Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ALCIDES RODRIGUES
Descritores
COMPRA E VENDA PARA CONSUMO REGIME APLICÁVEL DEFEITOS DA COISA VENDIDA DIFICULDADES DE PROVA FAVORECIMENTO DO CONSUMIDOR (PRESUNÇÕES) REPARTIÇÃO DO ÓNUS (DE ALEGAÇÃO E) DA PROVA
No do documento
RG
Data do Acordão
01/17/2019
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
I – Ao contrato de compra e venda para consumo aplica-se, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05, que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio» (art. 1º deste Dec. Lei). II – Considerando a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo (dentro de 2 ou 5 anos, a contar da entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente), a lei favorece o consumidor, determinando que a falta de conformidade verificada dentro dos referidos prazos faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (art. 3º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003). III – Nesse pressuposto, ao consumidor basta fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa (da falta de conformidade), sem necessidade de (alegar e) provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. IV – Uma vez provado o facto que dê origem à presunção de desconformidade, terá o vendedor o ónus de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador (designadamente por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado), a terceiro ou devida a caso fortuito. V – Apurando-se que a causa da avaria se deveu a falta de cuidado do comprador/consumidor na manutenção do veículo, é de considerar afastada a presunção da falta de conformidade à data da entrega ou que se revelou posteriormente, pelo que não lhe assiste qualquer direito, nomeadamente reparatório e/ou indemnizatório.
Decisão integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório 

R. M. (autor e aqui apelante) intentou, no Juízo Local Cível de Braga - Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J. V.- Comércio de Automóveis, Lda e X Seguros Gerais, SA, peticionando:

 a) A condenação do Stand vendedor a assumir a garantia da viatura pelo período de 2 anos após a venda. 
c) A condenação das Rés a reparar/pagar a reparação do referido veículo ou substituir a viatura se não for possível a reparação (artigo 921º do Código Civil). 
d) A condenação dos RR. suportar todas as despesas supra referidas, pois a Apólice (Boletim de Adesão nº ... RD – X ...) não exclui nem limita as obrigações legais do vendedor do veículo, de acordo com o disposto no regime jurídico que regula as Garantias na Venda de Bens de Consumo, nem qualquer outra que a substitua, amplie ou modifique. 
e) A condenação das RR. a pagar solidariamente: 

1. A quantia de €1.891,39, acrescido de IVA, a título de reparação referente ao sobreaquecimento do motor. 
2. A quantia de €531,27 a título de reembolso do valor pago em virtude de ter suportado o prémio do seguro do veículo não usufruindo do mesmo por culpa dos RR. 
3. A quantia de €1.770,00 a título de danos de privação de uso até à presente data, acrescido da quantia de 30,00€ diários até que seja entregue pelo reparador ao A. a viatura em crise nos autos.

Para sustentar tais pretensões alegou, em resumo, que adquiriu à 1ª R. um veículo automóvel usado, o qual apresentou defeitos, com o que sofreu danos. 

Mais alegou que o bom funcionamento do veículo era garantido por seguro celebrado pela 1ª R. junto da 2ª, a qual, de resto, tratou directamente com a oficina onde o veículo esteve a reparar, tendo-se recusado, após duas intervenções, a custear a 3ª intervenção. *Regularmente citados, as Réus apresentaram contestação, nas quais se defenderam por excepção e impugnação, pugnando pela total improcedência da acção (cfr. fls. 52 a 65 e 93 a 96).

A 1ª R. excepcionou a incompetência territorial da Secção de Competência Genérica de Baião do Tribuna da Comarca de Porto Este e impugnou ter o veículo defeitos à data da entrega do mesmo ao A., imputando ao A. a falta de cuidado no uso do veículo que terá gerado a avaria.

A 2ª R. excepcionou a respectiva ilegitimidade por não ter sido celebrado consigo o contrato de seguro, identificando a entidade seguradora correcta, cuja intervenção principal requereu. *Após observância do contraditório quanto à excepção de incompetência territorial, foi proferido decisão julgando verificada a excepção de incompetência territorial da secção genérica de Baião e, em consequência, foi determinada a remessa dos autos à instância local de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (cfr. fls. 108, 112 a 114)*Após remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente foi proferido despacho a admitir a intervenção principal da X Asistencia – Compañia Internacional de Seguros Y ..., SA (cfr. fls. 124).*Regularmente citada, a interveniente ofereceu contestação, na qual excepcionou a ineptidão da petição inicial, por serem formulados pedidos incompatíveis e obscuros; invocou ainda a falta de responsabilidade da interveniente a título principal, por via da natureza do seguro em causa, excepcionou a falta de cobertura do seguro e impugnou os danos alegados pelo A. (cfr. fls. 126 a 153).*O A. apresentou resposta, esclarecendo serem os pedidos alternativos e, assim, todos compatíveis entre si (cfr. fls. 188 e 189). *Realizou-se audiência prévia (cfr. fls. 197 a 200), na qual o A. desistiu do pedido relativamente à R. X Seguros Gerais, SA, foi proferida sentença homologatória dessa desistência.
Mais desistiu o A. dos pedidos formulados nas alíneas b) e e), nº 3, contra a R.. 
O A. foi convidado a apresentar articulado aperfeiçoado, de acordo com as alterações feitas ao pedido. 
Acordaram as partes, nessa audiência prévia, ser a interveniente parte legítima.
Proferiu-se, de seguida, despacho saneador, afirmando-se a validade e regularidade da instância, fixou-se o objecto da causa e os temas da prova, sem que houvesse sido apresentada reclamação.  *Após agendamento da audiência de discussão e julgamento, veio o A. apresentar articulado aperfeiçoado e, após, juntar cópia da factura atinente à reparação do veículo (cfr. fls. 207 a 221).*Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 262 e 263). *Posteriormente, a Mm.ª Julgadora a quo proferiu sentença (cfr. fls. 264 a 270), nos termos da qual, julgando a ação totalmente improcedente, absolveu a R. e a Interveniente dos pedidos contra si formulados.*Inconformado, o autor R. M. interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 280 a 298) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): 

«1. O Tribunal a quo contra o que seria expectável, atenta a prova produzida, os factos provados e não provados, proferiu uma decisão de todo surpreendente, motivo pelo qual o A. não se conforma com a mesma.
2. Salvo o devido respeito, considera o A./Apelante que os FACTOS PROVADOS sob as alíneas V), W), X) e NÃO FACTOS PROVADOS sob números 1, 2, 3, 4 e 6, foram incorretamente julgados.
3. Da prova produzida, o Tribunal fez erradas conclusões de facto e de direito.
4. O Tribunal a quo limitou-se tão só a “credibilizar” a prova apresentada pelos R. e Interveniente, quando o A. e a testemunha C. P. (com conhecimento direto dos factos) explicaram ao Tribunal de forma clara, concisa e exata o momento em que começaram a sentir que o veículo apresentava problemas e que nunca viram qualquer luz/sinal de alerta de problemas no painel do veículo. Explicaram que o veículo foi utilizado por ambos e em Agosto de 2015 o A. se dirigiu à oficina quando se aperceberam que o volante do veículo tremia.
5. De facto, a motivação e apreciação crítica proferida pelo tribunal a quo apresenta insuficiências, não tendo sido feita uma verdadeira apreciação crítica da prova produzida, o que desde logo enferma toda a motivação apresentada pelo Tribunal a quo e que deverá ser devidamente apreciada por este Tribunal.
6. Atendendo à prova testemunhal deve ter-se em consideração as seguintes passagens - Testemunha C. P. (inquirida em 16/05/2018) conforme consta da ata de audiência de julgamento, cujo depoimento se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal de 00:01 a 11:22 (depoimento que se iniciou às 15 horas 06 minutos e 18 segundos e terminou às 16 horas 17 minutos e 41 segundos): 00:02:53 a 00:08:58; 00:04:21 a 00:05:04; 00:05:51 a 00:06:10; 00:06:53 a 00:08:07; 00:09:33 a 00:10:14; 00:10:40 a 00:11:18; Autor R. M. (inquirido em 16/05/2018) conforme consta da ata de audiência de julgamento, cujo depoimento se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal de 00:01 a 04:19 (depoimento que se iniciou às 16 horas 21 minutos e 23 segundos e terminou às 16 horas 25 minutos e 43 segundos): 00:00:40 a 00:01:41; 00:03:39 a 00:04:17.
7. O Tribunal ignorou os factos apresentados pelo A., pela testemunha C. P. (pessoas que presenciaram os factos ocorridos, que levaram ao acionamento da garantia), bem como ignorou os documentos juntos e os que foram levados em consideração, deles fez errada interpretação.
8. o tribunal violou o disposto no art. 607.º, 3 e 4, do CPC, pois tal é redundante e abrupta a forma como conclui pela falta de manutenção do veículo (sendo certo que todas as testemunhas referiram que o veículo após apresentar os problemas que apresentava (o A. apercebeu-se que a viatura estava a tremer) – foi levado à oficina, onde permaneceu mais de 3 meses – foi sujeito a reparação, a garantia acionada (sendo as duas primeiras anomalias cobertas pela garantia, com a exclusão da terceira, tendo sido curiosamente alegada falta de manutenção.
9. Mas (interpretando as declarações destas testemunhas, os documentos juntos com a PI e até a motivação de facto apresentada pelo Tribunal, depressa se conclui que o veículo permaneceu na oficina e que a falta de liquido de refrigeração foi a última falha detetada (após várias desmontagens e montagens, sempre dentro da oficina e sem que o A. voltasse a tocar na viatura).
10. Estaria assim o indicador do excesso de temperatura a funcionar corretamente?!
11. Disso não cuidou o Tribunal questionar, apenas decidiu concluir pelo seu bom funcionamento, contudo o A. declarou que “já conduzo, já há muitos anos e sei bem das luzes e recentemente na própria carrinha apareceu-me uma luz vermelha, de imediato parei o carro, esse subaquecimento que é feito aqui, nesta situação diferente disto se continuasse… [impercetível] não eu parei logo e resolvi aquilo sem que o sobreaquecimento. Ou seja, no tempo em que paro o carro, era a minha esposa e a minha esposa andou sempre comigo, quando conduzi o carro, andou sempre comigo que era ao fim-de-semana, nunca acendeu qualquer tipo de luz. Este carro são mais modernos, mas conduzo carros mais antigos e também tem esses alertas, mais rudimentares mas também têm. Ah, agora a questão, a questão foi que aquilo foi-se acentuando e claro eu também por desconhecer o carro e por também às vezes falta de tempo, quando fui à M. C., foi quando eles detectaram isso e depois que entreguei o carro nunca mais toquei no carro”, facto que o tribunal não levou em consideração. Considerando que o A. apenas detetou “tremuras” no carro, que o carro apos as mesmas serem detetadas seguiu para a oficina Opel – M. C.- , que foram detetadas 3 avarias e que 2 foram reparadas pela Ré e apenas a terceira detetada em Novembro (após 3 meses de a viatura estra parada na oficina (cfr. factos provados em d), e), f), i), j) k) m), N).
12. Ora conjugando estes factos provados com as declarações de parte do A., com a testemunha C. P. e com os documentos da M. C. (cfr. doc. 3 da PI – relatório de Intervenção Técnica), muito se estranha a conclusão do Tribunal, que se baseia apenas e só na possibilidade de aviso (luzes de aviso da viatura) da falta de líquido de refrigeração que a viatura emitiria sem considerar todo o sucedido neste período temporal.
13. O tribunal nem sequer pôs a hipótese de esta estar avariada ou não ter dado o sinal – o que se impunha até pelo facto de a viatura se encontrar na oficina onde foi desmontada e reparada por diversas vezes.
14. De facto do doc. 3 da PI (elaborado pela concessionária Opel – oficina da marca), consta que :“Após diagnóstico e os vários ensaios realizados, foram verificadas anomalias ao nível da transmissão direita, volante do motor e junta da cabeça do motor. Após desmontagem de componentes, verificou-se que a transmissão direita apresentava dano interno no conjunto cardan/cruzeta intermédia passível de provocar o sintoma. Após a reparação e ao verificar que existiu alteração ao nível do ruido e vibração nas condições de utilização nomeadamente rotação e carga do motor, mas mantendo uma vibração normal ao funcionamento, experimentamos componentes da transmissão e suspensão de uma viatura equivalente despistando a possibilidade de intervenção ineficaz à transmissão. Face aos sintomas, e à intervenção já realizada, suspeitamos de  anomalia no volante do motor (bimassa), dando seguimento à desmontagem caixa de velocidades e respetivo volante do motor. Após desmontagem deste verifica-se folga anormal entre os componentes do volante do motor, com perda visível do lubrificante do amortecimento, sintomas esses que validam a suspeita, diagnóstico e respetiva substituição do componente. Após experiência em estrada, verifica-se que a intervenção no volante do motor não eliminou a vibração sentida nas condições. Face a isto, damos início a um conjunto de procedimentos de verificação do motor, nomeadamente verificação da distribuição e controle do ponto do motor, controle de pressões e débitos do sistema de alimentação diesel, programação do sistema de injeção do combustível, finalmente teste de pressão da compressão do motor. Após a execução dos procedimentos referidos, concluímos que existe falha de compressão no terceiro e quarto cilindro e dando seguimento à desmontagem da cabeça do motor, verifica-se ruptura da junta de cabeça na zona de vedação entre o terceiro e quarto cilindro, fazendo com que exista perda de pressão e compressão entre ambos. “
15. No mesmo documento consta a reparação a que foi sujeito e efetuada pelo concessionário OPEL: “Após a substituição da transmissão direita e volante do motor, para reparação da anomalia verificada ao nível da junta da cabeça do motor, é necessário a substituição da respetiva junta, com a consequente retificação da face da cabeça do motor, despolimento dos cilindros, substituição de juntas, parafusos, vedantes fluidos de arrefecimento e lubrificação e outros materiais de vedação cuja desmontagem não permite a reutilização dos mesmos.”
16. A título de informação anexa constam fotografias de toda a reparação, que também devem ser alvo de apreciação por este Tribunal.
17. O Tribunal ignorou também o que se encontrava devidamente explicado pela concessionária OPEL (doc. 5 da PI), que após tomar conhecimento das conclusões da X/DK, dirigiu ao A. uma comunicação com o seguinte teor: “(…) Face à questão que nos coloca, esclarecemos que não temos qualquer registo de queixa ou registo de avarias no sistema de arrefecimento do motor (nomeadamente perda de líquidos de arrefecimento), no decurso da manutenção efetuada, desde que a viatura começou a fazer manutenção nas nossas oficinas, mais concretamente desde 2/2015 na altura com 105617 KM.
(…)”.
18. Impõe-se questionar: Se a avaria facilmente detetável e fosse efetivamente a falta do líquido de refrigeração, por que motivo ninguém viu? Nem o A., nem a sua mulher, nem os técnicos da M. C., nem os técnicos da X, e só apenas em outubro de 2015, após a viatura estar parada três meses na oficina (com sucessivas reparações de anomalias), veio a DK detetar que seria a falta de líquido! Também não detetou as luzes de aviso de falta de líquido, que alegadamente determinou o sobreaquecimento e a avaria. Nem a marca aquando da desmontagem e reparação detetou qualquer falha de líquido refrigerador e garantiu (conforme doc. 5 junto com a PI) que o veículo não padecia de tal anomalia, tanto mais que a mesma tinha efetuado a manutenção em fevereiro de 2015 nas suas instalações.
19. Impõe-se dar como não provado os factos vertidos os V), W), X) dos factos provados, e como provados os factos vertidos em 1, 2, 3, 4 e 6 dos factos não provados, porquanto resultam de errada apreciação da prova e falta de conjugação da mesma.
20. Em função da matéria de facto dada como provada e da matéria de facto ora impugnada e pela aplicação correta das normas jurídicas relevantes para o caso, considera o Apelante, com o devido respeito, que a decisão recorrida não faz correta interpretação e aplicação das normas legais aos factos.
21. A celebração de um contrato de compra e venda constitui usualmente uma obrigação da entrega da coisa correspondente às características acordadas ou legitimamente esperadas pelo comprador, ou seja, isenta de vícios ou defeitos (cfr. art.º 913.º do Código Civil).
22. O defeito representa assim um desaprumo da qualidade devida, de cariz percetível, relevante – uma divergência prejudicial face às propriedades comuns da coisa vendida.
23. No regime de proteção do consumidor, erigido pelo DL 67/2003, de 8 de abril, deve o vendedor entregar bens conformes com o acordado, presumindo-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos que o consumidor desconheça ou não possa razoavelmente ignorar:
a. Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b. Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c. Não serem adequados às utilizações dadas aos bens do mesmo tipo;
24. Perante a factualidade demonstrada, sendo o veículo vendido a um particular (A.), no âmbito do exercício profissional do comércio (v. art.º 1.º-A, n.º 1, do diploma), e considerando que houve comunicação da avaria no tempo previsto para o efeito, estando ainda em vigor o conjunto de direitos que este diploma concede aos consumidores, não restam dúvidas que o Réu e Interveniente terão de repor as qualidades inerentes e próprias do bem em causa, um veículo automóvel, procedendo à sua reparação. Nenhum fundamento permite também admitir uma redução dos traços e prazos garantísticos estabelecidos no diploma legal, mormente convencional, sob pena de nulidade, atento o contido no seu art.º 10.º, n.º 1.
25. Se o vendedor garantir ao comprador (mesmo por intermédio de terceiro), por determinado período de tempo, bom funcionamento do veículo vendido, está obrigado a reparar qualquer avaria que, durante esse período, surja nessa máquina, salvo provando que a mesma se ficou a dever a conduta culposa do comprador no uso da mesma (o que não é o caso dos autos, conforme supra se alegou).
26. Ora, denunciada a avaria e exigida a reparação, se o vendedor se recusa a eliminar o vício ou reparar a avaria, o comprador pode pedir-lhe indemnização, incluindo as despesas de reparação do veículo, por incumprimento do contrato.
27. Os defeitos foram denunciados e a ré confessa que o A reclamou da “avaria” junto da ré e exigiu a sua reparação.
28. Por outro lado, é manifesto que a ré e a interveniente se recusaram a eliminar a “avaria” por sua conta (independentemente da causa da anomalia ou de ser ou não responsável pela sua eliminação), recusa ou declinação de responsabilidade por entender que a anomalia provinha do mau uso e falta de conservação da viatura pelo A. (facto infirmado pela reparadora que fez a manutenção prévia da viatura).
29. A presente garantia atribui ao comprador, durante o período estabelecido o direito de exigir ao vendedor a reparação gratuita dos defeitos ou avarias que venham a ser detetados nos órgãos mecânicos pelos quais esta garantia avalia o seu bom funcionamento.
30. Certo é que, dentro do período de garantia, surgiu avaria no motor do veículo, a coberto da garantia dos factos provados.
31. O comprador tem direito a exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela (artigo 914º), à redução do preço ou à anulação do contrato (arts. 905º e 911º) e a indemnização (arts. 908º/911º).
32. Um veículo automóvel destina-se a circular (pelos seus meios), satisfazendo as necessidades de transporte e deslocação (nomeadamente) do seu possuidor, pelo que se não serve a essa finalidade, por força de avaria (correspondente ou decorrente de vício, ainda que oculto, de que o comprador se não apercebeu nem poderia aperceber, usando de diligência normal do homem médio), a coisa, além de ficar desvalorizada, não presta para o fim a que se destina.
33. O bem vendido deve estar conforme com o contrato de compra e venda e não está em conformidade no caso de os bens “não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo” ou “não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem …”.
34. Constatado o vício com essas consequências, como sucede no caso em análise, deve o vendedor reparar a coisa, ou substituí-la se, sendo fungível, não for possível repará-la, deste modo obtendo o comprador o exato cumprimento.
35. Na espécie foi exigida a reparação da avaria pelo A, mas a Ré e Interveniente não o fizeram e recusaram-se a fazê-lo, pelo que incorreriam (na aplicação do regime da venda de coisa defeituosa) no dever de indemnizar aqueles pelos danos decorrentes da omissão do dever de sanar/reparar a avaria e, eventualmente, indemnizar o apelante dos danos por eles sofridos.
36. Impor-se-ia, ainda, convocar a norma do artigo 921º/1 que dispõe “se o vendedor estiver obrigado, por convenção das parte ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador”.
37. No caso, existe tal garantia (além da sua obrigatoriedade legal) e a avaria apareceu dentro do prazo da mesma, pelo que recaía sobre o vendedor (Ré) e Interveniente (apeladas) o dever de repará-la, de modo que fosse alcançado ou reposto o bom funcionamento do veículo, fosse qual fosse a causa da avaria, desde que no âmbito da garantia, detetada no período de garantia.
38. Do regime estabelecido pelos citados diplomas legais (LDC e DL 67/2003, e cujo regime, na diversa previsão, afasta o da venda de coisa defeituosa nos termos dos arts. 913º e seguintes do CC), o comprador/consumidor tem direito a que o vendedor lhe entregue um bem conforme ao contrato, adequado a, além do mais, “às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo”, devendo apresentar “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem”.
39. O bem deve ser idóneo para o fim a que se destina, ter as qualidades que têm os bens idênticos, e deve corresponder às legítimas expectativas do consumidor (frequentemente assentes na publicitação de virtudes e qualidades do bem pelo próprio vendedor). Aparecendo qualquer anomalia, que prejudique a efectiva utilização do bem, que não corresponda às expectativas legítimas do consumidor (tendo presente o bem em causa), e que apareça no período da garantia, é da responsabilidade do vendedor (a não ser que demonstre que avaria ou anomalia se deve a atuação inapropriada do consumidor, ou seja, que não decorre de vício ou defeito, ou menor qualidade, existente na data da entrega do bem), ficando obrigado a reparar a avaria ou a substituir o bem se necessário, tratando-se de coisa fungível.
40. O “vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, presumindo-se que “faltas de conformidade” que se manifestarem dentro do prazo de garantia existiam na data da entrega do bem (artigo 3º do DL 67/2003), sendo certo que, na concreta situação absolutamente nada vem provado que a avaria ocorrida não decorresse de vício/defeito existentes na data da entrega.
41. Como decorre do artigo 4º/1, desse DL, “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. E a reparação deve ser efectuada em prazo razoável (nº 2), sem graves inconvenientes para o comprador.
42. Acrescentando o nº 5 desse artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
43. O que o A quer é ser indemnizado por a ré e interveniente não terem cumprido exatamente as suas obrigações contratuais, antes fornecendo bem defeituoso e não o reparando.
44. Na verdade se a coisa a prestar tem vício que a impede de satisfazer o interesse a que se destina o cumprimento do devedor, o que verdadeiramente existe é um incumprimento ou um cumprimento defeituoso porque a prestação a isso destinada está inquinada ab initio por força do vício da coisa que a contagia.
45. É ainda o cumprimento nos termos devidos o que o A pediu da ré e interveniente (artigo 817º do CC), não em espécie (que, por regra, não existe, fora casos particulares), mas pelo sucedâneo indemnizatório, como normalmente sucede no incumprimento contratual.
46. Pelo que se impõe a revogação da decisão, proferindo outra que altere a matéria de facto e consagre o supra exposto, condenando a Ré e Interveniente tal como consta na petição inicial.
47. A Sentença proferida pelo Tribunal à quo violou, entre outros, os artigos 607.º do CPC, 1.º-A, 3.º, 4.º, 10.º, n.º 1, do DL 67/2003 de 8 de Abril, 817, 905.º, 908, 911.º, 913.º, 914.º, 921.º do CC.

