Recorrentes: - Seguradora X – Seguros Gerais, S.A.; - H. B. e P. N.; Recorridos: - H. B. e P. N.; - Seguradora X – Seguros Gerais, S.A.;M. * Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. RELATÓRIO H. B. e P. N., moveram a presente ação contra a Seguradora X – Companhia de Seguros SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 270000€ a título de dano não patrimoniais, acrescida dos juros vencidos desde a citação e, ainda, de 5% nos termos do art. 829º-A/ 4 C. Civil. A Ré, contestando, pediu a improcedência da ação. Instruída a causa, procedeu-se a realização de audiência final para prolação de sentença, com o seguinte dispositivo. Termos em que julgo a presente ação parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos e, consequentemente: a) Condeno a Ré a pagar aos Autores H. B. e marido PeP. N. a quantia global de 52.500 € (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), sendo que relativamente à parcela de 16.666,67 € (dezasseis mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) cabem 2/3 à Autora H. B. e 1/3 ao Autor marido e que quanto ao remanescente cabe metade a cada um; b) Condeno a Ré a pagar juros de mora à taxa de 4% sobre a mencionada quantia global de 52.500 €, desde a data desta sentença e até integral e efectivo pagamento. c) Absolvo a Ré do mais peticionado. Custas da ação por AA e ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido. Não há indícios de litigância de má-fé. Entretanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades da sentença, invocadas pelos Autores, julgando-as improcedentes (cf. fls. 288). *Não se conformando com a decisão, dela apelou a Ré, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, condenando a ora recorrente “SEGURADORA X” a pagar aos Autores H. B. e P. N., a quantia global de Euro 52.500,00, (sendo que, relativamente à parcela de Euro 16.666,67, cabem 2/3 à A. H. B. e 1/3 ao Autor marido e que, quanto ao remanescente, cabe metade a cada um) acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% contados desde a data da sentença até integral pagamento. 2. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a douta sentença proferida não contempla uma adequada apreciação da prova e decisão de facto, nem uma apropriada aplicação do direito, pelo que se impõe a sua revogação, nos termos que passaremos a enunciar. 3. Entende-se, e sempre com o máximo respeito que, por um lado, incorreu o Meritíssimo Tribunal “a quo” em erro de julgamento, ao dar como provados os pontos 20º e 22º dos factos provados, factualidade essa, face à prova produzida, temos por não suficientemente evidenciada. 4. E, por outro, independentemente do invocado erro de julgamento, não podemos deixar de manifestar a nossa discordância quanto à imputação, a título de culpa efectiva, de parte da responsabilidade pela ocorrência deste lamentável acidente ao condutor do veículo QG, na medida em que, ao fazê-lo, o Meritíssimo Tribunal “a quo” exige ao condutor do veículo, uma diligência, não de acordo com o padrão do condutor normal, mas sim o de um verdadeiro “superhomem”. 5. Adicionalmente, e para além da questão atinente à responsabilidade pela ocorrência do funesto evento, não se conforma a Seguradora R. com o quantum indemnizatório fixado a título de perda do direito à vida, de dano não patrimonial dos AA., e ainda quanto ao dano moral da própria vítima (sendo que, quanto a este último, para além de discordarmos do respectivo valor, entendemos que não resultou minimamente provada factualidade da qual se pudesse inferir a sua verificação). DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO DO ART. 20º DOS FACTOS PROVADOS 6. Ao art. 20º da enunciação da matéria de facto provada foi conferida a seguinte redacção: “Ao retomar a marcha, sem assinalar previamente a sua intenção, e ao fazê-lo nos termos referidos em 17) destes factos provados, apesar de saber que a altura da carrinha Trafic lhe retirava a visibilidade, o José actuou de forma desatenta”. 7. Salvo o devido respeito por diversa opinião, a matéria reportada à censura da conduta do condutor ínsita nesta alínea dos factos provados, consubstancia pura matéria de direito, ou seja, matéria de teor eminentemente conclusivo. 8. Nessa conformidade, e salvo o devido respeito por diversa opinião, deverá a citada alínea 20º ser suprimida do elenco da matéria de facto provada 9. O que se deixa alegado para todos os devidos efeitos legais. DO ERRO DE JULGAMENTO: DO ART. 22º DOS FACTOS PROVADOS: 10. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, perante a prova produzida, não podia o Meritíssimo Tribunal “a quo” dar como provados os concretos factos vertidos no art 22º da factualidade provada. 11. Com efeito, e tal como demonstraremos infra, a prova produzida impunha diversa decisão quanto ao supra citado ponto da factualidade dada como provada. 12. O art. 22º dos factos provados mereceu a redacção que se passa a recordar: “O P. N. sofreu uma dor lancinante, no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, tendo perdido a consciência de seguida, assim se mantendo até sobrevir a morte” 13. Perante a prova efectivamente produzida, cremos que se impunha dar como não provado que a desafortunada vítima “sofreu uma dor lancinante”. 14. Com relevo para a prova desta factualidade, há que reapreciar depoimento da testemunha J. F., médico, (depoimento prestado em audiência de julgamento de 03/03/2016, com inicio às 16.39 horas, e gravado em suporte digital, ficheiro 20160303160600_1087710_2890454) e cujos concretos trechos e minutos relevantes para o apuramento desta factualidade, se acham transcritos e assinalados no corpo das presentes alegações. 15. Sendo que, em face do depoimento da sobredita testemunha, que depôs de forma manifestamente desinteressada, e com conhecimentos técnico científicos para os juízos por si formulados, temos que se impunha considerar altamente improvável que a malograda vítima tivesse experienciado dor no concreto momento do evento. 16. Sendo que, por força disso, e no que toca aos factos vertidos no art. 22º dos factos provados, impunha-se dar como provado apenas que: “O P. N., no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, perdeu a consciência, assim se mantendo até sobrevir a morte” 17. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais, designadamente, para a modificação da decisão de mérito, no que diz respeito à atribuição de uma compensação por danos patrimoniais. DO DIREITO: 18. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, e independentemente da ora propugnada alteração da decisão quanto à matéria de facto, temos por certo que andou mal o Meritíssimo Tribunal “a quo” na atribuição, ainda que apenas em parte, da culpa pela produção do evento ao condutor do veículo automóvel DA RESPONSABILIDADE PELA OCORRÊNCIA DO EVENTO DANOSO: 19. Jamais poderemos concordar com o douto entendimento manifestado na sentença recorrida a propósito da imputação de parte da culpa pela ocorrência do funesto acidente, ao condutor do veículo automóvel. 20. Os argumentos vertidos na douta decisão que servem de base ao estabelecimento da concorrência entre responsabilidade a título de culpa efectiva, ao condutor e ao menor (este na pessoa do seu pai e ao abrigo do instituto da culpa in vigilandum) não fazem aqui qualquer sentido, atentas as concretas circunstância do caso sub judice. 21. Cotejada a douta fundamentação da decisão aqui posta em crise, verificamos que o Meritíssimo Tribunal “a quo” impôs ao condutor do QG um dever de diligência manifestamente superior ao de um condutor médio, nomeadamente, no que diz respeito à necessidade de apitar antes de arrancar com o veículo. 22. Do mesmo modo, considerou culposa a conduta do condutor na medida em que não terá assinalado a sua intenção de reiniciar a marcha. 23. Só que, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, analisado todo o acervo fáctico que rodeou esta infeliz ocorrência, somos levados a concluir que, em concreto, o facto do com condutor não ter apitado ou solicitado auxílio aos demais peões, ou previamente assinalado a sua intenção de retomar a marcha, são actuações omissivas que não têm a relação de causalidade directa e necessária com o evento que o Meritíssimo Tribunal “a quo” lhes conferiu. 24. Na verdade, tendo a criança enfiado a cabeça debaixo do Ford Transit junto à roda dianteira direita sem que ninguém se tivesse apercebido – concretamente o seu pai que também se encontrava no local - e sendo absolutamente impossível ao condutor avistar a criança nessa situação, o facto de dar pisca, por exemplo, ou pedir ajuda às pessoas que se abeiraram do veículo era absolutamente inócuo para a produção do dano, já que não seria adequado a afastálo. 25. Isto porque, naturalmente, sendo certo que ao condutor do veículo era absolutamente impossível ver que a criança estava naquela posição, não menos certo é o facto dos outros dois indivíduos também não terem visto o menor. 26. Não faz, pois, aqui qualquer sentido o apontamento vertido na douta decisão no sentido de que o facto do condutor ter actuado em infracção ao art. 12º n.º 1 do Cód. Estrada por ter retomado a marcha sem tomar qualquer precaução, numa localidade, num veículo alto, que lhe retirava a visibilidade e na proximidade (não concretamente apurada) de crianças que brincavam fora da via. 27. Isto porque, e sempre com o máximo respeito, não era legitimo ao referido condutor prever que uma criança de 16 meses andasse desacompanhada, que se introduzisse na via sem que ninguém disso desse conta e, muito menos, que fosse colocar a cabeça junto à roda dianteira direita do veículo que estava imobilizado. 28. Na verdade, e ainda que o veículo não fosse alto, sempre o menor, face à sua altura e escassa distância do veículo, não seria visível para um qualquer condutor. 29. Sendo certo que jamais se pode considerar que a simples manobra de arrancar pudesse, nas circunstâncias concretas, estar dificultada atentas as características do veículo – frente alta – pois, a ser assim, então o mero efeito de condução do veículo estaria dificultado por natureza. 30. Na verdade, e para se aferir da eventual censura sobre o comportamento estradal do condutor do veículo, impõe-se colocar a seguinte questão: ATÉ QUE PONTO UM CONDUTOR TEM DE CONTAR COM UMA ACTUAÇÃO PROIBIDA E INCAUTA DE UM UTENTE DA VIA? 31. A este respeito veja-se o entendimento que tem sido recentemente propugnado pela nossa jurisprudência: “O dever de previsibilidade do condutor de uma viatura automóvel não pode ir para além do normal (…). O condutor do veículo não tem que tomar cautelas especiais desde que o espaço visível à sua frente esteja livre de qualquer obstáculo - já que não é obrigado a prever a conduta contravencional, negligente ou inconsiderada dos demais utentes da via pública (…) Aos condutores de veículos automóveis é exigido que cumpram as regras de trânsito e que nos deveres gerais de diligência se comportem com a diligência normal de um homem médio: não lhe é porém exigível que contem com as condutas contravencionais ou imprudentes de outrem. Efectivamente, o critério da culpa consagrado na nossa lei é o da diligência do bom pai de família, expresso do art. 487º n.º 2 do C.C.. Não é o da diligência do Michael Schumacher! “ E o douto aresto continua, citando PEREIRA COELHO, “Para ver se o agente teve culpa compara-se a sua conduta com a que teria tido um bom pai de família, que é um homem inteiramente abstracto. No funcionamento prático do critério, é muito importante a distinção entre circunstâncias externas e internas; - como teria procedido um bom pai de família colocado nas mesmas circunstâncias externas, e só nessas, em que procedeu o agente. Se um bom pai de família nas mesmas circunstâncias externas teria procedido de outro modo, a conduta do agente será errada, e haverá culpa. É a interpretação restritiva da lei” (Cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2008, citando os Acórdãos da Relação de Coimbra de 18/11/1977 e do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/1974, in www.dgsi.pt). 32. Ainda neste sentido, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/05/2006, e que se passa a citar: “O condutor não é obrigado a prever ou contar com a falta de prudência dos restantes utentes da via - veículos, peões ou transeuntes - antes devendo razoavelmente partir do princípio de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito, e observam os deveres de cuidado que lhes subjazem. Não é de exigir a um condutor razoável, ou medianamente prudente, uma previsibilidade para além do que é normal, na medida em que tal implicaria que acabasse por ser responsabilizado pela imprudência alheia.”. 33. Prosseguindo este entendimento, e salvo o devido respeito, seria impensável que, uma criança de tão tenra idade tivesse sido deixada sem supervisão de um adulto, junto a uma via e que, precipitando-se para a mesma, em circunstâncias em que era impossível não só ao condutor o veículo que estava imobilizado, mas também ao próprio pai que se encontrava junto do veículo, avistar a criança, colocar a cabeça junto à roda da frente direita do veículo. 34. E, nessa conformidade, o critério da diligência de um bom pai de família não permite que seja assacada qualquer culpa pela produção do acidente ao arguido, sendo, como se disse supra, absolutamente inócua para a produção do dano, se o mesmo tivesse assinalado previamente a manobra de reinício da marcha. 35. O infeliz evento deveu-se, em exclusivo, à actuação inesperada, temerária, imprudente e flagrantemente violadora das regras estradais do malogrado menor e do seu pai, a quem incumbia um dever acrescido de guarda e vigilância, face à tenra idade da criança. 36. O dever de previsibilidade do condutor do veículo não podia, pois, ir para além do normal. 37. Exigia-se, sim, e sempre com o máximo respeito, diversa conduta por parte do pai do menor, sendo que a concreta actuação do mesmo mostrou-se, pois, causal do evento e fortemente censurável. 38. Ainda neste conspecto, continua o douto acórdão supra transcrito, referindo o seguinte: “Como consta no sumário do Acórdão de 17.5.2012 – Abrantes Geraldes – antes citado: «o atropelamento de um peão – menor de 4 anos de idade – que inopinadamente se atravessou à frente de um veículo que, numa localidade, seguia na sua faixa de rodagem, a uma velocidade não superior a 20 km/h, sem que o condutor o pudesse prever, é de imputar em exclusivo ao lesado. (…) Foi este acto irreflectido , ainda que vindo de um sujeito inimputável em função da idade, a causa única das lesões que sofreu (…) 39. Corroboramos inteiramente tal douto entendimento, o qual mutatis mutandis se aplica ao caso sub judice. 40. A douta sentença recorrida sustenta um entendimento que desrespeita o critério da culpa plasmado do art. 487º n.º 2 do Cód. Civil, pelo que, nessa medida, deverá a mesma ser revogada nos termos supra expostos e substituída por outra que determine a absolvição da recorrente. SEM PRESCINDIR: DOS DANOS NÃO PATRIMONAIS: 41. Ainda que se considere que a douta sentença recorrida, e no que diz respeito ao apuramento da responsabilidade pelo evento e concorrência de culpas, nenhuma censura merece - o que por mero dever de patrocínio se equaciona - sempre se dirá que andou mal o Meritíssimo Tribunal “a quo” no momento da atribuição da compensação por danos não patrimoniais e respectiva quantificação. VEJAMOS: DO DANO NÃO PATRIMONIAL DA PRÓPRIA VÍTIMA 42. Neste concreto aspecto, considerou-se na douta decisão recorrida, e face ao teor da alínea 22) dos factos provados, que se impunha atribuir uma compensação de Euro 7.500,00 pela dor “lancinante, mas simultaneamente, instantânea da criança”. 43. Com efeito, e chamado agora à colação o que a propósito do art. 22º dos factos provados se aduziu supra perante a suscitada alteração da decisão de facto, temos que, de facto, não ficou minimamente demonstrada qualquer factualidade na qual se pudesse fundar esta concreta compensação. 44. Assim, e desde logo, em face da supra propugnada alteração da decisão quanto ao teor da alínea 22º dos factos provados, impõe-se absolver a ora recorrente do pedido a este título formulado, não cabendo aos AA. o direito a receberem esta compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor, face à dor sofrida antes o seu desafortunado decesso. 45. Mas mesmo que se considere que a decisão proferida quanto à matéria de facto não se mostra merecedora de qualquer reparo, ainda assim se impunha não conferir aos recorridos qualquer compensação a este título. 46. Isto porque, e sempre com o máximo respeito, à atribuição de uma indemnização pelo dano moral da própria vitima, fundada na dor/sofrimento que a mesma teria eventualmente experienciado nos escassos momentos que mediaram o evento e precederam o seu decesso, deveria o Meritíssimo Tribunal “a quo” ter atentado ao facto de que, perante a gravidade das lesões, a vítima ficou imediatamente inanimada e inconsciente. 47. Falta de consciência essa que, nas especialíssimas circunstâncias do caso em apreço, não é de todo alheia à tenra idade do menor e às directas consequências daí advenientes em termos de ausência de consciencialização para o perigo e antevisão do seu infortúnio. 48. Atenta a gravidade e extensão das lesões sofridas pelo menor e à sua idade, resulta à saciedade que o mesmo ficou desde logo inconsciente, jamais se podendo considerar que o mesmo terá pressentido e temido a sua respectiva morte – recorde-se, o verdadeiro âmago do dano que se pretende ver ressarcido. 49. Inexiste, assim, e sempre com o máximo respeito, lugar à atribuição de qualquer montante pelo dano moral da própria vítima, devendo a douta decisão proferida, e neste segmento em particular, ser revogada. 50. Mas ainda que assim não seja doutamente entendido, sempre se dirá que o valor indemnizatório de Euro 7.500,00 atribuído nesta sede se mostra excessivo e desadequado à concreta situação em apreço. 51. Considerando-se, por mero dever de patrocínio que, de facto, a parca factualidade provada e relevante para a apreciação deste dano se mostra idónea e suficiente para alicerçar a atribuição de uma compensação pelo dano moral que a vítima terá sofrido nos minutos que mediaram o evento e a sua morte, sempre se dirá que, de acordo com critério equitativos e em convergência com a escassa matéria factual provada a este respeito, tal compensação jamais poderia exceder o quantitativo de Euro 5.000,00. 52. Ao conter diverso entendimento, a douta sentença recorrida subverteu o âmago subjacente á previsão do disposto no art. 496º do Cód. Civil devendo ser revogada. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS FIXADOS A TÍTULO DE DANO PELA PERDA DO DIREITO À VIDA: 53. O Meritíssimo Tribunal “a quo” considerou justa e adequada a fixação e atribuição aos recorridos, a título de compensação pela perda do direito à vida do seu filho, a quantia de Euro 100.000,00. 54. A Seguradora Recorrente não se pode conformar com o valor compensatório a este título arbitrado, e que se afigura excessivo face aos critérios jurisprudenciais vigentes. 55. E, sobretudo, não contempla o grau de culpa assacado ao A. marido, na produção do evento danoso (que se fixou em 2/3). 56. É consabido que o dano da perda da vida é o prejuízo supremo, enquanto lesão do bem ético superior a todos os outros e, sobretudo, atenta a sua irreversibilidade. 57. A apreciação da gravidade do dano tem de se assentar no circunstancialismo concreto envolvente, mas deve operar de acordo com um critério objectivo, temperado pela equidade, sem atender a qualquer tipo de subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana. 58. Ora, tendo por base o supra enunciado entendimento, urge considerar que, perante os factos considerados como provados e relevantes para a apreciação desta questão, e bem assim atendendo ao critério jurisprudencial actual e analisando situações análogas, afigura-se manifestamente excessiva e, portanto, desadequada, a quantia de Euro 100.000,00 fixada para a compensação do dano morte. 59. No que tange às concretas condições pessoais e sociais da vítima, há que reter que a mesma, à data do sinistro, tinha tenra idade (16 meses). 60. Tendo em consideração o critério e entendimento sufragados pela nossa ilustre jurisprudência em situações análogas à dos presentes autos, o montante fixado pela douta sentença recorrida como compensação pelo dano da morte peca por excessivo sendo, outrossim, adequado o arbitramento, a este título de uma compensação nunca superior a Euro 60.000,00. 61. À qual se aplicará a redução de 2/3 atinente ao grau de culpa e contribuição do lesado para a produção do acidente. 62. O douto acórdão ora posto em crise, ao decidir diferentemente, incorreu em violação do disposto nos arts. 496º n.º 1 e 3 do Cód. Civil, entre outros. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS PRÓPRIOS FIXADOS À A. PELO SOFRIMENTO CAUSADO PELO DECESSO DO SEU FILHO: 63. Não se conforma ainda a recorrente com o critério seguido na douta sentença proferida para a fixação do quantum compensatório a título de dano não patrimonial próprio dos AA/recorridos (dano dos familiares das vítimas pelo sofrimento e angústia causados pelo decesso dos seus ente queridos) que, recorde-se, ascendeu a Euro 50.000,00 (sendo atribuída em conjunto aos dois AA., mas na proporção de 1/3 para o pai e 2/3 para a mãe). 64. Estamos perfeitamente cientes de que não existe dor nem sofrimento maiores que os decorrentes da irreparável perda de um filho. 65. É uma dor absolutamente incomensurável. 66. Contudo, e sempre com o máximo respeito, considera a Seguradora recorrente que, uma vez mais, o douto acórdão aqui posto em crise se orientou por critérios que embora fundados na equidade, se mostram desfasados da actual realidade e, portanto, desconformes às orientações jurisprudenciais. 67. Não tendo, novamente, atendido, como se impunha, à contribuição do A marido para a ocorrência do evento. 68. É consabido que a fixação da compensação por danos não patrimoniais implica o recurso aos padrões definidos pela jurisprudência, e de molde a obter-se uma uniformização de critérios que evite o subjectivismo na determinação do quantum indemnizatur. 69. Nessa lógica de raciocínio, salvo o devido respeito por distinta opinião, afigura-se justa e adequada a fixação das compensações a título de danos não patrimoniais próprios de Euro 40.000,00 para ambos os AA., (cabendo 1/3 ao A. marido e 2/3 à A. mulher) e que se impõe reduzir a 1/3, por via da aplicação da proporção de culpa fixada quanto à responsabilidade pelo evento. 70. Ao contemplar diverso entendimento, o douto acórdão recorrido incorreu em séria violação do disposto no art. 496º n.