Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães* 1 – RELATÓRIO C. P., residente na Rua …, concelho de Barcelos, instaurou acção(1) declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Companhia de Seguros A, S.A., com sede na Rua …, Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 23.955,18 acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento. Para sustentar o pedido, o autor alega, em síntese, que: - Ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula QG, do qual é proprietário e que era conduzido por sua filha e o veículo ligeiro com a matrícula LN, do qual é proprietário A. R. e que era conduzido por G. R.. - O acidente deu-se porque o veículo com a matrícula LN, invadiu a faixa de rodagem onde seguia o veículo com a matrícula QG, quando seguia a uma velocidade superior a 80 km/h, tendo o embate ocorrido sem que o condutor reduzisse a velocidade, pelo que o dito embate foi violento. - Acresce que o condutor do veículo com a matrícula LN conduzia sob efeito do álcool, pelo que não se encontrava na posse plena das suas capacidades físicas e psíquicas. - Como consequência do embate, o veículo do A. sofreu vários danos, cuja reparação foi orçada em €13.540,80 a que acresce IVA, sendo que o mesmo ainda não foi reparado, por o A. não ter possibilidades para o fazer. - O veículo tinha o valor de €12.000,00 e estava em muito bom estado de conservação. - O A. ficou privado do uso do dito veículo, pelo que deve ser indemnizado em € 20,00 por cada dia de privação do uso, desde o acidente. - O ligeiro com a matrícula LN tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação transferida para a R., pelo que é esta a responsável pela reparação dos danos ao A. A R. foi válida e regularmente citada e veio contestar nos termos de fls. 30, onde aceita parte da factualidade, mas impugna a factualidade relativa à imputação da culpa pelo acidente ao condutor seguro na R. Defende a R. que o acidente se ficou a dever a ambos os condutores, pois que ambos seguiam em excesso de velocidade e distraídos, pelo que não conseguiram desviar-se a tempo de evitar o embate. Mais defende que há perda total do veículo do A., sendo que o A. é proprietário de outro veículo automóvel, pelo que não sofreu qualquer dano de privação do uso. Termina defendendo a improcedência da acção. Os autos foram saneados, foi fixado o valor da acção, o objecto do litígio e os temas da prova e foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tudo conforme despacho de fls. 114 a 117 dos autos. Posteriormente realizou-se a audiência final, com observância do pertinente formalismo legal. No final foi proferida decisão que condenou a R. a pagar ao A.: A. Pela reparação do veículo, o montante de € 16.655,28 (dezasseis mil seiscentos e cinquenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos) acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação. B. Pela privação do uso, o montante diário de € 10,00até ao pagamento da quantia referida em A. (valor este que nesta data ascende a € 7.030,00, sete mil e trinta euros) e até ao montante máximo de € 7.299,90, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação, quanto à quantia vencida até essa data e com juros de mora a partir da presente data, quanto ao remanescente. Fixando as custas a cargo da R. * Inconformada com essa sentença, apresentou a R. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1ª) A apelação versa seja matéria de facto e de direito, atenta a prova gravada e a prova documental dos autos, enquanto validamente adquirida e efeitos ínsitos à mesma; 2ª) Os factos impugnados são os dos itens 10º-12º da fundamentação da sentença, mais se promovendo – vd. texto – uma apreciação oficiosa do modo indefinido como aquele que foi levado ao facto do item 28º; 3ª) Em função da prova testemunhal apontada no texto, e nele transcrita, ou com as passagens nele expressas, devem tais itens 10º-12 ser julgados como não provados; 4ª) E em função da prova carreada aos autos, seja a documental seja toda a testemunhal que se acha neles gravada e é mister ouvir, ou a considerar oficiosamente, nos termos processuais legais – vd. o disposto no art. 662º NCPC –, deve o valor levado ao item 28º ser tido como provado sem mais; 5ª) Com a alteração da factualidade dos itens 10º-12º da sentença, parece claro que uma só solução legal pode ser trazida em sufrágio do caso aqui em presença, seja ela a da responsabilidade objectiva com a divisão de concorrência de risco ou de culpas, por assim dizer, em partes iguais, segundo a fórmula consagrada pelo art. 506º CCivil; 6ª) Atenta a sindicância requerida e/ou exigida ao caso, para aperfeiçoar o juízo de equidade obrigatoriamente implicado à luz do disposto nos arts. 562º segs., maxime art. 566º CCivil, deve ainda a indemnização atribuída à autoria da acção ser reduzida em conformidade com o alegado no texto, porquanto: a) estamos na presença dum caso de “perda total” por aplicação, que deve fazer-se, do disposto no art. 41º DL 291/2007 e de modo a não tornar a reparação do dano como demasiado onerosa para o lesante; b) e existe detenção pelo lesado doutro veículo, deve a indemnização da imobilização ser reduzida a 50%, segundo o brocardo dois em um, assim sendo de melhor justiça, e ficando ao abrigo da regra da equidade, como se requer seja promovido e/ou seja actuado in casu pelo tribunal ad quem, sempre segundo o disposto no art. 662º NCPC. TERMOS EM QUE, Deve o recurso ser julgado procedente e a indemnização atribuída à autoria da acção ser reduzida em conformidade com o alegado no texto e conclusões antecedentes, com as consequências legais e assim se fazendo a habitual JUSTIÇA! * Notificado das alegações de recurso interpostas pela R., veio o A. apresentar a sua resposta, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: a)- o autor nada tem a apontar à douta sentença proferida pelo Mmº Juiz da Instância Local Cível de Barcelos, Juiz 3, nos presentes autos b)- a mesma fez uma corretíssima apreciação da matéria de facto, motivou de forma claríssima essa sua apreciação e, de forma exemplar, aplicou o direito c)- Sentença correta, justa e adequada ao caso concreto não porque não ser mantida d)- não assiste qualquer razão à apelante para por em confronto o depoimento dos condutores envolvidos porque de depoimentos de valor diferente se trata e)- o condutor do veículo da apelante conduzia o mesmo em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 1,46 gr/litro f)- este mesmo condutor nem sequer sabia qual o sentido de trânsito em que seguia pois declarou à PSP no dia do acidente que seguia em sentido contrário ao que efectivamente seguia g)- este condutor tinha a sua atenção, concentração e reflexos afetados pela dita taxa de álcool, não se encontrando na posse plena das capacidades físicas e psíquicas para conduzir h)- contrariamente à condutora do veículo do autor que após noite de sono seguia tranquila, ainda a poucos metros de casa, para uma formação i)- Tudo isto pelas 7,20h após uma noite de farra e festa para o condutor do veículo da apelante j)- Pelo que não são sequer comparáveis os depoimentos de ambos os condutores k)- não existindo duvidas quanto ao valor e veracidade do depoimento da condutora do veículo do autor l)- pelo que a sentença proferida não sofre de nenhum dos deméritos apresentados nas alegações de recurso pela apelante m)- e, por isso, nenhuma matéria de facto dada como provada deve ser alterada n)- Sendo de manter na íntegra o decidido Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, Venerandos Desembargadores deve a apelação interposta ser julgada improcedente, por não provada e mantida a douta decisão proferida em primeira instância, assim se fazendo a sempre tão almejada JUSTIÇA ! * A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.* Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que: I) - se altere a matéria de facto dada como provada em 10º, 11º, 12º e 28º, dando-se como não provados os três primeiros e alterado o teor do último; II) - procedente a impugnação da matéria de facto, se reaprecie em conformidade a decisão de mérito da acção * 3 – OS FACTOS 1 - FACTOS PROVADOS: Em consequência da prova produzida em audiência de julgamento, resultou provado que: 1) No dia 1 de Maio de 2015 pelas 07.20h, na estrada nacional n.º 204, na cidade de Barcelos, União das freguesias de Barcelos, Vila Boa e Vila Frescainha S. Martinho e S. Pedro, e que liga esta cidade à de Ponte de Lima, ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula LN, conduzido por G. R. e propriedade de A. R., residentes no Bairro …, Mujães, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros matricula QG, conduzido por T. P., residente em Barcelos, e propriedade do aqui autor. 2) O acidente deu-se na referida estrada nacional, no local situado entre duas rotundas destinadas à circulação do trânsito automóvel, designadas por Rotunda do Professor situada a norte e a Rotunda Cibernética situada a Sul. 3) A estrada nacional n.º 204, no local da ocorrência do acidente, configura uma curva aberta descrita para o lado direito atento o sentido de marcha sul - norte, ou seja, Barcelos-Ponte de Lima, curva essa precedida por uma recta de cerca de 200 metros com início a sul, na rotunda Cibernética. 4) A faixa de rodagem apresentava o seu piso pavimentado e asfaltado, e em bom estado de conservação, o qual no momento da ocorrência do acidente estava molhado e escorregadio, devido à chuva que se fazia sentir. 5) A faixa de rodagem da estrada nacional n.º 204 tinha, e tem, uma largura de 6,90m, e comporta dois sentidos de trânsito delimitados, à data do acidente, por uma linha longitudinal branca e descontínua, com uma hemi-faixa de rodagem para cada sentido com uma largura de 3,45m cada, destinada cada uma delas a um sentido de marcha. 6) A faixa de rodagem apresentava, e apresenta, nas suas margens bermas pavimentadas a asfalto e com uma largura de 2,30 m cada. 7) Sendo que a berma que margina a faixa de rodagem, pelo lado direito atento o sentido de marcha norte-sul, era e é ladeada por um rail metálico de protecção. 8) No dia, hora e local referidos em 1), o veículo QG, conduzido por T. P., circulava na referida estrada nacional, no sentido norte-sul, ou seja, Rotunda do Professor - Rotunda Cibernética, rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, a velocidade não concretamente apurada. 9) No mesmo dia e hora, pela mesma estrada, mas em sentido contrário ao do QG, ou seja, no sentido sul-norte, circulava o veículo LN conduzido pelo identificado G. R.. 10) O veículo LN após percorrer a recta referida em 3) e ao descrever a mencionada curva para a direita, atento o seu sentido de marcha sul - norte, transpôs o eixo divisório da faixa de rodagem da estrada nacional n.º 204, delimitado pela linha longitudinal descontínua, e invadiu a metade esquerda da referida faixa de rodagem, atento o sentido de marcha sul-norte, no preciso momento em que aí circulava o veículo QG nas condições referidas em 8). 11) O veículo LN invadiu a faixa de rodagem do OG, sem travar nem reduzir a velocidade a que seguia animado, e foi embater, como embateu, de forma violenta, contra o veículo QG, que circulava rigorosamente, pela metade direita da faixa de rodagem atento o sentido norte-sul. 12) O embate entre o veículo LN e o veículo QG dá-se totalmente dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do QG, norte – sul. 13) E dá-se com o vértice frente do lado esquerdo e parte lateral esquerda do LN na parte lateral esquerda do veículo do autor, mais concretamente na zona do pneu lado esquerdo da frente até à porta, inclusive, do lado do condutor. 14) A maior parte dos destroços dos veículos QG e LN provocados pelo embate, designadamente óleo, fragmentos de plástico, vidros, bem como marcas do embate dos mesmos no pavimento, ficaram situados na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha seguido pelo veículo do autor. 15) O veículo LN após embater no veículo QG, ainda foi embater no rail de protecção existente no lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo do autor, após o que se imobilizou junto ao mesmo e a distância não concretamente apurada a norte do local do embate entre os dois veículos. 16) Por sua vez, com o embate violento do LN no QG, o pneu da frente do lado do condutor do QG separou-se do veículo. 17) G. R., no momento do acidente, conduzia com uma taxa de álcool no sangue nunca inferior a 1,46 g/litro. 18) G. R. foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, a) do Código Penal, em processo sumário que correu termos com o n.º 184/15.3PABCL, da secção criminal – J2 Barcelos – Instância Local. 19) Já em data anterior ao acidente, G. R. tinha sido condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, no processo n.º 800/13.1PBVCT, por sentença transitada em julgado. 20) A taxa de álcool no sangue de 1,46 g/litro de que o condutor do LN era portador, no momento do acidente, diminui-lhe a atenção, a concentração e os reflexos necessários à condução automóvel, o que fez com que, para além do mais, perdesse o controlo do veículo que conduzia nos termos referidos em 10) e 11). 21) No momento em que ocorreu o acidente, o condutor do LN não se encontrava na posse das plenas capacidades físicas e psíquicas para conduzir. 22) A estrada no local onde ocorreu o acidente situa-se e serve de acesso a uma zona urbana com várias habitações, sendo que o limite de velocidade permitido no local é de 50 km/h, limite de velocidade sinalizado pela existência de sinal vertical de proibição de exceder aquela velocidade. 23) Como consequência directa e necessária do acidente dos autos resultaram danos no veículo do autor, consistentes no amolgamento e destruição das seguintes peças: motor regulação farol esquerdo, farolim pisca frente esquerdo, para choques, farolim pisca lateral frente esquerdo, travessa para choques frente, absorvedor esquerdo para choques frente, apoio esquerdo, para choques frente, moldura esquerda, para choques frente, junta para choques frente, grelha para choques frente, moldura inferior farol esquerda, moldura farol esquerda, tubo esquerdo para choques frente, cabo abertura capot frente, cabo frente, abertura capot frente, guarda lamas frente esquerda, protecção cava roda frente esquerda, vidro para brisas, moldura superior, vidro pára brisas, moldura lateral frente esquerda, longarina esquerda, corte painel, longarina frente esquerda debaixo chão, ref. inf. longarina frente esquerda, debaixo chão, pilar A interno esquerdo, embaladeira interior esquerda, travessa frente branco frente esquerda, guarnição inferior pilar A esquerda, guarnição pilar B esquerda, guarnição embaladeira esquerda, porta frente esquerda, aba exterior porta frente esquerda, moldura retrovisor porta esquerda, vidro retrovisor esquerdo, carcaça retrovisor esquerda, retrovisor esquerdo, elevador vidro frente esquerdo, motor elevador vidro esquerdo, lâmina isolante porta frente esquerda, vidro porta frente esquerda, moldura porta frente esquerda, guarnição porta trás esquerda, moldura porta traseira esquerda, airbag, volante, cablagem airbag volante, unidade controlo airbag, sensor esquerdo airbag, airbag painel, tampa airbag painel, cinto frente esquerdo, cinto frente direito, fixação cinto frente esquerdo, fixação cinto frente direito, cinto traseiro cent, ,cinto traseiro esquerdo, braço suspensão frente esquerda, rotula braço suspensão frente esquerda, manga frente esquerda, ponte frente, amortecedor esquerdo suspensão frente, mola esquerda suspensão frente, apoio inferior mola frente esquerda, limite amortecedor frente esquerdo, block superior amortecedor frente esquerdo, copo amortecedor frente esquerdo, apoio superior mola frente esquerda, guarda- pó amortecedor frente esquerdo, protecção superior amortecedor frente esquerda, barra estabilizadora frente, biela esquerda, estabilizadora frente, pneu frente esquerda, jante roda frente esquerda, pinça travão frente esquerda, apoio pinça travão frente esquerdo, disco travão frente esquerdo, protecção disco travão frente esquerda, pastilhas travão frente, tubo travão frente esquerda, farol esquerda, cuja reparação e substituição das peças danificadas, com trabalho de chapeiro, pintura e mecânica foi orçada no montante de € 13.540,80 a que acresce o IVA de € 3.114,48. 