TERMOS EM QUE, DECIDINDO EM CONFORMIDADE, REVOGADO A DECISÃO PROFERIDA, ALTERE A MATÉRIA DE FACTO E PROFERINDO OUTRA QUE CONSAGRE A TESE DO A. FARÃO V. EXAS., VENERANDOS DESEMBARGADORES, A COSTUMADA JUSTIÇA!».*Contra-alegou a interveniente, X Asistencia – Compañia Internacional de Seguros Y ..., SA pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 302 a 311).*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 314).*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:      
 
i) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
ii) – Da apreciação da responsabilidade das rés à luz do regime da venda de bens de consumo estabelecido no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, com as alterações do Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05.*III. Fundamentos

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

a) Em 25.10.2014, o Autor comprou à R. J. V.- Comércio de Automóveis, Lda, veículo da marca Opel, modelo Astra, matrícula ...,de cor cinza, com 97.620 Km e pelo preço de 15.500,00€. (artigo 1. da petição inicial)-- 
b) Nesse mesmo dia, foi entregue ao A. pelo R. J. V.- Comércio de Automóveis, Lda, um boletim de adesão nº... RD – X ..., da companhia da Ré X Seguros Gerais, SA. (artigo 2. da petição inicial)-- 
c) Em data não apurada mas anterior a 1/8/2015 o A. enquanto conduzia reparou que o volante tremia. (artigo 4. da petição inicial)--  
d) O A. deslocou-se a uma oficina reparadora, a 14.08.2015, autorizada pela Opel, designada por M. C. Douro. (artigo 6. da petição inicial)-- 
e) A M. C. Douro contactou a Interveniente com vista à autorização e garantia do pagamento de 3 situações relativamente ao veículo do A.. (artigo 41º da contestação da Interveniente)-- 
f) Relativamente à primeira, e após conversações, a Interveniente comunicou à M. C., no dia 22/9/2015, que iria proceder ao pagamento da quantia de €: 454,59. Relativamente a peças e mão-de-obra, para substituição da junta homocinetica e do veio de transmissão do veículo. (artigos 41º a 48º da contestação da Interveniente)-- 
g) A Interveniente recusou a substituição dos “foles de transmissão” por se tratar de peças sujeitas a um desgaste normal, tendo comunicado tal recusa à oficina por fax de 22/9. (artigo 49º da contestação da Interveniente)-- 
h) A interveniente disponibilizou um veículo de substituição ao A. durante 12 dias. (artigo 51º da contestação da Interveniente)-- 
i) No dia 18 de Setembro de 2015, recebeu a interveniente uma nova comunicação da entidade reparadora (M. C.) informando que, após terem procedido à troca do semi-eixo (novo) na viatura do A., o ruído tinha diminuído consideravelmente mas que se mantinha uma vibração em alguns regimes do motor. (artigo 52º da contestação da Interveniente)-- 
j) Mas informava a referida entidade na mesma comunicação que, após a realização do diagnóstico, haviam concluído que a anomalia em causa se devia a uma folga no volante do motor, tendo informado que necessitava de desmontar a caixa de velocidades para substituir o volante do motor, tendo enviado dois orçamentos para o efeito. (artigo 53º da contestação da Interveniente)-- 
k) No mesmo dia (18.09.15), enviou a Interveniente à M. C. autorização para que procedesse ao diagnóstico da avaria reportada “vibração em alguns regimes de motor”, tendo pedido de imediato orçamento para a peça que iria ser substituída e que era o volante do motor. (artigo 54º da contestação da Interveniente)-- 
l) A interveniente informou a entidade reparadora (M. C.), por comunicação com data de 21 de Setembro de 2016, que seria ela – R. – a fornecer a referida peça, tendo dado autorização de reparação para desmontagem e Montagem do Volante do Motor, informando  ainda que assumiria o custo da mão-de-obra necessária. (artigo 55º da contestação da Interveniente)— 
m) No que diz respeito ao 2.º sinistro, a interveniente autorizou e pagou a substituição do volante do motor do veículo do A. no valor de € 690,71, acrescido de IVA, € 431,77, acrescido de IVA, referente ao valor das peças e € 258,40, acrescido de IVA correspondente à mão de obra, tudo num total de € 1.380,34, acrescido de IVA. E ainda os gastos com o aluguer de um automóvel de substituição para utilização do A. durante um período de 5 dias. (artigos 79º e 81º da contestação da Interveniente)-- 
n) No dia 25 de setembro de 2015, recebe a interveniente da entidade reparadora um email informando que, após ter sido substituído o volante do motor do veículo do A., haviam procedido a um teste de estrada, tendo verificado que se mantinha uma vibração atingidas as 1.500 rotações por minuto. (artigo 56º da contestação da Interveniente)-- 
o) Mais informou a M. C., no mesmo email, ter verificado que, na sequência dos testes realizados à viatura do A., os 3.º e 4.º cilindros estavam com pouca pressão, solicitando autorização da interveniente para desmontar o motor a fim de determinar as causas da avaria. (artigo 57º da contestação da Interveniente)-- 
p) Face a esta comunicação da M. C., solicitou a Interveniente à DK uma peritagem ao veículo do A., a fim de se poder determinar com segurança, por uma entidade especializada nesse tipo de serviços, qual a avaria existente e as respetivas causas. (artigo 58º da contestação da Interveniente)-- 
q) A DK Automotive Solutions dedica-se nomeadamente a peritagens técnicas a automóveis. (artigo 59º da contestação da Interveniente)-- 
r) No dia 28 de setembro de 2015, a DK informou a interveniente de que o pedido de peritagem se encontrava pendente por se estar a aguardar a desmontagem da cabeça do motor do referido veículo com a devida autorização do proprietário. (artigo 60º da contestação da Interveniente)-- 
s) Nesse mesmo dia, a interveniente solicitou à M. C. que procedesse à desmontagem do motor para efeito de realização da peritagem técnica, pela DK, tendo no entanto o cuidado de alertar para que fosse obtida autorização prévia, por escrito, do proprietário do veículo. (artigo 61º da contestação da Interveniente)-- 
t) Mais informou a interveniente, na referida comunicação que o proprietário do veículo devia ser informado de que, no caso de se vir a concluir que a avaria não se encontrava coberta pelo seguro de garantia em causa, as despesas com a desmontagem do motor bem como com a reparação do motor e com o parqueamento do veículo correriam por sua conta. (artigo 62º da contestação da Interveniente)— 
u) No dia 6 de Outubro de 2015, a interveniente recebeu da M. C. o orçamento de reparação do veículo do A., tendo também recebido, nesse mesmo dia, o Relatório de Peritagem Técnica da DK. (artigo 63º da contestação da Interveniente)— 
v) As avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor. (artigo 64º da contestação da Interveniente)-- 
w) A anomalia podia ter sido evitada através do controlo do sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor. (artigo 65º da contestação da Interveniente)— 
x) A viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema, e com indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que ambos foram testados e verificou-se que se encontravam a funcionar. (artigo 65º da contestação da Interveniente)-- 
y) A interveniente informou a oficina de que não iria proceder ao pagamento do valor orçamentado e referido em u), alegando que as avarias observadas tinham resultado de um sobreaquecimento do motor, em data anterior não identificada, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração. (artigos 18. e 19. da petição inicial)-- 
z) O sucedido foi denunciado ao stand vendedor em 09.10.2015, sendo que foi respondido ao A. que eram assuntos que tinha que tratar directamente com a garantia. (artigo 25. da petição inicial)-- 
aa) Todos os contactos, relativamente às avarias registadas foram estabelecidos entre a seguradora X Seguros Gerais, SA e a oficina M. C.. (artigo 30. da petição inicial)-- 
ab) O A. ordenou a reparação referida em u) suportando o pagamento da mesma, no valor de €: 2323,72 (artigo 35. da petição inicial e requerimento de 18/1)--  
ac) Entre Outubro de 2014 e Fevereiro de 2015 o veículo percorreu cerca de 8.000 Km, apresentando, em 7/2/2015, 105617 km percorridos e, em 11/8/2015, 117701 km percorridos (artigo 13. da contestação da R. J. V., Lda)-- 
ad) A 1.ª R. celebrou com a ora R. um Contrato de Seguro Complementar de Perdas Pecuniárias de Garantia por Avaria Mecânica com o n.º ... RD, para aquele veículo vendido ao A., nos termos e condições do documento junto à contestação como doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 14º da contestação da Interveniente)-- 
ae) Este contrato de seguro iniciou a sua vigência no dia 25 de outubro de 2014 tendo cessado a mesma, por caducidade, às 0 horas do dia 24 de outubro de 2015. (artigo 15º da contestação da Interveniente)-- 
af) O referido seguro tem a 1.ª R. como o Tomador do Seguro, Segurado e seu beneficiário. (artigo 16º da contestação da Interveniente)-- 
ag) Nos termos do referido contrato estipula-se que tomador do seguro e segurado são os profissionais ou entidades vendedoras de veículos automóveis usados que, conjuntamente com o Segurador, subscrevam o Contrato de Seguro e ao qual correspondem as obrigações que do mesmo derivam. (artigo 18º da contestação da Interveniente)-- 
ah) E que o montante total dos gastos cobertos durante todo o período de vigência da garantia objecto do presente contrato não poderá ultrapassar, em caso algum, o menor dos seguintes valores: a) O preço de venda faturado pelo vendedor do veículo; b) O valor venal do veículo no momento imediatamente anterior à ocorrência da avaria. (artigo 38º da contestação da Interveniente)- 
ai) Está prevista contratualmente uma taxa de depreciação do valor das peças e que impõe a aplicação de uma depreciação de 1% por cada mês de antiguidade das peças substituídas, desde que se conclua que tais peças estão cobertas pelo contrato de seguro. (artigo 39º da contestação da Interveniente)-- 
aj) A antiguidade conta-se a partir da data de emissão da primeira matrícula do veículo, nos termos definidos na apólice. (artigo 40º da contestação da Interveniente)-- 
ak) O líquido de refrigeração ou anticongelante não está coberto pelo contrato de seguro de garantia em apreço. (artigo 68º da contestação da Interveniente)-- 
al) Nos termos do seguro contratado estão excluídas as avarias resultantes de se ter continuado a circulação quando os indicadores assinalem falhas no funcionamento dos  sistemas ou seja notório um funcionamento anormal do veículo”. (artigo 76º da contestação da Interveniente)-- 
am) Nos termos do n.º 9 da rubrica “Exclusões Específicas” estão excluídas as avarias resultantes de negligência ou má utilização do veículo, como, por exemplo, (…) a não verificação periódica do nível do líquido de refrigeração”. (artigo 77º da contestação da Interveniente)-- 
an) Foi a 1.ª R. quem pagou o prémio do seguro. (artigo 88º da contestação da Interveniente)— 
ao) O A. pagou em 2014 e por referência ao período de 25/10/2014 a 24/10/2014, de seguro automóvel relativo ao veículo dos autos à Seguradora A, SA, a quantia de 531,27€.(artigo 102. da petição inicial)— *B) E deu como não provados: 

