Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I. RELATÓRIO. Manuel e mulher, Maria, instauraram o presente incidente de liquidação contra Infraestruturas de Portugal, S.A., pedindo que pela violação definitiva do seu direito de propriedade se liquidem os danos sofridos e em cuja indemnização a Ré foi condenada a satisfazer por acórdão proferido a fls. 850 a 855, que confirmou a sentença proferida a fls. 579 a 599 pela 1ª Instância, do seguinte modo: a- 15% sobre o valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos – Fafe; b- a quantia de 61.500,00 euros, a título de despesas forenses, acrescida das custas suportadas pelos Autores em todos os processos intentados por esse motivo; c- a quantia de mil euros a título de danos morais sofridos para cada um dos Autores; d- no montante que se vier a apurar nos termos de desvalorização da parcela sobrante. Para tanto alegam, em síntese, que a Ré se apoderou ilegalmente de quatro parcelas de terreno daqueles, as quais foram integradas na auto-estrada e daí estar obrigada a indemnizá-los pelos danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade; Os danos a indemnizar abrangem, em sede de danos patrimoniais, o pagamento da área de que se serviu ilegalmente a Ré, a indemnização pelos efeitos negativos nas partes sobrantes daquelas parcelas de terreno, os encargos com as demandas que os Autores foram obrigados a intentar, a indemnização pelos lucros cessantes e, finalmente, a compensação pelos danos morais sofridos com o desgaste que esta situação lhes tem causado; Quanto ao valor das parcelas de terreno, a ocupação definitiva ocorreu em 06/05/2003, data em que foi lavrado o auto de posse administrativa por parte da EP - Estradas de Portugal, E.P., e o valor dessas parcelas é proporcional àquilo que nelas se pode construir, pelo que tendo nelas sido construída uma auto-estrada, o valor dessas parcelas de terreno corresponde a 15% sobre o custo global da auto-estrada nelas implantadas; As ocupações das parcelas de terreno respeitam a ocupações parciais de prédios, os quais ficaram definitivamente condicionados, não tendo sequer nunca mais tendo qualquer possibilidade de valorização, relegando o quantum da desvalorização dessas partes sobrante para a prova a produzir quanto ao valor do solo perdido; A propriedade ficou atingida pela auto-estrada, que a assombra e impede definitivamente as partes sobrantes de terem qualquer outra utilização que não a agrícola e mesmo esta, fica prejudicada face ao assombramento provocado pela obra de arte implantada no solo; Por via da conduta da Ré, os Autores tiveram de recorrer a juízo com custos inerentes; Tiveram de propor ação no foro administrativo, que culminou com a declaração da nulidade do ato administrativo expropriatório e tiveram de propor a presente ação, que foi até ao Supremo Tribunal de Justiça, no que despenderam 61.500,00 euros, com IVA incluído, a título de honorários; Quanto aos danos decorrentes da privação do bem, os Autores peticionaram indemnização nos autos de Proc. 252/08.0BEBRG – UO 1, que corre termos no TAF de Braga, pelo que os mesmos não liquidam, por ora, qualquer indemnização a esse título, com vista a evitar duplicação. Os Autores incomodaram-se muito com toda esta situação, pelo que reclamam 1.000,00 euros, a título de compensação para cada um, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos. A Ré contestou, defendendo-se por exceção, sustentando que se encontra a correr termos sob o n.º 242/14.1TBFAF, Secção Cível, J1, da Instância Local de Fafe, processo de expropriação, onde serão contabilizados os prejuízos causados aos Autores pela expropriação; Que para além desta ação, encontra-se a correr termos o Proc. n.º252/08.0BEBRG,UO1, do TAF de Braga, onde se discute o prejuízo causado pela ocupação das parcelas de terreno antes da emanação de uma DUP válida e legítima, desde a data da efetiva ocupação das parcelas de terreno até à entrada em vigor da DUP; Consequentemente, não existem quaisquer prejuízos que possam ser indemnizados no presente incidente, sob pena dos Autores serem indemnizados em duplicado pelos prejuízos sofridos; Reputou de absurda a pretensão dos Autores em serem indemnizados pelo valor do terreno ocupado tomando por referência uma percentagem do custo da construção da auto-estrada, sustentando que o valor dessas parcelas de terreno não depende, nem esteve, alguma vez relacionado com o custo da construção da auto-estrada que nelas foi alegadamente implantada; Alegou que à data da ocupação daquelas parcelas de terreno, estas encontravam-se classificadas no PDM de Fafe como RAN e REN, pelo que estava vedada por lei a construção naquelas e que não é pelo facto das mesmas terem sido desafetadas da RAN e REN para a construção de uma auto-estrada, que lhes confere aptidão construtiva; A parcela n.º 156 localiza-se numa zona tipicamente rural, que confina com o “Rio Ferro”, junto ao leito de cheias, estando sujeita a inundações no período de inverno e onde não existem potencialidades construtivas; Impugnou que as parcelas sobrantes tivessem ficado condicionadas, sustentando que essa questão não pode, em todo o caso, ser discutida nos presentes autos, mas no processo de expropriação; Impugnou a matéria alegada pelos Autores com os alegados encargos tidos em pagamento de honorários, sustentando que os mesmos terão de ser equacionados nos respetivos processos judiciais, entrando na nota de custas de parte, nos termos em que legalmente podem ser contabilizados, inexistindo fundamento para serem apreciados no presente incidente de liquidação; Impugnou a matéria alegada pelos Autores em sede de alegados danos patrimoniais sofridos, sustentando que em função da matéria alegada, não resulta senão um mínimo desvalor do bem-estar ideal dos mesmos, insuscetível de adquirirem a gravidade necessária à compensação desses alegados danos não patrimoniais sofridos. Os Autores responderam alegando que no âmbito do referido processo administrativo a indemnização aí peticionada nada tem a ver com a requerida no presente incidente de liquidação. Por despacho proferido a fls. 161 a 163, determinou-se a suspensão da presente instância de liquidação até à decisão a proferir no âmbito do Processo n.º 242/14.1TBFAF. Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso da mesma, tendo esta Relação, por decisão proferido a fls. 205 a 215, em 07/12/2016, decidido revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos. Convocou-se as partes para uma tentativa de conciliação, que se frustrou. Na sequência da frustração dessa conciliação solicitou-se ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga informação sobre o estado do Proc. n.º 252/08.8TEBRG (cfr. fls. 228 a 229). Prestada informação de que esses autos se encontravam em fase de recurso (cfr. fls. 231), em 06/06/2017, foi proferido pelo tribunal a quo o seguinte despacho: “Compulsados os presentes autos com vista à prolação de despacho saneador, entende o tribunal que poderá ser o caso de proferir, desde já sentença, declarando, por um lado, a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento dos danos relativos à área de que a Ré se serviu ilegalmente e da desvalorização das parcelas sobrantes, já que está em curso o competente processo expropriativo com vista à fixação da justa indemnização pela expropriação das parcelas em causa e, por outro lado, quanto aos demais danos alegados – encargos com demandas judiciais, danos morais e lucros cessantes – declarando a improcedência manifesta da ação por não ser a Ré, Infra-Estruturas de Portugal, S.A, responsável pelos mesmos, já que não foi sua a atuação que os originou. Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 20 dias – art. 3º, n.º 2 do CPC”. Na sequência desse despacho, a Ré pronunciou-se, concluindo existir inutilidade superveniente da presente lide, argumentando que tal como tinha expandido na oposição à liquidação, não subsistem quaisquer prejuízos que possam vir a ser indemnizados no presente incidente de liquidação isto porque, por um lado, encontra-se a correr termos na UO1 do TAF de Braga, o Proc. n.º 252/08.0TBEBRG, onde, para além de vários prejuízos, o Autor reclama uma indemnização pelos danos decorrentes da ocupação do terreno desde a tomada de posse administrativa (em maio de 2003) até à publicação do N DUP da expropriação e, por outro, pendem os autos de expropriação n.º 242/14.1TBFAF, Secção Cível. J1 da Instância Local de Fafe, onde serão ressarcidos todos os prejuízos causados pela expropriação do bem, contabilizados à data da publicação da DUP e atualizados à data do efetivo pagamento. Conclui, sustentando que não restam quaisquer prejuízos que possam ser indemnizados no presente incidente de liquidação, sob pela dos Autores serem indemnizados em duplicado pelos prejuízos sofridos. Os Autores responderam reafirmando que a sentença que condenou a Ré a indemnizá-los pelos danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade com a ocupação das parcelas de terreno transitou em julgado; Que inexiste inutilidade superveniente da presente lide em relação ao processo expropriativo, uma vez que a Ré privou-os das parcelas de terreno n.ºs 152, 153, 155 e 156 no longínquo ano de 2002, existindo um desfasamento temporal de cerca de 12 anos entre aquela privação das referidas parcelas de terreno e a N DUP que subjaz ao processo expropriativo, cujos prejuízos lhes terão de ser indemnizados, pelo que a indemnizações a fixar no presente incidente de liquidação e nos autos de expropriação são distintas entre si. Quanto aos demais danos que liquida e em relação aos quais o tribunal a quo escreve “não ser a Ré, Infraestruturas de Portugal, S.A., responsável pelos mesmos, já que não foi a sua atuação que os originou”, os Autores sustentam que essa questão nunca foi suscitada pelas partes, nunca tendo a Ré suscitado a sua ilegitimidade ou irresponsabilidade na formação dos danos assim peticionados, reafirmando que por decisão transitada em julgada, a Ré é responsável pelo ressarcimento dos enunciados danos. Concluem pedindo que os autos prossigam “tendo em vista a prolação de decisão final que, conhecendo de forma plena o peticionado em sede de requerimento inicial, liquide o valor da indemnização em que foi condenada a Requerida, abandonando-se de vez os óbices que sucessivamente vêm sendo suscitados quanto ao andamento da lide”. A fls. 247 e 248, os Autores vieram requerer que o tribunal conhecesse desde já do valor da causa, para que se defina o tribunal competente para os termos ulteriores dos autos. Após, proferiu-se despacho saneador em que, na sequência daquele requerimento de fls. 247 e 248, apresentado pelos Autores, conheceu-se da exceção da incompetência do tribunal em razão do valor para conhecer do presente incidente de liquidação, decidindo-se nesta sede o seguinte: “No caso, dos autos, estamos perante uma liquidação, sim, mas uma liquidação incidente da instância, previsto atualmente, no art. 358º do CPC. Sendo um incidente da instância e não uma ação – note-se que este incidente deve até correr nos próprios autos da ação – o mesmo terá de correr junto do tribunal competente para apreciar a respetiva ação, no caso, neste juízo cível. A regra é a de que a competência se afere pela ação da qual o incidente depende - como os outros incidentes, de resto, independentemente de ser diferente o seu valor”. Suscitou-se e conheceu-se oficiosamente da exceção da ineptidão parcial da petição inicial, julgando-a inepta por falta de causa de pedir quanto aos pedidos formulados nos autos pelos Autores sob as alíneas a), c) e d) do petitório, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, decide-se julgar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir e, consequentemente, absolver o Réu da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a., c. e d., do petitório, nos termos dos artigos 278º, n.º 1, alínea b) e 577º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil”. Após conheceu-se de mérito quanto ao pedido formulado pelos Autores sob a alínea b) do petitório, julgando-o improcedente, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Declara-se, em conformidade, a manifesta improcedência do pedido formulado pelos autores, referente ao pagamento de honorários a mandatário e custas judiciais. Custas a cargo dos autores – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC”. Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões de recurso: I- O despacho saneador, na medida em que julga por verificada a nulidade do requerimento inicial, por ineptidão, nos termos consignados no n.º 1 do artigo 186º do CPC, absolvendo, em conformidade, a Requerida da instância, é nulo por configurar uma decisão-surpresa, proibida por lei. II- De facto, o Tribunal recorrido, por diversas formas suscitou já a existência de questões formais que, a seu ver, condicionam o prosseguimento dos autos, tendo, no entanto, tido o cuidado de ouvir as partes em conformidade com o que impõe o artigo 3º do CPC. III- Todavia, e após convidar as partes nesse sentido, como evidencia o despacho com referência 152480810, para que as mesmas se pronunciassem sobre a possibilidade de julgar a inutilidade superveniente da lide e, bem assim, quanto ao mais, a improcedência da ação por não ser responsável a aqui Requerida, surpreende com a formação de decisão, quanto a todos os pedidos com base em fundamentos distintos. IV- Exigiu o legislador como corolário base do processo civil, enquanto processo de partes, que o julgador faça cumprir o princípio do contraditório, para que antes de decidir, de direito ou de facto, sobre qualquer questão, dê a possibilidade às partes de sobre a mesma (n.º 3 do normativo citado). V- Não tendo dado cumprimento a essa obrigação, estava vedada à Senhora Juiz decidir nos moldes em que o fez, e ao fazê-lo eivou o despacho saneador e a decisão final do vício de nulidade, ao abrigo do estatuído no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, vício que urge aqui declarar, com a inerente revogação daquelas decisões. VI- De qualquer modo, e independentemente da (im)procedência da invocada nulidade, sempre se diga também que, ao decidir nos moldes preconizados no despacho saneador agora sindicado, o Tribunal recorrido comete um erro clamoroso de Direito. VII- Destarte, apresentado e aceite liminarmente o requerimento inicial, foi citada a Requerida para, querendo, opor-se, o que fez; no seu articulado esta impugnou especificadamente os termos do dito requerimento, denotando, a sua leitura, que a Requerida percebeu cabalmente o que era a causa de pedir que fundara os pedidos com que tal pretensão foi formulada (de tal forma que a Requerida em momento algum suscita a questão da ineptidão). VIII- Se assim ocorreu, estatui o n.º 3 do art. 186º do CPC que, ainda que existisse um vício ou uma nulidade por ineptidão da petição inicial, nos termos da alínea a) do n.º 1, esta considerar-se-á sanada se se concluir que a Requerida a interpretou convenientemente e pode, nessa sequência, exercer de forma cabal o contraditório. IX- Tendo sido esse o caso, ao Tribunal fica vedado que possa, com esse fundamento, absolver a Requerida da instância; coisa diferente desse é concluir, a final, após o decurso da instrução, pela (im)procedência dos pedidos formulados, o que, todavia, não competia à MMª Juiz recorrida apreciar neste momento, mas em sede de decisão de mérito. X- Ao decidir de forma diferente, a Senhora Juiz violou o n.º 3 do artigo 186º do CPC, omitindo, por inerência decisão de fundo sobre os fundamentos da liquidação, o que importará agora suprir, revogando-se a decisão e determinando-se o prosseguimento da lide. XI- A acrescer aos aspectos mencionados, urge aditar que a nível da decisão proferida quanto à verificação de nulidade por ineptidão encontramos, na sua fundamentação, uma falácia quanto à conclusão que a Mma. Juiz retira. XII- Efetivamente, todo o raciocínio lógico-jurídico que ali é estabelecido parte do pressuposto de que estamos perante a petição inicial de uma ação declarativa, e não já perante o articulado inicial de um incidente. XIII- Essa constatação, que se faz por mera leitura da decisão, é importante fazer, dado que ao arrepio do que é sustentado, no requerimento inicial de um incidente de liquidação o que se pretende não é a invocação de factos constitutivos do direito (porque o direito já se acha constituído), mas sim a demonstração do montante efetivo da indemnização que liquidam e os moldes em que o fazem. XIV- Havendo uma decisão judicial prévia, que serve de título ou fundamento à liquidação (n.º 2 do artigo 609º do CPC), valem em relação a esta todos os factos aí apurados, sendo que o que aí tenha sido discutido e decidido é já realidade adquirida para a liquidação, já que a instância é reNda (artigos 358º e 359º do CPC). XV- Estando demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil, demonstração essa que levou à condenação da Requerida, nesta sede não era preciso que os Requerentes invocassem e demonstrassem quaisquer factos reportados àqueles (pressupostos), tanto, como vem sendo referido pela jurisprudência, apenas de delimitar os termos de quantificação do valor do prejuízo a que a Requerida foi condenada a pagar. XVI- E isso fizeram-no, especificando claramente os pressupostos em que a seu ver a indemnização deveria ser construída, e bem assim as diferentes dimensões que a mesma deveria incorporar. XVII- Donde, e melhor não fora, por haver uma errada interpretação das normas convocadas, e bem assim um inadequado enquadramento jurídico da situação concreta, importa concluir pelo desacerto da decisão que julgou por verificada a nulidade do requerimento inicial por ineptidão e que determinou, por inerência, a absolvição da Requerida quanto aos pedidos formulados em a), c) e d). XVIII- Claro está que é inegável, não só ao longo da tramitação destes autos (pelas sucessivas questões oficiosamente suscitadas), como no próprio despacho sindicado, que a Senhora Juiz tem uma visão distinta daquele que deve ser o objeto da liquidação, por influência que a mesma entende existir por via do processo de expropriação que se encontra (também perante si) a ser tramitado. XIX- Todavia, trata-se de uma vez mais de apreciação de mérito da lide, que a própria antecipa nesta sede sem justificação, mas que deixa a nu a fragilidade dessa construção, por nós há muito identificada: é que a indemnização por violação do direito de propriedade que se procura liquidar abrange, necessariamente, os danos advenientes da ablação do bem, já que esta ocorreu no exato momento em que a Requerida, investida de uma d.u.p. declarada entretanto nula, dela tomou posse. XX- Se assim não for, o processo de expropriação, despoletado cerca de 12 anos mais tarde, irá apenas compensar os Requerentes dos danos que à data da d.u.p. (validamente) produzida, se verificavam, ou seja, ficcionando, pois, por imposição do artigo 23º do CE, uma realidade que não é verdadeira, perigando assim o princípio da contemporaneidade que é, como sabido, uma vertente que compõe o direito (fundamental) à justa indemnização – artigo 62º da CRP. XXI- E nesta nossa interpretação não há qualquer mal, pois que naturalmente não se atribuirá aos Requerentes uma indemnização duplicada, porquanto a que seja definida nestes autos consumirá, a ser assim, a daqueles autos de expropriação, que se mostram inúteis, de resto. XXII- Por último, relacionado ainda com o despacho que absolveu a Requerida da instância, desta feita quanto aos danos morais ali peticionados, dizer que divergimos do Tribunal “a quo” quando julga verificar-se a ineptidão do requerimento inicial. XXIII- Ao arrepio do que é aventado a menção ao incómodo sentido pelos Requerentes configura, de per si, um facto, já que é suscetível de ser materializado de diferentes formas que, em sede de instrução, ao tribunal cumpre aferir, produzidos que sejam os meios de prova indicados pelas partes (artigos 5º, 411º e 413º do CPC). XXIV- Com efeito, o atual sistema processual civil exige às partes que aleguem os factos essenciais em que assentam a sua pretensão, podendo, pois, a prova a produzir permitir todos e quaisquer outros que se mostrem com aquele relacionados, embora a ele não se reportem de forma estrita. XXV- Consequentemente, e sem prejuízo de no momento próprio, que não este, concluir pela improcedência do pedido, ao Tribunal impunha-se que ou notificasse os Requerentes para consubstanciar a sua alegação (no caso de a entender demasiado sintética) ou, em alternativa, deixasse que se aferisse em sede instrutória a (não) demonstração dos danos invocados. XXVI- Dito isto, também por estes motivos se conclui pelo desacerto do julgado, que não pode ser mantido, por ser discordante dos normativos mencionados. XXVII- Por último, buindo já com a decisão (de mérito) tomada quanto à condenação da Requerida no pagamento dos honorários peticionados sob o ponto b) do nosso requerimento inicial, parece aos Requerentes que a mesma é assaz criticável. XXVIII- Na verdade, esta é uma ilação que se impõe como decorrência direta do facto da apreciação realizada ter atendido em termos parciais ao que fora alegado no requerimento inicial (artigos 20º a 23º), fazendo pressupor que a circunstância de se acharem pagas num dos processos ali indicados custas de parte consumiam, no todo, o pedido formulado. XXIX- É verdade que na ação de reivindicação onde estes autos estão enxertados foram pagas custas de parte; é verdade também todavia que àqueles autos precederam outros, junto do Tribunal administrativo, tendo em vista a declaração de nulidade da d.u.p., onde não há nota de que tenha sido paga qualquer quantia a título do que é solicitado pelos Requerentes. XXX- Ora, a análise apressada, diremos mesmo perfunctória realizada pela Mmª Juiz atalhou essa circunstância, nada dizendo ou realçando a propósito; este é pois um vício que, por si só, será apta a por em crise a conclusão que extrai, da improcedência do que peticionáramos. XXXI- Mas, a acrescer a ele, não podemos olvidar outro: é que se a Senhora Juiz não conhece normativo que pudesse dar amparo à nossa pretensão, para além do que fora já consagrado por via do direito a custas de parte (artigos 25º e 26º do RCP), como diz, arreda, sem que se perceba porquê, deste raciocínio os princípios basilares da responsabilidade civil, matéria em que estes autos militam. XXXII- De facto, em conformidade com os artigos 562º, 564º e 566º do CPC, visando a responsabilidade civil uma reconstituição natural, ele há-de permitir que a parte veja recomposto o seu património caso a lesão não se tivesse efetivado. XXXIII- Assim, terá de haver, porque demonstrada está a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade, o direito a obter uma compensação integral do prejuízo que a atuação ilícita gerou, que a quem aproveita pode, ou não, pretender concretizar, seja pela apresentação de nota discriminativa de custas de parte, seja, para além dela, peticionando o valor total das despesas havidas com Mandatário. XXXIV- Outra solução que não esta afronta o princípio da reconstituição natural, tal como definido pelo artigo 562º a CPC, e bem assim o vertido no artigo 22º da CRP, que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos culposos nas situações em que cause prejuízo a outrem. Termos em que, ancorados nos motivos aventados, devem ser revogadas as decisões proferidas pelo Tribunal recorrido, seja quando absolve a Requerida da Instância por alegada ineptidão do requerimento inicial quanto aos pedidos aí formulados sob os pontos a), c) e d), seja quanto a absolve do pedido quanto ao ponto definido em b), determinando-se, em conformidade, o prosseguimento dos autos, tendo em vista a abertura de fase de instrução, seguindo-se a ulterior tramitação até prolação de decisão final”. A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da presente apelação, com os seguintes fundamentos: 1- O douto Tribunal a quo decidiu, no nosso entender corretamente, julgar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir tendo, em consequência, absolvido a Ré da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) da PI. 2- Efetivamente, estamos perante a ausência total de causa de pedir, vício este que, nos termos do artigo 186º do Código de Processo Civil, determina a ineptidão da petição inicial e, consequentemente, a nulidade de todo o processo. 3- Os autores pediram que a IP fosse condenada no pagamento de 15% sobre valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães-Fafe, sublanço Calvos – Fafe e da quantia que se vier a apurar em termos de desvalorização da parcela sobrante. 4- Pediram ainda que fosse a IP condenada no pagamento de danos morais, no valor de 1.000,00 euros para cada um dos Autores. 5- Ora prescreve o artigo 5º do CPC um ónus da alegação da matéria de facto integradora da causa de pedir, dos seus factos essenciais, a qual se deve traduzir em factos concretos, que preencham a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte e não a referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões desenquadradas dos factos subjacentes. 6- Muito acertadamente constatou o tribunal a quo que da petição dos autores não consta um único facto concreto acerca do prejuízo que terão tido com a ocupação ilegítima dos seus prédios. 7- A pretensão dos autores de que lhes seja atribuída uma indemnização correspondente a 15% do valor do custo da obra de construção da auto-estrada e ainda um valor que se venha a apurar relativo à desvalorização da parcela sobrante, não corresponde a nenhum prejuízo que os autores tenham tido com a violação do direito de propriedade. 8- É notório que o prejuízo sofrido pelos Autores jamais poderia equivaler ao valor do custo da auto-estrada que nos seus prédios foi implantada. 9- A indemnização pela violação do direito de propriedade dos autores teria que se sustentar nos prejuízos sofridos com a ocupação dos seus prédios os quais compreendem ainda os benefícios que os lesados deixaram de obter por força dessa mesma violação, pelo tempo em que a mesma se manteve (artigo 564º do CC). 10- Todavia, os autores nenhum prejuízo efetivo enunciaram. 11- Quanto aos danos morais advindos daquela violação, mais uma vez, nada foi alegado para além de que terão ficado muito incomodados. 12- Em face do exposto, outra conclusão não se pode extrair que não seja a da ineptidão da petição inicial devido a ausência total de causa de pedir. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve a apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. *Corridos os vistos legais, cumpre decidir.