Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
JOSÉ AMARAL
Descritores
EXONERAÇÃO DO PASSIVO REMUNERAÇÃO DO FIDUCIÁRIO AUSÊNCIA DE ENTREGA DE RENDIMENTOS PELO DEVEDOR
No do documento
RG
Data do Acordão
03/02/2017
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PROCEDENYE
Sumário
I) No período de cessão de rendimentos pelo devedor ao fiduciário nomeado, tem este direito à remuneração pelo exercício das suas funções, mesmo que aquele nenhuma quantia lhe entregue. II) Interpretando as normas respeitantes ao pagamento (designadamente o artº 30º, nº 1, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro) e, para o efeito, recorrendo a elementos captáveis de ordem literal, racional, sistemática e teleológica, alcança-se como resultado hermenêutico que o legislador disse menos do que pretendia dizer, estando completamente fora do seu pensamento confiar em exclusivo a satisfação daquele direito à sorte da entrega ou não de rendimentos pelo devedor. III) Tal como sucede quanto ao administrador judicial quando a massa insolvente é insuficiente ou não tem liquidez, também naquele caso deve ser o próprio Estado que, através do Tribunal, o nomeia para funções de interesse público e ligadas à justiça no domínio da insolvência, a suportar a remuneração e despesas em causa, por intermédio do respectivo organismo do respectivo Ministério (interpretação extensiva) – artº 9º, do Código Civil. IV) À mesma conclusão, aliás, se chegaria se se considerasse estarmos ante uma lacuna da lei – artº 10º, do Código Civil. Nesta perspectiva, devendo entender-se que o caso deve ter uma solução jusnormativa (até por imperativo constitucional), que ele é análogo ao do administrador judicial e que a regulação daquele deve fazer-se segundo a deste, uma vez que nele confluem as razões justificativas da regulamentação do caso análogo, por tal regra deveria ser aquela integrada.
Decisão integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO 

 No Processo de Insolvência do devedor AA, por decisão de 04-04-2012, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e nomeado como fiduciário o Sr. BB, que até então já era o administrador judicial respectivo, para, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento – no mesmo acto decretado –, receber o rendimento disponível a ceder por aquele (excluído já um Salário Mínimo Nacional e Meio).

	Em 17-05-2013, o fiduciário juntou aos autos relatório apenas informando que, no período de um ano anterior, o insolvente não descontou qualquer quantitativo (fls. 145 e 146).

	Em 07-08-2013, o fiduciário requereu a junção aos autos da declaração de IRS do insolvente e informou que este se encontra desempregado (fls. 149 a 156).

	Em 21-04-2014, o fiduciário juntou aos autos relatório apenas informando que, no período de um ano anterior, o insolvente não descontou qualquer quantitativo (fls. 157 e 158).

	Em 30-05-2014, o Fiduciário requereu a junção aos autos da declaração de IRS do insolvente (fls. 163 a 167), da qual constam como rendimentos dois valores que somados são inferiores a um Salário Mínimo Mensal.

	Em 23-04-2015, o fiduciário juntou aos autos relatório apenas informando que, no período de um ano anterior, o insolvente não descontou qualquer quantitativo (fls. 168 a 176) e que lhe enviou carta a solicitar informação sobre a sua situação laboral que foi devolvida pelos Correios.

Em 30-03-2016, o fiduciário juntou aos autos relatório informando que, no período de um ano anterior (4ºano), o insolvente não descontou qualquer quantitativo e, no mesmo requerimento, pediu que, apesar de nada lhe ter sido entregue, lhe fosse pelo Tribunal fixada remuneração nunca inferior ao valor correspondente a 5 UC´s (fls. 189 a 192).

Em 18-05-2016, o fiduciário requereu a junção aos autos da declaração de IRS do insolvente (fls. 196 a 200), da qual consta como rendimento anual por trabalho dependente 4.381,29€.

Conclusos os autos em 15-07-2016, foi então proferido o seguinte despacho:

“No que se reporta ao relatório visto. Dê a conhecer o mesmo ao insolvente. Em Março de 2017 notifique o último relatório e parecer final do Sr. Fiduciário sobre o deferimento/indeferimento da exoneração do passivo restante. 
No que concerne à remuneração a lei é clara no sentido de que são 10% dos valores cedidos, sendo que neste momento é prematuro concluir que nenhuma remuneração o Fiduciário receberá (há que aguardar o prazo de cinco anos). 
Não há fundamento legal para atribuir remuneração. Repare-se, aliás, que até geraria desigualdade entre as situações em que não há cedência de rendimentos e outra em que essa cedência é diminuta (por ex. 100€). Por fim o legislador terá sopesado que a remuneração enquanto AI será suficiente, sendo que os acréscimos enquanto Fiduciário (tal como os acréscimos em caso de liquidação), são eventuais, não se afigurando uma restrição desproporcionada. 
Em suma, seria ilegal dar guarida ao pedido pelo Sr. Fiduciário, sendo que deverá existir uma alteração legal prevendo qual a remuneração no caso em que não existe cedência de rendimentos. Até lá, não existe sustentáculo legal. 
Famalicão, ds”

 Desta decisão foi notificado o fiduciário que, inconformado, interpôs recurso para esta Relação, terminando as suas alegações (fls. 214 a 218) com as seguintes conclusões:

“I. Vem o presente recurso interposto do douto aliás despacho judicial, proferido a fls, com a referência 148154196, datado de 15-07-2016, no qual o Tribunal a quo indeferiu o requerido por entender que “(…) seria ilegal dar guarida ao pedido do Sr. Fiduciário, sendo que deverá existir uma alteração legal prevendo qual a remuneração no caso em que não existe cedência de rendimentos. Até, não existe sustentáculo legal”
II. A respeito da remuneração do fiduciário, regula o n.º 1 do artigo 240.º do CIRE que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor.
III. O Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, contempla expressamente que a remuneração devida ao fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de 5.000,00€ por ano.
IV. O douto entendimento do Tribunal a quo ao indeferir o pedido de fixação de remuneração devida ao recorrente, não obstante a inexistência de qualquer quantia cedida, com o fundamento de que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários corre por conta do devedor afronta a lei e é inconstitucional por permitir / prever trabalhar de forma gratuita.
V. O art.º 30.º do Estatuto do Administrador Judicial prevê a possibilidade do pagamento da remuneração do administrador da insolvência ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, quando a massa insolvente for insuficiente para o efeito.
VI. Embora aí não seja contemplada norma equivalente para o fiduciário, quando não existam quantias cedidas pelo devedor, não pode deixar de equiparar-se as duas situações, sob pena, como se referiu, de poder chegar-se a uma situação em que o fiduciário está a exercer as funções para as quais foi nomeado pelo tribunal, sem auferir qualquer rendimento, o que pode ocorrer, caso aquelas quantias não existam.
VII. Conclui-se assim que o Tribunal a quo devia ter proferido despacho no sentido de fixar a remuneração mínima a pagar ao aqui recorrente, sendo que este solicitou, no mínimo, importância correspondente a 5UC, ordenando o seu adiantamento pelo Cofre Geral dos Tribunais, sendo essa, salvo o reiterado respeito, a mais correcta interpretação e aplicação da lei.
TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O DESPACHO OBJETO DE RECURSO REVOGADO E SUBSTITUIDO POR OUTRO QUE FIXE AO AQUI RECORRENTE HONORARIOS CORRESPONDENTES, NO MINIMO, A 5 UC E ASSIM SE FARÁ A ACUSTUMADA JUSTIÇA“