º 1 e 3 e 494º do Cód. Civil, entre outros., impondo-se a sua alteração. 71. O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos e legais consequências. TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, Em contra-alegações, os recorridos pedem a improcedência deste recurso. I. No âmbito de acção sob a forma de processo comum veio a ser proferida douta sentença pelo Tribunal a quo, datada de 23 de Setembro de 2016, Pela qual foi a ré condenada a pagar aos autores quantia de € 52.500 € a título de danos não patrimoniais. II. Tendo sido fixado como objecto do litígio “consiste em analisar os pressupostos da responsabilidade aquiliana emergente de acidente de viação, e, designadamente saber se há culpa no acidente e de quem, e, mais concretamente, se há culpa do condutor do veículo e/ou se ocorre culpa in vigilando quanto à vitima (menor); sendo caso disso, indagar do quanto indemnizatório.” III. Nem toda a matéria alegada foi considerada no juízo decisório pelo tribunal a quo, pois da sentença não consta qualquer referência a um ponto que, em sede de audiência prévia foi fixado como tema da prova, referimo-nos ao seguinte: “C) No local do acidente é comum a circulação/travessia da faixa de rodagem por crianças.” IV. Ademais, o mesmo facto consta da alegação dos recorrentes e alegada igualmente em sede de audiência de julgamento, sendo tal questão de extrema importância para analisar da culpa do recorrente na produção do acidente. V. Na audiência de julgamento, várias foram as testemunhas prestaram depoimento no sentido, em síntese, de que o local do acidente é uma rua com muito pouco movimento, de uso quase exclusivo dos aí moradores, considerada pelos moradores como segura para os menores, onde as crianças tem plena liberdade de circulação, sem qualquer incidente a registar até aquela data. VI. Pelo que se deixou demonstrado, entendem os recorrentes, ter-se feito prova suficiente deste ponto, pelo que deveria o mesmo contar dos factos dados como provados. VII. Tanto mais, que trata-se de matéria alegada na petição inicial, nomeadamente art. 40º e 52º. VIII. Assim, urge dar como provado que “no local do acidente é comum a circulação/travessia de pessoas, crianças e animais, sendo normal as crianças brincarem livremente pelo acampamento.” IX. Com efeito, atenta a omissão de pronúncia sobre tal factualidade, em termos de valoração, sempre se mostraria a douta sentença padecer do vício da nulidade, nos termos e para efeitos do art. 615º n.º 1 c) CPC. X. Tendo sido ponderada a culpa do condutor e do pai do menor na produção do acidente foi a responsabilidade fixada em 2/3 para o pai do menor e 1/3 para o condutor do veículo automóvel seguro na ré. XI. Sendo que a culpa do pai do menor, ora recorrente, assentou na consideração do seu comportamento como imprudente e violador do dever geral de cuidado e do dever especial, plasmado no art. 99.º n.º 6 do Código da Estrada entendendo que a criança “se encontrava a brincar junto da faixa de rodagem, sem qualquer XII. obstáculo de permeio, a juventude da pessoa (ela, também, menor) que ele encarregou de ficar a vigiar – culpa in vigilando.” Folha 18 da sentença – negrito e sublinhado nossos. XIII. Ora não podemos aceitar com tal entendimento, concretamente na qualificação do local do acidente como faixa de rodagem. XIV. Tanto que, de acordo com os pontos 4 a 7 dos factos provados, estamos perante uma rua que não está pavimentada, somente com uma via em terra batida com piso irregular, sem marcação, sem passeios, sem valetas. XV. Não se subsumindo tal factualidade ao previsto no Código da Estrada temos: art. 1.º alínea h): “«Faixa de rodagem» - parte da via pública especialmente destinada ao trânsito de veículos” XVI. Não se tratando de via especialmente destinada a veículos, conforme a definição legal de faixa de rodagem impõe. XVII. Aliás, conforme referido por diversas pelas testemunhas ouvidas trata-se de um acampamento de pessoas de etnia cigana, com habitações precárias, designado entre eles como “Iraque”. XVIII. Tanto mais que, o trânsito automóvel naquela zona é diminuto, pois só é transitado por pessoas que ali residem utilizando aquele arruamento como entrada e saída do acampamento. XIX. E nem todos possuem veículos automóveis, pois é um facto notório que os indivíduos de etnia cigana na sua generalidade têm pouca escolaridade, e daí não tenham hipótese de obtenção da carta de condução, já para não falar de questões económicas. XX. Não podemos sequer comparar o incomparável, pois uma coisa é deixar uma criança imprudentemente numa estrada nacional - e aqui sim uma faixa de rodagem, pois trata-se de uma via destinada a circulação de veículos – outra bem diferente é permitir que as crianças brinquem e circulem livremente por um arruamento pouco transitável por veículos automóveis, com todas as demais XXI. características identificadas. XXII. Da mesma forma, o facto de o pai do menor encarregar uma criança mais velha de vigiar o menor P. N., se enquadra dentro dos parâmetros socioculturais da etnia cigana, conforme foi plenamente demonstrado com os depoimentos das testemunhas XXIII. Não se verificando porquanto violação do dever especial de cuidado plasmado em tal norma, nem sequer da violação do dever geral de cuidado. XXIV. Pelo que, neste ponto verifica-se um erro na determinação da nova aplicável, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 639º do CPC, pugnando pelo afastamento de aplicação de tal norma. XXV. Para determinação da culpa in vigilando dos recorrentes, foram tomados como factos dados provados os constantes dos pontos 12 a 16. XXVI. Mas tendo em conta a matéria de facto dada como provada, e à prova produzida na audiência de julgamento, a decisão a proferir devia ser do afastamento da culpa in vigilando dos recorrentes, dando-se procedência à previsão contida na primeira parte do art. 491º do CC. XXVII. Temos de considerar que, o facto de as crianças andarem livremente pelo bairro da P. não constitui uma fonte de perigo, pelo que neste ponto não se verifica incumprimento do seu dever legal de vigilância dos recorrentes. XXVIII. Tanto mais que, trata-se de uma rua com muito pouco movimento automóvel, de uso quase exclusivo dos moradores, considerada pelos moradores como segura para os menores. XXIX. Não podemos ainda de deixar de analisar o quadro sociológico da vida na comunidade cigana, desde logo é marcada pela existência de vários filhos por casal, onde predomina a liberdade e a autonomia dos menores, sendo os mais velhos responsáveis pelos mais novos, verificando-se uma significativa atenuação do grau de exigência relativamente à obrigação de vigilância. XXX. Não se podendo interpretar a norma do art. 491º do CC. sem se ter em consideração as circunstancias de cada caso, e neste em concreto das particularidades da comunidade cigana. XXXI. Dado que nem o princípio de formulação positiva da igualdade, nem o princípio de formulação negativa de proibição da discriminação impossibilitam diferenciações de tratamento tendentes a corrigir desigualdades de facto desde que essas diferenças sejam objectivas e razoáveis e que prossigam um fim legítimo, ou seja, que exista uma justificação objectiva, razoável e proporcional entre o meio utilizado e os fins visados. XXXII. Pois tem-se como facto notório que, a supervisão parental exercida pela etnia cigana apresenta algumas fragilidades, devendo a responsabilidade dos recorrentes ser analisada em observância e respeito das especificidades culturais em causa. XXXIII. Verificando-se neste ponto um vício de nulidade nos termos e para efeitos do art. 615º n.º 1 b) CPC. Nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais. XXXIV. Seguindo os ensinamentos do Professor Vaz Serra, a obrigação de vigilância tem um conteúdo concreto, dependente da personalidade e idade do vigilando, das circunstâncias do caso, da ocasião e do lugar, e do tipo de acto em causa. Devendo ser entendida em relação com as circunstâncias de cada caso, não se podendo ser demasiadamente severo a tal respeito. XXXV. Assim para apurar a omissão culposa do dever de vigilância, não podemos esquecer as concretas razoes culturais e idiossincráticas, das quais são indissociáveis. XXXVI. Os progenitores do menor, ora recorrentes ao consentirem que o mesmo circulasse livremente pelo acampamento, claro que com eles presentes, cumpriram integralmente o dever de vigilância que sobre eles impendia, confiando por certo na probabilidade de tudo correr bem, como era normal acontecer, dada a ausência de perigo no local. XXXVII. O dano verificado não decorre, no presente caso na sequência de uma vigilância negligenciada, não potenciador de qualquer risco acrescido, embora com este desfecho imprevisto e fatídico, completamente contrario à vontade dos recorrentes. XXXVIII. Pelos depoimentos ouvidos nas secções de julgamento ficou demonstrado que a própria comunidade onde os recorrentes se encontram inseridos não culpabilizaram o comportamento dos recorrentes, culpabilizando já sim o comportamento do condutor do veículo que atropelou o menor. XXXIX. Devendo nestes termos considerar-se ilidida a presunção de culpa in vigilando, presente no art. 491º do CC, por provado que foi cumprido o dever de vigilância tendo em consideração a razoes culturais em causa. XL. E nessa sequência ser alterada a proporção de contribuição para o acidente fixada pelo tribunal a quo, devendo a responsabilidade pelo acidente ser atribuída por completo ao condutor do veículo, impondo a responsabilidade pelo resultado, na sua globalidade à recorrente. XLI. Tendo em consideração os factos dados como provados, constantes dos pontos 23 e 24 da sentença a quo, entendeu o tribunal a quo considerar com justa a indemnização de € 50.000,00 em conjunto, sendo depois repartida consoante o grau de culpa atribuída. XLII. Não podemos concordar que a referida quantia seja suficiente para compensar o recorrente de todo o sofrimento que toda esta situação lhe causou. XLIII. Pelo que, ao fixar em € 50.000,00 o valor justo com indemnização pelos danos que os recorrentes vêm sofrendo, violou o tribunal a quo a norma do art. 496.º, n.º 1 do CC. XLIV. Devendo ser alterada neste ponto a decisão fixando a indemnização a cada um dos recorrentes nunca abaixo dos € 40.000,00, valor que se oferece como mais ajustado face aos critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos. XLV. Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA. Normas jurídicas violadas: arts. 615º, n.º 1, alínea c), 639º, n.º 2, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, art. 99º n.º 6 do Código da Estrada e arts. 491º e 496º, n.º 1 do Código Civil. Sic, contando com o sempre mui douto suprimento de V/ Exas., se apresenta recurso, em razão da injustiça subjacente ao doutamente decidido bem como disformidade jurídica, requerendo-se, a revogação da douta decisão. A Recorrida não apresentou contra-alegações. 2. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.(1) Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3) As questões enunciadas pelos recorrentes podem sintetizar-se da seguinte forma: a) As alegadas nulidades da sentença; b) A pedida alteração da matéria de facto julgada; c) A imputação ou exclusão de culpa ou responsabilidade do condutor do veículo QG e do progenitor da vítima; d) O valor das indemnizações fixadas a título de dano não patrimonial da vítima, do particular dano do direito à vida, dos danos patrimoniais sofridos pelos progenitores da vítima (neste último caso impugnada por ambas as partes. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3. DAS ALEGADAS NULIDADES DA SENTENÇA No item IX. das suas conclusões, os Recorrentes afirmam que a sentença proferida está ferida de nulidade, prevista no art. 615º, nº 1, al c), do Código de Processo Civil, por ter deixado de se pronunciar sobre o item C) dos temas da prova fixados aquando do saneamento do processo, matéria alegada nos itens 40º e 52º da sua p.i.. Em primeiro lugar, note-se que a omissão de pronúncia está prevista na al. d), do citado nº 1, do art. 651º, (e não na invocada al. c)). Nos termos desse Artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. Esta nulidade está diretamente relacionada com o Artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Vol., p. 143, “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado. Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas. A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Nas palavras precisas de TOMÉ GOMES, Da Sentença Cível, p. 41, «(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.» Não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente. Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer (Artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil) à exceção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pela anterior conhecimento de outros. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui. Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra. Feitas estas considerações gerais, vejamos a sua pertinência no caso concreto. Nos itens 40º e 52º da p.i., os Autores fazem alusão a uma das características do local do acidente – a normal circulação de crianças, tendo em vista suportar um dos factos essenciais à responsabilidade civil imputada ao condutor segurado na Ré – a sua culpa no desencadear do mesmo. Na fixação dos temas da prova conformaram-se com a inscrição na sua al. c) da seguinte matéria: No local é comum a circulação/travessia da faixa de rodagem por crianças. Tal como tal descrita, essa matéria não teve eco nos factos julgados provados e não provados da decisão em crise que, no entanto, menciona que no local se encontrava um grupo de crianças a brincar, precisando a sua localização e a inserção da vítima no mesmo (cf. itens 12. e 14. dos factos assentes). O Tribunal recorrido entendeu que tal decisão basta para apreciar essa matéria, que considerou instrumental. Julgamos que esta posição tem acolhimento, desde logo, na distinção feita pelo art. 5º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, onde se dita que (1) Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Com afirma jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, relatada por Luís F. Sousa, os factos podem ser principais (e, entre estes, essenciais e complementares) ou instrumentais, cabendo ainda diferenciar nestes entre: - os factos instrumentais puramente probatórios, cuja função é a de permitir atingir a prova dos factos principais, os quais não devem integrar os temas da prova, não necessitando de alegação, e - os factos instrumentais desprovidos dessa função puramente probatória, os quais integram a causa de pedir ou a matéria da exceção e que, como tal, devem ser alegados para subsequentemente integrarem os temas da prova. Os factos instrumentais puramente probatórios são aqueles que podem ser utilizados para a prova indiciária dos factos principais (e, entre estes, essenciais e complementares). Integram-se nesta categoria os factos que constituem a base de presunções judiciais (factos-indiciários). São aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais. Há que atentar no objeto do litígio perscrutando se o mesmo contém factos principais de difícil ou inacessível prova direta. Nessa eventualidade, os factos instrumentais assumem particular relevo enquanto manifestação indireta dos factos principais, enquanto factos-base de presunção judicial conducente à prova dos factos principais. Pensemos, exemplificativamente, nos factos psíquicos ou do foro interno, no acordo simulatório, em alguns dos factos que servem de base à impugnação pauliana. Os factos instrumentais puramente probatórios não têm que ser (nem devem ser) objeto de articulação específica pelas partes, sendo a instrução e julgamento o momento próprio para os mesmos emergirem, cabendo ao juiz atendê-los e valorá-los em sede da fundamentação da convicção quanto fixa os factos provados e não provados (Artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil). (4) Na lógica do Código de Processo Civil de 2013, os factos instrumentais puramente probatórios não têm de ser alegados pelas partes, cabendo a estas apenas alegar os factos essenciais (Artigos 552º, nº 1, alínea d), “Expor os factos essenciais que constituam a causa de pedir” e 572º, alínea c), “Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas”), bem como alegar os factos complementares, os instrumentais nos casos em que estes integram a causa de pedir ou a exceção e os atinentes a exceções probatórias. (5) Com defende António Santos Abrantes Geraldes, (6) debruçando-se sobre os factos que podem sustentar presunções judiciais, como é o caso - por conseguinte, relativamente aos factos que apenas sirvam de suporte à afirmação de outros factos por via de presunções judiciais, para além de não se mostrar necessária a sua alegação (art. 5º) e de poderem ser livremente discutidos na audiência final (cfr. os arts. 410º e 516º), nem sequer terão de ser objecto de um juízo probatório específico. Em regra, bastará que sejam revelados na motivação da decisão da matéria de facto, no segmento em que o juiz, analisando criticamente as provas produzidas, exterioriza o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais ou complementares. O importante é que o juiz exponha com clareza os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas de prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade, designadamente na medida em que foi sustentada em factos instrumentais e nas regras de experiência que foram expostas. Em tais circunstâncias a Relação, em sede de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, tendo acesso a todos os meios de prova que foram produzidos e aos que foram prestados oralmente (que, por isso, foram gravados, nos termos do art. 155º, nº 1), estará apta a reapreciar a decisão e o correspondente juízo probatório formulado relativamente aos factos principais. No caso, tal com defende o despacho que apreciou em primeira instância esta nulidade, a matéria conexa relevante para aferir em concreto a culpa do segurado da Ré, tal como pretendiam os Autores, está inclusive impressa no rol dos factos provados (citados itens 12. e 14.), como acima se assinalou, carecendo assim de sustento esta nulidade que assim se julga improcedente, ficando prejudicado o conhecimento de tal matéria em sede de reapreciação da decisão de facto. Mais adiante, no seu item XXXIII., os Autores invocam ainda a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, alegando que foi desconsiderada a correta interpretação do art. 491º, do Código Civil, maxime as particularidades sociais e comportamentais da etnia cigana. Essa norma estipula que (1) é nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…). Os Recorrentes entendem que a interpretação daquela norma substantiva não foi a mais correta mas estão, porventura, equivocados, quando invocam para tanto esta nulidade. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 140, que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.» Nas palavras precisas de TOMÉ GOMES, Da Sentença Cível, p. 39, «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.» Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016 (7), «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.» A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (8). É o que sucede nesta alegação dos Recorrentes: pretende-se que a falta de consideração de determinada interpretação da norma em apreço, aliás à luz de argumentos novos e descabidos, equivale à falta de fundamentação que vícia a sentença em apreço, quando o que poderá estar em causa é um suposto erro de julgamento, a apreciar em sede apreciação do mérito da sentença v. o do recurso dos recorrentes nessa matéria. Pelo exposto, julga-se improcedente esta outra nulidade. 3.2. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). *A Apelante Seguradora X começa, sob o título de Impugnação da Decisão Proferida Sobre a Matéria de Facto, por sindicar a factualidade dada como assente no item 20. da decisão impugnada. Neste ficou provado que, sic, ao retomar a marcha, sem assinalar previamente a sua intenção, e ao fazê-lo nos termos referidos em 17) destes factos provados, apesar de saber que a altura da carrinha Trafic lhe retirava visibilidade, o José atuou de forma desatenta. Entende a Recorrente que estamos perante matéria de direito, ou seja, matéria de teor eminentemente conclusivo. Os Recorridos entendem que estamos perante matéria de facto a considerar, devendo improceder esta impugnação. Estamos nesta questão perante o eterno dilema relacionado com a qualificação de determinada matéria como de direito, conclusiva ou de facto. Esta, contudo, deve considerar-se esbatida à luz no atual Código de Processo Civil, de pendor menos formal e mais preocupado com a substância prática da decisão. Com menciona Abrantes Geraldes a obra já acima citada (9), ao invés dos temas de prova que se destinam fundamentalmente a enunciar os traços gerais do conflito que divide as partes e que, como já se disse, poderão assumir um carácter genérico e até conclusivo que abra a oportunidade a que a instrução se processo com naturalidade, na fundamentação da sentença devem ser relatados os factos que o juiz considerou provados (e não provados). Nessa enunciação o juiz deve adequar-se às circunstâncias e exigências do caso, tendo em conta designadamente as virtualidades que decorram de uma maior concentração da factualidade apurada ou de uma maior discriminação ou pormenorização que, além de antecipar a resolução de problemas de integração jurídica, possa ainda obviar a eventuais impugnações sustentadas em argumentos de pendor formal em redor da delimitação do que constitui matéria de facto ou matéria de direito. Como elemento coadjuvante da compreensão do novo regime é significativo que não se encontre no NCPC a norma do nº 4 do art. 646º do anterior Código de Processo Civil que considerava “não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito”. Esta opção não significa obviamente que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto. Mas, para além de revelar o artificialismo a que conduzia a anterior solução, em que se pretendia a todo o custo essa separação, tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito. Uma vez que a decisão da matéria de facto e a da matéria de direito são agregadas na mesma peça processual elaborada pelo mesmo juiz, tal facilita e simplifica a decisão do litígio. Como refere este mesmo Autor (10), pese embora o relevo que essa delimitação apresenta, jamais se conseguiu ou conseguirá a enunciação de um critério universal que responda a todas as questões suscitadas. Continuando a lei a prever tal delimitação, os respetivos contornos poderão sofrer variações em função das concretas circunstâncias, designadamente em razão do verdadeiro objeto do processo, de tal modo que uma mesma proposição pode assumir, num determinado contexto, uma questão de facto e, noutro contexto, uma questão de direito. No caso, estamos perante uma expressão – “desatenta”, que qualifica um estado de espírito caracterizado pela falta de atenção do agente e pretende retratar essa realidade subjetiva e, por isso, normalmente percetível por prova indireta. Se considerado isoladamente, até pode haver dúvidas se poderá ou não considerar-se afirmação conclusiva, coisa que não equivale necessariamente a ser de direito. No caso, a Recorrente não invoca o normativo ou conceito de direito que diretamente estivesse a ser usado, nem vislumbramos que possa assim ser considerada tal expressão. Por outro lado, estamos perante uma expressão que revela um estado subjetivo relevante em termos jurídicos mas que é coloquial e frequentemente usada para transmitir a realidade correspondente. Além disso, o julgador teve o cuidado de concretizar, na remissão que faz para o item 17. dos factos assentes e no próprio texto desse item 20., a medida em que o condutor em causa não atendeu aos fatores determinantes para o acidente e tanto basta para considerar admissível essa referência e improcedente esta particular pretensão do recurso da Seguradora X. Além disso, esta Recorrente questiona a decisão do item 22. dos factos provados, onde ficou assente que, sic, o P. N. sofreu uma dor lancinante, no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, tendo perdido a consciência de seguida, assim se mantendo até sobrevir a morte. Pretende que se dê como provado apenas que, sic, o P. N., no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, perdeu a consciência, assim se mantendo até sobrevir a morte, presumindo-se assim que pretende que se jugue não provada restante matéria. Para tanto, entendeu que se deve “reapreciar” o depoimento da testemunha J. F., no particular excerto que invoca e transcreve. Os Recorridos infirmam esse juízo e defendem a improcedência desta impugnação. O Tribunal a quo, ao fundamentar esta factualidade em particular, disse o seguinte. No que toca aos sentimentos de dor, desgosto, dos pais, face ao óbito dos filhos (2ª parte do 19), 20) a 22), e para além das regras da experiência comum (que fazem daqueles quase que factos públicos e notórios), foram tidos em conta os depoimentos de D. S., de F. S. (familiares, com razão de ciência) e de S. M. (assistente social, conhecedora do casal). O sofrimento, no momento (e só nesse momento) do atropelamento, foi afirmado não obstante o depoimento da testemunha Dr. J. F. (opinando este que o petiz terá perdido face à gravidade das lesões, pelo que não terá sentido dor - «não teve tempo para isso») e fê-lo pelo seguinte: por um lado porque, precisamente, nesta parte tratou-se de mera (ainda que especialmente fundamentada) opinião; por outro, ela surge algo contraditória, em si mesma considerada, porque admite que o petiz tenha gemido (o que não é compatível com a imediata perda de consciência); por último, porque as várias testemunhas (José e Manuel, designadamente) referiram que o petiz não faleceu logo, pois quando transportado para o centro de saúde, estava vivo – no entanto, afirmou-se que perdeu a consciência logo a seguir ao grito e assim se manteve até ao decesso, precisamente por força do referido depoimento. Antes de mais, parece-nos que quer o Tribunal a quo, quer a Recorrente, prescindiram de distinguir aquilo que é prova pericial e prova testemunhal, confusão muito frequente neste tipo de processos de acidente de viação em que é habitual a indicação como testemunhas, tendo havido ou não lugar a prova pericial, de pessoas com determinantes qualificações técnicas ou científicas que, contudo, nunca foram conhecedoras diretas dos factos e muitas vezes nem é certo que tenham percebido a sua dinâmica por outras que os tenham observado ou por alguma forma conhecido através de algum dos sentidos que o ser humano normal está munido para perceber o ambiente que o rodeia (11). Como afirmava o Prof. Doutor Castro Mendes (12), a prova testemunhal é a que resulta da transmissão ao tribunal, por certa pessoa, de informações de facto que interessam à decisão da causa, e que foram pela mesma pessoa adquiridas sem encargo para isso do tribunal. Já Antunes Varela (13), define testemunha como a pessoa que é chamada a narrar as suas perceções sobre factos passados que interessam ao julgamento da causa. (…) A distinção entre a testemunha e o perito, uma e outro terceiros em relação à causa, reside no caráter intrínseco das suas declarações. A testemunha, em princípio, insubstituível no seu papel, é chamada a referir as suas percepções de factos passados (o que viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou). O perito traz essencialmente ao tribunal a sua apreciação sobre os factos presentes de cujo exame foi incumbido, ou extrai conclusões (sobre factos presentes ou pretéritos) dos conhecimentos especializados que possui (…). Embora, como refere Antunes Varela, essas funções possam ser cumuladas em especiais circunstâncias, o que não pode é admitir-se a introdução de dados probatórios de uma e de outra natureza sem o devido formalismo, ou seja, para o que em concreto aqui se questiona, admitir que um depoimento que é substancialmente um avaliação técnico pericial, própria da prova real prevista no art. 467º e ss, do Código de Processo Civil, introduzida em juízo sob a capa de prova testemunhal, se transfigure na prova pessoal prevista no art. 495º e ss., do mesmo Código, e como tal possa ser relevado, ou seja atendida como um dado pericial, sem percorrer os ditames e o especial contraditório daquelas normas. Como elucida o Prof. J. Alberto dos Reis, “A nossa lei assenta no pressuposto de que a função da testemunha é única e simplesmente narrar facto. O art.º 641.º determina que a testemunha será interrogada sobre factos incluídos no questionário, articulados pela parte que a ofereceu, e deporá com precisão, indicando a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos. Portanto a testemunha é chamada para narrar ao tribunal os factos que tem conhecimento e para indicar a fonte desse conhecimento. Mais nada.” [Código de Processo Civil Civil anotado, Volume IV, Coimbra Editora, 1987, pp.327]. Àquela norma corresponde o actual n.º1 do art.º 638.º, do Código de Processo Civil (14), mantendo no essencial aquele conteúdo e sentido. Por outras palavras, a testemunha é chamada a referir as suas percepções de factos passados: o que viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou [cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.º ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 609]. Mas o que releva como prova por si trazida ao processo, é a parte objectiva dessa percepção, e já não a subjectiva, assim se excluindo a interpretação que a própria testemunha atribui aos factos. Para além disso, não releva tão pouco o testemunho indirecto, ou seja, o testemunho que foi obtido através de outrem e já contém em si uma versão e interpretação dos factos feitas por esse último. Neste caso, o que a testemunha pode narrar é apenas o que lhe foi revelado e já não o que terá acontecido, porque esse conhecimento não foi captado por si. Por conseguinte, o conhecimento directo sobre os factos é aquele que é adquirido pelo próprio, objectivamente, através dos sentidos, o que viu, o que ouviu, sentiu e observou. (15) Nesta medida, o que a “testemunha” indicada pela Recorrente com suporte do seu recurso afirma não é, nem nunca será, prova testemunhal ou pericial relevante (16). Aliás, atendendo à sua (in)consistência (17), ela nunca seria viável como tal e, ainda que se admita, em tese, que possa ser considerada, em contexto probatório especial, como elemento de prova atípico adquirido nos autos, sujeito à livre apreciação do Tribunal, (18) no caso, o mesmo está, em particular, eivado de incertezas e inseguranças intrínsecas, que o tornam, impróprio para contrapor a prova pessoal/testemunhal invocada pelo Tribunal a quo (essa sim firmada em ciência direta indiscutida), para, no âmbito da imediação que o enquadra, considerar de forma esclarecedora e coerente, assente a factualidade em causa. Por estas razões, julga-se improcedente esta outra impugnação da Recorrente. 3.2. FACTOS A CONSIDERAR 1. FACTOS PROVADOS 1. P. B., nascido a 5/4/2012, era filho dos AA, vindo a falecer no dia 5/8/2013. 2. Os AA são os únicos e universais herdeiros do falecido P. B.. 3. No dia 5/8/2013, pelas 13 h 30, ocorreu um atropelamento, envolvendo o veículo ligeiro misto de matrícula QG (Ford Transit) e o P. B., e do qual resultou a morte deste, então com 16 meses de idade. 4. O atropelamento ocorreu na rua que atravessa um acampamento de cidadãos ciganos, com diversas habitações precárias de ambos os lados, sito no Bairro …., Carrazeda de Ansiães. 5. Tal rua não está pavimentada, sendo constituída por uma via em terra batida com piso irregular, sem qualquer marcação e sem passeios, bermas ou valetas sendo que, no local do atropelamento, existe um leve afloramento rochoso. 6. Do lado esquerdo da rua, situa-se a habitação precária dos AA, onde morava o P. B.. 7. A rua tem cerca de 7 m de largura, e, no dia e á hora (ao início da tarde, cerca das 13 h 30 m) do atropelamento, estava sol e o piso em terra seco. 8. O veículo QG pertencia e era conduzido por José. 9. José é titular da carta de condução desde 15/8/2008. 10. Quando o veículo QG, conduzido por José, circulava pela rua que atravessa o acampamento, em direcção à saída, foi-lhe solicitado, por um habitante do Bairro, Manuel, que parasse o veículo. 11. José imobilizou, então, o veículo QG, parando com a roda direita dianteira em cima do afloramento rochoso e, pelo seu lado (do condutor), falou com Manuel, que lhe pediu tabaco, ao que o José anuiu e, após ter desligado o motor do Ford, ficou a dialogar com o Manuel. 12. Do lado direito da rua, atento o sentido de marcha do QG, encontrava-se um grupo de crianças a brincar, entre elas, o P. B., este sob a vigilância do A marido, grupo de cuja presença José se apercebeu e pelo qual passou, parando a Ford Transit mais à frente. 13. Porém, o A. Marido, depois de encarregar um menor, D., á data com 8 anos, de ficar a vigiar o petiz P. B., foi juntar-se ao José e ao Manuel, com eles participando da conversa, junto á porta do condutor do QG. 14. O grupo de crianças, quando o QG parou, estava a uma distância do QG de cerca de 8 metros. 15. Enquanto o José, o Manuel e o A. Marido, estavam a conversar, o petiz, P. B., sem que ninguém disso se apercebesse, saiu do grupo e, percorrendo a distância que o separava do QG, para o que atravessou parte da rua, enfiou a cabeça e o tronco debaixo do Ford Transit, junto e á frente da roda dianteira direita que estava em cima do afloramento rochoso, ficando com a barriga e as pernas de fora. 16. Acabada a conversa, o Manuel e o P. N. afastaram-se do QG, e José, após ligar o motor, reiniciou de imediato a marcha, atropelando então a criança, cujo crânio foi parcialmente esmagado e o tórax lesionado com escoriações e equimose com a roda dianteira direita, o que lhe causou a morte, não obstante o José ter imobilizado de imediato o QG ao ouvir o grito da criança. 17. Antes de reiniciar a marcha, a condutor do QG, não obstante ter visto as crianças a brincar, não apitou, não solicitou o auxílio do Manuel e do A marido, nem de qualquer outra pessoa, nem tomou qualquer outra providência. 18. Quando reiniciou a marcha, a criança não era visível para o condutor do QG. 19. O condutor do QG, José, à data, morava no acampamento. 20. Ao retomar a marcha, sem assinalar previamente a sua intenção, e ao fazê-lo nos termos referidos em 17) destes factos provados, apesar de saber que a altura da carrinha Trafic lhe retirava visibilidade, o José actuou de forma desatenta. 21. O P. B. era à data do acidente, uma criança feliz e saudável, espalhando alegria, interagindo com as restantes crianças, sendo o orgulho e uma das razões de viver de seus pais, com uma vida inteira à sua frente 22. O P. B. sofreu uma dor lancinante, no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, tendo perdido a consciência de seguida, assim se mantendo até sobrevir a morte. 23. Os AA sofreram um desgosto inimaginável com a perda do P. B., filho único. 24. Ainda hoje os AA não conseguiram recuperar da dor. 25. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados pelo QG encontrava-se transferida para a Ré Seguradora, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 410082010…. 2. FACTOS NÃO PROVADOS a) O P. B. precipitou-se para a faixa de rodagem; b) O P. B. estava é frente do veículo quando foi atropelado. c) O condutor do QG, quando reiniciou a marcha, estava atento. 3.3. DO DIREITO APLICÁVEL A primeira questão colocada pela Recorrente Seguradora X tem a ver com a imputação de culpa ao condutor do veículo QG. Entende a recorrente, em suma, que se impôs a este um dever de diligência manifestamente superior ao condutor médio, maxime quanto ao dever de apitar antes de arrancar e à omissão de assinalar o reinício da marcha ou ter solicitado o auxilio de terceiros para o efeito, que em seu entender não deram causa ao acidente em face da atitude temerária e incauta da criança e à impossibilidade de o avistar (v.g. pelo veículo ser alto) ou de prever a sua conduta, tendo como matriz a diligência de um bom pai de família. Conclui, por isso, que deve ser excluída a culpa do seu segurado. Os Recorridos defendem tese oposta citando vária jurisprudência que alegadamente secunda a sua posição e, no seu Recurso, pedem que se atribua por completo a culpa do acidente ao segurado da Ré, alegando, em síntese: que o local do acidente não configurava uma faixa de rodagem ou uma estrada nacional, relevante para a aplicação de regras estradais ou as exigências de cuidado supostas; os indivíduos de etina cigana, na sua generalidade, têm baixa escolaridade e fracos recursos económicos e por isso não possuem carta de condução; é normal nessa etnia encarregarem outras crianças mais velhas de cuidar de outras; o facto de as crianças andarem livremente no espaço em causa não constitui perigo, dado a natureza especial da via em causa; que a falhas de supervisão das crianças, própria da etnia cigana, devem ser consideradas irrelevantes, em respeito dos seus valores culturais e do juízo positivo emitido pela sua comunidade, pelo que está ilidida a presunção de culpa do art. 491º, do Código de Processo Civil. Está em causa a declaração de um direito de crédito indemnizatório com base em responsabilidade civil extracontratual. Esse direito emerge essencialmente do art. 483º, do Cód. Civil, onde se estabelece que, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Os pressupostos exigidos pelo cit. art. 483º para que tal responsabilidade surja na esfera jurídica da Ré são, portanto, ab initio: a existência de facto que seja ilícito e culposo, a constatação de danos e do nexo de causalidade entre estes e aquele facto. A Recorrente Seguradora X discute a existência desse elemento subjetivo, a culpa, no comportamento imputado ao seu condutor. Com efeito, na responsabilidade prevista no art. 483º, acresce sempre a necessidade de imputarmos subjectivamente o facto em causa, i.é, de atribuirmos aos intervenientes no acidente a culpa, o juízo de censura ou de reprovação pela ação desencadeada. Esta culpa é apreciada, em abstracto, com referência ao comportamento de um bonus pater familiae - o bom pai de família - e, em concreto, pela figura real do lesante (cf. art. 487º, nº 2., do Cód. Civil). Normalmente, nestes casos relacionados com a circulação estradal, quanto inexiste prova direta dessa culpa, faz-se prova de factos que apontam para a mesma no desencadear do acidente em face da violação das regras de cuidado, v.g. as estradais. Essa violação, constitui indício da imputação subjectiva do sinistro. Como aponta o Ac. da Rel. de Lisboa, de 26/03/92 (in C.J. 1992, T. 2, p.153), citando jurisprudência do S.T.J., em casos destes a regra do nº 1, do art. 487º citado deve ser entendida cum grano salis, sob pena de se lançar sobre o lesado um ónus de prova excessivamente gravoso ou até incomportável. Há que partir daqueles factos externos para se apurar o facto interno - omissão do dever de cuidado. Este raciocínio traduz o recurso a uma presunção que a doutrina denomina de simples, natural, judicial ou de experiência, pois baseia-se apenas na experiência, sendo livremente apreciada pelo juiz. Estas presunções são produtos de regras de experiência - meios lógicos ou mentais de descoberta de factos: o juiz, valendo-se de certo facto e daquelas regras, conclui que aquele denuncia a existência de outro facto - vale-se de uma prova de primeira aparência. Como refere Dário Martins de Almeida - Em matéria de acidentes de viação, estará sobretudo em causa a omissão daquelas regras ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa como é a da circulação rodoviária (...) Consequentemente, o dever de diligência terá de atingir então um grau maior em face das circunstâncias ou das exigências do caso concreto (...). (19) Segundo Joahnnes Wessels, a espécie e a medida desse cuidado a ser tomado resultam das exigências que, em uma análise «ex ante» da situação de perigo (...), se devam fazer a um homem prudente e consciencioso, situado na posição concreta e no papel social do autor (...) (20). À data do acidente estava em vigor a redação do Código da Estrada por último alterada pelo D.L. nº 138/2012. Ao contrário do que defendem os Recorrentes/Autores, as suas regras tinham plena aplicação ao evento danoso em causa, dado que ficou assente que estávamos perante rua, com todas as caraterísticas de ser frequentada pelo público em geral, como transparece dos elementos recolhidos e aliás do que alegam os próprios Recorrentes na sua p.i.. Portanto, ainda que não fosse domínio público do Estado e seja domínio privado, ser-lhe-á aplicável o Código da Estrada, por via do que prevê o disposto no seu art. 2º, nº 2. O seu art. 12º, nº 1, estipulava, à data do acidente, que (1) os condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e sem adotarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente. No cumprimento desta ou de qualquer outra regra de cuidado de natureza estradal, a opção pelo facilitismo ou pelo risco mais ou menos calculado não é admissível e este será sempre imputável ao condutor incauto que, ao contrário do que pressupõem as alegações da Recorrente/Ré, não constitui bitola para definição do conceito do bom pai de família. Sendo ponto assente que a atividade do condutor segurado na Recorrente, de condução da viatura em causa, é perigosa, exige-se àquele que no seu exercício rodeie a sua atuação de todas as cautelas necessárias a evitar qualquer evento, ou seja, a obstar à concretização do perigo decorrente dessa atividade. Esse perigo deve ser aferido pelo condutor diligente e prudente, o bom pai de família, em cada momento, atendendo aos diversos fatores que envolvem a atividade em curso, nomeadamente tendo em atenção as características da viatura que conduz e o contexto ou envolvente em que esta se situa ou circula, exigindo um processo de perceção, avaliação e decisão que não pode ultrapassar etapas sob pena de se incumprir o dever de cuidado exigido. Concretizando, no caso, a notada dimensão da viatura, a comum Ford Transit, fotografada a fls. 78 e ss., não é, em si e aqui, um fator desculpabilizante, como entende a Recorrente. Todo o condutor de uma viatura automóvel deve na sua condução ter sempre presente a exigências das particulares caraterísticas da viatura que conduz, seja ela uma bicicleta ou um pesado de mercadorias. Se conduzimos uma viatura que tem uma configuração que exige, como seria o caso, um esforço acrescido para percebermos o contexto em que se manobra, isso não pode servir como factor desculpabilizante mas sim como elemento que determina um esforço acrescido, adequado à afastar qualquer perigo que possa resultar daquela. Se a altura da Ford Transit impedia o seu condutor de perceber todo a sua envolvente, posicionado no seu posto de condução, devia este ter tomado todas as cautelas para se assegurar que esse risco acrescido na condução dessa viatura fosse minimizado ou afastado, como decorre de todas as regras gerais de cuidado que subjazem à condução estradal, tal como o citado art. 12º, nº 1, ou os arts. 3º, nº 2, e 24º, nº 1, do Código da Estrada. Estando num meio urbano, rodeado de habitações, pessoas, crianças a brincar (cf. itens 3.2. a 3.7., 3.10. a 3.15.), uma delas com tenra idade e estatura reduzida, o falecido P. B., das quais se apercebeu, como era aliás sua obrigação, o condutor do QG não tomou qualquer providência para se assegurar que a colocação em marcha dessa viatura não constituía qualquer perigo de acidente, como resulta do apurado em 3.17. e 3.20.. Nestas circunstâncias, um condutor diligente e prudente, o dito pai de família, não pode orientar a sua atuação pelas normas do confortável condutor relaxado e é-lhe exigido que se assegure que o reinício da marcha das toneladas que compõem a sua viatura se faça sem perigo para os potenciais utentes da via, no caso, pelo menos os adultos referidos nos itens acima citados e as crianças que, quando lá chegou, estavam a brincar à parca distância de 8 metros de distância (itens 12. a 14.). Nesse contexto, um bom pai de família, devia ter-se acautelado minimamente que nenhuma dessas crianças estava em risco de ser atingido por essa manobra, v.g., avaliando direta ou indiretamente (v.g., recorrendo aos adultos presentes) o espaço que circundava a viatura, onde seria visível, pelo menos em parte, o P. B., do seu lado direito, tendo pelo menos o cuidado de apitar (cf. art. 22º, nº 2, al. a), do Código da Estrada) e aguardar a reação de quem estivesse em perigo nas áreas ocultas do seu campo de visão, em face do perigo eminente daquelas circunstâncias, maxime pela presença próxima daquelas crianças. Esta obrigação não é excessiva para um bom pai de família (coisa que pode ser diversa do irrelevante ou redutor conceito do condutor médio) que, nesse cenário, deveria ter estado atento à movimentações das crianças que o circundavam ou, pelo menos, cuidado de proceder nos termos acima descritos no momento da saída do local, o que, comprovadamente, não aconteceu. O facto de estarmos perante um criança de 16 meses não é fator que desculpe o incumprimento desse dever de cautela, aliás também aqui estamos perante elementos que, qualquer bom pai de família, controlaria atenta a infantilidade e imprevisibilidade dos comportamentos que seriam de esperar de um ser humano com essa idade. Em suma, era de esperar o imprevisto (21), a prognose a fazer importava a consideração dessa variável, o que não ocorreu e é censurável, à luz da previsão do art. 487º, nº 2, do Código Civil, embora possa tal conclusão ser mitigado pelos fatores a considerar infra e já adiantados pela sentença impugnada. Na verdade, como concluiu a sentença impugnada, esse desfecho não deve ser imputado, objetiva e subjetivamente, apenas ao condutor segurado na Ré. Os Autores discordam e dizem, além de mais, que foi mal aplicado o dispositivo do art. 491º, do Código de Processo Civil. Neste estabelece-se que as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido. Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, (22) o art. 491º, estabelece uma presunção de culpa das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras e não a sua responsabilidade objetiva. A lei admite-as a provar que cumpriram o seu dever de vigilância ou, mais do que isso, que os danos não deixariam de se produzir ainda que o tivessem cumprido. (…) A presunção de culpa (in vigilando) estabelecida no art. 491º apenas se refere aos danos causados a terceiros, já não aos danos causados à pessoa que deve ser vigiada. Quanto a estes vigoram os princípios gerais. Uma vez que no caso em apreço estão em causa os danos causados ao próprio vigiado e, reflexamente, aos próprios obrigados por lei à sua vigilância, julgamos que esta norma é aqui inaplicável e, por isso, embora por outras razões, procede a conclusão dos Recorrentes/Autores, devendo perceber-se no factualismo assente se existe fundamento para imputar ao progenitor alguma responsabilidade no evento danoso em causa, nomeadamente à luz da regra geral do art. 486º, do Código Civil. (23) Com referem Pires de Lima e Autores Varela (24), em relação às pessoas obrigadas à vigilância de outrem, elas não são apenas responsáveis pelos danos causados a terceiros, nos termos do art. 491º, respondem também, por força do disposto neste art. 486º, pelos danos que as pessoas vigiadas sofram com a omissão do dever de vigilância (v.g., se elas se ferirem ou morrerem em consequência dessa omissão). Este art. 486º, prescreve que as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido. De acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, (25) a obrigação de vigilância, no caso de filhos menores, incumbe aos pais, desde que não inibidos do poder parental, porquanto, competindo-lhes o dever educar, a sua responsabilidade radica em ato próprio – a omissão daquele poder-dever, cuja exigência e padrões são indissociáveis de razões culturais e idiossincráticas. O poder paternal deve ser exercido no interesse dos filhos, competindo aos pais o poder-dever de velar pela segurança e saúde e prover ao seu sustento e “dirigir a sua educação”. Cabe, assim aos pais, nos termos dos arts. 122º, 123º, 1878º, nº 1 (26), 1881º, nº 1 e 1885º, nº 1 (27), do Código Civil, a promoção do desenvolvimento físico e psíquico, intelectual e moral dos filhos menores e velar pela sua segurança, educação, saúde, assim como representá-los. Para o que aqui releva, competia aos pais do P. B., os aqui Autores, zelar pela sua segurança e saúde, assegurando-lhe um desenvolvimento são. Interessa, assim, apurar se, em função da matéria de facto provada, é de imputar ao pai, o Autor (já que em relação à mãe a questão não é levantada), alguma responsabilidade na ocorrência do acidente que o vitimou, sendo que ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais (e das pessoas de quem ele se tenha utilizado) – cf. art. 571º, como já se deixou dito na decisão impugnada. Sobre a intervenção do Autor, pai, ficou assente que o P. B. se encontrava na altura sob a sua vigilância (cf. item 12.) e que, ante a chegada do segurado da Ré ao local, aquele decidiu delegar em terceiro, menor de 8 anos, essa sua responsabilidade, tal como ficou assente em 13. dos factos provados, e foi então para junto da porta do condutor do QG, com quem passou a conversar. Resulta ainda do apurado em 15. e 16., que ninguém, maxime o pai, ou a outra criança que tinha ficado encarregada de o vigiar, cuidou de estar atenta ao seu percurso errante e perigoso. A incumbência a esta outra criança, desde logo, incapaz, de facto (art. 349º, do Código Civil) e de direito (arts. 122º e 123º, do Código Civil), não afasta o dever primordial do pai para cm este filho, é ineficaz para isentá-lo da sua responsabilidade de garantir a segurança da criança vitimada. Era, por isso, do progenitor presente no local e imediatamente envolvido nessa função, o poder-dever de zelar pela sua segurança, evitando, para o que aqui releva, que se tivesse deslocado para debaixo da viatura que o matou, o que só por si basta para considerar preenchida a previsão do citado art. 486º, do Código Civil, ou seja, a concorrência da sua omissão culposa para esse resultado fatal. Acresce, em especial, que era sua obrigação, evitar que fosse violada a proibição prevista no artigo 99.º, do Código da Estrada, e a regra de cuidado que lhe subjaz. Com efeito, nessa norma dita-se que (6) quem, com violação dos deveres de cuidado e de protecção, não impedir que os menores de 16 anos que, por qualquer título, se encontrem a seu cargo brinquem nas faixas de rodagem das vias públicas é sancionado com coima de (euro) 30 a (euro) 150. O titular das responsabilidades parentais do P. N., ao descuidar os deveres a que estava obrigado nessa qualidade e ao permitir que transitasse e permanecesse na via onde circulavam as viaturas no local, violou essa norma estradal, o que no caso serve para reforçar o juízo de censura acima referido. Carece de qualquer sustento factual invocar múltiplas incapacidades dos progenitores, sustentadas numa conveniente notoriedade com a qual não concordamos, uma generalização de defeitos sociais e pessoais alegadamente imputáveis à etnia cigana, próprias de argumentação de capitis diminutio que é recorrentemente utilizada em juízo para basear uma discriminação positiva ou negativa, conforme o caso e o desfecho pretendido. Desde logo, a pertença dos progenitores a essa etnia é ela também um facto novo, não consta dos factos alegados/julgados a considerar. O mesmo sucede com os restantes generalidades. Por outro lado, a ideia subjacente à argumentação dos Autores, de que esta criança, por alegadamente pertencer a uma etnia específica, deixa de beneficiar da mesma proteção fundamental que decorre das normas acima citadas e das demais que a protegem e promovem e defendem o seu bem-estar, segurança, integridade física e vida (cf. arts. 70º, do Código Civil, arts. 12º, nº 1, 13º, 16º, 18º, da Constituição da República Portuguesa) é totalmente descabida e violadora dos desses mesmos princípios e direitos fundamentais, carecendo, por isso, de qualquer relevo. Por fim, sublinhe-se, não está em causa aqui, como pretendiam os Autores, ilidir a presunção do citado art. 491º, dado que esta norma não é aqui aplicável. A responsabilidade do pai da criança, e só deste, funda-se no referido art. 486º, como acima considerou. Resta aqui discutir outra questão subjacente à demanda recursiva de ambas as partes, a de saber qual o grau de imputação ou culpa a atribuir a ambos os responsáveis ou se a alguma delas pode ser excluída, tendo em mente aqui que ao facto culposo do P. B. é equiparado o facto culposo do seu representante legal, o Autor. O art. 570º, nº 1, do Código Civil, estipula que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. O Tribunal a quo expressou nessa matéria o seguinte: No juízo ponderativo do nº 1 do art. 570º, devem desde logo tomar-se em conta as consequências, catastróficas para o menor, a grau de culpa do condutor e do pai, o contributo do facto do menor para o acidente, objectivamente importante, cremos justo distribuir o grau de responsabilidade em 2/3 para o pai e menor e 1/3 para o condutor. Ponderando esses mesmos fatores, à luz das considerações acima feitas, julgamos, que a distribuição de responsabilidades e o seu reflexo na redução da indemnização devida aos Autores deve manter-se. Com efeito, em ambos os casos (responsabilidade do condutor v. a do menor e do seu pai) estamos perante negligência e o resultado catastrófico é objetivamente imputável aos dois adultos, que é o mesmo que dizer também ao menor representado pelo pai aqui culpado. Por outro lado, se é censurável a falta de cuidado do condutor da viatura automóvel em causa e todo o risco grave que ela potencia, é muito mais censurável a conduta do pai presente, mais ciente da envolvência da criança no palco dos acontecimentos e das suas limitações, sendo também de relevar a objetiva atuação da própria criança, que dificultou a perceção do condutor, mitigando assim, em nosso entender, o dever de cuidado que violou. Nestas circunstâncias, julgamos que a justiça pretendida pelo art. 570º, do Código Civil, se satisfará com a redução da responsabilidade indemnizatória do segurado, aqui representado pela Ré, em 1/3, assim se mantendo a decisão impugnada, julgando-se assim improcedentes os recursos de ambas as partes nesta questão. A discussão que coloca em seguida a Recorrente Seguradora X contende com o valor fixado a título de danos morais da própria vítima – 7500€, que esta considera excessivo e dever ser reduzido a 5000 euros. A compensação devida por este dano, previsto no art. 496º, nº 3, in fine, do Código Civil, assenta neste caso no factualismo já acima considerado, que caracteriza o grau de culpa, censura ou reprovação que efetivamente merece a conduta do segurado na Ré (28) e também no apurado no item 22. dos factos acima elencados, deste resultando que a vítima sofreu dor lancinante e perdeu de seguida a consciência até sobrevir a sua morte. Tendo em conta que o que se apurou aponta para um sofrimento/desvalor psíquico que não deve ter excedido segundos (cf. art. 349º, do Código Civil) e a censura relativa e respetivamente acentuada que deve merecer a conduta descuidada dos agentes em causa, julgamos ser atual, proporcionada e equitativa (na medida em que estamos, no caso do condutor da viatura, perante ré seguradora que se supõe devidamente capitalizada), a pedida indemnização de 5000 euros, considerando nesta parte procedente o recurso da Seguradora X. Outro valor posto em causa pela Ré/Recorrente é o do dano vida, alegando o grau de culpa imputado ao progenitor e os critérios jurisprudenciais vigentes que em seu entender importam uma redução do seu valor a 60000 euros. Nesta matéria secundamos os argumentos jurisprudências aduzidos pelo Tribunal de primeira instância, notando que já em 2013 o Supremo Tribunal de Justiça (29) considerava em casos semelhantes valores desta ordem de grandeza ou, em casos que foram públicos, valores muito superiores. O argumento de que o envolvimento do progenitor do menor importa, em tese, redução do valor a deferir, colhe razão, na medida em que a culpa daquele se reflete neste por via do citado art. 571º, do Código Civil, merecendo ambos os agentes censura, com destaque para o progenitor. Contudo, julgamos que, passados cerca de 5 anos da adoção daqueles valores ou critérios pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma avaliação equitativa atualista deste direito fundamental e supremo do nosso ordenamento jurídico não deve admitir valores miserabilistas, v.g., por comparação com outros valores indemnizatórios não patrimoniais fixados para outros danos menos importantes, recordando-se que estamos perante seguradora, com património disponível bastante acima da média (cf. arts. 494º e 496º, do Código Civil). Nesta medida, consideramos adequado e nunca excessivo o valor fixado pela primeira instância, de 100000 euros, que se manterá, julgando-se improcedente o recurso da Ré nesta matéria. Por fim, cumpre aferir a justeza do valor atribuído na sentença impugnada a título de danos próprios dos progenitores. Essa decisão considerou que eram devidos 50000 euros a ambos os progenitores, sendo um 1/3 (16666,6666€) dessa quantia devida ao progenitor e 2/3 (33333,333€) à progenitora, relevando o apurado em 23. e 24. dos factos assentes e a atuação culposa do progenitor. A Recorrente Seguradora X entende que deve esse valor ser reduzido a 40000 euros, cabendo um 1/3 ao pai e 2/3 à mãe, porque considera aquele outro desconforme com a previsão dos arts. 494º e 496º do Código Civil, e desfasado da atual realidade e da jurisprudência corrente. Os Recorrentes/Autores entendem que esse valor deve ser fixado em valor nunca abaixo de 40000€ por cada um deles, invocando o mesmo tipo de argumentos. Estamos perante dano previsto no apontado art. 496º, a fixar de acordo com os já aplicados e apurados ditames do mesmo art. 494º: grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. No que diz respeito à progenitora, que nenhum envolvimento teve na ocorrência do dano, ponderando o grau de culpa relativamente elevado de ambos agentes que contribuíram para o acidente, considerando o apurado em 23. e 24., dos factos assentes, a natureza do vínculo filial cessado e o presumido grau de sofrimento, julgamos adequado e proporcionado o valor de 30000 euros, lembrando que estamos perante meras compensações monetárias de um desvalor moral fundamental. Este é um dano próprio da Autora/Recorrente, pelo que não o deve afetar a censura atribuída ao progenitor, ressalvada a aplicação do disposto no art. 570º, do Código Civil. Portanto, consideramos, nessa medida, parcialmente procedente este recurso da Autora e improcedente a respetiva apelação da Ré. No que toca ao dano próprio do progenitor, repristinando os argumentos acima considerados à luz do art. 494º, do Código Civil, com destaque para os relacionados com os itens 23. e 24. do factualismo assente e sublinhando-se o seu envolvimento no desfecho fatal que gerou o sofrimento em causa, uma vez que estamos perante um dano do próprio, julgamos ser equitativo e proporcionado o valor de 15000 euros, dando-se assim provimento parcial apenas ao recurso da Ré. Em suma, aplicando redução a operar nos termos acima expostos: este último valor deve ser reduzido a 5000 euros; o valor dos danos morais próprios da Autora, deve ser reduzido a 10000 euros; o valor do dano vida a receber por ambos os Autores será reduzido a 33333,33 euros, e o valor do dano próprio da vítima a pagar aqueles mesmos deve fixar-se em 1666, 66 euros. A condenação em juros operada na sentença impugnada deve manter-se, reportada aos valores agora fixados. 4. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente as apelações de Autores e Ré, revogando, pois, parcialmente a sentença recorrida nos seguintes termos: 1. Condena-se a Ré a pagar aos Autores H. B. e marido P. N. a quantia 34999,99 euros (a título de danos morais próprios da vítima e do dano vida); 2. Condena-se a Ré a pagar ainda à Autora H. B. a quantia 10000 euros (a título de danos morais próprios); 3. Condena-se ainda Ré a pagar ao Autor P. N. a quantia 5000 euros (a título de danos morais próprios); 4. Condena-se a Ré a pagar aos Autores juros de mora à taxa de 4% sobre, respetivamente, as quantias mencionadas em 1., 2., e 3. supra, desde a data desta decisão e até integral e efetivo pagamento; 5. Absolve-se a Ré do restante pedido; 6. Em conformidade, condenam-se Autores e Ré no pagamento das custas da ação e dos respetivos recursos, na proporção do respetivo decaimento (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil); 7. Mantém-se o restante decidido. Guimarães, 16.11.2017 Relator – Des. José Manuel Alves Flores 1º - Des. Sandra Maria Vieira Melo 2º - Des. Heitor Gonçalves 1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. 2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. 3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. 4. Por sua vez, os factos instrumentais desprovidos da função meramente probatória subdividem-se em: i.Factos que constituem por si a base de uma presunção legal, v.g., paternidade (Artigo 1871º, nº1, alíneas a) a e) do Código Civil), atividade perigosa (Artigo 493º, nº2, do Código Civil), etc. Estes factos integram a causa de pedir e, como tais, têm de seguir o regime dos factos essenciais com a sua integração nos temas da prova. ii.Factos que integram causas de pedir complexas servindo para preencher, de uma forma tão ampla quanto possível, conceitos jurídicos ou juízos de valor diretamente relevantes para a procedência da ação ou da defesa, v.g., boa fé, culpa, dolo (Artigo 253º do Código Civil), ocultação dolosa de bens (Artigo 2096º do Código Civil), etc. Também estes factos integram a causa de pedir e, como tais, têm de seguir o regime dos factos essenciais com a sua inserção nos temas da prova. iii.Factos que integram exceções probatórias, entendendo-se por exceção probatória “a arguição dirigida contra a admissibilidade ou a força de um meio de prova, mediante a alegação de factos impeditivos da produção do efeito probatório pretendido”. Veja-se o caso do Artigo 449º, nº2, do Código de Processo Civil, em sede de arguição de falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico ou de falsidade de documento (Artigo 446º, nº1, do Código de Processo Civil). Também estes factos excetivos devem integrar os temas da prova. 5. Cf. Ac. de 22.10.2016, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2016:600.12.6TVLSB.L1.7 6. In Sentença Cível, Janeiro de 2014, p.14/15. 7. In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/627963eb32586aac80257fc700392a00?OpenDocument 8. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, Gilberto Jorge. 9. p. 21/22 10. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, p. 307 11. …e neste último caso, o que seria relevante era apenas a reprodução exata desse conhecimento, a conferir com a audição dessa outra testemunha. 12. In Direito Processual Civil, II vol., 1987, p. 713 13. In Manual de Processo Civil, 2ª Ed., p. 609 14. Art. 516º, do Código de Processo Civil de 2013 15. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-02-2012 http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/5e43ce5c926bc156802579b1004346e1?OpenDocument 16. Cf. Ac. do T.R. do Porto, de 17.11.2004, em matéria de processo penal mas em que a questão é similar. In https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2004:0434172 Não valem como prova as declarações de pessoa arrolada como testemunha que, sendo médico, não tem conhecimento directo dos factos em julgamento, apenas se pronunciando sobre eles na qualidade de técnico, sem que tenha intervindo em qualquer perícia. 17. É patente no depoimento do Sr. médico ortopedista, perito ao serviço da Ré, na instâncias de todos os intervenientes processuais, um desconhecimento sobre a realidade dos factos subjacentes à sua análise que torna ainda mais irrelevante o jogo de hipóteses que o mesmo vai discutindo ao longo do mesmo, muitas vezes em áreas que advém apenas do seu comum conhecimento das coisas, em suma conjunto de hipóteses, fundadas em, outros tantos cenários efectivamente desconhecidos por si, que no entanto ainda admitem, ainda que de forma mitigada, aquilo que se deu como assente. 18. Cf. Ac. do T.R. de Lisboa, de 12.3.2015, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2015:1743.06.0TVLSB.L1.2Se determinada testemunha, que é médico, pela Ré arrolada, faz um depoimento técnico-pericial, pondo em causa a metodologia seguida pelos peritos do IML que realizaram o exame pericial dos autos e que, na sua opinião, e segundo o DL 352/07, deveriam, ter, não só, solicitado a documentação do processo que decorreu no Tribunal de Trabalho por o acidente ter sido qualificado como acidente de trabalho in itinere, como ainda os exames médicos da área de otorrinolaringologia, para concluir aquele nexo de causalidade, nem por isso deve ser valorado como um juízo técnico-pericial porque nem as partes a arrolaram como tal nem o Tribunal oficiosamente o requisitou nos termos do art.º 649, sendo o seu depoimento valorado livremente nos termos do art.º 655. 19. in Manual de Acidentes de Viação, 3ª Ed., p. 78. 20. in Direito Penal, Parte Geral (Tradução), p. 150. 21. Ac. Tribunal da Relação de Évora, 10.4.2014 – In https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2014:106.11.0TBCCH.E1 - A imprevidência (tal como é concebida pelos adultos) faz, normalmente, parte do quadro mental de qualquer criança (da idade da dos autos) não sendo exigível que ela possa ou deva prever as consequências de um dado acto usando de uma diligência que ela não tem e muito menos que paute a sua conduta por normas estradais que de todo lhe passam despercebidas. 22. Cf. Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Ed., p. 492 23. Cf. nesse sentido Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 5.11.2002 In https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2003:03B1335 24. Ibidem, p. 488 25. Cf. Ac. de 6.5.2008, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2008:08A1042 26. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens. 27. Cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos. 28. Cf. Ac. do S.T.J., de 13.7.2007 - VII. A indemnização por danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º, n.º 1 e 4, do CC e a fixar por equidade, tendo em atenção os fatores referidos no artigo 494.º do mesmo Código, visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta culposa do autor da lesão. VIII. Em caso de acidente de viação imputável a culpa efetiva do condutor do veículo que lhe deu causa, deve o grau de culpa ser ponderado na fixação daquela indemnização. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/23fd77e93a7a3b7d8025815c00464d53?OpenDocument 29. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.10.2013, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6f0296cc8af7f75180257c13005687d4?OpenDocument&Highlight=0,morte,dano (…) III - A jurisprudência tem avançado no sentido de uma crescente valorização do direito à vida, atribuindo valores que geralmente oscilam entre os € 50 000 e os € 80 000, chegando mesmo atingir os € 100 000 para vítimas ainda jovens. IV - É razoável admitir que seja atribuída uma indemnização mais elevada pela perda de uma criança ou de um jovem, cujas vidas ainda não foram vividas, do que pela morte de um adulto já no ocaso ou na curva descendente da sua existência terrena. V - Mas, considerando a dignificação que merece a vida humana, não se justifica a redução da indemnização de € 50 000 fixada pela perda do direito à vida da vítima, apesar desta já ter 75 anos de idade.