1) O A. e a 1ª R. acordaram que esta fornecia uma garantia de 2 anos. (artigo 3. da petição inicial)-- 
2) O A. detectou o problema no início do mês de Agosto 2015 o qual aparecia quando o veículo se encontrava em aceleração até às 2000 rpm, desaparecendo a vibração de seguida. (artigo 4. da petição inicial)-- 
3) Após o referido em n) a oficina garantiu ao A. que a 01.10.2015 o veículo estaria pronto. (artigo 14. da petição inicial)-- 
4) Nesse mesmo dia a oficina informou o A. que tinham montado o volante do motor, e contra todas as expectativas, ao testarem o veículo, verificaram que as anomalias estavam atenuadas, mas não dissipadas. (artigo 15. da petição inicial)-- 
5) O A. questionou a oficina do motivo desta situação, sendo-lhe respondido, que pelo diagnóstico, poderiam ser dos cilindros, mas que tinham de informar a X dos novos factos, para que a mesma fizesse deslocar um perito especializado. (artigo 16. da petição inicial)-- 
6) O perito contratado pela Interveniente concluiu haver uma anomalia do motor. (artigo 17. da petição inicial)-- 
7) O prazo de garantia foi reduzido a 1 ano por mútuo acordo. (artigo 39. da contestação da R. J. V., Lda)—*IV. Do objecto do recurso.        
 
1. Da impugnação da matéria de facto.

1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada (da modificação dos factos provados para não provados e destes para provados), como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º.  

Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.*1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». 

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros(1):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; 
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; 
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão. 
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” (2). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança” (3). *1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o recorrente pretende:

i) - A alteração da resposta positiva para negativa das alíneas v), w) e x) da matéria de facto provada da decisão recorrida.
ii) - A alteração da resposta negativa para positiva dos pontos 1, 2, 3, 4 e 6 da matéria de facto não provada da decisão recorrida.

Os referidos pontos fácticos objecto de impugnação têm o seguinte teor:

«v) As avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor. (artigo 64º da contestação da Interveniente). 
w) A anomalia podia ter sido evitada através do controlo do sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor. (artigo 65º da contestação da Interveniente). 
x) A viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema, e com indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que ambos foram testados e verificou-se que se encontravam a funcionar. (artigo 65º da contestação da Interveniente)».
«1) O A. e a 1ª R. acordaram que esta fornecia uma garantia de 2 anos. (artigo 3. da petição inicial).
2) O A. detectou o problema no início do mês de Agosto 2015 o qual aparecia quando o veículo se encontrava em aceleração até às 2000 rpm, desaparecendo a vibração de seguida. (artigo 4. da petição inicial).
3) Após o referido em n) a oficina garantiu ao A. que a 01.10.2015 o veículo estaria pronto. (artigo 14. da petição inicial).
4) Nesse mesmo dia a oficina informou o A. que tinham montado o volante do motor, e contra todas as expectativas, ao testarem o veículo, verificaram que as anomalias estavam atenuadas, mas não dissipadas. (artigo 15. da petição inicial)».
«6) O perito contratado pela Interveniente concluiu haver uma anomalia do motor. (artigo 17. da petição inicial)».
Com vista a suportar a sua pretensão impugnatória sobre a decisão da matéria de facto diz o recorrente que, «atendendo à prova produzida em audiência de julgamento, designadamente no que diz respeito à prova testemunhal e documental, poder-se-á dizer que a motivação e apreciação crítica proferida pelo tribunal a quo apresenta insuficiências, não tendo sido feita uma verdadeira apreciação crítica da prova produzida, o que desde logo enferma toda a motivação apresentada pelo Tribunal a quo e que deverá ser devidamente apreciada por este Tribunal».

Conquanto faça alusão a toda a prova testemunhal produzida, certo é que como concreto fundamento da impugnação da matéria de facto, por referência àquele específico meio de prova, o recorrente apenas invoca em abono da sua pretensão o depoimento da testemunha C. P., sua mulher.
Mais invoca as sua próprias declarações de parte e os documentos 3 e 5 juntos com a petição inicial.

Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pelo apelante e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados.

Antes, porém, de iniciarmos essa análise importa deixar assinalado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação de todos os depoimentos testemunhais produzidos na audiência de julgamento, não nos tendo restringido aos trechos parcelares (do único depoimento testemunhal) assinalados pelo apelante; igualmente procedemos à audição integral do depoimento de parte do legal representante da 1ª Ré, J. V., e das declarações de parte do autor.  

E, no caso vertente, após a audição integral dos depoimentos prestados (declarações de parte, depoimento de parte e testemunhas) e análise de toda a prova documental produzida, desde já podemos adiantar ser de sufragar na íntegra a valoração/apreciação explicitada pelo Tribunal recorrido, o qual – contrariamente ao propugnado pelo recorrente –, em obediência ao estatuído no art. 607º, n.º 4 do CPC, fez uma análise crítica objetiva, articulada e racional da globalidade da prova produzida, que se mostra condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, logrando alcançar nos termos do n.º 5 do citado normativo uma convicção quanto aos factos em discussão que se nos afigura adequada, lógica e plausível, em termos que nos merece total adesão. 

Vejamos. 

< Das alíneas v), w) e x) dos factos provados.

Não oferece controvérsia que, em 25.10.2014, o Autor comprou à R. J. V.- Comércio de Automóveis, Lda, um veículo automóvel da marca Opel, modelo Astra, matrícula ..., de cor cinza, com 97.620 Km (portanto usado), pelo preço de 15.500,00€ (al. a) dos factos provados).
E que, em data concretamente não apurada, mas anterior a 1/08/2015, o A. enquanto conduzia reparou que o volante tremia, pelo que a 14.08.2015 se deslocou a uma oficina reparadora, autorizada pela Opel, designada por M. C. Douro (als. c) e d) dos factos provados).
A M. C. Douro contactou a Interveniente com vista à autorização e garantia do pagamento de três situações relativamente ao dito veículo do A. (al. e) dos factos provados). 
Relativamente à primeira situação, e após conversações, a Interveniente comunicou à M. C., no dia 22/9/2015, que iria proceder ao pagamento da quantia de €: 454,59, relativamente a peças e mão-de-obra, para substituição da junta homocinetica e do veio de transmissão do veículo (al. f) dos factos provados).
No dia 18 de Setembro de 2015, recebeu a interveniente uma nova comunicação da entidade reparadora (M. C.), informando que, após terem procedido à troca do semi-eixo (novo) na viatura do A., o ruído tinha diminuído consideravelmente, mas que se mantinha uma vibração em alguns regimes do motor; na mesma comunicação mais informava a referida entidade que, após a realização do diagnóstico, haviam concluído que a anomalia em causa se devia a uma folga no volante do motor, tendo informado que necessitava de desmontar a caixa de velocidades para substituir o volante do motor, tendo enviado dois orçamentos para o efeito (als. i) e j) dos factos provados). 

No mesmo dia (18.09.15), enviou a Interveniente à M. C. autorização para que procedesse ao diagnóstico da avaria reportada “vibração em alguns regimes de motor”, tendo pedido de imediato orçamento para a peça que iria ser substituída e que era o volante do motor (al. k) dos factos provados). 

A interveniente informou a entidade reparadora (M. C.), por comunicação com data de 21 de Setembro de 2016, que seria ela – R. – a fornecer a referida peça, tendo dado autorização de reparação para desmontagem e Montagem do Volante do Motor, informando ainda que assumiria o custo da mão-de-obra necessária (al. l) dos factos provados).
No que diz respeito ao 2.º sinistro, a interveniente autorizou e pagou a substituição do volante do motor do veículo do A. no valor de € 690,71, acrescido de IVA, € 431,77, acrescido de IVA, referente ao valor das peças e € 258,40, acrescido de IVA correspondente à mão de obra, tudo num total de € 1.380,34, acrescido de IVA, bem como os gastos com o aluguer de um automóvel de substituição para utilização do A. durante um período de 5 dias (al. m) dos factos provados).

No dia 25 de setembro de 2015, a interveniente recebeu da entidade reparadora um email informando que, após ter sido substituído o volante do motor do veículo do A., haviam procedido a um teste de estrada, tendo verificado que se mantinha uma vibração atingidas as 1.500 rotações por minuto; mais informou a M. C., no mesmo email, ter verificado que, na sequência dos testes realizados à viatura do A., os 3.º e 4.º cilindros estavam com pouca pressão, solicitando autorização da interveniente para desmontar o motor a fim de determinar as causas da avaria (als. n) e o) dos factos provados). 

Face a esta comunicação da M. C., solicitou a Interveniente à DK Automotive Solutions – empresa que se dedica nomeadamente a peritagens técnicas a automóveis – uma peritagem ao veículo do A., a fim de se poder determinar com segurança, por uma entidade especializada nesse tipo de serviços, qual a avaria existente e as respetivas causas (als. p) e q) dos factos provados).

A matéria impugnada em apreço diz diretamente respeito ao apuramento da causa e da natureza das avarias reportadas no veículo adquirido pelo autor à 1ª ré e que motivaram o recurso daquele à oficina M. C. a fim de se proceder à respetiva reparação e eliminação de tais defeitos, dizendo igualmente respeito aos equipamentos ou instrumentos de que o veículo do A. estava dotado com vista a sinalizar ou indicar ao condutor a ocorrência de uma situação atinente à falta de líquido de refrigeração e à indicação de excesso de temperatura no motor.

A resposta às questões fácticas referentes à determinação da(s) causa(s) das avarias apresentadas pelo veículo do A. demanda conhecimentos técnicos especializados, nomeadamente formação mecânica no âmbito automóvel, que, regra geral, não são do domínio de um leigo, desconhecedor dessa matéria específica.

Não obstante o que antecede, o recorrente invoca como suporte da sua pretensão impugnatória o depoimento testemunhal da sua mulher, C. P., assim como as suas próprias declarações de parte.

A testemunha C. P., que exerce profissionalmente as funções de educadora de infância e que não revelou ter conhecimentos sobre mecânica, indicou, com relevância, o seguinte:

- Durante o mês de agosto de 2015 começaram a notar que, em pequenas rotações, o volante do carro começava a tremer. 
- O A. dirigiu-se à M. C. para lhe reportar tal ocorrência do veículo, tendo este aí permanecido para ser detetada a causa dessa ocorrência e efetuada a sua reparação.
- O A. trabalhava em ... e o casal reside em Baião, distando cerca de 150 quilómetros entre tais localidades, pelo que todas as semanas o seu marido fazia com o referido veículo “bastantes quilómetros”.
- Quando se aperceberam que o volante do carro tremia em pequenas rotações o A. foi de imediato à oficina para ver o que é que o carro tinha.
- O carro ficou (ininterruptamente) imobilizado na dita oficina desde 24 de agosto até novembro de 2015.
- Apercebeu-se da anomalia (tremor do volante) quer como passageira, quer como condutora.
- Só conduzia com regularidade o veículo aos fins-de-semana e nas férias, pois durante a semana o marido encontrava-se em ... e fazia-se deslocar nesse veículo. 
- A X assumiu as duas primeiras avarias, mas à terceira (“em que veio lá o perito, em que depois foi enviado o relatório”) rejeitou a assunção do pagamento dessa reparação.

 Por sua vez, em sede de declarações de parte do Autor, indicou este, entre o mais, que:

- Apercebeu-se do tremor no volante muito antes de ter levado o carro à oficina, só que dantes não conhecia bem o carro, as viagens que fazia, embora sendo 150 quilómetros, era sempre em estradas nacionais e com muitas curvas, pelo que foi-se apercebendo que o volante tremia.
- Na altura julgou que fosse da direcção ou dos pneus, porque numa altura trocou de pneus e alinhou a direcção.
- Continuou a sentir essas vibrações mais fortes, sendo que numa reparação simples de mudança de calços na Opel, na L., na Guarda, e não na M. C., foi-lhe dito que o problema podia ser da transmissão, tendo ficado alertado para tal. 
- O problema acentuou-se e em agosto de 2015 decidiu levar o veículo à M. C..
- Conduz há já muitos anos e tem conhecimento das luzes sinalizadoras, sendo que recentemente na própria carrinha surgiu-lhe a indicação de uma luz vermelha e, de imediato, parou o carro.
- Quando parou o carro, o que ocorreu num fim-de-semana, a esposa andou sempre com ele e nunca acendeu qualquer tipo de luz. 
- A questão foi-se acentuando e “por desconhecer o carro e por também às vezes falta de tempo, quando” foi “à M. C. foi quando eles detectaram isso e depois” que entregou o carro nunca mais nele tocou.
- Já tinha feito uma manutenção na M. C. com o referido veículo automóvel, “aos 105 mil/km e qualquer coisa”.