 Houve contra-alegações do Ministério Público, delas concluindo:

“1. O profissional “administrador judicial” exerce as suas funções como “administrador da insolvência”, até ao encerramento do processo, e posteriormente como “fiduciário”;
2. A sua remuneração (fixa) como “administrador da insolvência”, no valor de 2 000,00 €, acrescida de IVA, é assegurada nos termos dos arts. 23º, nº 1, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, e artº 1º, nº 1, da Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro;
3. A sua remuneração como “fiduciário”, prevista nos termos das disposições conjugadas dos arts. 240º, nº 1 e nº 2, 60º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e 28º da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, é inexoravelmente paga consoante a cessão de rendimentos, mais concretamente “…10 % das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de € 5000 por ano”;
4. A única remuneração do “administrador da insolvência” equiparável à do “fiduciário” é a variável, a fixar nos termos do artº 23º, nº 2, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro;
5. É que, em ambas as situações, e como defendido por J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “... quando a Constituição consagra a retribuição segundo a quantidade, natureza ou qualidade do trabalho, não está, de modo algum, a apontar para uma retribuição em função do rendimento (salário ao rendimento) em detrimento do salário ao tempo, mas abre claramente a via para a diferenciação de remuneração em função da produtividade e eficiência (prémios de produtividade, remuneração em função do desempenho ou dos resultados, etç.)”;
6. Assim, quer na remuneração variável do “administrador da insolvência” quer na remuneração do “fiduciário”, a concretização de tais pagamentos depende dos resultados obtidos;
7. Portanto, esses pagamentos incorporam uma álea, um risco, que o profissional “administrador judicial” conhece e que está disposto a aceitar, funcionando como um plus, um incentivo ao seu desempenho funcional (no caso concreto como “fiduciário”);
8. Tanto assim é que ninguém duvida, e nunca tal foi peticionado, que ao “administrador da insolvência” não é devida uma retribuição variável quando o processo de insolvência encerre por insuficiência da massa;
9. Nestes casos (encerramento do processo por insuficiência da massa), e só nestes casos, é que é legalmente admissível o recurso ao artº 30º, nº 1, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, e unicamente para pagamento da remuneração fixa (nunca para pagamento da remuneração variável e, por maioria de razão, da remuneração ao “fiduciário”);
10. O entendimento que o recorrente defende, também sustentado na jurisprudência por si correctamente citada e que vai merecendo acolhimento nesta Instância Central, em nosso modesto entender de uma forma equívoca, viola expressamente os arts. 28º da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, por errada interpretação, 59º, nº 1, igualmente por deficiente análise jurídica, e 13º, nº 1, por não aplicação, estas últimas disposições da Constituição da República Portuguesa;
11. Efectivamente, quando arbitrariamente o Tribunal fixe uma remuneração de 1 UC (102,00
€) a um fiduciário que nada conseguiu obter num determinado período (anual), está a prejudicar todos aqueles que lograram obter cessão de rendimentos até 1 020,00 €; quando, também de uma forma discricionária, fixe uma remuneração de 2 UC´s (204,00 €) ou 3 UC´s (306,00 €), está a prejudicar todos aqueles que lograram obter cessão de rendimentos até, respectivamente, 2 040,00 € e 3 060,00 € (e assim sucessivamente);
12. Não foram violados quaisquer preceitos legais no douto despacho revivendo.
Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o recurso em causa improcedente como é de toda a JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

	Corridos os Vistos legais, cumpre apreciá-lo, nada obstando a tal.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importar decidir se, no caso de o devedor nada ter cedido ao fiduciário e de, portanto, este não poder afectar qualquer quantia recebida à sua própria remuneração, deve esta ser paga pelo IGFPJ.

III. FACTOS

Relevam os constantes do relato antecedente, emergentes dos autos.

IV. DIREITO

Estamos no âmbito de processo de insolvência, já decretada, relativo a pessoa singular e especificamente no domínio do incidente de exoneração do passivo restante, liminarmente deferido.

A decisão recorrida e o apelo dela trazido a este Tribunal inserem-se no período de cinco anos em curso no processo, designado como “período de cessão”, em que o devedor está obrigado a entregar ao fiduciário (ora apelante) o seu rendimento disponível, e a questão concreta respeita à remuneração a este devida pelo exercício das suas funções.

Tal matéria tem a sua regulamentação especial prevista nos artigos 235º a 248º, do CIRE, particularmente, quanto à função, remuneração e estatuto do fiduciário, nos artºs 240º e 241º, do CIRE, e na Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro.

Assim:

O artº 239º, nº 2, dispõe que, proferido o despacho inicial a admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e a determinar que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período de cessão), o devedor entregará o rendimento disponível que venha a auferir naquele período a uma entidade designada por fiduciário, sendo esta escolhida pelo tribunal, de entre os administradores inscritos na lista respectiva, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.

Este (240º) estabelece, no nº 1, que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor. E, no nº 2, que lhe é aplicável o disposto no nº 1, do artº 60º, segundo o qual o administrador de insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu Estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis (salvaguardando o nº 2 o caso de ele ser eleito pela assembleia e a deliberação respectiva prever a remuneração).

Relativamente às funções, o artº 241º, norma que se manteve intocada pelas alterações introduzidas pela Lei 16/2012, prevê que o fiduciário afecta os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão:

a)	Ao pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida;
b)	Ao reembolso ao Cofre Geral de Tribunais das remunerações e despesas do administrador de insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas;
c)	Ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas.

Daqui se extrai que:

- É certo e indiscutível o direito do fiduciário (escolhido pelo Tribunal) à remuneração pelo exercício dessas específicas e diversas funções, direito esse que nada tem a ver com o do Administrador da Insolvência (ainda que porventura aquela escolha recaia sobre a mesma pessoa e, nesta outra qualidade e por estas funções, tenha sido retribuída).

- Aquela remuneração constitui encargo último do devedor.