24) Em virtude dos danos referidos em 23), o veículo QG ficou impossibilitado de circular e foi rebocado para a oficina Pintura A, com sede em …, Barcelos, onde se mantém. 25) Até ao presente, o veículo QG encontra-se por reparar atento o facto de o autor não ter possibilidades económicas para o seu pagamento na totalidade. 26) O autor solicitou por carta registada e enviada para a ré, em Julho de 2015, um veículo em substituição do acidentado, com as mesmas características ao acidentado e/ou a reparação do mesmo 27) Porém a ré nunca o fez. 28) O veículo do autor, marca BMW turbo-diesel e de quatro portas, encontrava-se à data do acidente em bom estado de conservação, tinha um valor comercial não concretamente apurado, mas não inferior a € 6.100,00, e servia e serve na perfeição os interesses do autor. 29) Desde a data do acidente, o autor encontra-se privado de usar o veículo QG. 30) O autor utilizava o referido veículo, para se transportar a si ou ao seu agregado familiar, composto por si, sua mulher e dois filhos, e de acordo com as suas necessidades 31) Durante a privação do mesmo resultaram, e resultam ainda, para si incómodos de vária ordem, tendo de recorrer a ajuda de terceiras pessoas e a horários diferentes dos habituais para colmatar as necessidades de deslocação suas e as dos membros do seu agregado familiar. 32) O autor é proprietário de outro veículo. 33) O proprietário do veículo LN tinha celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com a ré Companhia de Seguros A titulado pela apólice n.º 20…6, o qual vigorava em 01.05.2015.*2 - FACTOS NÃO PROVADOS: Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado que: a) O veículo LN circulava a uma velocidade excessiva, superior a 80 km/h. b) O condutor do veículo LN à data do acidente conduzia o dito veículo por conta e no interesse do seu proprietário A. R.. c) Ambos os veículos circulavam a mais de 100 km/hora. d) A condutora do veículo QG seguia distraída e não avistou o veículo LN. e) A taxa de álcool com que seguia o condutor do LN alterou-lhe o estado de espírito e a sua disposição, provocando-lhe um estado de euforia anormal. f) O veículo do autor tinha um valor comercial de € 12.000,00. g) O valor dos salvados do veículo QG era de € 2.100,00.*O demais alegado pelo autor e pela ré constitui matéria de direito, de negação ou conclusiva ou é irrelevante para a decisão (considerando nomeadamente as regras do ónus da prova).*3 - Motivação da Decisão de Facto: Nos termos do disposto no art. 607.º, n.ºs 4 e 5 do Novo Código de Processo Civil, o juiz deve indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas. Assim, o tribunal formou a sua convicção, apreciando livremente as provas e analisando de forma crítica e conjugada a totalidade da prova produzida, valorando a prova documental junta aos autos, nomeadamente a imagem do local (retirada do Google Maps) de fls. 13, as fotografias do local de fls. 13v a 14 e 21, a certidão do processo n.º 184/15.3PABCL de fls. 14v a 18, o orçamento de reparação de fls. 18v a 20v, as cartas e emails de fls. 20, 21, 58v, 60v a 63v, a apólice de seguro de fls. 31 a 56, a informação sobre o veículo acidentado e outros veículos do autor de fls. 57 e 58, a declaração amigável de acidente automóvel de fls. 59v, 60 e 86 e o auto de participação de acidente da PSP de fls. 92 a 102, em conjugação com os depoimentos de T. S. (cunhada do autor, que se cruzou com a mesma, pouco antes do acidente), T. P. (filha do autor e condutora do veículo), H. P. (agente da PSP que se deslocou ao local), V. P. (pessoa que passou no local logo após o acidente), R. S. (agente da PSP que elaborou o auto), R. A. (bombeiro que foi ao local), C. R. (bombeiro que foi ao local), R. L. (bombeiro que foi ao local), C. C. (mecânico) e G. R. (condutor do veículo seguro na ré). Em concreto, quanto aos factos dados como provados em 1) a 7), 9), 13), 26) e 27) o Tribunal valorou exclusivamente o acordo das partes acerca dos mesmos, uma vez que o autor e a ré aceitam tais factos, tal como decorre dos articulados e ao abrigo do disposto no art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, foram os mesmos dados como provados. No que concerne aos factos dados como provados em 17) a 19), atendeu-se exclusivamente à certidão do processo judicial junta aos autos, que não foi impugnada e que faz prova plena dos mesmos. Relativamente aos factos dados como provados em 8), 10) a 12) e 14) a 16), o tribunal valorou conjuntamente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com o auto de participação de acidente e as fotografias do local e dos veículos. No que concerne à forma como ocorreu o acidente, apenas os respectivos condutores depuseram a tal factualidade, pois nenhuma das outras testemunhas que depôs em audiência de julgamento presenciou o mesmo. Contudo, conjugaram-se tais depoimentos com os demais, na medida em que as restantes testemunhas, com excepção de C. C., estiveram no local, logo após o acidente. E todas as testemunhas que estiveram no local do acidente, logo após o mesmo, foram coerentes, com mais ou menos precisão, acerca da posição dos veículos na via, do estado de chuva que se fazia sentir, bem como da existência dos destroços, porque genericamente, não tendo nenhum deles relação com as partes, nem interesse na demanda, mereceram-nos credibilidade. Dos dois condutores resultaram duas versões distintas do acidente. T. P. afirmou que tinha acabado de sair de casa para ir para uma formação, chovia imenso e por isso ia devagar (40/50 km/h), entra e sai da rotunda do Professor e, pouco depois de sair da rotunda, já vê o outro veículo, que nesse momento vem na sua faixa, e depois o tal carro não faz a curva, entra em despiste e embate no carro que conduzia, na faixa em que ela seguia. Explicou que o outro veículo não vinha fora de mão, ele quando acaba de descrever a curva é que sai de mão (faixa), deixou de descrever a curva e vem enviesado momentos antes da colisão e sai da mão dele. Tem a percepção que ele pisou a linha divisória e que invadiu a faixa em que ela própria seguia. Por outro lado, G. R. disse que ia sossegado na sua mão, e que a outra condutora começou a cortar a mão, ela cortou a curva e veio contra mim. Chovia muito, seguia a cerca de 50 km/hora, tinha acabado de entrar naquele acesso, porque tinha saído da rotunda e nunca perdeu o controlo do veículo e vai a fazer a curva para dentro. Mais disse que vinha da Festa das Cruzes de Barcelos, mas «eu tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir… sabia que tinha bebido é certo… mas eu quando vou conduzir não sei a taxa de álcool… eu sentia-me bem». Conjugado com tais depoimentos temos que o descrito pela testemunha T. P. corresponde com as declarações que a própria prestou à PSP na sequência do acidente e que constam a fls. 96, de onde resulta «apercebo-me de um carro preto, na minha faixa de rodagem». Todavia, G. R., no dia do acidente à PSP disse apenas que «quando uma viatura embate na minha», mas não especificou mais nada e até se enganou com o sentido em que seguia, pois declarou que seguia em sentido contrário ao que efectivamente levava (fls. 97). Por outro lado, resulta ainda do aditamento ao auto de participação de acidente que a maior parte dos destroços encontravam-se na faixa da direita, sentido Rotunda do Professor – Rotunda da Cibernética (conforme fls. 102), sendo que R. S., que foi quem elaborou a participação, explicou o porquê da realização de tal aditamento e da inexistência de fotografias, bem como que efectivamente a maioria dos destroços se encontravam em tal faixa de rodagem. Esta testemunha disse ainda que tinha havido velocidade no acidente, pois os carros ficaram distanciados entre si 120 metros (tal como também consta da participação), mas não sabe precisar a que velocidades seguiriam um ou os dois veículos. H. P. também afirmou que o choque foi aparatoso e indiciava alguma velocidade, havia destroços por toda a via e nada mais sabia, pois na altura ficou responsável por coordenar o trânsito. V. P., que vai a passar no local por mero acaso, descreveu de forma isenta a situação de T. P. e do veículo, e bem ainda que a mesma na altura disse que «eles vieram para o meu lado». C. R. descreveu a posição dos veículos na via e disse que havia destroços do lado direito (sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética) e do outro lado havia «uma coisa mínima». Também R. L. explica a posição dos veículos (ainda que haja uma incoerência quanto à posição do veículo conduzido por G. R.) e diz que há destroços por toda a via. Considerando o auto de participação de acidente e os depoimentos das testemunhas que estiveram no local depois do acidente, verifica-se que os veículos ficaram distantes um do outro, na faixa/berma da faixa contrária àquela em que seguiam e em sentido contrário ao do sentido de marcha que levavam, cada um deles sem a roda da frente do lado do condutor, e que a maior parte dos destroços do acidente estavam na faixa da direita atento o sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética. Por outro lado, a testemunha T. P. apresentou-se com uma postura serena, e não obstante ser filha do autor, depôs de forma isenta e imparcial, com um discurso que foi espontâneo, conciso e consistente, porque detalhado e sempre coerente e sem contradições, ao que acresce que o que disse em audiência de julgamento, corresponde ao que no próprio dia do acidente disse à testemunha V. P. e ao agente da PSP R. S.. Acresce que, como todos referiram, tinha sido uma noite e era um dia de muita chuva, e que o outro veículo não conseguiu fazer a curva e entrou em despiste, o que se compreende atendendo ao estado de alcoolémia em que seguia o outro condutor, acrescido pelo cansaço que traria de ter estado toda a noite na Festa das Cruzes. Conjugando a taxa de álcool, o cansaço, a chuva intensa e o piso molhado, bem como a posição da maioria dos destroços na via, temos que os factos tal como foram relatados pela testemunha T. P., são coerentes e consistentes, não saindo o seu depoimento infirmado por qualquer meio de prova consistente, e sendo até certo que, na medida do que era possível, o seu depoimento foi corroborado, e como tal o mesmo mereceu-nos total credibilidade. Já o depoimento de G. R. não nos mereceu credibilidade, pois não foi corroborado por qualquer outro meio de prova, sendo certo que não seguia sozinho no veículo que conduzia, e até porque no momento do acidente seguia com uma taxa de álcool de 1,46 gr/litro, e vinha de uma festa (sendo que o acidente deu-se por volta das 7.00 horas da manhã), o que não é congruente com o seu depoimento de que ia «sossegado» na sua faixa, ao que acresce que ainda afirmou categórico que tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir e que se sentia bem, sendo certo que no dia do acidente não declarou à PSP que a outra condutora invadiu a sua faixa de rodagem e ainda se enganou no sentido de trânsito em que seguia. Ou seja, o seu depoimento em audiência de julgamento, não foi corroborado por qualquer meio de prova. Considerando o supra exposto e porque o depoimento de T. P. nos mereceu credibilidade, foram os factos dados como provados na exacta medida do que pela mesma foi dito. Quanto à velocidade a que seguiam os veículos, foi a mesma dada como não provada em a) e c), pois ambos disseram que seguiam a velocidade inferior a 50 km/hora (que era a velocidade máxima permitida no local), mas não há prova consistente de tal facto, e que sai infirmada pelos depoimentos dos agentes da PSP que afirmaram que a posição dos veículos após o embate indiciava alguma velocidade (e que quer fosse inferior ou superior a 50 km/hora, sempre poderia ser excessiva atendendo ao estado de chuva que se fazia sentir). Também nenhuma prova se fez do referido em d) dos factos não provados, e como tal, por ausência de prova, foi tal circunstancialismo tido por não provado. Os factos dados como provados em 20) e 21) resultam provados por presunção nos termos do art. 349.º e 351.º, ambos do Código Civil. Como escreve Luís Pires de Sousa (in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, pág. 273) está em causa uma «matéria em que as máximas da experiência de índole científica, designadamente no campo da medicina e biologia, são chamadas a ter um papel esclarecedor e determinante porquanto o seu fundamento cognoscitivo assenta em conhecimentos científicos dotados de um grau de probabilidade muito elevado», sendo certo que há diversos estudos científicos acerca dos efeitos do álcool no organismo, e de entre os efeitos mais comuns no que concerne à condução automóvel, estão aqueles que se relacionam com uma menor rapidez de decisão do condutor, a descoordenação de movimentos, o aumento do respectivo tempo de reacção e a diminuição dos seus reflexos e capacidade de percepção das distâncias, bem como uma redução acentuada da sua capacidade de visão, efeitos esses que se verificam a partir de taxas de 0,3 a 0,5 gramas por litro. Tal como também se escreveu no Ac. do STJ de 07.07.2010, proferido no proc. 2273/03.8TBFLG.G1.S1., in www.dgsi.pt «está cientificamente estabelecida – e revelada pela experiência comum – uma relação entre o álcool e a diminuição das capacidades de vigilância e rapidez de reacção, que naturalmente varia em função da quantidade de álcool no sangue e das pessoas em concreto, mas que constitui base suficiente para as referidas presunções.» Desta forma, considerando o exposto, e tendo presente a taxa de álcool com que seguia G. R. (a qual constitui já a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez) temos de concluir, à luz das regras da lógica e do homem comum, que o dito G. R. tinha a sua atenção, concentração e reflexos afectados pela dita taxa de álcool, não se encontrando na posse plena das capacidades físicas e psíquicas para conduzir. Considerando tal facto e ainda que o mesmo estava cansado pois estava acordado há longas horas, em convívio/festa (o próprio reconheceu que vinha da festa das Cruzes), e até chuva intensa da noite anterior e do momento do acidente, concluímos também que tudo isso, o fizeram perder o controlo do veículo, nos termos dados como provados. O facto provado em 22) resulta da conjugação do auto de notícia, com as fotografias juntas (de onde resulta a existência de sinal limitador da velocidade no local) e do depoimento de R. S., que descreveu a via e a velocidade permitida na mesma, e que não foram infirmados por qualquer meio de prova. No que concerne ao facto dado como provado em 23), atendeu-se conjuntamente ao depoimento de C. C. e ao documento de fls. 18v a 20v, que não foram infirmados por qualquer meio de prova, nem mesmo pela avaliação da ré que de acordo com carta de fls. 63, sempre considera que é necessário, no mínimo, € 9.816,00, mas que não