Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
AUSENDA GONÇALVES
Descritores
OFENSAS CORPORAIS POR NEGLIGÊNCIA UNIDADE DE INFRACÇÕES PLURALIDADE DE INFRAÇÕES CONDENAÇÃO POR UM SÓ CRIME ARTº 148º Nº 1 DO CP
No do documento
RG
Data do Acordão
10/09/2017
Votação
MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO PENAL
Decisão
PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário
I – São requisitos do tipo complexo do crime de ofensa à integridade física negligente: a violação do dever objectivo de cuidado; um resultado lesivo típico; a imputação objectiva desse resultado à conduta descuidada do agente; e o juízo de censurabilidade dessa conduta. II - Para além de um nexo de causalidade natural, a imputação objectiva exige que o resultado seja objectivamente previsível por uma pessoa normal, colocada na mesma situação do agente. III - A formulação do juízo de censurabilidade depende da capacidade pessoal do agente de reconhecer e observar o dever de cuidado e de prever o resultado e o concreto processo causal, sendo essa capacidade apreciada em função das faculdades ou qualidades que ao agente assistem. IV - Visto que o arguido não previu a possibilidade de, naquele circunstancialismo, colidir com o veículo em que seguiam os ofendidos, provocando, desse modo, lesões na sua integridade física, foi inconsciente a negligência com que actuou. V - À luz da factualidade provada, conclui-se que o arguido, no exercício da condução, violou o dever objectivo de cuidado, mas, não tendo sequer representado o resultado, apesar de ter a capacidade individual de o evitar, não poderia ter previsto que no interior do veículo ligeiro de passageiros se encontrava mais do que um ocupante. VI - Como tal, embora sem deixar de se atender ao concreto resultado adveniente da sua conduta, o arguido apenas pode ser condenado pela prática de um único crime de ofensa corporal por negligência, não obstante o resultado adequadamente imputado à sua conduta negligente corresponder à ofensa corporal de duas pessoas: tendo esta ofensa como fonte um único desvalor de acção, constituído pela violação do dever objectivo de cuidado, não é possível formular vários juízos de censura pelo único comportamento negligente adoptado, não obstante serem múltiplas as lesões sofridas porque a produção destas não se pode enquadrar na direcção de vontade do agente, por a não ter previsto. VII - Com efeito, a determinação do concurso efectivo requer que à pluralidade de bens jurídicos violados se associe a multiplicidade de juízos de censura, porquanto o número de juízos de censura é igual ao número de decisões de vontade do agente: nos crimes praticados negligentemente o juízo de censura é unitário e apenas pode ser formulado relativamente à concreta violação do dever objectivo de cuidado ou à omissão do cuidado devido em concreto pelo agente.
Decisão integral
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo comum singular nº 103/15.7GTVCT da Instância Local, Secção Criminal, da Comarca de Viana do Castelo, o arguido P. R. foi julgado e condenado por decisão proferida e depositada a 21/02/2017, como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelos arts. 13º, 15º, alínea b) e 148º do C. Penal, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5, por cada um dos respectivos crimes e em cúmulo jurídico na pena única de 60 dias de multa à taxa diária de € 5 no montante total de € 300 (trezentos euros) e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses por cada um dos referidos crimes e em cúmulo jurídico na pena única de 4 meses e 15 dias.  *Não se conformando com o decidido, o arguido interpôs recurso com os fundamentos constantes da motivação que apresentou, e que termina com a formulação das seguintes conclusões: 
«1. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o Arguido, ora Recorrente “(…) pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de “Ofensa à integridade física por negligência” p. e p. pelos arts. 13º, 15º, al. b) e 148º nº 1 do C. Penal, nas penas parcelares de 40 (quarenta) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros e de 40 (quarenta) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros. Operando o cúmulo das penas de multa aplicadas, nos termos do disposto no artº 77º condena-se o arguido na pena única de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária 5 euros, no montante global de 300 (trezentos) euros. (…) Condena-se o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 (três) meses e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 (três) meses – artº 69, n 1 al. a) do C.P. Operando o cumulo jurídico das penas acessórias aplicadas, nos termos do disposto no artº 77º nº 1 do C.P., condena-se o arguido na pena acessória única de proibição de conduzir veículos motorizados por 4 (quatro meses e 15 (quinze) dias;

2. O Douto Tribunal a quo, após a produção de prova, deu como provados os seguintes factos, após proceder à alteração não substancial dos factos descritos e da qualificação jurídica efetuada na pronúncia:
•“Sucede que o arguido P. R. decidiu iniciar a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem que se tenha apercebido que um outro veiculo que circulava no mesmo sentido na faixa da esquerda já estava muito próximo de si e o ultrapassava”;
• “Nesse momento em que se apercebeu, porque conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ, que vinha reduzindo a velocidade para mudar a direção, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A.”;
•“O embate ocorreu porque o arguido não conduzia com a atenção e o cuidado que lhe eram exigíveis e de que era capaz, não adoptando uma velocidade e uma distancia que lhe permitisse parar o seu veiculo com segurança, por forma a evitar colisão com outros veículos que circulassem na mesma via, o que não fez, podendo fazê-lo”;
•“O arguido tinha a obrigação e a capacidade individual de evitar o embate, que não representou”;
•“Com a sua conduta descuidada o arguido colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causando as lesões da integridade física dos dois ofendidos”;

3. Ora, os factos supra transcritos, referem-se à dinâmica do sinistro.Com efeito,

4. Na formação da sua convicção quanto àqueles factos, o Tribunal a quo, “(…) atendeu essencialmente às declarações do arguido, que de forma sincera contou ao tribunal como tudo aconteceu, sendo que a versão dos factos que apresentou, que o tribunal considerou credível, não só não foi infirmada por qualquer meio de prova (pois desde logo os ofendidos não sabem como aconteceu o acidente – apenas sentiram o embate)”. Acontece que, 

5. Se ouvirmos atentamente as declarações do Arguido, ora Recorrente (prestadas no dia 24/01/2017, as quais de acordo com a Ata do registo de gravação áudio tiveram inicio às 11:47:24 e fim às 12:23:10), constatamos que não resultam daquelas declarações prova suficiente para imputar ao Arguido, ora Recorrente, o crime de ofensas à integridade física por negligencia, por violação do dever de cuidado a que estava obrigado na condução, designadamente, por “circular muito próximo do veículo da frente, que estava a reduzir a velocidade e como tal não logrou evitar o embate, o que poderia e deveria ter feito caso mantivesse uma distancia daquele veiculo e circulasse a uma velocidade que lhe permitisse parar o carro em segurança se necessário (o que poderia fazer e não fez)” e consequentemente, dar como provados os factos supra transcritos. O Douto Tribunal a quo, fez uma errada interpretação das declarações do Arguido. Vejamos:

6. Nas suas declarações o Recorrente refere, expressamente que: “Quando estou a aproximar-me do veículo dentro de uma distância de segurança inicio o processo de ultrapassagem, olho para a minha esquerda para o espelho e vejo umas luzes dum veículo automóvel na faixa da esquerda. Inicio então o processo de ultrapassagem perfeitamente controlado. Só que de controlado passou a ser mais um pesadelo. Porque aconteceu-me duas coisas que fui surpreendido. Fui surpreendido com a redução do veiculo, a velocidade, que circulava à frente, já onde tem exatamente essa tabuleta dos 500 metros a dizer saída para viana (…)” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 02:20 a 02:57.

7. E mais referiu o Arguido, ora Recorrente, nas suas declarações que: “O veículo da frente começou a reduzir a velocidade e o veículo da minha esquerda senti-o próximo, não me senti seguro de efetuar a ultrapassagem, como vinha a uma velocidade controlada, reduzi a velocidade, com a caixa de velocidades, travei não muito forte para não entrar em despiste nem para prejudicar ninguém, e tentei evitar ao máximo o choque, a colisão com o veículo da frente”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 03:14 a 03:35.

8. E continuou dizendo que “Quando olho novamente para a minha esquerda vejo que tenho a faixa de rodagem desocupada, ao ter a faixa desimpedida tentei virar o máximo mais rapidamente possível para esquerda para não embater no veículo da frente. Só que o veículo da frente estava a reduzir a velocidade. Ele ia sair. E não tive a capacidade para não bater no veículo da frente” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 03:37 a 03:55.

9. Ora, em instâncias do Douto Tribunal, que questionou o Recorrente: “O Senhor quando decidiu ultrapassar já tinha olhado para trás já tinha visto o carro atras do seu lado esquerdo, o senhor apercebeu-se a que distancia é que estava esse carro?” o Arguido, ora Recorrente, respondeu “Devido à experiencia que eu tenho na estrada ainda vinha perfeitamente dentro para, para fazer a ultrapassagem em segurança” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 04:51 a 05:08.

10. E mais à frente, quando questionado novamente em instâncias do Tribunal, a que distância se encontrava o veículo que circulava atras na faixa da esquerda, o Arguido, ora Recorrente, respondeu “A mais de quinhentos metros. Eu vi as luzes, eu não vi o carro, vi foi as luzes do lado esquerdo pelo espelho”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 06:50 a 07:05. E, 

11. Quando questionado se decidiu ultrapassar porque considerou ter tempo para o fazer, o Recorrente respondeu “Sim”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 07:13 a 07:21.

12. Isso mesmo consta da fundamentação da douta sentença a fls. 5 “viu as luzes de um carro na faixa da esquerda da ponte, atras de si, ainda longe e decidiu ultrapassar, sinalizou a manobra (…)” Ora, 

13. Quando o Arguido, ora Recorrente, decide iniciar a manobra de ultrapassagem, sinalizando a mesma, o veiculo que circulava à sua retaguarda na faixa de rodagem esquerda, ainda se encontrava a uma distância que permitia ao Recorrente efetuar a manobra e ainda não estava a ultrapassar o veiculo conduzido pelo Arguido. Ao contrário do que consta do facto provado nº 6. Pelo que, foi o Arguido, ora Recorrente, diligente na sua condução. Acontece que,

14. O Arguido, ora Recorrente, decidiu não ultrapassar o veículo onde circulavam os ofendidos, por considerar que não iria ter condições de segurança para o fazer, porque o veículo que seguia à sua retaguarda na outra faixa de rodagem, se aproximou inesperadamente do seu veículo, e o veículo dos ofendidos aproximou-se do seu veículo, porque reduziu subitamente a sua velocidade.

15. Veja-se as declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 07:20 a 07:56, quando questionado que entretanto chegou à conclusão que já não tinha tempo para ultrapassar respondeu “Não”. Quando questionado se decidiu não ultrapassar “respondeu “exatamente, porque fui confrontado com a redução do veículo da frente e com a aproximação do veículo, isto é, se o veículo da frente não reduz, eu provavelmente fazia a ultrapassagem, mas quando sou confrontado com a redução do veículo da frente, travei o veículo, o outro aproximou, eu ainda fiquei mais apertado”. 

16. Ou seja, no decurso da inquirição do Arguido, o douto Tribunal, fez a seguinte questão: “Já todos percebemos que o senhor decide fazer uma ultrapassagem, que fez o sinal, que viu anteriormente que tem tempo, que acha que de acordo com as luzes tem tempo para ultrapassar, mas entretanto o outro carro aproximou-se e o senhor descobriu que afinal não tinha tempo para ultrapassar, é isso?. Então neste momento o Senhor vê que não tem tempo para ultrapassar, o Senhor ainda não tinha iniciado a ultrapassagem ou já tinha iniciado a ultrapassagem?” o Arguido, ora Recorrente, respondeu “Não. Nunca iniciei a colocação do meu veículo na faixa da esquerda”. De seguida questiona o Douto Tribunal “O que aconteceu a partir deste momento?” responde o Recorrente que “A partir daqui eu reduzo a velocidade o máximo que posso, através da caixa de velocidades e redução controlada de velocidade em que quando olho para a esquerda o veículo da frente ia sempre em redução de velocidade e eu cada vez estava a ser mais impossível evitar o embate. No momento em que me apercebo que não consigo ultrapassar… o outro veículo, seguiu viagem, ele tinha que sair dali para eu ir para a esquerda. E eu, ao virar, ao tempo que estou a virar…”. Continuou o Douto Tribunal, questionando “O embate ocorre quando o senhor vira para não embater é isso?” respondeu o Arguido, ora Recorrente “exatamente”. E continua o Douto Tribunal “Não é quando o senhor ainda está a pensar ultrapassar, é quando o senhor se apercebe que o da frente reduziu e para não embater no da frente é que guinou ligeiramente para a esquerda”, o Arguido, ora Recorrente, anuiu, “e nunca colocar ninguém na esquerda em perigo”. E continua o Douto Tribunal “O embate acontece não é quando o senhor está a pensar fazer a ultrapassagem?” responde o Arguido “Não Não”. E continua o Douto Tribunal “É para o Senhor evitar bater no carro da frente, depois de ter pensado fazer uma ultrapassagem, de ter chegado à conclusão que não podia fazer a ultrapassagem e de se ter confrontado (…) com a redução da velocidade do carro da frente” responde o Arguido, ora Recorrente “sim, sim”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 09:05 10:58. Ora, 

17. Destas declarações do Arguido, ora Recorrente, não podia o Tribunal a quo concluir como concluiu, que o mesmo foi negligente, que o mesmo não adaptou a sua velocidade e a distância de segurança por forma a evitar o acidente sub judice. Alias, 

18. Das suas declarações, retiramos que o Recorrente, foi um condutor diligente, no momento prévio à decisão de ultrapassar o veículo dos ofendidos, ainda assim, devido a circunstâncias a si transcendentes, não conseguiu evitar a colisão. Ou seja, 

19. Das declarações do Recorrente, é notório que a redução da distância de segurança entre o seu veículo e o veículo da frente se ficou a dever à redução da velocidade pelo veículo dos ofendidos. Aliás, 

20. O veículo dos ofendidos, reduziu de forma inesperada a velocidade, para sair da autoestrada, quinhentos metros antes da saída, violando até o disposto no artigo 24º nº 2 do C.E “Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.”.

21. Aliás, quando questionado se o veiculo dos ofendidos fez algum sinal luminoso, o pisca, avisando que ia sair, o Arguido, ora Recorrente respondeu “Não. Eu só reparei mesmo na redução de velocidade”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 11:06 a 11:19.

22. Não foi o Arguido, ora Recorrente, um condutor negligente ou descuidado, ou desatento, nem se poderia exigir que agisse de outra forma, perante a situação concreta. Apesar de ter encetado todos os esforços para não embater no veículo dos ofendidos, o certo é que, este reduziu a velocidade sem que nada o fizesse prever, uma vez que a saída da autoestrada ainda se encontrava a quinhentos metros. Com efeito,

23. O Recorrente, nas suas declarações, quando questionado pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, “O Senhor ia colado ao carro da frente para não conseguir parar”, respondeu “Não. Há uma redução muito forte. Como hei-de explicar, uma pessoa que circula a 100 km/h no nosso veiculo, quando há uma travagem a velocidade é reduzida muito rapidamente, porque são veículos que são preparados para essa situação e mesmo assim a redução do veiculo da frente, o veiculo da frente circulava a uma velocidade ainda mais reduzida porque ia sair (…) o que eu sei é que a velocidade a que eu circulava permitia-me fazer uma ultrapassagem em segurança (…)” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 11:21 a 12:05.

24. E, mais à frente o Arguido, ora Recorrente, refere que “Se eu vou a esta distância e este veículo vai reduzindo cada vez mais a velocidade, eu vou travando, vou travando e ele vai reduzindo a velocidade, eu começo a chegar a um ponto em que eu tenho de me decidir ou viro à esquerda ou vou embater no veículo, no momento em que eu me sinto em segurança para virar á esquerda…” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 13:10 - 13:24. Ora, 

25. O Ofendido, aquando a sua inquirição, admitiu que reduziu a velocidade para sair da autoestrada a cerca de 500 metros da saída.

26. Porquanto, quando questionado onde aconteceu o acidente respondeu “Na ponte Santa Luzia, na via rápida, estávamos quase a chegar a cerca de quinhentos metros da saída (…) Nós íamos sair”. Vide declarações do Ofendido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 10:34:06 às 11:03:34, em especial o hiato de tempo entre os minutos 00:55 a 01:10. Quando questionado a que velocidade seguia respondeu “Como estava perto da saída ia a mais ou menos 70, 60, mais ou menos por aí”. E quando questionado se já estava a reduzir a velocidade, respondeu “Que era para sair” Vide declarações do Ofendido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 10:34:06 às 11:03:34, em especial o hiato de tempo entre os minutos 01:19 a 01:29. Além do mais,

27. Sempre se diga que, o Douto Tribunal a quo, não poderia ter concluído que o sinistro sub judice se ficou a dever à falta de distância de segurança e à velocidade do veículo do Recorrente, quando não ficou provado nos autos, qual a velocidade a que circulava o veículo do Arguido e, porque o Arguido, nas duas declarações, referiu que ia a cerca de 150 metros do veículo da frente, não existindo qualquer prova em sentido contrário. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 31:32 a 31:36. Ora, 

28. Das declarações do Arguido, ora Recorrente, provado ficou que a redução da distância de segurança entre o seu veículo e o dos ofendidos, se ficou a dever à injustificada redução da velocidade do veículo conduzido pelo ofendido, 500 metros antes da saída da autoestrada e, não negada pelos ofendidos. Foi por esse motivo, que o Arguido, conforme sempre reiterou nas suas declarações, não conseguiu evitar a colisão, quando tentou passar para a faixa da esquerda a fim de evitar o embate, que, por pouco não conseguiu.

29. Nesta conformidade, é evidente que das declarações do Arguido, ora Recorrente, do Ofendido e da Assistente e dos documentos juntos aos autos, não resulta que:

• o arguido P. R. decidiu iniciar a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem que se tenha apercebido que um outro veiculo que circulava no mesmo sentido na faixa da esquerda já estava muito próximo de si e o ultrapassava”;
• “Nesse momento em que se apercebeu, porque conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ, que vinha reduzindo a velocidade para mudar a direção, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A.”;
• “O embate ocorreu porque o arguido não conduzia com a atenção e o cuidado que lhe eram exigíveis e de que era capaz, não adoptando uma velocidade e uma distancia que lhe permitisse parar o seu veiculo com segurança, por forma a evitar colisão com outros veículos que circulassem na mesma via, o que não fez, podendo fazê-lo”;
• “O arguido tinha a obrigação e a capacidade individual de evitar o embate, que não representou”;
• “Com a sua conduta descuidada o arguido colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causando as lesões da integridade física dos dois ofendidos”; Assim, 

30. O Douto Tribunal a quo, não poderia ter dado como provados aqueles factos, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, pelo que, violou entre outros o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do C.P.P. Ora, 

31. Os factos dado como provados pelo tribunal a quo justificativos da sua condenação, foram interpretados erroneamente, dando-se um sentido diverso às declarações prestadas pelo Recorrente. Assim, se aqueles factos fossem dados como não provados, o Arguido, ora Recorrente, teria que ser necessariamente absolvido. O que se requer!

32. O Arguido, ora Recorrente, foi condenado pela prática de dois crimes de Ofensas à integridade física por negligência p. e p. pelos artigos 13º, 15º, al.b) e 148º nº 1 do Código Penal. Ora, 

33. Se o Douto Tribunal ad quem, partilhar o entendimento supra exposto, quanto à impugnação dos factos provados que constam dos pontos 6, 7, 12, 12, 13 da sentença recorrida, não se encontram preenchidos os elementos do tipo de ilícito negligente de que o Arguido, ora Recorrente, vem acusado. Vejamos:

34. O tipo de crimes de que foi o Recorrente condenado impõem, para que se possa punir o agente por ofensa à integridade física negligente, que este seja capaz de reconhecer as exigências de cuidado que a ordem jurídica obriga e que seja capaz de as cumprir. De facto, 

35. Trata-se de uma medida individual, subjetiva, aferida de acordo com as suas possibilidade e capacidades concretas e que, em certos casos, poderá revelar-se suscetível de afastar a responsabilidade penal. Ora, 

36. Uma vez que a nossa lei penal, não nos fornece nenhuma definição do conceito de negligência, releva para o caso sub judice, sabermos em que consiste a negligência para a doutrina.

37. Neste sentido, conforme dispõe o Ilustre Eduardo Correia, a negligência consiste na “omissão de um dever objetivo de cuidado ou diligência” e na “omissão de um dever de cuidado, adequado a evitar a realização de um tipo legal de crime, que se traduz num dever de previsão ou de justa previsão daquela realização, e que o agente (segundo as circunstâncias concretas do caso e as suas capacidades pessoais) podia ter cumprido”. De facto,

38. Para Eduardo Correia, só existirá negligência quando “houver lugar a uma atividade suscetível de violar deveres de cuidado, destreza e atenção, atividade essa que, se tivesse em consideração esses deveres, evitaria a produção de resultados proibidos” Ora, 

39. Além desta condição, é preciso que o agente, preveja que os resultados negativos se irão verificar. Para além de que,

40. Será importante analisar a composição dos crimes negligentes, que consiste, essencialmente, numa divisão em tipo de ilícito negligente e culpa negligente.

41. Para Taipa de Carvalho, o ilícito negligente é a “conduta descuidada ou leviana do agente ao realizar a ação não pertencendo, desta forma, tal conduta à culpa negligente e sim, como estamos a ver, ao tipo de ilícito”.
Aliás, segundo Figueiredo Dias, o ilícito negligente concretiza-se na “violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado”, ou seja, implica a violação, por parte do agente, do cuidado que sobre ele juridicamente impende. De facto,
Os elementos do tipo de ilícito são dois: a não observância do cuidado objetivamente adequado a impedir a ocorrência do resultado típico e a previsibilidade objetiva do perigo para determinado bem jurídico.

42. Este último elemento, irá permitir afirmar ou negar a existência do tipo de ilícito negligente, ou seja, é este elemento da previsibilidade objetiva que nos levará à conclusão no sentido de haver ou não uma verdadeira violação do dever de cuidado. Assim, 

43. Aquele elemento estará preenchido, quando a ação praticada pelo agente, aos olhos de uma pessoa cuidadosa, for considerada de forma a ser possível a verificação de um resultado desvalioso. Ora, 

44. Neste caso, em que é previsível o perigo de modo objetivo, o agente tem que atuar em conformidade com o cuidado objetivamente exigível. No entanto,

45. Pode acontecer, que o agente tenha atuado com o cuidado exigível, mas apesar disso tenha tido lugar um resultado desvalioso, e, aqui, este resultado não será imputável à sua ação, pois ao não haver “desvalor da ação” não existe ilícito. 

46. Quanto ao primeiro elemento, que diz respeito à violação do dever de cuidado, este implica que na hipótese de este dever ser observado, e por isso não violado, haveria uma enorme probabilidade do resultado desvalioso ser impedido e, portanto, não se verificar.

47. Para Figueiredo Dias, o resultado tinha que ser “previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o “homem médio pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente”. 

48. Quanto à culpa negligente explica-se, segundo Taipa de Carvalho, como sendo “a atitude ético-pessoal de descuido ou leviandade do agente perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo pela respetiva ação ilícita negligente”, i.e., “a violação do cuidado que o agente, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de prestar” Assim,

49. Os pressupostos da culpa negligente são: a previsibilidade subjetiva do perigo e a possibilidade de o agente ter cumprido o dever objetivo de cuidado.

50. Antes de avançar, é relevante reforçar que, aqui, o critério da previsibilidade subjetiva, como a expressão denuncia, tem, obrigatoriamente, que ser analisado subjetiva e individualmente, ao contrário da previsibilidade objetiva (elemento do ilícito negligente), uma vez que se trata de um critério objetivo. Ora,

51. Previsibilidade subjetiva do perigo representa a possibilidade de o agente, segundo as suas capacidades individuais e as circunstâncias concretas em que a ação é praticada, ter previsto os perigos ou riscos da sua ação.

