha um desiquílibrio relevante das prestações a cargo dos contraentes, ocorrerá um motivo que, à luz das regras da boa-fé (cfr. art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil), torna justificativa a exceptio. Por outro lado, ainda, resulta do antes referido, que a exceptio non adimplenti contratus só tem cabimento lógico e legal nas hipoteses de mora (incumprimento temporário) ou cumprimento defeituoso pelo devedor, mas já não se o devedor incorrer em situação de incumprimento definitivo da sua prestação, seja este incumprimento definitivo resultante da impossibilidade da realização da prestação - impossibilidade fortuita ou impossibilidade imputável ao devedor -, seja resultante da recusa inequívoca e peremptória do devedor ao cumprimento, seja resultante do facto de, por via do retardamento no cumprimento, ter o credor perdido o seu interesse objectivo na na prestação em falta – arts. 801º, n.º 1 e 808º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil; Nesta [...] última hipotese, a excepção de não cumprimento (que visa instar/pressionar o devedor a cumprir) já não pode surtir efeito útil e o credor deverá lançar mão antes da resolução do contrato, cumulando esta com a eventual indemnização – cfr. art. 801º, n.º 1 do Cód. Civil. Vide, neste sentido, por todos, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 86. Estes princípios hão-de, ainda, ser conjugados com o princípio geral da boa-fé no cumprimento dos contratos (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil), princípio este que nesta sede, como em seguida melhor se explicitará, se revela de capital importância no exercício da exceptio. De facto, como refere J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 124, na esteira da doutrina italiana, a invocação da excepção de não cumprimento supõe a existência de uma tripla relação entre o incumprimento (mora; cumprimento defeituoso) do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do devedor/excipiens : relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra. Segundo a dita relação de sucessão, não poderá recusar a sua prestação, invocando a exceptio, o contraente que se encontre, ele próprio, numa situação de incumprimento /mora ; a recusa de cumprir do excipiens deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe e não precedê-la . Por sua vez, segundo aquela relação de causalidade, a exceptio supôe a existência de um nexo de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação pelo excipiens, ou seja, a exceptio deve ser alegada tendo em vista compelir à execução da obrigação correspectiva por parte do outro contraente; se o comportamento objectivamente manifestado pelo excipiens indicia não ser esse [...] efectivamente o motivo da sua recusa em prestar, a dita excepção será ilegítima e não poderá, assim, proceder. Finalmente, por força do princípio da equivalência ou proporcionalidade, a recusa do excipiens deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento, de modo que, se a falta desta não assumir relevância no contexto da utilidade económica da prestação, o recurso à exceptio poderá também ser ilegítima . Definidos, assim, os pressupostos gerais da exceptio e a sua intrínseca ligação ao princípio da boa-fé contratual, cumpre agora conhecer os seus pressupostos específicos. Como resulta do citado artigo 428º, a excepção de não cumprimento, para além de supor, em regra, um contrato bilateral (contrato de que emergem obrigações para ambas as partes), exige, ainda, que o cumprimento das obrigações dele decorrentes para ambas as partes não esteja sujeito a prazos diversos. Em suma, o primeiro pressuposto é que ambas as obrigações dos contraentes não estejam sujeitas a qualquer prazo (obrigações puras) ou estejam sujeitas a um prazo rigorosamente igual, i.é, em que o cumprimento de ambas as obrigações deva ser simultâneo. Nestas hipoteses, como decorre do já citado art. 428º, n.º 1, qualquer um dos contraentes pode recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo . Porém, conforme é ensinamento da doutrina e da jurisprudência, mesmo existindo prazos diferentes para o cumprimento das obrigações, o contraente obrigado a cumprir em segundo lugar pode ainda invocar a exceptio se o contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar o não fizer ou o fizer de forma imperfeita, nos termos antes expostos. – Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, P. LIMA, Código Civil Anotado, I vol., Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 405, L. MENEZES LEITÃO, op. cit., pág. 263, J. CALVÃO DA SILVA, op. cit., pág. 331/332, ALMEIDA e COSTA, “ Direito das Obrigações ”, Almedina, 11ª edição, pág. 364-365. Portanto, importa fixar-se que, mesmo existindo prazos diferentes para o