- Tal encargo é satisfeito através dos montantes cedidos pelo insolvente(1) e entregues ao Fiduciário.

- Este pode afectar tais montantes – por si recebidos – ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas, pagando-se, assim, a si próprio.

- Remunerações e despesas do próprio fiduciário haverá que, segundo a lei, tenham sido suportadas pelo CGT e de cujo pagamento este será, então, reembolsado (pelos montantes recebidos, se e quando os houver, claro!).

Considerando, pois, que os encargos estão abrangidos nas custas e que no respectivo conceito se compreendem todas as despesas resultantes da condução do processo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa, incluindo reembolso devido ao CGT pelo pagamento adiantado de remunerações a entidades pela prestação de quaisquer serviços requisitados pelo juiz (artºs 529º, nºs 1 e 3, 532º, do CPC, e 3º, nº1, 16º, e sgs, do RCP), percebe-se que, para o caso de o responsável último pela satisfação da remuneração devida ao fiduciário nenhum rendimento ter entregue a este por conta do qual possa pagar-se, a própria lei contempla e viabiliza a hipótese de ser o CGT a suportá-la.

Parece, assim, privilegiar-se um mecanismo de auto-pagamento se o Fiduciário houver recebido do insolvente qualquer montante. 

Admite-se, não obstante, que seja o CGT a adiantar/suportar tal pagamento no caso de tal afectação não ser possível, designadamente por nenhum rendimento ter sido disponibilizado.

Tal como dispunha o artº 25º, da hoje revogada Lei 32/2004, de 22 de Julho, o artº 28º, da actual Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial), estabelece que a remuneração do fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite de €5000 por ano.

Desta norma, conjugada com aquela já citada do nº 1, do artº 240º, segundo a qual a remuneração constitui encargo do devedor, e a do nº 1, do artº 241º, que prevê a afectação dos montantes recebidos pelo fiduciário ao pagamento da sua própria remuneração, extrai alguma jurisprudência o entendimento de que, nenhum rendimento tendo sido cedido, nada tem aquele direito a receber, considerando, como neste caso se considerou no despacho recorrido, que “a lei é clara no sentido de que são 10% dos valores cedidos” e, assim, “não há fundamento legal para atribuir remuneração.”.

Só que, parece-nos, não é – não pode ser – assim.

A lei é, de facto, inequívoca ao referir que o fiduciário tem direito a ser remunerado pelo exercício das suas específicas funções.

Estranho seria que ele congeminasse e criasse um mecanismo para efectivação daquele paradoxalmente conducente à sua negação, previsível como é – comprova-o a experiência de casos semelhantes – a eventualidade de, não raras vezes, nenhum rendimento ser cedido e, portanto, ficar o fiduciário, a considerar-se aquele como único meio, sem ter por onde se pagar, confiando assim a retribuição pela sua actividade à sorte da cedência.

Algo equívoco é, na verdade, dados os termos em que se encontra expresso e como ocorre quanto a múltiplos dos problemas originados pelo processo de insolvência, o regime de pagamento. 

Isso, porém, significa que se impõe, em busca da justa solução, um trabalho de descoberta e revelação do verdadeiro sentido normativo das regras legais implicadas em vez de nos contentarmos com a sua leitura, interpretação e aplicação mecânicas, na esperança de uma “alteração legal”, que pode reputar-se de útil para evitar divergências mas porventura não de todo indispensável.

Como se sabe, toda a lei carece de ser interpretada e, mesmo considerando-se omissa, de ser integrada – artºs 9º e 10º, do Código Civil.

Ora, já acima encontrámos pistas seguras que nos levam a concluir que o próprio legislador acautelou a situação e admitiu o pagamento da remuneração pelo CGT.

Voltemos ao Estatuto citado e vejamos as que dele também se colhem no mesmo sentido.

O artº 2º, nº 2, define que o fiduciário é uma designação que, em função das específicas tarefas cometidas no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, se dá ao depositário e administrador das quantias cedidas pelo insolvente que constituem rendimento disponível, durante o período de cessão.

Não deixa ele, porém, de se incluir na categoria genérica do chamado “administrador judicial” e, por isso, na previsão ampla do artº 22º, segundo a qual este “tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”.

De facto, o legislador ao atribuir a certas entidades um conjunto de tarefas parajudiciais, auxiliares da realização da justiça, exigindo-lhe apertadas condições para as poderem exercer e impondo-lhes responsabilidade pelo seu não cumprimento, outra coisa não podia fazer senão reconhecer o direito delas a serem remuneradas pelo seu labor.

Não admira que trace mecanismos de, sendo embora o Estado (ou o Juiz na realização de uma das tarefas fundamentais deste, constitucionalmente cometida, que é a de administrar a justiça) responsável pela nomeação, fazer repercutir o encargo do pagamento sobre quem dele beneficia, mais directa ou indirectamente.

Assim, o artº 23º, relativamente ao administrador judicial provisório e ao administrador de insolvência nomeado por iniciativa do juiz, prevê uma remuneração fixa (estabelecida em Portaria) e uma remuneração variável, esta em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente (nºs 1 e 2).

Quanto ao fiduciário, o artº 28º refere, apenas, que a sua remuneração corresponde a 10% das quantias objecto da cessão, com o limite máximo de 5000€.

No que concerne ao pagamento, porém, os subsequentes artigos 29º e 30º, do Estatuto, apenas se referem especificamente ao administrador da insolvência e não ao fiduciário, nem sequer genericamente como administrador judicial.

Privilegiando-se tal pagamento pela massa insolvente e mesmo através da retirada de valores desta, caso tenha liquidez (ou até pelos credores), regula-se o caso de insuficiência daquela e da falta desta, cometendo aquele ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça (vulgo, CGT).

Nada se explicita quanto à situação concreta aqui em apreço, relativa ao fiduciário, decorrente de o insolvente nenhum rendimento lhe entregar, muito embora a epígrafe do capítulo VI do Estatuto se intitule “Remuneração e pagamento do administrador judicial”, assim se não distinguindo, ao contrário do administrador da insolvência, nem contemplando o pagamento daquele (fiduciário), apesar de em tal conceito incluído e de, por isso mesmo, sujeito ao mesmo Estatuto.