infirma que seja, efectivamente, necessário o valor constante do orçamento e, por isso, crendo no documento e no depoimento foi tal facto dado como provado. Os factos dados como provados em 24), 25) e 28) a 32) resultaram da conjugação dos depoimentos de T. S., T. P. e C. C., em conjugação com os documentos juntos aos autos. Do documento de fls. 57 e 58 resulta que o autor tem outro veículo em seu nome, o que as testemunhas T. S. e T. P. também confirmaram. Relativamente à impossibilidade de circulação e não reparação do veículo, atendeu-se ao depoimento das testemunhas que assim o confirmaram, e que não foram infirmadas por qualquer outra prova. No que concerne ao valor do veículo à data do acidente, a única pessoa que avançou valores foi T. P., contudo, o seu depoimento, só por si, não é suficiente para a prova de tal facto. Com efeito, a dita testemunha não referiu ter conhecimentos específicos da área da avaliação automóvel – sendo que até o mecânico C. C. – não avançou qualquer valor. Por outro lado, T. S., proprietária inicial do veículo, tinha vendido o mesmo ao autor, em 2008, pelo preço de € 14.000,00 (ou seja, sete anos antes do acidente). Deste modo, na ausência de prova segura e não se conseguindo lançar mão de qualquer elemento objectivo, apenas demos por provado o valor que a própria ré assumiu, extrajudicialmente, que o dito veículo tinha (vide fls. 63), pois se a ré o reconheceu, certamente, pelo menos, tal valor teria. Disto tudo resultou evidentemente não provado o valor referido em f) dos factos não provados. Relativamente à privação do uso do veículo pelo autor, atendemos aos depoimentos de T. S. e T. P., pois foram ambos coincidentes e coerentes entre si, e relataram que o autor, efectivamente, e depois do acidente deixou de dispor de veículo automóvel, deslocando-se ou a pé, ou de bicicleta para escola, ou então utiliza o veículo da testemunha T. S., na condição de levar a filha da testemunha ao trabalho. Não invalida estes depoimentos, a existência de um outro veículo, pois como a testemunha T. P. relatou, trabalha em Braga e necessita do carro para ir trabalhar, pelo que utiliza o outro veículo que o pai tem em seu nome, o que diga-se é uma situação usual e corrente na sociedade actual, quando os filhos moram com os pais, que os veículos estejam em nome dos pais e lhes pertençam, mas ser os filhos a utilizá-los, em função das suas necessidades. Considerando tais depoimentos, que não foram infirmados, o tribunal deu tais factos como provados. O facto provado em 33) resulta do acordo das partes, em conjugação com a apólice de seguro junta aos autos pela ré. No que concerne aos factos dados como não provados em b), e) e g), o tribunal deu os mesmos como não provados por ausência de qualquer prova. [transcrição de fls. 163vº a 169]. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO I) Alteração da matéria de facto Diverge a apelante da decisão da matéria de facto dada como provada em 10º, 11º, 12º e 28º, pretendendo que se dê como não provados os três primeiros e se altere o teor do último (dando-se como provado sem mais o valor de € 6.100,00 como o valor médio do BMW no mercado de usados e não o seu valor mínimo, e, atendendo à orçamentação de danos do ponto 23, ser tido este sinistro como de perda total). Relativamente aos 3 primeiros, indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, transcrevendo e indicando os trechos dos depoimentos das testemunhas em que se baseia. Já quanto ao último facto tal não acontece, autonomizando-se a sua abordagem para o fim. Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, não só os que constam das três alíneas do n.º 1 como igualmente o imposto pela alínea a) do n.º 2. Cumpre, pois, apreciar. O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento. Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto. Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa. As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC. Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção. Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão. Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”. Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida” - in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192. Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela - in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420. Na situação sub judicio os factos em investigação admitem a prova testemunhal. Ora, como acima se referiu, o valor probatório dos depoimentos das testemunhas, nos termos do disposto no art. 396º do CC, está sujeito à livre (e conscienciosa) apreciação do julgador. Sendo admitida prova testemunhal (e na medida em que o seja), é igualmente permitido o recurso às presunções judiciais, de acordo com o disposto no art. 351º do CC, que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art. 349º, ainda do C C O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo. Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” - in B.M.J. nº 112, pág. 190. Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto. O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela – obra supracitada. Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC. De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso. Já quanto ao último facto - o 28º -, a recorrente não cumpre todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, não indicando, in casu, qual ou quais os concretos meios de prova que imporiam a pretendida alteração dessa matéria de facto, motivo pelo qual sempre teria de improceder a sua pretensão. Acresce que a outra questão - ser tido este sinistro como de perda total - contende já com a reapreciação da decisão de mérito da acção, onde se terá de ter em atenção os preceitos legais da indemnização dos arts. 562º e ss. do CC e/ou do seu princípio da equidade. Rejeita-se assim, quanto a este facto, a pretendida alteração, sem prejuízo da questão ser abordada infra, aquando da reapreciação da decisão de mérito da acção.*Analisemos, então, como já referido supra, a pretensão da apelante em ver alterada a matéria de facto dada como provada em 10º, 11º e 12º, querendo que se dê como não provados os mesmos. Isto porque entende que só assim se respeitará a prova carreada para os autos.*A Meritíssima Juiz a quo considerou provado que 10) O veículo LN após percorrer a recta referida em 3) e ao descrever a mencionada curva para a direita, atento o seu sentido de marcha sul - norte, transpôs o eixo divisório da faixa de rodagem da estrada nacional n.º 204, delimitado pela linha longitudinal descontínua, e invadiu a metade esquerda da referida faixa de rodagem, atento o sentido de marcha sul-norte, no preciso momento em que aí circulava o veículo QG nas condições referidas em 8). 11) O veículo LN invadiu a faixa de rodagem do OG, sem travar nem reduzir a velocidade a que seguia animado, e foi embater, como embateu, de forma violenta, contra o veículo QG, que circulava rigorosamente, pela metade direita da faixa de rodagem atento o sentido norte-sul. 12) O embate entre o veículo LN e o veículo QG dá-se totalmente dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do QG, norte – sul. Motivando tal decisão, o tribunal considerou que Nos termos do disposto no art. 607.º, n.ºs 4 e 5 do Novo Código de Processo Civil, o juiz deve indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas. Assim, o tribunal formou a sua convicção, apreciando livremente as provas e analisando de forma crítica e conjugada a totalidade da prova produzida, valorando a prova documental junta aos autos, nomeadamente a imagem do local (retirada do Google Maps) de fls. 13, as fotografias do local de fls. 13v a 14 e 21, a certidão do processo n.º 184/15.3PABCL de fls. 14v a 18, o orçamento de reparação de fls. 18v a 20v, as cartas e emails de fls. 20, 21, 58v, 60v a 63v, a apólice de seguro de fls. 31 a 56, a informação sobre o veículo acidentado e outros veículos do autor de fls. 57 e 58, a declaração amigável de acidente automóvel de fls. 59v, 60 e 86 e o auto de participação de acidente da PSP de fls. 92 a 102, em conjugação com os depoimentos de T. S. (cunhada do autor, que se cruzou com a mesma, pouco antes do acidente), T. P. (filha do autor e condutora do veículo), H. P. (agente da PSP que se deslocou ao local), V. P. (pessoa que passou no local logo após o acidente), R. S. (agente da PSP que elaborou o auto), R. A. (bombeiro que foi ao local), C. R. (bombeiro que foi ao local), R. L. (bombeiro que foi ao local), C. C. (mecânico) e G. R. (condutor do veículo seguro na ré). Em concreto, (…) Relativamente aos factos dados como provados em 8), 10) a 12) e 14) a 16), o tribunal valorou conjuntamente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com o auto de participação de acidente e as fotografias do local e dos veículos. No que concerne à forma como ocorreu o acidente, apenas os respectivos condutores depuseram a tal factualidade, pois nenhuma das outras testemunhas que depôs em audiência de julgamento presenciou o mesmo. Contudo, conjugaram-se tais depoimentos com os demais, na medida em que as restantes testemunhas, com excepção de C. C., estiveram no local, logo após o acidente. E todas as testemunhas que estiveram no local do acidente, logo após o mesmo, foram coerentes, com mais ou menos precisão, acerca da posição dos veículos na via, do estado de chuva que se fazia sentir, bem como da existência dos destroços, porque genericamente, não tendo nenhum deles relação com as partes, nem interesse na demanda, mereceram-nos credibilidade. Dos dois condutores resultaram duas versões distintas do acidente. T. P. afirmou que tinha acabado de sair de casa para ir para uma formação, chovia imenso e por isso ia devagar (40/50 km/h), entra e sai da rotunda do Professor e, pouco depois de sair da rotunda, já vê o outro veículo, que nesse momento vem na sua faixa, e depois o tal carro não faz a curva, entra em despiste e embate no carro que conduzia, na faixa em que ela seguia. Explicou que o outro veículo não vinha fora de mão, ele quando acaba de descrever a curva é que sai de mão (faixa), deixou de descrever a curva e vem enviesado momento antes da colisão e sai da mão dele. Tem a percepção que ele pisou a linha divisória e que invadiu a faixa em que ela própria seguia. Por outro lado, G. R. disse que ia sossegado na sua mão, e que a outra condutora começou a cortar a mão, ela cortou a curva e veio contra mim. Chovia muito, seguia a cerca de 50 km/hora, tinha acabado de entrar naquele acesso, porque tinha saído da rotunda e nunca perdeu o controlo do veículo e vai a fazer a curva para dentro. Mais disse que vinha da Festa das Cruzes de Barcelos, mas «eu tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir… sabia que tinha bebido é certo… mas eu quando vou conduzir não sei a taxa de álcool… eu sentia-me bem». Conjugado com tais depoimentos temos que o descrito pela testemunha T. P. corresponde com as declarações que a própria prestou à PSP na sequência do acidente e que constam a fls. 96, de onde resulta «apercebo-me de um carro preto, na minha faixa de rodagem». Todavia, G. R., no dia do acidente à PSP disse apenas que «quando uma viatura embate na minha», mas não especificou mais nada e até se enganou com o sentido em que seguia, pois declarou que seguia em sentido contrário ao que efectivamente levava (fls. 97). Por outro lado, resulta ainda do aditamento ao auto de participação de acidente que a maior parte dos destroços encontravam-se na faixa da direita, sentido Rotunda do Professor – Rotunda da Cibernética (conforme fls. 102), sendo que R. S., que foi quem elaborou a participação, explicou o porquê da realização de tal aditamento e da inexistência de fotografias, bem como que efectivamente a maioria dos destroços se encontravam em tal faixa de rodagem. Esta testemunha disse ainda que tinha havido velocidade no acidente, pois os carros ficaram distanciados entre si 120 metros (tal como também consta da participação), mas não sabe precisar a que velocidades seguiriam um ou os dois veículos. H. P. também afirmou que o choque foi aparatoso e indiciava alguma velocidade, havia destroços por toda a via e nada mais sabia, pois na altura ficou responsável por coordenar o trânsito. V. P., que vai a passar no local por mero acaso, descreveu de forma isenta a situação de T. P. e do veículo, e bem ainda que a mesma na altura disse que «eles vieram para o meu lado». C. R. descreveu a posição dos veículos na via e disse que havia destroços do lado direito (sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética) e do outro lado havia «uma coisa mínima». Também R. L. explica a posição dos veículos (ainda que haja uma incoerência quanto à posição do veículo conduzido por G. R.) e diz que há destroços por toda a via. Considerando o auto de participação de acidente e os depoimentos das testemunhas que estiveram no local depois do acidente, verifica-se que os veículos ficaram distantes um do outro, na faixa/berma da faixa contrária àquela em que seguiam e em sentido contrário ao do sentido de marcha que levavam, cada um deles sem a roda da frente do lado do condutor, e que a maior parte dos destroços do acidente estavam na faixa da direita atento o sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética. Por outro lado, a testemunha T. P. apresentou-se com uma postura serena, e não obstante ser filha do autor, depôs de forma isenta e imparcial, com um discurso que foi espontâneo, conciso e consistente, porque detalhado e sempre coerente e sem contradições, ao que acresce que o que disse em audiência de julgamento, corresponde ao que no próprio dia do acidente disse à testemunha V. P. e ao agente da PSP R. S.. Acresce que, como todos referiram, tinha sido uma noite e era um dia de muita chuva, e que o outro veículo não conseguiu fazer a curva e entrou em despiste, o que se compreende atendendo ao estado de alcoolémia em que seguia o outro condutor, acrescido pelo cansaço que traria de ter estado toda a noite na Festa das Cruzes. Conjugando a taxa de álcool, o cansaço, a chuva intensa e o piso molhado, bem como a posição da maioria dos destroços na via, temos que os factos tal como foram relatados pela testemunha T. P., são coerentes e consistentes, não saindo o seu depoimento infirmado por qualquer meio de prova consistente, e sendo até certo que, na medida do que era possível, o seu depoimento foi corroborado, e como tal o mesmo mereceu-nos total credibilidade. Já o depoimento de G. R. não nos mereceu credibilidade, pois não foi corroborado por qualquer outro meio de prova, sendo certo que não seguia sozinho no veículo que conduzia, e até porque no momento do acidente seguia com uma taxa de álcool de 1,46 gr/litro, e vinha de uma festa (sendo que o acidente se por volta das 7.00 horas da manhã), o que não é congruente com o seu depoimento de que ia «sossegado» na sua faixa, ao que acresce que ainda afirmou categórico que tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir e que se sentia bem, sendo certo que no dia do acidente não declarou à PSP que a outra condutora invadiu a sua faixa de rodagem e ainda se enganou no sentido de trânsito em que seguia. Ou seja, o seu depoimento em audiência de julgamento, não foi corroborado por qualquer meio de prova. Considerando o supra exposto e porque o depoimento de T. P. nos mereceu credibilidade, foram os factos dados como provados na exacta medida do que pela mesma foi dito. Com o que discorda a apelante, uma vez que foram duas as versões do acidente apresentadas pelos condutores, sem que possa