cumprimento das prestações, o contraente obrigado a cumprir em segundo lugar também pode invocar a exceptio, desde que verificados os pressupostos gerais acima definidos . Todavia, situações excepcionais existem, em que o próprio contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar pode recusar o cumprimento da sua prestação, se e enquanto o outro contraente não efectuar a sua prestação ou não der garantias de cumprimento. Tal possibilidade de invocação da exceptio pelo contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar, ocorre apenas quando, posteriormente ao contrato, se venham a verificar alguma das circunstâncias que importem a perda do benefício do prazo, ou seja, se o outro contraente (o obrigado a cumprir por último) se tornar insolvente, mesmo que não judicialmente declarado, se diminuirem, por facto que lhe seja imputável, as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias convencionadas – cfr. artigo 780º, n.º 1 do Cód. Civil . Verificadas (e demonstradas) estas circunstâncias, pode o próprio contraente obrigado a cumprir em primeiro lugar, recusar fundadamente a sua prestação. 4.3.2. O caso dos autos: Feita a anterior exposição atinente ao regime jurídico aplicável, cumpre conhecer do caso sub judice. Mostra-se indiscutido que estamos em presença de um contrato de arrendamento para habitação celebrado a 29.07.2009, entre a Autora (como senhoria) e os réus B. e E. (como arrendatários), contrato este a que são aplicáveis as normas do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27.02. - vide contrato de arrendamento reduzido a escrito e constante de fls. 13-14 dos autos. Também se mostra indiscutido o fundamento invocado para a resolução do contrato – falta de pagamento de rendas relativas aos meses de Junho a Dezembro de 2012, aos meses de Julho a Dezembro de 2013, parte das rendas dos meses de Abril e Maio de 2014, e a totalidade das rendas relativas aos meses de Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2014, num total, à data da interposição da presente acção de € 2. 706, 54 (cfr. factos provados sob os n.ºs 4 e 5 da sentença recorrida) – fundamento este que colhe apoio legal no preceituado no art. 1083º, n.ºs 2 e 3 do Cód. Civil. Vide, neste sentido, J. PINTO FURTADO, “ Manual de Arrendamento Urbano ”, II volume, Almedina, 4ª edição, pág. 1021, F. BAPTISTA de OLIVEIRA, “ A resolução do contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano ”, Almedina, 2007, pág. 82, e L. MENEZES LEITÃO, “ Arrendamento Urbano ”, Almedina, 2006, pág. 84-85. Desta forma, dúvidas não existem que, não colhendo a exceptio invocada pelo réu contestante e ora recorrente, falecerá qualquer causa justificativa para a suspensão ou não pagamento unilateral da renda por parte do arrendatário, constituíndo-se, antes, o arrendatário em incumprimento (definitivo) daquela sua obrigação de pagamento [...] de renda, o que, à luz do preceituado no art.1083º, n.º 2 do Cód. Civil, confere, de pleno, o direito à resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio, sem prejuízo do pagamento das rendas vencidas e vincendas, como consignado na sentença recorrida. Esta conclusão impõe-se-nos com tal evidência que julgamos não se justificarem acrescidas considerações, sendo certo, ademais, que a sentença recorrida não se mostra posta em crise nessa parte, mas antes e apenas quanto à não verificação da excepção de não cumprimento do contrato. Assim, importa avançar quanto à questão concreta da dita exceptio. Como é consabido, o pagamento da renda constitui uma obrigação do locatário (a primeira e mais elementar) como contrapartida do gozo da coisa cedida pelo locador, à qual se vinculou e que se mantém enquanto perdurar o dito gozo. – cfr. arts. 397º, 406º, n.º 1, 1022º e 1038º, al. a)-, todos do Cód. Civil. O dito pagamento da renda constitui, como se referiu, obrigação essencial e característica do contrato de locação, sendo devida como contrapartida pelo gozo de um coisa imóvel, proporcionado pelo senhorio, no âmbito, portanto, de um contrato (de arrendamento) sinalagmático ou bilateral, pois que gera não só obrigações para ambas as partes, mas, ainda, obrigações unidas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência: - à obrigação do locador de proporcionar o gozo do prédio corresponde ou contrapõe-se, no pólo oposto, a obrigação de o locatário pagar a renda. No caso em apreço, o réu, sem negar o fundamento invocado pelo senhorio (pois que não pôs em causa o não pagamento das rendas reclamadas pelo senhorio), [...]justifica a recusa ou suspensão do pagamento das mesmas, invocando a exepção de não cumprimento do contrato por via de vícios ou patologias existentes no locado e que, segundo advoga, põem em causa a habitabilidade do mesmo, assim