Tudo indica, portanto, conjugando este regime – em que se prevê, sem dúvida, o direito do administrador judicial, incluindo o que exerce o cargo de fiduciário, à remuneração, se estabelecem critérios da sua determinação tanto os relativos ao administrador de insolvência (fixa e variável, em função de várias hipóteses) como os relativos ao fiduciário (10% das quantias objecto da cessão), bem assim se resolve a situação de insuficiência da massa ou falta de liquidez desta, incumbindo (com certas especificidades) o Estado de a suportar (não se afastando a consideração dos encargos que a tal título adiantar a título de custas, conforme em geral decorre do RCP) – com o regime dos artºs 240º e 241º, do CIRE – em que claramente se subentende o pagamento pelo CGT das remunerações e despesas do próprio fiduciário e sua posterior compensação através da afectação do rendimento disponibilizado –, que o legislador teve em mente prevenir a hipótese de a qualquer administrador judicial (seja o da insolvência seja o fiduciário) não poder ser paga a devida remuneração, segundo os mecanismos estabelecidos, encarregando o Estado de a adiantar. 

Aconteceu, porém, que, não obstante esse evidente desígnio, nem no CIRE nem, como era sobretudo de esperar, no Estatuto ele exprimiu tal pensamento, objectiva e claramente, gerando assim uma das muitas perplexidades em que, neste domínio, a lei é fértil e cuja resolução cabe aos tribunais.

Resolvendo esta, tem a Jurisprudência entendido que:

“É admissível o pagamento de remuneração ao fiduciário por adiantamento do Cofre Geral dos Tribunais (hoje, Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça).” – Acórdão da Relação do Porto, de 07-01-2013, processo 419/12.4TBOAZ-F.P1 (Soares de Oliveira);

“Carecendo o devedor de meios para remunerar o fiduciário pelo exercício das suas funções este deve ser pago pelo IGFPJ.“ – Acórdão da Relação do Porto, de 10-09-2013, processo 1714/09.5TB VNG-J.P1 (Henrique Araújo);

“A responsabilidade pelo pagamento da remuneração e das despesas do fiduciário é, em primeira linha, do devedor, uma vez que deve ser suportado pelas quantias objecto da cessão, atento o disposto no art.º 241.º n.º 1 do CIRE e art.º 28.º do Estatuto do Administrador Judicial.
II - O fiduciário pode ver a sua remuneração e despesas suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, que corresponde actualmente ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, no valor devido pelo trabalho realizado e despesas suportadas, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam tal pagamento.
III - Do regime do art.º 241.º do CIRE, que manda afectar os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão, à remuneração ao fiduciário, retira-se que a fixação e o pagamento da remuneração deverá ocorrer no fim de cada ano, pois só nesse momento será possível saber se foram entregues valores pelo devedor que o permitam, bem como avaliar o trabalho desenvolvido.“ – Acórdão da Relação do Porto, de 28-10-2015, processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/137875" target="_blank">347/13.6TJPRT.P1</a> (Inês Moura).

Também no mesmo sentido se orientaram as Decisões Singulares proferidas nesta Relação, de 12-07-2016 (processo 7345/12.5TBBRG.G1, Anabela Tenreiro) e de 20-07-2016 (processo 5051/12.0TBBRG.G1 (Antero Veiga).

Recorrendo, pois, nos termos do artº 9º, do Código Civil, aos elementos interpretativos focados, de ordem literal, racional, sistemática e teleológica, alcança-se como resultado hermenêutico que o legislador disse menos do que pretendia dizer, estando completamente fora do seu pensamento deixar em exclusivo a remuneração do fiduciário à sorte do recebimento por este de quaisquer quantias a título de rendimento disponível entregue pelo devedor, antes sendo evidente que, por identidade de razões, tal como sucede quanto ao administrador judicial quando a massa insolvente é insuficiente ou não tem liquidez, caso aquele de nenhum montante disponha, deve ser o próprio Estado que o nomeia para funções de interesse público no processo e ligadas à justiça no domínio da insolvência, através do CGT, a suportar a remuneração e despesas em causa.

Interpreta-se assim extensivamente, considerando neste abrangida a situação em apreço, o nº 1, do artº 30º, da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro.

À mesma conclusão, aliás, se chegaria – de que também a remuneração do fiduciário caso nenhuma quantia lhe seja entregue pelo insolvente deve ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça – se se considerasse estarmos ante uma lacuna da lei.

Nessa perspectiva, não poderíamos deixar de entender que o caso deve ter uma solução jusnormativa (até por imperativa constitucional), que ele é análogo ao do administrador judicial e que a regulação daquele deve fazer-se segundo a deste, uma vez que nele confluem as razões justificativas da regulamentação do caso análogo, logo que também por via do artº 10º, do Código Civil, assim aquela deve ser integrada.

Não se acolhe, enfim, a tese por que pugna o Ministério Público nas suas contra-alegações no sentido de que a do apelante apenas é “moralmente inteligível” mas juridicamente inatendível.

Na verdade, não se vê como pudesse o legislador ter querido e assumido que o fiduciário, em caso de nenhuma quantia a este ser entregue pelo insolvente, jamais seria remunerado, contra os princípios básicos neste domínio laboral consagrados na lei fundamental e na geral, pelo exercício de funções para cujo acesso lhe é feito um conjunto específico de exigências e a que é chamado pelo Estado, colocando-o em desigualdade com o administrador de insolvência.

Acolher-se-ia uma solução frustrante de expectativas e da confiança gerada pelo Estatuto do administrador judicial, manifestamente desalinhada com o sistema remuneratório estabelecido para os demais cargos (maxime o de  administrador judicial em insolvência), sem justificação discernível, contra a racionalidade que informa e enforma o sistema. É que o direito à retribuição, embora contemplando diversos critérios e modos diferenciadores, não abdica de mecanismos de efectivação.

Como procurámos demonstrar, o pagamento através do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial da justiça tem na letra da lei um “mínimo de correspondência” e ressuma do espírito com que o legislador tencionou regular as diversas situações. Logo, a interpretação ou integração que preconizamos não é contra legem mas secundum legem.

Claro que o pagamento da remuneração ao fiduciário pelo dito organismo e não na percentagem de 10% das quantias cedidas, talqualmente sucede com o administrador de insolvência em caso de insuficiência ou falta de liquidez da massa, pode conduzir, na prática, a sempre lamentáveis distorções, quiçá a injustiça relativa, decorrentes da insuficiência do sistema que o legislador não cura de colmatar. Todavia, se isto deve animá-lo ao seu aperfeiçoamento não pode servir de motivo para acolher a injustiça maior de deixar sem qualquer remuneração o fiduciário em tais circunstâncias.

Nesta conformidade, deve proceder a apelação e, considerando o reduzido labor desenvolvido (de índole predominantemente burocrática e limitado a conservar, ano a ano, a disponibilidade para o exercício do cargo, a interpelar o devedor e a comunicar a falta de resultados ao processo), fixar-se em 1 UC por cada um dos quatro anos já decorridos em que o insolvente nada cedeu, ou seja, um total de 4 UC´s (e não nas 5 pedidas).