ser possível optar-se por uma delas, prevendo o legislador nestas situações de colisão de veículos sem possibilidade de apuramento das culpas dos seus condutores, a responsabilidade objectiva. Lembrando os depoimentos das testemunhas T. P. (condutora do QG), G. R. (condutor do LN) e R. L. (bombeiro que passou no local do sinistro e ali parou para dar assistência ao mesmo). Defendendo o apelado não assistir qualquer razão à apelante, tendo em consideração toda a prova produzida e valorada pelo Tribunal de 1ª instância, como detalhadamente aí explicitada e que não se resume apenas àquela que a apelante salienta, nem permite ser valorada como ela o faz. Quid iuris? Começa desde já por se dizer que se estranha que a apelante não tenha também pedido a alteração da matéria de facto dada como provada em 20º e 21º, que se encontra articulada com as dos pontos 10, 11 e 12 e é incompatível com a versão que ora trás. O que desde logo constitui entrave ao atendimento da sua pretensão. Mas continuando, como melhor consta da motivação, esta versão da recorrente e que a mesma pretende agora ver consignada, dando-se como não provados os factos dados como provados sob os pontos 10, 11 e 12 não alcançou suficiente convicção junto do Tribunal a quo. Os depoimentos das testemunhas a que a apelante alude, conjugado com o depoimento de outras e com o auto de participação de acidente e as fotografias do local e dos veículos foram adequadamente ponderados, não impondo diferente revaloração por parte desta Relação (cfr. art. 662º/1 do CPC). Efectivamente, a pretensão da apelante valoriza apenas as diferentes versões do acidente apresentadas pelos condutores e que são incompatíveis, porque são as únicas presenciais, ignorando toda a demais prova testemunhal e documental produzida e que contribuiu para a convicção do Tribunal a quo relativamente à forma como ocorreu o acidente, o que não passaria de uma visão parcelar e selectiva dos factos. Não podemos, pois, deixar de salientar que na sua longa e minuciosa análise da prova produzida em audiência, o Tribunal a quo equacionou toda a prova testemunhal e documental trazida pelas partes, incluindo aquela que os recorrentes ora pretendem que seja valorada de forma diferente. Sendo também de relevar para a conjugação da convicção em causa outros elementos objectivos, tais como a posição dos veículos na via e o local em que ficaram imobilizados, o estado do tempo (chuva), os danos ocorridos nos veículos, o local em que se encontravam a maior parte dos destroços (na faixa da direita, sentido Rotunda do Professor – Rotunda da Cibernética, em que o QG circulava), tudo a indiciar alguma velocidade aquando do embate. Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação neste particular. * II) Reapreciação da decisão de mérito da acção quanto aos valores da indemnização fixados à A. Estando todo o recurso na parte da responsabilidade na ocorrência do acidente sustentado na alteração da matéria de facto, que se julgou improcedente, nenhuma alteração pode ser introduzida na decisão recorrida, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Já quanto à questão dos danos e da indemnização a arbitrar, pretende a apelante a reapreciação da decisão no que concerne ao arbitrado valor pela reparação da viatura, que entende ser excessivo uma vez que se está perante uma situação de perda total do veículo, em que é de arbitrar o valor venal da viatura (a reparação natural é excessivamente onerosa). E, neste caso, sendo também de reapreciar o valor arbitrado pela privação do uso do veículo. Privilegiando a reparação natural como disposto no art. 562º do CC, o Tribunal a quo condenou a R. a indemnizar o A. no valor necessário à reparação do veículo, ou seja, no montante de € 13.540,80 a que acresce o IVA de € 3.114,48. Entendendo que a reparação do veículo não era uma situação excessivamente onerosa para a R., a quem incumbia a prova do mesmo, uma vez que se apurou que o veículo servia e serve na perfeição os interesses do A., mas não se apurou o concreto valor comercial do veículo (apenas se tendo provado que o veículo tinha no mínimo o valor de € 6.100,00). Isto é, considerando que o veículo em causa satisfazia as necessidades do A. e que a sua reparação é possível, e bem ainda o valor da mesma, entendemos que não ocorre uma situação de excessiva onerosidade na reparação natural (reparação do veículo) e como tal tem a R. de ser condenada a pagar o valor necessário para que o A. proceda á reparação do veículo. Solução com a qual discorda a recorrente, que entende estar-se perante uma situação de perda total, sendo excessivamente onerosa a reparação natural e justo e equitativo que a indemnização considere o valor venal do veículo no mercado de usados. Quid iuris? O princípio geral na obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente – arts. 562º e 566º do CC. Estabelece o nº 1 desta última disposição legal que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. Quando ocorrer qualquer uma dessas situações, há conversão da obrigação de reparar com a reconstituição natural em obrigação pecuniária. Nos autos a questão que se discute é primacialmente a de saber se a restauração natural é excessivamente onerosa para a R. A reconstituição natural será excessivamente onerosa para o devedor, e por isso um meio impróprio ou inadequado de indemnizar o lesado, sempre que houver uma manifesta desproporção entre o interesse deste e o custo que a reparação natural envolva para o responsável (2). Importa ter em consideração factores subjectivos, como os respeitantes ao devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, bem como as condições do lesado, e o seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado. Nesta sede, o valor a ter em conta não é o valor comercial do veículo, mas sim aquilo que a jurisprudência apelida de valor patrimonial, correspondendo este ao valor que o veículo representa dentro do património do lesado, ou seja, o valor necessário para o lesado adquirir um veículo com as características do veículo sinistrado, adequado a satisfazer as mesmas necessidades e interesses (3). Deste modo, a excessividade há-de aferir-se pela diferença entre dois polos: o preço de reparação e o valor patrimonial do veículo. Ao A. cabia, aqui, a prova de que o veículo sinistrado era susceptível de ser reparado e do montante em que importava a sua reparação e à R. incumbia a prova de que esse valor seria excessivamente oneroso (matéria de excepção), em função do valor patrimonial do veículo. Acontece que embora a R. não tenha logrado provar o concreto valor comercial do veículo (apenas se tendo provado que o veículo tinha no mínimo o valor de € 6.100,00, sabendo-se que o A. o adquirira em 2008, ou seja, sete anos antes do acidente, por € 14.000,00), apurou-se que o valor da reparação natural ascende a um total de € 16.655,28 (€ 13.540,80 a que acresce o IVA de € 3.114,48). Tendo ficado demonstrado que o veículo acidentado era destinado pelo A. para se transportar a si ou ao seu agregado familiar, composto por si, sua mulher e dois filhos, e de acordo com as suas necessidades [cfr. facto vertido em 30)]. Assim, não se pode dizer que o valor do veículo representasse para o A. um valor maior do que o valor da viatura (inexiste justificado interesse específico na reparação do objecto danificado). Logo, podemos facilmente encontrar o valor patrimonial do veículo através do recurso à pesquisa na internet, no site usualmente utilizado para se encontrar referências quanto a valores de veículos usados, isto é, no SV (4), concluindo-se ser justo e equitativo o montante de € 7.500,00 como o valor venal de um BMW 320D de 2000 com 4 portas, em bom estado de conservação, como consta do facto vertido em 28). Podendo, pois, o A. facilmente adquirir um veículo idêntico com o dinheiro correspondente ao seu valor comercial. Assim, para se aferir da excessividade entre o preço de reparação e o valor patrimonial do veículo como supra referido, temos por um lado o valor de € 7.500,00 e por outro o valor de € 16.655,28. Afigurando-se-nos, in casu, com o contexto apurado, ser a reparação natural excessiva, já que esta se revela iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé (5). O art. 41º/1 do DL nº 291/2007, de 21-08 (Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), que resultou da transposição para o ordenamento jurídico nacional da Directiva n.º 2005/14/CE, reequacionou o regime da perda total, entendendo que “um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique”, nomeadamente, a hipótese contemplada pela respectiva alínea b), ou seja, em que “se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;”. O nº 2 do diploma legal em apreço estatui que “o valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente”, acrescentando o seu nº 3 que “o valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização”. Deste modo, por força da Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, o patamar da indemnização pecuniária situa-se, actualmente, em 100% do valor venal do veículo, no caso de veículos com menos de dois anos, e, em 120% desse mesmo valor, para os veículos com mais de dois anos, sendo certo, outrossim, que o valor venal do veículo antes do sinistro é aferido pelo seu «valor de substituição», assim como, na hipótese de perda total, o valor de indemnização corresponde ao valor venal do veículo antes do acidente (valor de substituição), deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário, com vista a alcançar a reconstituição da «situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização». Trata-se, porém, de um preceito que não se aplica à fase judicial, mas sim na fase extrajudicial, visando a resolução simplificada, rápida e amigável dos litígios entre as seguradoras, os seus segurados e terceiros. Não podemos, todavia, ignorar, na ponderação casuística, as linhas que emanam daquele diploma legal. Assim sendo, por tudo o que exposto ficou, atento o disposto no art. 566º do CC, em sede de julgamento equitativo, condena-se a R. na indemnização pecuniária ao A. pela perda total do seu veículo de matrícula QG, no valor de € 7.500,00, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação. Passemos, agora, à última questão suscitada pela recorrente: reapreciar o valor arbitrado pela privação do uso do veículo, entendendo ser mais equitativo a quantia de € 5,00/dia em vez dos € 10,00 que constam da sentença, justificando a redução por se estar perante uma situação de perda total e pelo facto do lesado dispor de outra viatura. Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações: - uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo; - uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação. Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias. Estando, in casu, perante esta segunda situação e tendo presente a factualidade apurada, designadamente os factos vertidos em 30) e 32), cremos pecar por exagerado o montante indemnizatório fixado na sentença no que tange a tais danos (€ 10/dia) assim como também pecar por defeito o montante proposto pela apelante no presente recurso (€ 5,00/dia), revelando-se, a nosso ver, equilibrado fixar em € 7,50/dia o valor pela privação do uso do veículo, até ao pagamento da quantia fixada a título de indemnização pela perda total do veículo e até ao montante máximo de € 7.299,90, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação, quanto à quantia vencida até essa data e com juros de mora a partir da presente data, quanto ao remanescente. Conclui-se, pois, pela alteração da sentença em consonância com o decidido a propósito dos montantes indemnizatórios vindos de analisar, mantendo-se no mais a mesma. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC) I – Na medida em que o recurso relativo à responsabilidade na ocorrência do acidente estava sustentado na alteração da matéria de facto, tendo-se julgado a mesma improcedente, nenhuma alteração pode ser introduzida nessa parte da decisão recorrida. II – O princípio geral na obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente – arts. 562º e 566º do CC. III – Estabelece o nº 1 desta última disposição legal que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. IV – Quando ocorrer qualquer uma dessas situações, há conversão da obrigação de reparar com a reconstituição natural em obrigação pecuniária. V – Estando em causa um automóvel ligeiro de passageiros utilizado para o transporte do proprietário ou do seu agregado familiar, é excessiva a reparação natural pelo valor de € 16.655,28 de um veículo adquirido em 2008, ou seja, sete anos antes do acidente, por € 14.000,00, quando o seu valor patrimonial actual é de € 7.500,00. VI – Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da indemnização pela privação do uso do veículo em € 7,50/dia, no caso de um lesado em que não se apuram gastos alguns mas apenas que sendo proprietário de outro veículo, utilizava o sinistrado para se transportar a si ou ao seu agregado familiar, composto por si, sua mulher e dois filhos, e de acordo com as suas necessidades e que não lhe foi facultado pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações. * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, no parcial provimento do recurso, revogando parcialmente a sentença da 1ª instância no que concerne ao valor da condenação da R. a pagar ao A. a título de indemnização por danos patrimoniais pela reparação do veículo e pela privação do uso, acordam os juízes desta secção cível em: I – Substituir a sentença proferida nessa parte pela condenação seguinte: A. A indemnização pecuniária pela perda total do seu veículo de matrícula QG, no valor de € 7.500,00, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação. B. Pela privação do uso, o montante diário de € 7,50 até ao pagamento da quantia referida em A. e até ao montante máximo de € 7.299,90, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação, quanto à quantia vencida até essa data e com juros de mora a partir da presente data, quanto ao remanescente. II – Manter no mais o decidido. III – As custas nas duas instâncias, são pela R. e A., na proporção do respectivo decaimento. Notifique. * Guimarães, 26-10-2017 (José Cravo) (António Figueiredo de Almeida) (Raquel Baptista Tavares) 1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Barcelos – JL Cível – Juiz 3 2. Vd. Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, vol. I, 4ª edição, pag. 813; Meneses Leitão, Direito Das Obrigações, vol. I, 5ª edição, pag.331. 3. Vd. Acs. STJ de 14.12.2002 e de 19 de Março de 2009, in www.dgsi.pt. 4. Foram 5 os veículos aí encontrados para BMW 320D de 2000 com 4 portas, todos com valor negociável: um com 298.000 Km de Agosto € 5.250; outro com 229.000 Km de Janeiro € 6.490; um com 164.000 Km de Janeiro € 6.900; outro com 118.730 Km de Abril € 7.250; e um com 204.000 Km de Agosto € 8.150. 5. Neste sentido, vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 582.