52. No fundo, a culpa negligente existe quando o agente pratica uma ação relativamente à qual representa ou tem a possibilidade de representar os riscos que envolve, sabendo ou devendo saber que não se encontrava em condições de cumprir as exigências de cuidado impostas, atendendo às suas capacidades e incapacidades. Ora,

53. Descendo ao caso vertente, e de acordo com o que supra se expôs, podemos concluir que não estão preenchidos os elementos do tipo legal de crime negligente de que o Arguido, ora Recorrente, foi condenado, uma vez que o Arguido foi um condutor diligente, que tentou evitar o sinistro sub judice, porém, por circunstâncias a si transcendentes, designadamente, a redução súbita da velocidade pelo veículo onde circulavam os ofendidos, até em estreita violação do artigo 24º nº 2 do C.E, que originou a redução da distância de segurança entre ambos os veículos, e obstou a que o Arguido, ora Recorrente, pudesse passar para a faixa da esquerda em segurança de modo a evitar a colisão. 

54. Pelo que, não poderá ser outra a conclusão, de que não estão verificados, os pressupostos do ilícito negligente, na medida em que, o acidente, não se ficou a dever a negligência do Arguido, ora Recorrente, mas deveu-se a circunstâncias estranhas à sua vontade e à sua capacidade de previsão e reação, e que, não seria de exigir a um homem médio colocado naquelas circunstancias e com as capacidades do Arguido, agir de outra maneira.

55. Termos em que concluímos que os elementos do tipo legal de crime de ofensas à integridade física por negligencia não se encontram todos preenchidos, pelo que, o Tribunal a quo, fez uma subsunção errada dos factos ao crime, previstos no artigo 148º nº 1 do C.P, o qual devia ter interpretado e aplicado no sentido da absolvição do Arguido, ora Recorrente. O que se requer!

56. Caso o Douto Tribunal ad quem, não partilhe do entendimento supra exposto, sempre se refira, entender o Recorrente, que, no caso dos presentes autos, está em causa uma única conduta do Arguido, (a sua alegada condução negligente), que provocou ofensas corporais simples em duas pessoas.

57. Não se verifica, quanto ao crime de ofensas à integridade física por negligência p.p no artigo 148º nº 1 do C.P, um concurso efetivo de infrações, mas sim um crime de resultado múltiplo.

58. Ora, a conduta do arguido é-lhe imputável a título de negligência, pelo que, nos crimes negligentes apenas será imputável um único juízo de censura, e a culpa resume-se a apenas uma resolução criminosa, independentemente de ser violado várias vezes o mesmo tipo legal de crime, pois o dever objetivo de cuidado apenas foi violado uma vez.

59. É adequada a condenação do Arguido, ora Recorrente, pela pratica de um único crime de ofensas à integridade física por negligencia p. p no artigo 148º nº 1 do C.P e não pela pratica de dois crimes conforme consta da douta decisão recorrida, pois em casos de negligencia apenas existe um juízo de censura pelo comportamento negligente adotado. Só faz sentido punir o agente por mais que um crime quando este pudesse configurar a possibilidade da sua conduta negligente possa resultar mais que uma vítima;

60. No caso sub judice, e conforme ficou provado, o ora Recorrente, não representou sequer o embate;

61. Face ao exposto, o recorrente só deve, pois, ser punido por um crime de ofensas à integridade física por negligência, p. p no artigo 148º nº 1 do C.P, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo.

62. Outra das questões a resolver no âmbito do presente recurso é a determinação da medida concreta da pena, atendendo a que o Arguido deve ser condenado apenas por um único crime de ofensas à integridade física por negligência e não por dois; Ora,

63. O crime de ofensas à integridade física por negligência, p. p no artigo 148º nº 1 do C.P. é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias;

64. Com efeito, de acordo com o plasmado no artigo 40º nº 1 e 2 do C.P, a aplicação das penas visa “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”;

65. Aquando a determinação da medida da pena, o julgador deve ter em atenção as circunstancias previstas no artigo 71º do C.P, que visam fornecer ao Julgador módulos de vinculação na escolha da medida da pena;

66. O enquadramento fáctico-jurídico, prevê que a determinação da medida da pena, dentro dos limites mínimos previstos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção; 

67. Ou seja, o Tribunal, deve atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido;

68. Neste caso, milita a favor do Recorrente, não ter antecedentes criminais, colaborou para a descoberta da verdade, prestando declarações, é considerado no seu meio familiar e profissional como um excelente pai, colega e trabalhador, está bem integrado, social, profissional, e familiarmente, reside com a esposa e dois filhos menores. E, apesar de não constar dos factos provados, mas sim dos autos a fls…à data do sinistro sub judice, o Arguido não tinha averbado no seu registo individual de condutor, qualquer infração rodoviária;

69. Por sua vez, as consequências decorrentes do acidente de viação, com o devido respeito, não foram de tal forma gravosas que culminaram na perda da vida ou em incapacidades permanentes, para os ofendidos, mas sim incapacidades temporárias e curáveis;

70. Ponderadas todas estas circunstâncias, e tendo em atenção a condenação por um único crime de ofensas à integridade física por negligência, deve considerar-se adequada a pena de 10 dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), por adequada e proporcional às exigências do caso quanto ao crime de que o Recorrente foi condenado, e à situação económica e financeira do Recorrente e seus encargos pessoais, dados como provados na Douta Decisão Recorrida;

71. Outra questão que importa apreciar no presente recurso, diz respeito à não concordância com aplicação pelo Tribunal a quo, de pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, por 3 meses quanto a cada um dos crimes, condenando-o na pena única de inibição de conduzir por 4 meses e 15 dias;

72. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção;

73. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, tem de respeitar os princípios da necessidade, da mínima restrição de direitos e da adequação e proporcionalidade. Além do mais,

74. Deve ter-se em conta que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”. Princípio este expressamente consagrado no art. 65º, nº 1, do CP;

75. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, não serve as finalidades da reintegração social do agente, mas tão só a sua dissuasão da prática da infração a que se reporta.

76. Ou seja, esta pena, serve exigências de prevenção especial e não geral. 

77. E, salvo o devido respeito, ao nível da prevenção especial, não estão reunidos elementos que fundamentem a aplicação da pena acessória;

78. Com efeito, o tribunal “a quo” na aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, considerou automático a aplicação da pena acessória, não tendo verificado se os elementos e pressupostos estariam preenchidos no caso concreto e esta consideração retira-se da própria ausência de motivação na sentença para a sua aplicação;

79. No caso concreto o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido, ora Recorrente, foram diminutos;

80. O Recorrente, não tem antecedentes criminais;

81. Os crimes que lhe foram imputados foram episódios únicos na sua vida, à data dos factos nada tinha averbado no seu registo individual de condutor conforme consta a fls…dos autos;

82. O Recorrente, tem a seu cargo dois filhos menores, um deles com autismo, sendo o Arguido, ora Recorrente, o garante do sustendo do lar, uma vez que a sua esposa está desempregada;

83. O Arguido, ora Recorrente, mostrou-se cooperante para a descoberta da verdade, prestando declarações em audiência de julgamento;

84. O Recorrente, é motorista profissional (cfr. consta dos factos provados), utilizando o automóvel como instrumento de trabalho;

85. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, tem como efeito necessário a perda do seu posto de trabalho, o que considera consubstanciar uma terceira pena em que é condenado, uma vez que a aplicação desta pena acessória terá como efeito necessário a perda dos seus direitos profissionais;

86. Os efeitos negativos para o Recorrente, da aplicação desta pena acessória, serão desproporcionais em relação aos efeitos positivos;

87. As exigências de prevenção especial e geral também não justificam tal medida;

88. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao Arguido, ora Recorrente, deverá ser declarada nula, por violação do art. 65.°, n.º1, do C.P. bem como do art. 30.°, n.º 4, da CRP, pois tem como efeito a perda do seu direito profissional;

89. Sem prescindir e caso assim não se entenda, 

90. No caso de se entender ser de aplicar a pena acessória de inibição de conduzir, seja a mesma suspensa na sua execução, atendendo todos os circunstancialismos supra invocados, porquanto, a simples censura do facto, a ameaça da inibição de condução, se o venerado desembargador a considerar necessária, bastam para a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição de prevenção geral e prevenção especial;

91. Caso assim não se entenda e sem prescindir,

92. Na hipótese do Douto Tribunal ad quem, partilhar do entendimento supra exposto, quanto à condenação do Arguido, não por dois, mas apenas por um crime de ofensas à integridade física por negligencia, mas, por sua vez, entender ser de aplicar pena acessória de inibição de conduzir, sempre se diga que, a mesma, atendendo a todas as circunstancias do caso concreto e supra expostas, deve ser fixada no seu mínimo legal, ou seja, três meses.

93. Assim, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses);

94. Pelo exposto, o tribunal a quo violou, na sua douta decisão, toda a legislação supra citada.». 

O recurso foi regularmente admitido nos termos do despacho proferido a fls. 508.

O Ministério Público junto da 1ª Instância apresentou resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso, alegando, em suma, que a prova produzida em audiência e que serviu para formar a convicção do tribunal foi apreciada com razoabilidade e segundo os princípios da livre apreciação da prova, da imediação e oralidade, encontrando-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação. Também defendeu que, para além, de se encontrarem preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime a conduta do arguido integra a prática de dois crimes, uma vez que causou lesões em dois ofendidos previsíveis no contexto dos factos apurados e em resultado conjecturável da violação do dever de cuidado. Quanto à medida das penas parcelares e, consequentemente, da pena única aplicada ao arguido, considera que as mesmas se encontram devidamente fixadas de acordo com as circunstâncias e particularidades do caso concreto, pecando até por serem demasiado benevolentes, pronunciando-se, ainda, pela inadmissibilidade legal da suspensão da pena acessória.

Em contra-alegações, a assistente também se pronunciou no sentido da manutenção da decisão recorrida.

Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, sustentando que a decisão recorrida não merece a censura que lhe vem assacada, pelas razões aduzidas pelo Ministério Público em 1ª instância, que acompanhou, quanto ao erro de julgamento e demais questões suscitadas, apenas divergindo do sentido da resposta daquele em relação ao número de crimes praticados pelo arguido, defendendo, com apelo à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a verificação de um único crime de ofensa à integridade física por negligência. 

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP. *Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as seguintes questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência): 

1. - o erro de julgamento sobre a matéria de facto;
2. - os elementos do crime e a unidade ou pluralidade de infracções; 
3. - a medida da pena principal e acessória. 
Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso a decisão recorrida sobre a matéria de facto e respectiva motivação (transcrição): 

«Factos Provados:

1. Em 07/09/2015, pelas 06h30m, o arguido P. R. conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula FG, na A28, na Ponte de Santa Luzia, Viana do Castelo, no sentido Porto/Viana do Castelo. 
2. Também na A28, na Ponte de Santa Luzia, Viana do Castelo, no mesmo sentido seguia à frente daquele, o veiculo ligeiro de passageiros, de matrícula IZ, conduzido por J. C. e seguindo no lado do pendura, a esposa, F. A.
3. Na altura o tempo estava bom e a visibilidade era boa.
4. No local a via configura uma recta em patamar, com piso betuminoso em estado regular.
5. A velocidade permitida no local é de 120 Km/hora
6. Sucede que o arguido P. R. decidiu iniciar a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem que se tenha apercebido que um outro veículo que circulava no mesmo sentido na faixa da esquerda já estava muito próximo de si e o ultrapassava.
7. Nesse momento em que se apercebeu, porque conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ, que vinha reduzindo velocidade para mudar de direcção, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A..
8. O embate provocou o despiste do veículo IZ, que, com a força do impacto, foi ainda embater nas guardas de segurança e acabou por se imobilizar na berma vários metros à frente.
9. Na sequência da conduta do arguido, resultou para F. A.: "estiramento dorso lombar ( ... ) ceruicalqias e lombalgias ( ... ) fenómenos dolorosos", lesões que determinaram 130 (cento e trinta) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e com 30 (trinta) dias de afectação da capacidade de trabalho profissional.
10. Na sequência da conduta do arguido, resultou para J. C.: "ceroicalqia, contusão no ombro esquerdo e perda da peça dentária n° 22 ( ... ) fenómenos dolorosos: cervicalgia posterior, omalgia esquerda", lesões que determinaram 20S (duzentos e cinco) dias para a cura, com 20 (vinte dias) de afectação da capacidade de trabalho geral e 60 (sessenta dias) de afectação da capacidade de trabalho profissional.
11. Mais resultaram estragos na traseira e frente do veículo IZ e na frente direita do veículo FG.
12. O embate ocorreu porque o arguido não conduzia com a atenção e o cuidado que lhe eram exigíveis e de que era capaz, não adoptando uma velocidade e uma distância que lhe permitisse parar o seu veículo com segurança, por forma a evitar colisão com outros veículos que circulassem na mesma via, o que não fez, podendo fazê-lo.
12. O arguido tinha a obrigação e a capacidade individual de evitar o embate, que não representou.
13. Com a sua conduta descuidada o arguido colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causando as lesões da integridade física dos dois ofendidos.
14. O arguido é motorista e aufere cerca de 890 euros por mês.
15. Reside com a esposa, que não trabalha, e dois filhos menores, um deles autista, em casa própria, pela qual paga mensalmente 230 euros. 
16.Tem ainda como despesa mais relevante as terapias do filho no que despende cerca de 800 euros por mês, a que faz face com a ajuda dos pais.
17. Não tem antecedentes criminais.
18. Confessou parcialmente os factos que resultaram provados.
19. O arguido é considerado pelas pessoas com quem se relaciona um excelente pai, colega e trabalhador.

Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:

1. O arguido P. R. iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem olhar à sua retaguarda e verificar se outro veículo já tinha assinalado a ultrapassagem e se o podia fazer em segurança, motivo pelo qual não se apercebeu que estava a ser ultrapassado por um terceiro veículo.
2. No momento em que se apercebe, quando já estava a efectuar a ultrapassagem, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo, IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A..
3. O arguido conduzia de forma totalmente distraída, efectuando a manobra de ultrapassagem sem averiguar previamente que o podia fazer sem perigo de colidir com outro veículo, quer o que já o estava a ultrapassar quer com o que seguia à sua frente e a quem acabou por embater e provocar o despiste.
4. O arguido nem sequer olhou para ver se podia iniciar a manobra de ultrapassagem.
5. O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei como crime.*Motivação da decisão de facto: 

«A convicção do tribunal quanto à factualidade provada e não provada formou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento conjugada com as regras de experiência, atendendo-se à prova documental, pericial e pessoal produzida.

Assim, atendeu-se:
- aos relatórios médico legais juntos a fls. 84 e 86, 89 a 90, 160 a 162 168 a 170) e 163 a 164 (173 a 175); 264 a 266; 
- aos documentos juntos a fls, 12 a 13, 33 a 34, 36, 37 a 73, 118 a 119, 137 a 143, 129 a 135, 187,204 a 206,231,232,375,390,411 a 412. 
- a toda a prova pessoal: 
O arguido prestou inicialmente declarações apenas quanto à sua situação sócio económica, no que esclareceu o tribunal que é motorista, auferindo cerca de 890 euros e reside com a esposa que não trabalha e dois filhos menores, um deles autista, em casa própria, pela qual paga mensalmente 230 euros. Tem ainda como despesa mais relevante as terapias do filho no que despende cerca de 800 euros por mês, a que faz face com a ajuda dos pais. 
Após produção de parte da prova testemunhal prestou novamente declarações e enquadrando os factos que depois relatou, referiu que tinha começado a trabalhar às 4.30, carregou a carga para levar a Vigo e saiu do aeroporto. Estava na Ponte de Viana e circulava à velocidade "normal", talvez 110 km /h, entre as 5.45 e as 6.15, estava nascer o dia, passou o meio da ponte e vê o veículo no qual veio depois a embater. 
Concretizou que ao aproximar-se do veículo que pretendia ultrapassar viu as luzes de um carro na faixa da esquerda na ponte, atrás de si, ainda longe, e decidiu ultrapassar, e sinalizou a manobra, olhou novamente pelo espelho para o lado esquerdo e viu as luzes do veículo (que já tinha visto mais atrás), só que o veículo da frente reduziu a velocidade e sentiu próximo o veículo da esquerda, pelo que pensou que já não tinha segurança para ultrapassar (porque entretanto o veículo aproximou-se) e é nesse momento que reduziu a velocidade, travou e não conseguiu evitar o embate que ocorreu entre o seu veículo e o da frente (o embate ocorre quando vira o carro para o lado esquerdo para não embater). 
Mais referiu que o local da placa dos 500 metros é o local do embate e que a ponte tem certamente mais de um quilómetro.
Foi confrontado com a declaração amigável junta aos autos.
Questionado respondeu que só reparou na redução da velocidade do carro da frente, não se apercebeu do sinal de mudança de direcção para a saída. 
A assistente F. A., prestando declarações, contou ao tribunal que o acidente aconteceu no dia 7 de Setembro de 2015, pelas 6 h e 30 m (ou mais tarde - confrontada com a hora das fotos referiu que a máquina não tem a hora certa), na Ponte de Santa Luzia, próximo da saída da Ponte para Viana, a cerca de 500 m dessa saída. Já estava dia e estava bom tempo. Ela ia no lugar do pendura acompanhando o marido no veículo Megane, no sentido Porto-Viana. De repente sentiu um embate na traseira, no porta-malas. Os bancos quebraram e andaram a rodopiar. Seguiam à velocidade de 60, 70 km/h e não se aperceberam do outro veículo antes do embate; desconhece se esse veículo ia a fazer uma ultrapassagem e não sabe se vinham mais carros atrás. Teve problemas na lombar e na cervical em consequência do acidente. O marido queixou-se de um braço e partiu um dente. 
Na altura o arguido referiu que não teve tempo de travar; só deixou o veículo ir contra eles. O ofendido J. C., contou ao tribunal que o acidente aconteceu pelas 6.30 (ele ia entrar às 7h), na ponte a cerca de 500 metros da saída. Já era de dia. Ia a cerca de 60/70 km/h, quando já ia reduzir a velocidade para sair (antes de reduzir viria a 80 km/h). Antes de ser abalroado não se apercebeu de qualquer carro atrás ou a ultrapassar. Só se apercebeu do carro do arguido quando ele bateu. Com o embate os bancos partiram e eles ficaram deitados. Ele só conseguiu imobilizar o carro talvez mais de 100 metros à frente. Foi contra os rails. Foi um embate violento, o veículo teria que vir a uma velocidade muito superior à sua. Não sabe porque aconteceu o embate, pois é uma recta e tem boa visibilidade. Ele ficou com lesões no ombro e no pescoço e partiu um dente. A esposa sofreu lesões na coluna. Foram ao hospital. O arguido na altura falou com eles mas não se recorda de ele ter dado qualquer explicação para o acidente (mais tarde disse que o acidente foi a ultrapassar). Foi confrontado com a participação de acidente de viação junta aos autos, que não foi ele nem a esposa que preencheu.
O veículo dele teve danos em toda a parte traseira, mas mais do meio para esquerda e também na parte da frente.  
Está convencido que o acidente aconteceu por distracção do outro condutor, mas ainda hoje não sabe se houve ultrapassagem, sendo certo que não houve outro veículo, um terceiro interveniente no acidente. 
A testemunha M. G. do destacamento de trânsito da GNR BT, foi ao local apôs o acidente, que terá ocorrido no tabuleiro da Ponte de Santa Luzia, depois das 6.30 (ele tinha entrado às 6 h e 30 e tinha entrado há pouco tempo ao serviço quando passou no local), que ocorreu por baixo da sinalização de saída (talvez a 200 metros da saída). Sabe que um veículo embateu na traseira de outro, projectando-o para a berma. No local as pessoas da zona circulam devagar e quem é de fora e vem da auto-estrada não conta com isso; há muitos acidentes assim ali. O acidente pode ter acontecido por distracção ou porque o condutor estava a tentar ultrapassar, apercebe-se que vem outro veículo a ultrapassá-lo e não consegue evitar o embate com o da frente por não se conseguir desviar. O que fez constar da participação é o que lhe disseram na altura. Foi confrontado com a participação junta aos autos. Referiu que o local do acidente é visível a mais de 200 metros. 
Foi confrontado com fls. 69 e 71 e ss dos autos.
 A testemunha F. R. do destacamento de trânsito da GNR BT contou ao tribunal que ao entrar na ponte aperceberam-se da ocorrência de um acidente do outro lado do tabuleiro e foram ao local. Foi um veículo de mercadorias que bateu num ligeiro. Foi um embate traseiro. Pode ter sido por distracção. No local a sua função foi de controlar o trânsito. Não foi elaborada na altura qualquer participação amigável. Na altura a senhora do carro embatido queixava-se muito.
A testemunha L. S., contou ao tribunal que o arguido é seu funcionário há 17 anos e que é um trabalhador excelente. É uma pessoa séria e disponível. Não há nada a apontar-lhe.
 A testemunha A. R. é colega de trabalho do arguido, a quem conhece há muitos anos. É um condutor diligente. Uma pessoa pacata e humilde e um bom colega. 
A testemunha P. M. é amigo do arguido, a quem conhece há 4 anos. 
É um bom amigo e gosta de ajudar os amigos. 
As testemunhas F. C. e C. C. são amigos do arguido e contaram ao tribunal que o arguido é uma boa pessoa, um bom pai e um bom amigo e é habitualmente cumpridor das regras estradais. 
Fazendo agora o necessário correlacionamento da prova produzida, a convicção do tribunal quanto à factualidade que resultou provada formou-se na análise conjugada da prova documental, pericial e pessoal produzida, que foram as declarações sinceras do arguido e da assistente e depoimentos prestados de forma isenta, objectiva e credível por todas as testemunhas inquiridas nos termos supra expostos.
Assim, quanto aos pontos 1. a 5. da factualidade provada, referente ao dia, hora e local dos factos, o tribunal atendeu ao correlacionamento da prova documental com as declarações do arguido, da assistente e da testemunha J. C. (os factos terão ocorrido pelas 6.30 - cfr. declarações da assistente e justificação por esta fornecida para a hora que consta das fotografias, depoimento do ofendido e depoimento dos agentes).
Quanto à dinâmica do acidente, o tribunal atendeu essencialmente às declarações do arguido, que de forma sincera contou ao tribunal como tudo aconteceu, sendo que a versão dos factos que apresentou, que o tribunal considerou credível, não só não foi infirmada por qualquer meio de prova (pois desde logo os ofendidos não sabem como aconteceu o acidente – apenas sentiram o embate) como foi coerente com a demais prova produzida e com as regras de experiência comum e do normal acontecer, sendo frequentes as situações em que os condutores não têm a noção da velocidade a que seguem os veículos que circulam atrás de si na faixa da esquerda e em que por esse motivo não efectuam uma ultrapassagem que planearam porque esse veiculo entretanto se aproximou, sendo que no caso, como se apurou, o arguido circulava muito próximo do veiculo da frente, que estava a reduzir a velocidade e como tal não logrou evitar o embate, o que poderia e deveria ter feito caso mantivesse uma distância daquele veículo e circulasse a uma velocidade que lhe permitisse parar o carro em segurança se necessário ( o que poderia fazer e não fez).
Em face do exposto, formou-se no tribunal, a convicção serena e segura, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que resultaram provados.
No mais, nomeadamente quanto às consequências que do embate advieram para os ofendidos, atendeu-se à prova documental e pericial já referida (salientando-se que se considerou o relatório de fls. 264 a 266, junto aos autos após o encerramento do Inquérito, quanto ao ofendido).
Valorou-se o CRC junto aos autos.
Consideraram-se as declarações do arguido quanto à sua situação sócio económica.
 Foram considerados os depoimentos das testemunhas que se pronunciaram sobre essa factualidade quanto à personalidade do arguido.
A factualidade não provada decorre de não ter sido produzida prova segura e credível da sua verificação e de terem sido até apurados factos em manifesta contradição com a mesma, sendo de referir que a dinâmica do acidente vertida na pronúncia não foi sustentada por qualquer meio de prova.».  
*O erro de julgamento.