V. DECISÃO 

Acordam os Juízes desta Relação em julgar, nos termos e com os fundamentos expostos, procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida e fixam a remuneração do apelante fiduciário no valor correspondente a 4 (quatro) UC´s, valor este que deverá ser suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, sem prejuízo do seu reembolso nos termos legais.

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Custas pelo apelante, na proporão do decaimento que se fixa em 10%, delas estando isento o Mº Pº.
 
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Notifique.

Guimarães, 02 de Março de 2017 



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José Fernando Cardoso Amaral 




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Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo




Este Acórdão tem Voto de conformidade da Exmª Desembargadora 2ª Adjunta nele interveniente, Drª Higina Orvalho Castelo, que não assina por não estar presente no momento da sua publicitação e entrega – artº 153º, nº 1, CPC.


	O Relator, ________________________





1.	Pressupondo, claro, que, em razão da insolvência e do regime da exoneração do pedido restante, esses são o seu único rendimento “disponível” e que não tem outros bens capazes de por ele responder.

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO No Processo de Insolvência do devedor AA, por decisão de 04-04-2012, foi admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e nomeado como fiduciário o Sr. BB, que até então já era o administrador judicial respectivo, para, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento – no mesmo acto decretado –, receber o rendimento disponível a ceder por aquele (excluído já um Salário Mínimo Nacional e Meio). Em 17-05-2013, o fiduciário juntou aos autos relatório apenas informando que, no período de um ano anterior, o insolvente não descontou qualquer quantitativo (fls. 145 e 146). Em 07-08-2013, o fiduciário requereu a junção aos autos da declaração de IRS do insolvente e informou que este se encontra desempregado (fls. 149 a 156). Em 21-04-2014, o fiduciário juntou aos autos relatório apenas informando que, no período de um ano anterior, o insolvente não descontou qualquer quantitativo (fls. 157 e 158). Em 30-05-2014, o Fiduciário requereu a junção aos autos da declaração de IRS do insolvente (fls. 163 a 167), da qual constam como rendimentos dois valores que somados são inferiores a um Salário Mínimo Mensal. Em 23-04-2015, o fiduciário juntou aos autos relatório apenas informando que, no período de um ano anterior, o insolvente não descontou qualquer quantitativo (fls. 168 a 176) e que lhe enviou carta a solicitar informação sobre a sua situação laboral que foi devolvida pelos Correios. Em 30-03-2016, o fiduciário juntou aos autos relatório informando que, no período de um ano anterior (4ºano), o insolvente não descontou qualquer quantitativo e, no mesmo requerimento, pediu que, apesar de nada lhe ter sido entregue, lhe fosse pelo Tribunal fixada remuneração nunca inferior ao valor correspondente a 5 UC´s (fls. 189 a 192). Em 18-05-2016, o fiduciário requereu a junção aos autos da declaração de IRS do insolvente (fls. 196 a 200), da qual consta como rendimento anual por trabalho dependente 4.381,29€. Conclusos os autos em 15-07-2016, foi então proferido o seguinte despacho: “No que se reporta ao relatório visto. Dê a conhecer o mesmo ao insolvente. Em Março de 2017 notifique o último relatório e parecer final do Sr. Fiduciário sobre o deferimento/indeferimento da exoneração do passivo restante. No que concerne à remuneração a lei é clara no sentido de que são 10% dos valores cedidos, sendo que neste momento é prematuro concluir que nenhuma remuneração o Fiduciário receberá (há que aguardar o prazo de cinco anos). Não há fundamento legal para atribuir remuneração. Repare-se, aliás, que até geraria desigualdade entre as situações em que não há cedência de rendimentos e outra em que essa cedência é diminuta (por ex. 100€). Por fim o legislador terá sopesado que a remuneração enquanto AI será suficiente, sendo que os acréscimos enquanto Fiduciário (tal como os acréscimos em caso de liquidação), são eventuais, não se afigurando uma restrição desproporcionada. Em suma, seria ilegal dar guarida ao pedido pelo Sr. Fiduciário, sendo que deverá existir uma alteração legal prevendo qual a remuneração no caso em que não existe cedência de rendimentos. Até lá, não existe sustentáculo legal. Famalicão, ds” Desta decisão foi notificado o fiduciário que, inconformado, interpôs recurso para esta Relação, terminando as suas alegações (fls. 214 a 218) com as seguintes conclusões: “I. Vem o presente recurso interposto do douto aliás despacho judicial, proferido a fls, com a referência 148154196, datado de 15-07-2016, no qual o Tribunal a quo indeferiu o requerido por entender que “(…) seria ilegal dar guarida ao pedido do Sr. Fiduciário, sendo que deverá existir uma alteração legal prevendo qual a remuneração no caso em que não existe cedência de rendimentos. Até, não existe sustentáculo legal” II. A respeito da remuneração do fiduciário, regula o n.º 1 do artigo 240.º do CIRE que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor. III. O Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, contempla expressamente que a remuneração devida ao fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de 5.000,00€ por ano. IV. O douto entendimento do Tribunal a quo ao indeferir o pedido de fixação de remuneração devida ao recorrente, não obstante a inexistência de qualquer quantia cedida, com o fundamento de que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários corre por conta do devedor afronta a lei e é inconstitucional por permitir / prever trabalhar de forma gratuita. V. O art.º 30.º do Estatuto do Administrador Judicial prevê a possibilidade do pagamento da remuneração do administrador da insolvência ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, quando a massa insolvente for insuficiente para o efeito. VI. Embora aí não seja contemplada norma equivalente para o fiduciário, quando não existam quantias cedidas pelo devedor, não pode deixar de equiparar-se as duas situações, sob pena, como se referiu, de poder chegar-se a uma situação em que o fiduciário está a exercer as funções para as quais foi nomeado pelo tribunal, sem auferir qualquer rendimento, o que pode ocorrer, caso aquelas quantias não existam. VII. Conclui-se assim que o Tribunal a quo devia ter proferido despacho no sentido de fixar a remuneração mínima a pagar ao aqui recorrente, sendo que este solicitou, no mínimo, importância correspondente a 5UC, ordenando o seu adiantamento pelo Cofre Geral dos Tribunais, sendo essa, salvo o reiterado respeito, a mais correcta interpretação e aplicação da lei. TERMOS EM QUE DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O DESPACHO OBJETO DE RECURSO REVOGADO E SUBSTITUIDO POR OUTRO QUE FIXE AO AQUI RECORRENTE HONORARIOS CORRESPONDENTES, NO MINIMO, A 5 UC E ASSIM SE FARÁ A ACUSTUMADA JUSTIÇA“ Houve contra-alegações do Ministério Público, delas concluindo: “1. O profissional “administrador judicial” exerce as suas funções como “administrador da insolvência”, até ao encerramento