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães* 1 – RELATÓRIO C. P., residente na Rua …, concelho de Barcelos, instaurou acção(1) declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Companhia de Seguros A, S.A., com sede na Rua …, Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência, que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 23.955,18 acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento. Para sustentar o pedido, o autor alega, em síntese, que: - Ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula QG, do qual é proprietário e que era conduzido por sua filha e o veículo ligeiro com a matrícula LN, do qual é proprietário A. R. e que era conduzido por G. R.. - O acidente deu-se porque o veículo com a matrícula LN, invadiu a faixa de rodagem onde seguia o veículo com a matrícula QG, quando seguia a uma velocidade superior a 80 km/h, tendo o embate ocorrido sem que o condutor reduzisse a velocidade, pelo que o dito embate foi violento. - Acresce que o condutor do veículo com a matrícula LN conduzia sob efeito do álcool, pelo que não se encontrava na posse plena das suas capacidades físicas e psíquicas. - Como consequência do embate, o veículo do A. sofreu vários danos, cuja reparação foi orçada em €13.540,80 a que acresce IVA, sendo que o mesmo ainda não foi reparado, por o A. não ter possibilidades para o fazer. - O veículo tinha o valor de €12.000,00 e estava em muito bom estado de conservação. - O A. ficou privado do uso do dito veículo, pelo que deve ser indemnizado em € 20,00 por cada dia de privação do uso, desde o acidente. - O ligeiro com a matrícula LN tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação transferida para a R., pelo que é esta a responsável pela reparação dos danos ao A. A R. foi válida e regularmente citada e veio contestar nos termos de fls. 30, onde aceita parte da factualidade, mas impugna a factualidade relativa à imputação da culpa pelo acidente ao condutor seguro na R. Defende a R. que o acidente se ficou a dever a ambos os condutores, pois que ambos seguiam em excesso de velocidade e distraídos, pelo que não conseguiram desviar-se a tempo de evitar o embate. Mais defende que há perda total do veículo do A., sendo que o A. é proprietário de outro veículo automóvel, pelo que não sofreu qualquer dano de privação do uso. Termina defendendo a improcedência da acção. Os autos foram saneados, foi fixado o valor da acção, o objecto do litígio e os temas da prova e foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tudo conforme despacho de fls. 114 a 117 dos autos. Posteriormente realizou-se a audiência final, com observância do pertinente formalismo legal. No final foi proferida decisão que condenou a R. a pagar ao A.: A. Pela reparação do veículo, o montante de € 16.655,28 (dezasseis mil seiscentos e cinquenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos) acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação. B. Pela privação do uso, o montante diário de € 10,00até ao pagamento da quantia referida em A. (valor este que nesta data ascende a € 7.030,00, sete mil e trinta euros) e até ao montante máximo de € 7.299,90, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação, quanto à quantia vencida até essa data e com juros de mora a partir da presente data, quanto ao remanescente. Fixando as custas a cargo da R. * Inconformada com essa sentença, apresentou a R. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1ª) A apelação versa seja matéria de facto e de direito, atenta a prova gravada e a prova documental dos autos, enquanto validamente adquirida e efeitos ínsitos à mesma; 2ª) Os factos impugnados são os dos itens 10º-12º da fundamentação da sentença, mais se promovendo – vd. texto – uma apreciação oficiosa do modo indefinido como aquele que foi levado ao facto do item 28º; 3ª) Em função da prova testemunhal apontada no texto, e nele transcrita, ou com as passagens nele expressas, devem tais itens 10º-12 ser julgados como não provados; 4ª) E em função da prova carreada aos autos, seja a documental seja toda a testemunhal que se acha neles gravada e é mister ouvir, ou a considerar oficiosamente, nos termos processuais legais – vd. o disposto no art. 662º NCPC –, deve o valor levado ao item 28º ser tido como provado sem mais; 5ª) Com a alteração da factualidade dos itens 10º-12º da sentença, parece claro que uma só solução legal pode ser trazida em sufrágio do caso aqui em presença, seja ela a da responsabilidade objectiva com a divisão de concorrência de risco ou de culpas, por assim dizer, em partes iguais, segundo a fórmula consagrada pelo art. 506º CCivil; 6ª) Atenta a sindicância requerida e/ou exigida ao caso, para aperfeiçoar o juízo de equidade obrigatoriamente implicado à luz do disposto nos arts. 562º segs., maxime art. 566º CCivil, deve ainda a indemnização atribuída à autoria da acção ser reduzida em conformidade com o alegado no texto, porquanto: a) estamos na presença dum caso de “perda total” por aplicação, que deve fazer-se, do disposto no art. 41º DL 291/2007 e de modo a não tornar a reparação do dano como demasiado onerosa para o lesante; b) e existe detenção pelo lesado doutro veículo, deve a indemnização da imobilização ser reduzida a 50%, segundo o brocardo dois em um, assim sendo de melhor justiça, e ficando ao abrigo da regra da equidade, como se requer seja promovido e/ou seja actuado in casu pelo tribunal ad quem, sempre segundo o disposto no art. 662º NCPC. TERMOS EM QUE, Deve o recurso ser julgado procedente e a indemnização atribuída à autoria da acção ser reduzida em conformidade com o alegado no texto e conclusões antecedentes, com as consequências legais e assim se fazendo a habitual JUSTIÇA! * Notificado das alegações de recurso interpostas pela R., veio o A. apresentar a sua resposta, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: a)- o autor nada tem a apontar à douta sentença proferida pelo Mmº Juiz da Instância Local Cível de Barcelos, Juiz 3, nos presentes autos b)- a mesma fez uma corretíssima apreciação da matéria de facto, motivou de forma claríssima essa sua apreciação e, de forma exemplar, aplicou o direito c)- Sentença correta, justa e adequada ao caso concreto não porque não ser mantida d)- não assiste qualquer razão à apelante para por em confronto o depoimento dos condutores envolvidos porque de depoimentos de valor diferente se trata e)- o condutor do veículo da apelante conduzia o mesmo em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 1,46 gr/litro f)- este mesmo condutor nem sequer sabia qual o sentido de trânsito em que seguia pois declarou à PSP no dia do acidente que seguia em sentido contrário ao que efectivamente seguia g)- este condutor tinha a sua atenção, concentração e reflexos afetados pela dita taxa de álcool, não se encontrando na posse plena das capacidades físicas e psíquicas para conduzir h)- contrariamente à condutora do veículo do autor que após noite de sono seguia tranquila, ainda a poucos metros de casa, para uma formação i)- Tudo isto pelas 7,20h após uma noite de farra e festa para o condutor do veículo da apelante j)- Pelo que não são sequer comparáveis os depoimentos de ambos os condutores k)- não existindo duvidas quanto ao valor e veracidade do depoimento da condutora do veículo do autor l)- pelo que a sentença proferida não sofre de nenhum dos deméritos apresentados nas alegações de recurso pela apelante m)- e, por isso, nenhuma matéria de facto dada como provada deve ser alterada n)- Sendo de manter na íntegra o decidido Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, Venerandos Desembargadores deve a apelação interposta ser julgada improcedente, por não provada e mantida a douta decisão proferida em primeira instância, assim se fazendo a sempre tão almejada JUSTIÇA ! * A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.* Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que: I) - se altere a matéria de facto dada como provada em 10º, 11º, 12º e 28º, dando-se como não provados os três primeiros e alterado o teor do último; II) - procedente a impugnação da matéria de facto, se reaprecie em conformidade a decisão de mérito da acção * 3 – OS FACTOS 1 - FACTOS PROVADOS: Em consequência da prova produzida em audiência de julgamento, resultou provado que: 1) No dia 1 de Maio de 2015 pelas 07.20h, na estrada nacional n.º 204, na cidade de Barcelos, União das freguesias de Barcelos, Vila Boa e Vila Frescainha S. Martinho e S. Pedro, e que liga esta cidade à de Ponte de Lima, ocorreu um acidente de viação entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula LN, conduzido por G. R. e propriedade de A. R., residentes no Bairro …, Mujães, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros matricula QG, conduzido por T. P., residente em Barcelos, e propriedade do aqui autor. 2) O acidente deu-se na referida estrada nacional, no local situado entre duas rotundas destinadas à circulação do trânsito automóvel, designadas por Rotunda do Professor situada a norte e a Rotunda Cibernética situada a Sul. 3) A estrada nacional n.º 204, no local da ocorrência do acidente, configura uma curva aberta descrita para o lado direito atento o sentido de marcha sul - norte, ou seja, Barcelos-Ponte de Lima, curva essa precedida por uma recta de cerca de 200 metros com início a sul, na rotunda Cibernética. 4) A faixa de rodagem apresentava o seu piso pavimentado e asfaltado, e em bom estado de conservação, o qual no momento da ocorrência do acidente estava molhado e escorregadio, devido à chuva que se fazia sentir. 5) A faixa de rodagem da estrada nacional n.º 204 tinha, e tem, uma largura de 6,90m, e comporta dois sentidos de trânsito delimitados, à data do acidente, por uma linha longitudinal branca e descontínua, com uma hemi-faixa de rodagem para cada sentido com uma largura de 3,45m cada, destinada cada uma delas a um sentido de marcha. 6) A faixa de rodagem apresentava, e apresenta, nas suas margens bermas pavimentadas a asfalto e com uma largura de 2,30 m cada. 7) Sendo que a berma que margina a faixa de rodagem, pelo lado direito atento o sentido de marcha norte-sul, era e é ladeada por um rail metálico de protecção. 8) No dia, hora e local referidos em 1), o veículo QG, conduzido por T. P., circulava na referida estrada nacional, no sentido norte-sul, ou seja, Rotunda do Professor - Rotunda Cibernética, rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, a velocidade não concretamente apurada. 9) No mesmo dia e hora, pela mesma estrada, mas em sentido contrário ao do QG, ou seja, no sentido sul-norte, circulava o veículo LN conduzido pelo identificado G. R.. 10) O veículo LN após percorrer a recta referida em 3) e ao descrever a mencionada curva para a direita, atento o seu sentido de marcha sul - norte, transpôs o eixo divisório da faixa de rodagem da estrada nacional n.º 204, delimitado pela linha longitudinal descontínua, e invadiu a metade esquerda da referida faixa de rodagem, atento o sentido de marcha sul-norte, no preciso momento em que aí circulava o veículo QG nas condições referidas em 8). 11) O veículo LN invadiu a faixa de rodagem do OG, sem travar nem reduzir a velocidade a que seguia animado, e foi embater, como embateu, de forma violenta, contra o veículo QG, que circulava rigorosamente, pela metade direita da faixa de rodagem atento o sentido norte-sul. 12) O embate entre o veículo LN e o veículo QG dá-se totalmente dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do QG, norte – sul. 13) E dá-se com o vértice frente do lado esquerdo e parte lateral esquerda do LN na parte lateral esquerda do veículo do autor, mais concretamente na zona do pneu lado esquerdo da frente até à porta, inclusive, do lado do condutor. 14) A maior parte dos destroços dos veículos QG e LN provocados pelo embate, designadamente óleo, fragmentos de plástico, vidros, bem como marcas do embate dos mesmos no pavimento, ficaram situados na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha seguido pelo veículo do autor. 15) O veículo LN após embater no veículo QG, ainda foi embater no rail de protecção existente no lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do veículo do autor, após o que se imobilizou junto ao mesmo e a distância não concretamente apurada a norte do local do embate entre os dois veículos. 16) Por sua vez, com o embate violento do LN no QG, o pneu da frente do lado do condutor do QG separou-se do veículo. 17) G. R., no momento do acidente, conduzia com uma taxa de álcool no sangue nunca inferior a 1,46 g/litro. 18) G. R. foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, a) do Código Penal, em processo sumário que correu termos com o n.º 184/15.3PABCL, da secção criminal – J2 Barcelos – Instância Local. 19) Já em data anterior ao acidente, G. R. tinha sido condenado por condução de veículo em estado de embriaguez, no processo n.º 800/13.1PBVCT, por sentença transitada em julgado. 20) A taxa de álcool no sangue de 1,46 g/litro de que o condutor do LN era portador, no momento do acidente, diminui-lhe a atenção, a concentração e os reflexos necessários à condução automóvel, o que fez com que, para além do mais, perdesse o controlo do veículo que conduzia nos termos referidos em 10) e 11). 21) No momento em que ocorreu o acidente, o condutor do LN não se encontrava na posse das plenas capacidades físicas e psíquicas para conduzir. 22) A estrada no local onde ocorreu o acidente situa-se e serve de acesso a uma zona urbana com várias habitações, sendo que o limite de velocidade permitido no local é de 50 km/h, limite de velocidade sinalizado pela existência de sinal vertical de proibição de exceder aquela velocidade. 23) Como consequência directa e necessária do acidente dos autos resultaram danos no veículo do autor, consistentes no amolgamento e destruição das seguintes peças: motor regulação farol esquerdo, farolim pisca frente esquerdo, para choques, farolim pisca lateral frente esquerdo, travessa para choques frente, absorvedor esquerdo para choques frente, apoio esquerdo, para choques frente, moldura esquerda, para choques frente, junta para choques frente, grelha para choques frente, moldura inferior farol esquerda, moldura farol esquerda, tubo esquerdo para choques frente, cabo abertura capot frente, cabo frente, abertura capot frente, guarda lamas frente esquerda, protecção cava roda frente esquerda, vidro para brisas, moldura superior, vidro pára brisas, moldura lateral frente esquerda, longarina esquerda, corte painel, longarina frente esquerda debaixo chão, ref. inf. longarina frente esquerda, debaixo chão, pilar A interno esquerdo, embaladeira interior esquerda, travessa frente branco frente esquerda, guarnição inferior pilar A esquerda, guarnição pilar B esquerda, guarnição embaladeira esquerda, porta frente esquerda, aba exterior porta frente esquerda, moldura retrovisor porta esquerda, vidro retrovisor esquerdo, carcaça retrovisor esquerda, retrovisor esquerdo, elevador vidro frente esquerdo, motor elevador vidro esquerdo, lâmina isolante porta frente esquerda, vidro porta frente esquerda, moldura porta frente esquerda, guarnição porta trás esquerda, moldura porta traseira esquerda, airbag, volante, cablagem airbag volante, unidade controlo airbag, sensor esquerdo airbag, airbag painel, tampa airbag painel, cinto frente esquerdo, cinto frente direito, fixação cinto frente esquerdo, fixação cinto frente direito, cinto traseiro cent, ,cinto traseiro esquerdo, braço suspensão frente esquerda, rotula braço suspensão frente esquerda, manga frente esquerda, ponte frente, amortecedor esquerdo suspensão frente, mola esquerda suspensão frente, apoio inferior mola frente esquerda, limite amortecedor frente esquerdo, block superior amortecedor frente esquerdo, copo amortecedor frente esquerdo, apoio superior mola frente esquerda, guarda- pó amortecedor frente esquerdo, protecção superior amortecedor frente esquerda, barra estabilizadora frente, biela esquerda, estabilizadora frente, pneu frente esquerda, jante roda frente esquerda, pinça travão frente esquerda, apoio pinça travão frente esquerdo, disco travão frente esquerdo, protecção disco travão frente esquerda, pastilhas travão frente, tubo travão frente esquerda, farol esquerda, cuja reparação e substituição das peças danificadas, com trabalho de chapeiro, pintura e mecânica foi orçada no montante de € 13.540,80 a que acresce o IVA de € 3.114,48. 