como, ainda, por falta de obras a cargo do senhorio, obras estas que têm sido exigidas. Trata-se a dita exceptio de uma excepção dilatória de direito material cujo ónus de alegação incumbe ao locatário, não sendo de conhecimento oficioso; de direito material porque fundada em razões de direito substantivo (sinalagma funcional); dilatória porquanto não excluindo definitivamente o direito invocado pelo autor apenas o «paralisa» temporariamente, isto é, até ao momento em que o senhorio venha a cumprir integralmente a sua obrigação em falta ou prestada defeituosamente. Vide, neste sentido, J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 334. De facto, a exceptio analisa-se na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazo diferentes para a realização das prestações, de recusar a prestação a que se acha adstrita, enquanto a contraparte não efectuar a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.» - Vide, neste sentido, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 127-128 e ALMEIDA COSTA, op. cit., pág. 363. Destarte, a prova da factualidade conducente à demonstração da exceptio consubstancia matéria de excepção (facto impeditivo do direito do credor), cujo ónus de prova incumbe ao arrendatário – art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil. – cfr., neste sentido, por todos, AC RP de 4.07.2013, relator MARIA AMÁLIA SANTOS, AC RP de 12.05.2015, relator FERNANDO SAMÕES e AC RL de 3.04.2014, relator FÁTIMA GALANTE, todos in www.dgsi.pt e J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 334. No domínio concreto do contrato de arrendamento, naturalmente, a exceptio é de admitir (atento o caracter bilateral ou sinalagmático do dito contrato), embora deva a sua aplicação obedecer aos princípios gerais aplicáveis ao instituto. Neste sentido, é, aliás, a posição dominante da jurisprudência e da doutrina, reconhecendo a admissibilidade ou aplicação do instituto da excepção de não cumprimento do contrato ao contrato de arrendamento. - Vide, neste sentido, por todos, AC RP de 4.07.2013, AC RP de 12.05.2015, AC RL de 3.4.2014, relator FÁTIMA GALANTE, antes citados, e, ainda, AC RC de 18.07.2006, relator JORGE ARCANJO, também in www.dgsi.pt e, ao nível da doutrina, por todos, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 64 e segs..., A. VARELA, op. cit., pág. 364 e J. CALVÃO da SILVA, op. cit., pág. 331, nota 599. Aliás, se dúvidas existissem quanto a essa aplicação, e hoje essas dúvidas estão, por completo afastadas (vide sobre a problemática e a evolução no seu tratamento, J. JOÃO ABRANTES, op. cit., pág. 62 e segs...), o próprio art. 1040º, n.º 1 do Cód. Civil, consubstancia «uma manifestação especial da aplicação da exceptio no âmbito do contrato de arrendamento» - vide, neste sentido, A. MENEZES CORDEIRO, “ Leis do Arrendamento Urbano Anotadas ”, Almedina, 2014, pág. 72 -, ao ali prever que «se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta...». (sublinhado nosso) De todo o modo, como vem sendo posição consistente da jurisprudência e da doutrina já citadas, para que a excepção de não cumprimento possa operar em geral, e em particular, no contrato de arrendamento, é suposto ou exigível, por um lado, que [...] exista um nexo ou relação de correspectividade entre as prestações em causa (sinalagma) e, ainda, que, à luz dos ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2 do Cód. Civil), exista uma relação de proporcionalidade ou equilíbrio entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção. Ora, no caso em apreço, perante a factualidade provada (e que inclui a acima enunciada, em conformidade com a procedência parcial da presente apelação), cremos, ainda assim, ser patente que os aludidos pressupostos não se verificam e, consequentemente, a exceptio não pode proceder. Se não, vejamos. A primeira questão, nesta sede, reporta-se às obras de que o locado carece e que os réus solicitaram à autora por várias/inúmeras vezes – vide facto provado em 6. Neste conspecto, é de referir que a obrigação do inquilino de pagar a renda resulta do facto de lhe ser proporcionado o gozo da coisa, ou seja: obrigações correspectivas são, o dever do senhorio de proporcionar o gozo da coisa e o dever do inquilino de pagar a renda; não já o dever do inquilino de pagar a renda e o puro e simples dever do senhorio de realizar obras. Ademais, em caso de necessidade de proceder a reparações no locado, o inquilino dispõe de meios que pode accionar - artigo 1036° do Cód. Civil -, sendo que entre esses não se encontra o de não pagar a renda. Como assim, em princípio, a mora do senhorio na realização das obras não justifica a invocação da excepção de não cumprimento do contrato. Mantendo-se o arrendatário no gozo do arrendado, o dever