do processo, e posteriormente como “fiduciário”; 2. A sua remuneração (fixa) como “administrador da insolvência”, no valor de 2 000,00 €, acrescida de IVA, é assegurada nos termos dos arts. 23º, nº 1, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, e artº 1º, nº 1, da Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro; 3. A sua remuneração como “fiduciário”, prevista nos termos das disposições conjugadas dos arts. 240º, nº 1 e nº 2, 60º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e 28º da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, é inexoravelmente paga consoante a cessão de rendimentos, mais concretamente “…10 % das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de € 5000 por ano”; 4. A única remuneração do “administrador da insolvência” equiparável à do “fiduciário” é a variável, a fixar nos termos do artº 23º, nº 2, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro; 5. É que, em ambas as situações, e como defendido por J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “... quando a Constituição consagra a retribuição segundo a quantidade, natureza ou qualidade do trabalho, não está, de modo algum, a apontar para uma retribuição em função do rendimento (salário ao rendimento) em detrimento do salário ao tempo, mas abre claramente a via para a diferenciação de remuneração em função da produtividade e eficiência (prémios de produtividade, remuneração em função do desempenho ou dos resultados, etç.)”; 6. Assim, quer na remuneração variável do “administrador da insolvência” quer na remuneração do “fiduciário”, a concretização de tais pagamentos depende dos resultados obtidos; 7. Portanto, esses pagamentos incorporam uma álea, um risco, que o profissional “administrador judicial” conhece e que está disposto a aceitar, funcionando como um plus, um incentivo ao seu desempenho funcional (no caso concreto como “fiduciário”); 8. Tanto assim é que ninguém duvida, e nunca tal foi peticionado, que ao “administrador da insolvência” não é devida uma retribuição variável quando o processo de insolvência encerre por insuficiência da massa; 9. Nestes casos (encerramento do processo por insuficiência da massa), e só nestes casos, é que é legalmente admissível o recurso ao artº 30º, nº 1, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, e unicamente para pagamento da remuneração fixa (nunca para pagamento da remuneração variável e, por maioria de razão, da remuneração ao “fiduciário”); 10. O entendimento que o recorrente defende, também sustentado na jurisprudência por si correctamente citada e que vai merecendo acolhimento nesta Instância Central, em nosso modesto entender de uma forma equívoca, viola expressamente os arts. 28º da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, por errada interpretação, 59º, nº 1, igualmente por deficiente análise jurídica, e 13º, nº 1, por não aplicação, estas últimas disposições da Constituição da República Portuguesa; 11. Efectivamente, quando arbitrariamente o Tribunal fixe uma remuneração de 1 UC (102,00 €) a um fiduciário que nada conseguiu obter num determinado período (anual), está a prejudicar todos aqueles que lograram obter cessão de rendimentos até 1 020,00 €; quando, também de uma forma discricionária, fixe uma remuneração de 2 UC´s (204,00 €) ou 3 UC´s (306,00 €), está a prejudicar todos aqueles que lograram obter cessão de rendimentos até, respectivamente, 2 040,00 € e 3 060,00 € (e assim sucessivamente); 12. Não foram violados quaisquer preceitos legais no douto despacho revivendo. Termos em que se conclui no sentido supra exposto, julgando-se o recurso em causa improcedente como é de toda a JUSTIÇA!” O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Corridos os Vistos legais, cumpre apreciá-lo, nada obstando a tal. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, importar decidir se, no caso de o devedor nada ter cedido ao fiduciário e de, portanto, este não poder afectar qualquer quantia recebida à sua própria remuneração, deve esta ser paga pelo IGFPJ. III. FACTOS Relevam os constantes do relato antecedente, emergentes dos autos. IV. DIREITO Estamos no âmbito de processo de insolvência, já decretada, relativo a pessoa singular e especificamente no domínio do incidente de exoneração do passivo restante, liminarmente deferido. A decisão recorrida e o apelo dela trazido a este Tribunal inserem-se no período de cinco anos em curso no processo, designado como “período de cessão”, em que o devedor está obrigado a entregar ao fiduciário (ora apelante) o seu rendimento disponível, e a questão concreta respeita à remuneração a este devida pelo exercício das suas funções. Tal matéria tem a sua regulamentação especial prevista nos artigos 235º a 248º, do CIRE, particularmente, quanto à função, remuneração e estatuto do fiduciário, nos artºs 240º e 241º, do CIRE, e na Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro. Assim: O artº 239º, nº 2, dispõe que, proferido o despacho inicial a admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e a determinar que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período de cessão), o devedor entregará o rendimento disponível que venha a auferir naquele período a uma entidade designada por fiduciário, sendo esta escolhida pelo tribunal, de entre os administradores inscritos na lista respectiva, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte. Este (240º) estabelece, no nº 1, que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor. E, no nº 2, que lhe é aplicável o disposto no nº 1, do artº 60º, segundo o qual o administrador de insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu Estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis (salvaguardando o nº 2 o caso de ele ser eleito pela assembleia e a deliberação respectiva prever a remuneração). Relativamente às funções, o artº 241º, norma que se manteve intocada pelas alterações introduzidas pela Lei 16/2012, prevê que o fiduciário afecta os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão: a) Ao pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida; b) Ao reembolso ao Cofre Geral de Tribunais das remunerações e despesas do administrador de insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas; c) Ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas. Daqui se extrai que: - É certo e indiscutível o direito do fiduciário (escolhido pelo Tribunal) à remuneração pelo exercício dessas específicas e diversas funções, direito esse que nada tem a ver com o do Administrador da Insolvência (ainda que porventura aquela escolha recaia sobre a mesma pessoa e, nesta outra qualidade e por estas funções, tenha sido retribuída). - Aquela remuneração constitui encargo último do devedor. - Tal encargo é satisfeito através dos montantes cedidos pelo insolvente(1) e entregues ao Fiduciário. - Este pode afectar tais montantes – por si recebidos – ao pagamento da sua própria remuneração já vencida e despesas efectuadas, pagando-se, assim, a si próprio. - Remunerações e despesas do próprio fiduciário haverá que, segundo a lei, tenham sido suportadas pelo CGT e de cujo pagamento este será, então, reembolsado (pelos montantes recebidos, se e quando os houver, claro!). Considerando, pois, que os encargos estão abrangidos