24) Em virtude dos danos referidos em 23), o veículo QG ficou impossibilitado de circular e foi rebocado para a oficina Pintura A, com sede em …, Barcelos, onde se mantém. 25) Até ao presente, o veículo QG encontra-se por reparar atento o facto de o autor não ter possibilidades económicas para o seu pagamento na totalidade. 26) O autor solicitou por carta registada e enviada para a ré, em Julho de 2015, um veículo em substituição do acidentado, com as mesmas características ao acidentado e/ou a reparação do mesmo 27) Porém a ré nunca o fez. 28) O veículo do autor, marca BMW turbo-diesel e de quatro portas, encontrava-se à data do acidente em bom estado de conservação, tinha um valor comercial não concretamente apurado, mas não inferior a € 6.100,00, e servia e serve na perfeição os interesses do autor. 29) Desde a data do acidente, o autor encontra-se privado de usar o veículo QG. 30) O autor utilizava o referido veículo, para se transportar a si ou ao seu agregado familiar, composto por si, sua mulher e dois filhos, e de acordo com as suas necessidades 31) Durante a privação do mesmo resultaram, e resultam ainda, para si incómodos de vária ordem, tendo de recorrer a ajuda de terceiras pessoas e a horários diferentes dos habituais para colmatar as necessidades de deslocação suas e as dos membros do seu agregado familiar. 32) O autor é proprietário de outro veículo. 33) O proprietário do veículo LN tinha celebrado contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com a ré Companhia de Seguros A titulado pela apólice n.º 20…6, o qual vigorava em 01.05.2015.*2 - FACTOS NÃO PROVADOS: Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado que: a) O veículo LN circulava a uma velocidade excessiva, superior a 80 km/h. b) O condutor do veículo LN à data do acidente conduzia o dito veículo por conta e no interesse do seu proprietário A. R.. c) Ambos os veículos circulavam a mais de 100 km/hora. d) A condutora do veículo QG seguia distraída e não avistou o veículo LN. e) A taxa de álcool com que seguia o condutor do LN alterou-lhe o estado de espírito e a sua disposição, provocando-lhe um estado de euforia anormal. f) O veículo do autor tinha um valor comercial de € 12.000,00. g) O valor dos salvados do veículo QG era de € 2.100,00.*O demais alegado pelo autor e pela ré constitui matéria de direito, de negação ou conclusiva ou é irrelevante para a decisão (considerando nomeadamente as regras do ónus da prova).*3 - Motivação da Decisão de Facto: Nos termos do disposto no art. 607.º, n.ºs 4 e 5 do Novo Código de Processo Civil, o juiz deve indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas. Assim, o tribunal formou a sua convicção, apreciando livremente as provas e analisando de forma crítica e conjugada a totalidade da prova produzida, valorando a prova documental junta aos autos, nomeadamente a imagem do local (retirada do Google Maps) de fls. 13, as fotografias do local de fls. 13v a 14 e 21, a certidão do processo n.º 184/15.3PABCL de fls. 14v a 18, o orçamento de reparação de fls. 18v a 20v, as cartas e emails de fls. 20, 21, 58v, 60v a 63v, a apólice de seguro de fls. 31 a 56, a informação sobre o veículo acidentado e outros veículos do autor de fls. 57 e 58, a declaração amigável de acidente automóvel de fls. 59v, 60 e 86 e o auto de participação de acidente da PSP de fls. 92 a 102, em conjugação com os depoimentos de T. S. (cunhada do autor, que se cruzou com a mesma, pouco antes do acidente), T. P. (filha do autor e condutora do veículo), H. P. (agente da PSP que se deslocou ao local), V. P. (pessoa que passou no local logo após o acidente), R. S. (agente da PSP que elaborou o auto), R. A. (bombeiro que foi ao local), C. R. (bombeiro que foi ao local), R. L. (bombeiro que foi ao local), C. C. (mecânico) e G. R. (condutor do veículo seguro na ré). Em concreto, quanto aos factos dados como provados em 1) a 7), 9), 13), 26) e 27) o Tribunal valorou exclusivamente o acordo das partes acerca dos mesmos, uma vez que o autor e a ré aceitam tais factos, tal como decorre dos articulados e ao abrigo do disposto no art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, foram os mesmos dados como provados. No que concerne aos factos dados como provados em 17) a 19), atendeu-se exclusivamente à certidão do processo judicial junta aos autos, que não foi impugnada e que faz prova plena dos mesmos. Relativamente aos factos dados como provados em 8), 10) a 12) e 14) a 16), o tribunal valorou conjuntamente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com o auto de participação de acidente e as fotografias do local e dos veículos. No que concerne à forma como ocorreu o acidente, apenas os respectivos condutores depuseram a tal factualidade, pois nenhuma das outras testemunhas que depôs em audiência de julgamento presenciou o mesmo. Contudo, conjugaram-se tais depoimentos com os demais, na medida em que as restantes testemunhas, com excepção de C. C., estiveram no local, logo após o acidente. E todas as testemunhas que estiveram no local do acidente, logo após o mesmo, foram coerentes, com mais ou menos precisão, acerca da posição dos veículos na via, do estado de chuva que se fazia sentir, bem como da existência dos destroços, porque genericamente, não tendo nenhum deles relação com as partes, nem interesse na demanda, mereceram-nos credibilidade. Dos dois condutores resultaram duas versões distintas do acidente. T. P. afirmou que tinha acabado de sair de casa para ir para uma formação, chovia imenso e por isso ia devagar (40/50 km/h), entra e sai da rotunda do Professor e, pouco depois de sair da rotunda, já vê o outro veículo, que nesse momento vem na sua faixa, e depois o tal carro não faz a curva, entra em despiste e embate no carro que conduzia, na faixa em que ela seguia. Explicou que o outro veículo não vinha fora de mão, ele quando acaba de descrever a curva é que sai de mão (faixa), deixou de descrever a curva e vem enviesado momentos antes da colisão e sai da mão dele. Tem a percepção que ele pisou a linha divisória e que invadiu a faixa em que ela própria seguia. Por outro lado, G. R. disse que ia sossegado na sua mão, e que a outra condutora começou a cortar a mão, ela cortou a curva e veio contra mim. Chovia muito, seguia a cerca de 50 km/hora, tinha acabado de entrar naquele acesso, porque tinha saído da rotunda e nunca perdeu o controlo do veículo e vai a fazer a curva para dentro. Mais disse que vinha da Festa das Cruzes de Barcelos, mas «eu tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir… sabia que tinha bebido é certo… mas eu quando vou conduzir não sei a taxa de álcool… eu sentia-me bem». Conjugado com tais depoimentos temos que o descrito pela testemunha T. P. corresponde com as declarações que a própria prestou à PSP na sequência do acidente e que constam a fls. 96, de onde resulta «apercebo-me de um carro preto, na minha faixa de rodagem». Todavia, G. R., no dia do acidente à PSP disse apenas que «quando uma viatura embate na minha», mas não especificou mais nada e até se enganou com o sentido em que seguia, pois declarou que seguia em sentido contrário ao que efectivamente levava (fls. 97). Por outro lado, resulta ainda do aditamento ao auto de participação de acidente que a maior parte dos destroços encontravam-se na faixa da direita, sentido Rotunda do Professor – Rotunda da Cibernética (conforme fls. 102), sendo que R. S., que foi quem elaborou a participação, explicou o porquê da realização de tal aditamento e da inexistência de fotografias, bem como que efectivamente a maioria dos destroços se encontravam em tal faixa de rodagem. Esta testemunha disse ainda que tinha havido velocidade no acidente, pois os carros ficaram distanciados entre si 120 metros (tal como também consta da participação), mas não sabe precisar a que velocidades seguiriam um ou os dois veículos. H. P. também afirmou que o choque foi aparatoso e indiciava alguma velocidade, havia destroços por toda a via e nada mais sabia, pois na altura ficou responsável por coordenar o trânsito. V. P., que vai a passar no local por mero acaso, descreveu de forma isenta a situação de T. P. e do veículo, e bem ainda que a mesma na altura disse que «eles vieram para o meu lado». C. R. descreveu a posição dos veículos na via e disse que havia destroços do lado direito (sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética) e do outro lado havia «uma coisa mínima». Também R. L. explica a posição dos veículos (ainda que haja uma incoerência quanto à posição do veículo conduzido por G. R.) e diz que há destroços por toda a via. Considerando o auto de participação de acidente e os depoimentos das testemunhas que estiveram no local depois do acidente, verifica-se que os veículos ficaram distantes um do outro, na faixa/berma da faixa contrária àquela em que seguiam e em sentido contrário ao do sentido de marcha que levavam, cada um deles sem a roda da frente do lado do condutor, e que a maior parte dos destroços do acidente estavam na faixa da direita atento o sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética. Por outro lado, a testemunha T. P. apresentou-se com uma postura serena, e não obstante ser filha do autor, depôs de forma isenta e imparcial, com um discurso que foi espontâneo, conciso e consistente, porque detalhado e sempre coerente e sem contradições, ao que acresce que o que disse em audiência de julgamento, corresponde ao que no próprio dia do acidente disse à testemunha V. P. e ao agente da PSP R. S.. Acresce que, como todos referiram, tinha sido uma noite e era um dia de muita chuva, e que o outro veículo não conseguiu fazer a curva e entrou em despiste, o que se compreende atendendo ao estado de alcoolémia em que seguia o outro condutor, acrescido pelo cansaço que traria de ter estado toda a noite na Festa das Cruzes. Conjugando a taxa de álcool, o cansaço, a chuva intensa e o piso molhado, bem como a posição da maioria dos destroços na via, temos que os factos tal como foram relatados pela testemunha T. P., são coerentes e consistentes, não saindo o seu depoimento infirmado por qualquer meio de prova consistente, e sendo até certo que, na medida do que era possível, o seu depoimento foi corroborado, e como tal o mesmo mereceu-nos total credibilidade. Já o depoimento de G. R. não nos mereceu credibilidade, pois não foi corroborado por qualquer outro meio de prova, sendo certo que não seguia sozinho no veículo que conduzia, e até porque no momento do acidente seguia com uma taxa de álcool de 1,46 gr/litro, e vinha de uma festa (sendo que o acidente deu-se por volta das 7.00 horas da manhã), o que não é congruente com o seu depoimento de que ia «sossegado» na sua faixa, ao que acresce que ainda afirmou categórico que tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir e que se sentia bem, sendo certo que no dia do acidente não declarou à PSP que a outra condutora invadiu a sua faixa de rodagem e ainda se enganou no sentido de trânsito em que seguia. Ou seja, o seu depoimento em audiência de julgamento, não foi corroborado por qualquer meio de prova. Considerando o supra exposto e porque o depoimento de T. P. nos mereceu credibilidade, foram os factos dados como provados na exacta medida do que pela mesma foi dito. Quanto à velocidade a que seguiam os veículos, foi a mesma dada como não provada em a) e c), pois ambos disseram que seguiam a velocidade inferior a 50 km/hora (que era a velocidade máxima permitida no local), mas não há prova consistente de tal facto, e que sai infirmada pelos depoimentos dos agentes da PSP que afirmaram que a posição dos veículos após o embate indiciava alguma velocidade (e que quer fosse inferior ou superior a 50 km/hora, sempre poderia ser excessiva atendendo ao estado de chuva que se fazia sentir). Também nenhuma prova se fez do referido em d) dos factos não provados, e como tal, por ausência de prova, foi tal circunstancialismo tido por não provado. Os factos dados como provados em 20) e 21) resultam provados por presunção nos termos do art. 349.º e 351.º, ambos do Código Civil. Como escreve Luís Pires de Sousa (in Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, pág. 273) está em causa uma «matéria em que as máximas da experiência de índole científica, designadamente no campo da medicina e biologia, são chamadas a ter um papel esclarecedor e determinante porquanto o seu fundamento cognoscitivo assenta em conhecimentos científicos dotados de um grau de probabilidade muito elevado», sendo certo que há diversos estudos científicos acerca dos efeitos do álcool no organismo, e de entre os efeitos mais comuns no que concerne à condução automóvel, estão aqueles que se relacionam com uma menor rapidez de decisão do condutor, a descoordenação de movimentos, o aumento do respectivo tempo de reacção e a diminuição dos seus reflexos e capacidade de percepção das distâncias, bem como uma redução acentuada da sua capacidade de visão, efeitos esses que se verificam a partir de taxas de 0,3 a 0,5 gramas por litro. Tal como também se escreveu no Ac. do STJ de 07.07.2010, proferido no proc. 2273/03.8TBFLG.G1.S1., in www.dgsi.pt «está cientificamente estabelecida – e revelada pela experiência comum – uma relação entre o álcool e a diminuição das capacidades de vigilância e rapidez de reacção, que naturalmente varia em função da quantidade de álcool no sangue e das pessoas em concreto, mas que constitui base suficiente para as referidas presunções.» Desta forma, considerando o exposto, e tendo presente a taxa de álcool com que seguia G. R. (a qual constitui já a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez) temos de concluir, à luz das regras da lógica e do homem comum, que o dito G. R. tinha a sua atenção, concentração e reflexos afectados pela dita taxa de álcool, não se encontrando na posse plena das capacidades físicas e psíquicas para conduzir. Considerando tal facto e ainda que o mesmo estava cansado pois estava acordado há longas horas, em convívio/festa (o próprio reconheceu que vinha da festa das Cruzes), e até chuva intensa da noite anterior e do momento do acidente, concluímos também que tudo isso, o fizeram perder o controlo do veículo, nos termos dados como provados. O facto provado em 22) resulta da conjugação do auto de notícia, com as fotografias juntas (de onde resulta a existência de sinal limitador da velocidade no local) e do depoimento de R. S., que descreveu a via e a velocidade permitida na mesma, e que não foram infirmados por qualquer meio de prova. No que concerne ao facto dado como provado em 23), atendeu-se conjuntamente ao depoimento de C. C. e ao documento de fls. 18v a 20v, que não foram infirmados por qualquer meio de prova, nem mesmo pela avaliação da ré que de acordo com carta de fls. 63, sempre considera que é necessário, no mínimo, € 9.816,00, mas que não infirma que seja, efectivamente, necessário o valor constante do orçamento e, por isso, crendo no documento e no depoimento foi tal facto dado como provado. Os factos dados como provados em 24), 25) e 28) a 32) resultaram da conjugação dos depoimentos de T. S., T. P. e C. C., em conjugação com os documentos juntos aos autos. Do documento de fls. 57 e 58 resulta que o autor tem outro veículo em seu nome, o que as testemunhas T. S. e T. P. também confirmaram. Relativamente à impossibilidade de circulação e não reparação do veículo, atendeu-se ao depoimento das testemunhas que assim o confirmaram, e que não foram infirmadas por qualquer outra prova. No que concerne ao valor do veículo à data do acidente, a única pessoa que avançou valores foi T. P., contudo, o seu depoimento, só por si, não é suficiente para a prova de tal facto. Com efeito, a dita testemunha não referiu ter conhecimentos específicos da área da avaliação automóvel – sendo que até o mecânico C. C. – não avançou qualquer valor. Por outro lado, T. S., proprietária inicial do veículo, tinha vendido o mesmo ao autor, em 2008, pelo preço de € 14.000,00 (ou seja, sete anos antes do acidente). Deste modo, na ausência de prova segura e não se conseguindo lançar mão de qualquer elemento objectivo, apenas demos por provado o valor que a própria ré assumiu, extrajudicialmente, que o dito veículo tinha (vide fls. 63), pois se a ré o reconheceu, certamente, pelo menos, tal valor teria. Disto tudo resultou evidentemente não provado o valor referido em f) dos factos não provados. Relativamente à privação do uso do veículo pelo autor, atendemos aos depoimentos de T. S. e T. P., pois foram ambos coincidentes e coerentes entre si, e relataram que o autor, efectivamente, e depois do acidente deixou de dispor de veículo automóvel, deslocando-se ou a pé, ou de bicicleta para escola, ou então utiliza o veículo da testemunha T. S., na condição de levar a filha da testemunha ao trabalho. Não invalida estes depoimentos, a existência de um outro veículo, pois como a testemunha T. P. relatou, trabalha em Braga e necessita do carro para ir trabalhar, pelo que utiliza o outro veículo que o pai tem em seu nome, o que diga-se é uma situação usual e corrente na sociedade actual, quando os filhos moram com os pais, que os veículos estejam em nome dos pais e lhes pertençam, mas ser os filhos a utilizá-los, em função das suas necessidades. Considerando tais depoimentos, que não foram infirmados, o tribunal deu tais factos como provados. O facto provado em 33) resulta do acordo das partes, em conjugação com a apólice de seguro junta aos autos pela ré. No que concerne aos factos dados como não provados em b), e) e g), o tribunal deu os mesmos como não provados por ausência de qualquer prova. [transcrição de fls. 163vº a 169]. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO I) Alteração da matéria de facto Diverge a apelante da decisão da matéria de facto dada como provada em 10º, 11º, 12º e 28º, pretendendo que se dê como não provados os três primeiros e se altere o teor do último (dando-se como provado sem mais o valor de € 6.100,00 como o valor médio do BMW no mercado de usados e não o seu valor mínimo, e, atendendo à orçamentação de danos do ponto 23, ser tido este sinistro como de perda total). Relativamente aos 3 primeiros, indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, transcrevendo e indicando os trechos dos depoimentos das testemunhas em que se baseia. Já quanto ao último facto tal não acontece, autonomizando-se a sua abordagem para o fim. Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, não só os que constam das três alíneas do n.º 1 como igualmente o imposto pela alínea a) do n.º 2. Cumpre, pois, apreciar. O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento. Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto. Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa. As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC. Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção. Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão. Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”. Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida” - in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192. Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela - in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420. Na situação sub judicio os factos em investigação admitem a prova testemunhal. Ora, como acima se referiu, o valor probatório dos depoimentos das testemunhas, nos termos do disposto no art. 396º do CC, está sujeito à livre (e conscienciosa) apreciação do julgador. Sendo admitida prova testemunhal (e na medida em que o seja), é igualmente permitido o recurso às presunções judiciais, de acordo com o disposto no art. 351º do CC, que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art. 349º, ainda do C C O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo. Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” - in B.M.J. nº 112, pág. 190. Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto. O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela – obra supracitada. Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC. De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso. Já quanto ao último facto - o 28º -, a recorrente não cumpre todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC, não indicando, in casu, qual ou quais os concretos meios de prova que imporiam a pretendida alteração dessa matéria de facto, motivo pelo qual sempre teria de improceder a sua pretensão. Acresce que a outra questão - ser tido este sinistro como de perda total - contende já com a reapreciação da decisão de mérito da acção, onde se terá de ter em atenção os preceitos legais da indemnização dos arts. 562º e ss. do CC e/ou do seu princípio da equidade. Rejeita-se assim, quanto a este facto, a pretendida alteração, sem prejuízo da questão ser abordada infra, aquando da reapreciação da decisão de mérito da acção.*Analisemos, então, como já referido supra, a pretensão da apelante em ver alterada a matéria de facto dada como provada em 10º, 11º e 12º, querendo que se dê como não provados os mesmos. Isto porque entende que só assim se respeitará a prova carreada para os autos.*A Meritíssima Juiz a quo considerou provado que 10) O veículo LN após percorrer a recta referida em 3) e ao descrever a mencionada curva para a direita, atento o seu sentido de marcha sul - norte, transpôs o eixo divisório da faixa de rodagem da estrada nacional n.º 204, delimitado pela linha longitudinal descontínua, e invadiu a metade esquerda da referida faixa de rodagem, atento o sentido de marcha sul-norte, no preciso momento em que aí circulava o veículo QG nas condições referidas em 8). 11) O veículo LN invadiu a faixa de rodagem do OG, sem travar nem reduzir a velocidade a que seguia animado, e foi embater, como embateu, de forma violenta, contra o veículo QG, que circulava rigorosamente, pela metade direita da faixa de rodagem atento o sentido norte-sul. 12) O embate entre o veículo LN e o veículo QG dá-se totalmente dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do QG, norte – sul. Motivando tal decisão, o tribunal considerou que Nos termos do disposto no art. 607.º, n.ºs 4 e 5 do Novo Código de Processo Civil, o juiz deve indicar as provas que serviram para formar a sua convicção e bem ainda proceder ao exame crítico das mesmas. Assim, o tribunal formou a sua convicção, apreciando livremente as provas e analisando de forma crítica e conjugada a totalidade da prova produzida, valorando a prova documental junta aos autos, nomeadamente a imagem do local (retirada do Google Maps) de fls. 13, as fotografias do local de fls. 13v a 14 e 21, a certidão do processo n.º 184/15.3PABCL de fls. 14v a 18, o orçamento de reparação de fls. 18v a 20v, as cartas e emails de fls. 20, 21, 58v, 60v a 63v, a apólice de seguro de fls. 31 a 56, a informação sobre o veículo acidentado e outros veículos do autor de fls. 57 e 58, a declaração amigável de acidente automóvel de fls. 59v, 60 e 86 e o auto de participação de acidente da PSP de fls. 92 a 102, em conjugação com os depoimentos de T. S. (cunhada do autor, que se cruzou com a mesma, pouco antes do acidente), T. P. (filha do autor e condutora do veículo), H. P. (agente da PSP que se deslocou ao local), V. P. (pessoa que passou no local logo após o acidente), R. S. (agente da PSP que elaborou o auto), R. A. (bombeiro que foi ao local), C. R. (bombeiro que foi ao local), R. L. (bombeiro que foi ao local), C. C. (mecânico) e G. R. (condutor do veículo seguro na ré). Em concreto, (…) Relativamente aos factos dados como provados em 8), 10) a 12) e 14) a 16), o tribunal valorou conjuntamente os depoimentos das testemunhas, em conjugação com o auto de participação de acidente e as fotografias do local e dos veículos. No que concerne à forma como ocorreu o acidente, apenas os respectivos condutores depuseram a tal factualidade, pois nenhuma das outras testemunhas que depôs em audiência de julgamento presenciou o mesmo. Contudo, conjugaram-se tais depoimentos com os demais, na medida em que as restantes testemunhas, com excepção de C. C., estiveram no local, logo após o acidente. E todas as testemunhas que estiveram no local do acidente, logo após o mesmo, foram coerentes, com mais ou menos precisão, acerca da posição dos veículos na via, do estado de chuva que se fazia sentir, bem como da existência dos destroços, porque genericamente, não tendo nenhum deles relação com as partes, nem interesse na demanda, mereceram-nos credibilidade. Dos dois condutores resultaram duas versões distintas do acidente. T. P. afirmou que tinha acabado de sair de casa para ir para uma formação, chovia imenso e por isso ia devagar (40/50 km/h), entra e sai da rotunda do Professor e, pouco depois de sair da rotunda, já vê o outro veículo, que nesse momento vem na sua faixa, e depois o tal carro não faz a curva, entra em despiste e embate no carro que conduzia, na faixa em que ela seguia. Explicou que o outro veículo não vinha fora de mão, ele quando acaba de descrever a curva é que sai de mão (faixa), deixou de descrever a curva e vem enviesado momento antes da colisão e sai da mão dele. Tem a percepção que ele pisou a linha divisória e que invadiu a faixa em que ela própria seguia. Por outro lado, G. R. disse que ia sossegado na sua mão, e que a outra condutora começou a cortar a mão, ela cortou a curva e veio contra mim. Chovia muito, seguia a cerca de 50 km/hora, tinha acabado de entrar naquele acesso, porque tinha saído da rotunda e nunca perdeu o controlo do veículo e vai a fazer a curva para dentro. Mais disse que vinha da Festa das Cruzes de Barcelos, mas «eu tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir… sabia que tinha bebido é certo… mas eu quando vou conduzir não sei a taxa de álcool… eu sentia-me bem». Conjugado com tais depoimentos temos que o descrito pela testemunha T. P. corresponde com as declarações que a própria prestou à PSP na sequência do acidente e que constam a fls. 96, de onde resulta «apercebo-me de um carro preto, na minha faixa de rodagem». Todavia, G. R., no dia do acidente à PSP disse apenas que «quando uma viatura embate na minha», mas não especificou mais nada e até se enganou com o sentido em que seguia, pois declarou que seguia em sentido contrário ao que efectivamente levava (fls. 97). Por outro lado, resulta ainda do aditamento ao auto de participação de acidente que a maior parte dos destroços encontravam-se na faixa da direita, sentido Rotunda do Professor – Rotunda da Cibernética (conforme fls. 102), sendo que R. S., que foi quem elaborou a participação, explicou o porquê da realização de tal aditamento e da inexistência de fotografias, bem como que efectivamente a maioria dos destroços se encontravam em tal faixa de rodagem. Esta testemunha disse ainda que tinha havido velocidade no acidente, pois os carros ficaram distanciados entre si 120 metros (tal como também consta da participação), mas não sabe precisar a que velocidades seguiriam um ou os dois veículos. H. P. também afirmou que o choque foi aparatoso e indiciava alguma velocidade, havia destroços por toda a via e nada mais sabia, pois na altura ficou responsável por coordenar o trânsito. V. P., que vai a passar no local por mero acaso, descreveu de forma isenta a situação de T. P. e do veículo, e bem ainda que a mesma na altura disse que «eles vieram para o meu lado». C. R. descreveu a posição dos veículos na via e disse que havia destroços do lado direito (sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética) e do outro lado havia «uma coisa mínima». Também R. L. explica a posição dos veículos (ainda que haja uma incoerência quanto à posição do veículo conduzido por G. R.) e diz que há destroços por toda a via. Considerando o auto de participação de acidente e os depoimentos das testemunhas que estiveram no local depois do acidente, verifica-se que os veículos ficaram distantes um do outro, na faixa/berma da faixa contrária àquela em que seguiam e em sentido contrário ao do sentido de marcha que levavam, cada um deles sem a roda da frente do lado do condutor, e que a maior parte dos destroços do acidente estavam na faixa da direita atento o sentido rotunda do Professor – rotunda da Cibernética. Por outro lado, a testemunha T. P. apresentou-se com uma postura serena, e não obstante ser filha do autor, depôs de forma isenta e imparcial, com um discurso que foi espontâneo, conciso e consistente, porque detalhado e sempre coerente e sem contradições, ao que acresce que o que disse em audiência de julgamento, corresponde ao que no próprio dia do acidente disse à testemunha V. P. e ao agente da PSP R. S.. Acresce que, como todos referiram, tinha sido uma noite e era um dia de muita chuva, e que o outro veículo não conseguiu fazer a curva e entrou em despiste, o que se compreende atendendo ao estado de alcoolémia em que seguia o outro condutor, acrescido pelo cansaço que traria de ter estado toda a noite na Festa das Cruzes. Conjugando a taxa de álcool, o cansaço, a chuva intensa e o piso molhado, bem como a posição da maioria dos destroços na via, temos que os factos tal como foram relatados pela testemunha T. P., são coerentes e consistentes, não saindo o seu depoimento infirmado por qualquer meio de prova consistente, e sendo até certo que, na medida do que era possível, o seu depoimento foi corroborado, e como tal o mesmo mereceu-nos total credibilidade. Já o depoimento de G. R. não nos mereceu credibilidade, pois não foi corroborado por qualquer outro meio de prova, sendo certo que não seguia sozinho no veículo que conduzia, e até porque no momento do acidente seguia com uma taxa de álcool de 1,46 gr/litro, e vinha de uma festa (sendo que o acidente se por volta das 7.00 horas da manhã), o que não é congruente com o seu depoimento de que ia «sossegado» na sua faixa, ao que acresce que ainda afirmou categórico que tinha perfeita consciência que estava em condições para conduzir e que se sentia bem, sendo certo que no dia do acidente não declarou à PSP que a outra condutora invadiu a sua faixa de rodagem e ainda se enganou no sentido de trânsito em que seguia. Ou seja, o seu depoimento em audiência de julgamento, não foi corroborado por qualquer meio de prova. Considerando o supra exposto e porque o depoimento de T. P. nos mereceu credibilidade, foram os factos dados como provados na exacta medida do que pela mesma foi dito. Com o que discorda a apelante, uma vez que foram duas as versões do acidente apresentadas pelos condutores, sem que possa ser possível optar-se por uma delas, prevendo o legislador nestas situações de colisão de veículos sem possibilidade de apuramento das culpas dos seus condutores, a responsabilidade objectiva. Lembrando os depoimentos das testemunhas T. P. (condutora do QG), G. R. (condutor do LN) e R. L. (bombeiro que passou no local do sinistro e ali parou para dar assistência ao mesmo). Defendendo o apelado não assistir qualquer razão à apelante, tendo em consideração toda a prova produzida e valorada pelo Tribunal de 1ª instância, como detalhadamente aí explicitada e que não se resume apenas àquela que a apelante salienta, nem permite ser valorada como ela o faz. Quid iuris? Começa desde já por se dizer que se estranha que a apelante não tenha também pedido a alteração da matéria de facto dada como provada em 20º e 21º, que se encontra articulada com as dos pontos 10, 11 e 12 e é incompatível com a versão que ora trás. O que desde logo constitui entrave ao atendimento da sua pretensão. Mas continuando, como melhor consta da motivação, esta versão da recorrente e que a mesma pretende agora ver consignada, dando-se como não provados os factos dados como provados sob os pontos 10, 11 e 12 não alcançou suficiente convicção junto do Tribunal a quo. Os depoimentos das testemunhas a que a apelante alude, conjugado com o depoimento de outras e com o auto de participação de acidente e as fotografias do local e dos veículos foram adequadamente ponderados, não impondo diferente revaloração por parte desta Relação (cfr. art. 662º/1 do CPC). Efectivamente, a pretensão da apelante valoriza apenas as diferentes versões do acidente apresentadas pelos condutores e que são incompatíveis, porque são as únicas presenciais, ignorando toda a demais prova testemunhal e documental produzida e que contribuiu para a convicção do Tribunal a quo relativamente à forma como ocorreu o acidente, o que não passaria de uma visão parcelar e selectiva dos factos. Não podemos, pois, deixar de salientar que na sua longa e minuciosa análise da prova produzida em audiência, o Tribunal a quo equacionou toda a prova testemunhal e documental trazida pelas partes, incluindo aquela que os recorrentes ora pretendem que seja valorada de forma diferente. Sendo também de relevar para a conjugação da convicção em causa outros elementos objectivos, tais como a posição dos veículos na via e o local em que ficaram imobilizados, o estado do tempo (chuva), os danos ocorridos nos veículos, o local em que se encontravam a maior parte dos destroços (na faixa da direita, sentido Rotunda do Professor – Rotunda da Cibernética, em que o QG circulava), tudo a indiciar alguma velocidade aquando do embate. Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação neste particular. * II) Reapreciação da decisão de mérito da acção quanto aos valores da indemnização fixados à A. Estando todo o recurso na parte da responsabilidade na ocorrência do acidente sustentado na alteração da matéria de facto, que se julgou improcedente, nenhuma alteração pode ser introduzida na decisão recorrida, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Já quanto à questão dos danos e da indemnização a arbitrar, pretende a apelante a reapreciação da decisão no que concerne ao arbitrado valor pela reparação da viatura, que entende ser excessivo uma vez que se está perante uma situação de perda total do veículo, em que é de arbitrar o valor venal da viatura (a reparação natural é excessivamente onerosa). E, neste caso, sendo também de reapreciar o valor arbitrado pela privação do uso do veículo. Privilegiando a reparação natural como disposto no art. 562º do CC, o Tribunal a quo condenou a R. a indemnizar o A. no valor necessário à reparação do veículo, ou seja, no montante de € 13.540,80 a que acresce o IVA de € 3.114,48. Entendendo que a reparação do veículo não era uma situação excessivamente onerosa para a R., a quem incumbia a prova do mesmo, uma vez que se apurou que o veículo servia e serve na perfeição os interesses do A., mas não se apurou o concreto valor comercial do veículo (apenas se tendo provado que o veículo tinha no mínimo o valor de € 6.100,00). Isto é, considerando que o veículo em causa satisfazia as necessidades do A. e que a sua reparação é possível, e bem ainda o valor da mesma, entendemos que não ocorre uma situação de excessiva onerosidade na reparação natural (reparação do veículo) e como tal tem a R. de ser condenada a pagar o valor necessário para que o A. proceda á reparação do veículo. Solução com a qual discorda a recorrente, que entende estar-se perante uma situação de perda total, sendo excessivamente onerosa a reparação natural e justo e equitativo que a indemnização considere o valor venal do veículo no mercado de usados. Quid iuris? O princípio geral na obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente – arts. 562º e 566º do CC. Estabelece o nº 1 desta última disposição legal que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. Quando ocorrer qualquer uma dessas situações, há conversão da obrigação de reparar com a reconstituição natural em obrigação pecuniária. Nos autos a questão que se discute é primacialmente a de saber se a restauração natural é excessivamente onerosa para a R. A reconstituição natural será excessivamente onerosa para o devedor, e por isso um meio impróprio ou inadequado de indemnizar o lesado, sempre que houver uma manifesta desproporção entre o interesse deste e o custo que a reparação natural envolva para o responsável (2). Importa ter em consideração factores subjectivos, como os respeitantes ao devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, bem como as condições do lesado, e o seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado. Nesta sede, o valor a ter em conta não é o valor comercial do veículo, mas sim aquilo que a jurisprudência apelida de valor patrimonial, correspondendo este ao valor que o veículo representa dentro do património do lesado, ou seja, o valor necessário para o lesado adquirir um veículo com as características do veículo sinistrado, adequado a satisfazer as mesmas necessidades e interesses (3). Deste modo, a excessividade há-de aferir-se pela diferença entre dois polos: o preço de reparação e o valor patrimonial do veículo. Ao A. cabia, aqui, a prova de que o veículo sinistrado era susceptível de ser reparado e do montante em que importava a sua reparação e à R. incumbia a prova de que esse valor seria excessivamente oneroso (matéria de excepção), em função do valor patrimonial do veículo. Acontece que embora a R. não tenha logrado provar o concreto valor comercial do veículo (apenas se tendo provado que o veículo tinha no mínimo o valor de € 6.100,00, sabendo-se que o A. o adquirira em 2008, ou seja, sete anos antes do acidente, por € 14.000,00), apurou-se que o valor da reparação natural ascende a um total de € 16.655,28 (€ 13.540,80 a que acresce o IVA de € 3.114,48). Tendo ficado demonstrado que o veículo acidentado era destinado pelo A. para se transportar a si ou ao seu agregado familiar, composto por si, sua mulher e dois filhos, e de acordo com as suas necessidades [cfr. facto vertido em 30)]. Assim, não se pode dizer que o valor do veículo representasse para o A. um valor maior do que o valor da viatura (inexiste justificado interesse específico na reparação do objecto danificado). Logo, podemos facilmente encontrar o valor patrimonial do veículo através do recurso à pesquisa na internet, no site usualmente utilizado para se encontrar referências quanto a valores de veículos usados, isto é, no SV (4), concluindo-se ser justo e equitativo o montante de € 7.500,00 como o valor venal de um BMW 320D de 2000 com 4 portas, em bom estado de conservação, como consta do facto vertido em 28). Podendo, pois, o A. facilmente adquirir um veículo idêntico com o dinheiro correspondente ao seu valor comercial. Assim, para se aferir da excessividade entre o preço de reparação e o valor patrimonial do veículo como supra referido, temos por um lado o valor de € 7.500,00 e por outro o valor de € 16.655,28. Afigurando-se-nos, in casu, com o contexto apurado, ser a reparação natural excessiva, já que esta se revela iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé (5). O art. 41º/1 do DL nº 291/2007, de 21-08 (Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), que resultou da transposição para o ordenamento jurídico nacional da Directiva n.º 2005/14/CE, reequacionou o regime da perda total, entendendo que “um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique”, nomeadamente, a hipótese contemplada pela respectiva alínea b), ou seja, em que “se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança;”. O nº 2 do diploma legal em apreço estatui que “o valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente”, acrescentando o seu nº 3 que “o valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização”. Deste modo, por força da Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, o patamar da indemnização pecuniária situa-se, actualmente, em 100% do valor venal do veículo, no caso de veículos com menos de dois anos, e, em 120% desse mesmo valor, para os veículos com mais de dois anos, sendo certo, outrossim, que o valor venal do veículo antes do sinistro é aferido pelo seu «valor de substituição», assim como, na hipótese de perda total, o valor de indemnização corresponde ao valor venal do veículo antes do acidente (valor de substituição), deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário, com vista a alcançar a reconstituição da «situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização». Trata-se, porém, de um preceito que não se aplica à fase judicial, mas sim na fase extrajudicial, visando a resolução simplificada, rápida e amigável dos litígios entre as seguradoras, os seus segurados e terceiros. Não podemos, todavia, ignorar, na ponderação casuística, as linhas que emanam daquele diploma legal. Assim sendo, por tudo o que exposto ficou, atento o disposto no art. 566º do CC, em sede de julgamento equitativo, condena-se a R. na indemnização pecuniária ao A. pela perda total do seu veículo de matrícula QG, no valor de € 7.500,00, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação. Passemos, agora, à última questão suscitada pela recorrente: reapreciar o valor arbitrado pela privação do uso do veículo, entendendo ser mais equitativo a quantia de € 5,00/dia em vez dos € 10,00 que constam da sentença, justificando a redução por se estar perante uma situação de perda total e pelo facto do lesado dispor de outra viatura. Na reparação do dano consistente na privação do uso do veículo por parte do lesado, em consequência de um sinistro rodoviário, podem equacionar-se duas distintas situações: - uma delas em que se apura a concreta existência de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação, como será por exemplo o caso mais comum em que o lesado se socorre do aluguer de veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo; - uma outra situação em que não se apuram gastos alguns mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais (para fins profissionais ou de lazer) e que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações ou tendo o mesmo continuado a fazê-las socorrendo-se para o efeito de veículos de terceiros familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo tais veículos. Na primeira das apontadas situações, o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação. Já na segunda, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade, pois que deve concluir-se pela existência de um dano que se traduziu na impossibilidade do lesado o utilizar nas suas deslocações diárias, profissionais e de lazer, havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias. Estando, in casu, perante esta segunda situação e tendo presente a factualidade apurada, designadamente os factos vertidos em 30) e 32), cremos pecar por exagerado o montante indemnizatório fixado na sentença no que tange a tais danos (€ 10/dia) assim como também pecar por defeito o montante proposto pela apelante no presente recurso (€ 5,00/dia), revelando-se, a nosso ver, equilibrado fixar em € 7,50/dia o valor pela privação do uso do veículo, até ao pagamento da quantia fixada a título de indemnização pela perda total do veículo e até ao montante máximo de € 7.299,90, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação, quanto à quantia vencida até essa data e com juros de mora a partir da presente data, quanto ao remanescente. Conclui-se, pois, pela alteração da sentença em consonância com o decidido a propósito dos montantes indemnizatórios vindos de analisar, mantendo-se no mais a mesma. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC) I – Na medida em que o recurso relativo à responsabilidade na ocorrência do acidente estava sustentado na alteração da matéria de facto, tendo-se julgado a mesma improcedente, nenhuma alteração pode ser introduzida nessa parte da decisão recorrida. II – O princípio geral na obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente – arts. 562º e 566º do CC. III – Estabelece o nº 1 desta última disposição legal que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. IV – Quando ocorrer qualquer uma dessas situações, há conversão da obrigação de reparar com a reconstituição natural em obrigação pecuniária. V – Estando em causa um automóvel ligeiro de passageiros utilizado para o transporte do proprietário ou do seu agregado familiar, é excessiva a reparação natural pelo valor de € 16.655,28 de um veículo adquirido em 2008, ou seja, sete anos antes do acidente, por € 14.000,00, quando o seu valor patrimonial actual é de € 7.500,00. VI – Mostra-se justa, adequada e equitativa a fixação da indemnização pela privação do uso do veículo em € 7,50/dia, no caso de um lesado em que não se apuram gastos alguns mas apenas que sendo proprietário de outro veículo, utilizava o sinistrado para se transportar a si ou ao seu agregado familiar, composto por si, sua mulher e dois filhos, e de acordo com as suas necessidades e que não lhe foi facultado pelo lesante viatura de substituição, tendo o mesmo ficado, por isso, impedido de fazer essas deslocações. * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, no parcial provimento do recurso, revogando parcialmente a sentença da 1ª instância no que concerne ao valor da condenação da R. a pagar ao A. a título de indemnização por danos patrimoniais pela reparação do veículo e pela privação do uso, acordam os juízes desta secção cível em: I – Substituir a sentença proferida nessa parte pela condenação seguinte: A. A indemnização pecuniária pela perda total do seu veículo de matrícula QG, no valor de € 7.500,00, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação. B. Pela privação do uso, o montante diário de € 7,50 até ao pagamento da quantia referida em A. e até ao montante máximo de € 7.299,90, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a citação, quanto à quantia vencida até essa data e com juros de mora a partir da presente data, quanto ao remanescente. II – Manter no mais o decidido. III – As custas nas duas instâncias, são pela R. e A., na proporção do respectivo decaimento. Notifique. * Guimarães, 26-10-2017 (José Cravo) (António Figueiredo de Almeida) (Raquel Baptista Tavares) 1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Barcelos – JL Cível – Juiz 3 2. Vd. Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, vol. I, 4ª edição, pag. 813; Meneses Leitão, Direito Das Obrigações, vol. I, 5ª edição, pag.331. 3. Vd. Acs. STJ de 14.12.2002 e de 19 de Março de 2009, in www.dgsi.pt. 4. Foram 5 os veículos aí encontrados para BMW 320D de 2000 com 4 portas, todos com valor negociável: um com 298.000 Km de Agosto € 5.250; outro com 229.000 Km de Janeiro € 6.490; um com 164.000 Km de Janeiro € 6.900; outro com 118.730 Km de Abril € 7.250; e um com 204.000 Km de Agosto € 8.150. 5. Neste sentido, vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 582.