Sendo este, na sua essencialidade, o teor dos depoimentos prestados, e mesmo abstraindo do interesse direto que tais intervenientes possuem no desenlace da lide – o declarante R. M. por ser parte ativa na ação e a testemunha C. P. por ser mulher dele –, sempre se dirá que, por referência ao teor de tais depoimentos, é manifesto não possuírem os mesmos a valência probatória justificadora que o recorrente lhes pretende conferir, de modo a alicerçar a modificação das respostas dadas à matéria de facto impugnada. Não são sequer suficientes para criar no julgador uma dúvida séria sobre a verificação de tais factos, de modo a torná-los duvidosos, em vez da convicção formada, sendo que aquela a manter-se (e por ser insanável) conduziria a que a referida matéria fáctica devesse ser transferida para a seleção dos factos não provados (art. 346º do Cód. Civil e art. 414º do CPC). 

Deste modo, os indicados depoimentos não autorizavam o tribunal recorrido – nem este tribunal de recurso, que continua a ser um tribunal de instância – a extrair uma convicção distinta da que (a 1ª instância) formou com vista à demonstração dos pontos de facto impugnados.

Atestando o acerto das respostas conferidas pelo Tribunal “a quo” à enunciada matéria de facto impugnada há desde logo a destacar o relatório técnico constante de fls. 168 a 176, elaborado pela DK Automotive Solutions – empresa que se dedica a peritagens técnicas a automóveis –, que constitui o resultado da peritagem realizada ao veículo do A. requerida pela interveniente em resultado da não eliminação da avaria em causa (“vibração em alguns regimes de motor”), não obstante as duas intervenções (já) anteriormente efetuadas com esse especifico desiderato.

As conclusões das observações técnicas do referido Relatório indicam que “as avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, que não foi possível identificar, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor”.

Mais se concluiu no referido Relatório, que essa “anomalia podia ter sido evitada, através do controlo no sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor, pois esta viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema, bem como está equipada com indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que ambos foram testados e verificou-se que se encontram a funcionar em perfeitas condições”.

Ora, secundando o explicitado na motivação da sentença recorrida, “este relatório mostrou-se igualmente de particular importância, pois que está elaborado de forma clara, rigorosa e pormenorizada, permitindo a um leigo perceber os pressupostos das conclusões ali alcançadas”.

Tal relatório foi, de resto, totalmente corroborado pela testemunha A. J., perito e funcionário da entidade encarregue da perícia (DK Automotive Solutions), o qual é coordenador técnico e supervisionou a referida peritagem, constando nessa qualidade a sua assinatura no referido relatório (cfr. fls. 168 v.º).

De um modo escorreito, lógico e coerente, a indicada testemunha explicitou os procedimentos adotados com a vista à elaboração da peritagem, bem como justificou as premissas que dele constam e as conclusões aí alcançadas.

Registe-se que o teor do referido depoimento testemunhal, o mesmo valendo para as conclusões do referido relatório técnico, não foram de modo algum infirmadas, ilididas ou minimamente colocadas em dúvida pela contraparte, designadamente por qualquer outro meio probatório produzido nos autos.

Acresce que a testemunha respondeu cabalmente e de um modo fundado a todas as questões que lhe foram colocadas, não se eximindo a nenhuma delas, independentemente de terem sido formuladas pelo mandatário que a arrolou ou pelo mandatário da parte contrária, o que é revelador da credibilidade que a mesma nos deve merecer.

Na parte final do seu depoimento esclareceu que, perante a avaria apresentada, com danos no motor, tudo aponta para que o veículo do A. tenha circulado durante algum tempo com o problema diagnosticado sem que o A. tenha de imediato recorrido à oficina a fim de eliminar tal avaria, o que, de certo modo, se mostra em consonância com as declarações de parte do A., o qual acabou por deixar subentendido que, não obstante ter-se apercebido que o carro tremia em circulação, devido à “falta de tempo” só mais tarde decidiu levar o carro à M. C. a fim de ser diagnosticado e reparado o dito problema.

E, em sede de esclarecimentos solicitados pela Mmª Juíza, a testemunha A. J. confirmou que as causas das avarias detetadas na peritagem são compatíveis com o facto de o veículo tremer ou vibrar em circulação, porquanto aquele tipo de danos (que, para um entendido na matéria de mecânica automóvel, disse serem também percetíveis através das fotografias 16, 17 e 18 de fls. 175) provoca trepidação ou vibrações do motor.

De notar que a mencionada testemunha, para além do conhecimento que revelou ter por força da sua intervenção na supervisão do referido relatório técnico, fundou as respostas dadas nos específicos conhecimentos técnicos de que é portador, que logrou transmitir de um modo detalhado, plausível, lógico e racional e em articulação com a demais prova produzida.

Por último, o documento 3 junto com a petição inicial (cfr. fls. 38 e 39), intitulado “Relatório intervenção Técnica”, elaborado pela M. C., não é apto a infirmar as conclusões do relatório técnico constante de fls. 168 a 176 elaborado pela DK Automotive Solutions.

Embora o referido “Relatório intervenção Técnica” descreva o diagnóstico e o âmbito das reparações, certo é que o histórico de diagnóstico da M. C. e das intervenções por esta realizadas ao veículo do A. revela que as duas primeiras não foram bem sucedidas, visto não ter logrado avaliar e eliminar a(s) avaria(s) que o veículo apresentava. Daí que, confrontada com a necessidade duma terceira intervenção consistente na desmontagem do motor a fim de determinar as concretas causas da avaria, a Interveniente tenha decidido solicitar a realização de uma peritagem ao dito veículo do A., a fim de se poder determinar com segurança, por uma entidade especializada nesse tipo de serviços, o tipo de avaria existente e as respetivas causas. 

O resultado dessa perícia solicitada, como já se disse, mostra-se corporizado no referido relatório técnico constante de fls. 168 a 176. 
Ora, considerando, por um lado, a profissionalidade da empresa que o elaborou e a especialização do(s) perito(s) na matéria objeto da perícia, a sua abrangência e o seu cariz técnico, a suficiência dos factos e elementos em que se baseia (documentando-o com as fotografias que dele constam em anexo), a inteligibilidade do laudo, com a descrição dos procedimentos levados a cabo para se chegar ao resultado alcançado, a observância, na sua elaboração, de parâmetros científicos ou técnicos (que não foram minimamente colocados em crise), assim como a coerência, motivação e racionalidade das suas conclusões, é de concluir que o seu resultado se deve sobrepor ao dito “Relatório intervenção Técnica”, o qual, até pela limitação subjacente à sua elaboração e ao inêxito das intervenções efetuadas, de modo algum tem a valia e credibilidade probatória daqueloutro.

Em reforço do que antecede assinale-se que as testemunhas P. G. (à data dos factos colaborador subordinado da M. C., onde desempenhava as funções de rececionista automóvel, mas atualmente desempregado) e P. E. (colaborador subordinado da M. C., onde desempenha as funções de rececionista automóvel), os quais expressamente reconheceram não ter formação em mecânica, não colocaram em causa quer as premissas, quer as conclusões do referido relatório técnico constante de fls. 168 a 176. 

Pelo exposto, face à prova produzida é de julgar improcedente a impugnação à materialidade fáctica em apreço, motivo por que improcedem nesta parte as conclusões do apelante.* - < Pontos 1, 2, 3, 4 e 6 dos factos não provados: 

Como é sabido, regra geral, as razões que levam a que um determinado facto seja considerado não provado podem consistir no seguinte:

- a total ausência ou falta de prova produzida quanto a esse facto, caso em que nenhuma prova foi produzida nos autos quanto a determinado facto, pelo que o mesmo necessariamente resultará não provado;
- a falta ou ausência de credibilidade da prova produzida quanto a esse facto; neste caso (ao contrário do anterior) a produção de prova incidiu sobre o facto em apreço, mas a mesma não foi considerada credível pelo tribunal (4).   

Relativamente ao ponto 1 dos factos não provados, importa dizer que, inquirido em sede de depoimento de parte, o legal representante da 1ª ré, J. V., rejeitou que tenha sido acordado com o A. o fornecimento de uma garantia de dois anos pela venda do veículo em causa, admitindo tão só que a garantia era de um ano.
Por outro lado, em sede da impugnação da matéria de facto, o recorrente não aduz qualquer meio de prova onde, na sua perspetiva, se possa alicerçar a pretendida alteração da resposta atribuída a esse ponto fáctico.

Resta-nos, por isso, sufragar a motivação da sentença recorrida, no sentido de que, «para além da falta de confissão do legal representante da 1ª R., igualmente foram os esclarecimentos do mesmo insuficientes para se provar o acordo das partes quanto a prazos de garantia, não decorrendo o mesmo, igualmente, de qualquer documento junto, mormente do certificado de seguro (o que aí se refere é a duração do seguro), nem do depoimento da testemunha P. S., vendedor de automóveis e que tratou com o A. da compra do veículo, não obstante o rigor e espontaneidade do mesmo».

O ponto 2 dos factos não provados, correspondente ao art. 4º da p.i., foi infirmado pelo próprio autor, no âmbito das declarações de parte por si prestadas, no que concerne ao desfasamento entre a data em que detetou a vibração no volante do veículo (anterior a agosto de 2015) e sua (ulterior) deslocação à oficina a fim de ver resolvida tal anomalia ou mau funcionamento (o que só correu a 14/08/2015).

É, por conseguinte, de manter inalterada a resposta (de não provado) conferida pela 1ª instância ao ponto fáctica em causa.

A matéria objeto dos pontos 3 e 4 dos factos não provados não só não foi confirmada pelas testemunhas P. G., P. E., como igualmente não resulta dos documentos carreados aos autos.

Ademais, quanto a este ponto o recorrente identicamente não explicita em que específicos meios probatórios funda a sua pretensão impugnatória tendente à modificação das respostas dadas.

Daí que se conclua pela improcedência da impugnação fáctica em apreço.

Por último, no que concerne ao ponto 6 dos factos não provados, contrariamente ao propugnado pelo recorrente, o perito contratado pela interveniente não concluiu “haver uma anomalia do motor”, mas sim, corroborando o relatório técnico constante de fls. 168 a 176, asseverou que “as avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, que não foi possível identificar, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor”, o que não consubstancia confirmação daqueloutro facto impugnado.

Em suma, na ausência de prova que ateste a factualidade objeto do referido ponto fáctico, dúvidas não subsistem quanto à manutenção da resposta firmada pelo tribunal recorrido.*Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pela Mm.ª juíza a quo, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.*2. Reapreciação da decisão de mérito.           
 
2.1. – Da apreciação da responsabilidade das rés à luz do regime da venda de bens de consumo estabelecido no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, com as alterações do Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05

Tratam os presentes autos de um contrato de compra e venda incidindo sobre um veículo usado alegadamente defeituoso (cuja falta de conformidade se manifestou posteriormente à entrega), compra e venda essa realizada pelo autor/recorrente como comprador e a 1ª ré como vendedora. 

De facto, estando provado que a 1ª R. vendeu ao A. um bem (veículo automóvel usado), a cujo comércio se dedica – compra e venda de automóveis –, contra o pagamento do respectivo preço (15.500,00€), dúvidas não subsistem estarmos perante um contrato de compra e venda.

Estabelece o art. 874º do CC que “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”.

A realização deste tipo de negócio jurídico gera a obrigação do vendedor transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação do comprador de pagar o preço (cfr. arts. 879º, 882º e 883º, todos do CC). 
 
Defende o recorrente que a sentença impugnada fez uma indevida interpretação e aplicação das normas legais aos factos provados, porquanto, por apelo ao regime de proteção do consumidor, erigido pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, «perante a factualidade demonstrada, sendo o veículo vendido a um particular (A.), no âmbito do exercício profissional do comércio (v. art.º 1.º-A, n.º 1, do diploma), e considerando que houve comunicação da avaria no tempo previsto para o efeito, estando ainda em vigor o conjunto de direitos que este diploma concede aos consumidores, não restam dúvidas que o Réu e Interveniente terão de repor as qualidades inerentes e próprias do bem em causa, um veículo automóvel, procedendo à sua reparação».

Parte das premissas que servem de fundamento à apelação assentavam na procedência da impugnação da matéria de facto, o que, como vimos, não se veio a concretizar.

Sem embargo do que antecede, vejamos se assistirá razão ao recorrente nas críticas que faz à subsunção jurídica dos factos provados aduzida na sentença recorrida.

Como é sabido, o contrato de compra e venda para consumo é um subtipo do contrato de compra e venda. A esse tipo de contrato aplica-se, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), e de outros diplomas transversais de proteção dos consumidores, o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05 (5), que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores» (cfr. art. 1º deste Dec. Lei).

A razão de ser da introdução desta regulamentação mais protectora do comprador consumidor consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respectivo negócio de compra e venda (6).  

No caso, concluiu o tribunal “a quo” que, mesmo a aplicar-se o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, previsto no Dec. Lei. n.º 67/2003, de 08.04, na redação dada pelo D.L. n.º 84/2008, de 21.05, sempre a ação deveria improceder, porquanto «apurou-se que a avaria se deveu a falta de cuidado do A. na manutenção do veículo e não a anomalia do motor existente desde a venda, pelo que não assiste qualquer direito, nomeadamente indemnizatório ao A.».
Tendo, pois, presente que ambas as partes fazem apelo para a decisão deste litígio às regras que regulam a compra e venda por parte de consumidor, será considerada essa situação, sem haver necessidade de analisar mais profundamente a referida qualidade do autor como consumidor no negócio aqui em causa.

Versando sobre o âmbito de aplicação estabelece o n.º 1 do art. 1º-A do Dec. Lei. n.º 67/2003:

«O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores».  

Mais estatuindo e definindo, no seu art. 1º-B: 

«a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho;  
b) «Bem de consumo», qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão;  
(…)
h) «Reparação», em caso de falta de conformidade do bem, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato». 

Prevendo sobre a conformidade com o contrato, estipula o art. 2º:

«1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda. 
 2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos: 
 a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; 
 b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; 
 c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; 
 d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem. 
 3 - Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor. 
 4 - A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem».  

Sob a epígrafe “Entrega do bem”, dispõe o art 3.º do dito decreto-lei:

«1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue. 
2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade». 

E estipula o art. 4º do citado diploma legal: 

«1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. 
 2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor. 
 3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material. 
 4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador. 
 5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. 
 6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem».

Por último, de acordo com o estatuído no art. 12º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31/07, o consumidor tem ainda direito a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens defeituosos.

Por referência ao art. 2º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 67/2003, a «conformidade é sempre avaliada pela operação que consiste em comparar a prestação estipulada (explícita ou implicitamente) no contrato e a prestação efetuada» (7).

Acrescenta o citado autor que, mais do que caraterizar o que é ou não conforme o contrato, o que se pretende no citado art. 2º é precisar-se o que é que consta do contrato, para depois, no momento do cumprimento, aferir se o objeto prestado corresponde ao objeto contratado.