O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, dizendo que ocorreu erro de julgamento, porquanto, em seu entender, não foram devidamente valoradas as suas declarações, colocando, assim, em causa os factos enunciados nos pontos 6, 7, 12 e 13 da matéria de facto assente na decisão de 1ª instância.
Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma, com a invocação de erro de julgamento.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (1). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP (2). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (3).
Nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada. Por isso, a impugnação restringe-se à decisão realmente proferida e não a qualquer realidade virtual.
Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (4). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (5). 
É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo (6), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência».
	Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» (7).
E, como é evidente, é segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, ou seja, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma errada apreciação da prova produzida. Em suma, neste processo, a violação do invocado princípio deve ser defrontada ou apreciada também nesta vertente da adequação da decisão proferida à prova produzida.
É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que na fundamentação da matéria de facto se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP) é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso, dar o passo seguinte, que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência. Tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras.
Com efeito, não podemos olvidar que de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta (nem das declarações dos ofendidos, desde que credíveis e coerentes). Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (8).
Num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, não podemos olvidar que o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova, não estando inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta, nem das declarações de uma única testemunha (9), seja ou não vítima (ofendido), desde que credíveis e coerentes, de maior ou menor idade, as quais, ainda que opostas, em maior ou menor medida, ao depoimento do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória, se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias apresentadas se considerar verdadeira a contida naquelas declarações, em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso. 
A convicção do julgador é, pois, necessariamente uma convicção assente nas regras da experiência e suportada ainda pela imediação e pela oralidade que conduzem às opções que ele toma no tocante, designadamente, à atribuição de credibilidade a um meio de prova em detrimento de outro, à preponderância de um testemunho em relação a outro. Devendo recordar-se que não há um qualquer outro princípio probatório que determine ou precise a quantidade de prova que se possa tornar necessária para dar como provados certos factos.
Por isso, apenas há que sindicar é se a prova produzida e apreciada livremente (art. 127º CPP) o foi segundo critérios assentes na experiência comum e se esses critérios foram assumidos de forma raciocinada, objectivada e motivada que permita que não só a convicção pessoal do julgador lhes confira credibilidade para sustentar os factos a provar como ainda que o sentido lógico do «homem médio» possa coonestar essa credibilidade e ter por aceite que, realmente, há um alto grau de probabilidade de eles terem ocorrido que há, em suma, um bom fundamento para a decisão.
Nessa medida, não poderá falar-se de erro de julgamento quando da prova produzida se faça uma «leitura» que se mostre possível ou aceitável e mercê da qual o tribunal não fique em condições de ter como ultrapassada a dúvida razoável sobre a exactidão dos factos.
Sendo que, neste domínio da apreciação ou «leitura» da prova, não há como escamotear que a prova testemunhal se reveste não poucas vezes de inultrapassável insegurança por via das inevitáveis deficiências de percepção, de interpretação e de recordação dos acontecimentos que põem em causa o seu valor quanto à fixação desses ditos acontecimentos.

Analisemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida.
Em cumprimento do ónus de especificação, o recorrente remeteu essencialmente para as suas próprias declarações produzidas em audiência, transcrevendo pequenos excertos dessas declarações, dizendo que o Tribunal, erradamente, não poderia ter dado como assente a matéria que impugna, atenta a versão que apresentou sobre os factos. 
Neste particular, aduz que não foi um condutor negligente, descuidado ou desatento, nem lhe era exigível que tivesse adoptado um comportamento diferente, pois, apesar de ter encetado todos os esforços para não embater no veículo dos ofendidos, o condutor deste reduziu a velocidade sem que nada o fizesse prever, uma vez que a saída da auto-estrada se encontrava a quinhentos metros. 
 Contudo, sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, como se disse, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Após exame do resultado da audição das declarações prestadas pelo recorrente, incluindo os segmentos não referenciados, e dos depoimentos dos ofendidos e militares da GNR que ocorreram ao local do acidente, conjugada com os elementos documentais juntos aos autos, podemos, desde já, adiantar que a decisão impugnada não merece qualquer censura, pois procedeu a uma correcta e devida ponderação de todos os meios de prova produzidos.
Concretizando.
De acordo com a prova produzida, é incontroverso – pois o próprio recorrente o admite – que o veículo de matrícula FG embateu na traseira do veículo IZ, em plena auto-estrada (A28, na ponte de Santa Luzia, em Viana do Castelo) quando circulavam ambos no mesmo sentido (Porto/Viana do Castelo). 
O arguido, que apenas prestou declarações no final de toda a prova produzida, apresentou a versão, que a decisão recorrida acolheu, de que naquele momento se aprestava para efectuar uma manobra de ultrapassagem ao veículo IZ, mas apercebendo-se de que não a poderia fazer com segurança, limitou-se a reduzir a velocidade com a caixa de velocidades mas mesmo assim não conseguiu deixar de embater no veículo IZ que ia em redução de velocidade para sair da auto-estrada. 
Por sua vez, os ofendidos, para além de terem aludido às circunstâncias de tempo e lugar onde ocorreram os factos e ao pouco trânsito que na altura se verificava, asseveraram que apenas sentiram um embate na parte traseira do seu veículo, embate que reputaram de muito forte por terem partido os bancos da frente do veículo, não se tendo apercebido da circulação de qualquer outro veículo na faixa de rodagem situada à sua esquerda.
Também os militares da GNR, porque não presenciaram o acidente, apenas puderam verbalizar as percepções que então recolheram dos vestígios deixados e do que lhes foi comunicado pelos envolvidos.  
E daí a plausibilidade, de acordo com as regras da experiência, das conclusões tiradas na sentença e, afinal, facultadas pelas declarações do próprio recorrente na audiência, de que o mesmo conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ porque – é o que mais releva – tinha projectado efectuar a ultrapassagem deste, não obstante se ter apercebido da circulação, na sua retaguarda, de um outro veículo, e, quando se preparava para o fazer, tendo olhado através do espelho retrovisor, verificou que o veículo à sua retaguarda se aproximara mais depressa do que anteriormente calculara, pelo que desistiu de concretizar a ultrapassagem, mas, quando tal sucedeu, não conseguiu evitar o embate contra o veículo IZ porque se apercebeu que este estava já a muito curta distância do por ele conduzido, dado ter, entretanto, diminuído a velocidade a que seguia. 
Como qualquer normal condutor sabe, a condução, em geral, e a velocidade, em especial, têm de se adequar às circunstâncias da via, devendo guardar-se a distância necessária ao veículo precedente. Ora, a algumas centenas de metros do local em que circulavam os veículos que vieram a colidir havia uma saída da auto estrada – segundo um dos militares da GNR, o embate ocorreu a cerca 200 metros dessa saída – pelo que, nesse concreto circunstancialismo, qualquer normal condutor – e, ainda mais, o recorrente, que é motorista profissional – poderia e deveria prever a redução da velocidade imprimida ao veículo IZ.
Estas conclusões, por demais evidentes e sobejamente justificadas em face das regras de experiência comum e da normalidade da vida, são, no essencial, também assinaladas na decisão recorrida, crê-se, sem margem para reparo. Efectivamente, se não fosse a inferida distracção, o recorrente não teria embatido no IZ, a menos que este se tivesse despistado ou tivesse ocorrido qualquer outra circunstância de que não há evidência. E depoimentos prestados pelos ofendidos não permitem que se extrai uma diferente ilação. 
Assim, em função da prova produzida, nada há a apontar à decisão do tribunal recorrido – que, aliás, albergou a versão do arguido/recorrente, quando à manobra de ultrapassagem tentada, extraindo devidamente as ilações de que o acidente de viação ocorreu em virtude de aquele não conduzir com a atenção e os cuidados que lhe eram exigíveis, nomeadamente adoptando uma velocidade e uma distância que lhe permitisse parar o veículo com segurança, por forma a evitar a colisão com outros veículos –, designadamente, à circunstância de não se ter concluído, como agora pretenderia o recorrente, que a redução da distância de segurança entre o veículo por si tripulado e o veículo da frente se ficou a dever à abrupta redução da velocidade deste último.
Em boa verdade, deve assinalar-se que o arguido, com as declarações que prestou em audiência, frustrou o desiderato que almejou em sede de recurso, pois delas resulta que não foi capaz de evitar a colisão com o veículo IZ – o que afirmou, por diversas vezes – e que este, à aproximação da saída, reduzira gradualmente de velocidade – como o mesmo também referiu.
 Assim, a Sra. Juíza, e bem, por apelo, quer às regras da experiência, quer a presunções judiciais [art 349º C. Civil], extraiu ilações de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos.   
Com resulta expressamente da motivação da decisão de facto, quanto à dinâmica do acidente, a Senhora Juíza atendeu essencialmente às declarações prestadas pelo arguido, por as mesmas lhe terem parecido lógicas e conformes com a realidade. 
Assim, os enunciados elementos, devidamente ponderados segundo as regras da lógica e da experiência comum, permitem que se retire a conclusão de que o recorrente, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos, com a sua conduta descuidada, colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causou as lesões da integridade física dos dois ofendidos, tendo a obrigação e a capacidade individual de evitar esse resultado. 
Com efeito, da conjugação de tais elementos probatórios ressalta uma imagem lógica do que realmente aconteceu, sem que subsistam dúvidas de que o recorrente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, cometeu os factos tidos por provados. 
É o que também resulta da motivação, acima transcrita, da decisão sobre os factos constantes da sentença recorrida, em que a Senhora Juíza indicou cabalmente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreu e obtiveram credibilidade no seu espírito. Para tanto, não se limitando a indicar os concretos meios de prova geradores do seu convencimento, revelou as razões pelas quais, apoiando-se nas regras de experiência comum, adquiriu, com apoio na imediação e na oralidade da produção de tais meios, a convicção sobre a realidade dos factos. 
Dito por outras palavras, a Senhora Juíza fez um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efectuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeu em detrimento de outros.
De facto, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
 E, conforme já exposto, a este Tribunal de recurso também não restaram dúvida da prática pelo arguido dos factos nos termos em que foram dados como provados. Consequentemente, também nós concluímos que foi acertada a avaliação feita em 1ª instância da prova produzida em audiência. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as expostas ilações quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugnou o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso. Assim, perante a prova produzida, pensamos que não se detecta qualquer pontual e concreto erro de julgamento ou patente irrazoabilidade na convicção probatória formada pelo julgador (com imediação (10)).

Por conseguinte, nenhuma censura merece a decisão recorrida, não se vislumbrando a violação de qualquer preceito legal, nomeadamente o art. 127º do CPP, improcedendo na sua totalidade a impugnação da matéria de facto.

2.1. A tipicidade do crime de ofensa à integridade física por negligência.
O recurso, para além de ter visado o reexame da matéria de facto, tem ainda como escopo o reexame da matéria de direito limitada à absolvição do recorrente pelos crimes de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelos arts. 13º, 15º, alínea b) e 148º do C. Penal. 
 Não obstante, o já expendido em sede de apuramento da matéria de facto, impõe-se, ainda que muito sinteticamente, acrescentar algumas considerações neste plano do enquadramento jurídico dos factos.
Comete o crime de ofensa à integridade física negligente quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa (11).
O tipo complexo de ofensa negligente exige um resultado lesivo.
Dispõe o art. 15º C. Penal que age com negligência quem «não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado». Da noção legal resultante desse preceito legal ressalta a ideia de que a negligência é a omissão de um dever objectivo de cuidado, adequado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, a evitar um evento lesivo: o «não proceder com cuidado.
Tal dever de cuidado, que pode ser violado por acção ou omissão, manifesta-se em duas vertentes: (i) o cuidado interno, enquanto dever de representar ou prever o perigo para o bem jurídico tutelado pela norma jurídica e de valorar esse perigo; (ii) o cuidado externo, enquanto dever de praticar um comportamento externo correcto, com vista a evitar a produção do resultado. O cuidado externo desdobra-se em três exigências principais, a saber: (i) o dever de omitir acções perigosas; (ii) o dever de actuar prudentemente em situações perigosas; (iii) o dever de preparação e informação prévia.
Afirmada a lesão do dever objectivo de cuidado cumpre, depois, verificar se o resultado típico pode objectivamente ser imputado à conduta descuidada do agente.
O resultado produzido, lesão (dano/violação) dos bens protegidos, deve encontrar-se numa relação tal com a acção violadora do cuidado que se permita afirmar que aquele tem como causa esta última. Questão delicada é, então, a de saber quando pode afirmar-se tal nexo.
Exige-se desde logo um nexo de causalidade natural. O resultado tem de ter como sua causa natural a acção. 
Acresce, depois, a exigência de que tenha sido precisamente a acção violadora do dever de cuidado, de entre as várias condições que concorreram para que o evento se desse, aquela causa específica que produziu o resultado. É o designado nexo de causalidade adequada. 
«A imputação objectiva do resultado implica causalidade conforme às leis científico-naturais, previsibilidade objectiva, de acordo com um critério de “causalidade adequada” (art. 10º do Código Penal) e concretização do risco proibido criado, potenciado ou não diminuído no resultado» (12).
Como é sabido, uma acção será adequada para produzir um resultado (causalidade adequada) quando uma pessoa normal, colocada na mesma situação do agente, tivesse podido prever que, em circunstâncias correntes, tal resultado se produziria inevitavelmente (“prognóstico posterior objectivo”). Isto significa que só será objectivamente imputável um resultado causado por parte de uma acção humana quando a mesma acção tenha criado um perigo juridicamente desaprovado que se realizou num resultado típico (imputação objectiva do resultado à acção) (13).
Não basta a existência de nexo causal, é necessário que o resultado seja objectivamente previsível. Só é causa a condição que, em abstracto e de acordo com a experiência geral, é idónea a produzir o resultado típico. 
Quanto à culpa, o juízo de censurabilidade depende da capacidade pessoal do agente de reconhecer e observar o dever de cuidado e de prever o resultado e o concreto processo causal. Esta capacidade é apreciada subjectivamente, isto é, em função das faculdades ou qualidades que ao agente assistem. Não pode censurar-se ao agente a violação do dever de cuidado objectivamente imposto quando esse mesmo agente tem uma capacidade individual inferior à do homem médio. Neste sentido, refere Eduardo Correia «é ainda necessário que o agente possa ou seja capaz segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidades pessoais de prever ou de prever correctamente a realização do tipo legal de crime» – Direito Criminal, I, pág. 444.
No caso, ressuma do que se apurou que o arguido/recorrente ao desistir de concretizar uma manobra de ultrapassagem ao veículo IZ que projectara fazer, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu neste, que o precedia e em que circulavam os ofendidos, causando-les as lesões descritas nos factos provados. Mais se provou que tinha a capacidade individual de evitar esse resultado, que não representou.
Os factos ocorreram, pois, no âmbito da circulação rodoviária.
A condução é uma actividade perigosa que a vida moderna consente por entender que a sua permissão é mais útil que a sua proibição. Porém, com vista a atenuar os riscos que lhe são inerentes, exige-se aos condutores a observância de determinadas regras de cuidado. 
Ora, ao proceder do modo descrito, o arguido violou o dever de cuidado geral que se lhe impunha de manter a distância suficiente entre o seu veículo e o que o precedia para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste e de adequar a velocidade ao concreto circunstancialismo, em violação das normas do art. 18º, nº 1 e 24º, nº 1 do C. da Estrada. 
Vale isto por dizer que o arguido não agiu com o cuidado que lhe era imposto na circulação do seu veículo rodoviário.
Incontroversa é ainda a existência do resultado, a ofensa da integridade física dos ofendidos.
Acresce que face à matéria de facto dada como provada as lesões sofridas pelos ofendidos foram consequência directa da conduta do arguido e esta foi a causa, objectivamente, adequada da verificação desse resultado.
Finalmente, a análise da conduta do arguido permite afirmar, sem necessidade de maiores considerandos, que se o mesmo tivesse actuado conforme o dever de cuidado que lhe era exigido o resultado não teria ocorrido – nas condições supra referidas pode afirmar-se com segurança que se o arguido guardasse a distância devida do veículo que o precedia, não teria ocorrido o embate.
	Importa, a título de conclusão, referir que o arguido – ao tempo, motorista de profissão – sabia que devia obedecer às regras de circulação estradal imposta pelo dever geral de cuidado. Era manifesto que a estrada não estava isenta de obstáculos.	
Em conclusão, e em face de todo o exposto, encontram-se verificados todos os elementos que, em concreto, permitem afirmar o conteúdo do juízo de culpabilidade próprio da negligência relativamente ao arguido e fundamentar a respectiva punição.
	Visto que o arguido não previu como possível de, naquelas circunstâncias, colidir com o veículo dos ofendidos, provocando, desse modo, lesões na sua integridade física, foi inconsciente a negligência com que actuou.
Assim, dúvidas não existem de que se encontram preenchidos todos os requisitos do crime em apreciação.