*II- FUNDAMENTOS O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte: 1- se o despacho saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e que, em consequência, absolveu a Ré (apelada) da instância quanto aos pedidos formulados pelos apelantes sob as alíneas a), c) e d) do petitório – fls. 7 dos autos – é nulo por constituir uma decisão surpresa e, nessa medida, violar o princípio do contraditório; 2- a improceder a nulidade referida em 1), se aquele despacho saneador padece de erro de direito ao julgar procedente a referida exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e ao absolver a apelada da instância quantos aos pedidos formulados pelos apelantes sob as enunciadas alíneas a), c) e d) do petitório, quando aquela petição inicial foi liminarmente admitida pelo tribunal a quo, este ordenou a citação da apelada e esta última contestou, impugnando especificadamente os factos alegados pelos apelantes na petição inicial, não invocando a referida exceção da ineptidão da petição inicial e quando pela simples leitura dessa contestação/oposição se verifica que a apelada percebeu cabalmente a causa de pedir invocada pelos apelantes para fundamentar os pedidos que aduz; 3- a improceder o erro de direito referido em 2), se o dito despacho saneador padece de erro de direito ao julgar procedente a referida exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e ao absolver a apelada da instância quando aos pedidos formulados pelos apelantes nas alíneas a), c) e d) do petitório, uma vez que tratando-se de liquidação de uma indemnização por factos ilícitos em que a apelada foi condenada a pagar aos apelantes por sentença transitada em julgado, todos os factos apurados nessa sentença se têm como definitivamente assentes/provados em sede de liquidação, estando já demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da apelada perante os apelantes, cabendo apenas aos últimos delimitar os termos da quantificação do valor desses prejuízos, o que estes fizeram na petição inicial que apresentaram; 4- a improceder o erro de direito referido em 3), se o referido despacho saneador quando julga inepta a petição inicial por falta de causa de pedir e absolveu a apelada do pedido formulado sob a alínea c) do petitório, padece de erro de direito, ao considerar que “incómodos” sentidos pelos apelantes consubstancia um mero conceito conclusivo e não um facto e se, por conseguinte, competia ao tribunal a quo notificar os apelantes para consubstanciarem essa sua alegação, caso a considerasse demasiado sintética, ou, em alternativa, teria de deixar o apuramento desse factos alegado para sede instrutória; 5- se o saneador-sentença, na parte que conheceu do pedido formulado pelos apelantes sob a alínea b) do petitório e absolveu a apelada desse pedido com fundamento na manifesta improcedência do mesmo, padece de erro de direito, porquanto essa decisão assenta numa consideração meramente parcial dos factos alegados pelos apelantes e na não aplicação ao caso dos princípios da responsabilidade civil e do disposto no art. 22º da CRP. *A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos que relevam para o conhecimento da presente apelação são os que constam do relatório acima exarado e, bem assim os seguintes: A- Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26/11/2014, transitado em julgado, foi confirmada a sentença proferida em 27/05/2013, que condenou a Ré “EP- Estradas de Portugal, nos seguintes termos: “Nestes termos, julga-se improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do Autor e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a auto-estrada, condenado a Ré EP – Estradas de Portugal, S.A. a pagar ao A., em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido da violação do direito de propriedade dos prédios id. em 1” - cfr. fls. 850 a 855 e 574 a 595. B- No acórdão e na sentença identificados em 1), foram julgados provados os seguintes factos: 1- Encontra-se registado a favor do A. Manuel a aquisição dos seguintes prédios: a- Prédio denominado Campo e Leiras de X, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 130 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. b- Prédio rústico denominado Leira N, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 131 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. 2- Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 17.818-G/2002 de 23/07/2002, publicado no DR, II Série, de 9/8/2002, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação dos terrenos destinados à construção da obra designada “Concessão Norte (AENOR) A7 – IC5 – Lanço Guimarães – Fafe – Sublanço Calvos – Fafe. 3- Entre essas parcelas abrangidas pela DUP conta-se a n.º 152, 153, 155 e 156 do mapa anexo, pertença do A. 4- Por acórdão de 5/2/2004, proferido no recurso n.º 1918/02-11, o Supremo Tribunal Administrativo declarou nulo o ato identificado em 2 – cfr. fls. 21 e ss. cujo teor se dá por reproduzido. 5- Foi proferido o despacho n.º 16836/2008, do Secretário de Estado Adjunto, das obras Públicas e das Comunicações, datado de 28/05/2008 e publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 110, de 09/06/2008, que, considerando a necessidade de retificar os elementos identificativos das parcelas de terreno n.º 152, 153, 155 e 156, declarou “a retificação da declaração de utilidade pública referida, de acordo com as correções agora introduzidas, conforme mapa de expropriações, cuja publicação e promove em anexo, mantendo-se todos os atos até ao momento praticados – cfr. fls. 294, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6- A R. Estradas de Portugal, S.A. tomou posse administrativa das parcelas id. em 3 no dia seis de Maio de 2003. 7- As parcelas foram incorporadas na auto-estrada A7, a qual se encontra concluída - cfr. fls. 850 a 855 e 574 a 595. *B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. B.1- Da violação do princípio do contraditório. Sustentam os apelantes que o despacho-saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e que, em consequência, absolveu a apelada da instância quanto aos pedidos que formularam sob as alíneas a), c) e d) do petitório de fls. 7 é nulo, por constituir uma decisão-surpresa e, nessa medida, violar o princípio do contraditório. Vejamos se assiste razão aos apelantes. Como é sabido o princípio do contraditório é um dos princípios basilares que norteiam o processo civil nacional e em si mesmo é uma decorrência do princípio da igualdade das partes. Por via deste princípio exige-se, antes de mais, que instaurada determinada ação, o demandado tenha conhecimento de que contra si foi formulado um pedido, dando-lhe oportunidade de defesa. Esta finalidade é atingida pela citação do demandado para a ação ou para a execução ou com a notificação do mesmo para o incidente que contra ele é instaurado. Depois exige-se que ao longo de toda a tramitação do processo, qualquer das partes tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela outra parte, com a inerente possibilidade de se pronunciar antes de ser proferida a respetiva decisão. Como é bom de ver, só mediante a realização destas duas exigências que se acabam de enunciar se logrará assegurar uma efetiva igualdade de tratamento das partes ao longo de todo o processo. A razão de ser do princípio do contraditório radica, ainda, na circunstância de perante a “estruturação dialética ou polémica do processo”, em que os pleiteantes apresentam interesses ou opiniões contraditórias, se esperar que da “discussão nasça à luz” e que, consequentemente, “as partes (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e provas) que o juiz, mais sereno mas mais distante dos factos e menos ativo, dificilmente seria capaz de descobrir por si” (1), pelo que, além de ser condição para se assegurar a igualdade de tratamento dos litigantes, o princípio do contraditório traz vantagens inequívocas em sede de descoberta da verdade material. Esta vertente do princípio do contraditório, entendido como o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão, corresponde à conceção tradicional deste princípio e tem consagração legal na segunda parte do n.º 1 e no n.º 2 do art. 3º do atual vigente CPC (2). Nesta conceção tradicional o princípio do contraditório tem como escopo principal a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia. No entanto, como tem sido posto em destaque pela doutrina e pela jurisprudência, embora a conceção tradicional do princípio do contraditório continue válida e tenha acolhimento legal no atual vigente processo civil, nele adoptou-se uma conceção ampla de contrariedade ao estatuir-se no art. 3º, n.º 3 do CPC que “o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Mediante a consagração desta norma consagra-se no âmbito do processo civil o princípio constitucional da proibição da indefesa, associada à regra do contraditório, visando-se conferir às partes uma efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (3). Nesta conceção ampla do princípio da igualdade, em que se proíbe a indefesa e, nessa medida, a prolação de decisões-surpresa, visando-se assegurar às partes o direito de influenciarem o rumo do processo e a decisão nele a proferir, o escopo principal do princípio do contraditório, contrariamente ao que acontece na conceção tradicional deste princípio, deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito das partes de influírem ativa e decididamente no desenvolvimento e no êxito do processo (4). Esta vertente positiva do princípio do contraditório, tal como todos os outros princípios, não tem, no entanto, um sentido absoluto e inuletável. Na verdade é o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”. Note-se que a lei não esclarece quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respetivo cumprimento ser manifestamente desnecessário, cumprindo à doutrina e à jurisprudência preencher este conceito indeterminado, tendo sempre presente a finalidade central por ele prosseguido no âmbito do processo e as finalidades que o legislador visa acautelar com a consagração legal do mesmo. Nesta sede, Abrantes Geraldes sustenta que são limitadas as situações enquadráveis nesse conceito genérico, em que o juiz fica legitimado a afastar o cumprimento do princípio do contraditório com fundamento em “manifesta desnecessidade”, apontando como exemplos do afastamento legítimo do mesmo: a) o indeferimento de qualquer nulidade invocada por uma das partes; b) em matéria de procedimentos cautelares, quando seja necessário prevenir a violação do direito ou garantir o resultado útil da demanda (5). Por sua vez, Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares, na execução, em que a penhora é, em certos casos, realizada sem audiência prévia do executado, propugnando que igualmente não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação” (6). Como é bom de ver, a observância do principio do contraditório nesta dimensão positiva “tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que que o tribunal possa conhecer oficiosamente e que nenhuma das partes suscitou ao longo dos autos: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com a concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade” (7). No entanto, se o princípio do contraditório nesta dimensão positiva de conferir às partes o direito de poderem influenciar ativamente o rumo do processo e a decisão a proferir assume especial relevância no âmbito das questões de conhecimento oficioso do tribunal, o seu campo de aplicação não se esgota nesses casos, na medida que esta dimensão positiva do princípio do contraditório é aplicável ao longo de todo o processo. Além disso, impõe-se afinar o conceito de “manifesta desnecessidade” tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo, sib imputet, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa. Deste modo é que a jurisprudência nacional tem considerado que a decisão-surpresa a que se reporta o art. 3º, n.º 3 do CPC, pressupõe que a parte seja apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não estivesse prevista nem tivesse sido configurada por aquela (8). Se por hipótese, numa ação para ressarcimento de um lesado com fundamento na responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação, o autor pede, com base na culpa efetiva do demandado, o pagamento de determinada quantia, e o tribunal, na sequência da audiência de julgamento e após alegações de direitos das partes em que cada uma sustenta que a culpa deve ser atribuída à contraparte, acaba por decidir que cada uma delas contribuiu com uma quota de 50% para a produção do evento danoso e fixa em metade a indemnização da quantia peticionada pelo demandante, ou conclui que, em caso de colisão de veículos em que não logrou apurar as concretas circunstâncias em que se deu essa colisão, concluiu pela aplicação ao caso das regras do instituto da responsabilidade pelo risco, e condena o demandado a indemnizar o demandante em função dessas regras, nestes casos, não existe qualquer decisão-surpresa que exigisse a observância do princípio do contraditório a que alude o art. 3º, n.º 3 do CPC. Com efeito, a decisão tomada pelo tribunal não só é emanação dos factos alegados e debatidos pelas partes, em que o tribunal se cingiu a esses factos, sem recurso a factos novos não alegados por aquelas, como o enquadramento jurídico feito pelo tribunal consubstancia algo que aquelas previram ou, pelo menos, tinham a obrigação legal de prever como possível, uma vez que quem instaura uma ação de indemnização tendo em vista obter a indemnização pelos danos sofridos emergentes de acidente de viação com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, imputando ao demandado a culpa exclusiva pelo acidente, que nega essa culpa, antes a imputando ao demandante, não pode apartar-se da hipótese de o tribunal, em face da discussão da causa, vir a optar por uma partição de culpas ou pelo risco na produção do acidente. Da mesma forma, instaurada uma determinada ação com fundamento no incumprimento de um contrato-promessa e imputando cada um dos pleiteantes esse incumprimento à sua contraparte, tendo cada uma delas a possibilidade de esgrimir os seus argumentos para defesa da respetiva posição processual, era previsível que o tribunal pudesse vir a enveredar por uma posição em que a atribuição da responsabilidade pelo incumprimento fosse parcial. Deste modo, tem-se entendido que apenas ocorre uma decisão-surpresa quando a solução seguida pelo tribunal se desvincula “totalmente do alegado pelas partes na sua substancialidade ou na sua adjetividade, isto é, se a decisão não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova” oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório”. Nesta situação poderemos dizer que “o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuído ao julgador” (9). Nesta perspetiva, segundo a jurisprudência, não existirá decisão-surpresa quando a decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como possível e em relação ao que, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado, pelo que se não o fez, sib imputet. Ao invés, estaremos perante uma decisão-surpresa para efeitos do art. 3º, n.º 3 quando ela comporte uma solução jurídica, que embora juridicamente possível, as partes não tinham obrigação de prever, isto é, quando não fosse exigível que as partes tomassem oportunamente posição sobre essa concreta questão jurídica que acabou por ser sufragada pelo tribunal ou, no mínimo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que as partes o haviam feito (10). Finalmente, a violação do princípio do contraditório mediante a prolação de uma decisão-surpresa insere-se na cláusula geral das nulidades processuais prevista no art. 201º, n.º 1 do CPC onde se prevê que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Dada a importância do contraditório é indiscutível que a omissão do cumprimento desse princípio, isto é, quando ocorra a prolação de uma efetiva decisão-surpresa é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que a decisão-surpresa assim proferida encontra-se eivada de nulidade. Essa nulidade não é do conhecimento oficioso do tribunal, carecendo de ser invocada pelo interessado na omissão da formalidade ou na repetição desta ou na sua eliminação (art. 197º, n.º 1 do CPC). O interessado terá de invocar a nulidade no prazo de dez dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo (art. 199º, n.º 1 do CPC), sob pena desta ficar sanada. No entanto, estando essa decisão-surpresa coberta por decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso (11). Assentes nestas premissas, no caso, os apelantes instauraram ação declarativa, com processo ordinário, contra a apelada e a “Aenor – Auto-Estradas de Portugal, S.A., sustentando que o apelante-marido, Manuel, é proprietário dos prédios que identificam no art. 1º da p.i. de fls. 5 a 12. Mais alegaram que aquelas Rés, ao abrigo do despacho n.º 17.818-G-2002, de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas de 23/07/2002, publicado no D.R. de 09/08/2002, ocuparam as parcelas de terreno que identificam no art. 17º daquele articulado, para a construção de uma auto-estrada, parcelas de terreno essas que fazem parte daqueles prédios propriedade do apelante-marido, e que nelas construíram efetivamente a auto-estrada A7. Alegaram ainda, que aquele despacho proferido pelo Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas veio a ser declarado nulo por Ac. do STA de 05/02/2004, deixando, consequentemente, as Rés de terem qualquer justo título para ocupar as referidas parcelas de terreno. Concluem pedindo que se condene as ali Rés a reconhecerem o aqui apelante-marido e ali Autor-marido como dono e legítimo proprietário das ditas parcelas de terreno e a devolvê-las ao último no estado em que se encontravam à data da ocupação e a pagarem uma sanção pecuniária compulsória de 250,000 euros, por dia, desde a data do acórdão do STA que declarou nulo o ato expropriativo até à entrega efetiva das mesmas ao Autor-marido, destinando-se metade dessa sanção para o último e a restante parte para o Estado – cfr. fls. 5 a 12. Por acórdão proferido pelo STJ em 26/11/2014, de fls. 850 a 855, foi confirmada a sentença da 1ª Instância de fls. 574 a 599 dos autos, que julgou como provados os seguintes factos: 1- Encontra-se registado a favor do A. Manuel a aquisição dos seguintes prédios: c- Prédio denominado Campo e Leiras de X, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 130 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. d- Prédio rústico denominado Leira N, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 131 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. 2- Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 17.818-G/2002 de 23/07/2002, publicado no DR, II Série, de 9/8/2002, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação dos terrenos destinados à construção da obra designada “Concessão Norte (AENOR) A7 – IC5 – Lanço Guimarães – Fafe – Sublanço Calvos – Fafe. 3- Entre essas parcelas abrangidas pela DUP conta-se a n.º 152, 153, 155 e 156 do mapa anexo, pertença do A. 4- Por acórdão de 5/2/2004, proferido no recurso n.º 1918/02-11, o Supremo Tribunal Administrativo declarou nulo o ato identificado em 2 – cfr. fls. 21 e ss. cujo teor se dá por reproduzido. 5- Foi proferido o despacho n.º 16836/2008, do Secretário de Estado Adjunto, das obras Públicas e das Comunicações, datado de 28/05/2008 e publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 110, de 09/06/2008, que, considerando a necessidade de retificar os elementos identificativos das parcelas de terreno n.º 152, 153, 155 e 156, declarou “a retificação da declaração de utilidade pública referida, de acordo com as correções agora introduzidas, conforme mapa de expropriações, cuja publicação e promove em anexo, mantendo-se todos os atos até ao momento praticados – cfr. fls. 294, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6- A R. Estradas de Portugal, S.A. tomou posse administrativa das parcelas id. em 3 no dia seis de Maio de 2003. 7- As parcelas foram incorporadas na auto-estrada A7, a qual se encontra concluída”. Nessa sentença, ficou decidido, em definitivo, com o respetivo trânsito em julgado, o seguinte: “Nestes termos, julga-se improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do Autor e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a auto-estrada, condenando a Ré EP – Estradas de Portugal, S.A. a pagar ao A., em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido da violação do direito de propriedade dos prédios id. em 1”. Como fundamentos desta decisão, lê-se na referida sentença, em sede de subsunção jurídica da factualidade apurada, além do mais, o seguinte: “…O terreno da parcela, em que foi incorporada a obra pública passou, por via disso, a integrar o domínio público, logo fora do comércio e insuscetível de ser objeto de direitos privados, escapando, assim, à previsão da norma do n.º 2 do art. 1311º, vocacionada para a regulamentação de direitos e interesses de natureza privada – art. 2002º-2 C. Civil …o caso em apreço ocorreu uma declaração de utilidade pública justificativa do ato administrativo, embora o mesmo foi declarado posteriormente nulo, o que nos leva a considerar uma excesso de execução da administração implica uma ocupação com falta de cobertura equivalente à inexistência de ato administrativo prévio, mas merecedor de tratamento jurídico relativo à “apropriação irregular”… Assim, é de ponderar o princípio da «intangibilidade da obra pública» - princípio geral do direito das expropriações – que se traduz na manutenção da posse por parte da Administração quando, apesar de essa posse assentar em título ilegal, não representando um atentado grosseiro o direito de propriedade, deva ser mantida, sob pena de resultarem danos graves para o interesse público, como os resultantes da subtracção da coisa irregularmente apropriada ao uso público. Quando tal suceda, isto é, quando tenha havido um princípio de atuação legal expropriativa como, no caso, ocorreu com a prolação de um despacho de utilidade pública da expropriação (o qual posteriormente foi declarado nulo), o tribunal não deverá determinar a restituição ou demolição como meios de fazer cessar a “via de facto”, mas, atendendo ao interesse geral que a obra pública representa, abster-se de ordenar a restituição e limitar a conceder ao proprietário uma indemnização. Tratando-se de ilegalidade simples e leve, como o de obra pública construída por erro em propriedade privada, está-se ante «apropriação irregular». Nesta hipótese, de acordo com a “teoria da expropriação indireta” e para salvaguarda do princípio da «intangibilidade da obra pública», o juiz não pode ordenar a destruição da obra pública erigida por erro numa propriedade privada, mas apenas conceder ao proprietário uma indemnização … Esta doutrina pode apoiar-se no disposto no art. 335º do CC, sobre a colisão de direitos, de espécie diferente – o direito de propriedade do particular e o da intangibilidade da obra pública – prevalecendo o último por dever considerar-se superior. Sendo de realçar que, por meio da aludida “apropriação irregular”, as parcelas ocupadas com a construção da auto-estrada integraram o domínio público (…). Pelo exposto, o pedido de reconhecimento da propriedade por parte do A. e consequente devolução não tem viabilidade, pelo que o Tribunal não procederá à restituição ao Autor das parcelas ocupadas com a construção da auto-estrada. O A. não requereu uma indemnização (mas, sim, a devolução dos imóveis e uma sanção pecuniária compulsória desde a data do acórdão que declarou nulo o ato expropriativo até à entrega definitiva. Contudo, (…) o afastamento da reconstituição natural e a opção pela indemnização em dinheiro não dependem de alegação das partes, podendo esta conversão ser efetuada oficiosamente. Porém, o processo não confere elementos bastantes para calcular os danos sofridos pelo Autor, pelo que se relega para momento ulterior, em incidente de liquidação, a indemnização decorrente dos prejuízos sofridos em virtude da violação do direito de propriedade do A. O responsável pelos danos será unicamente a Ré Estradas de Portugal (…). Pelo exposto, condeno a R. Estradas de Portugal a pagar ao A. os danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade, no que vier a ser liquidado em incidente de liquidação”. Resulta do que se vem dizendo que, por sentença transitada em julgado, reconheceu-se que o apelante-marido, Manuel (e não, também, a apelante-mulher, Maria) é proprietário dos prédios identificados no art. 1º da petição inicial apresentada naquela ação declarativa e que desses prédios fazem parte integrante as parcelas de terreno n.ºs 152, 153, 155 e 156, identificadas no art. 17º desse mesmo articulado e, bem assim que a aqui apelada, ora com a denominação social de “Infraestrutuas de Portugal, S.A.”, ocupou ilegalmente essas parcelas de terreno em 06/05/2003, data em que tomou posse administrativa das mesmas, mediante a construção nelas da auto-estrada A7. No entanto, considerou-se que essas parcelas de terreno, com a incorporação das mesmas na A7, passaram a fazer parte do domínio público nacional. Consequentemente, julgou-se improcedente os pedidos formulados pelos aqui apelantes, Autores nessa ação, em que estes pediam que se condenasse a apelada a reconhecer o direito de propriedade do apelante-marido sobre essas parcelas de terreno e a restituir-lhe/devolver-lhe as mesmas, bem como a pagar a sanção pecuniária compulsória que peticionava até à restituição efetiva dessas parcelas e, consequentemente, absolveu-se a aqui apelada desses pedidos. Nos termos dessa sentença a qual, reafirma-se, transitou em julgado, não sendo, consequentemente, mais suscetível de ser objeto de discussão o que nela ficou decidido, converteu-se aqueles pedidos num pedido de indemnização pelos danos sofridos pelo aqui apelante-marido decorrente da integração daquelas parcelas de terreno no domínio público nacional, com a consequente violação do seu direito de propriedade com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. No entanto, reconhecendo-se que os autos não continham os elementos que permitiam desde já ao tribunal fixar o quantum indemnizatório referente a esses danos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609º do CPC (anterior art. 661º, n.º 2), nessa sentença, relegou-se a determinação desse quantum indemnizatório devido pela apelada ao apelante-marido para incidente de liquidação. É juntamente na sequência desta sentença condenatória, transitada em julgado, que os aqui apelantes instauraram o presente incidente de liquidação, apresentando o requerimento inicial de fls. 5 a 8, em que liquidam os prejuízos concretamente sofridos por via da lesão do direito de propriedade do apelante-marido sobre aquelas parcelas de terreno nos seguintes termos: a- 15% do valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos – Fafe, (no que tange ao valor das parcelas de terreno integradas no domínio público nacional pela apelada em 06/05/2003); b- 61.500,00 euros, a título de despesas forenses, correspondentes a honorários que tiveram de pagar ao seu mandatário no âmbito das várias ações que propuseram com vista a que o apelante-marido fizesse valer o seu direito de propriedade sobre aquelas parcelas de terreno, incluindo a declaração da nulidade do ato administrativo expropriatório, a que acrescem as custas processuais suportadas pelos mesmos em todos os processos intentados por este motivo; c- no pagamento da quantia de mil euros para cada um dos apelantes, a título de compensação por danos morais sofridos; e d- no pagamento do montante que se vier a apurar em termos de desvalorização da parcela sobrante. Significa isto que o presente incidente de liquidação insere-se no disposto no art. 358º, n.