Aquilo que, no regime legal que regula a venda de bens de consumo (Dec.-Lei nº 67/2003, alterado pelo Decreto-Lei nº 84/2008), se designa como falta de conformidade com o contrato corresponde à noção tradicional de defeitos do bem. Não existe qualquer categoria de falta de conformidade em relação ao contrato para além das “deficiências” do bem vendido, objecto do mesmo contrato (8). 

Essa noção de desconformidade abrange quer os vícios na própria coisa objeto do contrato, quer os vícios de direito ou vícios jurídicos (9). 

O citado art. 2º, no seu n.º 2, veio consagrar um sistema de presunções ilidíveis (de falta conformidade dos bens), com base numa formulação negativa, como também afastou a exigência de verificação cumulativa dos critérios para o funcionamento da presunção (10).

Para Calvão da Silva (11), os critérios presuntivos de determinação da não conformidade são de duplo sentido, pois, por um lado, facilitam a prova ao vendedor para que mostre no caso em concreto a coexistência dos critérios, e, por outro lado, podem servir de prova de falta de conformidade ao consumidor se este demonstrar a não verificação de qualquer um dos critérios no caso em concreto. 
Como se explicitou no Ac. do STJ de 20/03/2014 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt., o Dec. Lei n.º 67/2003 não alterou o ónus da prova que já resultava do nosso direito comum a respeito da venda de coisa defeituosa.

Assim sendo, para que possa exercer os direitos que lhe assistem, compete ao comprador/consumidor alegar e provar o defeito da coisa, isto é, a sua desconformidade com o contrato, na terminologia do referido Dec. Lei, e que esse defeito existia à data da entrega. 

Simplesmente, para garantir ao consumidor um mínimo de protecção, a lei estabeleceu presunções de não conformidade, as quais, abrangendo situações correntes “valem como regras legais de integração do negócio jurídico, destinadas a precisar o que é devido contratualmente na ausência ou insuficiência de cláusulas que adrede fixem as características e qualidades da coisa a entregar ao consumidor em execução do programa negocial adoptado pelas partes” (12).

Por outro lado, considerando a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo (dentro de 2 ou 5 anos, a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente), a lei favorece o consumidor, determinando que a falta de conformidade verificada dentro dos referidos prazos faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, competindo, então, ao vendedor, ilidir a presunção de não conformidade ou que, atentas as circunstâncias, o defeito não existia na data da entrega.  

A lei, no art. 3º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003, previu, assim, a dispensa ou liberação legal do ónus da prova da anterioridade da falta de conformidade.

Esta regra liberta o consumidor da difícil prova da existência de falta de conformidade no momento da entrega do bem, tendo aquele apenas de provar a falta de conformidade do bem (e, naturalmente, a celebração do contrato) (13).

Contanto que a desconformidade se manifeste num prazo de dois anos a contar da entrega do bem móvel (14), ao consumidor basta fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa (da falta de conformidade), sem necessidade de (alegar e) provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. 

Trata-se de uma verdadeira presunção específica que estabelece a responsabilidade do vendedor pela falta de conformidade do bem com o contrato (15), a qual, de acordo com o regime imperativo imposto pelo art. 10º do Dec. Lei n.º 67/2003, não poderá ser, em qualquer circunstância, afastada pelas partes.

Uma vez provado o facto que dê origem à presunção de desconformidade, terá o vendedor o ónus de provar o facto concreto, posterior à entrega, que gerou a falta de conformidade, designadamente a prova do mau uso ou do uso incorreto do bem pelo consumidor (16). 

O mesmo é dizer que bastará ao consumidor alegar e provar os factos base da presunção e que eles se manifestaram dentro do prazo da garantia legal imposta pelo Dec. Lei n.º 67/2003 (no caso, tratando-se de um bem móvel, 2 anos); já a 1ª ré (vendedora), para se ilibar da responsabilidade, incumbirá alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador (designadamente por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado), a terceiro ou devida a caso fortuito (17)(18). 

Feitos estes considerandos teóricos sobre os institutos jurídicos que relevam para a decisão da questão submetida à nossa apreciação, importa, antes de mais, averiguar perante a factualidade disponível se pode presumir-se a não conformidade do automóvel vendido pela Ré, nos termos do art. 2º n.º 2, al. d) do Dec. Lei n.º 67/2003, o que passa por saber se está demonstrado o facto base da presunção legal. 

 No caso dos autos está provado que, tendo adquirido à 1ª ré, em 25.10.2014, o veículo automóvel de matrícula ..., em data concretamente não apurada, mas anterior a 1/08/2015 (antes, portanto, de decorridos dois anos após a entrega), o A. enquanto conduzia o dito veículo reparou que o volante tremia.

A demonstração desse circunstancialismo fáctico, revelador do mau funcionamento do veículo, pois não é suposto o volante tremer ou apresentar vibrações “em alguns regimes de motor”, constitui o facto base da presunção legal e faz presumir a não conformidade do automóvel vendido pela 1ª Ré, nos termos do art. 2º, n.º 2, al. d) do D.L. n.º 67/2003. Por outro lado, manifestando-se a avaria num prazo de dois anos a contar da entrega do veículo, fica dispensada a demonstração da anterioridade da desconformidade do bem no momento da entrega (art. 3º, n.º 2, do citado D.L.).

Competia, por isso, às RR. ilidir essa presunção, mediante a demonstração da falta de conformidade resultar de facto imputável ao consumidor.

Ora, à semelhança do propugnado na sentença recorrida, entendemos que a ilisão dessa presunção mostra-se, no caso, satisfeita pelas RR..

Na verdade, resulta da facticidade apurada que as avarias observadas ao nível do motor foram causadas pela falta de manutenção do veículo, nomeadamente pela exposição do motor a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior à sua condução à oficina, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor. Mais se provou que a anomalia podia ter sido evitada através do controlo do sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que a viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema e com indicador de excesso de temperatura no motor, «mecanismos que estavam a funcionar e, parece evidente, aos quais o A. não prestou a devida atenção».  

Parafraseando o decidido na sentença recorrida, vista esta factualidade, temos necessariamente de considerar afastada a presunção da existência de anomalia à data da entrega do bem, por estar provado que a causa da avaria foi «imputável a falta de cuidado do A. na manutenção do veículo e de atenção aos avisos pelo mesmo dados», e não a anomalia do motor existente desde a entrega do veículo ou que se revelou posteriormente à venda.

Como refere a recorrida nas suas alegações, o vendedor não está obrigado a reparar qualquer tipo de avaria que ocorra no decurso do período de garantia, nomeadamente não tem a obrigação de indemnizar as avarias que se produziram por responsabilidade do comprador/consumidor, desde logo os que se verificaram por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado, como é o caso dos autos.

Portanto, ilidida que se mostra a dita presunção da falta de conformidade à data da entrega e demonstrado que se mostra que a avaria verificada no automóvel resultou de facto imputável ao consumidor, não assiste qualquer direito ao A., nomeadamente reparatório e/ou indemnizatório, sendo certo que a solução não seria diferente face ao regime comum da compra e venda de coisas defeituosas (19).

A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões do apelante. *Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I – Ao contrato de compra e venda para consumo aplica-se, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05, que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio» (art. 1º deste Dec. Lei).
II – Considerando a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo (dentro de 2 ou 5 anos, a contar da entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente), a lei favorece o consumidor, determinando que a falta de conformidade verificada dentro dos referidos prazos faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (art. 3º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003).   
III – Nesse pressuposto, ao consumidor basta fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa (da falta de conformidade), sem necessidade de (alegar e) provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. 
IV – Uma vez provado o facto que dê origem à presunção de desconformidade, terá o vendedor o ónus de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador (designadamente por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado), a terceiro ou devida a caso fortuito.
V – Apurando-se que a causa da avaria se deveu a falta de cuidado do comprador/consumidor na manutenção do veículo, é de considerar afastada a presunção da falta de conformidade à data da entrega ou que se revelou posteriormente, pelo que não lhe assiste qualquer direito, nomeadamente reparatório e/ou indemnizatório. *V. DECISÃO 