2.2 A unidade ou pluralidade de infracções.

 O arguido/recorrente também se insurge contra o facto de ter sido condenado como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, dizendo que apenas está em causa uma única conduta.
A Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta partilha da mesma opinião como se infere do douto parecer.
Sobre a questão da unidade ou pluralidade de crimes em caso de actuação negligente, nomeadamente em situações de acidentes de viação em que, na sequência da unidade de conduta negligente, resultam várias mortes e/ou feridos, desenharam-se na jurisprudência três correntes diferentes enunciadas e sintetizadas muito lucidamente no acórdão desta Relação de 19/10/2009 (P. 307/05.OTAGMR.G1): 
«1. 	A primeira, considera que existe sempre concurso ideal ou aparente nos crimes negligentes, por entender que a conduta censurada – violação de dever de cuidado – corresponde a um só acto – omissivo – de vontade, em relação ao qual as consequências plúrimas não são previstas e não se deviam prever. Então, o juízo de censura não pode ultrapassar a unidade, relevando a pluralidade de vítimas apenas em sede de medida da pena, aumentando o grau de ilicitude do facto. Sufraga essa posição o Ac. do STJ de 17/12/97 (P. 97P119, relator Leonardo Dias, www.dgsi.pt).
2.	 A segunda, considera que o agente comete tantos crimes negligentes quantos os resultados que previu e injustificadamente confiou que não se produziriam. Nessa posição, a censura penal é alargada à verificação de um elo de ligação do resultado ao agente, enquanto elemento da culpa, através da efectiva previsão das consequências da violação do dever de cuidado. Mas, inerentemente, considera-se que o concurso efectivo apenas tem lugar quando estamos perante negligência consciente, existindo sempre concurso aparente nas situações de negligência inconsciente Posicionam-se nessa corrente os Acs. do STJ de de 21/07/98, Proc. 97P1095, relator Cons. Martins Ramires, www.dgsi.pt, de 14/03/90, CJ, tomo II, pág. 11, de 28/10/97, CJ, STJ, tomo III, pág. 212, de 21/01/98, CJ, STJ, tomo I, pág. 173, de 08/07/98, CJ, STJ, tomo II, pág. 237, de 21/09/2005, STJ, tomo II, pág. 167, desta Relação de Guimarães de 19/01/2009, Pº 2223/08.1, relator Des. Nazaré Saraiva, www.dgsi.pt, da Relação do Porto de 07/02/79, CJ, tomo I, pág. 295, de 20/07/80, CJ, tomo IV, pg. 234, de 2/02/94, CJ, tomo I, pág. 256, e de 28/03/2001, CJ, tomo II, 215, da Relação de Coimbra de 15/04/86, CJ, tomo II, pág. 77, de 02/03/88, Tomo II, pág. 78, de 14/12/88, CJ, tomo V, pág. 99, encontrando-se nessas decisões referência a muitas outras. 
3.	 A terceira, é também aquela que recolhe a adesão maioritária da jurisprudência e doutrina mais recentes. Considera que, mesmo nos casos de negligência inconsciente, encontra-se nos tipos penais negligentes de homicídio e de ofensa à integridade física um desvalor do resultado, pelo que sempre cumpre determinar se a conduta do agente tinha ou não a virtualidade de produzir os eventos efectivamente verificados e, se tiver, então a conduta é passível de tantos juízos de censura quantas as lesões jurídicas que o agente devia ter previsto que se produziriam e, efectivamente, se produziram como consequência directa e adequada da sua falta de cuidado Neste sentido, encontram-se os Acs. do STJ de 11/11/98, Pº 98P891, relator Cons. Leonardo Dias, 22/02/2002, Pº 02P2104, relator Cons. Armando Leandro de 22/11/2007, Pº 05P3638, relator Cons. Arménio Sottomayor, todos em www.dgsi.pt, da Relação de Coimbra de 29/03/2000, tomo II, pág. 48, da Relação do Porto de 10/04/2002, CJ, tomo II, pág. 236, da Relação de Évora de 24/06/2003, CJ, tomo II, pág. 267 e de 24/06/2003. CJ, tomo III, pág. 267 e de 18/11/2008, Pº 1115/08-1, Relator António Latas, já referido na nota 26. Na doutrina, Pedro Caeiro e Cláudia Santos, RPCC, ano 6º, I, pág. 127 e segs, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, vol. 1, pág. 114. Também Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, 1983, págs. 109-110 toma posição nesse sentido.».
Este aresto acabou por considerar mais correcta e conforme com o actual programa político criminal, esta última posição, por apelo ao ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, tendo concluído: «	Temos, então, como curial considerar que, porque o conteúdo material de culpa presente no delito negligente de resultado não se esgota na violação do dever objectivo de cuidado, a «pluralidade de sentidos sociais de ilicitude» impõe o concurso efectivo nos tipos que protegem bens de carácter eminentemente pessoal, como é o caso dos tipos penais que protegem a integridade física, sempre que haja pluralidade das vítimas.». 
Também no sentido da pluralidade de infracções pronunciaram-se Pedro Caeiro e Cláudia Santos (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6, nº 1, p. 133). Estes autores, considerando que a produção do resultado é um elemento do tipo relevante para o preenchimento do crime material de homicídio por negligência, entendem que «não é possível conceber o desvalor da acção sem ser por referência a um desvalor de resultado». Para os mesmos, decisivo da unidade ou pluralidade de crimes não parece poder ser a unidade ou pluralidade de acções em si mesmas consideradas, mas a unidade ou pluralidade de tipos legais de crime violados pela conduta de um mesmo agente e submetidos, num mesmo processo penal, à cognição do tribunal.
Ainda em defesa deste entendimento, [Reis Bravo, “Negligência, unidade de conduta e pluralidade de eventos”, in Revista do Ministério Público, n.º 71, 1997, pág. 97.
O STJ seguiu este entendimento no Ac. de 7/10/1998, proc. 131/98 - 3.ª Secção, RMP, 76, ps. 151 e ss., desviando-se do entendimento então quase unânime na jurisprudência, ao condenar um arguido pela prática, na forma consumada e em concurso ideal, de oito crimes de homicídio por negligência.
Na sequência, também a RC, no Ac. de 29-03-2000 (CJ, XXV, t. 2. ps. 48 e ss.) afirmou que a acção (dolosa ou negligente) e o resultado integram uma unidade. O resultado «não é irrelevante nem sequer de verificação aleatória ou casual, assentando a sua imputação ao agente na adequação causal da conduta violadora do dever de cuidado que, nos crimes negligentes, impende sobre o agente. Na negligência inconsciente não existe um único tipo de ilícito de resultados múltiplos e, consequentemente, se o agente que com uma só acção realiza diversos tipos legais ou diversas vezes o mesmo tipo legal de crime, independentemente de agir com dolo ou negligência, seja esta consciente ou inconsciente, comete tantos crimes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado».
Actualmente, a jurisprudência dos tribunais da Relação, acolhem maioritariamente esta posição como são demonstrativos os acórdãos de 16/07/2008, proc. n.º 46/04. 0GTLRA.C1; de 09/12/2015, proc. n.º11339/12.2TDPRT.P; de 16/10/2013 proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/140031" target="_blank">12/10.6GNPRT.P1</a>; de 15/04/2009, proc. 0847403; de 13/12/2006, proc. JTRP00039843; de 14/09/2007, proc.	2274/2007-5; de 24/06/2015, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/119279" target="_blank">80/12.6GTCBR.C1</a>; de 19/10/2010, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/122913" target="_blank">195/07.2GTCTB.C1</a>; de 23/11/2005, proc. 2398/050; de 4/ 06/2008, proc. 591/05.0TACBR e de 21/01/2013, proc. 515/09.5GCVRM.
Este entendimento encontra arrimo no art. 30º do C. Penal que, sob a epígrafe «concurso de crimes e crime continuado», diz, no seu número 1, que «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente», estabelecendo, aparentemente, uma equiparação entre os casos de negligência consciente ou inconsciente. No citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/1998 pode ler-se que «qualquer tipo de concurso ideal – homogéneo ou heterogéneo, doloso ou negligente – se integra na previsão do art. 30.º, n.º 1 do C. Penal, o que significa que o agente que, com uma só acção, realiza diversos tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo legal de crime, independentemente de agir com dolo ou negligência (consciente ou inconsciente), comete tantos crimes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado, a punir nos termos do art. 77.º do mesmo código». 
 O Prof. Figueiredo Dias [in Direito Penal..., págs. 1009-1010.] partilha do mesmo entendimento, quando escreve «Esta ideia da pluralidade de eventos típicos ligados a uma pluralidade de vítimas, se é importante em caso de concurso de crimes dolosos, assume particular relevo no concurso de crimes negligentes, trate-se de negligência consciente ou inconsciente, trate-se de concurso homogéneo ou heterogéneo. Uma doutrina muito difundida sustenta que nos crimes negligentes deve concluir-se pela unidade do facto, ainda que este contenha uma pluralidade de resultados (e de vítimas), sempre que aquele seja consequência de uma única acção: ou porque o resultado, nos crimes negligentes, não constituiria senão uma condição objectiva de punibilidade, na impossibilidade de se recorrer aqui à unidade ou pluralidade do processo resolutivo (processo que, nos crimes negligentes, a ter existido, não pode relacionar-se tipicamente com o resultado), o agente seria, nestes casos, passível de um único juízo de culpa; ou – e essencialmente – porque à unidade de acção corresponderia a unidade da violação do dever objectivo de cuidado.». 
Este não é, todavia, o entendimento dominante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nem aquele que perfilhamos.
Com efeito, a análise da questão tem de partir do pressuposto de que, não obstante o resultado adequadamente imputado à conduta negligente do agente corresponder à morte ou ofensa de mais do que uma pessoa, o homicídio ou ofensa negligente tem como fonte um único «desvalor de acção», que é constituído pela violação do dever objectivo de cuidado.
Nesta ordem de ideias, trilhando o raciocínio que perdura no Supremo Tribunal de Justiça, a produção das lesões sofridas pelo bem jurídico tutelado, não obstante serem múltiplas, não se podem enquadrar na direcção de vontade do agente. 
Como se afirma no acórdão do STJ de 13-07-2011 (P. 1659/07.3GTABF.S1 relator Conselheiro Henriques Gaspar), mencionado pela Sra. Procuradora Geral Adjunta: «Os fundamentos e a metodologia da argumentação e construção das decisões, com referência consistente ao precedente como factor de estabilidade da jurisprudência, têm sido, com uma ou outra especificidade, a natureza (e a consequente unidade) do juízo de censura nos crimes negligentes e a qualificação do concurso como concurso ideal». Esse entendimento vem assim sintetizado nesse aresto: 
«Não obstante alguma reconfiguração nas doutrinas tradicionais sobre o concurso real, que tem sido fundamentada numa leitura do art. 30.º, n.º 1, do CP, a moderna construção da doutrina do crime com a concepção do tipo total, objectivo e subjectivo, pressupõe na pluralidade de crimes sempre a existência de vários juízos de censura para a pluralidade de resultados, seja nos crimes dolosos seja nos crimes negligentes de resultado.
O preenchimento efectivo de um tipo de crime, na totalidade dos respectivos elementos constitutivos e integradores, pressupõe a acção típica, com o resultado nos crimes de resultado, a imputação ao agente e o juízo de censura; o juízo de censura não pode ser independente do resultado e tem de ser referido ao resultado e no resultado concreto nos crimes de resultado.
Esta formulação e esta construção, típicas e próprias dos crimes dolosos, não se estendem ou podem ser aplicadas, tal qual, aos crimes negligentes, em que o juízo de censura é unitário e apenas pode ser formulado em relação à concreta violação do dever objectivo de cuidado ou à omissão do cuidado devido em concreto pelo agente. Nos crimes negligentes de resultado plural não podem ser dirigidos vários juízos de censura relativamente à mesma e única acção negligente, que consista numa única violação do dever de cuidado. Não existindo possibilidade de formular uma pluralidade de juízos de censura, não está configurada uma pluralidade de crimes. De outro modo, nos crimes negligentes produzir-se-ia um corte na construção da doutrina do crime, com tratamento dogmaticamente diferenciado em relação aos crimes dolosos, até com maiores exigências ao nível do juízo de censura nos crimes negligentes do que nos crimes dolosos.
Entendimento diverso, que, no rigor, faria reverter a negligência e dolo a uma (total) «comunidade dogmática», não estará, apesar da actualização funcional da negligência como categoria penal nas sociedades de risco e da exigência da ética do cuidado e do princípio da precaução, suficientemente densificado e com suporte consensual bastante para servir de fundamento a uma reconfiguração jurisprudencial.
É pela unidade de acção constituída apenas pela unidade de violação do dever de cuidado que é objecto do juízo de censura, que se determina a unidade do juízo de censura; havendo unidade (um único juízo de censura) não poderá haver nas acções negligentes mais do que o preenchimento de um único tipo subjectivo e objectivo. Nestes termos, à violação do dever de cuidado no exercício da condução automóvel está unicamente associada, pela cognoscibilidade geral decorrente das regras da experiência e da vida, e das exigências decorrentes da ponderação do cuidado devido, a possibilidade de ocorrer a morte ou lesões de outra pessoa. Todavia, não podendo ser, e não sendo, em concreto, representados os resultados, o juízo de censura, dirigido unicamente à violação do dever de cuidado, não se projecta em relação a todos os resultados.».
Assim, não sendo o resultado previsto, considera-se não ser possível formular vários juízos de censura pelo único comportamento negligente adoptado.
A culpa deve resumir-se a uma resolução conducente a tal comportamento negligente, independentemente de serem violados diferentes tipos legais ou várias vezes o mesmo tipo de ilícito criminal. Nesta medida, este entendimento apresenta-se como sendo o que melhor se coaduna com o princípio de que a pena terá sempre como limite a medida da culpa.
Na senda de Welzel, pode dizer-se que o substrato da ilicitude do crime por negligência não reside no resultado causado, mas na conduta incorrecta. Neste sentido, há espaço para a formulação de um único juízo de censura por cada conduta que viole o dever objectivo de cuidado, não tendo a pluralidade de eventos a virtualidade de desdobrar as infracções. Quando de um único facto resultar a ofensa de vários interesses jurídicos ou do mesmo interesse jurídico repetidamente e se a esta equivalerem outros tantos juízos de censura, cumpre-se o concurso efectivo de crimes – real ou ideal. Sendo que a determinação do concurso efectivo requer que à pluralidade de bens jurídicos violados se associe a multiplicidade de juízos de censura, porquanto o número de juízos de censura é igual ao número de decisões de vontade do agente dos crimes. Uma só resolução, um só acto de vontade, é insusceptível de provocar vários juízos de censura.
Por outras palavras, a teoria da unidade do facto punível sustenta-se na ideia de que a acção negligente, se inconsciente, só preenche um tipo de ilícito, sendo acertado formular apenas um juízo de censura por cada comportamento negligente. Neste sentido, Maia Gonçalves esclarece: «Resultando de um mesmo comportamento de quem age com negligência inconsciente a morte de várias pessoas, entendemos que se verifica um só crime de homicídio por negligência, pois que neste caso, em vista de o resultado não ter sido sequer previsto, não é possível formular vários juízos de culpa».
A defesa da unidade criminosa leva, ainda, alguns autores a questionarem se a produção do resultado será um elemento constitutivo do ilícito típico ou mera condição objectiva de punibilidade. Ora, esta é uma pergunta suscitada por criminologistas que, neste âmbito, apoiam teses diferentes e, portanto, acabam por oferecer respostas opostas. Veja-se Pedro Caeiro e Cláudia Santos (loc. cit.) que, em sede de reflexão crítica sobre o Ac. da RC de 6/04/1995, escrevem: «Importa ponderar se o resultado constitui, nos crimes materiais negligentes, uma simples condição objectiva de punibilidade. E parece-nos que a resposta não pode deixar de ser negativa» pois «não é possível conceber o desvalor da acção sem ser por referência a um desvalor de resultado». Em sentido contrário, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reafirmar que nas acções negligentes, a multiplicidade de resultados não se traduz em pluralidade crimes. A título de exemplo, no Ac. de 29/10/1997 (CJSTS, tomo III), o STJ corroborou a existência de uma só resolução e, portanto, de um único delito, afastando a aplicação do disposto no art. 30.º do Código Penal. Apresentou como solução possível a interpretação restritiva deste preceito, afastando da sua previsão a negligência inconsciente.
O entendimento pluralista tenta expandir as formulações e as construções dogmáticas típicas dos crimes de dolo ao ilícito negligente, que, de essência, se demarca do ilícito doloso, até com maiores exigências ao nível do juízo de censura. Nos crimes praticados negligentemente o juízo de censura é unitário e apenas pode ser formulado relativamente à concreta violação do dever objectivo de cuidado ou à omissão do cuidado devido em concreto pelo agente.
De acordo com Faria Costa [“O Perigo em Direito Penal”, Coimbra, 1995, ps. 495 e ss.], nas acções negligentes «o agente em caso algum quer o facto»; «o agente, quando viola o dever de cuidado, não pode controlar, em termos de cognoscibilidade, os resultados, porque, precisamente, desde logo, não os quis». O Autor entende que a estrutura normativa complexa que é o tipo legal negligente, primordialmente no que às acções negligentes de resultado danoso diz respeito, se traduz em duas realidades normativas. Se, de um lado, encontramos a definição de condutas e resultados proibidos de realização não vinculada, do outro, temos a convicção da necessária violação de um dever objectivo de cuidado. O desrespeito do dever objectivo de cuidado introduz a conduta no âmbito da responsabilidade, possibilitando que, em seguida, se avalie do seu conteúdo antijurídico. «Nas acções negligentes temos o facto e em caso algum podemos sustentar, é lícito dizer-se que ele pode ser, em princípio e de imediato, imputado objectivamente ao agente. Por isso nas acções negligentes a tarefa prioritária para uma hermenêutica empenhada na aplicação do direito justo está em arranjar critérios que filtrem e seleccionem as possibilidades de aquele facto poder ser imputado àquele agente».
Ora, tendo em conta estas considerações, à luz da factualidade dada como provada conclui-se que o arguido no exercício da condução que imprimiu ao veículo, violou o dever objectivo de cuidado, mas, não tendo sequer representado o resultado, apesar de ter a capacidade individual de o evitar, não poderia ter previsto que no interior do veículo ligeiro de passageiros se encontrava mais do que um ocupante. 
Como tal, o arguido apenas pode ser condenado pela prática de um único crime de ofensa corporal por negligência, p. e p. pelo art. 148º, n.º 1, do C. Penal, embora sem deixar de se atender ao concreto resultado adveniente da sua conduta, ou seja, a ofensa corporal de duas pessoas, quanto à repercussão daquele resultado na ilicitude.	
 O crime de ofensa à integridade física simples, previsto pelo art. 148.º do Código Penal, é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.
Prescreve o art. 70º do C. Penal que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», de onde decorre que deverá ser privilegiada a aplicação da pena não detentiva, desde que a mesma proteja adequadamente o bem jurídico protegido com a incriminação e promova a reintegração social do agente.
No caso em apreço, a ausência de condenações anteriores, faz concluir que a pena de multa acautela e satisfaz adequadamente as exigências de prevenção geral e especial.
Das disposições contidas nos arts. 47º, nº 1 e 71º, nº 1 do C. Penal, resulta que para efeitos de determinação da medida concreta da pena de multa, o tribunal deverá ponderar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, considerando-se para esse efeito as exigências de prevenção e a culpa do agente e, nomeadamente, as circunstâncias enumeradas no nº 2 do referido art. 71º. 
Assim, não poderá deixar de considerar-se a forma como foram cometidas as lesões, o contexto em que as mesmas aconteceram, as consequências que derivaram dessa única conduta e as elevadíssimas exigências de prevenção geral, face à taxa de sinistralidade rodoviária que continua a verificar-se.
É ainda de considerar a ausência de antecedentes criminais e que o arguido se mostrar social, familiar e profissionalmente integrado.
Deste modo entende-se adequado e suficiente aplicar-lhe a pena de 60 dias de multa.
O quantitativo diário será fixado tendo em consideração a situação económica do arguido, considerando-se no caso adequado firmá-lo em € 5.
A pena agora imposta não transborda os limites da pena única aplicada ao recorrente em 1ª instância. 

3. A pena acessória.

O arguido/recorrente, nas conclusões 71 a 93 da sua motivação, tece várias considerações acerca da pena acessória de inibição de conduzir veículos automóveis que lhe foi aplicada, solicitando, em primeira linha, que a mesma seja declarada nula por violação dos arts. 65°, nº 1, do C. Penal e 30°, nº 4, da CRP, por ter como efeito, segundo alega, a perda do seu direito profissional e, para o caso de assim não se entender, deverá a mesma pena ser suspensa na sua execução ou em última análise ser reduzida para o seu limite mínimo.
Atentemos, então, na medida da pena acessória, que o recorrente considera excessiva e violadora, como invoca, de princípios constitucionais, pugnando pela sua nulidade. 
Dispõe o nº 1, do art. 69º do C. Penal que «é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º».
Como a própria designação indica, trata-se de uma pena acessória que só pode ser decretada conjuntamente com uma pena principal ou com uma pena de substituição. 
Esta pena acessória encontra o seu fundamento na perigosidade que a conduta imprudente do agente (condutor) revele e destina-se a actuar psicologicamente sobre ele, visando influir preventivamente na sua conduta futura, mediante a privação temporária da condução de veículos, tendo, embora não principalmente, uma função preventiva adjuvante da pena principal e, tal como acontece em relação a esta, subjaz-lhe um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a sua concreta determinação se imponha também o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71º do C. Penal, sendo que a prevenção geral, a acautelar, com a aplicação da pena acessória, terá de ser uma prevenção negativa ou de intimidação. 
Conforme vem sendo salientado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, na esteira do entendimento do Prof. Figueiredo Dias, visa a pena acessória prevenir a perigosidade do agente, sem se poder descurar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, correspondentes a uma necessidade de política criminal, que se prende com a elevada taxa de sinistralidade que se regista em Portugal. Trata-se de uma censura adicional pelo facto que é praticado.
Realmente, nos delitos de tráfego automóvel, à pena acessória de proibição de conduzir é, muitas vezes, associado um efeito mais penalizante do que à pena principal, de multa (que os infractores pagam sem grande inconformismos), ou de prisão suspensa na sua execução (que é vista até como menos onerosa que aquela). Daí que a pena acessória seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida com o cometimento de crimes no exercício da condução automóvel.
O tribunal recorrido na determinação da medida da pena acessória, remeteu para os critérios que presidiram à fixação da medida da pena principal e dentro da moldura abstracta de 3 meses a 3 anos, fixou-a no seu limite mínimo para cada dos respectivos crimes e na operação de cúmulo jurídico na pena de 4 meses e 15 dias. 
Verifica-se, pois, que as penas acessórias fixadas, muito embora sejam sanções dependentes da aplicação da pena principal, uma vez que esta é condição necessária daquela, não decorreram directa e imediatamente da aplicação desta, no sentido de que não são seu efeito automático.
Assim, como resulta do supra exposto, a pena acessória não foi fixada de forma automática, teve a mediação do julgador. 
Por outro lado, também não se vislumbra, a violação de qualquer preceito, nomeadamente o do art. 30º, nº 4 da CRP, pois, conforme têm vindo a decidir os nossos tribunais, nomeadamente o Constitucional, que já se pronunciou diversas vezes sobre a conformidade à Constituição de normas que prevêem a medida de inibição de conduzir em caso de condenação por infracção às regras relativas à condução de veículos motorizados, tendo apreciado, concretamente, a sua alegada aplicação sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito adicional (ver, entre outros o acórdão n.º 53/97 (in ATC, 36.º vol., pág. 227) e acórdãos nºs 149/01, 586/04 e 79/09 (acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt). 
Em decorrência do que se decidiu quanto ao número de crimes praticados pelo recorrente, impõe-se que nos debrucemos sobre a concreta medida da pena acessória. 
Para tal desiderato, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente. 
Em consonância com o estipulado no nº 1 do já mencionado art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena acessória há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do Código Penal). 
Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens – mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
No caso vertente, importa, desde logo, referir, que o recorrente, com a sua conduta, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, como é a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física. Realmente, não pode o Tribunal descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária – o que surge espelhado nas estatísticas da sinistralidade rodoviária – sendo premente a protecção dos bens jurídicos em causa através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora. Existe cada vez mais a necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária. 
Assim, a par das elevadas exigências de prevenção geral e das particulares garantias de que o Estado procura fazer revestir a circulação rodoviária, também não podemos esquecer que o recorrente é motorista profissional, impunha-se-lhe, por isso, um maior cuidado e zelo no exercício da condução automóvel, o grau de perigo criado com essa conduta as consequências advindas desta.
Mas, por outro lado, o arguido não representou os factos integradores do tipo de ilícito, e as exigências de prevenção especial também não são elevadas, desde logo, e muito relevantemente, porque não tem antecedentes criminais e encontra-se bem inserido social e profissionalmente. 
Ora, perante o conjunto dos factos apurados quanto à pessoa do recorrente, para o qual, por razões imediatamente perceptíveis conexas com a profissão que exerce, a pena acessória constituirá um gravame bem mais sentido do que para a generalidade dos cidadãos, entendemos que deve ser fixada uma pena próxima do respectivo limiar mínimo, mostrando-se, por isso tudo, ajustada às particularidades do caso concreto no patamar de três meses e quinze dias de.

3.1. A suspensão da pena acessória.

A reforma penal do Código de 95 (operada pelo Dec. Lei nº 48/95 de 15/3), para além de ter introduzido a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nas situações referidas no nº 1 do art. 69º do C. Penal, alterou também o regime da suspensão da execução da pena, limitando-a à pena de prisão, nos termos o art. 50º, nº 1, do mesmo código.
Como se colhe imediatamente do teor literal deste último normativo, só é susceptível de suspensão a pena de prisão fixada até ao limite de cinco anos, nunca a pena de multa, nem a pena acessória.
O legislador, fundado em razões de política criminal, entendeu excluir da suspensão da execução a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, quando estava em causa o cometimento de um dos crimes referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 69º do Código Penal, atentos os elevados índices de sinistralidade rodoviária.
Aliás, com as alterações introduzidas ao Código da Estrada pelo DL 44/05, de 23/2, o legislador até excluiu a possibilidade de suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir nas contra-ordenações muito grave, limitando-a aos casos de contra-ordenações graves (art. 141º).
Assim, considerando à unidade do sistema jurídico, e não obstante a diversa natureza jurídica da pena e da sanção acessória, também seria inconsequente admitir a suspensão da execução da proibição de conduzir aplicada na sequência da prática de um crime, quando essa suspensão não é sequer admissível por contra-ordenação muito grave.
 Tal entendimento acolhe o apoio da doutrina como se retira do expendido por Germano Marques da Silva, in “Crimes Rodoviários”, Lisboa, 1ª ed., pág. 28, quando escreve «…ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir.». No mesmo sentido pronunciaram-se António Casebre Latas, “A pena acessória da proibição de conduzir”, in “Sub Judice”, 17, Jan/Março de 2001, pág. 79-81, Pedro Soares de Albergaria e Pedro Mendes Lima, in “Sub Judice”, 17, Jan/Março de 2001, págs. 68-69.
Também Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, Univ. Católica Editora, 2.ª ed., pág. 264, comunga da mesma opinião ao asseverar que «não é admissível a suspensão da pena de proibição de conduzir, nem a sua substituição por caução no processo penal, independentemente do destino da pena principal, uma vez que aquela suspensão e esta substituição só estão previstas no CE no âmbito do direito contra-ordenacional».
Pode, pois, concluir-se pela manifesta impossibilidade legal de suspensão da pena acessória de proibição de conduzir, improcedendo, consequentemente a pretensão do requerente. *Decisão: 

Nos termos expostos, julgando-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se, em parte, a decisão recorrida e, por consequência:
a) condena-se o arguido P. R., como autor de um só crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 13º, 15º, b), e 148º do C. Penal, na pena de sessenta (60) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), no montante total de € 300 (trezentos euros) e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três (3) meses e quinze (15) dias;
b) mantém-se, no demais, a sentença recorrida.
 
 Sem tributação.
Guimarães, 9/10/2017
Ausenda Gonçalves
Fernando Monterroso (Presidente da Secção)
Fátima Furtado

Voto vencida, por entender que o agente que com uma só ação realiza diversos tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo de crime contra as pessoas, por negligência consciente ou inconsciente, deve ser punido em concurso efetivo por uma pluralidade de crimes.
Neste sentido, decidimos já anteriormente no ac. desta Relação, de 5 de dezembro de 2016, proc. 339/11.0GAAMR.G1, disponível em www.dgsi/jtrg.pt.
A determinação da unidade ou pluralidade de crimes tem de assentar nos tipos de crime infringidos pela conduta do agente e não nas ações propriamente ditas, «o que se tem de contar são sentidos da vida jurídico penalmente relevantes que vivem no comportamento global (...) a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente (…), que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes (...) uma vez que são individualizáveis tantos sentidos de ilícito quantas as vítimas da lesão do dever objetivo de cuidado tipicamente corporizado em cada um dos resultados ou eventos típicos, verificando-se por consequência, em princípio, um concurso efetivo» (Jorge de Figueiredo Dias – Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª edição, 2007, p. 988 e 989.)
Sempre que estiverem em causa bens jurídicos eminentemente pessoais, a pluralidade de eventos «deve considerar-se sinal seguro da pluralidade de sentidos do ilícito e conduzir à existência de um concurso efetivo (...)» (Jorge de Figueiredo Dias, op. citada, p. 1008), independentemente de estarmos perante negligência consciente ou inconsciente, pois em ambas é possível individualizar um sentido de ilícito em cada uma das vítimas de lesão do dever objetivo de cuidado, tipicamente corporizado em cada um dos eventos típicos.
Por outro lado, reportando-se o juízo de censura nos crimes negligentes precisamente à previsibilidade e capacidade de evitar o resultado típico da conduta (negligente), se o agente se encontrava capacitado e com aptidão para prever e evitar a pluralidade de resultados que se vieram efetivamente a produzir, então comete tantos crimes quantos os resultados que previu ou devesse ter previsto. A reprovação do comportamento negligente pode acontecer tantas vezes quantas as lesões jurídicas que o agente devia ter previsto como possíveis e que, realmente, se verificaram. Não excluindo a existência de uma única ação a possibilidade de se formular uma pluralidade de juízos de culpa, sempre que se verifiquem várias lesões jurídicas que sejam imputáveis ao agente responsável pela ação negligente, por poderem ter estado no âmbito da sua previsão. 
Esta solução é, aliás, também aquela que nos parece mais consentânea de iure constituto, face à redação da norma de referência na matéria, o artigo 30.º do Código Penal, que como já vimos estabelece o critério teleológico no tratamento do concurso de crimes, em que separa as situações de concurso efetivo das de concurso aparente e de crime continuado. Mas não distinguindo para esse efeito o concurso ideal (em que uma só atividade viola várias disposições de lei ou viola várias vezes a mesma disposição) do concurso real (em que diversas ações autónomas violam várias disposições ou várias vezes a mesma disposição penal). 
E nem se diga que, em termos práticos, esta solução poderá levar a situações em que face à pluralidade de crimes resultantes da mesma ação negligente a pena única a aplicar poderia revelar-se desproporcionada, pois a tal obstam as regras legais de punição do concurso efetivo, segundo as quais a pena única é sempre determinada com ponderação, em conjunto, da globalidade dos factos e da personalidade do agente – cf. artigo 77.º do Código Penal.
Por todo o exposto, no caso em apreço manteríamos a condenação do arguido, em concurso efetivo, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência.

1 - O legislador pretendeu  um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.
2 - Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».
3 - Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
4 - Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191.
5 - Rev. Min. Pub. 19º, 40.
6 -  Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver  um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência».
7 - Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259.
8 - A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.
9 - O provérbio “testis unus testis nullus” não tem, pois, definitiva relevância, apesar de muito ancestral. É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187).
10 - Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre imporia a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação.
11 - O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana, englobando o tipo legal um determinado resultado quer através de ofensas no corpo, quer lesando a saúde. Quando se fala em ofensa no corpo, abrange-se o mau trato através do qual o agente é afectado no seu bem-estar físico.
12 - Ac. Da RE de 10/12/2013 (<a href="https://acordao.pt/decisoes/208943" target="_blank">30/03.0TASTR.E2</a>- Ana Barata Brito).
13 - Jesheck, Tratado de Direito Penal, Parte general, Vol. I, p. 251 e ss.