º 2 do CPC e visa tornar liquida a condenação genérica da aqui apelada que, por sentença condenatória, transitada em julgado, foi condenada a pagar ao aqui apelante-marido os prejuízos que sofreu em consequência da lesão do seu direito de propriedade sobre aquelas parcelas de terreno que foram integradas no domínio público nacional, decorrente dos factos apurados naquela sentença. Esses factos, apesar de demonstrarem que o apelante-marido sofreu efetivamente danos por via daquela atuação ilícita da apelada e, bem assim encontrarem-se preenchidos todos os pressupostos legais de cuja verificação estava dependente a obrigação de indemnização, incluindo, o dano, os factos aí apurados não permitiram ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido ao apelante-marido por via desses prejuízos, e daí a necessidade do presente incidente de liquidação. Como realça Salvador da Costa, para que aquela sentença condenatória pudesse ser proferida nos termos em que o foi, é necessário que se provem os factos relativos ao dano, “o que não é o caso se eles não revelarem que o autor ou o réu reconvinte sofreram algum prejuízo. Com efeito, a implementação do incidente em análise depende da verificação na sentença, de elementos fácticos relativos ao dano, e da incerteza da sua dimensão quantitativa, cuja concretização não pode exceder o pedido adrede formulado nos articulados da ação” (12). Deste modo, porque a condenação genérica da apelada a indemnizar o apelante-marido pelos danos sofridos em consequência da lesão do seu direito de propriedade, decorrente da integração daquelas parcelas de terreno de que era proprietário no domínio público nacional, tem como pressuposto que, nessa sentença condenatória, transitada em julgado, se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano por ele sofrido, estando apenas em causa a determinação do quantum/a dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo último em consequência desse dano, isto é, a determinação do quantum desses prejuízos, é que, em consonância com o disposto no art. 359º, n.º 1 do CPC., onde se estatui que “a liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa”, nele o apelante-marido não tem de alegar e provar quaisquer danos ou prejuízos concretos, por esses danos/prejuízos e, bem assim, todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo, reafirma-se, o dano, já se encontrarem provados, na sentença transitada em julgado, proferida na ação declarativa. O que o apelante terá de alegar e demonstrar é apenas a factualidade necessária ao apuramento do montante efetivo da indemnização – o quantum - que lhe é devida por via de ter sofrido os concretos danos/prejuízos cuja existência já se encontram, em definitivo, assentes na ação declarativa (13). Por outro lado, estando os danos sofridos pelo apelante já provados em sede de sentença condenatória, devidamente transitada em julgado, estando apenas, em sede de incidente de liquidação, em causa o apuramento do quantum dos concretos prejuízos que aquele sofreu em consequência desses danos/prejuízos, é apodítico que os factos alegados pelo apelante em sede de liquidação têm de “harmonizar-se com o teor do título dado à execução, pelo que, sendo este uma sentença, no apuramento da obrigação exequenda e a liquidar, a interpretação daquele tem de ser efetuada em conformidade com o que haja sido articulado na ação” (14). Logo, os apelantes não podem pretender liquidar a indemnização por danos/prejuízos que não tenham cabimento na factualidade apurada na sentença condenatória quanto aos concretos danos por eles sofridos e que se quedaram provados nessa sentença. Acresce que a “indemnização terá, necessariamente, como limite máximo, aquele que constitui o máximo do pedido específico formulado pelo autor” (15), pelo que se nos casos em que o requerente tenha pedido, na ação declarativa, a condenação do requerido a pagar-lhe uma indemnização, por ex. de cem mil euros, o montante que aquele poderá liquidar em sede de incidente e que nele lhe poderá ser arbitrado não pode exceder esses cem mil euros. O que se acaba de referir é decorrência da circunstância do incidente de liquidação ser dependente do processo declarativo onde foi proferida a sentença condenatória que serve de título à liquidação e à execução. De resto, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 358º do C.P.C, sendo o incidente de liquidação deduzido depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do art. 609º, como acontece no caso sobre que versam os presentes autos, a instância extinta da ação declarativa considera-se renovada com a dedução do incidente de liquidação e com a prolação do despacho liminar em que o juiz admite esse incidente (16). Significa isto que o incidente de liquidação não pode ser considerado um processo autónomo relativamente à ação declarativa propriamente dita, mas antes está dependente desta, não existindo uma sem a outra. Conforme se escreve no acórdão desta Relação de 12/02/2015 (17), “o incidente em causa não goza autonomia nem subsiste sem a ação originária. O incidente de liquidação não pode ser considerado como um processo autónomo, que tem existência por si só, antes resulta da tramitação inerente ao processo declarativo. Daí que, o incidente de liquidação só exista porque na ação declarativa foi decidido condenar o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em execução de sentença. Ou seja, o referido incidente tem, em relação à ação declarativa uma dependência funcional, sendo mero trâmite da ação declarativa”. Finalmente, tendo em conta a finalidade prosseguida pelo incidente de liquidação – obter a concretização do objeto da condenação da decisão proferida na ação declarativa, dentro dos limites do caso julgado desta –, o apuramento dos concretos e efetivos prejuízos sofridos pelo requerente do incidente, por via dos danos que aquele sofreu e que se encontram, em definitivo, assentes nessa sentença condenatória, compreende-se que o n.º 1 do art. 359º do CPC, estabeleça expressamente que o requerimento inicial do incidente de liquidação tenha de culminar com a formulação pelo requerente do incidente de um pedido de quantia certa. Acresce que nos casos em que o incidente seja contestado ou a revelia seja inoperante, prosseguindo o incidente, com as devidas adaptações, os termos do processo comum declarativo (art. 360º, n.º 3, ex vi, art. 716º, n.º 4 do CPC), cabe ao juiz completar oficiosamente a prova produzida pelas partes, quando esta seja insuficiente para fixar a quantia devida, podendo, nomeadamente, ordenar a produção de prova pericial (art. 360º, n.º 4, ex vi art. 716º, n.º 4 do CPC). É que tendo o incidente de liquidação por finalidade obter a concretização do objeto da decisão condenatória proferida na ação declarativa, dentro dos limites do respetivo caso julgado, sob pena de se frustrar essa finalidade e, inclusivamente, se violar o caso julgado daquela decisão condenatória, o incidente de liquidação tem imperiosamente que conduzir a uma resultado concreto e objetivo, ou seja, culminar na condenação da requerida numa quantia certa em dinheiro. O incidente de liquidação nunca poderá, assim, vir a ser julgado improcedente por falta de prova, uma vez que tal decisão, resultando na absolvição do réu do pedido, inutilizaria a decisão proferida na ação declarativa e o caso julgado nela operado. O incidente de liquidação também jamais poderá culminar com uma decisão ilíquida e que remeta para ulterior incidente de liquidação a determinação da quantia indemnizatória devida ao requerente do incidente por tal contrariar a finalidade prosseguida pelo mesmo, já que não faz sentido remeter para ulterior incidente de liquidação aquilo que não se logrou liquidar nesse primeiro incidente de liquidação. Por isso mesmo é que quando a prova produzida pelos litigantes em sede de incidente de liquidação se mostre insuficiente para fixar a quantia devida ao requerente do incidente, a lei impõe ao juiz o dever de procurar completar essa mesma prova, mediante a indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial. Mais. Uma vez produzida essa prova determinada oficiosamente pelo tribunal, se ainda assim não for possível ao último fixar a quantia devida pelo requerido ao requerente, ou seja, quando o juiz através da indagação da prova oficiosa não conseguir reunir os elementos que lhe permitam decidir, fixando o concreto valor da indemnização devida ao requerente do incidente, em último recurso, terá de julgar de acordo com a equidade, por imposição do n.º 3 do art. 566º do CC (18). Na linha do que se vem dizendo, contrariamente àquela que nos parece ser a posição que vem propugnada pela apelada na contestação/oposição ao presente incidente e nas suas contra-alegações de recurso que apresentou e, bem assim ao juízo que parece estar subjacente ao despacho proferido pelo tribunal a quo a fls. 161 a 163, em que este determinou a suspensão da presente instância de incidente de liquidação até à decisão a proferir no âmbito do processo n.º 242/14.1TBFAF (decisão esta, entretanto, revogada por decisão sumária proferida por esta Relação a fls. 205 a 214), bem como ao teor do despacho proferido a fls. 232, em que o tribunal a quo alude expressamente que poderá ocorrer “inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento dos danos relativos à área de que a Ré se serviu ilegalmente e da desvalorização das parcelas sobrantes, já que está em curso o competente processo expropriativo”, salvo o devido respeito por entendimento contrário, jamais, na nossa perspetiva, poderá existir qualquer relação de prejudicialidade entre o presente incidente de liquidação e a ulterior ação expropriativa instaurada, tendo em vista a expropriação dessas mesmas parcelas de terreno com fundamento em ulterior DUP proferida, sequer este processo expropriativo, ainda que nele tivesse sido já proferida sentença, ainda que transitada em julgado, arbitrando ao apelado a justa indemnização por via dessa expropriação e a apelada lhe tivesse, inclusivamente, já pago essa indemnização, determinaria a extinção da instância do presente incidente de liquidação por inutilidade superveniente da lide, sob pena de, ao assim se decidir, se violar o caso julgado da sentença condenatória proferida no âmbito da ação declarativa, que condenou a apelada a pagar ao apelante-marido, indemnização, a apurar em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido decorrente da violação do seu direito de propriedade sobre os prédios identificados em 1) decorrente da ocupação ilícita daquelas parcelas de terreno que integram os enunciados prédios. Na verdade, qualquer trânsito em julgado de decisão que viesse a ser proferida, ou que já foi proferida, em ulterior ação que tivesse sido instaurada pelos apelantes ou pela apelada, não poderia inutilizar o que ficou decidido naquela ação declarativa, devidamente transitada em julgado. De resto, quando a apelada fala que assim não sendo, poderá ocorrer uma dupla indemnização, é apodíctico que assim não é ou, pelo menos, não terá necessariamente de ser. Vejamos. Conforme decorre do disposto no art. 23º, n.º 1 do Cód. Expropriações (CE) o valor da indemnização devida pela apelada ao apelante-marido decorrente da expropriação ao último das parcelas de terreno expropriadas e a determinar em sede de processo expropriativo, há-de corresponder ao valor de mercado dessas parcelas de terreno por referência a data da publicação da declaração de utilidade pública, ou seja, 28/05/2008. Essa justa indemnização carece de ser calculada de acordo com os critérios enunciados nos arts. 23º a 29º do CE. Acontece que mesmo que no presente incidente de liquidação se venha a seguir esses critérios fixados no CE para cálculo do valor das parcelas de terreno ilicitamente ocupadas pela apelada e que esta integrou no domínio público (uma das soluções jurídicas plausíveis suscetíveis de serem aplicáveis ao caso, quiçá, a mais razoável) e, consequentemente, se venha a determinar uma das vertentes do quantum da indemnização a arbitrar ao apelante-marido por via da ablação do seu direito de propriedade sobre essas parcelas de terreno, no âmbito do presente incidente de liquidação e no cumprimento do determinado na sentença condenatória proferida na ação declarativa, transitada em julgado, de acordo com esses critérios fixados no CE, conforme decorre dos factos apurados nos pontos 6 e 7 dessa sentença, a incorporação dessas parcelas de terreno no domínio público nacional ocorreu em 06/05/2003. Logo, foi em 06/05/2003, que ocorreu o ato ilícito ablativo e lesivo do direito de propriedade do apelante-marido sobre essas parcelas de terreno, pelo que a justa indemnização que lhe é devida pela ablação do seu direito de propriedade sobre essas parcelas de terreno terá de ser feita por referência ao dia 06/05/2003. Como é bom de ver, a realidade do mercado em 06/05/2003 e em 28/05/2008 podem ser bem distintas, pelo que o justo valor das referidas parcelas de terreno pode ser distinto em cada um daqueles momentos temporais. Deste modo, mesmo que para o cálculo do justo valor de mercado a atribuir às enunciadas parcelas de terreno ocupadas ilicitamente pela apelada se sigam os mesmos critérios para a respetiva avaliação, quer em sede do presente incidente, quer em sede de processo expropriativo, o valor dessas parcelas de terreno a liquidar no presente incidente não corresponderá necessariamente ao valor que venha a ser fixado às mesmas em sede de processo expropriativo. Acresce que fundando-se a indemnização arbitrada ao apelante-marido em sede de ação declarativa, no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e de acordo com as regras enunciadas no art. 562º e ss. do CC., embora no cálculo do respetivo valor de mercado, como referido, possam ser seguidos os critérios enunciados no CE, não é forçoso que assim seja, tratando-se de questão de mérito sobre a qual o tribunal se terá oportunamente de debruçar e decidir em sede do presente incidente de liquidação. Consequentemente, se uma vez liquidada a indemnização em sede do presente incidente de liquidação devida ao apelante marido pela ablação do seu direito de propriedade em relação àquelas parcelas de terreno, por sentença transitada em julgado a proferir no âmbito do presente incidente de liquidação, se vier a concluir que essa indemnização é inferior à que eventualmente lhe foi já arbitrada e paga, em sede de processo expropriativo, por sentença transitada em julgado proferida nesses autos de expropriação, evidentemente que a apelada já nada mais lhe terá de pagar por via dos prejuízos que sofreu com a integração das parcelas de terreno no domínio público, na sequência da decisão proferida no presente incidente. Porém, se essa eventual indemnização arbitrada e paga em sede de processo expropriativo for inferior à que venha a ser arbitrada no âmbito do presente incidente de liquidação, por sentença transitada em julgado nele a proferir, cumprirá à apelada pagar ao apelante-marido a diferença. Acresce que em sede do presente incidente de liquidação, os apelantes pretendem ser indemnizados pela desvalorização das partes sobrantes dos prédios onde se inseriam essas parcelas ilicitamente ocupadas pela apelada, propriedade do apelante marido, e que aquela inseriu no domínio público nacional. A verificar-se a existência dessa desvalorização das referidas parcelas sobrantes, trata-se indiscutivelmente de um prejuízo que cabe à apelante suportar por via do trânsito da sentença condenatória proferida em sede de ação declarativa, que a condenou a pagar ao apelante-marido, uma indemnização pelo prejuízo sofrido decorrente da violação do direito de propriedade sobre os prédios identificado no ponto 1º dos factos apurados nessa sentença condenatória, uma vez que esse prejuízo é uma consequência direta e necessária da lesão desse direito de propriedade do apelante-marido. Sustenta a apelada, em sede de contestação ao incidente de liquidação, que o processo adequado a julgar tais danos decorrentes para as parcelas sobrantes seria o processo de expropriação. No entanto, ao assim argumentar, sem dúvida alguma que a apelada olvida ou desvaloriza o facto de não ter instaurado qualquer processo de expropriação legalmente válido contra o apelante-marido e que a condenação de que foi alvo em sede de ação declarativa se funda precisamente nessa circunstância – ocupação ilícita das parcelas de terreno propriedade do apelante-marido, precisamente porquanto a DUP em que se sustentou essa ocupação foi declarada nula - e que, consequentemente, por via daquela sentença condenatória, transitada em julgado, foi condenada a indemnizar o apelante-marido pelo prejuízo sofrido pela violação do seu direito de propriedade dos prédios onde se integram as parcelas de terreno que ocupou ilicitamente e que integrou no domínio público nacional e cujas partes sobrantes, caso tenham sofrido efetiva desvalorização por via desse facto, é um dos danos a indemnizar nos termos dessa sentença. Naturalmente que em sede de processo de expropriação, que entretanto foi instaurado com base na N DUP, poderá ter sido requerida a expropriação total desses prédios nos termos do disposto nos arts. 3º, n.º 2 e 55º, n.º 1 do CE. No entanto, a ser esse o caso, valerão mutatis mutandis as considerações acima já aduzidas em relação à determinação do montante indemnizatório do valor do terreno respeitante às parcelas de terreno ilicitamente ocupadas pela apelada com vista a evitar a dupla indemnização, sem que exista qualquer inutilidade do presente incidente até, porque, reafirma-se, os momentos a considerar, em sede de incidente de liquidação (data da ocupação ilícita das parcelas de terreno – 06/05/2003 – e em que, consequentemente, se verificou a alegada desvalorização das partes sobrantes) e no processo expropriativo (data da nova DUP), são distintos, assim como os critérios a considerar para efeitos do cálculo da indemnização não serão necessariamente os mesmos no âmbito do processo de expropriação e no presente incidente de liquidação. Finalmente, os apelantes pedem, em sede de incidente de liquidação, uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por via da ocupação ilícita pela apelada daquelas parcelas de terreno, propriedade do apelante-marido. Esses danos não patrimoniais, a existirem, no que tange ao apelante-marido e contanto que preencham os requisitos legais enunciados no art. 496º, n.º 1 do CC, encontram-se indiscutivelmente a coberto da sentença condenatória proferida a fls. 574 a 599, devidamente transitada em julgado. No entanto, em sede de processo expropriativo, a lei não reconhece ao expropriado qualquer direito a ser indemnizado por eventuais danos não patrimoniais que sofra em consequência direta e necessária da expropriação de que eventualmente seja alvo. Consequentemente, também por aqui, nunca a pendência do processo expropriativo teria a virtualidade de operar qualquer inutilidade superveniente da lide em relação ao presente incidente de liquidação. Enfatize-se, por via do trânsito em julgado da sentença condenatória proferida na ação declarativa, tendo-se, em definitivo, sedimentado na ordem jurídica o que aí ficou decidido, nunca se afirmará qualquer relação de prejudicialidade entre o presente incidente de liquidação e qualquer outro processo, designadamente, o processo expropriativo n.º 241/14.1TBFAF, SC, J1 e/ou o proc. n.º 252/08.0BEBRG, UOF do TAF de Braga, sequer a sentença que eventualmente venha a ser proferida (ou tenha sido proferida) nestes processos e que neles venha a transitar em julgado antes do trânsito em julgado da sentença a proferir no âmbito do presente incidente, determina a inutilidade do último. O presente incidente tem por finalidade, apurar o efetivo e concreto prejuízo sofrido pelo apelante-marido em consequência dos danos por ele sofridos, decorrentes da lesão do seu direito de propriedade sobre os prédios identificados no ponto 1º dos factos apurados naquela sentença condenatória, em consequência da ocupação ilícita pela apelada das parcelas de terreno que integram esses seus prédios (danos estes já, em definitivo, demonstrados nessa sentença), cujo caso julgado não pode ser inutilizado, não pode ser destruído, pelo trânsito em julgado de decisões que venham a ser proferidas em ações judiciais instauradas após esse trânsito. As preocupações colocadas ao nível da eventual dupla indemnização do apelante-marido colocam-se ao nível do pagamento da indemnização e não do presente incidente de liquidação. Assente nestas premissas, que incumbe ao tribunal a quo e às partes ponderarem com vista a evitar mais incidentes, urge verificar se o tribunal a quo ao proferir o despacho saneador recorrido, em que julgou inepto o requerimento inicial apresentado pelos apelantes, absolvendo a apelada da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a), c) e d) do petitório, proferiu ou não uma decisão-surpresa. Como bem realçam os apelantes, tendo os mesmos apresentado o requerimento inicial de fls. 5 a 8, em que liquidam a indemnização nos termos já atrás enunciados, o tribunal a quo não rejeitou esse requerimento inicial, mas antes admitiu liminarmente o mesmo (cfr. fls. 30). Note-se que caso aquele requerimento inicial fosse inepto, designadamente por falta de causa de pedir em relação aos pedidos formulados em a), c) e/ou d) do petitório, nos termos do disposto nos arts. 186º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 590º, n.º 1 do CPC, o tribunal podia e devia ter rejeitado liminarmente o mesmo. No entanto, como referido, o tribunal a quo recebeu liminarmente o incidente de liquidação. Fê-lo, antecipe-se, desde já, não obstante, na nossa perspetiva, existir fundamento legal para indeferir liminarmente aquele requerimento inicial em relação à Autora Maria, por ausência de título executivo, já que conforme decorre da sentença condenatória proferida a fls. 574 a 599, dada à liquidação, nela nenhum direito se reconheceu àquela apelante-mulher, nomeadamente, qualquer direito de propriedade sobre os prédios cujas parcelas foram ocupadas pela apelada ou direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos pela violação do direito de propriedade – esse direito apenas foi reconhecido ao apelante-marido, Manuel. Mais. O tribunal a quo admitiu liminarmente esse incidente não obstante existir fundamento legal para convidar o apelante-marido a corrigir aquele requerimento inicial, uma vez que, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 359º do CPC., aquele tinha de concluir o requerimento inicial onde procede à liquidação dos prejuízos sofridos com a dedução de pedidos líquidos, isto é, quantia certa em euros, o que não é o caso dos pedidos formulados nas alíneas a), b) e d) do petitório de fls. 7. Na verdade, na alínea a) do petitório, o apelante pede que a indemnização a arbitrar-lhe pela ablação do seu direito de propriedade sobre as parcelas de terreno ilicitamente ocupadas pela apelada, seja fixada em “15% sobre o valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos – Fafe”, quanto o mesmo se encontra, ex lege, obrigado a indicar um valor certo em euros. Na al. b) do petitório, o mesmo apelante pede que aos 61.500,00 euros que aí indica, acresçam “as custas processuais suportadas em todos os processos intentados por este motivo”, quando, mais uma vez, tinha de indicar um valor líquido, certo, em euros. Finalmente, na alínea d) do petitório, o apelante formula um pedido ilíquido, quando, reafirma-se, tinha de indicar um valor líquido, em euros, correspondente à pretensa desvalorização das partes sobrantes. Não obstante as evidentes falhas que aquele requerimento inicial apresentava e que continua a apresentar, o tribunal a quo admitiu-o liminarmente, o que tem implícito um juízo emanado por esse tribunal de que aquele requerimento inicial não padecia, na sua perspetiva, do vício de ineptidão, designadamente, por falta de causa de pedir, posto que, de contrário, certamente que o teria rejeitado liminarmente. Acresce que citada a Ré, esta não arguiu a ineptidão da petição inicial, mas antes suscitou a questão da pendência do processo n.º 252/08.0BERG,UO do TAF de Braga e do processo expropriativo n.º 242/14.1TBFAF, SC, J1, pretendendo que por via da pendência destes processos, não restam quaisquer prejuízos que possam ser indemnizados no presente incidente de liquidação, o que, com o devido respeito, como acima demonstrado, não tem qualquer fundamento legal. Precise-se que nos pontos 16º a 27º da contestação de fls. 36 a 41, a apelada insurge-se quanto ao critério indemnizatório seguido pelos apelantes a propósito do pedido que formulam na al. a) do petitório, sustentando que esse critério “é absurdo” já que o valor das parcelas de terreno que ocupou “não depende, nem esteve alguma vez relacionado com o custo da construção da auto-estrada”, com o que a mesma demonstrou claramente ter interpretado convenientemente o requerimento inicial quanto a esse pedido, incluindo o critério que os apelantes pretendem seja seguido para efeitos de cálculo do valor das parcelas de terreno que aquele ilicitamente ocupou e integrou no domínio público, reputando-o de absurdo. Já nos arts. 21º, 23º, 24º e 25º daquela contestação (fls. 38), a apelada alega factos que indiscutivelmente relevam para efeitos de liquidação desta indemnização e porque impugnados, terão de ser objeto de prova. Enuncie-se que, como dito, saber se no cálculo do valor daquelas parcelas de terreno deverá ser seguido o critério propugnado pelo apelante – 15% do valor do troço da A7 que indica -, ou os critérios fixados no CE ou outro critério qualquer é questão de mérito. Já nos arts. 28º a 32º da mesma contestação (fls. 38 verso), a apelada impugna que as parcelas sobrantes dos prédios cujas parcelas ocupou tenham sofrido qualquer desvalorização, demonstrando, com esta sua alegação, ter igualmente interpretado cabalmente o requerimento inicial quanto ao pedido nele formulado na al. d) do petitório – apesar de nele o apelante ter formulado um pedido ilíquido. Nos arts. 33º a 34º da contestação (fls. 38 verso e 39), a apelada impugna o pedido formulado pelo apelante sob a al. b) do petitório e, inclusivamente, sustenta que os honorários terão de ser equacionados nos respetivos processos, entrando em custas de parte – questão de mérito -, denotando, no entanto, ao assim proceder ter também interpretado convenientemente o requerimento inicial quanto a esse pedido. Finalmente, nos arts. 36º a 49º da contestação (fls. 39 a 40), aquela apelante impugna a matéria alegada pelos apelantes em sede de danos não patrimoniais, sustentando que os incómodos e contrariedades que alegam não justificam a indemnização (mais uma vez, questão de mérito), demonstrando claramente ter igualmente interpretado cabal e convenientemente o requerimento inicial quanto ao pedido formulado pelos apelantes sob a al. c) do petitório. Mais. Analisados os autos verificamos que nunca nenhuma das partes, sequer o tribunal a quo suscitou, em algum momento, a questão da ineptidão do requerimento inicial com fundamento em falta de causa de pedir ou em qualquer um dos restantes fundamentos enunciados no n.