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).*
Guimarães, 17 de janeiro de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt. 
2. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 435/436; no mesmo sentido, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pp. 191/192
3. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Fundamentais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 202.
4. Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, p. 208.
5. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, Manuel de Direito de Consumo, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 262.
6. Cfr. Ac. do STJ de 05/05/2015 (relator João Camilo), in www.dgsi.pt.
7. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 274.
8. Cfr. Ac. do STJ de 17/12/2015 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
9. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 272.
10. Diversamente do critério adotado na Diretiva n.º 1999/44/CE (art. 2º, n.ºs 1 e 2), em vez de uma presunção de conformidade o legislador nacional decidiu estabelecer uma presunção de não conformidade.
11. Cfr. Venda de Bens de Consumo – Comentário, Revista, Aumentada e Atualizada, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p.84.
12. Cfr. Calvão da Silva, obra citada, p. 83.
13. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 309.
14. Relativamente à Diretiva 1999/44/CE (art. 5º, n.º 3), o legislador nacional alargou o prazo da presunção de anterioridade (da falta de conformidade) de seis meses para dois anos após a entrega do bem, aumentando substancialmente o nível de proteção do consumidor.
15. A esta presunção excecionam-se apenas os casos em que a mesma for incompatível com a natureza do bem ou com as características da falta de conformidade (parte final do n.º 2 do art. 3º do Dec. Lei n.º 67/2003). A presunção é incompatível com a natureza do bem quando o mesmo seja de desgaste rápido ou sujeito a um prazo de validade. Nestes casos a presunção apenas poderá funcionar dentro dos respectivos prazos de validade. Por outro lado, a presunção será incompatível com as características da falta de conformidade quando for claro que a mesma se deveu a mau uso ou uso incorrecto por parte do consumidor, de sabotagem, de acção de terceiro. – cfr., sobre o tema, Jorge Morais de Carvalho, obra citada, pp. 310/311.
16. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 309.
17. Cfr. Ac. da RL de 10/02/2015 (relator Manuel Marques), in www.dgsi.pt.
18. Em sentido similar, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Justiça da União Europeia de 4/06/2015, no processo C-497/13 (que tinha por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.º TFUE, no processo Froukje Faber/ Autobedrijf Hazet Ochten BV), https://curia.europa.eu/jcms/jcms/P_106320/pt/?rec=RG&jur=C&anchor=201506C2042A#201506C2042A, «[n]o caso de a falta de conformidade se ter manifestado no prazo de seis meses a contar da entrega do bem, o artigo 5.º, n.º 3, da Diretiva 1999/44 atenua o ónus da prova que incumbe ao consumidor, prevendo que se presume que a falta existia no momento da entrega. Para beneficiar dessa atenuação, o consumidor deve, contudo, fazer prova de certos factos. Em primeiro lugar, o consumidor deve alegar e fazer prova de que o bem vendido não está em conformidade com o contrato em causa na medida em que, por exemplo, não possui as qualidades acordadas no referido contrato ou ainda é impróprio para o uso habitualmente esperado para esse tipo de bem. O consumidor está obrigado a provar a existência da falta. Não está obrigado a provar a causa da mesma nem que a sua origem é imputável ao vendedor. Em segundo lugar, o consumidor deve provar que a falta de conformidade em causa se manifestou, isto é, se revelou materialmente, num prazo de seis meses a contar da entrega do bem. Demonstrados estes factos, o consumidor está dispensado de demonstrar que a falta de conformidade existia à data da entrega do bem. A ocorrência dessa falta no curto período de seis meses permite pressupor que, caso esta apenas se tenha revelado posteriormente à entrega do bem, já estava presente, «em estado embrionário», no mesmo aquando da entrega […]. Incumbe, então, ao profissional, se for caso disso, fazer prova de que a falta de conformidade não estava presente no momento da entrega do bem, demonstrando que essa falta tem como causa ou origem um ato ou omissão posterior a essa entrega. No caso de o vendedor não demonstrar cabalmente que a causa ou a origem da falta de conformidade reside numa circunstância ocorrida depois da entrega do bem, a presunção estabelecida no artigo 5.º, n.º 3, da Diretiva 1999/44 permite ao consumidor alegar os direitos que retira dessa diretiva».
19. Por referência ao regime geral da responsabilidade contratual (arts. 798º e ss. do Código Civil), ao regime especial previsto no art. 913° do Código Civil (que remete para o regime da compra e venda de bens onerados) e às particularidades previstas nos arts. 914° e ss. do Código Civil.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório R. M. (autor e aqui apelante) intentou, no Juízo Local Cível de Braga - Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra J. V.- Comércio de Automóveis, Lda e X Seguros Gerais, SA, peticionando: a) A condenação do Stand vendedor a assumir a garantia da viatura pelo período de 2 anos após a venda. c) A condenação das Rés a reparar/pagar a reparação do referido veículo ou substituir a viatura se não for possível a reparação (artigo 921º do Código Civil). d) A condenação dos RR. suportar todas as despesas supra referidas, pois a Apólice (Boletim de Adesão nº ... RD – X ...) não exclui nem limita as obrigações legais do vendedor do veículo, de acordo com o disposto no regime jurídico que regula as Garantias na Venda de Bens de Consumo, nem qualquer outra que a substitua, amplie ou modifique. e) A condenação das RR. a pagar solidariamente: 1. A quantia de €1.891,39, acrescido de IVA, a título de reparação referente ao sobreaquecimento do motor. 2. A quantia de €531,27 a título de reembolso do valor pago em virtude de ter suportado o prémio do seguro do veículo não usufruindo do mesmo por culpa dos RR. 3. A quantia de €1.770,00 a título de danos de privação de uso até à presente data, acrescido da quantia de 30,00€ diários até que seja entregue pelo reparador ao A. a viatura em crise nos autos. Para sustentar tais pretensões alegou, em resumo, que adquiriu à 1ª R. um veículo automóvel usado, o qual apresentou defeitos, com o que sofreu danos. Mais alegou que o bom funcionamento do veículo era garantido por seguro celebrado pela 1ª R. junto da 2ª, a qual, de resto, tratou directamente com a oficina onde o veículo esteve a reparar, tendo-se recusado, após duas intervenções, a custear a 3ª intervenção. *Regularmente citados, as Réus apresentaram contestação, nas quais se defenderam por excepção e impugnação, pugnando pela total improcedência da acção (cfr. fls. 52 a 65 e 93 a 96). A 1ª R. excepcionou a incompetência territorial da Secção de Competência Genérica de Baião do Tribuna da Comarca de Porto Este e impugnou ter o veículo defeitos à data da entrega do mesmo ao A., imputando ao A. a falta de cuidado no uso do veículo que terá gerado a avaria. A 2ª R. excepcionou a respectiva ilegitimidade por não ter sido celebrado consigo o contrato de seguro, identificando a entidade seguradora correcta, cuja intervenção principal requereu. *Após observância do contraditório quanto à excepção de incompetência territorial, foi proferido decisão julgando verificada a excepção de incompetência territorial da secção genérica de Baião e, em consequência, foi determinada a remessa dos autos à instância local de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga (cfr. fls. 108, 112 a 114)*Após remessa dos autos ao tribunal territorialmente competente foi proferido despacho a admitir a intervenção principal da X Asistencia – Compañia Internacional de Seguros Y ..., SA (cfr. fls. 124).*Regularmente citada, a interveniente ofereceu contestação, na qual excepcionou a ineptidão da petição inicial, por serem formulados pedidos incompatíveis e obscuros; invocou ainda a falta de responsabilidade da interveniente a título principal, por via da natureza do seguro em causa, excepcionou a falta de cobertura do seguro e impugnou os danos alegados pelo A. (cfr. fls. 126 a 153).*O A. apresentou resposta, esclarecendo serem os pedidos alternativos e, assim, todos compatíveis entre si (cfr. fls. 188 e 189). *Realizou-se audiência prévia (cfr. fls. 197 a 200), na qual o A. desistiu do pedido relativamente à R. X Seguros Gerais, SA, foi proferida sentença homologatória dessa desistência. Mais desistiu o A. dos pedidos formulados nas alíneas b) e e), nº 3, contra a R.. O A. foi convidado a apresentar articulado aperfeiçoado, de acordo com as alterações feitas ao pedido. Acordaram as partes, nessa audiência prévia, ser a interveniente parte legítima. Proferiu-se, de seguida, despacho saneador, afirmando-se a validade e regularidade da instância, fixou-se o objecto da causa e os temas da prova, sem que houvesse sido apresentada reclamação. *Após agendamento da audiência de discussão e julgamento, veio o A. apresentar articulado aperfeiçoado e, após, juntar cópia da factura atinente à reparação do veículo (cfr. fls. 207 a 221).*Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 262 e 263). *Posteriormente, a Mm.ª Julgadora a quo proferiu sentença (cfr. fls. 264 a 270), nos termos da qual, julgando a ação totalmente improcedente, absolveu a R. e a Interveniente dos pedidos contra si formulados.*Inconformado, o autor R. M. interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 280 a 298) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O Tribunal a quo contra o que seria expectável, atenta a prova produzida, os factos provados e não provados, proferiu uma decisão de todo surpreendente, motivo pelo qual o A. não se conforma com a mesma. 2. Salvo o devido respeito, considera o A./Apelante que os FACTOS PROVADOS sob as alíneas V), W), X) e NÃO FACTOS PROVADOS sob números 1, 2, 3, 4 e 6, foram incorretamente julgados. 3. Da prova produzida, o Tribunal fez erradas conclusões de facto e de direito. 4. O Tribunal a quo limitou-se tão só a “credibilizar” a prova apresentada pelos R. e Interveniente, quando o A. e a testemunha C. P. (com conhecimento direto dos factos) explicaram ao Tribunal de forma clara, concisa e exata o momento em que começaram a sentir que o veículo apresentava problemas e que nunca viram qualquer luz/sinal de alerta de problemas no painel do veículo. Explicaram que o veículo foi utilizado por ambos e em Agosto de 2015 o A. se dirigiu à oficina quando se aperceberam que o volante do veículo tremia. 5. De facto, a motivação e apreciação crítica proferida pelo tribunal a quo apresenta insuficiências, não tendo sido feita uma verdadeira apreciação crítica da prova produzida, o que desde logo enferma toda a motivação apresentada pelo Tribunal a quo e que deverá ser devidamente apreciada por este Tribunal. 6. Atendendo à prova testemunhal deve ter-se em consideração as seguintes passagens - Testemunha C. P. (inquirida em 16/05/2018) conforme consta da ata de audiência de julgamento, cujo depoimento se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal de 00:01 a 11:22 (depoimento que se iniciou às 15 horas 06 minutos e 18 segundos e terminou às 16 horas 17 minutos e 41 segundos): 00:02:53 a 00:08:58; 00:04:21 a 00:05:04; 00:05:51 a 00:06:10; 00:06:53 a 00:08:07; 00:09:33 a 00:10:14; 00:10:40 a 00:11:18; Autor R. M. (inquirido em 16/05/2018) conforme consta da ata de audiência de julgamento, cujo depoimento se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal de 00:01 a 04:19 (depoimento que se iniciou às 16 horas 21 minutos e 23 segundos e terminou às 16 horas 25 minutos e 43 segundos): 00:00:40 a 00:01:41; 00:03:39 a 00:04:17. 7. O Tribunal ignorou os factos apresentados pelo A., pela testemunha C. P. (pessoas que presenciaram os factos ocorridos, que levaram ao acionamento da garantia), bem como ignorou os documentos juntos e os que foram levados em consideração, deles fez errada interpretação. 8. o tribunal violou o disposto no art. 607.º, 3 e 4, do CPC, pois tal é redundante e abrupta a forma como conclui pela falta de manutenção do veículo (sendo certo que todas as testemunhas referiram que o veículo após apresentar os problemas que apresentava (o A. apercebeu-se que a viatura estava a tremer) – foi levado à oficina, onde permaneceu mais de 3 meses – foi sujeito a reparação, a garantia acionada (sendo as duas primeiras anomalias cobertas pela garantia, com a exclusão da terceira, tendo sido curiosamente alegada falta de manutenção. 9. Mas (interpretando as declarações destas testemunhas, os documentos juntos com a PI e até a motivação de facto apresentada pelo Tribunal, depressa se conclui que o veículo permaneceu na oficina e que a falta de liquido de refrigeração foi a última falha detetada (após várias desmontagens e montagens, sempre dentro da oficina e sem que o A. voltasse a tocar na viatura). 10. Estaria assim o indicador do excesso de temperatura a funcionar corretamente?! 11. Disso não cuidou o Tribunal questionar, apenas decidiu concluir pelo seu bom funcionamento, contudo o A. declarou que “já conduzo, já há muitos anos e sei bem das luzes e recentemente na própria carrinha apareceu-me uma luz vermelha, de imediato parei o carro, esse subaquecimento que é feito aqui, nesta situação diferente disto se continuasse… [impercetível] não eu parei logo e resolvi aquilo sem que o sobreaquecimento. Ou seja, no tempo em que paro o carro, era a minha esposa e a minha esposa andou sempre comigo, quando conduzi o carro, andou sempre comigo que era ao fim-de-semana, nunca acendeu qualquer tipo de luz. Este carro são mais modernos, mas conduzo carros mais antigos e também tem esses alertas, mais rudimentares mas também têm. Ah, agora a questão, a questão foi que aquilo foi-se acentuando e claro eu também por desconhecer o carro e por também às vezes falta de tempo, quando fui à M. C., foi quando eles detectaram isso e depois que entreguei o carro nunca mais toquei no carro”, facto que o tribunal não levou em consideração. Considerando que o A. apenas detetou “tremuras” no carro, que o carro apos as mesmas serem detetadas seguiu para a oficina Opel – M. C.- , que foram detetadas 3 avarias e que 2 foram reparadas pela Ré e apenas a terceira detetada em Novembro (após 3 meses de a viatura estra parada na oficina (cfr. factos provados em d), e), f), i), j) k) m), N). 12. Ora conjugando estes factos provados com as declarações de parte do A., com a testemunha C. P. e com os documentos da M. C. (cfr. doc. 3 da PI – relatório de Intervenção Técnica), muito se estranha a conclusão do Tribunal, que se baseia apenas e só na possibilidade de aviso (luzes de aviso da viatura) da falta de líquido de refrigeração que a viatura emitiria sem considerar todo o sucedido neste período temporal. 13. O tribunal nem sequer pôs a hipótese de esta estar avariada ou não ter dado o sinal – o que se impunha até pelo facto de a viatura se encontrar na oficina onde foi desmontada e reparada por diversas vezes. 14. De facto do doc. 3 da PI (elaborado pela concessionária Opel – oficina da marca), consta que :“Após diagnóstico e os vários ensaios realizados, foram verificadas anomalias ao nível da transmissão direita, volante do motor e junta da cabeça do motor. Após desmontagem de componentes, verificou-se que a transmissão direita apresentava dano interno no conjunto cardan/cruzeta intermédia passível de provocar o sintoma. Após a reparação e ao verificar que existiu alteração ao nível do ruido e vibração nas condições de utilização nomeadamente rotação e carga do motor, mas mantendo uma vibração normal ao funcionamento, experimentamos componentes da transmissão e suspensão de uma viatura equivalente despistando a possibilidade de intervenção ineficaz à transmissão. Face aos sintomas, e à intervenção já realizada, suspeitamos de anomalia no volante do motor (bimassa), dando seguimento à desmontagem caixa de velocidades e respetivo volante do motor. Após desmontagem deste verifica-se folga anormal entre os componentes do volante do motor, com perda visível do lubrificante do amortecimento, sintomas esses que validam a suspeita, diagnóstico e respetiva substituição do componente. Após experiência em estrada, verifica-se que a intervenção no volante do motor não eliminou a vibração sentida nas condições. Face a isto, damos início a um conjunto de procedimentos de verificação do motor, nomeadamente verificação da distribuição e controle do ponto do motor, controle de pressões e débitos do sistema de alimentação diesel, programação do sistema de injeção do combustível, finalmente teste de pressão da compressão do motor. Após a execução dos procedimentos referidos, concluímos que existe falha de compressão no terceiro e quarto cilindro e dando seguimento à desmontagem da cabeça do motor, verifica-se ruptura da junta de cabeça na zona de vedação entre o terceiro e quarto cilindro, fazendo com que exista perda de pressão e compressão entre ambos. “ 15. No mesmo documento consta a reparação a que foi sujeito e efetuada pelo concessionário OPEL: “Após a substituição da transmissão direita e volante do motor, para reparação da anomalia verificada ao nível da junta da cabeça do motor, é necessário a substituição da respetiva junta, com a consequente retificação da face da cabeça do motor, despolimento dos cilindros, substituição de juntas, parafusos, vedantes fluidos de arrefecimento e lubrificação e outros materiais de vedação cuja desmontagem não permite a reutilização dos mesmos.” 16. A título de informação anexa constam fotografias de toda a reparação, que também devem ser alvo de apreciação por este Tribunal. 17. O Tribunal ignorou também o que se encontrava devidamente explicado pela concessionária OPEL (doc. 5 da PI), que após tomar conhecimento das conclusões da X/DK, dirigiu ao A. uma comunicação com o seguinte teor: “(…) Face à questão que nos coloca, esclarecemos que não temos qualquer registo de queixa ou registo de avarias no sistema de arrefecimento do motor (nomeadamente perda de líquidos de arrefecimento), no decurso da manutenção efetuada, desde que a viatura começou a fazer manutenção nas nossas oficinas, mais concretamente desde 2/2015 na altura com 105617 KM. (…)”. 18. Impõe-se questionar: Se a avaria facilmente detetável e fosse efetivamente a falta do líquido de refrigeração, por que motivo ninguém viu? Nem o A., nem a sua mulher, nem os técnicos da M. C., nem os técnicos da X, e só apenas em outubro de 2015, após a viatura estar parada três meses na oficina (com sucessivas reparações de anomalias), veio a DK detetar que seria a falta de líquido! Também não detetou as luzes de aviso de falta de líquido, que alegadamente determinou o sobreaquecimento e a avaria. Nem a marca aquando da desmontagem e reparação detetou qualquer falha de líquido refrigerador e garantiu (conforme doc. 5 junto com a PI) que o veículo não padecia de tal anomalia, tanto mais que a mesma tinha efetuado a manutenção em fevereiro de 2015 nas suas instalações. 