nas custas e que no respectivo conceito se compreendem todas as despesas resultantes da condução do processo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa, incluindo reembolso devido ao CGT pelo pagamento adiantado de remunerações a entidades pela prestação de quaisquer serviços requisitados pelo juiz (artºs 529º, nºs 1 e 3, 532º, do CPC, e 3º, nº1, 16º, e sgs, do RCP), percebe-se que, para o caso de o responsável último pela satisfação da remuneração devida ao fiduciário nenhum rendimento ter entregue a este por conta do qual possa pagar-se, a própria lei contempla e viabiliza a hipótese de ser o CGT a suportá-la. Parece, assim, privilegiar-se um mecanismo de auto-pagamento se o Fiduciário houver recebido do insolvente qualquer montante. Admite-se, não obstante, que seja o CGT a adiantar/suportar tal pagamento no caso de tal afectação não ser possível, designadamente por nenhum rendimento ter sido disponibilizado. Tal como dispunha o artº 25º, da hoje revogada Lei 32/2004, de 22 de Julho, o artº 28º, da actual Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial), estabelece que a remuneração do fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite de €5000 por ano. Desta norma, conjugada com aquela já citada do nº 1, do artº 240º, segundo a qual a remuneração constitui encargo do devedor, e a do nº 1, do artº 241º, que prevê a afectação dos montantes recebidos pelo fiduciário ao pagamento da sua própria remuneração, extrai alguma jurisprudência o entendimento de que, nenhum rendimento tendo sido cedido, nada tem aquele direito a receber, considerando, como neste caso se considerou no despacho recorrido, que “a lei é clara no sentido de que são 10% dos valores cedidos” e, assim, “não há fundamento legal para atribuir remuneração.”. Só que, parece-nos, não é – não pode ser – assim. A lei é, de facto, inequívoca ao referir que o fiduciário tem direito a ser remunerado pelo exercício das suas específicas funções. Estranho seria que ele congeminasse e criasse um mecanismo para efectivação daquele paradoxalmente conducente à sua negação, previsível como é – comprova-o a experiência de casos semelhantes – a eventualidade de, não raras vezes, nenhum rendimento ser cedido e, portanto, ficar o fiduciário, a considerar-se aquele como único meio, sem ter por onde se pagar, confiando assim a retribuição pela sua actividade à sorte da cedência. Algo equívoco é, na verdade, dados os termos em que se encontra expresso e como ocorre quanto a múltiplos dos problemas originados pelo processo de insolvência, o regime de pagamento. Isso, porém, significa que se impõe, em busca da justa solução, um trabalho de descoberta e revelação do verdadeiro sentido normativo das regras legais implicadas em vez de nos contentarmos com a sua leitura, interpretação e aplicação mecânicas, na esperança de uma “alteração legal”, que pode reputar-se de útil para evitar divergências mas porventura não de todo indispensável. Como se sabe, toda a lei carece de ser interpretada e, mesmo considerando-se omissa, de ser integrada – artºs 9º e 10º, do Código Civil. Ora, já acima encontrámos pistas seguras que nos levam a concluir que o próprio legislador acautelou a situação e admitiu o pagamento da remuneração pelo CGT. Voltemos ao Estatuto citado e vejamos as que dele também se colhem no mesmo sentido. O artº 2º, nº 2, define que o fiduciário é uma designação que, em função das específicas tarefas cometidas no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, se dá ao depositário e administrador das quantias cedidas pelo insolvente que constituem rendimento disponível, durante o período de cessão. Não deixa ele, porém, de se incluir na categoria genérica do chamado “administrador judicial” e, por isso, na previsão ampla do artº 22º, segundo a qual este “tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas”. De facto, o legislador ao atribuir a certas entidades um conjunto de tarefas parajudiciais, auxiliares da realização da justiça, exigindo-lhe apertadas condições para as poderem exercer e impondo-lhes responsabilidade pelo seu não cumprimento, outra coisa não podia fazer senão reconhecer o direito delas a serem remuneradas pelo seu labor. Não admira que trace mecanismos de, sendo embora o Estado (ou o Juiz na realização de uma das tarefas fundamentais deste, constitucionalmente cometida, que é a de administrar a justiça) responsável pela nomeação, fazer repercutir o encargo do pagamento sobre quem dele beneficia, mais directa ou indirectamente. Assim, o artº 23º, relativamente ao administrador judicial provisório e ao administrador de insolvência nomeado por iniciativa do juiz, prevê uma remuneração fixa (estabelecida em Portaria) e uma remuneração variável, esta em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente (nºs 1 e 2). Quanto ao fiduciário, o artº 28º refere, apenas, que a sua remuneração corresponde a 10% das quantias objecto da cessão, com o limite máximo de 5000€. No que concerne ao pagamento, porém, os subsequentes artigos 29º e 30º, do Estatuto, apenas se referem especificamente ao administrador da insolvência e não ao fiduciário, nem sequer genericamente como administrador judicial. Privilegiando-se tal pagamento pela massa insolvente e mesmo através da retirada de valores desta, caso tenha liquidez (ou até pelos credores), regula-se o caso de insuficiência daquela e da falta desta, cometendo aquele ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça (vulgo, CGT). Nada se explicita quanto à situação concreta aqui em apreço, relativa ao fiduciário, decorrente de o insolvente nenhum rendimento lhe entregar, muito embora a epígrafe do capítulo VI do Estatuto se intitule “Remuneração e pagamento do administrador judicial”, assim se não distinguindo, ao contrário do administrador da insolvência, nem contemplando o pagamento daquele (fiduciário), apesar de em tal conceito incluído e de, por isso mesmo, sujeito ao mesmo Estatuto. Tudo indica, portanto, conjugando este regime – em que se prevê, sem dúvida, o direito do administrador judicial, incluindo o que exerce o cargo de fiduciário, à remuneração, se estabelecem critérios da sua determinação tanto os relativos ao administrador de insolvência (fixa e variável, em função de várias hipóteses) como os relativos ao fiduciário (10% das quantias objecto da cessão), bem assim se resolve a situação de insuficiência da massa ou falta de liquidez desta, incumbindo (com certas especificidades) o Estado de a suportar (não se afastando a consideração dos encargos que a tal título adiantar a título de custas, conforme em geral decorre do RCP) – com o regime dos artºs 240º e 241º, do CIRE – em que claramente se subentende o pagamento pelo CGT das remunerações e despesas do próprio fiduciário e sua posterior compensação através da afectação do rendimento disponibilizado –, que o legislador teve em mente prevenir a hipótese de a qualquer administrador judicial (seja o da insolvência seja o fiduciário) não poder ser paga a devida remuneração, segundo os mecanismos estabelecidos, encarregando o Estado de a adiantar. Aconteceu, porém, que, não obstante esse evidente desígnio, nem no CIRE nem, como era sobretudo de esperar, no Estatuto ele exprimiu tal pensamento, objectiva e claramente, gerando assim uma das muitas perplexidades em que, neste domínio, a lei é fértil e cuja resolução cabe aos tribunais. Resolvendo esta, tem a Jurisprudência entendido que: “É admissível o pagamento de remuneração ao fiduciário por adiantamento do Cofre Geral dos Tribunais (hoje, Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça).” – Acórdão da Relação do Porto, de 07-01-2013, processo 419/12.4TBOAZ-F.P1 (Soares de Oliveira); “Carecendo o devedor de meios para remunerar o fiduciário pelo exercício das suas funções este deve ser pago pelo IGFPJ.