º 2 do art. 186º do CPC, determinativos de ineptidão. O tribunal a quo, inclusivamente, por despacho proferido a fls.161 a 163, entretanto revogado, determinou a suspensão da instância do presente incidente de liquidação até à decisão a proferir no Proc. 242/14.1TBFAF, invocando como fundamento dessa sua decisão razões de economia processual, bem como de salvaguarda da coerência de julgados, o que tem implícito para qualquer observador externo que se deparasse com semelhante decisão que esse tribunal considerava que o requerimento inicial não padecia do vício da ineptidão, uma vez que determinando esta a nulidade de todo o processado (art. 186º, n.º 1 do CPC), sob pena de estar a praticar um ato inútil e gravemente atentatório da celeridade processual, não faria sentido ter aquele tribunal estar a determinar aquela suspensão da instância para, posteriormente, terminada essa suspensão da instância, declarar a ineptidão do requerimento inicial, com a consequente anulação de todo o processado e a absolvição da Ré/apelada da instância. Acresce que interposto recurso dessa decisão em que o tribunal a quo determinou a enunciada suspensão da instância, mais uma vez, em sede de recurso, nem as partes, sequer o Tribunal da Relação suscitaram a questão da ineptidão do requerimento inicial. Acresce que já depois daquele recurso, em que foi revogado o despacho que determinou a suspensão da instância do presente incidente de liquidação e, em consequência, se determinou que esse incidente prosseguisse os seus legais termos, o tribunal a quo proferiu o despacho de fls. 232, em que ordena a notificação das partes para, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, se pronunciarem, querendo, quanto à eventual inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento dos danos relativos à área de que a Ré se serviu ilegalmente e da desvalorização das parcelas sobrantes, argumentando estar em curso o competente processo expropriativo com vista à fixação da justa indemnização pela expropriação das parcelas de terreno e, por outro lado, quanto aos demais danos alegados – encargos com demandas judiciais, danos morais e lucros cessantes, por se lhe afigurar que tais pedidos são manifestamente improcedentes, “por não ser a Ré responsável pelos mesmos”. Acontece que, mais uma vez, este despacho tem implícito que, na perspetiva do tribunal a quo, o requerimento inicial não era inepto, uma vez que determinando esse vício a nulidade de todo o processado, não faria sentido estar aquele tribunal a notificar as partes para se pronunciarem quanto à eventual inutilidade superveniente do incidente de liquidação quanto a parte dos pedidos nele formulados pelos apelantes e a manifesta improcedência dos restantes pedidos aí deduzidos, quando era nulo todo o processado. Destarte, não obstante o tribunal a quo ter recebido liminarmente o incidente de liquidação, da apelada não ter suscitado a exceção dilatória da ineptidão do requerimento inicial, de ter existido recurso onde nenhuma das partes, sequer o Tribunal da Relação, tenha suscitado a exceção dilatória da ineptidão do requerimento inicial e daquele tribunal a quo ter, inclusivamente, proferido decisões que faziam legitimamente aos apelantes (e à apelada) acreditar que aquele requerimento inicial não era inepto, e sem que, inclusivamente, tivesse convocado as partes para audiência prévia, apesar de se propor suscitar ex officio e conhecer da exceção da ineptidão daquele requerimento inicial, com fundamento em pretensa falta de causa de pedir e, como tal, nos termos do disposto nos arts. 591º, n.º 1, al. b), 592º, n.º 1, al. b) a contrario e 593º, n.º 1, aplicáveis ex vi art. 360º, n.º 3, todos do CPC, a convocação da audiência prévia ser obrigatória, esse tribunal proferiu o despacho saneador recorrido, em que suscitou e conheceu ex officio da exceção da ineptidão do requerimento inicial, por falta de causa de pedir, julgando-a procedente e absolvendo o apelado da instância no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório. Ao assim proceder, é indiscutível que o tribunal a quo conheceu de questão que nunca tinha sido suscitada por nenhuma das partes e que, inclusivamente, vai ao arrepio daquelas que tinham sido as suas anteriores decisões, recebendo, como referido, liminarmente o requerimento de liquidação inicial, suspendendo a instância e, inclusivamente, notificando as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à eventual inutilidade superveniente da lide quanto a parte dos pedidos formulados pelos apelantes em sede de incidente de liquidação e, bem assim para a eventual manifesta improcedência dos restantes pedidos por eles aduzidos, pelo que é apodíctico que aquela decisão configura uma indiscutível decisão-surpresa e como tal nula. Acresce que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não tendo a apelada suscitado, em sede de contestação, a ineptidão do requerimento inicial e tendo antes, como dito, demonstrado ter interpretado convenientemente aquele requerimento inicial quanto aos diversos pedidos nele formulados pelos apelantes, estava vedado ao tribunal declarar a ineptidão daquele requerimento inicial com fundamento em falta de causa de pedir, por força do disposto no n.º 3 do art. 186º do CPC. Acresce dizer que sendo a causa de pedir integrada pelos objetos compreendidos na universalidade, com as pertinentes referências identificativas, ou pela afirmação dos elementos do dano ou prejuízo reparável do facto ilícito (19), tendo apenas o apelante-marido de alegar, em sede de requerimento inicial do incidente de liquidação, a matéria factual necessária à determinação do montante dos efetivos e concretos prejuízos que sofreu em consequência da violação do seu direito de propriedade pela apelada, na nossa perspetiva, não fora o impedimento decorrente do citado art. 186º, n.º 3 do CPC, que impedia que o tribunal a quo declarasse já a ineptidão do requerimento inicial por falta de causa de pedir, sempre esse vício não se afirma. É que, contrariamente ao que sustenta o tribunal a quo, embora se reconheça que existam imprecisões na alegação factual feita pelos apelantes em sede de requerimento inicial de liquidação, não podemos concordar que, nesse requerimento, não venham alegados factos, mas meras conclusões. Na verdade, nos arts. 5º a 14º do requerimento inicial, não ocorre qualquer inconcretização da matéria alegada no que respeita ao valor das parcelas de terreno ocupada ilicitamente pela apelada. O que acontece é que os apelantes pretendem que o valor do terreno que integra essas parcelas de terreno, propriedade do apelante marido, e que a apelada ilicitamente ocupou, integrando-as no domínio público, ascende a 15% do valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos-Fafe. Trata-se do critério que, na perspetiva dos apelantes, deverá ser seguido para efeitos de determinação do valor da indemnização dessas parcelas de terreno ocupadas ilicitamente pela apelada. Como referido, o tribunal poderá considerar que o valor do preço do terreno respeitante a essas parcelas de terreno ocupadas ilicitamente pela apelada deverá ser determinado de acordo com aquele critério propugnado pelos apelantes, por referência aos critérios fixados no CE ou por referência a outros critérios, por se lhe afiguraram serem mais justos e razoáveis para a determinação desse valor. Esta questão contende, no entanto, com o mérito do presente incidente de liquidação e não com a exceção dilatória da ineptidão do requerimento inicial. Relembra-se que o cálculo desse valor carece de ser feito por referência à data de 06/05/2003 e que nos arts. 21º (saber se aquele terreno, em 06/05/2003, encontrava-se classificado no PDM de Fafe como RAN e REN), 23º (saber se a parcela n.º 156, se localiza numa zona rural, junto a uma linha de água), 24º (saber se essa parcela n.º 156 se localiza em leito de cheias, estando sujeita a inundações no período de inverno) e 25º (saber se as parcelas de terreno ocupadas pela apelada eram em 06/05/2003, terreno declivoso, inundável e pedregoso) da contestação, a apelada, alega matéria, que estando impugnada, importa apurar, já que é indubitável que a mesma releva para efeitos da fixação do valor daquelas parcelas de terreno ocupadas pela apelada. Relembra-se que sobre o tribunal a quo impende o ónus de completar a prova que venha a ser produzida pelos litigantes quando esta se mostrar insuficiente para fixar a indemnização devida, sendo eventualmente conveniente que esse tribunal, na perícia que vem requerida pelo apelante e que eventualmente venha a determinar, formule quesitos por forma a abranger as várias soluções plausíveis de direito na fixação dessa indemnização correspondente ao valor das parcelas de terreno ocupadas pela apelada. Quanto aos danos não patrimoniais que vêm alegados pelos apelantes (o tribunal a quo deverá verificar se existe título quanto à apelante-mulher, após notificação das partes, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, para se pronunciarem, querendo, quanto a essa questão), estes alegam que se “incomodaram muito”. Contrariamente ao propugnado pelo tribunal a quo, essa alegação configura facto e não mera conclusão. Já saber-se se essa matéria, caso venha a quedar-se como provada, é suficiente ou não para ancorar a compensação de mil euros que o apelante pretende que lhe seja arbitrada à luz do disposto no n.º 1 do art. 496º do CC, é questão de mérito. Os vícios que detetamos ao nível da matéria fática alegada pelos apelantes coloca-se em relação aos factos alegados nos arts. 16º a 18º e 29º a 30º do requerimento inicial. Trata-se, no entanto, de meras imprecisões na exposição dessa matéria fática, que cumpre ao tribunal a quo, em sede de despacho pré-saneador, nos termos do art. 590º, n.ºs 2, al. b) e 4 do CPC, convidar o apelante-marido a suprir, mediante a alegação de factos concretos sobre as características, dimensão e valor dessas parcelas sobrantes de que é proprietário e que alegadamente terão ficado desvalorizadas. O porquê de alegar que essas parcelas sobrante ficaram “definitivamente condicionadas” e “nunca mais têm qualquer possibilidade de valorização”, alegando, designadamente, o que nelas existia e o que nelas passou a existir na sequência da ocupação parcial dos prédios pela apelada, tudo por forma a sustentar/chegar ao valor líquido que lhe incumbe formular em sede do pedido que formula sob a al. d) do petitório. Ainda em sede de pré-saneador impõe-se que o tribunal a quo convide o apelante-marido a indicar o concreto valor, em euros, a que ascende a pretensa desvalorização dessas partes sobrantes. Resulta do que se vem dizendo, que porque o despacho-saneador, na parte em que suscitou e conheceu ex officio da exceção da ineptidão do requerimento inicial por alegada falta de causa de pedir e absolveu o Réu (apelado) da instância no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório de fls.7, consubstancia efetivamente uma decisão-surpresa, procede este fundamento de recurso, impondo-se anular o despacho saneador nesta parte, devendo os autos prosseguirem os seus legais termos quanto a estes pedidos formulados na als. a), c) e d) do petitório, sem prejuízo do tribunal a quo dever: a- notificar as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à eventual ilegitimidade ativa da apelante Maria, para a presente liquidação, por ausência de título executivo, já que a sentença condenatória proferida em sede de ação declarativa, nenhum direito de propriedade lhe reconhece, sequer condena a Ré (apelada) a satisfazer-lhe qualquer indemnização; b- convidar o apelante-marido a: b.1- concretizar os pedidos que formula nas alíneas a) e d) do petitório de fls. 7, devendo indicar a quantia certa em euros em que liquida cada um desses pedidos que aduz sob as enunciadas als. a) e d); b.2- concretizar, mediante a alegação de factos concretos, a matéria que alegou nos arts. 16º a 18º e 29º e 30º do requerimento inicial. Perante a procedência da nulidade do despacho saneador acabada de declarar, fica automaticamente prejudicado o conhecimento dos fundamentos recursórios aduzidos pelos apelantes e acima elencados nos pontos 2, 3 e 4, o que se declara. De resto, estando essas questões conexionadas com a apreciação da nulidade do despacho saneador, procedemos à sua abordagem nos termos supra enunciados, pelo que não fora a procedência da nulidade daquele saneador, por consubstanciar uma decisão-surpresa, sempre os enunciados fundamentos de recurso tinham de proceder. B.2- Do erro de direito que afetará o saneador-sentença. Pretendem os apelantes que ao conhecer do pedido que formularam sob a al. b) do petitório, julgando-o manifestamente improcedente, o tribunal a quo incorreu em erro de direito, sustentando não se encontrar apurado nos autos se a apelada pagou as custas de parte nos vários processos que intentaram, designadamente na ação de foro administrativo que culminou com a declaração da nulidade do ato administrativo expropriatório, além de que essa decisão omite as regras do instituto da responsabilidade civil, designadamente o art. 562º do CC, que lhes confere o direito a ser indemnizados por todos os prejuízos sofridos em consequência da conduta ilícita da apelada, ou seja, por todos as despesas forenses suportadas a título de honorários e de custas processuais que tiveram de suportar com os processos que tiveram de instaurar por via daquela conduta, e não apenas a ínfima parte que resulta da aplicação das regras enunciadas no RCP, pretendendo que solução diversa não só viola o disposto nos arts. 562º, 564º e 566º do CC, como o disposto no art. 22º da CRP. Mais sustentam que o pedido de pagamento das quantias devidas a título de honorários que formularam no requerimento inicial, abrange não apenas os honorários respeitantes ao processo declarativo que visava a reivindicação dos bens ocupados, mas também os honorários respeitantes ao processo administrativo de declaração de nulidade da d.u.p. e que o tribunal a quo nem sequer teve o cuidado de apreciar se, nesse processo administrativo, tinha sido liquidado ou não quaisquer quantias a título de ressarcimento de honorários e/ou procuradoria e, em caso afirmativo, em que moldes e, bem assim que as notas de custas de parte que apresentaram nesse processo não abrangem os honorários ou a procuradoria que se mostra devida em virtude da procedência de tal ação, por lhe ser autónoma. Concluem que a sentença sindicada arredou da fundamentação um conjunto de factos que porque alegados, importava apreciar e não lhes permitiu instruir os autos com os elementos necessários a apurar a inexistência do pagamento dessas quantias, pagamento esse que nem sequer vem alegado pela apelada e que, como é do conhecimento de todos, o não exercício no prazo legal do direito a custas, isto é, a não apresentação no prazo legal da nota discriminativa de custas de parte, não faz precludir o respetivo direito. Enuncie-se que os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes nesta sede são manifestamente improcedente, não tendo aqueles sabido ou querido interpretar conveniente o que a este respeito se escreve no saneador-sentença recorrido. Com efeito, conforme se pondera nessa decisão, o ressarcimento pela parte vencida à parte vencedora das quantias que esta despendeu em honorários e custas tem um mecanismo próprio e específico, que se encontra enunciado nos atuais arts. 25º do RCP e 553º do CPC e que no regime do Código das Custas Judiciais se encontrava previsto no seu art. 33º, n.º 1. Esse regime especial, atento o princípio da especialidade, arreda a aplicação do regime geral da responsabilidade civil em sede de ressarcimento de custas e honorários, pelo que é manifesto que quanto a elas não tem aplicação as regras enunciadas nos arts. 562º e ss. do CC. Assim é que já em 28/03/1930, o STJ lavrou Assento que consta do seguinte teor: “Na indemnização por perdas e danos em que as partes vencidas sejam condenadas não podem ser incluídos os honorários dos advogados das partes vencedoras, salvo estipulação expressa em contrário” (20). Este entendimento manteve-se em vigor no regime do Código das Custas judiciais, cujo art. 33º, n.º 1 estabelecia que as custas de parte compreendiam o que a parte tivesse despendido com o processo a que se referia a condenação e de que tivesse direito a ser compensada em virtude da mesma, aqui se incluindo, designadamente as custas adiantadas, as taxas de justiça pagas, a procuradoria, os preparos para despesas, gastos e remunerações pagas ao solicitador de execução, as despesas por ele efetuadas e os demais encargos da execução (21). Em relação ao referido regime pretérito, o conceito de custas de parte deixou de integrar a procuradoria, mas conforme decorre da al. d), do n.º 2 do art. 533º do CPC e da al. d), do n.º 1 do art. 25º do RCP, passou a envolver os honorários pagos pelas partes vencedoras aos seus mandatários. Deste modo, quer no âmbito do CCJ, quer no do RCP, o pagamento de honorários e das custas suportadas pelos apelantes, tinham de ser reclamados no âmbito dos processos em relação aos quais tiveram aquelas despesas, nos termos e prazos previstos nesses diplomas. Na vigência do RCP, o respetivo art. 25º, n.º 1, fixa em cinco dias após o trânsito em julgado ou da notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora o prazo para a parte que tenha direito a receber custas de parte, para remeter a nota discriminativa e justificativa à parte vencida. Apenas nos casos expressamente previstos na lei, que são: a) a litigância de má-fé e b) da inexigibilidade da obrigação no momento da propositura da ação – art.610º, n.º3 do CPC -, é que é possível à parte vencedora reclamar o pagamento de honorários da parte vencida fora das regras enunciadas no RCP e do anterior CCJ (22). Resulta do que se vem dizendo que se os apelantes não cuidaram em reclamar os honorários e/ou as custas a que fazem referência nos arts. 20º a 23º do requerimento inicial, no processo administrativo que instauraram com vista à anulação da DUP e onde obtiveram vencimento, dentro do prazo legalmente prescrito no RCP (ou do CCJ), o que, contrariamente ao que afirmam, faz precludir o seu direito à restituição dessas quantias, sib imputet, não podendo agora fazê-lo no âmbito dos presentes autos com fundamento nas regras gerais da responsabilidade civil, uma vez que, reafirma-se, essas regras, por força do princípio segundo a qual as normas especiais derrogam as gerais, não têm aplicação quanto a custas e outras despesas judiciais, incluindo honorários, que aqueles suportaram na referida outra ou outras ações que instauraram por via da conduta ilícita da apelada. Ao invés, caso os apelantes tenham reclamado aqueles honorários e custas nos ditos outros processos, incluindo no administrativo, a título de custas de parte, nos termos enunciados no art. 25º do RCP e a apelada nos lhes tenha liquidado essas custas, contrariamente ao que é referido por aqueles, os mesmos dispõem, nos termos do disposto nos arts. 26º, n.º 3, 36º, n.º3 do RCP e art. 607º, n.º 6 do CPC, de título executivo contra a apelada que lhes permite cobrar coercivamente desta o seu crédito a custas de parte. Evidentemente que o regime jurídico especifico que se acaba de enunciar para a cobrança de honorários e de custas despendidas pelos apelantes nas várias ações que intentaram não configura qualquer entorse ao direito constitucionalmente garantido de acesso dos mesmos ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º do CRP, sequer em nada contende como disposto no art. 22º da mesma lei fundamental, uma vez que esses direitos dos apelantes não resultam minimamente beliscados por aquele regime especial, estando, inclusivamente, assegurado aos mesmos o direito a serem ressarcidos pelas despesas que tiveram com a instauração daquelas outras ações contra a apelada, nos termos e limites fixados pelo legislador infraconstitucional no RCP e no CPC, legislador esse que goza de ampla liberdade de conformação dos termos e limites em que essa restituição de despesas, incluindo honorários, será feito pela parte vencida à parte vencedora, sem que se vislumbre a existência de qualquer preceito constitucional que garante que essa restituição terá de ser integral ou que terá de ser feita segundo as regras gerais da responsabilidade civil. Resulta do que se vem dizendo que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando conclui pela manifesta improcedência do pedido formulado pelos apelantes, referente a pagamento de honorários a mandatário e custas processuais e, em consequência, absolveu a apelada do pedido por eles formulados sob a alínea b) do petitório. ** **Decisão: Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência: - revogam o despacho saneador na parte em que julgou inepto o requerimento inicial de liquidação por falta de causa de pedir e, consequentemente, absolveu o Réu da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitórios, ordenando o prosseguimento do incidente de liquidação quanto a estes pedidos e sem prejuízo do acima determinado quanto aos mesmos; - no mais, confirmam o saneador-sentença recorrido.*Custas do recurso pelos apelantes e pela apelada na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% para os apelantes e em 75% para a apelada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Notifique.* Guimarães, 19 de abril de 2018 José Alberto Moreira Dias António José Saúde Barroca Penha Eugénia Maria Marinho da Cunha 1. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 379. 2. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, pág. 24 3. Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in base de dados da DGSI. 4. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96 e 97. 5. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, 2006, pág. 82. 6. Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 10 7. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, 1996, Almedina, págs. 102 a 103, lendo-se na nota 24 que é “manifestamente desnecessário convidar as partes a pronunciar-se sobre a qualificação dum contrato, integrando a causa de pedir, como compra e venda, se o autor, embora não invocando explicitamente esta qualificação, o descreveu facticamente como tal, em termos inequívocos e não contrariados, de facto nem de direito, pelo réu. Mas já será necessário o convite se o juiz entender que, não obstante as partes, explicita ou implicitamente, terem tomado o contrato como de compra e venda ao longo de todo o processo, a sua qualificação jurídica correta é de empreitada ou de doação; ou ainda se, concordando embora com a qualificação que as partes lhe atribuíram, o juiz se propuser aplicar uma norma jurídica, específica ou genérica, do respetivo regime (por exemplo, o art. 895º CC ou o art. 280-2 cc) que as partes durante o processo não tiveram em conta. A falta deste convite, quando deva ter lugar, gera a nulidade (art. 201). No mesmo sentido, Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed. revista e ampliada, janeiro/2014, Ediforum, pág. 18, onde se lê: “A proibição das decisões-surpresa (art. 3º, 3) constitui uma garantia cuja manifestação predominantemente se situa no âmbito das questões de conhecimento oficioso não levantadas no decurso do processo, das quais o tribunal se propõe conhecer no momento da decisão. Verificando-se em concreto uma situação deste tipo, deve o tribunal criar condições para o exercício do contraditório sobre o ponto em causa, relativamente a ambas as partes, em momento anterior à decisão e seja qual for a fase que o processo esteja a atravessar. Se, p. ex., o tribunal «ad quem» entender que os factos apurados nos autos devem ser submetidos a enquadramento normativo diverso daquele que foi considerado pelas partes e pelo tribunal «a quo», a vinculação do julgador ao contraditório – princípio que «o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo», conforme preceitua o n.º 3 do art. 3º - impõe-lhe que adapte a tramitação do recurso, de maneira a que nela se encaixe a tomada de posição das partes sobre a mudança a efetuar na qualificação jurídica da matéria de facto”. 8. Acs. STJ. de 14/05/2002, Proc. 02A1353; de 24/02/2015, Proc. 116/14.6YLSB, ambos in base de dados da DGSI. 9. Ac. STJ. 27/09/2011, Proc. 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in base de dados da DGSI. 10. Ac. RC. de 13/11/2012, Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/121227" target="_blank">572/11.4TBCND.C1</a>, in base de dados da DGSI. 11. Acs. STJ. de 13/01/2005, Proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, Proc. 0733086, in base de dados da DGSI. 12. Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., Almedina, pág. 296. 13. Ac. STJ. de 23/11/2011, Proc. 397-B/1998.L1.S1, in base de dados, onde se lê: “Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto) o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter a indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano. O que o requerente deverá demonstrar era o montante do efetivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real, que foi a privação do uso por determinado tempo, i.e., por exemplo, se procedeu ao aluguer de um veículo de substituição e qual o respetivo custo, se lançou mão de outro meio de transporte e correspondentes despesas, se, por impossibilidade de utilização da viatura, sofreu perdas e quais, em ordem a preencher, quanto ao cálculo da indemnização concreta devida, a previsão das normas dos arts. 564º, n.º 1 e 566º, n.º 2, ambos do CC. sob pena do tribunal, dispondo apenas dos factos consubstanciadores da existência dos danos, ter de lançar mão do critério subsidiário constante do n.º 3 do art. 566º, ou seja, da equidade, fixando a indemnização dentro dos limites que a factualidade disponível equitativamente o permita”. 14. Ac. STJ de 20/09/2005, Rev. 2003/05, 6ª Secção, in base de dados. 15. Ac. STJ. de 22/06/2006, Ver. 3335/05, 7ª Secção. 16. Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 296. 17. Ac. RG. de 12/02/2015, Proc. 2698/05.4RJVNF-A.G1, in base de dados da DGSI. 18. Neste sentido vide Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 304. No mesmo sentido Ac. R.L. de 15/04/2015, Proc. 30324/11.5T2SNT.L1-4, in base de dados da DGSI. 19. Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 298. 20. Acórdãos Doutrinais do STJ, vol. XXVIII, pág. 74. 21. Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 2012, 4ª ed., Almedina, pág. 385. 22. Neste sentido vide Acs. STJ de 15/06/1993, BMJ n.º 428, págs. 530 a 539; de 27/05/2003, Proc. 03B1326; de 02/07/2009, Proc. 5262/05.4TVLSB.S1; RL. 20/03/2012, Proc. 43/2001.L1-7; de 09/10/2012, Proc. 2929/08.9TVLSB.L2-7, estes in base de dados da DGSI.