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo comum singular nº 103/15.7GTVCT da Instância Local, Secção Criminal, da Comarca de Viana do Castelo, o arguido P. R. foi julgado e condenado por decisão proferida e depositada a 21/02/2017, como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelos arts. 13º, 15º, alínea b) e 148º do C. Penal, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 5, por cada um dos respectivos crimes e em cúmulo jurídico na pena única de 60 dias de multa à taxa diária de € 5 no montante total de € 300 (trezentos euros) e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses por cada um dos referidos crimes e em cúmulo jurídico na pena única de 4 meses e 15 dias. *Não se conformando com o decidido, o arguido interpôs recurso com os fundamentos constantes da motivação que apresentou, e que termina com a formulação das seguintes conclusões: «1. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o Arguido, ora Recorrente “(…) pela prática em autoria material e na forma consumada de dois crimes de “Ofensa à integridade física por negligência” p. e p. pelos arts. 13º, 15º, al. b) e 148º nº 1 do C. Penal, nas penas parcelares de 40 (quarenta) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros e de 40 (quarenta) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros. Operando o cúmulo das penas de multa aplicadas, nos termos do disposto no artº 77º condena-se o arguido na pena única de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária 5 euros, no montante global de 300 (trezentos) euros. (…) Condena-se o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 (três) meses e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 (três) meses – artº 69, n 1 al. a) do C.P. Operando o cumulo jurídico das penas acessórias aplicadas, nos termos do disposto no artº 77º nº 1 do C.P., condena-se o arguido na pena acessória única de proibição de conduzir veículos motorizados por 4 (quatro meses e 15 (quinze) dias; 2. O Douto Tribunal a quo, após a produção de prova, deu como provados os seguintes factos, após proceder à alteração não substancial dos factos descritos e da qualificação jurídica efetuada na pronúncia: •“Sucede que o arguido P. R. decidiu iniciar a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem que se tenha apercebido que um outro veiculo que circulava no mesmo sentido na faixa da esquerda já estava muito próximo de si e o ultrapassava”; • “Nesse momento em que se apercebeu, porque conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ, que vinha reduzindo a velocidade para mudar a direção, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A.”; •“O embate ocorreu porque o arguido não conduzia com a atenção e o cuidado que lhe eram exigíveis e de que era capaz, não adoptando uma velocidade e uma distancia que lhe permitisse parar o seu veiculo com segurança, por forma a evitar colisão com outros veículos que circulassem na mesma via, o que não fez, podendo fazê-lo”; •“O arguido tinha a obrigação e a capacidade individual de evitar o embate, que não representou”; •“Com a sua conduta descuidada o arguido colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causando as lesões da integridade física dos dois ofendidos”; 3. Ora, os factos supra transcritos, referem-se à dinâmica do sinistro.Com efeito, 4. Na formação da sua convicção quanto àqueles factos, o Tribunal a quo, “(…) atendeu essencialmente às declarações do arguido, que de forma sincera contou ao tribunal como tudo aconteceu, sendo que a versão dos factos que apresentou, que o tribunal considerou credível, não só não foi infirmada por qualquer meio de prova (pois desde logo os ofendidos não sabem como aconteceu o acidente – apenas sentiram o embate)”. Acontece que, 5. Se ouvirmos atentamente as declarações do Arguido, ora Recorrente (prestadas no dia 24/01/2017, as quais de acordo com a Ata do registo de gravação áudio tiveram inicio às 11:47:24 e fim às 12:23:10), constatamos que não resultam daquelas declarações prova suficiente para imputar ao Arguido, ora Recorrente, o crime de ofensas à integridade física por negligencia, por violação do dever de cuidado a que estava obrigado na condução, designadamente, por “circular muito próximo do veículo da frente, que estava a reduzir a velocidade e como tal não logrou evitar o embate, o que poderia e deveria ter feito caso mantivesse uma distancia daquele veiculo e circulasse a uma velocidade que lhe permitisse parar o carro em segurança se necessário (o que poderia fazer e não fez)” e consequentemente, dar como provados os factos supra transcritos. O Douto Tribunal a quo, fez uma errada interpretação das declarações do Arguido. Vejamos: 6. Nas suas declarações o Recorrente refere, expressamente que: “Quando estou a aproximar-me do veículo dentro de uma distância de segurança inicio o processo de ultrapassagem, olho para a minha esquerda para o espelho e vejo umas luzes dum veículo automóvel na faixa da esquerda. Inicio então o processo de ultrapassagem perfeitamente controlado. Só que de controlado passou a ser mais um pesadelo. Porque aconteceu-me duas coisas que fui surpreendido. Fui surpreendido com a redução do veiculo, a velocidade, que circulava à frente, já onde tem exatamente essa tabuleta dos 500 metros a dizer saída para viana (…)” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 02:20 a 02:57. 7. E mais referiu o Arguido, ora Recorrente, nas suas declarações que: “O veículo da frente começou a reduzir a velocidade e o veículo da minha esquerda senti-o próximo, não me senti seguro de efetuar a ultrapassagem, como vinha a uma velocidade controlada, reduzi a velocidade, com a caixa de velocidades, travei não muito forte para não entrar em despiste nem para prejudicar ninguém, e tentei evitar ao máximo o choque, a colisão com o veículo da frente”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 03:14 a 03:35. 8. E continuou dizendo que “Quando olho novamente para a minha esquerda vejo que tenho a faixa de rodagem desocupada, ao ter a faixa desimpedida tentei virar o máximo mais rapidamente possível para esquerda para não embater no veículo da frente. Só que o veículo da frente estava a reduzir a velocidade. Ele ia sair. E não tive a capacidade para não bater no veículo da frente” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 03:37 a 03:55. 9. Ora, em instâncias do Douto Tribunal, que questionou o Recorrente: “O Senhor quando decidiu ultrapassar já tinha olhado para trás já tinha visto o carro atras do seu lado esquerdo, o senhor apercebeu-se a que distancia é que estava esse carro?” o Arguido, ora Recorrente, respondeu “Devido à experiencia que eu tenho na estrada ainda vinha perfeitamente dentro para, para fazer a ultrapassagem em segurança” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 04:51 a 05:08. 10. E mais à frente, quando questionado novamente em instâncias do Tribunal, a que distância se encontrava o veículo que circulava atras na faixa da esquerda, o Arguido, ora Recorrente, respondeu “A mais de quinhentos metros. Eu vi as luzes, eu não vi o carro, vi foi as luzes do lado esquerdo pelo espelho”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 06:50 a 07:05. E, 11. Quando questionado se decidiu ultrapassar porque considerou ter tempo para o fazer, o Recorrente respondeu “Sim”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 07:13 a 07:21. 12. Isso mesmo consta da fundamentação da douta sentença a fls. 5 “viu as luzes de um carro na faixa da esquerda da ponte, atras de si, ainda longe e decidiu ultrapassar, sinalizou a manobra (…)” Ora, 13. Quando o Arguido, ora Recorrente, decide iniciar a manobra de ultrapassagem, sinalizando a mesma, o veiculo que circulava à sua retaguarda na faixa de rodagem esquerda, ainda se encontrava a uma distância que permitia ao Recorrente efetuar a manobra e ainda não estava a ultrapassar o veiculo conduzido pelo Arguido. Ao contrário do que consta do facto provado nº 6. Pelo que, foi o Arguido, ora Recorrente, diligente na sua condução. Acontece que, 14. O Arguido, ora Recorrente, decidiu não ultrapassar o veículo onde circulavam os ofendidos, por considerar que não iria ter condições de segurança para o fazer, porque o veículo que seguia à sua retaguarda na outra faixa de rodagem, se aproximou inesperadamente do seu veículo, e o veículo dos ofendidos aproximou-se do seu veículo, porque reduziu subitamente a sua velocidade. 15. Veja-se as declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 07:20 a 07:56, quando questionado que entretanto chegou à conclusão que já não tinha tempo para ultrapassar respondeu “Não”. Quando questionado se decidiu não ultrapassar “respondeu “exatamente, porque fui confrontado com a redução do veículo da frente e com a aproximação do veículo, isto é, se o veículo da frente não reduz, eu provavelmente fazia a ultrapassagem, mas quando sou confrontado com a redução do veículo da frente, travei o veículo, o outro aproximou, eu ainda fiquei mais apertado”. 16. Ou seja, no decurso da inquirição do Arguido, o douto Tribunal, fez a seguinte questão: “Já todos percebemos que o senhor decide fazer uma ultrapassagem, que fez o sinal, que viu anteriormente que tem tempo, que acha que de acordo com as luzes tem tempo para ultrapassar, mas entretanto o outro carro aproximou-se e o senhor descobriu que afinal não tinha tempo para ultrapassar, é isso?. Então neste momento o Senhor vê que não tem tempo para ultrapassar, o Senhor ainda não tinha iniciado a ultrapassagem ou já tinha iniciado a ultrapassagem?” o Arguido, ora Recorrente, respondeu “Não. Nunca iniciei a colocação do meu veículo na faixa da esquerda”. De seguida questiona o Douto Tribunal “O que aconteceu a partir deste momento?” responde o Recorrente que “A partir daqui eu reduzo a velocidade o máximo que posso, através da caixa de velocidades e redução controlada de velocidade em que quando olho para a esquerda o veículo da frente ia sempre em redução de velocidade e eu cada vez estava a ser mais impossível evitar o embate. No momento em que me apercebo que não consigo ultrapassar… o outro veículo, seguiu viagem, ele tinha que sair dali para eu ir para a esquerda. E eu, ao virar, ao tempo que estou a virar…”. Continuou o Douto Tribunal, questionando “O embate ocorre quando o senhor vira para não embater é isso?” respondeu o Arguido, ora Recorrente “exatamente”. E continua o Douto Tribunal “Não é quando o senhor ainda está a pensar ultrapassar, é quando o senhor se apercebe que o da frente reduziu e para não embater no da frente é que guinou ligeiramente para a esquerda”, o Arguido, ora Recorrente, anuiu, “e nunca colocar ninguém na esquerda em perigo”. E continua o Douto Tribunal “O embate acontece não é quando o senhor está a pensar fazer a ultrapassagem?” responde o Arguido “Não Não”. E continua o Douto Tribunal “É para o Senhor evitar bater no carro da frente, depois de ter pensado fazer uma ultrapassagem, de ter chegado à conclusão que não podia fazer a ultrapassagem e de se ter confrontado (…) com a redução da velocidade do carro da frente” responde o Arguido, ora Recorrente “sim, sim”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 09:05 10:58. Ora, 17. Destas declarações do Arguido, ora Recorrente, não podia o Tribunal a quo concluir como concluiu, que o mesmo foi negligente, que o mesmo não adaptou a sua velocidade e a distância de segurança por forma a evitar o acidente sub judice. Alias, 18. Das suas declarações, retiramos que o Recorrente, foi um condutor diligente, no momento prévio à decisão de ultrapassar o veículo dos ofendidos, ainda assim, devido a circunstâncias a si transcendentes, não conseguiu evitar a colisão. Ou seja, 19. Das declarações do Recorrente, é notório que a redução da distância de segurança entre o seu veículo e o veículo da frente se ficou a dever à redução da velocidade pelo veículo dos ofendidos. Aliás, 20. O veículo dos ofendidos, reduziu de forma inesperada a velocidade, para sair da autoestrada, quinhentos metros antes da saída, violando até o disposto no artigo 24º nº 2 do C.E “Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.”. 21. Aliás, quando questionado se o veiculo dos ofendidos fez algum sinal luminoso, o pisca, avisando que ia sair, o Arguido, ora Recorrente respondeu “Não. Eu só reparei mesmo na redução de velocidade”. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 11:06 a 11:19. 22. Não foi o Arguido, ora Recorrente, um condutor negligente ou descuidado, ou desatento, nem se poderia exigir que agisse de outra forma, perante a situação concreta. Apesar de ter encetado todos os esforços para não embater no veículo dos ofendidos, o certo é que, este reduziu a velocidade sem que nada o fizesse prever, uma vez que a saída da autoestrada ainda se encontrava a quinhentos metros. Com efeito, 23. O Recorrente, nas suas declarações, quando questionado pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, “O Senhor ia colado ao carro da frente para não conseguir parar”, respondeu “Não. Há uma redução muito forte. Como hei-de explicar, uma pessoa que circula a 100 km/h no nosso veiculo, quando há uma travagem a velocidade é reduzida muito rapidamente, porque são veículos que são preparados para essa situação e mesmo assim a redução do veiculo da frente, o veiculo da frente circulava a uma velocidade ainda mais reduzida porque ia sair (…) o que eu sei é que a velocidade a que eu circulava permitia-me fazer uma ultrapassagem em segurança (…)” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 11:21 a 12:05. 24. E, mais à frente o Arguido, ora Recorrente, refere que “Se eu vou a esta distância e este veículo vai reduzindo cada vez mais a velocidade, eu vou travando, vou travando e ele vai reduzindo a velocidade, eu começo a chegar a um ponto em que eu tenho de me decidir ou viro à esquerda ou vou embater no veículo, no momento em que eu me sinto em segurança para virar á esquerda…” Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 13:10 - 13:24. Ora, 25. O Ofendido, aquando a sua inquirição, admitiu que reduziu a velocidade para sair da autoestrada a cerca de 500 metros da saída. 26. Porquanto, quando questionado onde aconteceu o acidente respondeu “Na ponte Santa Luzia, na via rápida, estávamos quase a chegar a cerca de quinhentos metros da saída (…) Nós íamos sair”. Vide declarações do Ofendido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 10:34:06 às 11:03:34, em especial o hiato de tempo entre os minutos 00:55 a 01:10. Quando questionado a que velocidade seguia respondeu “Como estava perto da saída ia a mais ou menos 70, 60, mais ou menos por aí”. E quando questionado se já estava a reduzir a velocidade, respondeu “Que era para sair” Vide declarações do Ofendido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 10:34:06 às 11:03:34, em especial o hiato de tempo entre os minutos 01:19 a 01:29. Além do mais, 27. Sempre se diga que, o Douto Tribunal a quo, não poderia ter concluído que o sinistro sub judice se ficou a dever à falta de distância de segurança e à velocidade do veículo do Recorrente, quando não ficou provado nos autos, qual a velocidade a que circulava o veículo do Arguido e, porque o Arguido, nas duas declarações, referiu que ia a cerca de 150 metros do veículo da frente, não existindo qualquer prova em sentido contrário. Vide declarações do Arguido gravação áudio: registo temporal de 24-01-2017, 11:47:24 às 12:23:10, em especial o hiato de tempo entre os minutos 31:32 a 31:36. Ora, 28. Das declarações do Arguido, ora Recorrente, provado ficou que a redução da distância de segurança entre o seu veículo e o dos ofendidos, se ficou a dever à injustificada redução da velocidade do veículo conduzido pelo ofendido, 500 metros antes da saída da autoestrada e, não negada pelos ofendidos. Foi por esse motivo, que o Arguido, conforme sempre reiterou nas suas declarações, não conseguiu evitar a colisão, quando tentou passar para a faixa da esquerda a fim de evitar o embate, que, por pouco não conseguiu. 29. Nesta conformidade, é evidente que das declarações do Arguido, ora Recorrente, do Ofendido e da Assistente e dos documentos juntos aos autos, não resulta que: • o arguido P. R. decidiu iniciar a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem que se tenha apercebido que um outro veiculo que circulava no mesmo sentido na faixa da esquerda já estava muito próximo de si e o ultrapassava”; • “Nesse momento em que se apercebeu, porque conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ, que vinha reduzindo a velocidade para mudar a direção, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A.”; • “O embate ocorreu porque o arguido não conduzia com a atenção e o cuidado que lhe eram exigíveis e de que era capaz, não adoptando uma velocidade e uma distancia que lhe permitisse parar o seu veiculo com segurança, por forma a evitar colisão com outros veículos que circulassem na mesma via, o que não fez, podendo fazê-lo”; • “O arguido tinha a obrigação e a capacidade individual de evitar o embate, que não representou”; • “Com a sua conduta descuidada o arguido colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causando as lesões da integridade física dos dois ofendidos”; Assim, 30. O Douto Tribunal a quo, não poderia ter dado como provados aqueles factos, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, pelo que, violou entre outros o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do C.P.P. Ora, 31. Os factos dado como provados pelo tribunal a quo justificativos da sua condenação, foram interpretados erroneamente, dando-se um sentido diverso às declarações prestadas pelo Recorrente. Assim, se aqueles factos fossem dados como não provados, o Arguido, ora Recorrente, teria que ser necessariamente absolvido. O que se requer! 32. O Arguido, ora Recorrente, foi condenado pela prática de dois crimes de Ofensas à integridade física por negligência p. e p. pelos artigos 13º, 15º, al.b) e 148º nº 1 do Código Penal. Ora, 33. Se o Douto Tribunal ad quem, partilhar o entendimento supra exposto, quanto à impugnação dos factos provados que constam dos pontos 6, 7, 12, 12, 13 da sentença recorrida, não se encontram preenchidos os elementos do tipo de ilícito negligente de que o Arguido, ora Recorrente, vem acusado. Vejamos: 34. O tipo de crimes de que foi o Recorrente condenado impõem, para que se possa punir o agente por ofensa à integridade física negligente, que este seja capaz de reconhecer as exigências de cuidado que a ordem jurídica obriga e que seja capaz de as cumprir. De facto, 35. Trata-se de uma medida individual, subjetiva, aferida de acordo com as suas possibilidade e capacidades concretas e que, em certos casos, poderá revelar-se suscetível de afastar a responsabilidade penal. Ora, 36. Uma vez que a nossa lei penal, não nos fornece nenhuma definição do conceito de negligência, releva para o caso sub judice, sabermos em que consiste a negligência para a doutrina. 37. Neste sentido, conforme dispõe o Ilustre Eduardo Correia, a negligência consiste na “omissão de um dever objetivo de cuidado ou diligência” e na “omissão de um dever de cuidado, adequado a evitar a realização de um tipo legal de crime, que se traduz num dever de previsão ou de justa previsão daquela realização, e que o agente (segundo as circunstâncias concretas do caso e as suas capacidades pessoais) podia ter cumprido”. De facto, 38. Para Eduardo Correia, só existirá negligência quando “houver lugar a uma atividade suscetível de violar deveres de cuidado, destreza e atenção, atividade essa que, se tivesse em consideração esses deveres, evitaria a produção de resultados proibidos” Ora, 39. Além desta condição, é preciso que o agente, preveja que os resultados negativos se irão verificar. Para além de que, 40. Será importante analisar a composição dos crimes negligentes, que consiste, essencialmente, numa divisão em tipo de ilícito negligente e culpa negligente. 41. Para Taipa de Carvalho, o ilícito negligente é a “conduta descuidada ou leviana do agente ao realizar a ação não pertencendo, desta forma, tal conduta à culpa negligente e sim, como estamos a ver, ao tipo de ilícito”. Aliás, segundo Figueiredo Dias, o ilícito negligente concretiza-se na “violação do cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está obrigado”, ou seja, implica a violação, por parte do agente, do cuidado que sobre ele juridicamente impende. De facto, Os elementos do tipo de ilícito são dois: a não observância do cuidado objetivamente adequado a impedir a ocorrência do resultado típico e a previsibilidade objetiva do perigo para determinado bem jurídico. 42. Este último elemento, irá permitir afirmar ou negar a existência do tipo de ilícito negligente, ou seja, é este elemento da previsibilidade objetiva que nos levará à conclusão no sentido de haver ou não uma verdadeira violação do dever de cuidado. Assim, 43. Aquele elemento estará preenchido, quando a ação praticada pelo agente, aos olhos de uma pessoa cuidadosa, for considerada de forma a ser possível a verificação de um resultado desvalioso. Ora, 44. Neste caso, em que é previsível o perigo de modo objetivo, o agente tem que atuar em conformidade com o cuidado objetivamente exigível. No entanto, 45. Pode acontecer, que o agente tenha atuado com o cuidado exigível, mas apesar disso tenha tido lugar um resultado desvalioso, e, aqui, este resultado não será imputável à sua ação, pois ao não haver “desvalor da ação” não existe ilícito. 46. Quanto ao primeiro elemento, que diz respeito à violação do dever de cuidado, este implica que na hipótese de este dever ser observado, e por isso não violado, haveria uma enorme probabilidade do resultado desvalioso ser impedido e, portanto, não se verificar. 47. Para Figueiredo Dias, o resultado tinha que ser “previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o “homem médio pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente”. 48. Quanto à culpa negligente explica-se, segundo Taipa de Carvalho, como sendo “a atitude ético-pessoal de descuido ou leviandade do agente perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo pela respetiva ação ilícita negligente”, i.e., “a violação do cuidado que o agente, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de prestar” Assim, 49. Os pressupostos da culpa negligente são: a previsibilidade subjetiva do perigo e a possibilidade de o agente ter cumprido o dever objetivo de cuidado. 50. Antes de avançar, é relevante reforçar que, aqui, o critério da previsibilidade subjetiva, como a expressão denuncia, tem, obrigatoriamente, que ser analisado subjetiva e individualmente, ao contrário da previsibilidade objetiva (elemento do ilícito negligente), uma vez que se trata de um critério objetivo. Ora, 51. Previsibilidade subjetiva do perigo representa a possibilidade de o agente, segundo as suas capacidades individuais e as circunstâncias concretas em que a ação é praticada, ter previsto os perigos ou riscos da sua ação. 52. No fundo, a culpa negligente existe quando o agente pratica uma ação relativamente à qual representa ou tem a possibilidade de representar os riscos que envolve, sabendo ou devendo saber que não se encontrava em condições de cumprir as exigências de cuidado impostas, atendendo às suas capacidades e incapacidades. Ora, 53. Descendo ao caso vertente, e de acordo com o que supra se expôs, podemos concluir que não estão preenchidos os elementos do tipo legal de crime negligente de que o Arguido, ora Recorrente, foi condenado, uma vez que o Arguido foi um condutor diligente, que tentou evitar o sinistro sub judice, porém, por circunstâncias a si transcendentes, designadamente, a redução súbita da velocidade pelo veículo onde circulavam os ofendidos, até em estreita violação do artigo 24º nº 2 do C.E, que originou a redução da distância de segurança entre ambos os veículos, e obstou a que o Arguido, ora Recorrente, pudesse passar para a faixa da esquerda em segurança de modo a evitar a colisão. 54. Pelo que, não poderá ser outra a conclusão, de que não estão verificados, os pressupostos do ilícito negligente, na medida em que, o acidente, não se ficou a dever a negligência do Arguido, ora Recorrente, mas deveu-se a circunstâncias estranhas à sua vontade e à sua capacidade de previsão e reação, e que, não seria de exigir a um homem médio colocado naquelas circunstancias e com as capacidades do Arguido, agir de outra maneira. 55. Termos em que concluímos que os elementos do tipo legal de crime de ofensas à integridade física por negligencia não se encontram todos preenchidos, pelo que, o Tribunal a quo, fez uma subsunção errada dos factos ao crime, previstos no artigo 148º nº 1 do C.P, o qual devia ter interpretado e aplicado no sentido da absolvição do Arguido, ora Recorrente. O que se requer! 56. Caso o Douto Tribunal ad quem, não partilhe do entendimento supra exposto, sempre se refira, entender o Recorrente, que, no caso dos presentes autos, está em causa uma única conduta do Arguido, (a sua alegada condução negligente), que provocou ofensas corporais simples em duas pessoas. 57. Não se verifica, quanto ao crime de ofensas à integridade física por negligência p.p no artigo 148º nº 1 do C.P, um concurso efetivo de infrações, mas sim um crime de resultado múltiplo. 