que o senhorio tem de proceder a [...]reparações não é correspectivo do dever do arrendatário pagar, pontualmente, as rendas convencionadas, pois à obrigação de pagar a renda contrapõe-se o dever de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo do arrendado. Neste sentido, refere-se no AC STJ. de 6.05.1982, BMJ 317º, pág. 239, que a «mora do senhorio em fazer obras sem que tal implique a perda da coisa locada, não justifica que o arrendatário deixe de pagar as rendas pois estas obrigações não são correspectivas. À falta de cumprimento pelo senhorio da obrigação de fazer as obras correspondem o dever geral de indemnização, nos termos do art° 562° do CPC., e a faculdade conferida pelo art. 1036° do mesmo Código». Vide, ainda, no mesmo sentido, AC RC de 29.10.1996, CJ, ano XXI, tomo 4, pág. 45, AC RP de 27.05.2002, relator FONSECA RAMOS, e AC STJ de 11.10.2007, relator CUSTÓDIO MONTES, estes dois últimos in www.dgsi.pt. Com efeito, como se refere no citado AC RC de 29.10.1996, e cuja lição aqui seguimos, «O arrendatário, no caso de mora do senhorio na reparação dos defeitos, não pode, mantendo-se no gozo da coisa locada, e enquanto subsistir o contrato, deixar de pagar a renda no momento oportuno, sob pena de incorrer em mora». Só assim não será quando esteja em causa a inobservância, pelo senhorio, do dever de realizar obras que impliquem directamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o total ou parcialmente desse gozo. Sendo assim, no caso dos autos, este circunstancialismo – cujo ónus de prova incumbia ao arrendatário (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil) –, manifestamente não se verifica, desde logo porque, sem prejuízo das ditas obras e da sua responsabilidade poder ser assacada ao senhorio, certo é que nenhum facto se mostra alegado [...] (e provado) que demonstre que os réus/inquilinos, em razão da omissão de obras (cujo conteúdo nem sequer se mostra concretizado), se viram privados, total ou parcialmente, do gozo do locado. Pelo contrário, o que resulta da própria alegação do inquilino/recorrente Lourenço Silva é de que, não obstante a ausência das ditas obras, os inquilinos ali têm mantido a sua residência/habitação e o pretendem continuar a fazer... - cfr. artigo 23º da contestação do réu. Ora, neste contexto, pode, até, conceder-se que o locado não proporcione boas condições de habitabilidade e/ou de comodidade para a residência familiar dos arrendatários, atenta a sua vetusta idade e as patologias que evidencia; todavia, daí não decorre que tenham os réus e arrendatários do locado ficado privados, total ou parcialmente, do gozo/uso do mesmo para o fim a que ele se destina, qual seja a habitação do agregado familiar, sendo certo que, como já se expôs, nada em concreto nos autos o demonstra, antes pelo contrário, pois que os mesmos ali continuam a habitar e a usufruir, em deficientes condições, é certo, o locado. Assim, neste conspecto, sem prejuízo da ausência de obras que ficou demonstrada, sendo certo que não se mostra comprovada uma qualquer privação do gozo ou utilização, total ou parcial, do locado, por parte dos arrendatários, falece um qualquer nexo sinalagmático ou de correspectividade entre a dita conduta imputável ao senhorio (omissão de obras) e a falta de pagamento das rendas, falta esta que, é de realçar, se estende pelos anos de 2012, 2013 e 2014. Ora, sendo assim, é de referir que, independentemente do já antes exposto – e que bastaria para excluir a pretensão dos réus e do ora recorrente –, uma tal conduta dos réus afronta ainda claramente os ditames da boa-fé, sendo certo que esta supõe [...]agir com correcção e lealdade. Na verdade, é de convir que invocar falta de obras no locado a cargo do senhorio – onde, apesar disso, se mantêm a residir – e do mesmo passo, durante anos, não pagar rendas de vários meses, é procedimento que as aludidas regras de correcção e e lealdade não sancionam como conduta de bem. Desta forma, ainda por esta outra razão, neste âmbito, a invocação procedente da exceptio não pode colher, antes se impondo a sua improcedência. Todavia, para além das obras em falta, demonstrado ficou também que as portas do locado se encontram partidas, com fendas por onde entram ratos, que o esgoto entope regularmente, que a canalização está gasta e a água sai turva e, ainda, que as janelas têm vidros partidos – vide factos provados sob os n.