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. I. RELATÓRIO. Manuel e mulher, Maria, instauraram o presente incidente de liquidação contra Infraestruturas de Portugal, S.A., pedindo que pela violação definitiva do seu direito de propriedade se liquidem os danos sofridos e em cuja indemnização a Ré foi condenada a satisfazer por acórdão proferido a fls. 850 a 855, que confirmou a sentença proferida a fls. 579 a 599 pela 1ª Instância, do seguinte modo: a- 15% sobre o valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos – Fafe; b- a quantia de 61.500,00 euros, a título de despesas forenses, acrescida das custas suportadas pelos Autores em todos os processos intentados por esse motivo; c- a quantia de mil euros a título de danos morais sofridos para cada um dos Autores; d- no montante que se vier a apurar nos termos de desvalorização da parcela sobrante. Para tanto alegam, em síntese, que a Ré se apoderou ilegalmente de quatro parcelas de terreno daqueles, as quais foram integradas na auto-estrada e daí estar obrigada a indemnizá-los pelos danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade; Os danos a indemnizar abrangem, em sede de danos patrimoniais, o pagamento da área de que se serviu ilegalmente a Ré, a indemnização pelos efeitos negativos nas partes sobrantes daquelas parcelas de terreno, os encargos com as demandas que os Autores foram obrigados a intentar, a indemnização pelos lucros cessantes e, finalmente, a compensação pelos danos morais sofridos com o desgaste que esta situação lhes tem causado; Quanto ao valor das parcelas de terreno, a ocupação definitiva ocorreu em 06/05/2003, data em que foi lavrado o auto de posse administrativa por parte da EP - Estradas de Portugal, E.P., e o valor dessas parcelas é proporcional àquilo que nelas se pode construir, pelo que tendo nelas sido construída uma auto-estrada, o valor dessas parcelas de terreno corresponde a 15% sobre o custo global da auto-estrada nelas implantadas; As ocupações das parcelas de terreno respeitam a ocupações parciais de prédios, os quais ficaram definitivamente condicionados, não tendo sequer nunca mais tendo qualquer possibilidade de valorização, relegando o quantum da desvalorização dessas partes sobrante para a prova a produzir quanto ao valor do solo perdido; A propriedade ficou atingida pela auto-estrada, que a assombra e impede definitivamente as partes sobrantes de terem qualquer outra utilização que não a agrícola e mesmo esta, fica prejudicada face ao assombramento provocado pela obra de arte implantada no solo; Por via da conduta da Ré, os Autores tiveram de recorrer a juízo com custos inerentes; Tiveram de propor ação no foro administrativo, que culminou com a declaração da nulidade do ato administrativo expropriatório e tiveram de propor a presente ação, que foi até ao Supremo Tribunal de Justiça, no que despenderam 61.500,00 euros, com IVA incluído, a título de honorários; Quanto aos danos decorrentes da privação do bem, os Autores peticionaram indemnização nos autos de Proc. 252/08.0BEBRG – UO 1, que corre termos no TAF de Braga, pelo que os mesmos não liquidam, por ora, qualquer indemnização a esse título, com vista a evitar duplicação. Os Autores incomodaram-se muito com toda esta situação, pelo que reclamam 1.000,00 euros, a título de compensação para cada um, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos. A Ré contestou, defendendo-se por exceção, sustentando que se encontra a correr termos sob o n.º 242/14.1TBFAF, Secção Cível, J1, da Instância Local de Fafe, processo de expropriação, onde serão contabilizados os prejuízos causados aos Autores pela expropriação; Que para além desta ação, encontra-se a correr termos o Proc. n.º252/08.0BEBRG,UO1, do TAF de Braga, onde se discute o prejuízo causado pela ocupação das parcelas de terreno antes da emanação de uma DUP válida e legítima, desde a data da efetiva ocupação das parcelas de terreno até à entrada em vigor da DUP; Consequentemente, não existem quaisquer prejuízos que possam ser indemnizados no presente incidente, sob pena dos Autores serem indemnizados em duplicado pelos prejuízos sofridos; Reputou de absurda a pretensão dos Autores em serem indemnizados pelo valor do terreno ocupado tomando por referência uma percentagem do custo da construção da auto-estrada, sustentando que o valor dessas parcelas de terreno não depende, nem esteve, alguma vez relacionado com o custo da construção da auto-estrada que nelas foi alegadamente implantada; Alegou que à data da ocupação daquelas parcelas de terreno, estas encontravam-se classificadas no PDM de Fafe como RAN e REN, pelo que estava vedada por lei a construção naquelas e que não é pelo facto das mesmas terem sido desafetadas da RAN e REN para a construção de uma auto-estrada, que lhes confere aptidão construtiva; A parcela n.º 156 localiza-se numa zona tipicamente rural, que confina com o “Rio Ferro”, junto ao leito de cheias, estando sujeita a inundações no período de inverno e onde não existem potencialidades construtivas; Impugnou que as parcelas sobrantes tivessem ficado condicionadas, sustentando que essa questão não pode, em todo o caso, ser discutida nos presentes autos, mas no processo de expropriação; Impugnou a matéria alegada pelos Autores com os alegados encargos tidos em pagamento de honorários, sustentando que os mesmos terão de ser equacionados nos respetivos processos judiciais, entrando na nota de custas de parte, nos termos em que legalmente podem ser contabilizados, inexistindo fundamento para serem apreciados no presente incidente de liquidação; Impugnou a matéria alegada pelos Autores em sede de alegados danos patrimoniais sofridos, sustentando que em função da matéria alegada, não resulta senão um mínimo desvalor do bem-estar ideal dos mesmos, insuscetível de adquirirem a gravidade necessária à compensação desses alegados danos não patrimoniais sofridos. Os Autores responderam alegando que no âmbito do referido processo administrativo a indemnização aí peticionada nada tem a ver com a requerida no presente incidente de liquidação. Por despacho proferido a fls. 161 a 163, determinou-se a suspensão da presente instância de liquidação até à decisão a proferir no âmbito do Processo n.º 242/14.1TBFAF. Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso da mesma, tendo esta Relação, por decisão proferido a fls. 205 a 215, em 07/12/2016, decidido revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos. Convocou-se as partes para uma tentativa de conciliação, que se frustrou. Na sequência da frustração dessa conciliação solicitou-se ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga informação sobre o estado do Proc. n.º 252/08.8TEBRG (cfr. fls. 228 a 229). Prestada informação de que esses autos se encontravam em fase de recurso (cfr. fls. 231), em 06/06/2017, foi proferido pelo tribunal a quo o seguinte despacho: “Compulsados os presentes autos com vista à prolação de despacho saneador, entende o tribunal que poderá ser o caso de proferir, desde já sentença, declarando, por um lado, a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento dos danos relativos à área de que a Ré se serviu ilegalmente e da desvalorização das parcelas sobrantes, já que está em curso o competente processo expropriativo com vista à fixação da justa indemnização pela expropriação das parcelas em causa e, por outro lado, quanto aos demais danos alegados – encargos com demandas judiciais, danos morais e lucros cessantes – declarando a improcedência manifesta da ação por não ser a Ré, Infra-Estruturas de Portugal, S.A, responsável pelos mesmos, já que não foi sua a atuação que os originou. Notifique as partes para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 20 dias – art. 3º, n.º 2 do CPC”. Na sequência desse despacho, a Ré pronunciou-se, concluindo existir inutilidade superveniente da presente lide, argumentando que tal como tinha expandido na oposição à liquidação, não subsistem quaisquer prejuízos que possam vir a ser indemnizados no presente incidente de liquidação isto porque, por um lado, encontra-se a correr termos na UO1 do TAF de Braga, o Proc. n.º 252/08.0TBEBRG, onde, para além de vários prejuízos, o Autor reclama uma indemnização pelos danos decorrentes da ocupação do terreno desde a tomada de posse administrativa (em maio de 2003) até à publicação do N DUP da expropriação e, por outro, pendem os autos de expropriação n.º 242/14.1TBFAF, Secção Cível. J1 da Instância Local de Fafe, onde serão ressarcidos todos os prejuízos causados pela expropriação do bem, contabilizados à data da publicação da DUP e atualizados à data do efetivo pagamento. Conclui, sustentando que não restam quaisquer prejuízos que possam ser indemnizados no presente incidente de liquidação, sob pela dos Autores serem indemnizados em duplicado pelos prejuízos sofridos. Os Autores responderam reafirmando que a sentença que condenou a Ré a indemnizá-los pelos danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade com a ocupação das parcelas de terreno transitou em julgado; Que inexiste inutilidade superveniente da presente lide em relação ao processo expropriativo, uma vez que a Ré privou-os das parcelas de terreno n.ºs 152, 153, 155 e 156 no longínquo ano de 2002, existindo um desfasamento temporal de cerca de 12 anos entre aquela privação das referidas parcelas de terreno e a N DUP que subjaz ao processo expropriativo, cujos prejuízos lhes terão de ser indemnizados, pelo que a indemnizações a fixar no presente incidente de liquidação e nos autos de expropriação são distintas entre si. Quanto aos demais danos que liquida e em relação aos quais o tribunal a quo escreve “não ser a Ré, Infraestruturas de Portugal, S.A., responsável pelos mesmos, já que não foi a sua atuação que os originou”, os Autores sustentam que essa questão nunca foi suscitada pelas partes, nunca tendo a Ré suscitado a sua ilegitimidade ou irresponsabilidade na formação dos danos assim peticionados, reafirmando que por decisão transitada em julgada, a Ré é responsável pelo ressarcimento dos enunciados danos. Concluem pedindo que os autos prossigam “tendo em vista a prolação de decisão final que, conhecendo de forma plena o peticionado em sede de requerimento inicial, liquide o valor da indemnização em que foi condenada a Requerida, abandonando-se de vez os óbices que sucessivamente vêm sendo suscitados quanto ao andamento da lide”. A fls. 247 e 248, os Autores vieram requerer que o tribunal conhecesse desde já do valor da causa, para que se defina o tribunal competente para os termos ulteriores dos autos. Após, proferiu-se despacho saneador em que, na sequência daquele requerimento de fls. 247 e 248, apresentado pelos Autores, conheceu-se da exceção da incompetência do tribunal em razão do valor para conhecer do presente incidente de liquidação, decidindo-se nesta sede o seguinte: “No caso, dos autos, estamos perante uma liquidação, sim, mas uma liquidação incidente da instância, previsto atualmente, no art. 358º do CPC. Sendo um incidente da instância e não uma ação – note-se que este incidente deve até correr nos próprios autos da ação – o mesmo terá de correr junto do tribunal competente para apreciar a respetiva ação, no caso, neste juízo cível. A regra é a de que a competência se afere pela ação da qual o incidente depende - como os outros incidentes, de resto, independentemente de ser diferente o seu valor”. Suscitou-se e conheceu-se oficiosamente da exceção da ineptidão parcial da petição inicial, julgando-a inepta por falta de causa de pedir quanto aos pedidos formulados nos autos pelos Autores sob as alíneas a), c) e d) do petitório, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, decide-se julgar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir e, consequentemente, absolver o Réu da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a., c. e d., do petitório, nos termos dos artigos 278º, n.º 1, alínea b) e 577º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil”. Após conheceu-se de mérito quanto ao pedido formulado pelos Autores sob a alínea b) do petitório, julgando-o improcedente, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Declara-se, em conformidade, a manifesta improcedência do pedido formulado pelos autores, referente ao pagamento de honorários a mandatário e custas judiciais. Custas a cargo dos autores – art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC”. Inconformados com o assim decidido, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões de recurso: I- O despacho saneador, na medida em que julga por verificada a nulidade do requerimento inicial, por ineptidão, nos termos consignados no n.º 1 do artigo 186º do CPC, absolvendo, em conformidade, a Requerida da instância, é nulo por configurar uma decisão-surpresa, proibida por lei. II- De facto, o Tribunal recorrido, por diversas formas suscitou já a existência de questões formais que, a seu ver, condicionam o prosseguimento dos autos, tendo, no entanto, tido o cuidado de ouvir as partes em conformidade com o que impõe o artigo 3º do CPC. III- Todavia, e após convidar as partes nesse sentido, como evidencia o despacho com referência 152480810, para que as mesmas se pronunciassem sobre a possibilidade de julgar a inutilidade superveniente da lide e, bem assim, quanto ao mais, a improcedência da ação por não ser responsável a aqui Requerida, surpreende com a formação de decisão, quanto a todos os pedidos com base em fundamentos distintos. IV- Exigiu o legislador como corolário base do processo civil, enquanto processo de partes, que o julgador faça cumprir o princípio do contraditório, para que antes de decidir, de direito ou de facto, sobre qualquer questão, dê a possibilidade às partes de sobre a mesma (n.º 3 do normativo citado). V- Não tendo dado cumprimento a essa obrigação, estava vedada à Senhora Juiz decidir nos moldes em que o fez, e ao fazê-lo eivou o despacho saneador e a decisão final do vício de nulidade, ao abrigo do estatuído no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, vício que urge aqui declarar, com a inerente revogação daquelas decisões. VI- De qualquer modo, e independentemente da (im)procedência da invocada nulidade, sempre se diga também que, ao decidir nos moldes preconizados no despacho saneador agora sindicado, o Tribunal recorrido comete um erro clamoroso de Direito. VII- Destarte, apresentado e aceite liminarmente o requerimento inicial, foi citada a Requerida para, querendo, opor-se, o que fez; no seu articulado esta impugnou especificadamente os termos do dito requerimento, denotando, a sua leitura, que a Requerida percebeu cabalmente o que era a causa de pedir que fundara os pedidos com que tal pretensão foi formulada (de tal forma que a Requerida em momento algum suscita a questão da ineptidão). VIII- Se assim ocorreu, estatui o n.º 3 do art. 186º do CPC que, ainda que existisse um vício ou uma nulidade por ineptidão da petição inicial, nos termos da alínea a) do n.º 1, esta considerar-se-á sanada se se concluir que a Requerida a interpretou convenientemente e pode, nessa sequência, exercer de forma cabal o contraditório. IX- Tendo sido esse o caso, ao Tribunal fica vedado que possa, com esse fundamento, absolver a Requerida da instância; coisa diferente desse é concluir, a final, após o decurso da instrução, pela (im)procedência dos pedidos formulados, o que, todavia, não competia à MMª Juiz recorrida apreciar neste momento, mas em sede de decisão de mérito. X- Ao decidir de forma diferente, a Senhora Juiz violou o n.º 3 do artigo 186º do CPC, omitindo, por inerência decisão de fundo sobre os fundamentos da liquidação, o que importará agora suprir, revogando-se a decisão e determinando-se o prosseguimento da lide. XI- A acrescer aos aspectos mencionados, urge aditar que a nível da decisão proferida quanto à verificação de nulidade por ineptidão encontramos, na sua fundamentação, uma falácia quanto à conclusão que a Mma. Juiz retira. XII- Efetivamente, todo o raciocínio lógico-jurídico que ali é estabelecido parte do pressuposto de que estamos perante a petição inicial de uma ação declarativa, e não já perante o articulado inicial de um incidente. XIII- Essa constatação, que se faz por mera leitura da decisão, é importante fazer, dado que ao arrepio do que é sustentado, no requerimento inicial de um incidente de liquidação o que se pretende não é a invocação de factos constitutivos do direito (porque o direito já se acha constituído), mas sim a demonstração do montante efetivo da indemnização que liquidam e os moldes em que o fazem. XIV- Havendo uma decisão judicial prévia, que serve de título ou fundamento à liquidação (n.º 2 do artigo 609º do CPC), valem em relação a esta todos os factos aí apurados, sendo que o que aí tenha sido discutido e decidido é já realidade adquirida para a liquidação, já que a instância é reNda (artigos 358º e 359º do CPC). XV- Estando demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil, demonstração essa que levou à condenação da Requerida, nesta sede não era preciso que os Requerentes invocassem e demonstrassem quaisquer factos reportados àqueles (pressupostos), tanto, como vem sendo referido pela jurisprudência, apenas de delimitar os termos de quantificação do valor do prejuízo a que a Requerida foi condenada a pagar. XVI- E isso fizeram-no, especificando claramente os pressupostos em que a seu ver a indemnização deveria ser construída, e bem assim as diferentes dimensões que a mesma deveria incorporar. XVII- Donde, e melhor não fora, por haver uma errada interpretação das normas convocadas, e bem assim um inadequado enquadramento jurídico da situação concreta, importa concluir pelo desacerto da decisão que julgou por verificada a nulidade do requerimento inicial por ineptidão e que determinou, por inerência, a absolvição da Requerida quanto aos pedidos formulados em a), c) e d). XVIII- Claro está que é inegável, não só ao longo da tramitação destes autos (pelas sucessivas questões oficiosamente suscitadas), como no próprio despacho sindicado, que a Senhora Juiz tem uma visão distinta daquele que deve ser o objeto da liquidação, por influência que a mesma entende existir por via do processo de expropriação que se encontra (também perante si) a ser tramitado. XIX- Todavia, trata-se de uma vez mais de apreciação de mérito da lide, que a própria antecipa nesta sede sem justificação, mas que deixa a nu a fragilidade dessa construção, por nós há muito identificada: é que a indemnização por violação do direito de propriedade que se procura liquidar abrange, necessariamente, os danos advenientes da ablação do bem, já que esta ocorreu no exato momento em que a Requerida, investida de uma d.u.p. declarada entretanto nula, dela tomou posse. XX- Se assim não for, o processo de expropriação, despoletado cerca de 12 anos mais tarde, irá apenas compensar os Requerentes dos danos que à data da d.u.p. (validamente) produzida, se verificavam, ou seja, ficcionando, pois, por imposição do artigo 23º do CE, uma realidade que não é verdadeira, perigando assim o princípio da contemporaneidade que é, como sabido, uma vertente que compõe o direito (fundamental) à justa indemnização – artigo 62º da CRP. XXI- E nesta nossa interpretação não há qualquer mal, pois que naturalmente não se atribuirá aos Requerentes uma indemnização duplicada, porquanto a que seja definida nestes autos consumirá, a ser assim, a daqueles autos de expropriação, que se mostram inúteis, de resto. XXII- Por último, relacionado ainda com o despacho que absolveu a Requerida da instância, desta feita quanto aos danos morais ali peticionados, dizer que divergimos do Tribunal “a quo” quando julga verificar-se a ineptidão do requerimento inicial. XXIII- Ao arrepio do que é aventado a menção ao incómodo sentido pelos Requerentes configura, de per si, um facto, já que é suscetível de ser materializado de diferentes formas que, em sede de instrução, ao tribunal cumpre aferir, produzidos que sejam os meios de prova indicados pelas partes (artigos 5º, 411º e 413º do CPC). XXIV- Com efeito, o atual sistema processual civil exige às partes que aleguem os factos essenciais em que assentam a sua pretensão, podendo, pois, a prova a produzir permitir todos e quaisquer outros que se mostrem com aquele relacionados, embora a ele não se reportem de forma estrita. XXV- Consequentemente, e sem prejuízo de no momento próprio, que não este, concluir pela improcedência do pedido, ao Tribunal impunha-se que ou notificasse os Requerentes para consubstanciar a sua alegação (no caso de a entender demasiado sintética) ou, em alternativa, deixasse que se aferisse em sede instrutória a (não) demonstração dos danos invocados. XXVI- Dito isto, também por estes motivos se conclui pelo desacerto do julgado, que não pode ser mantido, por ser discordante dos normativos mencionados. XXVII- Por último, buindo já com a decisão (de mérito) tomada quanto à condenação da Requerida no pagamento dos honorários peticionados sob o ponto b) do nosso requerimento inicial, parece aos Requerentes que a mesma é assaz criticável. XXVIII- Na verdade, esta é uma ilação que se impõe como decorrência direta do facto da apreciação realizada ter atendido em termos parciais ao que fora alegado no requerimento inicial (artigos 20º a 23º), fazendo pressupor que a circunstância de se acharem pagas num dos processos ali indicados custas de parte consumiam, no todo, o pedido formulado. XXIX- É verdade que na ação de reivindicação onde estes autos estão enxertados foram pagas custas de parte; é verdade também todavia que àqueles autos precederam outros, junto do Tribunal administrativo, tendo em vista a declaração de nulidade da d.u.p., onde não há nota de que tenha sido paga qualquer quantia a título do que é solicitado pelos Requerentes. XXX- Ora, a análise apressada, diremos mesmo perfunctória realizada pela Mmª Juiz atalhou essa circunstância, nada dizendo ou realçando a propósito; este é pois um vício que, por si só, será apta a por em crise a conclusão que extrai, da improcedência do que peticionáramos. XXXI- Mas, a acrescer a ele, não podemos olvidar outro: é que se a Senhora Juiz não conhece normativo que pudesse dar amparo à nossa pretensão, para além do que fora já consagrado por via do direito a custas de parte (artigos 25º e 26º do RCP), como diz, arreda, sem que se perceba porquê, deste raciocínio os princípios basilares da responsabilidade civil, matéria em que estes autos militam. XXXII- De facto, em conformidade com os artigos 562º, 564º e 566º do CPC, visando a responsabilidade civil uma reconstituição natural, ele há-de permitir que a parte veja recomposto o seu património caso a lesão não se tivesse efetivado. XXXIII- Assim, terá de haver, porque demonstrada está a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade, o direito a obter uma compensação integral do prejuízo que a atuação ilícita gerou, que a quem aproveita pode, ou não, pretender concretizar, seja pela apresentação de nota discriminativa de custas de parte, seja, para além dela, peticionando o valor total das despesas havidas com Mandatário. XXXIV- Outra solução que não esta afronta o princípio da reconstituição natural, tal como definido pelo artigo 562º a CPC, e bem assim o vertido no artigo 22º da CRP, que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos culposos nas situações em que cause prejuízo a outrem. Termos em que, ancorados nos motivos aventados, devem ser revogadas as decisões proferidas pelo Tribunal recorrido, seja quando absolve a Requerida da Instância por alegada ineptidão do requerimento inicial quanto aos pedidos aí formulados sob os pontos a), c) e d), seja quanto a absolve do pedido quanto ao ponto definido em b), determinando-se, em conformidade, o prosseguimento dos autos, tendo em vista a abertura de fase de instrução, seguindo-se a ulterior tramitação até prolação de decisão final”. A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da presente apelação, com os seguintes fundamentos: 1- O douto Tribunal a quo decidiu, no nosso entender corretamente, julgar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir tendo, em consequência, absolvido a Ré da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) da PI. 2- Efetivamente, estamos perante a ausência total de causa de pedir, vício este que, nos termos do artigo 186º do Código de Processo Civil, determina a ineptidão da petição inicial e, consequentemente, a nulidade de todo o processo. 3- Os autores pediram que a IP fosse condenada no pagamento de 15% sobre valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães-Fafe, sublanço Calvos – Fafe e da quantia que se vier a apurar em termos de desvalorização da parcela sobrante. 4- Pediram ainda que fosse a IP condenada no pagamento de danos morais, no valor de 1.000,00 euros para cada um dos Autores. 5- Ora prescreve o artigo 5º do CPC um ónus da alegação da matéria de facto integradora da causa de pedir, dos seus factos essenciais, a qual se deve traduzir em factos concretos, que preencham a previsão da norma que concede a situação subjectiva alegada pela parte e não a referência a conceitos legais ou a afirmação de certas conclusões desenquadradas dos factos subjacentes. 6- Muito acertadamente constatou o tribunal a quo que da petição dos autores não consta um único facto concreto acerca do prejuízo que terão tido com a ocupação ilegítima dos seus prédios. 7- A pretensão dos autores de que lhes seja atribuída uma indemnização correspondente a 15% do valor do custo da obra de construção da auto-estrada e ainda um valor que se venha a apurar relativo à desvalorização da parcela sobrante, não corresponde a nenhum prejuízo que os autores tenham tido com a violação do direito de propriedade. 8- É notório que o prejuízo sofrido pelos Autores jamais poderia equivaler ao valor do custo da auto-estrada que nos seus prédios foi implantada. 9- A indemnização pela violação do direito de propriedade dos autores teria que se sustentar nos prejuízos sofridos com a ocupação dos seus prédios os quais compreendem ainda os benefícios que os lesados deixaram de obter por força dessa mesma violação, pelo tempo em que a mesma se manteve (artigo 564º do CC). 10- Todavia, os autores nenhum prejuízo efetivo enunciaram. 11- Quanto aos danos morais advindos daquela violação, mais uma vez, nada foi alegado para além de que terão ficado muito incomodados. 12- Em face do exposto, outra conclusão não se pode extrair que não seja a da ineptidão da petição inicial devido a ausência total de causa de pedir. Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve a apelação ser julgada improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. *Corridos os vistos legais, cumpre decidir.