58. Ora, a conduta do arguido é-lhe imputável a título de negligência, pelo que, nos crimes negligentes apenas será imputável um único juízo de censura, e a culpa resume-se a apenas uma resolução criminosa, independentemente de ser violado várias vezes o mesmo tipo legal de crime, pois o dever objetivo de cuidado apenas foi violado uma vez. 59. É adequada a condenação do Arguido, ora Recorrente, pela pratica de um único crime de ofensas à integridade física por negligencia p. p no artigo 148º nº 1 do C.P e não pela pratica de dois crimes conforme consta da douta decisão recorrida, pois em casos de negligencia apenas existe um juízo de censura pelo comportamento negligente adotado. Só faz sentido punir o agente por mais que um crime quando este pudesse configurar a possibilidade da sua conduta negligente possa resultar mais que uma vítima; 60. No caso sub judice, e conforme ficou provado, o ora Recorrente, não representou sequer o embate; 61. Face ao exposto, o recorrente só deve, pois, ser punido por um crime de ofensas à integridade física por negligência, p. p no artigo 148º nº 1 do C.P, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo. 62. Outra das questões a resolver no âmbito do presente recurso é a determinação da medida concreta da pena, atendendo a que o Arguido deve ser condenado apenas por um único crime de ofensas à integridade física por negligência e não por dois; Ora, 63. O crime de ofensas à integridade física por negligência, p. p no artigo 148º nº 1 do C.P. é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias; 64. Com efeito, de acordo com o plasmado no artigo 40º nº 1 e 2 do C.P, a aplicação das penas visa “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”; 65. Aquando a determinação da medida da pena, o julgador deve ter em atenção as circunstancias previstas no artigo 71º do C.P, que visam fornecer ao Julgador módulos de vinculação na escolha da medida da pena; 66. O enquadramento fáctico-jurídico, prevê que a determinação da medida da pena, dentro dos limites mínimos previstos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção; 67. Ou seja, o Tribunal, deve atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido; 68. Neste caso, milita a favor do Recorrente, não ter antecedentes criminais, colaborou para a descoberta da verdade, prestando declarações, é considerado no seu meio familiar e profissional como um excelente pai, colega e trabalhador, está bem integrado, social, profissional, e familiarmente, reside com a esposa e dois filhos menores. E, apesar de não constar dos factos provados, mas sim dos autos a fls…à data do sinistro sub judice, o Arguido não tinha averbado no seu registo individual de condutor, qualquer infração rodoviária; 69. Por sua vez, as consequências decorrentes do acidente de viação, com o devido respeito, não foram de tal forma gravosas que culminaram na perda da vida ou em incapacidades permanentes, para os ofendidos, mas sim incapacidades temporárias e curáveis; 70. Ponderadas todas estas circunstâncias, e tendo em atenção a condenação por um único crime de ofensas à integridade física por negligência, deve considerar-se adequada a pena de 10 dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), por adequada e proporcional às exigências do caso quanto ao crime de que o Recorrente foi condenado, e à situação económica e financeira do Recorrente e seus encargos pessoais, dados como provados na Douta Decisão Recorrida; 71. Outra questão que importa apreciar no presente recurso, diz respeito à não concordância com aplicação pelo Tribunal a quo, de pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, por 3 meses quanto a cada um dos crimes, condenando-o na pena única de inibição de conduzir por 4 meses e 15 dias; 72. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção; 73. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, tem de respeitar os princípios da necessidade, da mínima restrição de direitos e da adequação e proporcionalidade. Além do mais, 74. Deve ter-se em conta que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos”. Princípio este expressamente consagrado no art. 65º, nº 1, do CP; 75. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, não serve as finalidades da reintegração social do agente, mas tão só a sua dissuasão da prática da infração a que se reporta. 76. Ou seja, esta pena, serve exigências de prevenção especial e não geral. 77. E, salvo o devido respeito, ao nível da prevenção especial, não estão reunidos elementos que fundamentem a aplicação da pena acessória; 78. Com efeito, o tribunal “a quo” na aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, considerou automático a aplicação da pena acessória, não tendo verificado se os elementos e pressupostos estariam preenchidos no caso concreto e esta consideração retira-se da própria ausência de motivação na sentença para a sua aplicação; 79. No caso concreto o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do arguido, ora Recorrente, foram diminutos; 80. O Recorrente, não tem antecedentes criminais; 81. Os crimes que lhe foram imputados foram episódios únicos na sua vida, à data dos factos nada tinha averbado no seu registo individual de condutor conforme consta a fls…dos autos; 82. O Recorrente, tem a seu cargo dois filhos menores, um deles com autismo, sendo o Arguido, ora Recorrente, o garante do sustendo do lar, uma vez que a sua esposa está desempregada; 83. O Arguido, ora Recorrente, mostrou-se cooperante para a descoberta da verdade, prestando declarações em audiência de julgamento; 84. O Recorrente, é motorista profissional (cfr. consta dos factos provados), utilizando o automóvel como instrumento de trabalho; 85. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, tem como efeito necessário a perda do seu posto de trabalho, o que considera consubstanciar uma terceira pena em que é condenado, uma vez que a aplicação desta pena acessória terá como efeito necessário a perda dos seus direitos profissionais; 86. Os efeitos negativos para o Recorrente, da aplicação desta pena acessória, serão desproporcionais em relação aos efeitos positivos; 87. As exigências de prevenção especial e geral também não justificam tal medida; 88. A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir aplicada ao Arguido, ora Recorrente, deverá ser declarada nula, por violação do art. 65.°, n.º1, do C.P. bem como do art. 30.°, n.º 4, da CRP, pois tem como efeito a perda do seu direito profissional; 89. Sem prescindir e caso assim não se entenda, 90. No caso de se entender ser de aplicar a pena acessória de inibição de conduzir, seja a mesma suspensa na sua execução, atendendo todos os circunstancialismos supra invocados, porquanto, a simples censura do facto, a ameaça da inibição de condução, se o venerado desembargador a considerar necessária, bastam para a realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição de prevenção geral e prevenção especial; 91. Caso assim não se entenda e sem prescindir, 92. Na hipótese do Douto Tribunal ad quem, partilhar do entendimento supra exposto, quanto à condenação do Arguido, não por dois, mas apenas por um crime de ofensas à integridade física por negligencia, mas, por sua vez, entender ser de aplicar pena acessória de inibição de conduzir, sempre se diga que, a mesma, atendendo a todas as circunstancias do caso concreto e supra expostas, deve ser fixada no seu mínimo legal, ou seja, três meses. 93. Assim, a medida da pena acessória deve ser reduzida para o seu limite mínimo (3 meses); 94. Pelo exposto, o tribunal a quo violou, na sua douta decisão, toda a legislação supra citada.». O recurso foi regularmente admitido nos termos do despacho proferido a fls. 508. O Ministério Público junto da 1ª Instância apresentou resposta à motivação, pugnando pela improcedência do recurso, alegando, em suma, que a prova produzida em audiência e que serviu para formar a convicção do tribunal foi apreciada com razoabilidade e segundo os princípios da livre apreciação da prova, da imediação e oralidade, encontrando-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação. Também defendeu que, para além, de se encontrarem preenchidos todos os elementos do tipo legal de crime a conduta do arguido integra a prática de dois crimes, uma vez que causou lesões em dois ofendidos previsíveis no contexto dos factos apurados e em resultado conjecturável da violação do dever de cuidado. Quanto à medida das penas parcelares e, consequentemente, da pena única aplicada ao arguido, considera que as mesmas se encontram devidamente fixadas de acordo com as circunstâncias e particularidades do caso concreto, pecando até por serem demasiado benevolentes, pronunciando-se, ainda, pela inadmissibilidade legal da suspensão da pena acessória. Em contra-alegações, a assistente também se pronunciou no sentido da manutenção da decisão recorrida. Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, sustentando que a decisão recorrida não merece a censura que lhe vem assacada, pelas razões aduzidas pelo Ministério Público em 1ª instância, que acompanhou, quanto ao erro de julgamento e demais questões suscitadas, apenas divergindo do sentido da resposta daquele em relação ao número de crimes praticados pelo arguido, defendendo, com apelo à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a verificação de um único crime de ofensa à integridade física por negligência. Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP. *Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as seguintes questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência): 1. - o erro de julgamento sobre a matéria de facto; 2. - os elementos do crime e a unidade ou pluralidade de infracções; 3. - a medida da pena principal e acessória. Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso a decisão recorrida sobre a matéria de facto e respectiva motivação (transcrição): «Factos Provados: 1. Em 07/09/2015, pelas 06h30m, o arguido P. R. conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula FG, na A28, na Ponte de Santa Luzia, Viana do Castelo, no sentido Porto/Viana do Castelo. 2. Também na A28, na Ponte de Santa Luzia, Viana do Castelo, no mesmo sentido seguia à frente daquele, o veiculo ligeiro de passageiros, de matrícula IZ, conduzido por J. C. e seguindo no lado do pendura, a esposa, F. A. 3. Na altura o tempo estava bom e a visibilidade era boa. 4. No local a via configura uma recta em patamar, com piso betuminoso em estado regular. 5. A velocidade permitida no local é de 120 Km/hora 6. Sucede que o arguido P. R. decidiu iniciar a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem que se tenha apercebido que um outro veículo que circulava no mesmo sentido na faixa da esquerda já estava muito próximo de si e o ultrapassava. 7. Nesse momento em que se apercebeu, porque conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ, que vinha reduzindo velocidade para mudar de direcção, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A.. 8. O embate provocou o despiste do veículo IZ, que, com a força do impacto, foi ainda embater nas guardas de segurança e acabou por se imobilizar na berma vários metros à frente. 9. Na sequência da conduta do arguido, resultou para F. A.: "estiramento dorso lombar ( ... ) ceruicalqias e lombalgias ( ... ) fenómenos dolorosos", lesões que determinaram 130 (cento e trinta) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e com 30 (trinta) dias de afectação da capacidade de trabalho profissional. 10. Na sequência da conduta do arguido, resultou para J. C.: "ceroicalqia, contusão no ombro esquerdo e perda da peça dentária n° 22 ( ... ) fenómenos dolorosos: cervicalgia posterior, omalgia esquerda", lesões que determinaram 20S (duzentos e cinco) dias para a cura, com 20 (vinte dias) de afectação da capacidade de trabalho geral e 60 (sessenta dias) de afectação da capacidade de trabalho profissional. 11. Mais resultaram estragos na traseira e frente do veículo IZ e na frente direita do veículo FG. 12. O embate ocorreu porque o arguido não conduzia com a atenção e o cuidado que lhe eram exigíveis e de que era capaz, não adoptando uma velocidade e uma distância que lhe permitisse parar o seu veículo com segurança, por forma a evitar colisão com outros veículos que circulassem na mesma via, o que não fez, podendo fazê-lo. 12. O arguido tinha a obrigação e a capacidade individual de evitar o embate, que não representou. 13. Com a sua conduta descuidada o arguido colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causando as lesões da integridade física dos dois ofendidos. 14. O arguido é motorista e aufere cerca de 890 euros por mês. 15. Reside com a esposa, que não trabalha, e dois filhos menores, um deles autista, em casa própria, pela qual paga mensalmente 230 euros. 16.Tem ainda como despesa mais relevante as terapias do filho no que despende cerca de 800 euros por mês, a que faz face com a ajuda dos pais. 17. Não tem antecedentes criminais. 18. Confessou parcialmente os factos que resultaram provados. 19. O arguido é considerado pelas pessoas com quem se relaciona um excelente pai, colega e trabalhador. Com relevância para a decisão da causa, não se provou que: 1. O arguido P. R. iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo IZ, sem olhar à sua retaguarda e verificar se outro veículo já tinha assinalado a ultrapassagem e se o podia fazer em segurança, motivo pelo qual não se apercebeu que estava a ser ultrapassado por um terceiro veículo. 2. No momento em que se apercebe, quando já estava a efectuar a ultrapassagem, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu com força no veículo, IZ, onde seguiam os ofendidos J. C. e F. A.. 3. O arguido conduzia de forma totalmente distraída, efectuando a manobra de ultrapassagem sem averiguar previamente que o podia fazer sem perigo de colidir com outro veículo, quer o que já o estava a ultrapassar quer com o que seguia à sua frente e a quem acabou por embater e provocar o despiste. 4. O arguido nem sequer olhou para ver se podia iniciar a manobra de ultrapassagem. 5. O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei como crime.*Motivação da decisão de facto: «A convicção do tribunal quanto à factualidade provada e não provada formou-se na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento conjugada com as regras de experiência, atendendo-se à prova documental, pericial e pessoal produzida. Assim, atendeu-se: - aos relatórios médico legais juntos a fls. 84 e 86, 89 a 90, 160 a 162 168 a 170) e 163 a 164 (173 a 175); 264 a 266; - aos documentos juntos a fls, 12 a 13, 33 a 34, 36, 37 a 73, 118 a 119, 137 a 143, 129 a 135, 187,204 a 206,231,232,375,390,411 a 412. - a toda a prova pessoal: O arguido prestou inicialmente declarações apenas quanto à sua situação sócio económica, no que esclareceu o tribunal que é motorista, auferindo cerca de 890 euros e reside com a esposa que não trabalha e dois filhos menores, um deles autista, em casa própria, pela qual paga mensalmente 230 euros. Tem ainda como despesa mais relevante as terapias do filho no que despende cerca de 800 euros por mês, a que faz face com a ajuda dos pais. Após produção de parte da prova testemunhal prestou novamente declarações e enquadrando os factos que depois relatou, referiu que tinha começado a trabalhar às 4.30, carregou a carga para levar a Vigo e saiu do aeroporto. Estava na Ponte de Viana e circulava à velocidade "normal", talvez 110 km /h, entre as 5.45 e as 6.15, estava nascer o dia, passou o meio da ponte e vê o veículo no qual veio depois a embater. Concretizou que ao aproximar-se do veículo que pretendia ultrapassar viu as luzes de um carro na faixa da esquerda na ponte, atrás de si, ainda longe, e decidiu ultrapassar, e sinalizou a manobra, olhou novamente pelo espelho para o lado esquerdo e viu as luzes do veículo (que já tinha visto mais atrás), só que o veículo da frente reduziu a velocidade e sentiu próximo o veículo da esquerda, pelo que pensou que já não tinha segurança para ultrapassar (porque entretanto o veículo aproximou-se) e é nesse momento que reduziu a velocidade, travou e não conseguiu evitar o embate que ocorreu entre o seu veículo e o da frente (o embate ocorre quando vira o carro para o lado esquerdo para não embater). Mais referiu que o local da placa dos 500 metros é o local do embate e que a ponte tem certamente mais de um quilómetro. Foi confrontado com a declaração amigável junta aos autos. Questionado respondeu que só reparou na redução da velocidade do carro da frente, não se apercebeu do sinal de mudança de direcção para a saída. A assistente F. A., prestando declarações, contou ao tribunal que o acidente aconteceu no dia 7 de Setembro de 2015, pelas 6 h e 30 m (ou mais tarde - confrontada com a hora das fotos referiu que a máquina não tem a hora certa), na Ponte de Santa Luzia, próximo da saída da Ponte para Viana, a cerca de 500 m dessa saída. Já estava dia e estava bom tempo. Ela ia no lugar do pendura acompanhando o marido no veículo Megane, no sentido Porto-Viana. De repente sentiu um embate na traseira, no porta-malas. Os bancos quebraram e andaram a rodopiar. Seguiam à velocidade de 60, 70 km/h e não se aperceberam do outro veículo antes do embate; desconhece se esse veículo ia a fazer uma ultrapassagem e não sabe se vinham mais carros atrás. Teve problemas na lombar e na cervical em consequência do acidente. O marido queixou-se de um braço e partiu um dente. Na altura o arguido referiu que não teve tempo de travar; só deixou o veículo ir contra eles. O ofendido J. C., contou ao tribunal que o acidente aconteceu pelas 6.30 (ele ia entrar às 7h), na ponte a cerca de 500 metros da saída. Já era de dia. Ia a cerca de 60/70 km/h, quando já ia reduzir a velocidade para sair (antes de reduzir viria a 80 km/h). Antes de ser abalroado não se apercebeu de qualquer carro atrás ou a ultrapassar. Só se apercebeu do carro do arguido quando ele bateu. Com o embate os bancos partiram e eles ficaram deitados. Ele só conseguiu imobilizar o carro talvez mais de 100 metros à frente. Foi contra os rails. Foi um embate violento, o veículo teria que vir a uma velocidade muito superior à sua. Não sabe porque aconteceu o embate, pois é uma recta e tem boa visibilidade. Ele ficou com lesões no ombro e no pescoço e partiu um dente. A esposa sofreu lesões na coluna. Foram ao hospital. O arguido na altura falou com eles mas não se recorda de ele ter dado qualquer explicação para o acidente (mais tarde disse que o acidente foi a ultrapassar). Foi confrontado com a participação de acidente de viação junta aos autos, que não foi ele nem a esposa que preencheu. O veículo dele teve danos em toda a parte traseira, mas mais do meio para esquerda e também na parte da frente. Está convencido que o acidente aconteceu por distracção do outro condutor, mas ainda hoje não sabe se houve ultrapassagem, sendo certo que não houve outro veículo, um terceiro interveniente no acidente. A testemunha M. G. do destacamento de trânsito da GNR BT, foi ao local apôs o acidente, que terá ocorrido no tabuleiro da Ponte de Santa Luzia, depois das 6.30 (ele tinha entrado às 6 h e 30 e tinha entrado há pouco tempo ao serviço quando passou no local), que ocorreu por baixo da sinalização de saída (talvez a 200 metros da saída). Sabe que um veículo embateu na traseira de outro, projectando-o para a berma. No local as pessoas da zona circulam devagar e quem é de fora e vem da auto-estrada não conta com isso; há muitos acidentes assim ali. O acidente pode ter acontecido por distracção ou porque o condutor estava a tentar ultrapassar, apercebe-se que vem outro veículo a ultrapassá-lo e não consegue evitar o embate com o da frente por não se conseguir desviar. O que fez constar da participação é o que lhe disseram na altura. Foi confrontado com a participação junta aos autos. Referiu que o local do acidente é visível a mais de 200 metros. Foi confrontado com fls. 69 e 71 e ss dos autos. A testemunha F. R. do destacamento de trânsito da GNR BT contou ao tribunal que ao entrar na ponte aperceberam-se da ocorrência de um acidente do outro lado do tabuleiro e foram ao local. Foi um veículo de mercadorias que bateu num ligeiro. Foi um embate traseiro. Pode ter sido por distracção. No local a sua função foi de controlar o trânsito. Não foi elaborada na altura qualquer participação amigável. Na altura a senhora do carro embatido queixava-se muito. A testemunha L. S., contou ao tribunal que o arguido é seu funcionário há 17 anos e que é um trabalhador excelente. É uma pessoa séria e disponível. Não há nada a apontar-lhe. A testemunha A. R. é colega de trabalho do arguido, a quem conhece há muitos anos. É um condutor diligente. Uma pessoa pacata e humilde e um bom colega. A testemunha P. M. é amigo do arguido, a quem conhece há 4 anos. É um bom amigo e gosta de ajudar os amigos. As testemunhas F. C. e C. C. são amigos do arguido e contaram ao tribunal que o arguido é uma boa pessoa, um bom pai e um bom amigo e é habitualmente cumpridor das regras estradais. Fazendo agora o necessário correlacionamento da prova produzida, a convicção do tribunal quanto à factualidade que resultou provada formou-se na análise conjugada da prova documental, pericial e pessoal produzida, que foram as declarações sinceras do arguido e da assistente e depoimentos prestados de forma isenta, objectiva e credível por todas as testemunhas inquiridas nos termos supra expostos. Assim, quanto aos pontos 1. a 5. da factualidade provada, referente ao dia, hora e local dos factos, o tribunal atendeu ao correlacionamento da prova documental com as declarações do arguido, da assistente e da testemunha J. C. (os factos terão ocorrido pelas 6.30 - cfr. declarações da assistente e justificação por esta fornecida para a hora que consta das fotografias, depoimento do ofendido e depoimento dos agentes). Quanto à dinâmica do acidente, o tribunal atendeu essencialmente às declarações do arguido, que de forma sincera contou ao tribunal como tudo aconteceu, sendo que a versão dos factos que apresentou, que o tribunal considerou credível, não só não foi infirmada por qualquer meio de prova (pois desde logo os ofendidos não sabem como aconteceu o acidente – apenas sentiram o embate) como foi coerente com a demais prova produzida e com as regras de experiência comum e do normal acontecer, sendo frequentes as situações em que os condutores não têm a noção da velocidade a que seguem os veículos que circulam atrás de si na faixa da esquerda e em que por esse motivo não efectuam uma ultrapassagem que planearam porque esse veiculo entretanto se aproximou, sendo que no caso, como se apurou, o arguido circulava muito próximo do veiculo da frente, que estava a reduzir a velocidade e como tal não logrou evitar o embate, o que poderia e deveria ter feito caso mantivesse uma distância daquele veículo e circulasse a uma velocidade que lhe permitisse parar o carro em segurança se necessário ( o que poderia fazer e não fez). Em face do exposto, formou-se no tribunal, a convicção serena e segura, para além de qualquer dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que resultaram provados. No mais, nomeadamente quanto às consequências que do embate advieram para os ofendidos, atendeu-se à prova documental e pericial já referida (salientando-se que se considerou o relatório de fls. 264 a 266, junto aos autos após o encerramento do Inquérito, quanto ao ofendido). Valorou-se o CRC junto aos autos. Consideraram-se as declarações do arguido quanto à sua situação sócio económica. Foram considerados os depoimentos das testemunhas que se pronunciaram sobre essa factualidade quanto à personalidade do arguido. A factualidade não provada decorre de não ter sido produzida prova segura e credível da sua verificação e de terem sido até apurados factos em manifesta contradição com a mesma, sendo de referir que a dinâmica do acidente vertida na pronúncia não foi sustentada por qualquer meio de prova.». *O erro de julgamento. O recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, dizendo que ocorreu erro de julgamento, porquanto, em seu entender, não foram devidamente valoradas as suas declarações, colocando, assim, em causa os factos enunciados nos pontos 6, 7, 12 e 13 da matéria de facto assente na decisão de 1ª instância. Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: pelo âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma, com a invocação de erro de julgamento. Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (1). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, nºs 3 e 4, do CPP (2). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (3). Nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada. Por isso, a impugnação restringe-se à decisão realmente proferida e não a qualquer realidade virtual. Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum. É certo que a prova não pressupõe uma certeza absoluta, mas, por outro lado, também não se pode quedar na mera probabilidade de verificação de um facto. Assenta no alto grau de probabilidade do facto suficiente para as necessidades práticas da vida (4). Trata-se de uma liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da «liberdade para a objectividade» (5). É por isso que nos casos em que o julgador não logra decidir com segurança com base nas mesmas e permanecendo uma dúvida consistente e razoável não pode desfavorecer a posição do arguido, só lhe restando concluir pela absolvição do mesmo por apelo do princípio in dubio pro reo (6), pois convém não esquecer que «o arguido beneficia da presunção de inocência: a prova para condenação tem de ser plena (...). Desde que a prova suscite (…) a possibilidade de diferente hipótese que não pode ser afastada, prevalece, por força da lei, a presunção de inocência». Assim é, porque «a condenação de um inocente afecta muito mais gravemente a justiça, e por isso também o próprio interesse social, do que a não punição de um culpado» (7). E, como é evidente, é segundo esta perspectiva que hão-de ser apreciados os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido levou a efeito para sustentar a sua convicção acerca deles, ou seja, o processo avaliativo que o tribunal levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma errada apreciação da prova produzida. Em suma, neste processo, a violação do invocado princípio deve ser defrontada ou apreciada também nesta vertente da adequação da decisão proferida à prova produzida. É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que na fundamentação da matéria de facto se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP) é necessário que o processo de formação dessa convicção seja explicado, esclarecendo-se nomeadamente porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos está de acordo com as regras da experiência e, por isso, é credível; é preciso, dar o passo seguinte, que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência. Tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras. Com efeito, não podemos olvidar que de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta (nem das declarações dos ofendidos, desde que credíveis e coerentes). Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos (8). Num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, não podemos olvidar que o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova, não estando inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta, nem das declarações de uma única testemunha (9), seja ou não vítima (ofendido), desde que credíveis e coerentes, de maior ou menor idade, as quais, ainda que opostas, em maior ou menor medida, ao depoimento do arguido, podem fundamentar uma sentença condenatória, se depois de examinadas e valoradas as versões contraditórias apresentadas se considerar verdadeira a contida naquelas declarações, em função de todas as circunstâncias que concorrem no caso. A convicção do julgador é, pois, necessariamente uma convicção assente nas regras da experiência e suportada ainda pela imediação e pela oralidade que conduzem às opções que ele toma no tocante, designadamente, à atribuição de credibilidade a um meio de prova em detrimento de outro, à preponderância de um testemunho em relação a outro. Devendo recordar-se que não há um qualquer outro princípio probatório que determine ou precise a quantidade de prova que se possa tornar necessária para dar como provados certos factos. Por isso, apenas há que sindicar é se a prova produzida e apreciada livremente (art. 127º CPP) o foi segundo critérios assentes na experiência comum e se esses critérios foram assumidos de forma raciocinada, objectivada e motivada que permita que não só a convicção pessoal do julgador lhes confira credibilidade para sustentar os factos a provar como ainda que o sentido lógico do «homem médio» possa coonestar essa credibilidade e ter por aceite que, realmente, há um alto grau de probabilidade de eles terem ocorrido que há, em suma, um bom fundamento para a decisão. Nessa medida, não poderá falar-se de erro de julgamento quando da prova produzida se faça uma «leitura» que se mostre possível ou aceitável e mercê da qual o tribunal não fique em condições de ter como ultrapassada a dúvida razoável sobre a exactidão dos factos. Sendo que, neste domínio da apreciação ou «leitura» da prova, não há como escamotear que a prova testemunhal se reveste não poucas vezes de inultrapassável insegurança por via das inevitáveis deficiências de percepção, de interpretação e de recordação dos acontecimentos que põem em causa o seu valor quanto à fixação desses ditos acontecimentos. Analisemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos da impugnação deduzida. Em cumprimento do ónus de especificação, o recorrente remeteu essencialmente para as suas próprias declarações produzidas em audiência, transcrevendo pequenos excertos dessas declarações, dizendo que o Tribunal, erradamente, não poderia ter dado como assente a matéria que impugna, atenta a versão que apresentou sobre os factos. Neste particular, aduz que não foi um condutor negligente, descuidado ou desatento, nem lhe era exigível que tivesse adoptado um comportamento diferente, pois, apesar de ter encetado todos os esforços para não embater no veículo dos ofendidos, o condutor deste reduziu a velocidade sem que nada o fizesse prever, uma vez que a saída da auto-estrada se encontrava a quinhentos metros. Contudo, sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, como se disse, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum. Após exame do resultado da audição das declarações prestadas pelo recorrente, incluindo os segmentos não referenciados, e dos depoimentos dos ofendidos e militares da GNR que ocorreram ao local do acidente, conjugada com os elementos documentais juntos aos autos, podemos, desde já, adiantar que a decisão impugnada não merece qualquer censura, pois procedeu a uma correcta e devida ponderação de todos os meios de prova produzidos. Concretizando. De acordo com a prova produzida, é incontroverso – pois o próprio recorrente o admite – que o veículo de matrícula FG embateu na traseira do veículo IZ, em plena auto-estrada (A28, na ponte de Santa Luzia, em Viana do Castelo) quando circulavam ambos no mesmo sentido (Porto/Viana do Castelo). O arguido, que apenas prestou declarações no final de toda a prova produzida, apresentou a versão, que a decisão recorrida acolheu, de que naquele momento se aprestava para efectuar uma manobra de ultrapassagem ao veículo IZ, mas apercebendo-se de que não a poderia fazer com segurança, limitou-se a reduzir a velocidade com a caixa de velocidades mas mesmo assim não conseguiu deixar de embater no veículo IZ que ia em redução de velocidade para sair da auto-estrada. Por sua vez, os ofendidos, para além de terem aludido às circunstâncias de tempo e lugar onde ocorreram os factos e ao pouco trânsito que na altura se verificava, asseveraram que apenas sentiram um embate na parte traseira do seu veículo, embate que reputaram de muito forte por terem partido os bancos da frente do veículo, não se tendo apercebido da circulação de qualquer outro veículo na faixa de rodagem situada à sua esquerda. Também os militares da GNR, porque não presenciaram o acidente, apenas puderam verbalizar as percepções que então recolheram dos vestígios deixados e do que lhes foi comunicado pelos envolvidos. E daí a plausibilidade, de acordo com as regras da experiência, das conclusões tiradas na sentença e, afinal, facultadas pelas declarações do próprio recorrente na audiência, de que o mesmo conduzia o seu veículo muito próximo do veículo IZ porque – é o que mais releva – tinha projectado efectuar a ultrapassagem deste, não obstante se ter apercebido da circulação, na sua retaguarda, de um outro veículo, e, quando se preparava para o fazer, tendo olhado através do espelho retrovisor, verificou que o veículo à sua retaguarda se aproximara mais depressa do que anteriormente calculara, pelo que desistiu de concretizar a ultrapassagem, mas, quando tal sucedeu, não conseguiu evitar o embate contra o veículo IZ porque se apercebeu que este estava já a muito curta distância do por ele conduzido, dado ter, entretanto, diminuído a velocidade a que seguia. Como qualquer normal condutor sabe, a condução, em geral, e a velocidade, em especial, têm de se adequar às circunstâncias da via, devendo guardar-se a distância necessária ao veículo precedente. Ora, a algumas centenas de metros do local em que circulavam os veículos que vieram a colidir havia uma saída da auto estrada – segundo um dos militares da GNR, o embate ocorreu a cerca 200 metros dessa saída – pelo que, nesse concreto circunstancialismo, qualquer normal condutor – e, ainda mais, o recorrente, que é motorista profissional – poderia e deveria prever a redução da velocidade imprimida ao veículo IZ. Estas conclusões, por demais evidentes e sobejamente justificadas em face das regras de experiência comum e da normalidade da vida, são, no essencial, também assinaladas na decisão recorrida, crê-se, sem margem para reparo. Efectivamente, se não fosse a inferida distracção, o recorrente não teria embatido no IZ, a menos que este se tivesse despistado ou tivesse ocorrido qualquer outra circunstância de que não há evidência. E depoimentos prestados pelos ofendidos não permitem que se extrai uma diferente ilação. Assim, em função da prova produzida, nada há a apontar à decisão do tribunal recorrido – que, aliás, albergou a versão do arguido/recorrente, quando à manobra de ultrapassagem tentada, extraindo devidamente as ilações de que o acidente de viação ocorreu em virtude de aquele não conduzir com a atenção e os cuidados que lhe eram exigíveis, nomeadamente adoptando uma velocidade e uma distância que lhe permitisse parar o veículo com segurança, por forma a evitar a colisão com outros veículos –, designadamente, à circunstância de não se ter concluído, como agora pretenderia o recorrente, que a redução da distância de segurança entre o veículo por si tripulado e o veículo da frente se ficou a dever à abrupta redução da velocidade deste último. Em boa verdade, deve assinalar-se que o arguido, com as declarações que prestou em audiência, frustrou o desiderato que almejou em sede de recurso, pois delas resulta que não foi capaz de evitar a colisão com o veículo IZ – o que afirmou, por diversas vezes – e que este, à aproximação da saída, reduzira gradualmente de velocidade – como o mesmo também referiu. Assim, a Sra. Juíza, e bem, por apelo, quer às regras da experiência, quer a presunções judiciais [art 349º C. Civil], extraiu ilações de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos. Com resulta expressamente da motivação da decisão de facto, quanto à dinâmica do acidente, a Senhora Juíza atendeu essencialmente às declarações prestadas pelo arguido, por as mesmas lhe terem parecido lógicas e conformes com a realidade. Assim, os enunciados elementos, devidamente ponderados segundo as regras da lógica e da experiência comum, permitem que se retire a conclusão de que o recorrente, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos, com a sua conduta descuidada, colocou em risco os demais utentes daquela via de trânsito e em concreto causou as lesões da integridade física dos dois ofendidos, tendo a obrigação e a capacidade individual de evitar esse resultado. Com efeito, da conjugação de tais elementos probatórios ressalta uma imagem lógica do que realmente aconteceu, sem que subsistam dúvidas de que o recorrente, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, cometeu os factos tidos por provados. É o que também resulta da motivação, acima transcrita, da decisão sobre os factos constantes da sentença recorrida, em que a Senhora Juíza indicou cabalmente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreu e obtiveram credibilidade no seu espírito. Para tanto, não se limitando a indicar os concretos meios de prova geradores do seu convencimento, revelou as razões pelas quais, apoiando-se nas regras de experiência comum, adquiriu, com apoio na imediação e na oralidade da produção de tais meios, a convicção sobre a realidade dos factos. Dito por outras palavras, a Senhora Juíza fez um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efectuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeu em detrimento de outros. De facto, não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais. E, conforme já exposto, a este Tribunal de recurso também não restaram dúvida da prática pelo arguido dos factos nos termos em que foram dados como provados. Consequentemente, também nós concluímos que foi acertada a avaliação feita em 1ª instância da prova produzida em audiência. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as expostas ilações quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugnou o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso. Assim, perante a prova produzida, pensamos que não se detecta qualquer pontual e concreto erro de julgamento ou patente irrazoabilidade na convicção probatória formada pelo julgador (com imediação (10)). Por conseguinte, nenhuma censura merece a decisão recorrida, não se vislumbrando a violação de qualquer preceito legal, nomeadamente o art. 127º do CPP, improcedendo na sua totalidade a impugnação da matéria de facto. 2.1. A tipicidade do crime de ofensa à integridade física por negligência. O recurso, para além de ter visado o reexame da matéria de facto, tem ainda como escopo o reexame da matéria de direito limitada à absolvição do recorrente pelos crimes de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelos arts. 13º, 15º, alínea b) e 148º do C. Penal. Não obstante, o já expendido em sede de apuramento da matéria de facto, impõe-se, ainda que muito sinteticamente, acrescentar algumas considerações neste plano do enquadramento jurídico dos factos. Comete o crime de ofensa à integridade física negligente quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa (11). O tipo complexo de ofensa negligente exige um resultado lesivo. Dispõe o art. 15º C. Penal que age com negligência quem «não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado». Da noção legal resultante desse preceito legal ressalta a ideia de que a negligência é a omissão de um dever objectivo de cuidado, adequado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, a evitar um evento lesivo: o «não proceder com cuidado. Tal dever de cuidado, que pode ser violado por acção ou omissão, manifesta-se em duas vertentes: (i) o cuidado interno, enquanto dever de representar ou prever o perigo para o bem jurídico tutelado pela norma jurídica e de valorar esse perigo; (ii) o cuidado externo, enquanto dever de praticar um comportamento externo correcto, com vista a evitar a produção do resultado. O cuidado externo desdobra-se em três exigências principais, a saber: (i) o dever de omitir acções perigosas; (ii) o dever de actuar prudentemente em situações perigosas; (iii) o dever de preparação e informação prévia. Afirmada a lesão do dever objectivo de cuidado cumpre, depois, verificar se o resultado típico pode objectivamente ser imputado à conduta descuidada do agente. O resultado produzido, lesão (dano/violação) dos bens protegidos, deve encontrar-se numa relação tal com a acção violadora do cuidado que se permita afirmar que aquele tem como causa esta última. Questão delicada é, então, a de saber quando pode afirmar-se tal nexo. Exige-se desde logo um nexo de causalidade natural. O resultado tem de ter como sua causa natural a acção. Acresce, depois, a exigência de que tenha sido precisamente a acção violadora do dever de cuidado, de entre as várias condições que concorreram para que o evento se desse, aquela causa específica que produziu o resultado. É o designado nexo de causalidade adequada. «A imputação objectiva do resultado implica causalidade conforme às leis científico-naturais, previsibilidade objectiva, de acordo com um critério de “causalidade adequada” (art. 10º do Código Penal) e concretização do risco proibido criado, potenciado ou não diminuído no resultado» (12). Como é sabido, uma acção será adequada para produzir um resultado (causalidade adequada) quando uma pessoa normal, colocada na mesma situação do agente, tivesse podido prever que, em circunstâncias correntes, tal resultado se produziria inevitavelmente (“prognóstico posterior objectivo”). Isto significa que só será objectivamente imputável um resultado causado por parte de uma acção humana quando a mesma acção tenha criado um perigo juridicamente desaprovado que se realizou num resultado típico (imputação objectiva do resultado à acção) (13). Não basta a existência de nexo causal, é necessário que o resultado seja objectivamente previsível. Só é causa a condição que, em abstracto e de acordo com a experiência geral, é idónea a produzir o resultado típico. Quanto à culpa, o juízo de censurabilidade depende da capacidade pessoal do agente de reconhecer e observar o dever de cuidado e de prever o resultado e o concreto processo causal. Esta capacidade é apreciada subjectivamente, isto é, em função das faculdades ou qualidades que ao agente assistem. Não pode censurar-se ao agente a violação do dever de cuidado objectivamente imposto quando esse mesmo agente tem uma capacidade individual inferior à do homem médio. Neste sentido, refere Eduardo Correia «é ainda necessário que o agente possa ou seja capaz segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidades pessoais de prever ou de prever correctamente a realização do tipo legal de crime» – Direito Criminal, I, pág. 444. No caso, ressuma do que se apurou que o arguido/recorrente ao desistir de concretizar uma manobra de ultrapassagem ao veículo IZ que projectara fazer, não conseguiu travar ou abrandar a sua marcha e embateu neste, que o precedia e em que circulavam os ofendidos, causando-les as lesões descritas nos factos provados. Mais se provou que tinha a capacidade individual de evitar esse resultado, que não representou. Os factos ocorreram, pois, no âmbito da circulação rodoviária. A condução é uma actividade perigosa que a vida moderna consente por entender que a sua permissão é mais útil que a sua proibição. Porém, com vista a atenuar os riscos que lhe são inerentes, exige-se aos condutores a observância de determinadas regras de cuidado. Ora, ao proceder do modo descrito, o arguido violou o dever de cuidado geral que se lhe impunha de manter a distância suficiente entre o seu veículo e o que o precedia para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste e de adequar a velocidade ao concreto circunstancialismo, em violação das normas do art. 18º, nº 1 e 24º, nº 1 do C. da Estrada. Vale isto por dizer que o arguido não agiu com o cuidado que lhe era imposto na circulação do seu veículo rodoviário. Incontroversa é ainda a existência do resultado, a ofensa da integridade física dos ofendidos. Acresce que face à matéria de facto dada como provada as lesões sofridas pelos ofendidos foram consequência directa da conduta do arguido e esta foi a causa, objectivamente, adequada da verificação desse resultado. Finalmente, a análise da conduta do arguido permite afirmar, sem necessidade de maiores considerandos, que se o mesmo tivesse actuado conforme o dever de cuidado que lhe era exigido o resultado não teria ocorrido – nas condições supra referidas pode afirmar-se com segurança que se o arguido guardasse a distância devida do veículo que o precedia, não teria ocorrido o embate. Importa, a título de conclusão, referir que o arguido – ao tempo, motorista de profissão – sabia que devia obedecer às regras de circulação estradal imposta pelo dever geral de cuidado. Era manifesto que a estrada não estava isenta de obstáculos. Em conclusão, e em face de todo o exposto, encontram-se verificados todos os elementos que, em concreto, permitem afirmar o conteúdo do juízo de culpabilidade próprio da negligência relativamente ao arguido e fundamentar a respectiva punição. Visto que o arguido não previu como possível de, naquelas circunstâncias, colidir com o veículo dos ofendidos, provocando, desse modo, lesões na sua integridade física, foi inconsciente a negligência com que actuou. Assim, dúvidas não existem de que se encontram preenchidos todos os requisitos do crime em apreciação. 2.2 A unidade ou pluralidade de infracções. O arguido/recorrente também se insurge contra o facto de ter sido condenado como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, dizendo que apenas está em causa uma única conduta. A Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta partilha da mesma opinião como se infere do douto parecer. Sobre a questão da unidade ou pluralidade de crimes em caso de actuação negligente, nomeadamente em situações de acidentes de viação em que, na sequência da unidade de conduta negligente, resultam várias mortes e/ou feridos, desenharam-se na jurisprudência três correntes diferentes enunciadas e sintetizadas muito lucidamente no acórdão desta Relação de 19/10/2009 (P. 307/05.OTAGMR.G1): «1. A primeira, considera que existe sempre concurso ideal ou aparente nos crimes negligentes, por entender que a conduta censurada – violação de dever de cuidado – corresponde a um só acto – omissivo – de vontade, em relação ao qual as consequências plúrimas não são previstas e não se deviam prever. Então, o juízo de censura não pode ultrapassar a unidade, relevando a pluralidade de vítimas apenas em sede de medida da pena, aumentando o grau de ilicitude do facto. Sufraga essa posição o Ac. do STJ de 17/12/97 (P. 97P119, relator Leonardo Dias, www.dgsi.pt). 2. A segunda, considera que o agente comete tantos crimes negligentes quantos os resultados que previu e injustificadamente confiou que não se produziriam. Nessa posição, a censura penal é alargada à verificação de um elo de ligação do resultado ao agente, enquanto elemento da culpa, através da efectiva previsão das consequências da violação do dever de cuidado. Mas, inerentemente, considera-se que o concurso efectivo apenas tem lugar quando estamos perante negligência consciente, existindo sempre concurso aparente nas situações de negligência inconsciente Posicionam-se nessa corrente os Acs. do STJ de de 21/07/98, Proc. 97P1095, relator Cons. Martins Ramires, www.dgsi.pt, de 14/03/90, CJ, tomo II, pág. 11, de 28/10/97, CJ, STJ, tomo III, pág. 212, de 21/01/98, CJ, STJ, tomo I, pág. 173, de 08/07/98, CJ, STJ, tomo II, pág. 237, de 21/09/2005, STJ, tomo II, pág. 167, desta Relação de Guimarães de 19/01/2009, Pº 2223/08.1, relator Des. Nazaré Saraiva, www.dgsi.pt, da Relação do Porto de 07/02/79, CJ, tomo I, pág. 295, de 20/07/80, CJ, tomo IV, pg. 234, de 2/02/94, CJ, tomo I, pág. 256, e de 28/03/2001, CJ, tomo II, 215, da Relação de Coimbra de 15/04/86, CJ, tomo II, pág. 77, de 02/03/88, Tomo II, pág. 78, de 14/12/88, CJ, tomo V, pág. 99, encontrando-se nessas decisões referência a muitas outras. 3. A terceira, é também aquela que recolhe a adesão maioritária da jurisprudência e doutrina mais recentes. Considera que, mesmo nos casos de negligência inconsciente, encontra-se nos tipos penais negligentes de homicídio e de ofensa à integridade física um desvalor do resultado, pelo que sempre cumpre determinar se a conduta do agente tinha ou não a virtualidade de produzir os eventos efectivamente verificados e, se tiver, então a conduta é passível de tantos juízos de censura quantas as lesões jurídicas que o agente devia ter previsto que se produziriam e, efectivamente, se produziram como consequência directa e adequada da sua falta de cuidado Neste sentido, encontram-se os Acs. do STJ de 11/11/98, Pº 98P891, relator Cons. Leonardo Dias, 22/02/2002, Pº 02P2104, relator Cons. Armando Leandro de 22/11/2007, Pº 05P3638, relator Cons. Arménio Sottomayor, todos em www.dgsi.pt, da Relação de Coimbra de 29/03/2000, tomo II, pág. 48, da Relação do Porto de 10/04/2002, CJ, tomo II, pág. 236, da Relação de Évora de 24/06/2003, CJ, tomo II, pág. 267 e de 24/06/2003. CJ, tomo III, pág. 267 e de 18/11/2008, Pº 1115/08-1, Relator António Latas, já referido na nota 26. Na doutrina, Pedro Caeiro e Cláudia Santos, RPCC, ano 6º, I, pág. 127 e segs, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, vol. 1, pág. 114. Também Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, 1983, págs. 109-110 toma posição nesse sentido.». Este aresto acabou por considerar mais correcta e conforme com o actual programa político criminal, esta última posição, por apelo ao ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, tendo concluído: « Temos, então, como curial considerar que, porque o conteúdo material de culpa presente no delito negligente de resultado não se esgota na violação do dever objectivo de cuidado, a «pluralidade de sentidos sociais de ilicitude» impõe o concurso efectivo nos tipos que protegem bens de carácter eminentemente pessoal, como é o caso dos tipos penais que protegem a integridade física, sempre que haja pluralidade das vítimas.». Também no sentido da pluralidade de infracções pronunciaram-se Pedro Caeiro e Cláudia Santos (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6, nº 1, p. 133). Estes autores, considerando que a produção do resultado é um elemento do tipo relevante para o preenchimento do crime material de homicídio por negligência, entendem que «não é possível conceber o desvalor da acção sem ser por referência a um desvalor de resultado». Para os mesmos, decisivo da unidade ou pluralidade de crimes não parece poder ser a unidade ou pluralidade de acções em si mesmas consideradas, mas a unidade ou pluralidade de tipos legais de crime violados pela conduta de um mesmo agente e submetidos, num mesmo processo penal, à cognição do tribunal. Ainda em defesa deste entendimento, [Reis Bravo, “Negligência, unidade de conduta e pluralidade de eventos”, in Revista do Ministério Público, n.º 71, 1997, pág. 97. O STJ seguiu este entendimento no Ac. de 7/10/1998, proc. 131/98 - 3.ª Secção, RMP, 76, ps. 151 e ss., desviando-se do entendimento então quase unânime na jurisprudência, ao condenar um arguido pela prática, na forma consumada e em concurso ideal, de oito crimes de homicídio por negligência. Na sequência, também a RC, no Ac. de 29-03-2000 (CJ, XXV, t. 2. ps. 48 e ss.) afirmou que a acção (dolosa ou negligente) e o resultado integram uma unidade. O resultado «não é irrelevante nem sequer de verificação aleatória ou casual, assentando a sua imputação ao agente na adequação causal da conduta violadora do dever de cuidado que, nos crimes negligentes, impende sobre o agente. Na negligência inconsciente não existe um único tipo de ilícito de resultados múltiplos e, consequentemente, se o agente que com uma só acção realiza diversos tipos legais ou diversas vezes o mesmo tipo legal de crime, independentemente de agir com dolo ou negligência, seja esta consciente ou inconsciente, comete tantos crimes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado». Actualmente, a jurisprudência dos tribunais da Relação, acolhem maioritariamente esta posição como são demonstrativos os acórdãos de 16/07/2008, proc. n.º 46/04. 0GTLRA.C1; de 09/12/2015, proc. n.º11339/12.2TDPRT.P; de 16/10/2013 proc. 12/10.6GNPRT.P1; de 15/04/2009, proc. 0847403; de 13/12/2006, proc. JTRP00039843; de 14/09/2007, proc. 2274/2007-5; de 24/06/2015, proc. 80/12.6GTCBR.C1; de 19/10/2010, proc. 195/07.2GTCTB.C1; de 23/11/2005, proc. 2398/050; de 4/ 06/2008, proc. 591/05.0TACBR e de 21/01/2013, proc. 515/09.5GCVRM. Este entendimento encontra arrimo no art. 30º do C. Penal que, sob a epígrafe «concurso de crimes e crime continuado», diz, no seu número 1, que «o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente», estabelecendo, aparentemente, uma equiparação entre os casos de negligência consciente ou inconsciente. No citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/1998 pode ler-se que «qualquer tipo de concurso ideal – homogéneo ou heterogéneo, doloso ou negligente – se integra na previsão do art. 30.º, n.º 1 do C. Penal, o que significa que o agente que, com uma só acção, realiza diversos tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo legal de crime, independentemente de agir com dolo ou negligência (consciente ou inconsciente), comete tantos crimes quantos os tipos preenchidos ou o número de vezes que o mesmo tipo foi realizado, a punir nos termos do art. 77.º do mesmo código». O Prof. Figueiredo Dias [in Direito Penal..., págs. 1009-1010.] partilha do mesmo entendimento, quando escreve «Esta ideia da pluralidade de eventos típicos ligados a uma pluralidade de vítimas, se é importante em caso de concurso de crimes dolosos, assume particular relevo no concurso de crimes negligentes, trate-se de negligência consciente ou inconsciente, trate-se de concurso homogéneo ou heterogéneo. Uma doutrina muito difundida sustenta que nos crimes negligentes deve concluir-se pela unidade do facto, ainda que este contenha uma pluralidade de resultados (e de vítimas), sempre que aquele seja consequência de uma única acção: ou porque o resultado, nos crimes negligentes, não constituiria senão uma condição objectiva de punibilidade, na impossibilidade de se recorrer aqui à unidade ou pluralidade do processo resolutivo (processo que, nos crimes negligentes, a ter existido, não pode relacionar-se tipicamente com o resultado), o agente seria, nestes casos, passível de um único juízo de culpa; ou – e essencialmente – porque à unidade de acção corresponderia a unidade da violação do dever objectivo de cuidado.». Este não é, todavia, o entendimento dominante da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nem aquele que perfilhamos. Com efeito, a análise da questão tem de partir do pressuposto de que, não obstante o resultado adequadamente imputado à conduta negligente do agente corresponder à morte ou ofensa de mais do que uma pessoa, o homicídio ou ofensa negligente tem como fonte um único «desvalor de acção», que é constituído pela violação do dever objectivo de cuidado. Nesta ordem de ideias, trilhando o raciocínio que perdura no Supremo Tribunal de Justiça, a produção das lesões sofridas pelo bem jurídico tutelado, não obstante serem múltiplas, não se podem enquadrar na direcção de vontade do agente. Como se afirma no acórdão do STJ de 13-07-2011 (P. 1659/07.3GTABF.S1 relator Conselheiro Henriques Gaspar), mencionado pela Sra. Procuradora Geral Adjunta: «Os fundamentos e a metodologia da argumentação e construção das decisões, com referência consistente ao precedente como factor de estabilidade da jurisprudência, têm sido, com uma ou outra especificidade, a natureza (e a consequente unidade) do juízo de censura nos crimes negligentes e a qualificação do concurso como concurso ideal». Esse entendimento vem assim sintetizado nesse aresto: «Não obstante alguma reconfiguração nas doutrinas tradicionais sobre o concurso real, que tem sido fundamentada numa leitura do art. 30.