Recorrentes: - Seguradora X – Seguros Gerais, S.A.; - H. B. e P. N.; Recorridos: - H. B. e P. N.; - Seguradora X – Seguros Gerais, S.A.;M. * Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. RELATÓRIO H. B. e P. N., moveram a presente ação contra a Seguradora X – Companhia de Seguros SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de 270000€ a título de dano não patrimoniais, acrescida dos juros vencidos desde a citação e, ainda, de 5% nos termos do art. 829º-A/ 4 C. Civil. A Ré, contestando, pediu a improcedência da ação. Instruída a causa, procedeu-se a realização de audiência final para prolação de sentença, com o seguinte dispositivo. Termos em que julgo a presente ação parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos e, consequentemente: a) Condeno a Ré a pagar aos Autores H. B. e marido PeP. N. a quantia global de 52.500 € (cinquenta e dois mil e quinhentos euros), sendo que relativamente à parcela de 16.666,67 € (dezasseis mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) cabem 2/3 à Autora H. B. e 1/3 ao Autor marido e que quanto ao remanescente cabe metade a cada um; b) Condeno a Ré a pagar juros de mora à taxa de 4% sobre a mencionada quantia global de 52.500 €, desde a data desta sentença e até integral e efectivo pagamento. c) Absolvo a Ré do mais peticionado. Custas da ação por AA e ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido. Não há indícios de litigância de má-fé. Entretanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades da sentença, invocadas pelos Autores, julgando-as improcedentes (cf. fls. 288). *Não se conformando com a decisão, dela apelou a Ré, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, condenando a ora recorrente “SEGURADORA X” a pagar aos Autores H. B. e P. N., a quantia global de Euro 52.500,00, (sendo que, relativamente à parcela de Euro 16.666,67, cabem 2/3 à A. H. B. e 1/3 ao Autor marido e que, quanto ao remanescente, cabe metade a cada um) acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% contados desde a data da sentença até integral pagamento. 2. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a douta sentença proferida não contempla uma adequada apreciação da prova e decisão de facto, nem uma apropriada aplicação do direito, pelo que se impõe a sua revogação, nos termos que passaremos a enunciar. 3. Entende-se, e sempre com o máximo respeito que, por um lado, incorreu o Meritíssimo Tribunal “a quo” em erro de julgamento, ao dar como provados os pontos 20º e 22º dos factos provados, factualidade essa, face à prova produzida, temos por não suficientemente evidenciada. 4. E, por outro, independentemente do invocado erro de julgamento, não podemos deixar de manifestar a nossa discordância quanto à imputação, a título de culpa efectiva, de parte da responsabilidade pela ocorrência deste lamentável acidente ao condutor do veículo QG, na medida em que, ao fazê-lo, o Meritíssimo Tribunal “a quo” exige ao condutor do veículo, uma diligência, não de acordo com o padrão do condutor normal, mas sim o de um verdadeiro “superhomem”. 5. Adicionalmente, e para além da questão atinente à responsabilidade pela ocorrência do funesto evento, não se conforma a Seguradora R. com o quantum indemnizatório fixado a título de perda do direito à vida, de dano não patrimonial dos AA., e ainda quanto ao dano moral da própria vítima (sendo que, quanto a este último, para além de discordarmos do respectivo valor, entendemos que não resultou minimamente provada factualidade da qual se pudesse inferir a sua verificação). DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO DO ART. 20º DOS FACTOS PROVADOS 6. Ao art. 20º da enunciação da matéria de facto provada foi conferida a seguinte redacção: “Ao retomar a marcha, sem assinalar previamente a sua intenção, e ao fazê-lo nos termos referidos em 17) destes factos provados, apesar de saber que a altura da carrinha Trafic lhe retirava a visibilidade, o José actuou de forma desatenta”. 7. Salvo o devido respeito por diversa opinião, a matéria reportada à censura da conduta do condutor ínsita nesta alínea dos factos provados, consubstancia pura matéria de direito, ou seja, matéria de teor eminentemente conclusivo. 8. Nessa conformidade, e salvo o devido respeito por diversa opinião, deverá a citada alínea 20º ser suprimida do elenco da matéria de facto provada 9. O que se deixa alegado para todos os devidos efeitos legais. DO ERRO DE JULGAMENTO: DO ART. 22º DOS FACTOS PROVADOS: 10. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, perante a prova produzida, não podia o Meritíssimo Tribunal “a quo” dar como provados os concretos factos vertidos no art 22º da factualidade provada. 11. Com efeito, e tal como demonstraremos infra, a prova produzida impunha diversa decisão quanto ao supra citado ponto da factualidade dada como provada. 12. O art. 22º dos factos provados mereceu a redacção que se passa a recordar: “O P. N. sofreu uma dor lancinante, no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, tendo perdido a consciência de seguida, assim se mantendo até sobrevir a morte” 13. Perante a prova efectivamente produzida, cremos que se impunha dar como não provado que a desafortunada vítima “sofreu uma dor lancinante”. 14. Com relevo para a prova desta factualidade, há que reapreciar depoimento da testemunha J. F., médico, (depoimento prestado em audiência de julgamento de 03/03/2016, com inicio às 16.39 horas, e gravado em suporte digital, ficheiro 20160303160600_1087710_2890454) e cujos concretos trechos e minutos relevantes para o apuramento desta factualidade, se acham transcritos e assinalados no corpo das presentes alegações. 15. Sendo que, em face do depoimento da sobredita testemunha, que depôs de forma manifestamente desinteressada, e com conhecimentos técnico científicos para os juízos por si formulados, temos que se impunha considerar altamente improvável que a malograda vítima tivesse experienciado dor no concreto momento do evento. 16. Sendo que, por força disso, e no que toca aos factos vertidos no art. 22º dos factos provados, impunha-se dar como provado apenas que: “O P. N., no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, perdeu a consciência, assim se mantendo até sobrevir a morte” 17. O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais, designadamente, para a modificação da decisão de mérito, no que diz respeito à atribuição de uma compensação por danos patrimoniais. DO DIREITO: 18. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, e independentemente da ora propugnada alteração da decisão quanto à matéria de facto, temos por certo que andou mal o Meritíssimo Tribunal “a quo” na atribuição, ainda que apenas em parte, da culpa pela produção do evento ao condutor do veículo automóvel DA RESPONSABILIDADE PELA OCORRÊNCIA DO EVENTO DANOSO: 19. Jamais poderemos concordar com o douto entendimento manifestado na sentença recorrida a propósito da imputação de parte da culpa pela ocorrência do funesto acidente, ao condutor do veículo automóvel. 20. Os argumentos vertidos na douta decisão que servem de base ao estabelecimento da concorrência entre responsabilidade a título de culpa efectiva, ao condutor e ao menor (este na pessoa do seu pai e ao abrigo do instituto da culpa in vigilandum) não fazem aqui qualquer sentido, atentas as concretas circunstância do caso sub judice. 21. Cotejada a douta fundamentação da decisão aqui posta em crise, verificamos que o Meritíssimo Tribunal “a quo” impôs ao condutor do QG um dever de diligência manifestamente superior ao de um condutor médio, nomeadamente, no que diz respeito à necessidade de apitar antes de arrancar com o veículo. 22. Do mesmo modo, considerou culposa a conduta do condutor na medida em que não terá assinalado a sua intenção de reiniciar a marcha. 23. Só que, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, analisado todo o acervo fáctico que rodeou esta infeliz ocorrência, somos levados a concluir que, em concreto, o facto do com condutor não ter apitado ou solicitado auxílio aos demais peões, ou previamente assinalado a sua intenção de retomar a marcha, são actuações omissivas que não têm a relação de causalidade directa e necessária com o evento que o Meritíssimo Tribunal “a quo” lhes conferiu. 24. Na verdade, tendo a criança enfiado a cabeça debaixo do Ford Transit junto à roda dianteira direita sem que ninguém se tivesse apercebido – concretamente o seu pai que também se encontrava no local - e sendo absolutamente impossível ao condutor avistar a criança nessa situação, o facto de dar pisca, por exemplo, ou pedir ajuda às pessoas que se abeiraram do veículo era absolutamente inócuo para a produção do dano, já que não seria adequado a afastálo. 25. Isto porque, naturalmente, sendo certo que ao condutor do veículo era absolutamente impossível ver que a criança estava naquela posição, não menos certo é o facto dos outros dois indivíduos também não terem visto o menor. 26. Não faz, pois, aqui qualquer sentido o apontamento vertido na douta decisão no sentido de que o facto do condutor ter actuado em infracção ao art. 12º n.º 1 do Cód. Estrada por ter retomado a marcha sem tomar qualquer precaução, numa localidade, num veículo alto, que lhe retirava a visibilidade e na proximidade (não concretamente apurada) de crianças que brincavam fora da via. 27. Isto porque, e sempre com o máximo respeito, não era legitimo ao referido condutor prever que uma criança de 16 meses andasse desacompanhada, que se introduzisse na via sem que ninguém disso desse conta e, muito menos, que fosse colocar a cabeça junto à roda dianteira direita do veículo que estava imobilizado. 28. Na verdade, e ainda que o veículo não fosse alto, sempre o menor, face à sua altura e escassa distância do veículo, não seria visível para um qualquer condutor. 29. Sendo certo que jamais se pode considerar que a simples manobra de arrancar pudesse, nas circunstâncias concretas, estar dificultada atentas as características do veículo – frente alta – pois, a ser assim, então o mero efeito de condução do veículo estaria dificultado por natureza. 30. Na verdade, e para se aferir da eventual censura sobre o comportamento estradal do condutor do veículo, impõe-se colocar a seguinte questão: ATÉ QUE PONTO UM CONDUTOR TEM DE CONTAR COM UMA ACTUAÇÃO PROIBIDA E INCAUTA DE UM UTENTE DA VIA? 31. A este respeito veja-se o entendimento que tem sido recentemente propugnado pela nossa jurisprudência: “O dever de previsibilidade do condutor de uma viatura automóvel não pode ir para além do normal (…). O condutor do veículo não tem que tomar cautelas especiais desde que o espaço visível à sua frente esteja livre de qualquer obstáculo - já que não é obrigado a prever a conduta contravencional, negligente ou inconsiderada dos demais utentes da via pública (…) Aos condutores de veículos automóveis é exigido que cumpram as regras de trânsito e que nos deveres gerais de diligência se comportem com a diligência normal de um homem médio: não lhe é porém exigível que contem com as condutas contravencionais ou imprudentes de outrem. Efectivamente, o critério da culpa consagrado na nossa lei é o da diligência do bom pai de família, expresso do art. 487º n.º 2 do C.C.. Não é o da diligência do Michael Schumacher! “ E o douto aresto continua, citando PEREIRA COELHO, “Para ver se o agente teve culpa compara-se a sua conduta com a que teria tido um bom pai de família, que é um homem inteiramente abstracto. No funcionamento prático do critério, é muito importante a distinção entre circunstâncias externas e internas; - como teria procedido um bom pai de família colocado nas mesmas circunstâncias externas, e só nessas, em que procedeu o agente. Se um bom pai de família nas mesmas circunstâncias externas teria procedido de outro modo, a conduta do agente será errada, e haverá culpa. É a interpretação restritiva da lei” (Cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/07/2008, citando os Acórdãos da Relação de Coimbra de 18/11/1977 e do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/1974, in www.dgsi.pt). 32. Ainda neste sentido, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/05/2006, e que se passa a citar: “O condutor não é obrigado a prever ou contar com a falta de prudência dos restantes utentes da via - veículos, peões ou transeuntes - antes devendo razoavelmente partir do princípio de que todos cumprem os preceitos regulamentares do trânsito, e observam os deveres de cuidado que lhes subjazem. Não é de exigir a um condutor razoável, ou medianamente prudente, uma previsibilidade para além do que é normal, na medida em que tal implicaria que acabasse por ser responsabilizado pela imprudência alheia.”. 33. Prosseguindo este entendimento, e salvo o devido respeito, seria impensável que, uma criança de tão tenra idade tivesse sido deixada sem supervisão de um adulto, junto a uma via e que, precipitando-se para a mesma, em circunstâncias em que era impossível não só ao condutor o veículo que estava imobilizado, mas também ao próprio pai que se encontrava junto do veículo, avistar a criança, colocar a cabeça junto à roda da frente direita do veículo. 34. E, nessa conformidade, o critério da diligência de um bom pai de família não permite que seja assacada qualquer culpa pela produção do acidente ao arguido, sendo, como se disse supra, absolutamente inócua para a produção do dano, se o mesmo tivesse assinalado previamente a manobra de reinício da marcha. 35. O infeliz evento deveu-se, em exclusivo, à actuação inesperada, temerária, imprudente e flagrantemente violadora das regras estradais do malogrado menor e do seu pai, a quem incumbia um dever acrescido de guarda e vigilância, face à tenra idade da criança. 36. O dever de previsibilidade do condutor do veículo não podia, pois, ir para além do normal. 37. Exigia-se, sim, e sempre com o máximo respeito, diversa conduta por parte do pai do menor, sendo que a concreta actuação do mesmo mostrou-se, pois, causal do evento e fortemente censurável. 38. Ainda neste conspecto, continua o douto acórdão supra transcrito, referindo o seguinte: “Como consta no sumário do Acórdão de 17.5.2012 – Abrantes Geraldes – antes citado: «o atropelamento de um peão – menor de 4 anos de idade – que inopinadamente se atravessou à frente de um veículo que, numa localidade, seguia na sua faixa de rodagem, a uma velocidade não superior a 20 km/h, sem que o condutor o pudesse prever, é de imputar em exclusivo ao lesado. (…) Foi este acto irreflectido , ainda que vindo de um sujeito inimputável em função da idade, a causa única das lesões que sofreu (…) 39. Corroboramos inteiramente tal douto entendimento, o qual mutatis mutandis se aplica ao caso sub judice. 40. A douta sentença recorrida sustenta um entendimento que desrespeita o critério da culpa plasmado do art. 487º n.º 2 do Cód. Civil, pelo que, nessa medida, deverá a mesma ser revogada nos termos supra expostos e substituída por outra que determine a absolvição da recorrente. SEM PRESCINDIR: DOS DANOS NÃO PATRIMONAIS: 41. Ainda que se considere que a douta sentença recorrida, e no que diz respeito ao apuramento da responsabilidade pelo evento e concorrência de culpas, nenhuma censura merece - o que por mero dever de patrocínio se equaciona - sempre se dirá que andou mal o Meritíssimo Tribunal “a quo” no momento da atribuição da compensação por danos não patrimoniais e respectiva quantificação. VEJAMOS: DO DANO NÃO PATRIMONIAL DA PRÓPRIA VÍTIMA 42. Neste concreto aspecto, considerou-se na douta decisão recorrida, e face ao teor da alínea 22) dos factos provados, que se impunha atribuir uma compensação de Euro 7.500,00 pela dor “lancinante, mas simultaneamente, instantânea da criança”. 43. Com efeito, e chamado agora à colação o que a propósito do art. 22º dos factos provados se aduziu supra perante a suscitada alteração da decisão de facto, temos que, de facto, não ficou minimamente demonstrada qualquer factualidade na qual se pudesse fundar esta concreta compensação. 44. Assim, e desde logo, em face da supra propugnada alteração da decisão quanto ao teor da alínea 22º dos factos provados, impõe-se absolver a ora recorrente do pedido a este título formulado, não cabendo aos AA. o direito a receberem esta compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor, face à dor sofrida antes o seu desafortunado decesso. 45. Mas mesmo que se considere que a decisão proferida quanto à matéria de facto não se mostra merecedora de qualquer reparo, ainda assim se impunha não conferir aos recorridos qualquer compensação a este título. 46. Isto porque, e sempre com o máximo respeito, à atribuição de uma indemnização pelo dano moral da própria vitima, fundada na dor/sofrimento que a mesma teria eventualmente experienciado nos escassos momentos que mediaram o evento e precederam o seu decesso, deveria o Meritíssimo Tribunal “a quo” ter atentado ao facto de que, perante a gravidade das lesões, a vítima ficou imediatamente inanimada e inconsciente. 47. Falta de consciência essa que, nas especialíssimas circunstâncias do caso em apreço, não é de todo alheia à tenra idade do menor e às directas consequências daí advenientes em termos de ausência de consciencialização para o perigo e antevisão do seu infortúnio. 48. Atenta a gravidade e extensão das lesões sofridas pelo menor e à sua idade, resulta à saciedade que o mesmo ficou desde logo inconsciente, jamais se podendo considerar que o mesmo terá pressentido e temido a sua respectiva morte – recorde-se, o verdadeiro âmago do dano que se pretende ver ressarcido. 49. Inexiste, assim, e sempre com o máximo respeito, lugar à atribuição de qualquer montante pelo dano moral da própria vítima, devendo a douta decisão proferida, e neste segmento em particular, ser revogada. 50. Mas ainda que assim não seja doutamente entendido, sempre se dirá que o valor indemnizatório de Euro 7.500,00 atribuído nesta sede se mostra excessivo e desadequado à concreta situação em apreço. 51. Considerando-se, por mero dever de patrocínio que, de facto, a parca factualidade provada e relevante para a apreciação deste dano se mostra idónea e suficiente para alicerçar a atribuição de uma compensação pelo dano moral que a vítima terá sofrido nos minutos que mediaram o evento e a sua morte, sempre se dirá que, de acordo com critério equitativos e em convergência com a escassa matéria factual provada a este respeito, tal compensação jamais poderia exceder o quantitativo de Euro 5.000,00. 52. Ao conter diverso entendimento, a douta sentença recorrida subverteu o âmago subjacente á previsão do disposto no art. 496º do Cód. Civil devendo ser revogada. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS FIXADOS A TÍTULO DE DANO PELA PERDA DO DIREITO À VIDA: 53. O Meritíssimo Tribunal “a quo” considerou justa e adequada a fixação e atribuição aos recorridos, a título de compensação pela perda do direito à vida do seu filho, a quantia de Euro 100.000,00. 54. A Seguradora Recorrente não se pode conformar com o valor compensatório a este título arbitrado, e que se afigura excessivo face aos critérios jurisprudenciais vigentes. 55. E, sobretudo, não contempla o grau de culpa assacado ao A. marido, na produção do evento danoso (que se fixou em 2/3). 56. É consabido que o dano da perda da vida é o prejuízo supremo, enquanto lesão do bem ético superior a todos os outros e, sobretudo, atenta a sua irreversibilidade. 57. A apreciação da gravidade do dano tem de se assentar no circunstancialismo concreto envolvente, mas deve operar de acordo com um critério objectivo, temperado pela equidade, sem atender a qualquer tipo de subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana. 58. Ora, tendo por base o supra enunciado entendimento, urge considerar que, perante os factos considerados como provados e relevantes para a apreciação desta questão, e bem assim atendendo ao critério jurisprudencial actual e analisando situações análogas, afigura-se manifestamente excessiva e, portanto, desadequada, a quantia de Euro 100.000,00 fixada para a compensação do dano morte. 59. No que tange às concretas condições pessoais e sociais da vítima, há que reter que a mesma, à data do sinistro, tinha tenra idade (16 meses). 60. Tendo em consideração o critério e entendimento sufragados pela nossa ilustre jurisprudência em situações análogas à dos presentes autos, o montante fixado pela douta sentença recorrida como compensação pelo dano da morte peca por excessivo sendo, outrossim, adequado o arbitramento, a este título de uma compensação nunca superior a Euro 60.000,00. 61. À qual se aplicará a redução de 2/3 atinente ao grau de culpa e contribuição do lesado para a produção do acidente. 62. O douto acórdão ora posto em crise, ao decidir diferentemente, incorreu em violação do disposto nos arts. 496º n.º 1 e 3 do Cód. Civil, entre outros. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS PRÓPRIOS FIXADOS À A. PELO SOFRIMENTO CAUSADO PELO DECESSO DO SEU FILHO: 63. Não se conforma ainda a recorrente com o critério seguido na douta sentença proferida para a fixação do quantum compensatório a título de dano não patrimonial próprio dos AA/recorridos (dano dos familiares das vítimas pelo sofrimento e angústia causados pelo decesso dos seus ente queridos) que, recorde-se, ascendeu a Euro 50.000,00 (sendo atribuída em conjunto aos dois AA., mas na proporção de 1/3 para o pai e 2/3 para a mãe). 64. Estamos perfeitamente cientes de que não existe dor nem sofrimento maiores que os decorrentes da irreparável perda de um filho. 65. É uma dor absolutamente incomensurável. 66. Contudo, e sempre com o máximo respeito, considera a Seguradora recorrente que, uma vez mais, o douto acórdão aqui posto em crise se orientou por critérios que embora fundados na equidade, se mostram desfasados da actual realidade e, portanto, desconformes às orientações jurisprudenciais. 67. Não tendo, novamente, atendido, como se impunha, à contribuição do A marido para a ocorrência do evento. 68. É consabido que a fixação da compensação por danos não patrimoniais implica o recurso aos padrões definidos pela jurisprudência, e de molde a obter-se uma uniformização de critérios que evite o subjectivismo na determinação do quantum indemnizatur. 69. Nessa lógica de raciocínio, salvo o devido respeito por distinta opinião, afigura-se justa e adequada a fixação das compensações a título de danos não patrimoniais próprios de Euro 40.000,00 para ambos os AA., (cabendo 1/3 ao A. marido e 2/3 à A. mulher) e que se impõe reduzir a 1/3, por via da aplicação da proporção de culpa fixada quanto à responsabilidade pelo evento. 70. Ao contemplar diverso entendimento, o douto acórdão recorrido incorreu em séria violação do disposto no art. 496º n.º 1 e 3 e 494º do Cód. Civil, entre outros., impondo-se a sua alteração. 