*II- FUNDAMENTOS O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte: 1- se o despacho saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e que, em consequência, absolveu a Ré (apelada) da instância quanto aos pedidos formulados pelos apelantes sob as alíneas a), c) e d) do petitório – fls. 7 dos autos – é nulo por constituir uma decisão surpresa e, nessa medida, violar o princípio do contraditório; 2- a improceder a nulidade referida em 1), se aquele despacho saneador padece de erro de direito ao julgar procedente a referida exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e ao absolver a apelada da instância quantos aos pedidos formulados pelos apelantes sob as enunciadas alíneas a), c) e d) do petitório, quando aquela petição inicial foi liminarmente admitida pelo tribunal a quo, este ordenou a citação da apelada e esta última contestou, impugnando especificadamente os factos alegados pelos apelantes na petição inicial, não invocando a referida exceção da ineptidão da petição inicial e quando pela simples leitura dessa contestação/oposição se verifica que a apelada percebeu cabalmente a causa de pedir invocada pelos apelantes para fundamentar os pedidos que aduz; 3- a improceder o erro de direito referido em 2), se o dito despacho saneador padece de erro de direito ao julgar procedente a referida exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e ao absolver a apelada da instância quando aos pedidos formulados pelos apelantes nas alíneas a), c) e d) do petitório, uma vez que tratando-se de liquidação de uma indemnização por factos ilícitos em que a apelada foi condenada a pagar aos apelantes por sentença transitada em julgado, todos os factos apurados nessa sentença se têm como definitivamente assentes/provados em sede de liquidação, estando já demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da apelada perante os apelantes, cabendo apenas aos últimos delimitar os termos da quantificação do valor desses prejuízos, o que estes fizeram na petição inicial que apresentaram; 4- a improceder o erro de direito referido em 3), se o referido despacho saneador quando julga inepta a petição inicial por falta de causa de pedir e absolveu a apelada do pedido formulado sob a alínea c) do petitório, padece de erro de direito, ao considerar que “incómodos” sentidos pelos apelantes consubstancia um mero conceito conclusivo e não um facto e se, por conseguinte, competia ao tribunal a quo notificar os apelantes para consubstanciarem essa sua alegação, caso a considerasse demasiado sintética, ou, em alternativa, teria de deixar o apuramento desse factos alegado para sede instrutória; 5- se o saneador-sentença, na parte que conheceu do pedido formulado pelos apelantes sob a alínea b) do petitório e absolveu a apelada desse pedido com fundamento na manifesta improcedência do mesmo, padece de erro de direito, porquanto essa decisão assenta numa consideração meramente parcial dos factos alegados pelos apelantes e na não aplicação ao caso dos princípios da responsabilidade civil e do disposto no art. 22º da CRP. *A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos que relevam para o conhecimento da presente apelação são os que constam do relatório acima exarado e, bem assim os seguintes: A- Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26/11/2014, transitado em julgado, foi confirmada a sentença proferida em 27/05/2013, que condenou a Ré “EP- Estradas de Portugal, nos seguintes termos: “Nestes termos, julga-se improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do Autor e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a auto-estrada, condenado a Ré EP – Estradas de Portugal, S.A. a pagar ao A., em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido da violação do direito de propriedade dos prédios id. em 1” - cfr. fls. 850 a 855 e 574 a 595. B- No acórdão e na sentença identificados em 1), foram julgados provados os seguintes factos: 1- Encontra-se registado a favor do A. Manuel a aquisição dos seguintes prédios: a- Prédio denominado Campo e Leiras de X, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 130 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. b- Prédio rústico denominado Leira N, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 131 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. 2- Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 17.818-G/2002 de 23/07/2002, publicado no DR, II Série, de 9/8/2002, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação dos terrenos destinados à construção da obra designada “Concessão Norte (AENOR) A7 – IC5 – Lanço Guimarães – Fafe – Sublanço Calvos – Fafe. 3- Entre essas parcelas abrangidas pela DUP conta-se a n.º 152, 153, 155 e 156 do mapa anexo, pertença do A. 4- Por acórdão de 5/2/2004, proferido no recurso n.º 1918/02-11, o Supremo Tribunal Administrativo declarou nulo o ato identificado em 2 – cfr. fls. 21 e ss. cujo teor se dá por reproduzido. 5- Foi proferido o despacho n.º 16836/2008, do Secretário de Estado Adjunto, das obras Públicas e das Comunicações, datado de 28/05/2008 e publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 110, de 09/06/2008, que, considerando a necessidade de retificar os elementos identificativos das parcelas de terreno n.º 152, 153, 155 e 156, declarou “a retificação da declaração de utilidade pública referida, de acordo com as correções agora introduzidas, conforme mapa de expropriações, cuja publicação e promove em anexo, mantendo-se todos os atos até ao momento praticados – cfr. fls. 294, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6- A R. Estradas de Portugal, S.A. tomou posse administrativa das parcelas id. em 3 no dia seis de Maio de 2003. 7- As parcelas foram incorporadas na auto-estrada A7, a qual se encontra concluída - cfr. fls. 850 a 855 e 574 a 595. *B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA. B.1- Da violação do princípio do contraditório. Sustentam os apelantes que o despacho-saneador recorrido, na parte em que julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir e que, em consequência, absolveu a apelada da instância quanto aos pedidos que formularam sob as alíneas a), c) e d) do petitório de fls. 7 é nulo, por constituir uma decisão-surpresa e, nessa medida, violar o princípio do contraditório. Vejamos se assiste razão aos apelantes. Como é sabido o princípio do contraditório é um dos princípios basilares que norteiam o processo civil nacional e em si mesmo é uma decorrência do princípio da igualdade das partes. Por via deste princípio exige-se, antes de mais, que instaurada determinada ação, o demandado tenha conhecimento de que contra si foi formulado um pedido, dando-lhe oportunidade de defesa. Esta finalidade é atingida pela citação do demandado para a ação ou para a execução ou com a notificação do mesmo para o incidente que contra ele é instaurado. Depois exige-se que ao longo de toda a tramitação do processo, qualquer das partes tenha conhecimento das iniciativas ou pretensões deduzidas pela outra parte, com a inerente possibilidade de se pronunciar antes de ser proferida a respetiva decisão. Como é bom de ver, só mediante a realização destas duas exigências que se acabam de enunciar se logrará assegurar uma efetiva igualdade de tratamento das partes ao longo de todo o processo. A razão de ser do princípio do contraditório radica, ainda, na circunstância de perante a “estruturação dialética ou polémica do processo”, em que os pleiteantes apresentam interesses ou opiniões contraditórias, se esperar que da “discussão nasça à luz” e que, consequentemente, “as partes (ou os seus patronos), integrados no caso e acicatados pelo interesse ou pela paixão, tragam ao debate elementos de apreciação (razões e provas) que o juiz, mais sereno mas mais distante dos factos e menos ativo, dificilmente seria capaz de descobrir por si” (1), pelo que, além de ser condição para se assegurar a igualdade de tratamento dos litigantes, o princípio do contraditório traz vantagens inequívocas em sede de descoberta da verdade material. Esta vertente do princípio do contraditório, entendido como o direito de conhecimento de pretensão contra si deduzida e o direito de pronúncia prévia à decisão, corresponde à conceção tradicional deste princípio e tem consagração legal na segunda parte do n.º 1 e no n.º 2 do art. 3º do atual vigente CPC (2). Nesta conceção tradicional o princípio do contraditório tem como escopo principal a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia. No entanto, como tem sido posto em destaque pela doutrina e pela jurisprudência, embora a conceção tradicional do princípio do contraditório continue válida e tenha acolhimento legal no atual vigente processo civil, nele adoptou-se uma conceção ampla de contrariedade ao estatuir-se no art. 3º, n.º 3 do CPC que “o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Mediante a consagração desta norma consagra-se no âmbito do processo civil o princípio constitucional da proibição da indefesa, associada à regra do contraditório, visando-se conferir às partes uma efetiva participação no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, proibindo-se ao juiz a prolação de qualquer decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferido às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar (3). Nesta conceção ampla do princípio da igualdade, em que se proíbe a indefesa e, nessa medida, a prolação de decisões-surpresa, visando-se assegurar às partes o direito de influenciarem o rumo do processo e a decisão nele a proferir, o escopo principal do princípio do contraditório, contrariamente ao que acontece na conceção tradicional deste princípio, deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo do direito das partes de influírem ativa e decididamente no desenvolvimento e no êxito do processo (4). Esta vertente positiva do princípio do contraditório, tal como todos os outros princípios, não tem, no entanto, um sentido absoluto e inuletável. Na verdade é o próprio art. 3º, n.º 3 do CPC que admite que esse princípio possa ser afastado nos casos de “manifesta desnecessidade”. Note-se que a lei não esclarece quais são os casos em que o juiz pode afastar o princípio do contraditório por o respetivo cumprimento ser manifestamente desnecessário, cumprindo à doutrina e à jurisprudência preencher este conceito indeterminado, tendo sempre presente a finalidade central por ele prosseguido no âmbito do processo e as finalidades que o legislador visa acautelar com a consagração legal do mesmo. Nesta sede, Abrantes Geraldes sustenta que são limitadas as situações enquadráveis nesse conceito genérico, em que o juiz fica legitimado a afastar o cumprimento do princípio do contraditório com fundamento em “manifesta desnecessidade”, apontando como exemplos do afastamento legítimo do mesmo: a) o indeferimento de qualquer nulidade invocada por uma das partes; b) em matéria de procedimentos cautelares, quando seja necessário prevenir a violação do direito ou garantir o resultado útil da demanda (5). Por sua vez, Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto sustentam que o contraditório prévio pode ser dispensado em procedimentos cautelares, na execução, em que a penhora é, em certos casos, realizada sem audiência prévia do executado, propugnando que igualmente não deve ter lugar o convite dirigido às partes para discutirem uma questão de direito quando as mesmas “embora não tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente o tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente, por ter sido apresentada uma versão fáctica não contrariada que manifestamente não consentia outra qualificação” (6). Como é bom de ver, a observância do principio do contraditório nesta dimensão positiva “tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que que o tribunal possa conhecer oficiosamente e que nenhuma das partes suscitou ao longo dos autos: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com a concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade” (7). No entanto, se o princípio do contraditório nesta dimensão positiva de conferir às partes o direito de poderem influenciar ativamente o rumo do processo e a decisão a proferir assume especial relevância no âmbito das questões de conhecimento oficioso do tribunal, o seu campo de aplicação não se esgota nesses casos, na medida que esta dimensão positiva do princípio do contraditório é aplicável ao longo de todo o processo. Além disso, impõe-se afinar o conceito de “manifesta desnecessidade” tendo presente que casos existem em que, não obstante se tratar de questões processuais ou de mérito, de facto ou de direito, não suscitadas pelas partes, estas tinham obrigação de prever que o tribunal podia decidir tais questões em determinado sentido, como veio a decidir, pelo que se não as suscitaram e não cuidaram em as discutir no processo, sib imputet, não podendo razoavelmente considerar-se que, nesses casos, a decisão proferida pelo tribunal configure uma decisão-surpresa. Deste modo é que a jurisprudência nacional tem considerado que a decisão-surpresa a que se reporta o art. 3º, n.º 3 do CPC, pressupõe que a parte seja apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não estivesse prevista nem tivesse sido configurada por aquela (8). Se por hipótese, numa ação para ressarcimento de um lesado com fundamento na responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação, o autor pede, com base na culpa efetiva do demandado, o pagamento de determinada quantia, e o tribunal, na sequência da audiência de julgamento e após alegações de direitos das partes em que cada uma sustenta que a culpa deve ser atribuída à contraparte, acaba por decidir que cada uma delas contribuiu com uma quota de 50% para a produção do evento danoso e fixa em metade a indemnização da quantia peticionada pelo demandante, ou conclui que, em caso de colisão de veículos em que não logrou apurar as concretas circunstâncias em que se deu essa colisão, concluiu pela aplicação ao caso das regras do instituto da responsabilidade pelo risco, e condena o demandado a indemnizar o demandante em função dessas regras, nestes casos, não existe qualquer decisão-surpresa que exigisse a observância do princípio do contraditório a que alude o art. 3º, n.º 3 do CPC. Com efeito, a decisão tomada pelo tribunal não só é emanação dos factos alegados e debatidos pelas partes, em que o tribunal se cingiu a esses factos, sem recurso a factos novos não alegados por aquelas, como o enquadramento jurídico feito pelo tribunal consubstancia algo que aquelas previram ou, pelo menos, tinham a obrigação legal de prever como possível, uma vez que quem instaura uma ação de indemnização tendo em vista obter a indemnização pelos danos sofridos emergentes de acidente de viação com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, imputando ao demandado a culpa exclusiva pelo acidente, que nega essa culpa, antes a imputando ao demandante, não pode apartar-se da hipótese de o tribunal, em face da discussão da causa, vir a optar por uma partição de culpas ou pelo risco na produção do acidente. Da mesma forma, instaurada uma determinada ação com fundamento no incumprimento de um contrato-promessa e imputando cada um dos pleiteantes esse incumprimento à sua contraparte, tendo cada uma delas a possibilidade de esgrimir os seus argumentos para defesa da respetiva posição processual, era previsível que o tribunal pudesse vir a enveredar por uma posição em que a atribuição da responsabilidade pelo incumprimento fosse parcial. Deste modo, tem-se entendido que apenas ocorre uma decisão-surpresa quando a solução seguida pelo tribunal se desvincula “totalmente do alegado pelas partes na sua substancialidade ou na sua adjetividade, isto é, se a decisão não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos – novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão – que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova” oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a atividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório”. Nesta situação poderemos dizer que “o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuído ao julgador” (9). Nesta perspetiva, segundo a jurisprudência, não existirá decisão-surpresa quando a decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como possível e em relação ao que, consequentemente, a parte podia ter-se pronunciado, pelo que se não o fez, sib imputet. Ao invés, estaremos perante uma decisão-surpresa para efeitos do art. 3º, n.º 3 quando ela comporte uma solução jurídica, que embora juridicamente possível, as partes não tinham obrigação de prever, isto é, quando não fosse exigível que as partes tomassem oportunamente posição sobre essa concreta questão jurídica que acabou por ser sufragada pelo tribunal ou, no mínimo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que as partes o haviam feito (10). Finalmente, a violação do princípio do contraditório mediante a prolação de uma decisão-surpresa insere-se na cláusula geral das nulidades processuais prevista no art. 201º, n.º 1 do CPC onde se prevê que “a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Dada a importância do contraditório é indiscutível que a omissão do cumprimento desse princípio, isto é, quando ocorra a prolação de uma efetiva decisão-surpresa é suscetível de influir no exame ou decisão da causa, pelo que a decisão-surpresa assim proferida encontra-se eivada de nulidade. Essa nulidade não é do conhecimento oficioso do tribunal, carecendo de ser invocada pelo interessado na omissão da formalidade ou na repetição desta ou na sua eliminação (art. 197º, n.º 1 do CPC). O interessado terá de invocar a nulidade no prazo de dez dias após a respetiva intervenção em algum ato praticado no processo (art. 199º, n.º 1 do CPC), sob pena desta ficar sanada. No entanto, estando essa decisão-surpresa coberta por decisão judicial, como é entendimento pacífico da jurisprudência, nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso (11). Assentes nestas premissas, no caso, os apelantes instauraram ação declarativa, com processo ordinário, contra a apelada e a “Aenor – Auto-Estradas de Portugal, S.A., sustentando que o apelante-marido, Manuel, é proprietário dos prédios que identificam no art. 1º da p.i. de fls. 5 a 12. Mais alegaram que aquelas Rés, ao abrigo do despacho n.º 17.818-G-2002, de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas de 23/07/2002, publicado no D.R. de 09/08/2002, ocuparam as parcelas de terreno que identificam no art. 17º daquele articulado, para a construção de uma auto-estrada, parcelas de terreno essas que fazem parte daqueles prédios propriedade do apelante-marido, e que nelas construíram efetivamente a auto-estrada A7. Alegaram ainda, que aquele despacho proferido pelo Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas veio a ser declarado nulo por Ac. do STA de 05/02/2004, deixando, consequentemente, as Rés de terem qualquer justo título para ocupar as referidas parcelas de terreno. Concluem pedindo que se condene as ali Rés a reconhecerem o aqui apelante-marido e ali Autor-marido como dono e legítimo proprietário das ditas parcelas de terreno e a devolvê-las ao último no estado em que se encontravam à data da ocupação e a pagarem uma sanção pecuniária compulsória de 250,000 euros, por dia, desde a data do acórdão do STA que declarou nulo o ato expropriativo até à entrega efetiva das mesmas ao Autor-marido, destinando-se metade dessa sanção para o último e a restante parte para o Estado – cfr. fls. 5 a 12. Por acórdão proferido pelo STJ em 26/11/2014, de fls. 850 a 855, foi confirmada a sentença da 1ª Instância de fls. 574 a 599 dos autos, que julgou como provados os seguintes factos: 1- Encontra-se registado a favor do A. Manuel a aquisição dos seguintes prédios: c- Prédio denominado Campo e Leiras de X, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 130 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. d- Prédio rústico denominado Leira N, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo 131 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º …. 2- Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 17.818-G/2002 de 23/07/2002, publicado no DR, II Série, de 9/8/2002, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação dos terrenos destinados à construção da obra designada “Concessão Norte (AENOR) A7 – IC5 – Lanço Guimarães – Fafe – Sublanço Calvos – Fafe. 3- Entre essas parcelas abrangidas pela DUP conta-se a n.º 152, 153, 155 e 156 do mapa anexo, pertença do A. 4- Por acórdão de 5/2/2004, proferido no recurso n.º 1918/02-11, o Supremo Tribunal Administrativo declarou nulo o ato identificado em 2 – cfr. fls. 21 e ss. cujo teor se dá por reproduzido. 5- Foi proferido o despacho n.º 16836/2008, do Secretário de Estado Adjunto, das obras Públicas e das Comunicações, datado de 28/05/2008 e publicado no Diário da República, 2ª Série, n.º 110, de 09/06/2008, que, considerando a necessidade de retificar os elementos identificativos das parcelas de terreno n.º 152, 153, 155 e 156, declarou “a retificação da declaração de utilidade pública referida, de acordo com as correções agora introduzidas, conforme mapa de expropriações, cuja publicação e promove em anexo, mantendo-se todos os atos até ao momento praticados – cfr. fls. 294, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 6- A R. Estradas de Portugal, S.A. tomou posse administrativa das parcelas id. em 3 no dia seis de Maio de 2003. 7- As parcelas foram incorporadas na auto-estrada A7, a qual se encontra concluída”. Nessa sentença, ficou decidido, em definitivo, com o respetivo trânsito em julgado, o seguinte: “Nestes termos, julga-se improcedente o reconhecimento do direito de propriedade do Autor e o direito à restituição das parcelas em que foi implantada a auto-estrada, condenando a Ré EP – Estradas de Portugal, S.A. a pagar ao A., em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido da violação do direito de propriedade dos prédios id. em 1”. Como fundamentos desta decisão, lê-se na referida sentença, em sede de subsunção jurídica da factualidade apurada, além do mais, o seguinte: “…O terreno da parcela, em que foi incorporada a obra pública passou, por via disso, a integrar o domínio público, logo fora do comércio e insuscetível de ser objeto de direitos privados, escapando, assim, à previsão da norma do n.º 2 do art. 1311º, vocacionada para a regulamentação de direitos e interesses de natureza privada – art. 2002º-2 C. Civil …o caso em apreço ocorreu uma declaração de utilidade pública justificativa do ato administrativo, embora o mesmo foi declarado posteriormente nulo, o que nos leva a considerar uma excesso de execução da administração implica uma ocupação com falta de cobertura equivalente à inexistência de ato administrativo prévio, mas merecedor de tratamento jurídico relativo à “apropriação irregular”… Assim, é de ponderar o princípio da «intangibilidade da obra pública» - princípio geral do direito das expropriações – que se traduz na manutenção da posse por parte da Administração quando, apesar de essa posse assentar em título ilegal, não representando um atentado grosseiro o direito de propriedade, deva ser mantida, sob pena de resultarem danos graves para o interesse público, como os resultantes da subtracção da coisa irregularmente apropriada ao uso público. Quando tal suceda, isto é, quando tenha havido um princípio de atuação legal expropriativa como, no caso, ocorreu com a prolação de um despacho de utilidade pública da expropriação (o qual posteriormente foi declarado nulo), o tribunal não deverá determinar a restituição ou demolição como meios de fazer cessar a “via de facto”, mas, atendendo ao interesse geral que a obra pública representa, abster-se de ordenar a restituição e limitar a conceder ao proprietário uma indemnização. Tratando-se de ilegalidade simples e leve, como o de obra pública construída por erro em propriedade privada, está-se ante «apropriação irregular». Nesta hipótese, de acordo com a “teoria da expropriação indireta” e para salvaguarda do princípio da «intangibilidade da obra pública», o juiz não pode ordenar a destruição da obra pública erigida por erro numa propriedade privada, mas apenas conceder ao proprietário uma indemnização … Esta doutrina pode apoiar-se no disposto no art. 335º do CC, sobre a colisão de direitos, de espécie diferente – o direito de propriedade do particular e o da intangibilidade da obra pública – prevalecendo o último por dever considerar-se superior. Sendo de realçar que, por meio da aludida “apropriação irregular”, as parcelas ocupadas com a construção da auto-estrada integraram o domínio público (…). Pelo exposto, o pedido de reconhecimento da propriedade por parte do A. e consequente devolução não tem viabilidade, pelo que o Tribunal não procederá à restituição ao Autor das parcelas ocupadas com a construção da auto-estrada. O A. não requereu uma indemnização (mas, sim, a devolução dos imóveis e uma sanção pecuniária compulsória desde a data do acórdão que declarou nulo o ato expropriativo até à entrega definitiva. Contudo, (…) o afastamento da reconstituição natural e a opção pela indemnização em dinheiro não dependem de alegação das partes, podendo esta conversão ser efetuada oficiosamente. Porém, o processo não confere elementos bastantes para calcular os danos sofridos pelo Autor, pelo que se relega para momento ulterior, em incidente de liquidação, a indemnização decorrente dos prejuízos sofridos em virtude da violação do direito de propriedade do A. O responsável pelos danos será unicamente a Ré Estradas de Portugal (…). Pelo exposto, condeno a R. Estradas de Portugal a pagar ao A. os danos decorrentes da violação do seu direito de propriedade, no que vier a ser liquidado em incidente de liquidação”. Resulta do que se vem dizendo que, por sentença transitada em julgado, reconheceu-se que o apelante-marido, Manuel (e não, também, a apelante-mulher, Maria) é proprietário dos prédios identificados no art. 1º da petição inicial apresentada naquela ação declarativa e que desses prédios fazem parte integrante as parcelas de terreno n.ºs 152, 153, 155 e 156, identificadas no art. 17º desse mesmo articulado e, bem assim que a aqui apelada, ora com a denominação social de “Infraestrutuas de Portugal, S.A.”, ocupou ilegalmente essas parcelas de terreno em 06/05/2003, data em que tomou posse administrativa das mesmas, mediante a construção nelas da auto-estrada A7. No entanto, considerou-se que essas parcelas de terreno, com a incorporação das mesmas na A7, passaram a fazer parte do domínio público nacional. Consequentemente, julgou-se improcedente os pedidos formulados pelos aqui apelantes, Autores nessa ação, em que estes pediam que se condenasse a apelada a reconhecer o direito de propriedade do apelante-marido sobre essas parcelas de terreno e a restituir-lhe/devolver-lhe as mesmas, bem como a pagar a sanção pecuniária compulsória que peticionava até à restituição efetiva dessas parcelas e, consequentemente, absolveu-se a aqui apelada desses pedidos. Nos termos dessa sentença a qual, reafirma-se, transitou em julgado, não sendo, consequentemente, mais suscetível de ser objeto de discussão o que nela ficou decidido, converteu-se aqueles pedidos num pedido de indemnização pelos danos sofridos pelo aqui apelante-marido decorrente da integração daquelas parcelas de terreno no domínio público nacional, com a consequente violação do seu direito de propriedade com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. No entanto, reconhecendo-se que os autos não continham os elementos que permitiam desde já ao tribunal fixar o quantum indemnizatório referente a esses danos, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609º do CPC (anterior art. 661º, n.º 2), nessa sentença, relegou-se a determinação desse quantum indemnizatório devido pela apelada ao apelante-marido para incidente de liquidação. É juntamente na sequência desta sentença condenatória, transitada em julgado, que os aqui apelantes instauraram o presente incidente de liquidação, apresentando o requerimento inicial de fls. 5 a 8, em que liquidam os prejuízos concretamente sofridos por via da lesão do direito de propriedade do apelante-marido sobre aquelas parcelas de terreno nos seguintes termos: a- 15% do valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos – Fafe, (no que tange ao valor das parcelas de terreno integradas no domínio público nacional pela apelada em 06/05/2003); b- 61.500,00 euros, a título de despesas forenses, correspondentes a honorários que tiveram de pagar ao seu mandatário no âmbito das várias ações que propuseram com vista a que o apelante-marido fizesse valer o seu direito de propriedade sobre aquelas parcelas de terreno, incluindo a declaração da nulidade do ato administrativo expropriatório, a que acrescem as custas processuais suportadas pelos mesmos em todos os processos intentados por este motivo; c- no pagamento da quantia de mil euros para cada um dos apelantes, a título de compensação por danos morais sofridos; e d- no pagamento do montante que se vier a apurar em termos de desvalorização da parcela sobrante. Significa isto que o presente incidente de liquidação insere-se no disposto no art. 358º, n.