º, n.º 1, do CP, a moderna construção da doutrina do crime com a concepção do tipo total, objectivo e subjectivo, pressupõe na pluralidade de crimes sempre a existência de vários juízos de censura para a pluralidade de resultados, seja nos crimes dolosos seja nos crimes negligentes de resultado. O preenchimento efectivo de um tipo de crime, na totalidade dos respectivos elementos constitutivos e integradores, pressupõe a acção típica, com o resultado nos crimes de resultado, a imputação ao agente e o juízo de censura; o juízo de censura não pode ser independente do resultado e tem de ser referido ao resultado e no resultado concreto nos crimes de resultado. Esta formulação e esta construção, típicas e próprias dos crimes dolosos, não se estendem ou podem ser aplicadas, tal qual, aos crimes negligentes, em que o juízo de censura é unitário e apenas pode ser formulado em relação à concreta violação do dever objectivo de cuidado ou à omissão do cuidado devido em concreto pelo agente. Nos crimes negligentes de resultado plural não podem ser dirigidos vários juízos de censura relativamente à mesma e única acção negligente, que consista numa única violação do dever de cuidado. Não existindo possibilidade de formular uma pluralidade de juízos de censura, não está configurada uma pluralidade de crimes. De outro modo, nos crimes negligentes produzir-se-ia um corte na construção da doutrina do crime, com tratamento dogmaticamente diferenciado em relação aos crimes dolosos, até com maiores exigências ao nível do juízo de censura nos crimes negligentes do que nos crimes dolosos. Entendimento diverso, que, no rigor, faria reverter a negligência e dolo a uma (total) «comunidade dogmática», não estará, apesar da actualização funcional da negligência como categoria penal nas sociedades de risco e da exigência da ética do cuidado e do princípio da precaução, suficientemente densificado e com suporte consensual bastante para servir de fundamento a uma reconfiguração jurisprudencial. É pela unidade de acção constituída apenas pela unidade de violação do dever de cuidado que é objecto do juízo de censura, que se determina a unidade do juízo de censura; havendo unidade (um único juízo de censura) não poderá haver nas acções negligentes mais do que o preenchimento de um único tipo subjectivo e objectivo. Nestes termos, à violação do dever de cuidado no exercício da condução automóvel está unicamente associada, pela cognoscibilidade geral decorrente das regras da experiência e da vida, e das exigências decorrentes da ponderação do cuidado devido, a possibilidade de ocorrer a morte ou lesões de outra pessoa. Todavia, não podendo ser, e não sendo, em concreto, representados os resultados, o juízo de censura, dirigido unicamente à violação do dever de cuidado, não se projecta em relação a todos os resultados.». Assim, não sendo o resultado previsto, considera-se não ser possível formular vários juízos de censura pelo único comportamento negligente adoptado. A culpa deve resumir-se a uma resolução conducente a tal comportamento negligente, independentemente de serem violados diferentes tipos legais ou várias vezes o mesmo tipo de ilícito criminal. Nesta medida, este entendimento apresenta-se como sendo o que melhor se coaduna com o princípio de que a pena terá sempre como limite a medida da culpa. Na senda de Welzel, pode dizer-se que o substrato da ilicitude do crime por negligência não reside no resultado causado, mas na conduta incorrecta. Neste sentido, há espaço para a formulação de um único juízo de censura por cada conduta que viole o dever objectivo de cuidado, não tendo a pluralidade de eventos a virtualidade de desdobrar as infracções. Quando de um único facto resultar a ofensa de vários interesses jurídicos ou do mesmo interesse jurídico repetidamente e se a esta equivalerem outros tantos juízos de censura, cumpre-se o concurso efectivo de crimes – real ou ideal. Sendo que a determinação do concurso efectivo requer que à pluralidade de bens jurídicos violados se associe a multiplicidade de juízos de censura, porquanto o número de juízos de censura é igual ao número de decisões de vontade do agente dos crimes. Uma só resolução, um só acto de vontade, é insusceptível de provocar vários juízos de censura. Por outras palavras, a teoria da unidade do facto punível sustenta-se na ideia de que a acção negligente, se inconsciente, só preenche um tipo de ilícito, sendo acertado formular apenas um juízo de censura por cada comportamento negligente. Neste sentido, Maia Gonçalves esclarece: «Resultando de um mesmo comportamento de quem age com negligência inconsciente a morte de várias pessoas, entendemos que se verifica um só crime de homicídio por negligência, pois que neste caso, em vista de o resultado não ter sido sequer previsto, não é possível formular vários juízos de culpa». A defesa da unidade criminosa leva, ainda, alguns autores a questionarem se a produção do resultado será um elemento constitutivo do ilícito típico ou mera condição objectiva de punibilidade. Ora, esta é uma pergunta suscitada por criminologistas que, neste âmbito, apoiam teses diferentes e, portanto, acabam por oferecer respostas opostas. Veja-se Pedro Caeiro e Cláudia Santos (loc. cit.) que, em sede de reflexão crítica sobre o Ac. da RC de 6/04/1995, escrevem: «Importa ponderar se o resultado constitui, nos crimes materiais negligentes, uma simples condição objectiva de punibilidade. E parece-nos que a resposta não pode deixar de ser negativa» pois «não é possível conceber o desvalor da acção sem ser por referência a um desvalor de resultado». Em sentido contrário, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a reafirmar que nas acções negligentes, a multiplicidade de resultados não se traduz em pluralidade crimes. A título de exemplo, no Ac. de 29/10/1997 (CJSTS, tomo III), o STJ corroborou a existência de uma só resolução e, portanto, de um único delito, afastando a aplicação do disposto no art. 30.º do Código Penal. Apresentou como solução possível a interpretação restritiva deste preceito, afastando da sua previsão a negligência inconsciente. O entendimento pluralista tenta expandir as formulações e as construções dogmáticas típicas dos crimes de dolo ao ilícito negligente, que, de essência, se demarca do ilícito doloso, até com maiores exigências ao nível do juízo de censura. Nos crimes praticados negligentemente o juízo de censura é unitário e apenas pode ser formulado relativamente à concreta violação do dever objectivo de cuidado ou à omissão do cuidado devido em concreto pelo agente. De acordo com Faria Costa [“O Perigo em Direito Penal”, Coimbra, 1995, ps. 495 e ss.], nas acções negligentes «o agente em caso algum quer o facto»; «o agente, quando viola o dever de cuidado, não pode controlar, em termos de cognoscibilidade, os resultados, porque, precisamente, desde logo, não os quis». O Autor entende que a estrutura normativa complexa que é o tipo legal negligente, primordialmente no que às acções negligentes de resultado danoso diz respeito, se traduz em duas realidades normativas. Se, de um lado, encontramos a definição de condutas e resultados proibidos de realização não vinculada, do outro, temos a convicção da necessária violação de um dever objectivo de cuidado. O desrespeito do dever objectivo de cuidado introduz a conduta no âmbito da responsabilidade, possibilitando que, em seguida, se avalie do seu conteúdo antijurídico. «Nas acções negligentes temos o facto e em caso algum podemos sustentar, é lícito dizer-se que ele pode ser, em princípio e de imediato, imputado objectivamente ao agente. Por isso nas acções negligentes a tarefa prioritária para uma hermenêutica empenhada na aplicação do direito justo está em arranjar critérios que filtrem e seleccionem as possibilidades de aquele facto poder ser imputado àquele agente». Ora, tendo em conta estas considerações, à luz da factualidade dada como provada conclui-se que o arguido no exercício da condução que imprimiu ao veículo, violou o dever objectivo de cuidado, mas, não tendo sequer representado o resultado, apesar de ter a capacidade individual de o evitar, não poderia ter previsto que no interior do veículo ligeiro de passageiros se encontrava mais do que um ocupante. Como tal, o arguido apenas pode ser condenado pela prática de um único crime de ofensa corporal por negligência, p. e p. pelo art. 148º, n.º 1, do C. Penal, embora sem deixar de se atender ao concreto resultado adveniente da sua conduta, ou seja, a ofensa corporal de duas pessoas, quanto à repercussão daquele resultado na ilicitude. O crime de ofensa à integridade física simples, previsto pelo art. 148.º do Código Penal, é punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. Prescreve o art. 70º do C. Penal que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», de onde decorre que deverá ser privilegiada a aplicação da pena não detentiva, desde que a mesma proteja adequadamente o bem jurídico protegido com a incriminação e promova a reintegração social do agente. No caso em apreço, a ausência de condenações anteriores, faz concluir que a pena de multa acautela e satisfaz adequadamente as exigências de prevenção geral e especial. Das disposições contidas nos arts. 47º, nº 1 e 71º, nº 1 do C. Penal, resulta que para efeitos de determinação da medida concreta da pena de multa, o tribunal deverá ponderar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, considerando-se para esse efeito as exigências de prevenção e a culpa do agente e, nomeadamente, as circunstâncias enumeradas no nº 2 do referido art. 71º. Assim, não poderá deixar de considerar-se a forma como foram cometidas as lesões, o contexto em que as mesmas aconteceram, as consequências que derivaram dessa única conduta e as elevadíssimas exigências de prevenção geral, face à taxa de sinistralidade rodoviária que continua a verificar-se. É ainda de considerar a ausência de antecedentes criminais e que o arguido se mostrar social, familiar e profissionalmente integrado. Deste modo entende-se adequado e suficiente aplicar-lhe a pena de 60 dias de multa. O quantitativo diário será fixado tendo em consideração a situação económica do arguido, considerando-se no caso adequado firmá-lo em € 5. A pena agora imposta não transborda os limites da pena única aplicada ao recorrente em 1ª instância. 3. A pena acessória. O arguido/recorrente, nas conclusões 71 a 93 da sua motivação, tece várias considerações acerca da pena acessória de inibição de conduzir veículos automóveis que lhe foi aplicada, solicitando, em primeira linha, que a mesma seja declarada nula por violação dos arts. 65°, nº 1, do C. Penal e 30°, nº 4, da CRP, por ter como efeito, segundo alega, a perda do seu direito profissional e, para o caso de assim não se entender, deverá a mesma pena ser suspensa na sua execução ou em última análise ser reduzida para o seu limite mínimo. Atentemos, então, na medida da pena acessória, que o recorrente considera excessiva e violadora, como invoca, de princípios constitucionais, pugnando pela sua nulidade. Dispõe o nº 1, do art. 69º do C. Penal que «é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º». Como a própria designação indica, trata-se de uma pena acessória que só pode ser decretada conjuntamente com uma pena principal ou com uma pena de substituição. Esta pena acessória encontra o seu fundamento na perigosidade que a conduta imprudente do agente (condutor) revele e destina-se a actuar psicologicamente sobre ele, visando influir preventivamente na sua conduta futura, mediante a privação temporária da condução de veículos, tendo, embora não principalmente, uma função preventiva adjuvante da pena principal e, tal como acontece em relação a esta, subjaz-lhe um juízo de censura global pelo crime praticado, daí que para a sua concreta determinação se imponha também o recurso aos critérios estabelecidos no art. 71º do C. Penal, sendo que a prevenção geral, a acautelar, com a aplicação da pena acessória, terá de ser uma prevenção negativa ou de intimidação. Conforme vem sendo salientado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, na esteira do entendimento do Prof. Figueiredo Dias, visa a pena acessória prevenir a perigosidade do agente, sem se poder descurar as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, correspondentes a uma necessidade de política criminal, que se prende com a elevada taxa de sinistralidade que se regista em Portugal. Trata-se de uma censura adicional pelo facto que é praticado. Realmente, nos delitos de tráfego automóvel, à pena acessória de proibição de conduzir é, muitas vezes, associado um efeito mais penalizante do que à pena principal, de multa (que os infractores pagam sem grande inconformismos), ou de prisão suspensa na sua execução (que é vista até como menos onerosa que aquela). Daí que a pena acessória seja encarada como um importante instrumento para restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida com o cometimento de crimes no exercício da condução automóvel. O tribunal recorrido na determinação da medida da pena acessória, remeteu para os critérios que presidiram à fixação da medida da pena principal e dentro da moldura abstracta de 3 meses a 3 anos, fixou-a no seu limite mínimo para cada dos respectivos crimes e na operação de cúmulo jurídico na pena de 4 meses e 15 dias. Verifica-se, pois, que as penas acessórias fixadas, muito embora sejam sanções dependentes da aplicação da pena principal, uma vez que esta é condição necessária daquela, não decorreram directa e imediatamente da aplicação desta, no sentido de que não são seu efeito automático. Assim, como resulta do supra exposto, a pena acessória não foi fixada de forma automática, teve a mediação do julgador. Por outro lado, também não se vislumbra, a violação de qualquer preceito, nomeadamente o do art. 30º, nº 4 da CRP, pois, conforme têm vindo a decidir os nossos tribunais, nomeadamente o Constitucional, que já se pronunciou diversas vezes sobre a conformidade à Constituição de normas que prevêem a medida de inibição de conduzir em caso de condenação por infracção às regras relativas à condução de veículos motorizados, tendo apreciado, concretamente, a sua alegada aplicação sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito adicional (ver, entre outros o acórdão n.º 53/97 (in ATC, 36.º vol., pág. 227) e acórdãos nºs 149/01, 586/04 e 79/09 (acessíveis na Internet em www.tribunalconstitucional.pt). Em decorrência do que se decidiu quanto ao número de crimes praticados pelo recorrente, impõe-se que nos debrucemos sobre a concreta medida da pena acessória. Para tal desiderato, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C. Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente. Em consonância com o estipulado no nº 1 do já mencionado art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2, do mesmo Código. Na determinação concreta da pena acessória há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, nº 2, do Código Penal). Dito por outras palavras, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens – mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite. No caso vertente, importa, desde logo, referir, que o recorrente, com a sua conduta, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade, como é a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física. Realmente, não pode o Tribunal descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária – o que surge espelhado nas estatísticas da sinistralidade rodoviária – sendo premente a protecção dos bens jurídicos em causa através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora. Existe cada vez mais a necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária. Assim, a par das elevadas exigências de prevenção geral e das particulares garantias de que o Estado procura fazer revestir a circulação rodoviária, também não podemos esquecer que o recorrente é motorista profissional, impunha-se-lhe, por isso, um maior cuidado e zelo no exercício da condução automóvel, o grau de perigo criado com essa conduta as consequências advindas desta. Mas, por outro lado, o arguido não representou os factos integradores do tipo de ilícito, e as exigências de prevenção especial também não são elevadas, desde logo, e muito relevantemente, porque não tem antecedentes criminais e encontra-se bem inserido social e profissionalmente. Ora, perante o conjunto dos factos apurados quanto à pessoa do recorrente, para o qual, por razões imediatamente perceptíveis conexas com a profissão que exerce, a pena acessória constituirá um gravame bem mais sentido do que para a generalidade dos cidadãos, entendemos que deve ser fixada uma pena próxima do respectivo limiar mínimo, mostrando-se, por isso tudo, ajustada às particularidades do caso concreto no patamar de três meses e quinze dias de. 3.1. A suspensão da pena acessória. A reforma penal do Código de 95 (operada pelo Dec. Lei nº 48/95 de 15/3), para além de ter introduzido a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nas situações referidas no nº 1 do art. 69º do C. Penal, alterou também o regime da suspensão da execução da pena, limitando-a à pena de prisão, nos termos o art. 50º, nº 1, do mesmo código. Como se colhe imediatamente do teor literal deste último normativo, só é susceptível de suspensão a pena de prisão fixada até ao limite de cinco anos, nunca a pena de multa, nem a pena acessória. O legislador, fundado em razões de política criminal, entendeu excluir da suspensão da execução a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, quando estava em causa o cometimento de um dos crimes referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 69º do Código Penal, atentos os elevados índices de sinistralidade rodoviária. Aliás, com as alterações introduzidas ao Código da Estrada pelo DL 44/05, de 23/2, o legislador até excluiu a possibilidade de suspensão da execução da pena acessória de inibição de conduzir nas contra-ordenações muito grave, limitando-a aos casos de contra-ordenações graves (art. 141º). Assim, considerando à unidade do sistema jurídico, e não obstante a diversa natureza jurídica da pena e da sanção acessória, também seria inconsequente admitir a suspensão da execução da proibição de conduzir aplicada na sequência da prática de um crime, quando essa suspensão não é sequer admissível por contra-ordenação muito grave. Tal entendimento acolhe o apoio da doutrina como se retira do expendido por Germano Marques da Silva, in “Crimes Rodoviários”, Lisboa, 1ª ed., pág. 28, quando escreve «…ainda que a pena principal seja substituída ou suspensa na sua execução, o mesmo não pode suceder relativamente à pena acessória de proibição de conduzir.». No mesmo sentido pronunciaram-se António Casebre Latas, “A pena acessória da proibição de conduzir”, in “Sub Judice”, 17, Jan/Março de 2001, pág. 79-81, Pedro Soares de Albergaria e Pedro Mendes Lima, in “Sub Judice”, 17, Jan/Março de 2001, págs. 68-69. Também Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, Univ. Católica Editora, 2.ª ed., pág. 264, comunga da mesma opinião ao asseverar que «não é admissível a suspensão da pena de proibição de conduzir, nem a sua substituição por caução no processo penal, independentemente do destino da pena principal, uma vez que aquela suspensão e esta substituição só estão previstas no CE no âmbito do direito contra-ordenacional». Pode, pois, concluir-se pela manifesta impossibilidade legal de suspensão da pena acessória de proibição de conduzir, improcedendo, consequentemente a pretensão do requerente. *Decisão: Nos termos expostos, julgando-se o recurso parcialmente procedente, revoga-se, em parte, a decisão recorrida e, por consequência: a) condena-se o arguido P. R., como autor de um só crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos arts. 13º, 15º, b), e 148º do C. Penal, na pena de sessenta (60) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), no montante total de € 300 (trezentos euros) e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três (3) meses e quinze (15) dias; b) mantém-se, no demais, a sentença recorrida. Sem tributação. Guimarães, 9/10/2017 Ausenda Gonçalves Fernando Monterroso (Presidente da Secção) Fátima Furtado Voto vencida, por entender que o agente que com uma só ação realiza diversos tipos legais ou realiza diversas vezes o mesmo tipo de crime contra as pessoas, por negligência consciente ou inconsciente, deve ser punido em concurso efetivo por uma pluralidade de crimes. Neste sentido, decidimos já anteriormente no ac. desta Relação, de 5 de dezembro de 2016, proc. 339/11.0GAAMR.G1, disponível em www.dgsi/jtrg.pt. A determinação da unidade ou pluralidade de crimes tem de assentar nos tipos de crime infringidos pela conduta do agente e não nas ações propriamente ditas, «o que se tem de contar são sentidos da vida jurídico penalmente relevantes que vivem no comportamento global (...) a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente (…), que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta aceção, de crimes (...) uma vez que são individualizáveis tantos sentidos de ilícito quantas as vítimas da lesão do dever objetivo de cuidado tipicamente corporizado em cada um dos resultados ou eventos típicos, verificando-se por consequência, em princípio, um concurso efetivo» (Jorge de Figueiredo Dias – Direito Penal: Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª edição, 2007, p. 988 e 989.) Sempre que estiverem em causa bens jurídicos eminentemente pessoais, a pluralidade de eventos «deve considerar-se sinal seguro da pluralidade de sentidos do ilícito e conduzir à existência de um concurso efetivo (...)» (Jorge de Figueiredo Dias, op. citada, p. 1008), independentemente de estarmos perante negligência consciente ou inconsciente, pois em ambas é possível individualizar um sentido de ilícito em cada uma das vítimas de lesão do dever objetivo de cuidado, tipicamente corporizado em cada um dos eventos típicos. Por outro lado, reportando-se o juízo de censura nos crimes negligentes precisamente à previsibilidade e capacidade de evitar o resultado típico da conduta (negligente), se o agente se encontrava capacitado e com aptidão para prever e evitar a pluralidade de resultados que se vieram efetivamente a produzir, então comete tantos crimes quantos os resultados que previu ou devesse ter previsto. A reprovação do comportamento negligente pode acontecer tantas vezes quantas as lesões jurídicas que o agente devia ter previsto como possíveis e que, realmente, se verificaram. Não excluindo a existência de uma única ação a possibilidade de se formular uma pluralidade de juízos de culpa, sempre que se verifiquem várias lesões jurídicas que sejam imputáveis ao agente responsável pela ação negligente, por poderem ter estado no âmbito da sua previsão. Esta solução é, aliás, também aquela que nos parece mais consentânea de iure constituto, face à redação da norma de referência na matéria, o artigo 30.º do Código Penal, que como já vimos estabelece o critério teleológico no tratamento do concurso de crimes, em que separa as situações de concurso efetivo das de concurso aparente e de crime continuado. Mas não distinguindo para esse efeito o concurso ideal (em que uma só atividade viola várias disposições de lei ou viola várias vezes a mesma disposição) do concurso real (em que diversas ações autónomas violam várias disposições ou várias vezes a mesma disposição penal). E nem se diga que, em termos práticos, esta solução poderá levar a situações em que face à pluralidade de crimes resultantes da mesma ação negligente a pena única a aplicar poderia revelar-se desproporcionada, pois a tal obstam as regras legais de punição do concurso efetivo, segundo as quais a pena única é sempre determinada com ponderação, em conjunto, da globalidade dos factos e da personalidade do agente – cf. artigo 77.º do Código Penal. Por todo o exposto, no caso em apreço manteríamos a condenação do arguido, em concurso efetivo, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência. 1 - O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto. 2 - Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…». 3 - Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar. 4 - Como dizia Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, p. 191. 5 - Rev. Min. Pub. 19º, 40. 6 - Com efeito, como ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Verbo, 1993, pág. 41, «a dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado todo o esforço para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado». Neste sentido se pronuncia, também, a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, como o atestam, v.g., o Ac. da RP, de 21/04/2004, in www.dgsi.pt, no qual se refere: «O princípio “in dubio pro reo” é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Ou seja, e dito de outro modo, quando o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal, e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido. a favor do arguido é consequente do princípio da presunção de inocência». 7 - Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, vol. 2º, 1986, Editora Danúbio, pág. 259. 8 - A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção). Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205. 9 - O provérbio “testis unus testis nullus” não tem, pois, definitiva relevância, apesar de muito ancestral. É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187). 10 - Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre imporia a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação. 11 - O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana, englobando o tipo legal um determinado resultado quer através de ofensas no corpo, quer lesando a saúde. Quando se fala em ofensa no corpo, abrange-se o mau trato através do qual o agente é afectado no seu bem-estar físico. 12 - Ac. Da RE de 10/12/2013 (30/03.0TASTR.E2- Ana Barata Brito). 13 - Jesheck, Tratado de Direito Penal, Parte general, Vol. I, p. 251 e ss.