19. Impõe-se dar como não provado os factos vertidos os V), W), X) dos factos provados, e como provados os factos vertidos em 1, 2, 3, 4 e 6 dos factos não provados, porquanto resultam de errada apreciação da prova e falta de conjugação da mesma. 20. Em função da matéria de facto dada como provada e da matéria de facto ora impugnada e pela aplicação correta das normas jurídicas relevantes para o caso, considera o Apelante, com o devido respeito, que a decisão recorrida não faz correta interpretação e aplicação das normas legais aos factos. 21. A celebração de um contrato de compra e venda constitui usualmente uma obrigação da entrega da coisa correspondente às características acordadas ou legitimamente esperadas pelo comprador, ou seja, isenta de vícios ou defeitos (cfr. art.º 913.º do Código Civil). 22. O defeito representa assim um desaprumo da qualidade devida, de cariz percetível, relevante – uma divergência prejudicial face às propriedades comuns da coisa vendida. 23. No regime de proteção do consumidor, erigido pelo DL 67/2003, de 8 de abril, deve o vendedor entregar bens conformes com o acordado, presumindo-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos que o consumidor desconheça ou não possa razoavelmente ignorar: a. Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b. Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c. Não serem adequados às utilizações dadas aos bens do mesmo tipo; 24. Perante a factualidade demonstrada, sendo o veículo vendido a um particular (A.), no âmbito do exercício profissional do comércio (v. art.º 1.º-A, n.º 1, do diploma), e considerando que houve comunicação da avaria no tempo previsto para o efeito, estando ainda em vigor o conjunto de direitos que este diploma concede aos consumidores, não restam dúvidas que o Réu e Interveniente terão de repor as qualidades inerentes e próprias do bem em causa, um veículo automóvel, procedendo à sua reparação. Nenhum fundamento permite também admitir uma redução dos traços e prazos garantísticos estabelecidos no diploma legal, mormente convencional, sob pena de nulidade, atento o contido no seu art.º 10.º, n.º 1. 25. Se o vendedor garantir ao comprador (mesmo por intermédio de terceiro), por determinado período de tempo, bom funcionamento do veículo vendido, está obrigado a reparar qualquer avaria que, durante esse período, surja nessa máquina, salvo provando que a mesma se ficou a dever a conduta culposa do comprador no uso da mesma (o que não é o caso dos autos, conforme supra se alegou). 26. Ora, denunciada a avaria e exigida a reparação, se o vendedor se recusa a eliminar o vício ou reparar a avaria, o comprador pode pedir-lhe indemnização, incluindo as despesas de reparação do veículo, por incumprimento do contrato. 27. Os defeitos foram denunciados e a ré confessa que o A reclamou da “avaria” junto da ré e exigiu a sua reparação. 28. Por outro lado, é manifesto que a ré e a interveniente se recusaram a eliminar a “avaria” por sua conta (independentemente da causa da anomalia ou de ser ou não responsável pela sua eliminação), recusa ou declinação de responsabilidade por entender que a anomalia provinha do mau uso e falta de conservação da viatura pelo A. (facto infirmado pela reparadora que fez a manutenção prévia da viatura). 29. A presente garantia atribui ao comprador, durante o período estabelecido o direito de exigir ao vendedor a reparação gratuita dos defeitos ou avarias que venham a ser detetados nos órgãos mecânicos pelos quais esta garantia avalia o seu bom funcionamento. 30. Certo é que, dentro do período de garantia, surgiu avaria no motor do veículo, a coberto da garantia dos factos provados. 31. O comprador tem direito a exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela (artigo 914º), à redução do preço ou à anulação do contrato (arts. 905º e 911º) e a indemnização (arts. 908º/911º). 32. Um veículo automóvel destina-se a circular (pelos seus meios), satisfazendo as necessidades de transporte e deslocação (nomeadamente) do seu possuidor, pelo que se não serve a essa finalidade, por força de avaria (correspondente ou decorrente de vício, ainda que oculto, de que o comprador se não apercebeu nem poderia aperceber, usando de diligência normal do homem médio), a coisa, além de ficar desvalorizada, não presta para o fim a que se destina. 33. O bem vendido deve estar conforme com o contrato de compra e venda e não está em conformidade no caso de os bens “não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo” ou “não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem …”. 34. Constatado o vício com essas consequências, como sucede no caso em análise, deve o vendedor reparar a coisa, ou substituí-la se, sendo fungível, não for possível repará-la, deste modo obtendo o comprador o exato cumprimento. 35. Na espécie foi exigida a reparação da avaria pelo A, mas a Ré e Interveniente não o fizeram e recusaram-se a fazê-lo, pelo que incorreriam (na aplicação do regime da venda de coisa defeituosa) no dever de indemnizar aqueles pelos danos decorrentes da omissão do dever de sanar/reparar a avaria e, eventualmente, indemnizar o apelante dos danos por eles sofridos. 36. Impor-se-ia, ainda, convocar a norma do artigo 921º/1 que dispõe “se o vendedor estiver obrigado, por convenção das parte ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador”. 37. No caso, existe tal garantia (além da sua obrigatoriedade legal) e a avaria apareceu dentro do prazo da mesma, pelo que recaía sobre o vendedor (Ré) e Interveniente (apeladas) o dever de repará-la, de modo que fosse alcançado ou reposto o bom funcionamento do veículo, fosse qual fosse a causa da avaria, desde que no âmbito da garantia, detetada no período de garantia. 38. Do regime estabelecido pelos citados diplomas legais (LDC e DL 67/2003, e cujo regime, na diversa previsão, afasta o da venda de coisa defeituosa nos termos dos arts. 913º e seguintes do CC), o comprador/consumidor tem direito a que o vendedor lhe entregue um bem conforme ao contrato, adequado a, além do mais, “às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo”, devendo apresentar “as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem”. 39. O bem deve ser idóneo para o fim a que se destina, ter as qualidades que têm os bens idênticos, e deve corresponder às legítimas expectativas do consumidor (frequentemente assentes na publicitação de virtudes e qualidades do bem pelo próprio vendedor). Aparecendo qualquer anomalia, que prejudique a efectiva utilização do bem, que não corresponda às expectativas legítimas do consumidor (tendo presente o bem em causa), e que apareça no período da garantia, é da responsabilidade do vendedor (a não ser que demonstre que avaria ou anomalia se deve a atuação inapropriada do consumidor, ou seja, que não decorre de vício ou defeito, ou menor qualidade, existente na data da entrega do bem), ficando obrigado a reparar a avaria ou a substituir o bem se necessário, tratando-se de coisa fungível. 40. O “vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, presumindo-se que “faltas de conformidade” que se manifestarem dentro do prazo de garantia existiam na data da entrega do bem (artigo 3º do DL 67/2003), sendo certo que, na concreta situação absolutamente nada vem provado que a avaria ocorrida não decorresse de vício/defeito existentes na data da entrega. 41. Como decorre do artigo 4º/1, desse DL, “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”. E a reparação deve ser efectuada em prazo razoável (nº 2), sem graves inconvenientes para o comprador. 42. Acrescentando o nº 5 desse artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”. 43. O que o A quer é ser indemnizado por a ré e interveniente não terem cumprido exatamente as suas obrigações contratuais, antes fornecendo bem defeituoso e não o reparando. 44. Na verdade se a coisa a prestar tem vício que a impede de satisfazer o interesse a que se destina o cumprimento do devedor, o que verdadeiramente existe é um incumprimento ou um cumprimento defeituoso porque a prestação a isso destinada está inquinada ab initio por força do vício da coisa que a contagia. 45. É ainda o cumprimento nos termos devidos o que o A pediu da ré e interveniente (artigo 817º do CC), não em espécie (que, por regra, não existe, fora casos particulares), mas pelo sucedâneo indemnizatório, como normalmente sucede no incumprimento contratual. 46. Pelo que se impõe a revogação da decisão, proferindo outra que altere a matéria de facto e consagre o supra exposto, condenando a Ré e Interveniente tal como consta na petição inicial. 47. A Sentença proferida pelo Tribunal à quo violou, entre outros, os artigos 607.º do CPC, 1.º-A, 3.º, 4.º, 10.º, n.º 1, do DL 67/2003 de 8 de Abril, 817, 905.º, 908, 911.º, 913.º, 914.º, 921.º do CC. TERMOS EM QUE, DECIDINDO EM CONFORMIDADE, REVOGADO A DECISÃO PROFERIDA, ALTERE A MATÉRIA DE FACTO E PROFERINDO OUTRA QUE CONSAGRE A TESE DO A. FARÃO V. EXAS., VENERANDOS DESEMBARGADORES, A COSTUMADA JUSTIÇA!».*Contra-alegou a interveniente, X Asistencia – Compañia Internacional de Seguros Y ..., SA pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 302 a 311).*O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 314).*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. Questões a decidir. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho]. No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber: i) – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. ii) – Da apreciação da responsabilidade das rés à luz do regime da venda de bens de consumo estabelecido no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, com as alterações do Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05.*III. Fundamentos A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: a) Em 25.10.2014, o Autor comprou à R. J. V.- Comércio de Automóveis, Lda, veículo da marca Opel, modelo Astra, matrícula ...,de cor cinza, com 97.620 Km e pelo preço de 15.500,00€. (artigo 1. da petição inicial)-- b) Nesse mesmo dia, foi entregue ao A. pelo R. J. V.- Comércio de Automóveis, Lda, um boletim de adesão nº... RD – X ..., da companhia da Ré X Seguros Gerais, SA. (artigo 2. da petição inicial)-- c) Em data não apurada mas anterior a 1/8/2015 o A. enquanto conduzia reparou que o volante tremia. (artigo 4. da petição inicial)-- d) O A. deslocou-se a uma oficina reparadora, a 14.08.2015, autorizada pela Opel, designada por M. C. Douro. (artigo 6. da petição inicial)-- e) A M. C. Douro contactou a Interveniente com vista à autorização e garantia do pagamento de 3 situações relativamente ao veículo do A.. (artigo 41º da contestação da Interveniente)-- f) Relativamente à primeira, e após conversações, a Interveniente comunicou à M. C., no dia 22/9/2015, que iria proceder ao pagamento da quantia de €: 454,59. Relativamente a peças e mão-de-obra, para substituição da junta homocinetica e do veio de transmissão do veículo. (artigos 41º a 48º da contestação da Interveniente)-- g) A Interveniente recusou a substituição dos “foles de transmissão” por se tratar de peças sujeitas a um desgaste normal, tendo comunicado tal recusa à oficina por fax de 22/9. (artigo 49º da contestação da Interveniente)-- h) A interveniente disponibilizou um veículo de substituição ao A. durante 12 dias. (artigo 51º da contestação da Interveniente)-- i) No dia 18 de Setembro de 2015, recebeu a interveniente uma nova comunicação da entidade reparadora (M. C.) informando que, após terem procedido à troca do semi-eixo (novo) na viatura do A., o ruído tinha diminuído consideravelmente mas que se mantinha uma vibração em alguns regimes do motor. (artigo 52º da contestação da Interveniente)-- j) Mas informava a referida entidade na mesma comunicação que, após a realização do diagnóstico, haviam concluído que a anomalia em causa se devia a uma folga no volante do motor, tendo informado que necessitava de desmontar a caixa de velocidades para substituir o volante do motor, tendo enviado dois orçamentos para o efeito. (artigo 53º da contestação da Interveniente)-- k) No mesmo dia (18.09.15), enviou a Interveniente à M. C. autorização para que procedesse ao diagnóstico da avaria reportada “vibração em alguns regimes de motor”, tendo pedido de imediato orçamento para a peça que iria ser substituída e que era o volante do motor. (artigo 54º da contestação da Interveniente)-- l) A interveniente informou a entidade reparadora (M. C.), por comunicação com data de 21 de Setembro de 2016, que seria ela – R. – a fornecer a referida peça, tendo dado autorização de reparação para desmontagem e Montagem do Volante do Motor, informando ainda que assumiria o custo da mão-de-obra necessária. (artigo 55º da contestação da Interveniente)— m) No que diz respeito ao 2.º sinistro, a interveniente autorizou e pagou a substituição do volante do motor do veículo do A. no valor de € 690,71, acrescido de IVA, € 431,77, acrescido de IVA, referente ao valor das peças e € 258,40, acrescido de IVA correspondente à mão de obra, tudo num total de € 1.380,34, acrescido de IVA. E ainda os gastos com o aluguer de um automóvel de substituição para utilização do A. durante um período de 5 dias. (artigos 79º e 81º da contestação da Interveniente)-- n) No dia 25 de setembro de 2015, recebe a interveniente da entidade reparadora um email informando que, após ter sido substituído o volante do motor do veículo do A., haviam procedido a um teste de estrada, tendo verificado que se mantinha uma vibração atingidas as 1.500 rotações por minuto. (artigo 56º da contestação da Interveniente)-- o) Mais informou a M. C., no mesmo email, ter verificado que, na sequência dos testes realizados à viatura do A., os 3.º e 4.º cilindros estavam com pouca pressão, solicitando autorização da interveniente para desmontar o motor a fim de determinar as causas da avaria. (artigo 57º da contestação da Interveniente)-- p) Face a esta comunicação da M. C., solicitou a Interveniente à DK uma peritagem ao veículo do A., a fim de se poder determinar com segurança, por uma entidade especializada nesse tipo de serviços, qual a avaria existente e as respetivas causas. (artigo 58º da contestação da Interveniente)-- q) A DK Automotive Solutions dedica-se nomeadamente a peritagens técnicas a automóveis. (artigo 59º da contestação da Interveniente)-- r) No dia 28 de setembro de 2015, a DK informou a interveniente de que o pedido de peritagem se encontrava pendente por se estar a aguardar a desmontagem da cabeça do motor do referido veículo com a devida autorização do proprietário. (artigo 60º da contestação da Interveniente)-- s) Nesse mesmo dia, a interveniente solicitou à M. C. que procedesse à desmontagem do motor para efeito de realização da peritagem técnica, pela DK, tendo no entanto o cuidado de alertar para que fosse obtida autorização prévia, por escrito, do proprietário do veículo. (artigo 61º da contestação da Interveniente)-- t) Mais informou a interveniente, na referida comunicação que o proprietário do veículo devia ser informado de que, no caso de se vir a concluir que a avaria não se encontrava coberta pelo seguro de garantia em causa, as despesas com a desmontagem do motor bem como com a reparação do motor e com o parqueamento do veículo correriam por sua conta. (artigo 62º da contestação da Interveniente)— u) No dia 6 de Outubro de 2015, a interveniente recebeu da M. C. o orçamento de reparação do veículo do A., tendo também recebido, nesse mesmo dia, o Relatório de Peritagem Técnica da DK. (artigo 63º da contestação da Interveniente)— v) As avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor. (artigo 64º da contestação da Interveniente)-- w) A anomalia podia ter sido evitada através do controlo do sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor. (artigo 65º da contestação da Interveniente)— x) A viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema, e com indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que ambos foram testados e verificou-se que se encontravam a funcionar. (artigo 65º da contestação da Interveniente)-- y) A interveniente informou a oficina de que não iria proceder ao pagamento do valor orçamentado e referido em u), alegando que as avarias observadas tinham resultado de um sobreaquecimento do motor, em data anterior não identificada, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração. (artigos 18. e 19. da petição inicial)-- z) O sucedido foi denunciado ao stand vendedor em 09.10.2015, sendo que foi respondido ao A. que eram assuntos que tinha que tratar directamente com a garantia. (artigo 25. da petição inicial)-- aa) Todos os contactos, relativamente às avarias registadas foram estabelecidos entre a seguradora X Seguros Gerais, SA e a oficina M. C.. (artigo 30. da petição inicial)-- ab) O A. ordenou a reparação referida em u) suportando o pagamento da mesma, no valor de €: 2323,72 (artigo 35. da petição inicial e requerimento de 18/1)-- ac) Entre Outubro de 2014 e Fevereiro de 2015 o veículo percorreu cerca de 8.000 Km, apresentando, em 7/2/2015, 105617 km percorridos e, em 11/8/2015, 117701 km percorridos (artigo 13. da contestação da R. J. V., Lda)-- ad) A 1.ª R. celebrou com a ora R. um Contrato de Seguro Complementar de Perdas Pecuniárias de Garantia por Avaria Mecânica com o n.º ... RD, para aquele veículo vendido ao A., nos termos e condições do documento junto à contestação como doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 14º da contestação da Interveniente)-- ae) Este contrato de seguro iniciou a sua vigência no dia 25 de outubro de 2014 tendo cessado a mesma, por caducidade, às 0 horas do dia 24 de outubro de 2015. (artigo 15º da contestação da Interveniente)-- af) O referido seguro tem a 1.ª R. como o Tomador do Seguro, Segurado e seu beneficiário. (artigo 16º da contestação da Interveniente)-- ag) Nos termos do referido contrato estipula-se que tomador do seguro e segurado são os profissionais ou entidades vendedoras de veículos automóveis usados que, conjuntamente com o Segurador, subscrevam o Contrato de Seguro e ao qual correspondem as obrigações que do mesmo derivam. (artigo 18º da contestação da Interveniente)-- ah) E que o montante total dos gastos cobertos durante todo o período de vigência da garantia objecto do presente contrato não poderá ultrapassar, em caso algum, o menor dos seguintes valores: a) O preço de venda faturado pelo vendedor do veículo; b) O valor venal do veículo no momento imediatamente anterior à ocorrência da avaria. (artigo 38º da contestação da Interveniente)- ai) Está prevista contratualmente uma taxa de depreciação do valor das peças e que impõe a aplicação de uma depreciação de 1% por cada mês de antiguidade das peças substituídas, desde que se conclua que tais peças estão cobertas pelo contrato de seguro. (artigo 39º da contestação da Interveniente)-- aj) A antiguidade conta-se a partir da data de emissão da primeira matrícula do veículo, nos termos definidos na apólice. (artigo 40º da contestação da Interveniente)-- ak) O líquido de refrigeração ou anticongelante não está coberto pelo contrato de seguro de garantia em apreço. (artigo 68º da contestação da Interveniente)-- al) Nos termos do seguro contratado estão excluídas as avarias resultantes de se ter continuado a circulação quando os indicadores assinalem falhas no funcionamento dos sistemas ou seja notório um funcionamento anormal do veículo”. (artigo 76º da contestação da Interveniente)-- am) Nos termos do n.