º 2 do CPC e visa tornar liquida a condenação genérica da aqui apelada que, por sentença condenatória, transitada em julgado, foi condenada a pagar ao aqui apelante-marido os prejuízos que sofreu em consequência da lesão do seu direito de propriedade sobre aquelas parcelas de terreno que foram integradas no domínio público nacional, decorrente dos factos apurados naquela sentença. Esses factos, apesar de demonstrarem que o apelante-marido sofreu efetivamente danos por via daquela atuação ilícita da apelada e, bem assim encontrarem-se preenchidos todos os pressupostos legais de cuja verificação estava dependente a obrigação de indemnização, incluindo, o dano, os factos aí apurados não permitiram ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido ao apelante-marido por via desses prejuízos, e daí a necessidade do presente incidente de liquidação. Como realça Salvador da Costa, para que aquela sentença condenatória pudesse ser proferida nos termos em que o foi, é necessário que se provem os factos relativos ao dano, “o que não é o caso se eles não revelarem que o autor ou o réu reconvinte sofreram algum prejuízo. Com efeito, a implementação do incidente em análise depende da verificação na sentença, de elementos fácticos relativos ao dano, e da incerteza da sua dimensão quantitativa, cuja concretização não pode exceder o pedido adrede formulado nos articulados da ação” (12). Deste modo, porque a condenação genérica da apelada a indemnizar o apelante-marido pelos danos sofridos em consequência da lesão do seu direito de propriedade, decorrente da integração daquelas parcelas de terreno de que era proprietário no domínio público nacional, tem como pressuposto que, nessa sentença condenatória, transitada em julgado, se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano por ele sofrido, estando apenas em causa a determinação do quantum/a dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo último em consequência desse dano, isto é, a determinação do quantum desses prejuízos, é que, em consonância com o disposto no art. 359º, n.º 1 do CPC., onde se estatui que “a liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa”, nele o apelante-marido não tem de alegar e provar quaisquer danos ou prejuízos concretos, por esses danos/prejuízos e, bem assim, todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo, reafirma-se, o dano, já se encontrarem provados, na sentença transitada em julgado, proferida na ação declarativa. O que o apelante terá de alegar e demonstrar é apenas a factualidade necessária ao apuramento do montante efetivo da indemnização – o quantum - que lhe é devida por via de ter sofrido os concretos danos/prejuízos cuja existência já se encontram, em definitivo, assentes na ação declarativa (13). Por outro lado, estando os danos sofridos pelo apelante já provados em sede de sentença condenatória, devidamente transitada em julgado, estando apenas, em sede de incidente de liquidação, em causa o apuramento do quantum dos concretos prejuízos que aquele sofreu em consequência desses danos/prejuízos, é apodítico que os factos alegados pelo apelante em sede de liquidação têm de “harmonizar-se com o teor do título dado à execução, pelo que, sendo este uma sentença, no apuramento da obrigação exequenda e a liquidar, a interpretação daquele tem de ser efetuada em conformidade com o que haja sido articulado na ação” (14). Logo, os apelantes não podem pretender liquidar a indemnização por danos/prejuízos que não tenham cabimento na factualidade apurada na sentença condenatória quanto aos concretos danos por eles sofridos e que se quedaram provados nessa sentença. Acresce que a “indemnização terá, necessariamente, como limite máximo, aquele que constitui o máximo do pedido específico formulado pelo autor” (15), pelo que se nos casos em que o requerente tenha pedido, na ação declarativa, a condenação do requerido a pagar-lhe uma indemnização, por ex. de cem mil euros, o montante que aquele poderá liquidar em sede de incidente e que nele lhe poderá ser arbitrado não pode exceder esses cem mil euros. O que se acaba de referir é decorrência da circunstância do incidente de liquidação ser dependente do processo declarativo onde foi proferida a sentença condenatória que serve de título à liquidação e à execução. De resto, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 358º do C.P.C, sendo o incidente de liquidação deduzido depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do art. 609º, como acontece no caso sobre que versam os presentes autos, a instância extinta da ação declarativa considera-se renovada com a dedução do incidente de liquidação e com a prolação do despacho liminar em que o juiz admite esse incidente (16). Significa isto que o incidente de liquidação não pode ser considerado um processo autónomo relativamente à ação declarativa propriamente dita, mas antes está dependente desta, não existindo uma sem a outra. Conforme se escreve no acórdão desta Relação de 12/02/2015 (17), “o incidente em causa não goza autonomia nem subsiste sem a ação originária. O incidente de liquidação não pode ser considerado como um processo autónomo, que tem existência por si só, antes resulta da tramitação inerente ao processo declarativo. Daí que, o incidente de liquidação só exista porque na ação declarativa foi decidido condenar o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em execução de sentença. Ou seja, o referido incidente tem, em relação à ação declarativa uma dependência funcional, sendo mero trâmite da ação declarativa”. Finalmente, tendo em conta a finalidade prosseguida pelo incidente de liquidação – obter a concretização do objeto da condenação da decisão proferida na ação declarativa, dentro dos limites do caso julgado desta –, o apuramento dos concretos e efetivos prejuízos sofridos pelo requerente do incidente, por via dos danos que aquele sofreu e que se encontram, em definitivo, assentes nessa sentença condenatória, compreende-se que o n.º 1 do art. 359º do CPC, estabeleça expressamente que o requerimento inicial do incidente de liquidação tenha de culminar com a formulação pelo requerente do incidente de um pedido de quantia certa. Acresce que nos casos em que o incidente seja contestado ou a revelia seja inoperante, prosseguindo o incidente, com as devidas adaptações, os termos do processo comum declarativo (art. 360º, n.º 3, ex vi, art. 716º, n.º 4 do CPC), cabe ao juiz completar oficiosamente a prova produzida pelas partes, quando esta seja insuficiente para fixar a quantia devida, podendo, nomeadamente, ordenar a produção de prova pericial (art. 360º, n.º 4, ex vi art. 716º, n.º 4 do CPC). É que tendo o incidente de liquidação por finalidade obter a concretização do objeto da decisão condenatória proferida na ação declarativa, dentro dos limites do respetivo caso julgado, sob pena de se frustrar essa finalidade e, inclusivamente, se violar o caso julgado daquela decisão condenatória, o incidente de liquidação tem imperiosamente que conduzir a uma resultado concreto e objetivo, ou seja, culminar na condenação da requerida numa quantia certa em dinheiro. O incidente de liquidação nunca poderá, assim, vir a ser julgado improcedente por falta de prova, uma vez que tal decisão, resultando na absolvição do réu do pedido, inutilizaria a decisão proferida na ação declarativa e o caso julgado nela operado. O incidente de liquidação também jamais poderá culminar com uma decisão ilíquida e que remeta para ulterior incidente de liquidação a determinação da quantia indemnizatória devida ao requerente do incidente por tal contrariar a finalidade prosseguida pelo mesmo, já que não faz sentido remeter para ulterior incidente de liquidação aquilo que não se logrou liquidar nesse primeiro incidente de liquidação. Por isso mesmo é que quando a prova produzida pelos litigantes em sede de incidente de liquidação se mostre insuficiente para fixar a quantia devida ao requerente do incidente, a lei impõe ao juiz o dever de procurar completar essa mesma prova, mediante a indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial. Mais. Uma vez produzida essa prova determinada oficiosamente pelo tribunal, se ainda assim não for possível ao último fixar a quantia devida pelo requerido ao requerente, ou seja, quando o juiz através da indagação da prova oficiosa não conseguir reunir os elementos que lhe permitam decidir, fixando o concreto valor da indemnização devida ao requerente do incidente, em último recurso, terá de julgar de acordo com a equidade, por imposição do n.º 3 do art. 566º do CC (18). Na linha do que se vem dizendo, contrariamente àquela que nos parece ser a posição que vem propugnada pela apelada na contestação/oposição ao presente incidente e nas suas contra-alegações de recurso que apresentou e, bem assim ao juízo que parece estar subjacente ao despacho proferido pelo tribunal a quo a fls. 161 a 163, em que este determinou a suspensão da presente instância de incidente de liquidação até à decisão a proferir no âmbito do processo n.º 242/14.1TBFAF (decisão esta, entretanto, revogada por decisão sumária proferida por esta Relação a fls. 205 a 214), bem como ao teor do despacho proferido a fls. 232, em que o tribunal a quo alude expressamente que poderá ocorrer “inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento dos danos relativos à área de que a Ré se serviu ilegalmente e da desvalorização das parcelas sobrantes, já que está em curso o competente processo expropriativo”, salvo o devido respeito por entendimento contrário, jamais, na nossa perspetiva, poderá existir qualquer relação de prejudicialidade entre o presente incidente de liquidação e a ulterior ação expropriativa instaurada, tendo em vista a expropriação dessas mesmas parcelas de terreno com fundamento em ulterior DUP proferida, sequer este processo expropriativo, ainda que nele tivesse sido já proferida sentença, ainda que transitada em julgado, arbitrando ao apelado a justa indemnização por via dessa expropriação e a apelada lhe tivesse, inclusivamente, já pago essa indemnização, determinaria a extinção da instância do presente incidente de liquidação por inutilidade superveniente da lide, sob pena de, ao assim se decidir, se violar o caso julgado da sentença condenatória proferida no âmbito da ação declarativa, que condenou a apelada a pagar ao apelante-marido, indemnização, a apurar em incidente de liquidação, pelo prejuízo sofrido decorrente da violação do seu direito de propriedade sobre os prédios identificados em 1) decorrente da ocupação ilícita daquelas parcelas de terreno que integram os enunciados prédios. Na verdade, qualquer trânsito em julgado de decisão que viesse a ser proferida, ou que já foi proferida, em ulterior ação que tivesse sido instaurada pelos apelantes ou pela apelada, não poderia inutilizar o que ficou decidido naquela ação declarativa, devidamente transitada em julgado. De resto, quando a apelada fala que assim não sendo, poderá ocorrer uma dupla indemnização, é apodíctico que assim não é ou, pelo menos, não terá necessariamente de ser. Vejamos. Conforme decorre do disposto no art. 23º, n.º 1 do Cód. Expropriações (CE) o valor da indemnização devida pela apelada ao apelante-marido decorrente da expropriação ao último das parcelas de terreno expropriadas e a determinar em sede de processo expropriativo, há-de corresponder ao valor de mercado dessas parcelas de terreno por referência a data da publicação da declaração de utilidade pública, ou seja, 28/05/2008. Essa justa indemnização carece de ser calculada de acordo com os critérios enunciados nos arts. 23º a 29º do CE. Acontece que mesmo que no presente incidente de liquidação se venha a seguir esses critérios fixados no CE para cálculo do valor das parcelas de terreno ilicitamente ocupadas pela apelada e que esta integrou no domínio público (uma das soluções jurídicas plausíveis suscetíveis de serem aplicáveis ao caso, quiçá, a mais razoável) e, consequentemente, se venha a determinar uma das vertentes do quantum da indemnização a arbitrar ao apelante-marido por via da ablação do seu direito de propriedade sobre essas parcelas de terreno, no âmbito do presente incidente de liquidação e no cumprimento do determinado na sentença condenatória proferida na ação declarativa, transitada em julgado, de acordo com esses critérios fixados no CE, conforme decorre dos factos apurados nos pontos 6 e 7 dessa sentença, a incorporação dessas parcelas de terreno no domínio público nacional ocorreu em 06/05/2003. Logo, foi em 06/05/2003, que ocorreu o ato ilícito ablativo e lesivo do direito de propriedade do apelante-marido sobre essas parcelas de terreno, pelo que a justa indemnização que lhe é devida pela ablação do seu direito de propriedade sobre essas parcelas de terreno terá de ser feita por referência ao dia 06/05/2003. Como é bom de ver, a realidade do mercado em 06/05/2003 e em 28/05/2008 podem ser bem distintas, pelo que o justo valor das referidas parcelas de terreno pode ser distinto em cada um daqueles momentos temporais. Deste modo, mesmo que para o cálculo do justo valor de mercado a atribuir às enunciadas parcelas de terreno ocupadas ilicitamente pela apelada se sigam os mesmos critérios para a respetiva avaliação, quer em sede do presente incidente, quer em sede de processo expropriativo, o valor dessas parcelas de terreno a liquidar no presente incidente não corresponderá necessariamente ao valor que venha a ser fixado às mesmas em sede de processo expropriativo. Acresce que fundando-se a indemnização arbitrada ao apelante-marido em sede de ação declarativa, no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e de acordo com as regras enunciadas no art. 562º e ss. do CC., embora no cálculo do respetivo valor de mercado, como referido, possam ser seguidos os critérios enunciados no CE, não é forçoso que assim seja, tratando-se de questão de mérito sobre a qual o tribunal se terá oportunamente de debruçar e decidir em sede do presente incidente de liquidação. Consequentemente, se uma vez liquidada a indemnização em sede do presente incidente de liquidação devida ao apelante marido pela ablação do seu direito de propriedade em relação àquelas parcelas de terreno, por sentença transitada em julgado a proferir no âmbito do presente incidente de liquidação, se vier a concluir que essa indemnização é inferior à que eventualmente lhe foi já arbitrada e paga, em sede de processo expropriativo, por sentença transitada em julgado proferida nesses autos de expropriação, evidentemente que a apelada já nada mais lhe terá de pagar por via dos prejuízos que sofreu com a integração das parcelas de terreno no domínio público, na sequência da decisão proferida no presente incidente. Porém, se essa eventual indemnização arbitrada e paga em sede de processo expropriativo for inferior à que venha a ser arbitrada no âmbito do presente incidente de liquidação, por sentença transitada em julgado nele a proferir, cumprirá à apelada pagar ao apelante-marido a diferença. Acresce que em sede do presente incidente de liquidação, os apelantes pretendem ser indemnizados pela desvalorização das partes sobrantes dos prédios onde se inseriam essas parcelas ilicitamente ocupadas pela apelada, propriedade do apelante marido, e que aquela inseriu no domínio público nacional. A verificar-se a existência dessa desvalorização das referidas parcelas sobrantes, trata-se indiscutivelmente de um prejuízo que cabe à apelante suportar por via do trânsito da sentença condenatória proferida em sede de ação declarativa, que a condenou a pagar ao apelante-marido, uma indemnização pelo prejuízo sofrido decorrente da violação do direito de propriedade sobre os prédios identificado no ponto 1º dos factos apurados nessa sentença condenatória, uma vez que esse prejuízo é uma consequência direta e necessária da lesão desse direito de propriedade do apelante-marido. Sustenta a apelada, em sede de contestação ao incidente de liquidação, que o processo adequado a julgar tais danos decorrentes para as parcelas sobrantes seria o processo de expropriação. No entanto, ao assim argumentar, sem dúvida alguma que a apelada olvida ou desvaloriza o facto de não ter instaurado qualquer processo de expropriação legalmente válido contra o apelante-marido e que a condenação de que foi alvo em sede de ação declarativa se funda precisamente nessa circunstância – ocupação ilícita das parcelas de terreno propriedade do apelante-marido, precisamente porquanto a DUP em que se sustentou essa ocupação foi declarada nula - e que, consequentemente, por via daquela sentença condenatória, transitada em julgado, foi condenada a indemnizar o apelante-marido pelo prejuízo sofrido pela violação do seu direito de propriedade dos prédios onde se integram as parcelas de terreno que ocupou ilicitamente e que integrou no domínio público nacional e cujas partes sobrantes, caso tenham sofrido efetiva desvalorização por via desse facto, é um dos danos a indemnizar nos termos dessa sentença. Naturalmente que em sede de processo de expropriação, que entretanto foi instaurado com base na N DUP, poderá ter sido requerida a expropriação total desses prédios nos termos do disposto nos arts. 3º, n.º 2 e 55º, n.º 1 do CE. No entanto, a ser esse o caso, valerão mutatis mutandis as considerações acima já aduzidas em relação à determinação do montante indemnizatório do valor do terreno respeitante às parcelas de terreno ilicitamente ocupadas pela apelada com vista a evitar a dupla indemnização, sem que exista qualquer inutilidade do presente incidente até, porque, reafirma-se, os momentos a considerar, em sede de incidente de liquidação (data da ocupação ilícita das parcelas de terreno – 06/05/2003 – e em que, consequentemente, se verificou a alegada desvalorização das partes sobrantes) e no processo expropriativo (data da nova DUP), são distintos, assim como os critérios a considerar para efeitos do cálculo da indemnização não serão necessariamente os mesmos no âmbito do processo de expropriação e no presente incidente de liquidação. Finalmente, os apelantes pedem, em sede de incidente de liquidação, uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por via da ocupação ilícita pela apelada daquelas parcelas de terreno, propriedade do apelante-marido. Esses danos não patrimoniais, a existirem, no que tange ao apelante-marido e contanto que preencham os requisitos legais enunciados no art. 496º, n.º 1 do CC, encontram-se indiscutivelmente a coberto da sentença condenatória proferida a fls. 574 a 599, devidamente transitada em julgado. No entanto, em sede de processo expropriativo, a lei não reconhece ao expropriado qualquer direito a ser indemnizado por eventuais danos não patrimoniais que sofra em consequência direta e necessária da expropriação de que eventualmente seja alvo. Consequentemente, também por aqui, nunca a pendência do processo expropriativo teria a virtualidade de operar qualquer inutilidade superveniente da lide em relação ao presente incidente de liquidação. Enfatize-se, por via do trânsito em julgado da sentença condenatória proferida na ação declarativa, tendo-se, em definitivo, sedimentado na ordem jurídica o que aí ficou decidido, nunca se afirmará qualquer relação de prejudicialidade entre o presente incidente de liquidação e qualquer outro processo, designadamente, o processo expropriativo n.º 241/14.1TBFAF, SC, J1 e/ou o proc. n.º 252/08.0BEBRG, UOF do TAF de Braga, sequer a sentença que eventualmente venha a ser proferida (ou tenha sido proferida) nestes processos e que neles venha a transitar em julgado antes do trânsito em julgado da sentença a proferir no âmbito do presente incidente, determina a inutilidade do último. O presente incidente tem por finalidade, apurar o efetivo e concreto prejuízo sofrido pelo apelante-marido em consequência dos danos por ele sofridos, decorrentes da lesão do seu direito de propriedade sobre os prédios identificados no ponto 1º dos factos apurados naquela sentença condenatória, em consequência da ocupação ilícita pela apelada das parcelas de terreno que integram esses seus prédios (danos estes já, em definitivo, demonstrados nessa sentença), cujo caso julgado não pode ser inutilizado, não pode ser destruído, pelo trânsito em julgado de decisões que venham a ser proferidas em ações judiciais instauradas após esse trânsito. As preocupações colocadas ao nível da eventual dupla indemnização do apelante-marido colocam-se ao nível do pagamento da indemnização e não do presente incidente de liquidação. Assente nestas premissas, que incumbe ao tribunal a quo e às partes ponderarem com vista a evitar mais incidentes, urge verificar se o tribunal a quo ao proferir o despacho saneador recorrido, em que julgou inepto o requerimento inicial apresentado pelos apelantes, absolvendo a apelada da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a), c) e d) do petitório, proferiu ou não uma decisão-surpresa. Como bem realçam os apelantes, tendo os mesmos apresentado o requerimento inicial de fls. 5 a 8, em que liquidam a indemnização nos termos já atrás enunciados, o tribunal a quo não rejeitou esse requerimento inicial, mas antes admitiu liminarmente o mesmo (cfr. fls. 30). Note-se que caso aquele requerimento inicial fosse inepto, designadamente por falta de causa de pedir em relação aos pedidos formulados em a), c) e/ou d) do petitório, nos termos do disposto nos arts. 186º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 590º, n.º 1 do CPC, o tribunal podia e devia ter rejeitado liminarmente o mesmo. No entanto, como referido, o tribunal a quo recebeu liminarmente o incidente de liquidação. Fê-lo, antecipe-se, desde já, não obstante, na nossa perspetiva, existir fundamento legal para indeferir liminarmente aquele requerimento inicial em relação à Autora Maria, por ausência de título executivo, já que conforme decorre da sentença condenatória proferida a fls. 574 a 599, dada à liquidação, nela nenhum direito se reconheceu àquela apelante-mulher, nomeadamente, qualquer direito de propriedade sobre os prédios cujas parcelas foram ocupadas pela apelada ou direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos pela violação do direito de propriedade – esse direito apenas foi reconhecido ao apelante-marido, Manuel. Mais. O tribunal a quo admitiu liminarmente esse incidente não obstante existir fundamento legal para convidar o apelante-marido a corrigir aquele requerimento inicial, uma vez que, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 359º do CPC., aquele tinha de concluir o requerimento inicial onde procede à liquidação dos prejuízos sofridos com a dedução de pedidos líquidos, isto é, quantia certa em euros, o que não é o caso dos pedidos formulados nas alíneas a), b) e d) do petitório de fls. 7. Na verdade, na alínea a) do petitório, o apelante pede que a indemnização a arbitrar-lhe pela ablação do seu direito de propriedade sobre as parcelas de terreno ilicitamente ocupadas pela apelada, seja fixada em “15% sobre o valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos – Fafe”, quanto o mesmo se encontra, ex lege, obrigado a indicar um valor certo em euros. Na al. b) do petitório, o mesmo apelante pede que aos 61.500,00 euros que aí indica, acresçam “as custas processuais suportadas em todos os processos intentados por este motivo”, quando, mais uma vez, tinha de indicar um valor líquido, certo, em euros. Finalmente, na alínea d) do petitório, o apelante formula um pedido ilíquido, quando, reafirma-se, tinha de indicar um valor líquido, em euros, correspondente à pretensa desvalorização das partes sobrantes. Não obstante as evidentes falhas que aquele requerimento inicial apresentava e que continua a apresentar, o tribunal a quo admitiu-o liminarmente, o que tem implícito um juízo emanado por esse tribunal de que aquele requerimento inicial não padecia, na sua perspetiva, do vício de ineptidão, designadamente, por falta de causa de pedir, posto que, de contrário, certamente que o teria rejeitado liminarmente. Acresce que citada a Ré, esta não arguiu a ineptidão da petição inicial, mas antes suscitou a questão da pendência do processo n.º 252/08.0BERG,UO do TAF de Braga e do processo expropriativo n.º 242/14.1TBFAF, SC, J1, pretendendo que por via da pendência destes processos, não restam quaisquer prejuízos que possam ser indemnizados no presente incidente de liquidação, o que, com o devido respeito, como acima demonstrado, não tem qualquer fundamento legal. Precise-se que nos pontos 16º a 27º da contestação de fls. 36 a 41, a apelada insurge-se quanto ao critério indemnizatório seguido pelos apelantes a propósito do pedido que formulam na al. a) do petitório, sustentando que esse critério “é absurdo” já que o valor das parcelas de terreno que ocupou “não depende, nem esteve alguma vez relacionado com o custo da construção da auto-estrada”, com o que a mesma demonstrou claramente ter interpretado convenientemente o requerimento inicial quanto a esse pedido, incluindo o critério que os apelantes pretendem seja seguido para efeitos de cálculo do valor das parcelas de terreno que aquele ilicitamente ocupou e integrou no domínio público, reputando-o de absurdo. Já nos arts. 21º, 23º, 24º e 25º daquela contestação (fls. 38), a apelada alega factos que indiscutivelmente relevam para efeitos de liquidação desta indemnização e porque impugnados, terão de ser objeto de prova. Enuncie-se que, como dito, saber se no cálculo do valor daquelas parcelas de terreno deverá ser seguido o critério propugnado pelo apelante – 15% do valor do troço da A7 que indica -, ou os critérios fixados no CE ou outro critério qualquer é questão de mérito. Já nos arts. 28º a 32º da mesma contestação (fls. 38 verso), a apelada impugna que as parcelas sobrantes dos prédios cujas parcelas ocupou tenham sofrido qualquer desvalorização, demonstrando, com esta sua alegação, ter igualmente interpretado cabalmente o requerimento inicial quanto ao pedido nele formulado na al. d) do petitório – apesar de nele o apelante ter formulado um pedido ilíquido. Nos arts. 33º a 34º da contestação (fls. 38 verso e 39), a apelada impugna o pedido formulado pelo apelante sob a al. b) do petitório e, inclusivamente, sustenta que os honorários terão de ser equacionados nos respetivos processos, entrando em custas de parte – questão de mérito -, denotando, no entanto, ao assim proceder ter também interpretado convenientemente o requerimento inicial quanto a esse pedido. Finalmente, nos arts. 36º a 49º da contestação (fls. 39 a 40), aquela apelante impugna a matéria alegada pelos apelantes em sede de danos não patrimoniais, sustentando que os incómodos e contrariedades que alegam não justificam a indemnização (mais uma vez, questão de mérito), demonstrando claramente ter igualmente interpretado cabal e convenientemente o requerimento inicial quanto ao pedido formulado pelos apelantes sob a al. c) do petitório. Mais. Analisados os autos verificamos que nunca nenhuma das partes, sequer o tribunal a quo suscitou, em algum momento, a questão da ineptidão do requerimento inicial com fundamento em falta de causa de pedir ou em qualquer um dos restantes fundamentos enunciados no n.