71. O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos e legais consequências. TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E REVOGADA A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, Em contra-alegações, os recorridos pedem a improcedência deste recurso. I. No âmbito de acção sob a forma de processo comum veio a ser proferida douta sentença pelo Tribunal a quo, datada de 23 de Setembro de 2016, Pela qual foi a ré condenada a pagar aos autores quantia de € 52.500 € a título de danos não patrimoniais. II. Tendo sido fixado como objecto do litígio “consiste em analisar os pressupostos da responsabilidade aquiliana emergente de acidente de viação, e, designadamente saber se há culpa no acidente e de quem, e, mais concretamente, se há culpa do condutor do veículo e/ou se ocorre culpa in vigilando quanto à vitima (menor); sendo caso disso, indagar do quanto indemnizatório.” III. Nem toda a matéria alegada foi considerada no juízo decisório pelo tribunal a quo, pois da sentença não consta qualquer referência a um ponto que, em sede de audiência prévia foi fixado como tema da prova, referimo-nos ao seguinte: “C) No local do acidente é comum a circulação/travessia da faixa de rodagem por crianças.” IV. Ademais, o mesmo facto consta da alegação dos recorrentes e alegada igualmente em sede de audiência de julgamento, sendo tal questão de extrema importância para analisar da culpa do recorrente na produção do acidente. V. Na audiência de julgamento, várias foram as testemunhas prestaram depoimento no sentido, em síntese, de que o local do acidente é uma rua com muito pouco movimento, de uso quase exclusivo dos aí moradores, considerada pelos moradores como segura para os menores, onde as crianças tem plena liberdade de circulação, sem qualquer incidente a registar até aquela data. VI. Pelo que se deixou demonstrado, entendem os recorrentes, ter-se feito prova suficiente deste ponto, pelo que deveria o mesmo contar dos factos dados como provados. VII. Tanto mais, que trata-se de matéria alegada na petição inicial, nomeadamente art. 40º e 52º. VIII. Assim, urge dar como provado que “no local do acidente é comum a circulação/travessia de pessoas, crianças e animais, sendo normal as crianças brincarem livremente pelo acampamento.” IX. Com efeito, atenta a omissão de pronúncia sobre tal factualidade, em termos de valoração, sempre se mostraria a douta sentença padecer do vício da nulidade, nos termos e para efeitos do art. 615º n.º 1 c) CPC. X. Tendo sido ponderada a culpa do condutor e do pai do menor na produção do acidente foi a responsabilidade fixada em 2/3 para o pai do menor e 1/3 para o condutor do veículo automóvel seguro na ré. XI. Sendo que a culpa do pai do menor, ora recorrente, assentou na consideração do seu comportamento como imprudente e violador do dever geral de cuidado e do dever especial, plasmado no art. 99.º n.º 6 do Código da Estrada entendendo que a criança “se encontrava a brincar junto da faixa de rodagem, sem qualquer XII. obstáculo de permeio, a juventude da pessoa (ela, também, menor) que ele encarregou de ficar a vigiar – culpa in vigilando.” Folha 18 da sentença – negrito e sublinhado nossos. XIII. Ora não podemos aceitar com tal entendimento, concretamente na qualificação do local do acidente como faixa de rodagem. XIV. Tanto que, de acordo com os pontos 4 a 7 dos factos provados, estamos perante uma rua que não está pavimentada, somente com uma via em terra batida com piso irregular, sem marcação, sem passeios, sem valetas. XV. Não se subsumindo tal factualidade ao previsto no Código da Estrada temos: art. 1.º alínea h): “«Faixa de rodagem» - parte da via pública especialmente destinada ao trânsito de veículos” XVI. Não se tratando de via especialmente destinada a veículos, conforme a definição legal de faixa de rodagem impõe. XVII. Aliás, conforme referido por diversas pelas testemunhas ouvidas trata-se de um acampamento de pessoas de etnia cigana, com habitações precárias, designado entre eles como “Iraque”. XVIII. Tanto mais que, o trânsito automóvel naquela zona é diminuto, pois só é transitado por pessoas que ali residem utilizando aquele arruamento como entrada e saída do acampamento. XIX. E nem todos possuem veículos automóveis, pois é um facto notório que os indivíduos de etnia cigana na sua generalidade têm pouca escolaridade, e daí não tenham hipótese de obtenção da carta de condução, já para não falar de questões económicas. XX. Não podemos sequer comparar o incomparável, pois uma coisa é deixar uma criança imprudentemente numa estrada nacional - e aqui sim uma faixa de rodagem, pois trata-se de uma via destinada a circulação de veículos – outra bem diferente é permitir que as crianças brinquem e circulem livremente por um arruamento pouco transitável por veículos automóveis, com todas as demais XXI. características identificadas. XXII. Da mesma forma, o facto de o pai do menor encarregar uma criança mais velha de vigiar o menor P. N., se enquadra dentro dos parâmetros socioculturais da etnia cigana, conforme foi plenamente demonstrado com os depoimentos das testemunhas XXIII. Não se verificando porquanto violação do dever especial de cuidado plasmado em tal norma, nem sequer da violação do dever geral de cuidado. XXIV. Pelo que, neste ponto verifica-se um erro na determinação da nova aplicável, nos termos da alínea c) do n.º 2 do art. 639º do CPC, pugnando pelo afastamento de aplicação de tal norma. XXV. Para determinação da culpa in vigilando dos recorrentes, foram tomados como factos dados provados os constantes dos pontos 12 a 16. XXVI. Mas tendo em conta a matéria de facto dada como provada, e à prova produzida na audiência de julgamento, a decisão a proferir devia ser do afastamento da culpa in vigilando dos recorrentes, dando-se procedência à previsão contida na primeira parte do art. 491º do CC. XXVII. Temos de considerar que, o facto de as crianças andarem livremente pelo bairro da P. não constitui uma fonte de perigo, pelo que neste ponto não se verifica incumprimento do seu dever legal de vigilância dos recorrentes. XXVIII. Tanto mais que, trata-se de uma rua com muito pouco movimento automóvel, de uso quase exclusivo dos moradores, considerada pelos moradores como segura para os menores. XXIX. Não podemos ainda de deixar de analisar o quadro sociológico da vida na comunidade cigana, desde logo é marcada pela existência de vários filhos por casal, onde predomina a liberdade e a autonomia dos menores, sendo os mais velhos responsáveis pelos mais novos, verificando-se uma significativa atenuação do grau de exigência relativamente à obrigação de vigilância. XXX. Não se podendo interpretar a norma do art. 491º do CC. sem se ter em consideração as circunstancias de cada caso, e neste em concreto das particularidades da comunidade cigana. XXXI. Dado que nem o princípio de formulação positiva da igualdade, nem o princípio de formulação negativa de proibição da discriminação impossibilitam diferenciações de tratamento tendentes a corrigir desigualdades de facto desde que essas diferenças sejam objectivas e razoáveis e que prossigam um fim legítimo, ou seja, que exista uma justificação objectiva, razoável e proporcional entre o meio utilizado e os fins visados. XXXII. Pois tem-se como facto notório que, a supervisão parental exercida pela etnia cigana apresenta algumas fragilidades, devendo a responsabilidade dos recorrentes ser analisada em observância e respeito das especificidades culturais em causa. XXXIII. Verificando-se neste ponto um vício de nulidade nos termos e para efeitos do art. 615º n.º 1 b) CPC. Nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais. XXXIV. Seguindo os ensinamentos do Professor Vaz Serra, a obrigação de vigilância tem um conteúdo concreto, dependente da personalidade e idade do vigilando, das circunstâncias do caso, da ocasião e do lugar, e do tipo de acto em causa. Devendo ser entendida em relação com as circunstâncias de cada caso, não se podendo ser demasiadamente severo a tal respeito. XXXV. Assim para apurar a omissão culposa do dever de vigilância, não podemos esquecer as concretas razoes culturais e idiossincráticas, das quais são indissociáveis. XXXVI. Os progenitores do menor, ora recorrentes ao consentirem que o mesmo circulasse livremente pelo acampamento, claro que com eles presentes, cumpriram integralmente o dever de vigilância que sobre eles impendia, confiando por certo na probabilidade de tudo correr bem, como era normal acontecer, dada a ausência de perigo no local. XXXVII. O dano verificado não decorre, no presente caso na sequência de uma vigilância negligenciada, não potenciador de qualquer risco acrescido, embora com este desfecho imprevisto e fatídico, completamente contrario à vontade dos recorrentes. XXXVIII. Pelos depoimentos ouvidos nas secções de julgamento ficou demonstrado que a própria comunidade onde os recorrentes se encontram inseridos não culpabilizaram o comportamento dos recorrentes, culpabilizando já sim o comportamento do condutor do veículo que atropelou o menor. XXXIX. Devendo nestes termos considerar-se ilidida a presunção de culpa in vigilando, presente no art. 491º do CC, por provado que foi cumprido o dever de vigilância tendo em consideração a razoes culturais em causa. XL. E nessa sequência ser alterada a proporção de contribuição para o acidente fixada pelo tribunal a quo, devendo a responsabilidade pelo acidente ser atribuída por completo ao condutor do veículo, impondo a responsabilidade pelo resultado, na sua globalidade à recorrente. XLI. Tendo em consideração os factos dados como provados, constantes dos pontos 23 e 24 da sentença a quo, entendeu o tribunal a quo considerar com justa a indemnização de € 50.000,00 em conjunto, sendo depois repartida consoante o grau de culpa atribuída. XLII. Não podemos concordar que a referida quantia seja suficiente para compensar o recorrente de todo o sofrimento que toda esta situação lhe causou. XLIII. Pelo que, ao fixar em € 50.000,00 o valor justo com indemnização pelos danos que os recorrentes vêm sofrendo, violou o tribunal a quo a norma do art. 496.º, n.º 1 do CC. XLIV. Devendo ser alterada neste ponto a decisão fixando a indemnização a cada um dos recorrentes nunca abaixo dos € 40.000,00, valor que se oferece como mais ajustado face aos critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos. XLV. Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA. Normas jurídicas violadas: arts. 615º, n.º 1, alínea c), 639º, n.º 2, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, art. 99º n.º 6 do Código da Estrada e arts. 491º e 496º, n.º 1 do Código Civil. Sic, contando com o sempre mui douto suprimento de V/ Exas., se apresenta recurso, em razão da injustiça subjacente ao doutamente decidido bem como disformidade jurídica, requerendo-se, a revogação da douta decisão. A Recorrida não apresentou contra-alegações. 2. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.(1) Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3) As questões enunciadas pelos recorrentes podem sintetizar-se da seguinte forma: a) As alegadas nulidades da sentença; b) A pedida alteração da matéria de facto julgada; c) A imputação ou exclusão de culpa ou responsabilidade do condutor do veículo QG e do progenitor da vítima; d) O valor das indemnizações fixadas a título de dano não patrimonial da vítima, do particular dano do direito à vida, dos danos patrimoniais sofridos pelos progenitores da vítima (neste último caso impugnada por ambas as partes. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3. DAS ALEGADAS NULIDADES DA SENTENÇA No item IX. das suas conclusões, os Recorrentes afirmam que a sentença proferida está ferida de nulidade, prevista no art. 615º, nº 1, al c), do Código de Processo Civil, por ter deixado de se pronunciar sobre o item C) dos temas da prova fixados aquando do saneamento do processo, matéria alegada nos itens 40º e 52º da sua p.i.. Em primeiro lugar, note-se que a omissão de pronúncia está prevista na al. d), do citado nº 1, do art. 651º, (e não na invocada al. c)). Nos termos desse Artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. Esta nulidade está diretamente relacionada com o Artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Vol., p. 143, “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado. Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas. A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Nas palavras precisas de TOMÉ GOMES, Da Sentença Cível, p. 41, «(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.» Não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes. O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente. Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente deve conhecer (Artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil) à exceção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pela anterior conhecimento de outros. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui. Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra. Feitas estas considerações gerais, vejamos a sua pertinência no caso concreto. Nos itens 40º e 52º da p.i., os Autores fazem alusão a uma das características do local do acidente – a normal circulação de crianças, tendo em vista suportar um dos factos essenciais à responsabilidade civil imputada ao condutor segurado na Ré – a sua culpa no desencadear do mesmo. Na fixação dos temas da prova conformaram-se com a inscrição na sua al. c) da seguinte matéria: No local é comum a circulação/travessia da faixa de rodagem por crianças. Tal como tal descrita, essa matéria não teve eco nos factos julgados provados e não provados da decisão em crise que, no entanto, menciona que no local se encontrava um grupo de crianças a brincar, precisando a sua localização e a inserção da vítima no mesmo (cf. itens 12. e 14. dos factos assentes). O Tribunal recorrido entendeu que tal decisão basta para apreciar essa matéria, que considerou instrumental. Julgamos que esta posição tem acolhimento, desde logo, na distinção feita pelo art. 5º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, onde se dita que (1) Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Com afirma jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa, relatada por Luís F. Sousa, os factos podem ser principais (e, entre estes, essenciais e complementares) ou instrumentais, cabendo ainda diferenciar nestes entre: - os factos instrumentais puramente probatórios, cuja função é a de permitir atingir a prova dos factos principais, os quais não devem integrar os temas da prova, não necessitando de alegação, e - os factos instrumentais desprovidos dessa função puramente probatória, os quais integram a causa de pedir ou a matéria da exceção e que, como tal, devem ser alegados para subsequentemente integrarem os temas da prova. Os factos instrumentais puramente probatórios são aqueles que podem ser utilizados para a prova indiciária dos factos principais (e, entre estes, essenciais e complementares). Integram-se nesta categoria os factos que constituem a base de presunções judiciais (factos-indiciários). São aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais. Há que atentar no objeto do litígio perscrutando se o mesmo contém factos principais de difícil ou inacessível prova direta. Nessa eventualidade, os factos instrumentais assumem particular relevo enquanto manifestação indireta dos factos principais, enquanto factos-base de presunção judicial conducente à prova dos factos principais. Pensemos, exemplificativamente, nos factos psíquicos ou do foro interno, no acordo simulatório, em alguns dos factos que servem de base à impugnação pauliana. Os factos instrumentais puramente probatórios não têm que ser (nem devem ser) objeto de articulação específica pelas partes, sendo a instrução e julgamento o momento próprio para os mesmos emergirem, cabendo ao juiz atendê-los e valorá-los em sede da fundamentação da convicção quanto fixa os factos provados e não provados (Artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil). (4) Na lógica do Código de Processo Civil de 2013, os factos instrumentais puramente probatórios não têm de ser alegados pelas partes, cabendo a estas apenas alegar os factos essenciais (Artigos 552º, nº 1, alínea d), “Expor os factos essenciais que constituam a causa de pedir” e 572º, alínea c), “Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas”), bem como alegar os factos complementares, os instrumentais nos casos em que estes integram a causa de pedir ou a exceção e os atinentes a exceções probatórias. (5) Com defende António Santos Abrantes Geraldes, (6) debruçando-se sobre os factos que podem sustentar presunções judiciais, como é o caso - por conseguinte, relativamente aos factos que apenas sirvam de suporte à afirmação de outros factos por via de presunções judiciais, para além de não se mostrar necessária a sua alegação (art. 5º) e de poderem ser livremente discutidos na audiência final (cfr. os arts. 410º e 516º), nem sequer terão de ser objecto de um juízo probatório específico. Em regra, bastará que sejam revelados na motivação da decisão da matéria de facto, no segmento em que o juiz, analisando criticamente as provas produzidas, exterioriza o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais ou complementares. O importante é que o juiz exponha com clareza os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas de prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade, designadamente na medida em que foi sustentada em factos instrumentais e nas regras de experiência que foram expostas. Em tais circunstâncias a Relação, em sede de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, tendo acesso a todos os meios de prova que foram produzidos e aos que foram prestados oralmente (que, por isso, foram gravados, nos termos do art. 155º, nº 1), estará apta a reapreciar a decisão e o correspondente juízo probatório formulado relativamente aos factos principais. No caso, tal com defende o despacho que apreciou em primeira instância esta nulidade, a matéria conexa relevante para aferir em concreto a culpa do segurado da Ré, tal como pretendiam os Autores, está inclusive impressa no rol dos factos provados (citados itens 12. e 14.), como acima se assinalou, carecendo assim de sustento esta nulidade que assim se julga improcedente, ficando prejudicado o conhecimento de tal matéria em sede de reapreciação da decisão de facto. Mais adiante, no seu item XXXIII., os Autores invocam ainda a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, alegando que foi desconsiderada a correta interpretação do art. 491º, do Código Civil, maxime as particularidades sociais e comportamentais da etnia cigana. Essa norma estipula que (1) é nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…). Os Recorrentes entendem que a interpretação daquela norma substantiva não foi a mais correta mas estão, porventura, equivocados, quando invocam para tanto esta nulidade. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença. Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 140, que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.» Nas palavras precisas de TOMÉ GOMES, Da Sentença Cível, p. 39, «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.» Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016 (7), «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.» A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença (8). É o que sucede nesta alegação dos Recorrentes: pretende-se que a falta de consideração de determinada interpretação da norma em apreço, aliás à luz de argumentos novos e descabidos, equivale à falta de fundamentação que vícia a sentença em apreço, quando o que poderá estar em causa é um suposto erro de julgamento, a apreciar em sede apreciação do mérito da sentença v. o do recurso dos recorrentes nessa matéria. Pelo exposto, julga-se improcedente esta outra nulidade. 3.2. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). *A Apelante Seguradora X começa, sob o título de Impugnação da Decisão Proferida Sobre a Matéria de Facto, por sindicar a factualidade dada como assente no item 20. da decisão impugnada. Neste ficou provado que, sic, ao retomar a marcha, sem assinalar previamente a sua intenção, e ao fazê-lo nos termos referidos em 17) destes factos provados, apesar de saber que a altura da carrinha Trafic lhe retirava visibilidade, o José atuou de forma desatenta. Entende a Recorrente que estamos perante matéria de direito, ou seja, matéria de teor eminentemente conclusivo. Os Recorridos entendem que estamos perante matéria de facto a considerar, devendo improceder esta impugnação. Estamos nesta questão perante o eterno dilema relacionado com a qualificação de determinada matéria como de direito, conclusiva ou de facto. Esta, contudo, deve considerar-se esbatida à luz no atual Código de Processo Civil, de pendor menos formal e mais preocupado com a substância prática da decisão. Com menciona Abrantes Geraldes a obra já acima citada (9), ao invés dos temas de prova que se destinam fundamentalmente a enunciar os traços gerais do conflito que divide as partes e que, como já se disse, poderão assumir um carácter genérico e até conclusivo que abra a oportunidade a que a instrução se processo com naturalidade, na fundamentação da sentença devem ser relatados os factos que o juiz considerou provados (e não provados). Nessa enunciação o juiz deve adequar-se às circunstâncias e exigências do caso, tendo em conta designadamente as virtualidades que decorram de uma maior concentração da factualidade apurada ou de uma maior discriminação ou pormenorização que, além de antecipar a resolução de problemas de integração jurídica, possa ainda obviar a eventuais impugnações sustentadas em argumentos de pendor formal em redor da delimitação do que constitui matéria de facto ou matéria de direito. Como elemento coadjuvante da compreensão do novo regime é significativo que não se encontre no NCPC a norma do nº 4 do art. 646º do anterior Código de Processo Civil que considerava “não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito”. Esta opção não significa obviamente que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspectos que dependem da decisão da matéria de facto. Mas, para além de revelar o artificialismo a que conduzia a anterior solução, em que se pretendia a todo o custo essa separação, tem subjacente a admissibilidade de uma metodologia em que, com mais maleabilidade, se faça o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito. Uma vez que a decisão da matéria de facto e a da matéria de direito são agregadas na mesma peça processual elaborada pelo mesmo juiz, tal facilita e simplifica a decisão do litígio. Como refere este mesmo Autor (10), pese embora o relevo que essa delimitação apresenta, jamais se conseguiu ou conseguirá a enunciação de um critério universal que responda a todas as questões suscitadas. Continuando a lei a prever tal delimitação, os respetivos contornos poderão sofrer variações em função das concretas circunstâncias, designadamente em razão do verdadeiro objeto do processo, de tal modo que uma mesma proposição pode assumir, num determinado contexto, uma questão de facto e, noutro contexto, uma questão de direito. No caso, estamos perante uma expressão – “desatenta”, que qualifica um estado de espírito caracterizado pela falta de atenção do agente e pretende retratar essa realidade subjetiva e, por isso, normalmente percetível por prova indireta. Se considerado isoladamente, até pode haver dúvidas se poderá ou não considerar-se afirmação conclusiva, coisa que não equivale necessariamente a ser de direito. No caso, a Recorrente não invoca o normativo ou conceito de direito que diretamente estivesse a ser usado, nem vislumbramos que possa assim ser considerada tal expressão. Por outro lado, estamos perante uma expressão que revela um estado subjetivo relevante em termos jurídicos mas que é coloquial e frequentemente usada para transmitir a realidade correspondente. Além disso, o julgador teve o cuidado de concretizar, na remissão que faz para o item 17. dos factos assentes e no próprio texto desse item 20., a medida em que o condutor em causa não atendeu aos fatores determinantes para o acidente e tanto basta para considerar admissível essa referência e improcedente esta particular pretensão do recurso da Seguradora X. Além disso, esta Recorrente questiona a decisão do item 22. dos factos provados, onde ficou assente que, sic, o P. N. sofreu uma dor lancinante, no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, tendo perdido a consciência de seguida, assim se mantendo até sobrevir a morte. Pretende que se dê como provado apenas que, sic, o P. N., no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, perdeu a consciência, assim se mantendo até sobrevir a morte, presumindo-se assim que pretende que se jugue não provada restante matéria. Para tanto, entendeu que se deve “reapreciar” o depoimento da testemunha J. F., no particular excerto que invoca e transcreve. Os Recorridos infirmam esse juízo e defendem a improcedência desta impugnação. O Tribunal a quo, ao fundamentar esta factualidade em particular, disse o seguinte. No que toca aos sentimentos de dor, desgosto, dos pais, face ao óbito dos filhos (2ª parte do 19), 20) a 22), e para além das regras da experiência comum (que fazem daqueles quase que factos públicos e notórios), foram tidos em conta os depoimentos de D. S., de F. S. (familiares, com razão de ciência) e de S. M. (assistente social, conhecedora do casal). O sofrimento, no momento (e só nesse momento) do atropelamento, foi afirmado não obstante o depoimento da testemunha Dr. J. F. (opinando este que o petiz terá perdido face à gravidade das lesões, pelo que não terá sentido dor - «não teve tempo para isso») e fê-lo pelo seguinte: por um lado porque, precisamente, nesta parte tratou-se de mera (ainda que especialmente fundamentada) opinião; por outro, ela surge algo contraditória, em si mesma considerada, porque admite que o petiz tenha gemido (o que não é compatível com a imediata perda de consciência); por último, porque as várias testemunhas (José e Manuel, designadamente) referiram que o petiz não faleceu logo, pois quando transportado para o centro de saúde, estava vivo – no entanto, afirmou-se que perdeu a consciência logo a seguir ao grito e assim se manteve até ao decesso, precisamente por força do referido depoimento. Antes de mais, parece-nos que quer o Tribunal a quo, quer a Recorrente, prescindiram de distinguir aquilo que é prova pericial e prova testemunhal, confusão muito frequente neste tipo de processos de acidente de viação em que é habitual a indicação como testemunhas, tendo havido ou não lugar a prova pericial, de pessoas com determinantes qualificações técnicas ou científicas que, contudo, nunca foram conhecedoras diretas dos factos e muitas vezes nem é certo que tenham percebido a sua dinâmica por outras que os tenham observado ou por alguma forma conhecido através de algum dos sentidos que o ser humano normal está munido para perceber o ambiente que o rodeia (11). Como afirmava o Prof. Doutor Castro Mendes (12), a prova testemunhal é a que resulta da transmissão ao tribunal, por certa pessoa, de informações de facto que interessam à decisão da causa, e que foram pela mesma pessoa adquiridas sem encargo para isso do tribunal. Já Antunes Varela (13), define testemunha como a pessoa que é chamada a narrar as suas perceções sobre factos passados que interessam ao julgamento da causa. (…) A distinção entre a testemunha e o perito, uma e outro terceiros em relação à causa, reside no caráter intrínseco das suas declarações. A testemunha, em princípio, insubstituível no seu papel, é chamada a referir as suas percepções de factos passados (o que viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou). O perito traz essencialmente ao tribunal a sua apreciação sobre os factos presentes de cujo exame foi incumbido, ou extrai conclusões (sobre factos presentes ou pretéritos) dos conhecimentos especializados que possui (…). Embora, como refere Antunes Varela, essas funções possam ser cumuladas em especiais circunstâncias, o que não pode é admitir-se a introdução de dados probatórios de uma e de outra natureza sem o devido formalismo, ou seja, para o que em concreto aqui se questiona, admitir que um depoimento que é substancialmente um avaliação técnico pericial, própria da prova real prevista no art. 467º e ss, do Código de Processo Civil, introduzida em juízo sob a capa de prova testemunhal, se transfigure na prova pessoal prevista no art. 495º e ss., do mesmo Código, e como tal possa ser relevado, ou seja atendida como um dado pericial, sem percorrer os ditames e o especial contraditório daquelas normas. Como elucida o Prof. J. Alberto dos Reis, “A nossa lei assenta no pressuposto de que a função da testemunha é única e simplesmente narrar facto. O art.º 641.º determina que a testemunha será interrogada sobre factos incluídos no questionário, articulados pela parte que a ofereceu, e deporá com precisão, indicando a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos. Portanto a testemunha é chamada para narrar ao tribunal os factos que tem conhecimento e para indicar a fonte desse conhecimento. Mais nada.” [Código de Processo Civil Civil anotado, Volume IV, Coimbra Editora, 1987, pp.327]. Àquela norma corresponde o actual n.º1 do art.º 638.º, do Código de Processo Civil (14), mantendo no essencial aquele conteúdo e sentido. Por outras palavras, a testemunha é chamada a referir as suas percepções de factos passados: o que viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou [cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.º ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 609]. Mas o que releva como prova por si trazida ao processo, é a parte objectiva dessa percepção, e já não a subjectiva, assim se excluindo a interpretação que a própria testemunha atribui aos factos. Para além disso, não releva tão pouco o testemunho indirecto, ou seja, o testemunho que foi obtido através de outrem e já contém em si uma versão e interpretação dos factos feitas por esse último. Neste caso, o que a testemunha pode narrar é apenas o que lhe foi revelado e já não o que terá acontecido, porque esse conhecimento não foi captado por si. Por conseguinte, o conhecimento directo sobre os factos é aquele que é adquirido pelo próprio, objectivamente, através dos sentidos, o que viu, o que ouviu, sentiu e observou. (15) Nesta medida, o que a “testemunha” indicada pela Recorrente com suporte do seu recurso afirma não é, nem nunca será, prova testemunhal ou pericial relevante (16). Aliás, atendendo à sua (in)consistência (17), ela nunca seria viável como tal e, ainda que se admita, em tese, que possa ser considerada, em contexto probatório especial, como elemento de prova atípico adquirido nos autos, sujeito à livre apreciação do Tribunal, (18) no caso, o mesmo está, em particular, eivado de incertezas e inseguranças intrínsecas, que o tornam, impróprio para contrapor a prova pessoal/testemunhal invocada pelo Tribunal a quo (essa sim firmada em ciência direta indiscutida), para, no âmbito da imediação que o enquadra, considerar de forma esclarecedora e coerente, assente a factualidade em causa. Por estas razões, julga-se improcedente esta outra impugnação da Recorrente. 3.2. FACTOS A CONSIDERAR 1. FACTOS PROVADOS 1. P. B., nascido a 5/4/2012, era filho dos AA, vindo a falecer no dia 5/8/2013. 2. Os AA são os únicos e universais herdeiros do falecido P. B.. 3. No dia 5/8/2013, pelas 13 h 30, ocorreu um atropelamento, envolvendo o veículo ligeiro misto de matrícula QG (Ford Transit) e o P. B., e do qual resultou a morte deste, então com 16 meses de idade. 4. O atropelamento ocorreu na rua que atravessa um acampamento de cidadãos ciganos, com diversas habitações precárias de ambos os lados, sito no Bairro …., Carrazeda de Ansiães. 5. Tal rua não está pavimentada, sendo constituída por uma via em terra batida com piso irregular, sem qualquer marcação e sem passeios, bermas ou valetas sendo que, no local do atropelamento, existe um leve afloramento rochoso. 6. Do lado esquerdo da rua, situa-se a habitação precária dos AA, onde morava o P. B.. 7. A rua tem cerca de 7 m de largura, e, no dia e á hora (ao início da tarde, cerca das 13 h 30 m) do atropelamento, estava sol e o piso em terra seco. 8. O veículo QG pertencia e era conduzido por José. 9. José é titular da carta de condução desde 15/8/2008. 10. Quando o veículo QG, conduzido por José, circulava pela rua que atravessa o acampamento, em direcção à saída, foi-lhe solicitado, por um habitante do Bairro, Manuel, que parasse o veículo. 11. José imobilizou, então, o veículo QG, parando com a roda direita dianteira em cima do afloramento rochoso e, pelo seu lado (do condutor), falou com Manuel, que lhe pediu tabaco, ao que o José anuiu e, após ter desligado o motor do Ford, ficou a dialogar com o Manuel. 12. Do lado direito da rua, atento o sentido de marcha do QG, encontrava-se um grupo de crianças a brincar, entre elas, o P. B., este sob a vigilância do A marido, grupo de cuja presença José se apercebeu e pelo qual passou, parando a Ford Transit mais à frente. 13. Porém, o A. Marido, depois de encarregar um menor, D., á data com 8 anos, de ficar a vigiar o petiz P. B., foi juntar-se ao José e ao Manuel, com eles participando da conversa, junto á porta do condutor do QG. 14. O grupo de crianças, quando o QG parou, estava a uma distância do QG de cerca de 8 metros. 15. Enquanto o José, o Manuel e o A. Marido, estavam a conversar, o petiz, P. B., sem que ninguém disso se apercebesse, saiu do grupo e, percorrendo a distância que o separava do QG, para o que atravessou parte da rua, enfiou a cabeça e o tronco debaixo do Ford Transit, junto e á frente da roda dianteira direita que estava em cima do afloramento rochoso, ficando com a barriga e as pernas de fora. 16. Acabada a conversa, o Manuel e o P. N. afastaram-se do QG, e José, após ligar o motor, reiniciou de imediato a marcha, atropelando então a criança, cujo crânio foi parcialmente esmagado e o tórax lesionado com escoriações e equimose com a roda dianteira direita, o que lhe causou a morte, não obstante o José ter imobilizado de imediato o QG ao ouvir o grito da criança. 17. Antes de reiniciar a marcha, a condutor do QG, não obstante ter visto as crianças a brincar, não apitou, não solicitou o auxílio do Manuel e do A marido, nem de qualquer outra pessoa, nem tomou qualquer outra providência. 18. Quando reiniciou a marcha, a criança não era visível para o condutor do QG. 19. O condutor do QG, José, à data, morava no acampamento. 20. Ao retomar a marcha, sem assinalar previamente a sua intenção, e ao fazê-lo nos termos referidos em 17) destes factos provados, apesar de saber que a altura da carrinha Trafic lhe retirava visibilidade, o José actuou de forma desatenta. 21. O P. B. era à data do acidente, uma criança feliz e saudável, espalhando alegria, interagindo com as restantes crianças, sendo o orgulho e uma das razões de viver de seus pais, com uma vida inteira à sua frente 22. O P. B. sofreu uma dor lancinante, no momento em que a roda lhe passou por cima da cabeça, tendo perdido a consciência de seguida, assim se mantendo até sobrevir a morte. 23. Os AA sofreram um desgosto inimaginável com a perda do P. B., filho único. 24. Ainda hoje os AA não conseguiram recuperar da dor. 25. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados pelo QG encontrava-se transferida para a Ré Seguradora, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 410082010…. 2. FACTOS NÃO PROVADOS a) O P. B. precipitou-se para a faixa de rodagem; b) O P. B. estava é frente do veículo quando foi atropelado. c) O condutor do QG, quando reiniciou a marcha, estava atento. 3.3. DO DIREITO APLICÁVEL A primeira questão colocada pela Recorrente Seguradora X tem a ver com a imputação de culpa ao condutor do veículo QG. Entende a recorrente, em suma, que se impôs a este um dever de diligência manifestamente superior ao condutor médio, maxime quanto ao dever de apitar antes de arrancar e à omissão de assinalar o reinício da marcha ou ter solicitado o auxilio de terceiros para o efeito, que em seu entender não deram causa ao acidente em face da atitude temerária e incauta da criança e à impossibilidade de o avistar (v.g. pelo veículo ser alto) ou de prever a sua conduta, tendo como matriz a diligência de um bom pai de família. Conclui, por isso, que deve ser excluída a culpa do seu segurado. Os Recorridos defendem tese oposta citando vária jurisprudência que alegadamente secunda a sua posição e, no seu Recurso, pedem que se atribua por completo a culpa do acidente ao segurado da Ré, alegando, em síntese: que o local do acidente não configurava uma faixa de rodagem ou uma estrada nacional, relevante para a aplicação de regras estradais ou as exigências de cuidado supostas; os indivíduos de etina cigana, na sua generalidade, têm baixa escolaridade e fracos recursos económicos e por isso não possuem carta de condução; é normal nessa etnia encarregarem outras crianças mais velhas de cuidar de outras; o facto de as crianças andarem livremente no espaço em causa não constitui perigo, dado a natureza especial da via em causa; que a falhas de supervisão das crianças, própria da etnia cigana, devem ser consideradas irrelevantes, em respeito dos seus valores culturais e do juízo positivo emitido pela sua comunidade, pelo que está ilidida a presunção de culpa do art. 491º, do Código de Processo Civil. Está em causa a declaração de um direito de crédito indemnizatório com base em responsabilidade civil extracontratual. Esse direito emerge essencialmente do art. 483º, do Cód. Civil, onde se estabelece que, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Os pressupostos exigidos pelo cit. art. 483º para que tal responsabilidade surja na esfera jurídica da Ré são, portanto, ab initio: a existência de facto que seja ilícito e culposo, a constatação de danos e do nexo de causalidade entre estes e aquele facto. A Recorrente Seguradora X discute a existência desse elemento subjetivo, a culpa, no comportamento imputado ao seu condutor. Com efeito, na responsabilidade prevista no art. 483º, acresce sempre a necessidade de imputarmos subjectivamente o facto em causa, i.é, de atribuirmos aos intervenientes no acidente a culpa, o juízo de censura ou de reprovação pela ação desencadeada. Esta culpa é apreciada, em abstracto, com referência ao comportamento de um bonus pater familiae - o bom pai de família - e, em concreto, pela figura real do lesante (cf. art. 487º, nº 2., do Cód. Civil). Normalmente, nestes casos relacionados com a circulação estradal, quanto inexiste prova direta dessa culpa, faz-se prova de factos que apontam para a mesma no desencadear do acidente em face da violação das regras de cuidado, v.g. as estradais. Essa violação, constitui indício da imputação subjectiva do sinistro. Como aponta o Ac. da Rel. de Lisboa, de 26/03/92 (in C.J. 1992, T. 2, p.153), citando jurisprudência do S.T.J., em casos destes a regra do nº 1, do art. 487º citado deve ser entendida cum grano salis, sob pena de se lançar sobre o lesado um ónus de prova excessivamente gravoso ou até incomportável. Há que partir daqueles factos externos para se apurar o facto interno - omissão do dever de cuidado. Este raciocínio traduz o recurso a uma presunção que a doutrina denomina de simples, natural, judicial ou de experiência, pois baseia-se apenas na experiência, sendo livremente apreciada pelo juiz. Estas presunções são produtos de regras de experiência - meios lógicos ou mentais de descoberta de factos: o juiz, valendo-se de certo facto e daquelas regras, conclui que aquele denuncia a existência de outro facto - vale-se de uma prova de primeira aparência. Como refere Dário Martins de Almeida - Em matéria de acidentes de viação, estará sobretudo em causa a omissão daquelas regras ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa como é a da circulação rodoviária (...) Consequentemente, o dever de diligência terá de atingir então um grau maior em face das circunstâncias ou das exigências do caso concreto (...). (19) Segundo Joahnnes Wessels, a espécie e a medida desse cuidado a ser tomado resultam das exigências que, em uma análise «ex ante» da situação de perigo (...), se devam fazer a um homem prudente e consciencioso, situado na posição concreta e no papel social do autor (...) (20). À data do acidente estava em vigor a redação do Código da Estrada por último alterada pelo D.L. nº 138/2012. Ao contrário do que defendem os Recorrentes/Autores, as suas regras tinham plena aplicação ao evento danoso em causa, dado que ficou assente que estávamos perante rua, com todas as caraterísticas de ser frequentada pelo público em geral, como transparece dos elementos recolhidos e aliás do que alegam os próprios Recorrentes na sua p.i.. Portanto, ainda que não fosse domínio público do Estado e seja domínio privado, ser-lhe-á aplicável o Código da Estrada, por via do que prevê o disposto no seu art. 2º, nº 2. O seu art. 12º, nº 1, estipulava, à data do acidente, que (1) os condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e sem adotarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente. No cumprimento desta ou de qualquer outra regra de cuidado de natureza estradal, a opção pelo facilitismo ou pelo risco mais ou menos calculado não é admissível e este será sempre imputável ao condutor incauto que, ao contrário do que pressupõem as alegações da Recorrente/Ré, não constitui bitola para definição do conceito do bom pai de família. Sendo ponto assente que a atividade do condutor segurado na Recorrente, de condução da viatura em causa, é perigosa, exige-se àquele que no seu exercício rodeie a sua atuação de todas as cautelas necessárias a evitar qualquer evento, ou seja, a obstar à concretização do perigo decorrente dessa atividade. Esse perigo deve ser aferido pelo condutor diligente e prudente, o bom pai de família, em cada momento, atendendo aos diversos fatores que envolvem a atividade em curso, nomeadamente tendo em atenção as características da viatura que conduz e o contexto ou envolvente em que esta se situa ou circula, exigindo um processo de perceção, avaliação e decisão que não pode ultrapassar etapas sob pena de se incumprir o dever de cuidado exigido. Concretizando, no caso, a notada dimensão da viatura, a comum Ford Transit, fotografada a fls. 78 e ss., não é, em si e aqui, um fator desculpabilizante, como entende a Recorrente. Todo o condutor de uma viatura automóvel deve na sua condução ter sempre presente a exigências das particulares caraterísticas da viatura que conduz, seja ela uma bicicleta ou um pesado de mercadorias. Se conduzimos uma viatura que tem uma configuração que exige, como seria o caso, um esforço acrescido para percebermos o contexto em que se manobra, isso não pode servir como factor desculpabilizante mas sim como elemento que determina um esforço acrescido, adequado à afastar qualquer perigo que possa resultar daquela. Se a altura da Ford Transit impedia o seu condutor de perceber todo a sua envolvente, posicionado no seu posto de condução, devia este ter tomado todas as cautelas para se assegurar que esse risco acrescido na condução dessa viatura fosse minimizado ou afastado, como decorre de todas as regras gerais de cuidado que subjazem à condução estradal, tal como o citado art. 12º, nº 1, ou os arts. 3º, nº 2, e 24º, nº 1, do Código da Estrada. Estando num meio urbano, rodeado de habitações, pessoas, crianças a brincar (cf. itens 3.2. a 3.7., 3.10. a 3.15.), uma delas com tenra idade e estatura reduzida, o falecido P. B., das quais se apercebeu, como era aliás sua obrigação, o condutor do QG não tomou qualquer providência para se assegurar que a colocação em marcha dessa viatura não constituía qualquer perigo de acidente, como resulta do apurado em 3.17. e 3.20.. Nestas circunstâncias, um condutor diligente e prudente, o dito pai de família, não pode orientar a sua atuação pelas normas do confortável condutor relaxado e é-lhe exigido que se assegure que o reinício da marcha das toneladas que compõem a sua viatura se faça sem perigo para os potenciais utentes da via, no caso, pelo menos os adultos referidos nos itens acima citados e as crianças que, quando lá chegou, estavam a brincar à parca distância de 8 metros de distância (itens 12. a 14.). Nesse contexto, um bom pai de família, devia ter-se acautelado minimamente que nenhuma dessas crianças estava em risco de ser atingido por essa manobra, v.g., avaliando direta ou indiretamente (v.g., recorrendo aos adultos presentes) o espaço que circundava a viatura, onde seria visível, pelo menos em parte, o P. B., do seu lado direito, tendo pelo menos o cuidado de apitar (cf. art. 22º, nº 2, al. a), do Código da Estrada) e aguardar a reação de quem estivesse em perigo nas áreas ocultas do seu campo de visão, em face do perigo eminente daquelas circunstâncias, maxime pela presença próxima daquelas crianças. Esta obrigação não é excessiva para um bom pai de família (coisa que pode ser diversa do irrelevante ou redutor conceito do condutor médio) que, nesse cenário, deveria ter estado atento à movimentações das crianças que o circundavam ou, pelo menos, cuidado de proceder nos termos acima descritos no momento da saída do local, o que, comprovadamente, não aconteceu. O facto de estarmos perante um criança de 16 meses não é fator que desculpe o incumprimento desse dever de cautela, aliás também aqui estamos perante elementos que, qualquer bom pai de família, controlaria atenta a infantilidade e imprevisibilidade dos comportamentos que seriam de esperar de um ser humano com essa idade. Em suma, era de esperar o imprevisto (21), a prognose a fazer importava a consideração dessa variável, o que não ocorreu e é censurável, à luz da previsão do art. 487º, nº 2, do Código Civil, embora possa tal conclusão ser mitigado pelos fatores a considerar infra e já adiantados pela sentença impugnada. Na verdade, como concluiu a sentença impugnada, esse desfecho não deve ser imputado, objetiva e subjetivamente, apenas ao condutor segurado na Ré. Os Autores discordam e dizem, além de mais, que foi mal aplicado o dispositivo do art. 491º, do Código de Processo Civil. Neste estabelece-se que as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido. Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, (22) o art. 491º, estabelece uma presunção de culpa das pessoas obrigadas, por lei ou negócio jurídico, a vigiar outras e não a sua responsabilidade objetiva. A lei admite-as a provar que cumpriram o seu dever de vigilância ou, mais do que isso, que os danos não deixariam de se produzir ainda que o tivessem cumprido. (…) A presunção de culpa (in vigilando) estabelecida no art. 491º apenas se refere aos danos causados a terceiros, já não aos danos causados à pessoa que deve ser vigiada. Quanto a estes vigoram os princípios gerais. Uma vez que no caso em apreço estão em causa os danos causados ao próprio vigiado e, reflexamente, aos próprios obrigados por lei à sua vigilância, julgamos que esta norma é aqui inaplicável e, por isso, embora por outras razões, procede a conclusão dos Recorrentes/Autores, devendo perceber-se no factualismo assente se existe fundamento para imputar ao progenitor alguma responsabilidade no evento danoso em causa, nomeadamente à luz da regra geral do art. 486º, do Código Civil. (23) Com referem Pires de Lima e Autores Varela (24), em relação às pessoas obrigadas à vigilância de outrem, elas não são apenas responsáveis pelos danos causados a terceiros, nos termos do art. 491º, respondem também, por força do disposto neste art. 486º, pelos danos que as pessoas vigiadas sofram com a omissão do dever de vigilância (v.g., se elas se ferirem ou morrerem em consequência dessa omissão). Este art. 486º, prescreve que as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o ato omitido. De acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, (25) a obrigação de vigilância, no caso de filhos menores, incumbe aos pais, desde que não inibidos do poder parental, porquanto, competindo-lhes o dever educar, a sua responsabilidade radica em ato próprio – a omissão daquele poder-dever, cuja exigência e padrões são indissociáveis de razões culturais e idiossincráticas. O poder paternal deve ser exercido no interesse dos filhos, competindo aos pais o poder-dever de velar pela segurança e saúde e prover ao seu sustento e “dirigir a sua educação”. Cabe, assim aos pais, nos termos dos arts. 122º, 123º, 1878º, nº 1 (26), 1881º, nº 1 e 1885º, nº 1 (27), do Código Civil, a promoção do desenvolvimento físico e psíquico, intelectual e moral dos filhos menores e velar pela sua segurança, educação, saúde, assim como representá-los. Para o que aqui releva, competia aos pais do P. B., os aqui Autores, zelar pela sua segurança e saúde, assegurando-lhe um desenvolvimento são. Interessa, assim, apurar se, em função da matéria de facto provada, é de imputar ao pai, o Autor (já que em relação à mãe a questão não é levantada), alguma responsabilidade na ocorrência do acidente que o vitimou, sendo que ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais (e das pessoas de quem ele se tenha utilizado) – cf. art. 571º, como já se deixou dito na decisão impugnada. Sobre a intervenção do Autor, pai, ficou assente que o P. B. se encontrava na altura sob a sua vigilância (cf. item 12.) e que, ante a chegada do segurado da Ré ao local, aquele decidiu delegar em terceiro, menor de 8 anos, essa sua responsabilidade, tal como ficou assente em 13. dos factos provados, e foi então para junto da porta do condutor do QG, com quem passou a conversar. Resulta ainda do apurado em 15. e 16., que ninguém, maxime o pai, ou a outra criança que tinha ficado encarregada de o vigiar, cuidou de estar atenta ao seu percurso errante e perigoso. A incumbência a esta outra criança, desde logo, incapaz, de facto (art. 349º, do Código Civil) e de direito (arts. 122º e 123º, do Código Civil), não afasta o dever primordial do pai para cm este filho, é ineficaz para isentá-lo da sua responsabilidade de garantir a segurança da criança vitimada. Era, por isso, do progenitor presente no local e imediatamente envolvido nessa função, o poder-dever de zelar pela sua segurança, evitando, para o que aqui releva, que se tivesse deslocado para debaixo da viatura que o matou, o que só por si basta para considerar preenchida a previsão do citado art. 486º, do Código Civil, ou seja, a concorrência da sua omissão culposa para esse resultado fatal. Acresce, em especial, que era sua obrigação, evitar que fosse violada a proibição prevista no artigo 99.º, do Código da Estrada, e a regra de cuidado que lhe subjaz. Com efeito, nessa norma dita-se que (6) quem, com violação dos deveres de cuidado e de protecção, não impedir que os menores de 16 anos que, por qualquer título, se encontrem a seu cargo brinquem nas faixas de rodagem das vias públicas é sancionado com coima de (euro) 30 a (euro) 150. O titular das responsabilidades parentais do P. N., ao descuidar os deveres a que estava obrigado nessa qualidade e ao permitir que transitasse e permanecesse na via onde circulavam as viaturas no local, violou essa norma estradal, o que no caso serve para reforçar o juízo de censura acima referido. Carece de qualquer sustento factual invocar múltiplas incapacidades dos progenitores, sustentadas numa conveniente notoriedade com a qual não concordamos, uma generalização de defeitos sociais e pessoais alegadamente imputáveis à etnia cigana, próprias de argumentação de capitis diminutio que é recorrentemente utilizada em juízo para basear uma discriminação positiva ou negativa, conforme o caso e o desfecho pretendido. Desde logo, a pertença dos progenitores a essa etnia é ela também um facto novo, não consta dos factos alegados/julgados a considerar. O mesmo sucede com os restantes generalidades. Por outro lado, a ideia subjacente à argumentação dos Autores, de que esta criança, por alegadamente pertencer a uma etnia específica, deixa de beneficiar da mesma proteção fundamental que decorre das normas acima citadas e das demais que a protegem e promovem e defendem o seu bem-estar, segurança, integridade física e vida (cf. arts. 70º, do Código Civil, arts. 12º, nº 1, 13º, 16º, 18º, da Constituição da República Portuguesa) é totalmente descabida e violadora dos desses mesmos princípios e direitos fundamentais, carecendo, por isso, de qualquer relevo. Por fim, sublinhe-se, não está em causa aqui, como pretendiam os Autores, ilidir a presunção do citado art. 491º, dado que esta norma não é aqui aplicável. A responsabilidade do pai da criança, e só deste, funda-se no referido art. 486º, como acima considerou. Resta aqui discutir outra questão subjacente à demanda recursiva de ambas as partes, a de saber qual o grau de imputação ou culpa a atribuir a ambos os responsáveis ou se a alguma delas pode ser excluída, tendo em mente aqui que ao facto culposo do P. B. é equiparado o facto culposo do seu representante legal, o Autor. O art. 570º, nº 1, do Código Civil, estipula que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. O Tribunal a quo expressou nessa matéria o seguinte: No juízo ponderativo do nº 1 do art. 570º, devem desde logo tomar-se em conta as consequências, catastróficas para o menor, a grau de culpa do condutor e do pai, o contributo do facto do menor para o acidente, objectivamente importante, cremos justo distribuir o grau de responsabilidade em 2/3 para o pai e menor e 1/3 para o condutor. Ponderando esses mesmos fatores, à luz das considerações acima feitas, julgamos, que a distribuição de responsabilidades e o seu reflexo na redução da indemnização devida aos Autores deve manter-se. Com efeito, em ambos os casos (responsabilidade do condutor v. a do menor e do seu pai) estamos perante negligência e o resultado catastrófico é objetivamente imputável aos dois adultos, que é o mesmo que dizer também ao menor representado pelo pai aqui culpado. Por outro lado, se é censurável a falta de cuidado do condutor da viatura automóvel em causa e todo o risco grave que ela potencia, é muito mais censurável a conduta do pai presente, mais ciente da envolvência da criança no palco dos acontecimentos e das suas limitações, sendo também de relevar a objetiva atuação da própria criança, que dificultou a perceção do condutor, mitigando assim, em nosso entender, o dever de cuidado que violou. Nestas circunstâncias, julgamos que a justiça pretendida pelo art. 570º, do Código Civil, se satisfará com a redução da responsabilidade indemnizatória do segurado, aqui representado pela Ré, em 1/3, assim se mantendo a decisão impugnada, julgando-se assim improcedentes os recursos de ambas as partes nesta questão. A discussão que coloca em seguida a Recorrente Seguradora X contende com o valor fixado a título de danos morais da própria vítima – 7500€, que esta considera excessivo e dever ser reduzido a 5000 euros. A compensação devida por este dano, previsto no art. 496º, nº 3, in fine, do Código Civil, assenta neste caso no factualismo já acima considerado, que caracteriza o grau de culpa, censura ou reprovação que efetivamente merece a conduta do segurado na Ré (28) e também no apurado no item 22. dos factos acima elencados, deste resultando que a vítima sofreu dor lancinante e perdeu de seguida a consciência até sobrevir a sua morte. Tendo em conta que o que se apurou aponta para um sofrimento/desvalor psíquico que não deve ter excedido segundos (cf. art. 349º, do Código Civil) e a censura relativa e respetivamente acentuada que deve merecer a conduta descuidada dos agentes em causa, julgamos ser atual, proporcionada e equitativa (na medida em que estamos, no caso do condutor da viatura, perante ré seguradora que se supõe devidamente capitalizada), a pedida indemnização de 5000 euros, considerando nesta parte procedente o recurso da Seguradora X. Outro valor posto em causa pela Ré/Recorrente é o do dano vida, alegando o grau de culpa imputado ao progenitor e os critérios jurisprudenciais vigentes que em seu entender importam uma redução do seu valor a 60000 euros. Nesta matéria secundamos os argumentos jurisprudências aduzidos pelo Tribunal de primeira instância, notando que já em 2013 o Supremo Tribunal de Justiça (29) considerava em casos semelhantes valores desta ordem de grandeza ou, em casos que foram públicos, valores muito superiores. O argumento de que o envolvimento do progenitor do menor importa, em tese, redução do valor a deferir, colhe razão, na medida em que a culpa daquele se reflete neste por via do citado art. 571º, do Código Civil, merecendo ambos os agentes censura, com destaque para o progenitor. Contudo, julgamos que, passados cerca de 5 anos da adoção daqueles valores ou critérios pelo Supremo Tribunal de Justiça, uma avaliação equitativa atualista deste direito fundamental e supremo do nosso ordenamento jurídico não deve admitir valores miserabilistas, v.g., por comparação com outros valores indemnizatórios não patrimoniais fixados para outros danos menos importantes, recordando-se que estamos perante seguradora, com património disponível bastante acima da média (cf. arts. 494º e 496º, do Código Civil). Nesta medida, consideramos adequado e nunca excessivo o valor fixado pela primeira instância, de 100000 euros, que se manterá, julgando-se improcedente o recurso da Ré nesta matéria. Por fim, cumpre aferir a justeza do valor atribuído na sentença impugnada a título de danos próprios dos progenitores. Essa decisão considerou que eram devidos 50000 euros a ambos os progenitores, sendo um 1/3 (16666,6666€) dessa quantia devida ao progenitor e 2/3 (33333,333€) à progenitora, relevando o apurado em 23. e 24. dos factos assentes e a atuação culposa do progenitor. A Recorrente Seguradora X entende que deve esse valor ser reduzido a 40000 euros, cabendo um 1/3 ao pai e 2/3 à mãe, porque considera aquele outro desconforme com a previsão dos arts. 494º e 496º do Código Civil, e desfasado da atual realidade e da jurisprudência corrente. Os Recorrentes/Autores entendem que esse valor deve ser fixado em valor nunca abaixo de 40000€ por cada um deles, invocando o mesmo tipo de argumentos. Estamos perante dano previsto no apontado art. 496º, a fixar de acordo com os já aplicados e apurados ditames do mesmo art. 494º: grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. No que diz respeito à progenitora, que nenhum envolvimento teve na ocorrência do dano, ponderando o grau de culpa relativamente elevado de ambos agentes que contribuíram para o acidente, considerando o apurado em 23. e 24., dos factos assentes, a natureza do vínculo filial cessado e o presumido grau de sofrimento, julgamos adequado e proporcionado o valor de 30000 euros, lembrando que estamos perante meras compensações monetárias de um desvalor moral fundamental. Este é um dano próprio da Autora/Recorrente, pelo que não o deve afetar a censura atribuída ao progenitor, ressalvada a aplicação do disposto no art. 570º, do Código Civil. Portanto, consideramos, nessa medida, parcialmente procedente este recurso da Autora e improcedente a respetiva apelação da Ré. No que toca ao dano próprio do progenitor, repristinando os argumentos acima considerados à luz do art. 494º, do Código Civil, com destaque para os relacionados com os itens 23. e 24. do factualismo assente e sublinhando-se o seu envolvimento no desfecho fatal que gerou o sofrimento em causa, uma vez que estamos perante um dano do próprio, julgamos ser equitativo e proporcionado o valor de 15000 euros, dando-se assim provimento parcial apenas ao recurso da Ré. Em suma, aplicando redução a operar nos termos acima expostos: este último valor deve ser reduzido a 5000 euros; o valor dos danos morais próprios da Autora, deve ser reduzido a 10000 euros; o valor do dano vida a receber por ambos os Autores será reduzido a 33333,33 euros, e o valor do dano próprio da vítima a pagar aqueles mesmos deve fixar-se em 1666, 66 euros. A condenação em juros operada na sentença impugnada deve manter-se, reportada aos valores agora fixados. 4. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente as apelações de Autores e Ré, revogando, pois, parcialmente a sentença recorrida nos seguintes termos: 1. Condena-se a Ré a pagar aos Autores H. B. e marido P. N. a quantia 34999,99 euros (a título de danos morais próprios da vítima e do dano vida); 2. Condena-se a Ré a pagar ainda à Autora H. B. a quantia 10000 euros (a título de danos morais próprios); 3. Condena-se ainda Ré a pagar ao Autor P. N. a quantia 5000 euros (a título de danos morais próprios); 4. Condena-se a Ré a pagar aos Autores juros de mora à taxa de 4% sobre, respetivamente, as quantias mencionadas em 1., 2., e 3. supra, desde a data desta decisão e até integral e efetivo pagamento; 5. Absolve-se a Ré do restante pedido; 6. Em conformidade, condenam-se Autores e Ré no pagamento das custas da ação e dos respetivos recursos, na proporção do respetivo decaimento (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil); 7. Mantém-se o restante decidido. Guimarães, 16.11.2017 Relator – Des. José Manuel Alves Flores 1º - Des. Sandra Maria Vieira Melo 2º - Des. Heitor Gonçalves 1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. 2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. 3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. 4. Por sua vez, os factos instrumentais desprovidos da função meramente probatória subdividem-se em: i.Factos que constituem por si a base de uma presunção legal, v.g., paternidade (Artigo 1871º, nº1, alíneas a) a e) do Código Civil), atividade perigosa (Artigo 493º, nº2, do Código Civil), etc. Estes factos integram a causa de pedir e, como tais, têm de seguir o regime dos factos essenciais com a sua integração nos temas da prova. ii.Factos que integram causas de pedir complexas servindo para preencher, de uma forma tão ampla quanto possível, conceitos jurídicos ou juízos de valor diretamente relevantes para a procedência da ação ou da defesa, v.g., boa fé, culpa, dolo (Artigo 253º do Código Civil), ocultação dolosa de bens (Artigo 2096º do Código Civil), etc. Também estes factos integram a causa de pedir e, como tais, têm de seguir o regime dos factos essenciais com a sua inserção nos temas da prova. iii.Factos que integram exceções probatórias, entendendo-se por exceção probatória “a arguição dirigida contra a admissibilidade ou a força de um meio de prova, mediante a alegação de factos impeditivos da produção do efeito probatório pretendido”. Veja-se o caso do Artigo 449º, nº2, do Código de Processo Civil, em sede de arguição de falta de autenticidade de documento presumido por lei como autêntico ou de falsidade de documento (Artigo 446º, nº1, do Código de Processo Civil). Também estes factos excetivos devem integrar os temas da prova. 5. Cf. Ac. de 22.10.2016, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2016:600.12.6TVLSB.L1.7 6. In Sentença Cível, Janeiro de 2014, p.14/15. 7. In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/627963eb32586aac80257fc700392a00?OpenDocument 8. Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.5.2012, Gilberto Jorge. 9. p. 21/22 10. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, p. 307 11. …e neste último caso, o que seria relevante era apenas a reprodução exata desse conhecimento, a conferir com a audição dessa outra testemunha. 12. In Direito Processual Civil, II vol., 1987, p. 713 13. In Manual de Processo Civil, 2ª Ed., p. 609 14. Art. 516º, do Código de Processo Civil de 2013 15. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-02-2012 http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/5e43ce5c926bc156802579b1004346e1?OpenDocument 16. Cf. Ac. do T.R. do Porto, de 17.11.2004, em matéria de processo penal mas em que a questão é similar. In https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRP:2004:0434172 Não valem como prova as declarações de pessoa arrolada como testemunha que, sendo médico, não tem conhecimento directo dos factos em julgamento, apenas se pronunciando sobre eles na qualidade de técnico, sem que tenha intervindo em qualquer perícia. 17. É patente no depoimento do Sr. médico ortopedista, perito ao serviço da Ré, na instâncias de todos os intervenientes processuais, um desconhecimento sobre a realidade dos factos subjacentes à sua análise que torna ainda mais irrelevante o jogo de hipóteses que o mesmo vai discutindo ao longo do mesmo, muitas vezes em áreas que advém apenas do seu comum conhecimento das coisas, em suma conjunto de hipóteses, fundadas em, outros tantos cenários efectivamente desconhecidos por si, que no entanto ainda admitem, ainda que de forma mitigada, aquilo que se deu como assente. 18. Cf. Ac. do T.R. de Lisboa, de 12.3.2015, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2015:1743.06.0TVLSB.L1.2Se determinada testemunha, que é médico, pela Ré arrolada, faz um depoimento técnico-pericial, pondo em causa a metodologia seguida pelos peritos do IML que realizaram o exame pericial dos autos e que, na sua opinião, e segundo o DL 352/07, deveriam, ter, não só, solicitado a documentação do processo que decorreu no Tribunal de Trabalho por o acidente ter sido qualificado como acidente de trabalho in itinere, como ainda os exames médicos da área de otorrinolaringologia, para concluir aquele nexo de causalidade, nem por isso deve ser valorado como um juízo técnico-pericial porque nem as partes a arrolaram como tal nem o Tribunal oficiosamente o requisitou nos termos do art.º 649, sendo o seu depoimento valorado livremente nos termos do art.º 655. 19. in Manual de Acidentes de Viação, 3ª Ed., p. 78. 20. in Direito Penal, Parte Geral (Tradução), p. 150. 21. Ac. Tribunal da Relação de Évora, 10.4.2014 – In https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2014:106.11.0TBCCH.E1 - A imprevidência (tal como é concebida pelos adultos) faz, normalmente, parte do quadro mental de qualquer criança (da idade da dos autos) não sendo exigível que ela possa ou deva prever as consequências de um dado acto usando de uma diligência que ela não tem e muito menos que paute a sua conduta por normas estradais que de todo lhe passam despercebidas. 22. Cf. Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Ed., p. 492 23. Cf. nesse sentido Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 5.11.2002 In https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2003:03B1335 24. Ibidem, p. 488 25. Cf. Ac. de 6.5.2008, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2008:08A1042 26. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens. 27. Cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos. 28. Cf. Ac. do S.T.J., de 13.7.2007 - VII. A indemnização por danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º, n.º 1 e 4, do CC e a fixar por equidade, tendo em atenção os fatores referidos no artigo 494.º do mesmo Código, visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta culposa do autor da lesão. VIII. Em caso de acidente de viação imputável a culpa efetiva do condutor do veículo que lhe deu causa, deve o grau de culpa ser ponderado na fixação daquela indemnização. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/23fd77e93a7a3b7d8025815c00464d53?OpenDocument 29. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.10.2013, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/6f0296cc8af7f75180257c13005687d4?OpenDocument&Highlight=0,morte,dano (…) III - A jurisprudência tem avançado no sentido de uma crescente valorização do direito à vida, atribuindo valores que geralmente oscilam entre os € 50 000 e os € 80 000, chegando mesmo atingir os € 100 000 para vítimas ainda jovens. IV - É razoável admitir que seja atribuída uma indemnização mais elevada pela perda de uma criança ou de um jovem, cujas vidas ainda não foram vividas, do que pela morte de um adulto já no ocaso ou na curva descendente da sua existência terrena. V - Mas, considerando a dignificação que merece a vida humana, não se justifica a redução da indemnização de € 50 000 fixada pela perda do direito à vida da vítima, apesar desta já ter 75 anos de idade.