ºs 6 a 10. Sucede, no entanto, como já salientado, que, se é certo que as ditas patologias ou vícios comprometem, como é evidente, as condições de habitabilidade do locado, não deixa também de resultar da alegação do réu contestante que, apesar disso, não se encontram os réus e inquilinos privados (total ou parcialmente) do gozo do locado, onde habitam e onde pretendem continuar a habitar – vide o já citado art. 23º da contestação do réu e ora recorrente. Ora, se assim é, inexiste, em nosso julgamento, um qualquer desiquilíbrio contratual que justifique, de um ponto de vista de proporcionalidade e boa-fé, a exceptio em apreço. De facto, ao invés, mantendo-se os inquilinos no gozo e fruição do locado, a despeito dos seus vícios ou anomalias, que prejudicam a sua habitabilidade, [...] o equilíbrio contratual, a proporcionalidade entre as prestações, obrigava ou exigia que os mesmos mantivessem o pagamento da renda (ou, pelo menos, de uma sua parte significativa), não sendo aceitável, por desproporcionado e contrário à boa-fé, que, nesse circunstancialismo, pura e simplesmente, tivessem os mesmos – como sucedeu – suspendido ou cessado, em absoluto, o pagamento da renda devida. Vide, neste sentido, em situação similar, o já citado AC RP de 4.07.2013, AC STJ de 9.12.2008, relator NUNO CAMEIRA, e AC RL de 19.10.2010, relator MARIA do ROSÁRIO BARBOSA, todos in www.dgsi.pt. De facto, sendo a renda a contrapartida ou o correspectivo do gozo do locado – que o senhorio é obrigado a assegurar – e mantendo-se os inquilinos, a despeito das deficientes condições de habitabilidade do locado, nesse gozo (portanto, sem qualquer privação total ou parcial), constituiría uma situação de evidente má-fé e abuso de direito poderem os inquilinos ali permanecer e ali manter a sua habitação, sem, em contrapartida, pagarem, durante anos e meses a fio, uma qualquer contrapratida, ou seja gratuitamente... Um tal conduta não merece o acolhimento da ordem jurídica e, concomitantemente, o não pagamento das rendas em apreço só podia conduzir, como conduziu, à resolução do contrato e consequente despejo do locado, sem prejuízo, ainda, do pagamento das rendas vencidas e vincendas, precisamente enquanto contrapartida pelo gozo do imóvel locado. O que, em conclusão, terá que conduzir à improcedência da excepção de não cumprimento e à improcedência da apelação, ainda que por fundamentos ou razões diversas das invocadas na sentença recorrida. * * V. Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença proferida, embora por fundamentos diversos. * Custas pelo Recorrente, que ficou vencido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. * Guimarães, 3.03.2016 * Sumário: 1. Tendo sido concedido ao autor o contraditório legal relativamente à contestação do réu e optando aquele, na sua resposta, por não impugnar especificadamente a matéria de facto que suportava as excepções (dilatórias e/ou peremptórias) invocadas, de forma separada e especificada, pelo réu na sua contestaçã, essa matéria de facto é de julgar-se como provada, por acordo (arts. 570º, n.º 2 e 587º, n.º1, ambos do CPC), salvo nas hipóteses a que aludem os n.ºs 2, 2ª parte, n.º 3 e n.º 4 do artigo 570º do mesmo Código. 2. A excepção de não cumprimento do contrato é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desiquilíbrio, injustificado e contrário à boa-fé, entre as prestações a cargo das partes contraentes, configurando-se a exceptio como um meio de repôr o dito equilíbrio (sinalagma) contratual. 3. Destarte, por princípio, a excepção de não cumprimento do contrato é aplicável no âmbito do contrato de arrendamento. 4. Todavia, regra geral, a mora do senhorio na realização de obras não justifica a invocação da exceptio, por inexistência de correspectividade entre a obrigação de pagamento da renda a cargo do arrendatário e a obrigação do senhorio de efectuar, em determinadas condições, obras no locado; Só assim não será se a omissão das ditas obras implicar directamente com o gozo do imóvel, gerando uma situação de privação, total ou parcial, desse gozo por parte do arrendatário. 5. Por outro lado, ainda, a circunstância de o locado, por força de vícios ou patologias supervenientes, não vier a proporcionar boas condições de habitabilidade, a exceptio apenas é de admitir se o arrendatário ficar privado, total ou parcialmente, do gozo do locado, mas já não o será se, a despeito de tais patologias ou vícios, o arrendatário permanecer no gozo do mesmo, designadamente se aí continuar a habitar, assim como o respectivo agregado familiar. 6. Em tais condições, a falta de pagamento da renda por parte do arrendatário, a coberto da alegada exceptio, mostra-se injustificada e constitui justa causa de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio. 7. A exceptio constitui uma excepção material dilatória, cujo ónus de alegação e prova (do respectivo substracto factual) incumbe ao arrendatário. * ___________________________________ Jorge Miguel Pinto de Seabra ____________________________________ José Fernando Cardoso do Amaral ______________________________________ Helena Maria Gomes Melo