º 2 do art. 186º do CPC, determinativos de ineptidão. O tribunal a quo, inclusivamente, por despacho proferido a fls.161 a 163, entretanto revogado, determinou a suspensão da instância do presente incidente de liquidação até à decisão a proferir no Proc. 242/14.1TBFAF, invocando como fundamento dessa sua decisão razões de economia processual, bem como de salvaguarda da coerência de julgados, o que tem implícito para qualquer observador externo que se deparasse com semelhante decisão que esse tribunal considerava que o requerimento inicial não padecia do vício da ineptidão, uma vez que determinando esta a nulidade de todo o processado (art. 186º, n.º 1 do CPC), sob pena de estar a praticar um ato inútil e gravemente atentatório da celeridade processual, não faria sentido ter aquele tribunal estar a determinar aquela suspensão da instância para, posteriormente, terminada essa suspensão da instância, declarar a ineptidão do requerimento inicial, com a consequente anulação de todo o processado e a absolvição da Ré/apelada da instância. Acresce que interposto recurso dessa decisão em que o tribunal a quo determinou a enunciada suspensão da instância, mais uma vez, em sede de recurso, nem as partes, sequer o Tribunal da Relação suscitaram a questão da ineptidão do requerimento inicial. Acresce que já depois daquele recurso, em que foi revogado o despacho que determinou a suspensão da instância do presente incidente de liquidação e, em consequência, se determinou que esse incidente prosseguisse os seus legais termos, o tribunal a quo proferiu o despacho de fls. 232, em que ordena a notificação das partes para, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, se pronunciarem, querendo, quanto à eventual inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento dos danos relativos à área de que a Ré se serviu ilegalmente e da desvalorização das parcelas sobrantes, argumentando estar em curso o competente processo expropriativo com vista à fixação da justa indemnização pela expropriação das parcelas de terreno e, por outro lado, quanto aos demais danos alegados – encargos com demandas judiciais, danos morais e lucros cessantes, por se lhe afigurar que tais pedidos são manifestamente improcedentes, “por não ser a Ré responsável pelos mesmos”. Acontece que, mais uma vez, este despacho tem implícito que, na perspetiva do tribunal a quo, o requerimento inicial não era inepto, uma vez que determinando esse vício a nulidade de todo o processado, não faria sentido estar aquele tribunal a notificar as partes para se pronunciarem quanto à eventual inutilidade superveniente do incidente de liquidação quanto a parte dos pedidos nele formulados pelos apelantes e a manifesta improcedência dos restantes pedidos aí deduzidos, quando era nulo todo o processado. Destarte, não obstante o tribunal a quo ter recebido liminarmente o incidente de liquidação, da apelada não ter suscitado a exceção dilatória da ineptidão do requerimento inicial, de ter existido recurso onde nenhuma das partes, sequer o Tribunal da Relação, tenha suscitado a exceção dilatória da ineptidão do requerimento inicial e daquele tribunal a quo ter, inclusivamente, proferido decisões que faziam legitimamente aos apelantes (e à apelada) acreditar que aquele requerimento inicial não era inepto, e sem que, inclusivamente, tivesse convocado as partes para audiência prévia, apesar de se propor suscitar ex officio e conhecer da exceção da ineptidão daquele requerimento inicial, com fundamento em pretensa falta de causa de pedir e, como tal, nos termos do disposto nos arts. 591º, n.º 1, al. b), 592º, n.º 1, al. b) a contrario e 593º, n.º 1, aplicáveis ex vi art. 360º, n.º 3, todos do CPC, a convocação da audiência prévia ser obrigatória, esse tribunal proferiu o despacho saneador recorrido, em que suscitou e conheceu ex officio da exceção da ineptidão do requerimento inicial, por falta de causa de pedir, julgando-a procedente e absolvendo o apelado da instância no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório. Ao assim proceder, é indiscutível que o tribunal a quo conheceu de questão que nunca tinha sido suscitada por nenhuma das partes e que, inclusivamente, vai ao arrepio daquelas que tinham sido as suas anteriores decisões, recebendo, como referido, liminarmente o requerimento de liquidação inicial, suspendendo a instância e, inclusivamente, notificando as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à eventual inutilidade superveniente da lide quanto a parte dos pedidos formulados pelos apelantes em sede de incidente de liquidação e, bem assim para a eventual manifesta improcedência dos restantes pedidos por eles aduzidos, pelo que é apodíctico que aquela decisão configura uma indiscutível decisão-surpresa e como tal nula. Acresce que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não tendo a apelada suscitado, em sede de contestação, a ineptidão do requerimento inicial e tendo antes, como dito, demonstrado ter interpretado convenientemente aquele requerimento inicial quanto aos diversos pedidos nele formulados pelos apelantes, estava vedado ao tribunal declarar a ineptidão daquele requerimento inicial com fundamento em falta de causa de pedir, por força do disposto no n.º 3 do art. 186º do CPC. Acresce dizer que sendo a causa de pedir integrada pelos objetos compreendidos na universalidade, com as pertinentes referências identificativas, ou pela afirmação dos elementos do dano ou prejuízo reparável do facto ilícito (19), tendo apenas o apelante-marido de alegar, em sede de requerimento inicial do incidente de liquidação, a matéria factual necessária à determinação do montante dos efetivos e concretos prejuízos que sofreu em consequência da violação do seu direito de propriedade pela apelada, na nossa perspetiva, não fora o impedimento decorrente do citado art. 186º, n.º 3 do CPC, que impedia que o tribunal a quo declarasse já a ineptidão do requerimento inicial por falta de causa de pedir, sempre esse vício não se afirma. É que, contrariamente ao que sustenta o tribunal a quo, embora se reconheça que existam imprecisões na alegação factual feita pelos apelantes em sede de requerimento inicial de liquidação, não podemos concordar que, nesse requerimento, não venham alegados factos, mas meras conclusões. Na verdade, nos arts. 5º a 14º do requerimento inicial, não ocorre qualquer inconcretização da matéria alegada no que respeita ao valor das parcelas de terreno ocupada ilicitamente pela apelada. O que acontece é que os apelantes pretendem que o valor do terreno que integra essas parcelas de terreno, propriedade do apelante marido, e que a apelada ilicitamente ocupou, integrando-as no domínio público, ascende a 15% do valor do custo global médio da construção da auto-estrada no troço Guimarães – Fafe, sublanço Calvos-Fafe. Trata-se do critério que, na perspetiva dos apelantes, deverá ser seguido para efeitos de determinação do valor da indemnização dessas parcelas de terreno ocupadas ilicitamente pela apelada. Como referido, o tribunal poderá considerar que o valor do preço do terreno respeitante a essas parcelas de terreno ocupadas ilicitamente pela apelada deverá ser determinado de acordo com aquele critério propugnado pelos apelantes, por referência aos critérios fixados no CE ou por referência a outros critérios, por se lhe afiguraram serem mais justos e razoáveis para a determinação desse valor. Esta questão contende, no entanto, com o mérito do presente incidente de liquidação e não com a exceção dilatória da ineptidão do requerimento inicial. Relembra-se que o cálculo desse valor carece de ser feito por referência à data de 06/05/2003 e que nos arts. 21º (saber se aquele terreno, em 06/05/2003, encontrava-se classificado no PDM de Fafe como RAN e REN), 23º (saber se a parcela n.º 156, se localiza numa zona rural, junto a uma linha de água), 24º (saber se essa parcela n.º 156 se localiza em leito de cheias, estando sujeita a inundações no período de inverno) e 25º (saber se as parcelas de terreno ocupadas pela apelada eram em 06/05/2003, terreno declivoso, inundável e pedregoso) da contestação, a apelada, alega matéria, que estando impugnada, importa apurar, já que é indubitável que a mesma releva para efeitos da fixação do valor daquelas parcelas de terreno ocupadas pela apelada. Relembra-se que sobre o tribunal a quo impende o ónus de completar a prova que venha a ser produzida pelos litigantes quando esta se mostrar insuficiente para fixar a indemnização devida, sendo eventualmente conveniente que esse tribunal, na perícia que vem requerida pelo apelante e que eventualmente venha a determinar, formule quesitos por forma a abranger as várias soluções plausíveis de direito na fixação dessa indemnização correspondente ao valor das parcelas de terreno ocupadas pela apelada. Quanto aos danos não patrimoniais que vêm alegados pelos apelantes (o tribunal a quo deverá verificar se existe título quanto à apelante-mulher, após notificação das partes, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 3 do CPC, para se pronunciarem, querendo, quanto a essa questão), estes alegam que se “incomodaram muito”. Contrariamente ao propugnado pelo tribunal a quo, essa alegação configura facto e não mera conclusão. Já saber-se se essa matéria, caso venha a quedar-se como provada, é suficiente ou não para ancorar a compensação de mil euros que o apelante pretende que lhe seja arbitrada à luz do disposto no n.º 1 do art. 496º do CC, é questão de mérito. Os vícios que detetamos ao nível da matéria fática alegada pelos apelantes coloca-se em relação aos factos alegados nos arts. 16º a 18º e 29º a 30º do requerimento inicial. Trata-se, no entanto, de meras imprecisões na exposição dessa matéria fática, que cumpre ao tribunal a quo, em sede de despacho pré-saneador, nos termos do art. 590º, n.ºs 2, al. b) e 4 do CPC, convidar o apelante-marido a suprir, mediante a alegação de factos concretos sobre as características, dimensão e valor dessas parcelas sobrantes de que é proprietário e que alegadamente terão ficado desvalorizadas. O porquê de alegar que essas parcelas sobrante ficaram “definitivamente condicionadas” e “nunca mais têm qualquer possibilidade de valorização”, alegando, designadamente, o que nelas existia e o que nelas passou a existir na sequência da ocupação parcial dos prédios pela apelada, tudo por forma a sustentar/chegar ao valor líquido que lhe incumbe formular em sede do pedido que formula sob a al. d) do petitório. Ainda em sede de pré-saneador impõe-se que o tribunal a quo convide o apelante-marido a indicar o concreto valor, em euros, a que ascende a pretensa desvalorização dessas partes sobrantes. Resulta do que se vem dizendo, que porque o despacho-saneador, na parte em que suscitou e conheceu ex officio da exceção da ineptidão do requerimento inicial por alegada falta de causa de pedir e absolveu o Réu (apelado) da instância no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitório de fls.7, consubstancia efetivamente uma decisão-surpresa, procede este fundamento de recurso, impondo-se anular o despacho saneador nesta parte, devendo os autos prosseguirem os seus legais termos quanto a estes pedidos formulados na als. a), c) e d) do petitório, sem prejuízo do tribunal a quo dever: a- notificar as partes para se pronunciarem, querendo, quanto à eventual ilegitimidade ativa da apelante Maria, para a presente liquidação, por ausência de título executivo, já que a sentença condenatória proferida em sede de ação declarativa, nenhum direito de propriedade lhe reconhece, sequer condena a Ré (apelada) a satisfazer-lhe qualquer indemnização; b- convidar o apelante-marido a: b.1- concretizar os pedidos que formula nas alíneas a) e d) do petitório de fls. 7, devendo indicar a quantia certa em euros em que liquida cada um desses pedidos que aduz sob as enunciadas als. a) e d); b.2- concretizar, mediante a alegação de factos concretos, a matéria que alegou nos arts. 16º a 18º e 29º e 30º do requerimento inicial. Perante a procedência da nulidade do despacho saneador acabada de declarar, fica automaticamente prejudicado o conhecimento dos fundamentos recursórios aduzidos pelos apelantes e acima elencados nos pontos 2, 3 e 4, o que se declara. De resto, estando essas questões conexionadas com a apreciação da nulidade do despacho saneador, procedemos à sua abordagem nos termos supra enunciados, pelo que não fora a procedência da nulidade daquele saneador, por consubstanciar uma decisão-surpresa, sempre os enunciados fundamentos de recurso tinham de proceder. B.2- Do erro de direito que afetará o saneador-sentença. Pretendem os apelantes que ao conhecer do pedido que formularam sob a al. b) do petitório, julgando-o manifestamente improcedente, o tribunal a quo incorreu em erro de direito, sustentando não se encontrar apurado nos autos se a apelada pagou as custas de parte nos vários processos que intentaram, designadamente na ação de foro administrativo que culminou com a declaração da nulidade do ato administrativo expropriatório, além de que essa decisão omite as regras do instituto da responsabilidade civil, designadamente o art. 562º do CC, que lhes confere o direito a ser indemnizados por todos os prejuízos sofridos em consequência da conduta ilícita da apelada, ou seja, por todos as despesas forenses suportadas a título de honorários e de custas processuais que tiveram de suportar com os processos que tiveram de instaurar por via daquela conduta, e não apenas a ínfima parte que resulta da aplicação das regras enunciadas no RCP, pretendendo que solução diversa não só viola o disposto nos arts. 562º, 564º e 566º do CC, como o disposto no art. 22º da CRP. Mais sustentam que o pedido de pagamento das quantias devidas a título de honorários que formularam no requerimento inicial, abrange não apenas os honorários respeitantes ao processo declarativo que visava a reivindicação dos bens ocupados, mas também os honorários respeitantes ao processo administrativo de declaração de nulidade da d.u.p. e que o tribunal a quo nem sequer teve o cuidado de apreciar se, nesse processo administrativo, tinha sido liquidado ou não quaisquer quantias a título de ressarcimento de honorários e/ou procuradoria e, em caso afirmativo, em que moldes e, bem assim que as notas de custas de parte que apresentaram nesse processo não abrangem os honorários ou a procuradoria que se mostra devida em virtude da procedência de tal ação, por lhe ser autónoma. Concluem que a sentença sindicada arredou da fundamentação um conjunto de factos que porque alegados, importava apreciar e não lhes permitiu instruir os autos com os elementos necessários a apurar a inexistência do pagamento dessas quantias, pagamento esse que nem sequer vem alegado pela apelada e que, como é do conhecimento de todos, o não exercício no prazo legal do direito a custas, isto é, a não apresentação no prazo legal da nota discriminativa de custas de parte, não faz precludir o respetivo direito. Enuncie-se que os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes nesta sede são manifestamente improcedente, não tendo aqueles sabido ou querido interpretar conveniente o que a este respeito se escreve no saneador-sentença recorrido. Com efeito, conforme se pondera nessa decisão, o ressarcimento pela parte vencida à parte vencedora das quantias que esta despendeu em honorários e custas tem um mecanismo próprio e específico, que se encontra enunciado nos atuais arts. 25º do RCP e 553º do CPC e que no regime do Código das Custas Judiciais se encontrava previsto no seu art. 33º, n.º 1. Esse regime especial, atento o princípio da especialidade, arreda a aplicação do regime geral da responsabilidade civil em sede de ressarcimento de custas e honorários, pelo que é manifesto que quanto a elas não tem aplicação as regras enunciadas nos arts. 562º e ss. do CC. Assim é que já em 28/03/1930, o STJ lavrou Assento que consta do seguinte teor: “Na indemnização por perdas e danos em que as partes vencidas sejam condenadas não podem ser incluídos os honorários dos advogados das partes vencedoras, salvo estipulação expressa em contrário” (20). Este entendimento manteve-se em vigor no regime do Código das Custas judiciais, cujo art. 33º, n.º 1 estabelecia que as custas de parte compreendiam o que a parte tivesse despendido com o processo a que se referia a condenação e de que tivesse direito a ser compensada em virtude da mesma, aqui se incluindo, designadamente as custas adiantadas, as taxas de justiça pagas, a procuradoria, os preparos para despesas, gastos e remunerações pagas ao solicitador de execução, as despesas por ele efetuadas e os demais encargos da execução (21). Em relação ao referido regime pretérito, o conceito de custas de parte deixou de integrar a procuradoria, mas conforme decorre da al. d), do n.º 2 do art. 533º do CPC e da al. d), do n.º 1 do art. 25º do RCP, passou a envolver os honorários pagos pelas partes vencedoras aos seus mandatários. Deste modo, quer no âmbito do CCJ, quer no do RCP, o pagamento de honorários e das custas suportadas pelos apelantes, tinham de ser reclamados no âmbito dos processos em relação aos quais tiveram aquelas despesas, nos termos e prazos previstos nesses diplomas. Na vigência do RCP, o respetivo art. 25º, n.º 1, fixa em cinco dias após o trânsito em julgado ou da notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora o prazo para a parte que tenha direito a receber custas de parte, para remeter a nota discriminativa e justificativa à parte vencida. Apenas nos casos expressamente previstos na lei, que são: a) a litigância de má-fé e b) da inexigibilidade da obrigação no momento da propositura da ação – art.610º, n.º3 do CPC -, é que é possível à parte vencedora reclamar o pagamento de honorários da parte vencida fora das regras enunciadas no RCP e do anterior CCJ (22). Resulta do que se vem dizendo que se os apelantes não cuidaram em reclamar os honorários e/ou as custas a que fazem referência nos arts. 20º a 23º do requerimento inicial, no processo administrativo que instauraram com vista à anulação da DUP e onde obtiveram vencimento, dentro do prazo legalmente prescrito no RCP (ou do CCJ), o que, contrariamente ao que afirmam, faz precludir o seu direito à restituição dessas quantias, sib imputet, não podendo agora fazê-lo no âmbito dos presentes autos com fundamento nas regras gerais da responsabilidade civil, uma vez que, reafirma-se, essas regras, por força do princípio segundo a qual as normas especiais derrogam as gerais, não têm aplicação quanto a custas e outras despesas judiciais, incluindo honorários, que aqueles suportaram na referida outra ou outras ações que instauraram por via da conduta ilícita da apelada. Ao invés, caso os apelantes tenham reclamado aqueles honorários e custas nos ditos outros processos, incluindo no administrativo, a título de custas de parte, nos termos enunciados no art. 25º do RCP e a apelada nos lhes tenha liquidado essas custas, contrariamente ao que é referido por aqueles, os mesmos dispõem, nos termos do disposto nos arts. 26º, n.º 3, 36º, n.º3 do RCP e art. 607º, n.º 6 do CPC, de título executivo contra a apelada que lhes permite cobrar coercivamente desta o seu crédito a custas de parte. Evidentemente que o regime jurídico especifico que se acaba de enunciar para a cobrança de honorários e de custas despendidas pelos apelantes nas várias ações que intentaram não configura qualquer entorse ao direito constitucionalmente garantido de acesso dos mesmos ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º do CRP, sequer em nada contende como disposto no art. 22º da mesma lei fundamental, uma vez que esses direitos dos apelantes não resultam minimamente beliscados por aquele regime especial, estando, inclusivamente, assegurado aos mesmos o direito a serem ressarcidos pelas despesas que tiveram com a instauração daquelas outras ações contra a apelada, nos termos e limites fixados pelo legislador infraconstitucional no RCP e no CPC, legislador esse que goza de ampla liberdade de conformação dos termos e limites em que essa restituição de despesas, incluindo honorários, será feito pela parte vencida à parte vencedora, sem que se vislumbre a existência de qualquer preceito constitucional que garante que essa restituição terá de ser integral ou que terá de ser feita segundo as regras gerais da responsabilidade civil. Resulta do que se vem dizendo que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando conclui pela manifesta improcedência do pedido formulado pelos apelantes, referente a pagamento de honorários a mandatário e custas processuais e, em consequência, absolveu a apelada do pedido por eles formulados sob a alínea b) do petitório. ** **Decisão: Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência: - revogam o despacho saneador na parte em que julgou inepto o requerimento inicial de liquidação por falta de causa de pedir e, consequentemente, absolveu o Réu da instância, no que concerne aos pedidos formulados em a), c) e d) do petitórios, ordenando o prosseguimento do incidente de liquidação quanto a estes pedidos e sem prejuízo do acima determinado quanto aos mesmos; - no mais, confirmam o saneador-sentença recorrido.*Custas do recurso pelos apelantes e pela apelada na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% para os apelantes e em 75% para a apelada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Notifique.* Guimarães, 19 de abril de 2018 José Alberto Moreira Dias António José Saúde Barroca Penha Eugénia Maria Marinho da Cunha 1. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 379. 2. Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, pág. 24 3. Ac. RC. de 20/09/2016, Proc. 1215/14.0TBPBL-B.C1, in base de dados da DGSI. 4. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, págs. 96 e 97. 5. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, 2006, pág. 82. 6. Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto, “Código de processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 10 7. Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto”, 1996, Almedina, págs. 102 a 103, lendo-se na nota 24 que é “manifestamente desnecessário convidar as partes a pronunciar-se sobre a qualificação dum contrato, integrando a causa de pedir, como compra e venda, se o autor, embora não invocando explicitamente esta qualificação, o descreveu facticamente como tal, em termos inequívocos e não contrariados, de facto nem de direito, pelo réu. Mas já será necessário o convite se o juiz entender que, não obstante as partes, explicita ou implicitamente, terem tomado o contrato como de compra e venda ao longo de todo o processo, a sua qualificação jurídica correta é de empreitada ou de doação; ou ainda se, concordando embora com a qualificação que as partes lhe atribuíram, o juiz se propuser aplicar uma norma jurídica, específica ou genérica, do respetivo regime (por exemplo, o art. 895º CC ou o art. 280-2 cc) que as partes durante o processo não tiveram em conta. A falta deste convite, quando deva ter lugar, gera a nulidade (art. 201). No mesmo sentido, Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed. revista e ampliada, janeiro/2014, Ediforum, pág. 18, onde se lê: “A proibição das decisões-surpresa (art. 3º, 3) constitui uma garantia cuja manifestação predominantemente se situa no âmbito das questões de conhecimento oficioso não levantadas no decurso do processo, das quais o tribunal se propõe conhecer no momento da decisão. Verificando-se em concreto uma situação deste tipo, deve o tribunal criar condições para o exercício do contraditório sobre o ponto em causa, relativamente a ambas as partes, em momento anterior à decisão e seja qual for a fase que o processo esteja a atravessar. Se, p. ex., o tribunal «ad quem» entender que os factos apurados nos autos devem ser submetidos a enquadramento normativo diverso daquele que foi considerado pelas partes e pelo tribunal «a quo», a vinculação do julgador ao contraditório – princípio que «o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo», conforme preceitua o n.º 3 do art. 3º - impõe-lhe que adapte a tramitação do recurso, de maneira a que nela se encaixe a tomada de posição das partes sobre a mudança a efetuar na qualificação jurídica da matéria de facto”. 8. Acs. STJ. de 14/05/2002, Proc. 02A1353; de 24/02/2015, Proc. 116/14.6YLSB, ambos in base de dados da DGSI. 9. Ac. STJ. 27/09/2011, Proc. 2005/03.0TVLSB.L1.S1, in base de dados da DGSI. 10. Ac. RC. de 13/11/2012, Proc. 572/11.4TBCND.C1, in base de dados da DGSI. 11. Acs. STJ. de 13/01/2005, Proc. 04B4031; RP de 18/06/2007, Proc. 0733086, in base de dados da DGSI. 12. Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., Almedina, pág. 296. 13. Ac. STJ. de 23/11/2011, Proc. 397-B/1998.L1.S1, in base de dados, onde se lê: “Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto) o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter a indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano. O que o requerente deverá demonstrar era o montante do efetivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real, que foi a privação do uso por determinado tempo, i.e., por exemplo, se procedeu ao aluguer de um veículo de substituição e qual o respetivo custo, se lançou mão de outro meio de transporte e correspondentes despesas, se, por impossibilidade de utilização da viatura, sofreu perdas e quais, em ordem a preencher, quanto ao cálculo da indemnização concreta devida, a previsão das normas dos arts. 564º, n.º 1 e 566º, n.º 2, ambos do CC. sob pena do tribunal, dispondo apenas dos factos consubstanciadores da existência dos danos, ter de lançar mão do critério subsidiário constante do n.º 3 do art. 566º, ou seja, da equidade, fixando a indemnização dentro dos limites que a factualidade disponível equitativamente o permita”. 14. Ac. STJ de 20/09/2005, Rev. 2003/05, 6ª Secção, in base de dados. 15. Ac. STJ. de 22/06/2006, Ver. 3335/05, 7ª Secção. 16. Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 296. 17. Ac. RG. de 12/02/2015, Proc. 2698/05.4RJVNF-A.G1, in base de dados da DGSI. 18. Neste sentido vide Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 304. No mesmo sentido Ac. R.L. de 15/04/2015, Proc. 30324/11.5T2SNT.L1-4, in base de dados da DGSI. 19. Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 298. 20. Acórdãos Doutrinais do STJ, vol. XXVIII, pág. 74. 21. Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 2012, 4ª ed., Almedina, pág. 385. 22. Neste sentido vide Acs. STJ de 15/06/1993, BMJ n.º 428, págs. 530 a 539; de 27/05/2003, Proc. 03B1326; de 02/07/2009, Proc. 5262/05.4TVLSB.S1; RL. 20/03/2012, Proc. 43/2001.L1-7; de 09/10/2012, Proc. 2929/08.9TVLSB.L2-7, estes in base de dados da DGSI.