“ – Acórdão da Relação do Porto, de 10-09-2013, processo 1714/09.5TB VNG-J.P1 (Henrique Araújo); “A responsabilidade pelo pagamento da remuneração e das despesas do fiduciário é, em primeira linha, do devedor, uma vez que deve ser suportado pelas quantias objecto da cessão, atento o disposto no art.º 241.º n.º 1 do CIRE e art.º 28.º do Estatuto do Administrador Judicial. II - O fiduciário pode ver a sua remuneração e despesas suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais, que corresponde actualmente ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, no valor devido pelo trabalho realizado e despesas suportadas, quando não existam quantias cedidas pelo devedor que permitam tal pagamento. III - Do regime do art.º 241.º do CIRE, que manda afectar os montantes recebidos no final de cada ano em que dure a cessão, à remuneração ao fiduciário, retira-se que a fixação e o pagamento da remuneração deverá ocorrer no fim de cada ano, pois só nesse momento será possível saber se foram entregues valores pelo devedor que o permitam, bem como avaliar o trabalho desenvolvido.“ – Acórdão da Relação do Porto, de 28-10-2015, processo nº 347/13.6TJPRT.P1 (Inês Moura). Também no mesmo sentido se orientaram as Decisões Singulares proferidas nesta Relação, de 12-07-2016 (processo 7345/12.5TBBRG.G1, Anabela Tenreiro) e de 20-07-2016 (processo 5051/12.0TBBRG.G1 (Antero Veiga). Recorrendo, pois, nos termos do artº 9º, do Código Civil, aos elementos interpretativos focados, de ordem literal, racional, sistemática e teleológica, alcança-se como resultado hermenêutico que o legislador disse menos do que pretendia dizer, estando completamente fora do seu pensamento deixar em exclusivo a remuneração do fiduciário à sorte do recebimento por este de quaisquer quantias a título de rendimento disponível entregue pelo devedor, antes sendo evidente que, por identidade de razões, tal como sucede quanto ao administrador judicial quando a massa insolvente é insuficiente ou não tem liquidez, caso aquele de nenhum montante disponha, deve ser o próprio Estado que o nomeia para funções de interesse público no processo e ligadas à justiça no domínio da insolvência, através do CGT, a suportar a remuneração e despesas em causa. Interpreta-se assim extensivamente, considerando neste abrangida a situação em apreço, o nº 1, do artº 30º, da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro. À mesma conclusão, aliás, se chegaria – de que também a remuneração do fiduciário caso nenhuma quantia lhe seja entregue pelo insolvente deve ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça – se se considerasse estarmos ante uma lacuna da lei. Nessa perspectiva, não poderíamos deixar de entender que o caso deve ter uma solução jusnormativa (até por imperativa constitucional), que ele é análogo ao do administrador judicial e que a regulação daquele deve fazer-se segundo a deste, uma vez que nele confluem as razões justificativas da regulamentação do caso análogo, logo que também por via do artº 10º, do Código Civil, assim aquela deve ser integrada. Não se acolhe, enfim, a tese por que pugna o Ministério Público nas suas contra-alegações no sentido de que a do apelante apenas é “moralmente inteligível” mas juridicamente inatendível. Na verdade, não se vê como pudesse o legislador ter querido e assumido que o fiduciário, em caso de nenhuma quantia a este ser entregue pelo insolvente, jamais seria remunerado, contra os princípios básicos neste domínio laboral consagrados na lei fundamental e na geral, pelo exercício de funções para cujo acesso lhe é feito um conjunto específico de exigências e a que é chamado pelo Estado, colocando-o em desigualdade com o administrador de insolvência. Acolher-se-ia uma solução frustrante de expectativas e da confiança gerada pelo Estatuto do administrador judicial, manifestamente desalinhada com o sistema remuneratório estabelecido para os demais cargos (maxime o de administrador judicial em insolvência), sem justificação discernível, contra a racionalidade que informa e enforma o sistema. É que o direito à retribuição, embora contemplando diversos critérios e modos diferenciadores, não abdica de mecanismos de efectivação. Como procurámos demonstrar, o pagamento através do organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial da justiça tem na letra da lei um “mínimo de correspondência” e ressuma do espírito com que o legislador tencionou regular as diversas situações. Logo, a interpretação ou integração que preconizamos não é contra legem mas secundum legem. Claro que o pagamento da remuneração ao fiduciário pelo dito organismo e não na percentagem de 10% das quantias cedidas, talqualmente sucede com o administrador de insolvência em caso de insuficiência ou falta de liquidez da massa, pode conduzir, na prática, a sempre lamentáveis distorções, quiçá a injustiça relativa, decorrentes da insuficiência do sistema que o legislador não cura de colmatar. Todavia, se isto deve animá-lo ao seu aperfeiçoamento não pode servir de motivo para acolher a injustiça maior de deixar sem qualquer remuneração o fiduciário em tais circunstâncias. Nesta conformidade, deve proceder a apelação e, considerando o reduzido labor desenvolvido (de índole predominantemente burocrática e limitado a conservar, ano a ano, a disponibilidade para o exercício do cargo, a interpelar o devedor e a comunicar a falta de resultados ao processo), fixar-se em 1 UC por cada um dos quatro anos já decorridos em que o insolvente nada cedeu, ou seja, um total de 4 UC´s (e não nas 5 pedidas). V. DECISÃO Acordam os Juízes desta Relação em julgar, nos termos e com os fundamentos expostos, procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida e fixam a remuneração do apelante fiduciário no valor correspondente a 4 (quatro) UC´s, valor este que deverá ser suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, sem prejuízo do seu reembolso nos termos legais. * Custas pelo apelante, na proporão do decaimento que se fixa em 10%, delas estando isento o Mº Pº. * Notifique. Guimarães, 02 de Março de 2017 ____________________________________ José Fernando Cardoso Amaral ____________________________________ Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Este Acórdão tem Voto de conformidade da Exmª Desembargadora 2ª Adjunta nele interveniente, Drª Higina Orvalho Castelo, que não assina por não estar presente no momento da sua publicitação e entrega – artº 153º, nº 1, CPC. O Relator, ________________________ 1. Pressupondo, claro, que, em razão da insolvência e do regime da exoneração do pedido restante, esses são o seu único rendimento “disponível” e que não tem outros bens capazes de por ele responder.