º 9 da rubrica “Exclusões Específicas” estão excluídas as avarias resultantes de negligência ou má utilização do veículo, como, por exemplo, (…) a não verificação periódica do nível do líquido de refrigeração”. (artigo 77º da contestação da Interveniente)-- an) Foi a 1.ª R. quem pagou o prémio do seguro. (artigo 88º da contestação da Interveniente)— ao) O A. pagou em 2014 e por referência ao período de 25/10/2014 a 24/10/2014, de seguro automóvel relativo ao veículo dos autos à Seguradora A, SA, a quantia de 531,27€.(artigo 102. da petição inicial)— *B) E deu como não provados: 1) O A. e a 1ª R. acordaram que esta fornecia uma garantia de 2 anos. (artigo 3. da petição inicial)-- 2) O A. detectou o problema no início do mês de Agosto 2015 o qual aparecia quando o veículo se encontrava em aceleração até às 2000 rpm, desaparecendo a vibração de seguida. (artigo 4. da petição inicial)-- 3) Após o referido em n) a oficina garantiu ao A. que a 01.10.2015 o veículo estaria pronto. (artigo 14. da petição inicial)-- 4) Nesse mesmo dia a oficina informou o A. que tinham montado o volante do motor, e contra todas as expectativas, ao testarem o veículo, verificaram que as anomalias estavam atenuadas, mas não dissipadas. (artigo 15. da petição inicial)-- 5) O A. questionou a oficina do motivo desta situação, sendo-lhe respondido, que pelo diagnóstico, poderiam ser dos cilindros, mas que tinham de informar a X dos novos factos, para que a mesma fizesse deslocar um perito especializado. (artigo 16. da petição inicial)-- 6) O perito contratado pela Interveniente concluiu haver uma anomalia do motor. (artigo 17. da petição inicial)-- 7) O prazo de garantia foi reduzido a 1 ano por mútuo acordo. (artigo 39. da contestação da R. J. V., Lda)—*IV. Do objecto do recurso. 1. Da impugnação da matéria de facto. 1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância. Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.». Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada (da modificação dos factos provados para não provados e destes para provados), como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640º. Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.*1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros(1): - só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; - sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; - nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes). - a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância. - a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas. - ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão. - se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. - a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” (2). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança” (3). *1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o recorrente pretende: i) - A alteração da resposta positiva para negativa das alíneas v), w) e x) da matéria de facto provada da decisão recorrida. ii) - A alteração da resposta negativa para positiva dos pontos 1, 2, 3, 4 e 6 da matéria de facto não provada da decisão recorrida. Os referidos pontos fácticos objecto de impugnação têm o seguinte teor: «v) As avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor. (artigo 64º da contestação da Interveniente). w) A anomalia podia ter sido evitada através do controlo do sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor. (artigo 65º da contestação da Interveniente). x) A viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema, e com indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que ambos foram testados e verificou-se que se encontravam a funcionar. (artigo 65º da contestação da Interveniente)». «1) O A. e a 1ª R. acordaram que esta fornecia uma garantia de 2 anos. (artigo 3. da petição inicial). 2) O A. detectou o problema no início do mês de Agosto 2015 o qual aparecia quando o veículo se encontrava em aceleração até às 2000 rpm, desaparecendo a vibração de seguida. (artigo 4. da petição inicial). 3) Após o referido em n) a oficina garantiu ao A. que a 01.10.2015 o veículo estaria pronto. (artigo 14. da petição inicial). 4) Nesse mesmo dia a oficina informou o A. que tinham montado o volante do motor, e contra todas as expectativas, ao testarem o veículo, verificaram que as anomalias estavam atenuadas, mas não dissipadas. (artigo 15. da petição inicial)». «6) O perito contratado pela Interveniente concluiu haver uma anomalia do motor. (artigo 17. da petição inicial)». Com vista a suportar a sua pretensão impugnatória sobre a decisão da matéria de facto diz o recorrente que, «atendendo à prova produzida em audiência de julgamento, designadamente no que diz respeito à prova testemunhal e documental, poder-se-á dizer que a motivação e apreciação crítica proferida pelo tribunal a quo apresenta insuficiências, não tendo sido feita uma verdadeira apreciação crítica da prova produzida, o que desde logo enferma toda a motivação apresentada pelo Tribunal a quo e que deverá ser devidamente apreciada por este Tribunal». Conquanto faça alusão a toda a prova testemunhal produzida, certo é que como concreto fundamento da impugnação da matéria de facto, por referência àquele específico meio de prova, o recorrente apenas invoca em abono da sua pretensão o depoimento da testemunha C. P., sua mulher. Mais invoca as sua próprias declarações de parte e os documentos 3 e 5 juntos com a petição inicial. Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pelo apelante e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados. Antes, porém, de iniciarmos essa análise importa deixar assinalado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação de todos os depoimentos testemunhais produzidos na audiência de julgamento, não nos tendo restringido aos trechos parcelares (do único depoimento testemunhal) assinalados pelo apelante; igualmente procedemos à audição integral do depoimento de parte do legal representante da 1ª Ré, J. V., e das declarações de parte do autor. E, no caso vertente, após a audição integral dos depoimentos prestados (declarações de parte, depoimento de parte e testemunhas) e análise de toda a prova documental produzida, desde já podemos adiantar ser de sufragar na íntegra a valoração/apreciação explicitada pelo Tribunal recorrido, o qual – contrariamente ao propugnado pelo recorrente –, em obediência ao estatuído no art. 607º, n.º 4 do CPC, fez uma análise crítica objetiva, articulada e racional da globalidade da prova produzida, que se mostra condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, logrando alcançar nos termos do n.º 5 do citado normativo uma convicção quanto aos factos em discussão que se nos afigura adequada, lógica e plausível, em termos que nos merece total adesão. Vejamos. < Das alíneas v), w) e x) dos factos provados. Não oferece controvérsia que, em 25.10.2014, o Autor comprou à R. J. V.- Comércio de Automóveis, Lda, um veículo automóvel da marca Opel, modelo Astra, matrícula ..., de cor cinza, com 97.620 Km (portanto usado), pelo preço de 15.500,00€ (al. a) dos factos provados). E que, em data concretamente não apurada, mas anterior a 1/08/2015, o A. enquanto conduzia reparou que o volante tremia, pelo que a 14.08.2015 se deslocou a uma oficina reparadora, autorizada pela Opel, designada por M. C. Douro (als. c) e d) dos factos provados). A M. C. Douro contactou a Interveniente com vista à autorização e garantia do pagamento de três situações relativamente ao dito veículo do A. (al. e) dos factos provados). Relativamente à primeira situação, e após conversações, a Interveniente comunicou à M. C., no dia 22/9/2015, que iria proceder ao pagamento da quantia de €: 454,59, relativamente a peças e mão-de-obra, para substituição da junta homocinetica e do veio de transmissão do veículo (al. f) dos factos provados). No dia 18 de Setembro de 2015, recebeu a interveniente uma nova comunicação da entidade reparadora (M. C.), informando que, após terem procedido à troca do semi-eixo (novo) na viatura do A., o ruído tinha diminuído consideravelmente, mas que se mantinha uma vibração em alguns regimes do motor; na mesma comunicação mais informava a referida entidade que, após a realização do diagnóstico, haviam concluído que a anomalia em causa se devia a uma folga no volante do motor, tendo informado que necessitava de desmontar a caixa de velocidades para substituir o volante do motor, tendo enviado dois orçamentos para o efeito (als. i) e j) dos factos provados). No mesmo dia (18.09.15), enviou a Interveniente à M. C. autorização para que procedesse ao diagnóstico da avaria reportada “vibração em alguns regimes de motor”, tendo pedido de imediato orçamento para a peça que iria ser substituída e que era o volante do motor (al. k) dos factos provados). A interveniente informou a entidade reparadora (M. C.), por comunicação com data de 21 de Setembro de 2016, que seria ela – R. – a fornecer a referida peça, tendo dado autorização de reparação para desmontagem e Montagem do Volante do Motor, informando ainda que assumiria o custo da mão-de-obra necessária (al. l) dos factos provados). No que diz respeito ao 2.º sinistro, a interveniente autorizou e pagou a substituição do volante do motor do veículo do A. no valor de € 690,71, acrescido de IVA, € 431,77, acrescido de IVA, referente ao valor das peças e € 258,40, acrescido de IVA correspondente à mão de obra, tudo num total de € 1.380,34, acrescido de IVA, bem como os gastos com o aluguer de um automóvel de substituição para utilização do A. durante um período de 5 dias (al. m) dos factos provados). No dia 25 de setembro de 2015, a interveniente recebeu da entidade reparadora um email informando que, após ter sido substituído o volante do motor do veículo do A., haviam procedido a um teste de estrada, tendo verificado que se mantinha uma vibração atingidas as 1.500 rotações por minuto; mais informou a M. C., no mesmo email, ter verificado que, na sequência dos testes realizados à viatura do A., os 3.º e 4.º cilindros estavam com pouca pressão, solicitando autorização da interveniente para desmontar o motor a fim de determinar as causas da avaria (als. n) e o) dos factos provados). Face a esta comunicação da M. C., solicitou a Interveniente à DK Automotive Solutions – empresa que se dedica nomeadamente a peritagens técnicas a automóveis – uma peritagem ao veículo do A., a fim de se poder determinar com segurança, por uma entidade especializada nesse tipo de serviços, qual a avaria existente e as respetivas causas (als. p) e q) dos factos provados). A matéria impugnada em apreço diz diretamente respeito ao apuramento da causa e da natureza das avarias reportadas no veículo adquirido pelo autor à 1ª ré e que motivaram o recurso daquele à oficina M. C. a fim de se proceder à respetiva reparação e eliminação de tais defeitos, dizendo igualmente respeito aos equipamentos ou instrumentos de que o veículo do A. estava dotado com vista a sinalizar ou indicar ao condutor a ocorrência de uma situação atinente à falta de líquido de refrigeração e à indicação de excesso de temperatura no motor. A resposta às questões fácticas referentes à determinação da(s) causa(s) das avarias apresentadas pelo veículo do A. demanda conhecimentos técnicos especializados, nomeadamente formação mecânica no âmbito automóvel, que, regra geral, não são do domínio de um leigo, desconhecedor dessa matéria específica. Não obstante o que antecede, o recorrente invoca como suporte da sua pretensão impugnatória o depoimento testemunhal da sua mulher, C. P., assim como as suas próprias declarações de parte. A testemunha C. P., que exerce profissionalmente as funções de educadora de infância e que não revelou ter conhecimentos sobre mecânica, indicou, com relevância, o seguinte: - Durante o mês de agosto de 2015 começaram a notar que, em pequenas rotações, o volante do carro começava a tremer. - O A. dirigiu-se à M. C. para lhe reportar tal ocorrência do veículo, tendo este aí permanecido para ser detetada a causa dessa ocorrência e efetuada a sua reparação. - O A. trabalhava em ... e o casal reside em Baião, distando cerca de 150 quilómetros entre tais localidades, pelo que todas as semanas o seu marido fazia com o referido veículo “bastantes quilómetros”. - Quando se aperceberam que o volante do carro tremia em pequenas rotações o A. foi de imediato à oficina para ver o que é que o carro tinha. - O carro ficou (ininterruptamente) imobilizado na dita oficina desde 24 de agosto até novembro de 2015. - Apercebeu-se da anomalia (tremor do volante) quer como passageira, quer como condutora. - Só conduzia com regularidade o veículo aos fins-de-semana e nas férias, pois durante a semana o marido encontrava-se em ... e fazia-se deslocar nesse veículo. - A X assumiu as duas primeiras avarias, mas à terceira (“em que veio lá o perito, em que depois foi enviado o relatório”) rejeitou a assunção do pagamento dessa reparação. Por sua vez, em sede de declarações de parte do Autor, indicou este, entre o mais, que: - Apercebeu-se do tremor no volante muito antes de ter levado o carro à oficina, só que dantes não conhecia bem o carro, as viagens que fazia, embora sendo 150 quilómetros, era sempre em estradas nacionais e com muitas curvas, pelo que foi-se apercebendo que o volante tremia. - Na altura julgou que fosse da direcção ou dos pneus, porque numa altura trocou de pneus e alinhou a direcção. - Continuou a sentir essas vibrações mais fortes, sendo que numa reparação simples de mudança de calços na Opel, na L., na Guarda, e não na M. C., foi-lhe dito que o problema podia ser da transmissão, tendo ficado alertado para tal. - O problema acentuou-se e em agosto de 2015 decidiu levar o veículo à M. C.. - Conduz há já muitos anos e tem conhecimento das luzes sinalizadoras, sendo que recentemente na própria carrinha surgiu-lhe a indicação de uma luz vermelha e, de imediato, parou o carro. - Quando parou o carro, o que ocorreu num fim-de-semana, a esposa andou sempre com ele e nunca acendeu qualquer tipo de luz. - A questão foi-se acentuando e “por desconhecer o carro e por também às vezes falta de tempo, quando” foi “à M. C. foi quando eles detectaram isso e depois” que entregou o carro nunca mais nele tocou. - Já tinha feito uma manutenção na M. C. com o referido veículo automóvel, “aos 105 mil/km e qualquer coisa”. Sendo este, na sua essencialidade, o teor dos depoimentos prestados, e mesmo abstraindo do interesse direto que tais intervenientes possuem no desenlace da lide – o declarante R. M. por ser parte ativa na ação e a testemunha C. P. por ser mulher dele –, sempre se dirá que, por referência ao teor de tais depoimentos, é manifesto não possuírem os mesmos a valência probatória justificadora que o recorrente lhes pretende conferir, de modo a alicerçar a modificação das respostas dadas à matéria de facto impugnada. Não são sequer suficientes para criar no julgador uma dúvida séria sobre a verificação de tais factos, de modo a torná-los duvidosos, em vez da convicção formada, sendo que aquela a manter-se (e por ser insanável) conduziria a que a referida matéria fáctica devesse ser transferida para a seleção dos factos não provados (art. 346º do Cód. Civil e art. 414º do CPC). Deste modo, os indicados depoimentos não autorizavam o tribunal recorrido – nem este tribunal de recurso, que continua a ser um tribunal de instância – a extrair uma convicção distinta da que (a 1ª instância) formou com vista à demonstração dos pontos de facto impugnados. Atestando o acerto das respostas conferidas pelo Tribunal “a quo” à enunciada matéria de facto impugnada há desde logo a destacar o relatório técnico constante de fls. 168 a 176, elaborado pela DK Automotive Solutions – empresa que se dedica a peritagens técnicas a automóveis –, que constitui o resultado da peritagem realizada ao veículo do A. requerida pela interveniente em resultado da não eliminação da avaria em causa (“vibração em alguns regimes de motor”), não obstante as duas intervenções (já) anteriormente efetuadas com esse especifico desiderato. As conclusões das observações técnicas do referido Relatório indicam que “as avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, que não foi possível identificar, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor”. Mais se concluiu no referido Relatório, que essa “anomalia podia ter sido evitada, através do controlo no sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor, pois esta viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema, bem como está equipada com indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que ambos foram testados e verificou-se que se encontram a funcionar em perfeitas condições”. Ora, secundando o explicitado na motivação da sentença recorrida, “este relatório mostrou-se igualmente de particular importância, pois que está elaborado de forma clara, rigorosa e pormenorizada, permitindo a um leigo perceber os pressupostos das conclusões ali alcançadas”. Tal relatório foi, de resto, totalmente corroborado pela testemunha A. J., perito e funcionário da entidade encarregue da perícia (DK Automotive Solutions), o qual é coordenador técnico e supervisionou a referida peritagem, constando nessa qualidade a sua assinatura no referido relatório (cfr. fls. 168 v.º). De um modo escorreito, lógico e coerente, a indicada testemunha explicitou os procedimentos adotados com a vista à elaboração da peritagem, bem como justificou as premissas que dele constam e as conclusões aí alcançadas. Registe-se que o teor do referido depoimento testemunhal, o mesmo valendo para as conclusões do referido relatório técnico, não foram de modo algum infirmadas, ilididas ou minimamente colocadas em dúvida pela contraparte, designadamente por qualquer outro meio probatório produzido nos autos. Acresce que a testemunha respondeu cabalmente e de um modo fundado a todas as questões que lhe foram colocadas, não se eximindo a nenhuma delas, independentemente de terem sido formuladas pelo mandatário que a arrolou ou pelo mandatário da parte contrária, o que é revelador da credibilidade que a mesma nos deve merecer. Na parte final do seu depoimento esclareceu que, perante a avaria apresentada, com danos no motor, tudo aponta para que o veículo do A. tenha circulado durante algum tempo com o problema diagnosticado sem que o A. tenha de imediato recorrido à oficina a fim de eliminar tal avaria, o que, de certo modo, se mostra em consonância com as declarações de parte do A., o qual acabou por deixar subentendido que, não obstante ter-se apercebido que o carro tremia em circulação, devido à “falta de tempo” só mais tarde decidiu levar o carro à M. C. a fim de ser diagnosticado e reparado o dito problema. E, em sede de esclarecimentos solicitados pela Mmª Juíza, a testemunha A. J. confirmou que as causas das avarias detetadas na peritagem são compatíveis com o facto de o veículo tremer ou vibrar em circulação, porquanto aquele tipo de danos (que, para um entendido na matéria de mecânica automóvel, disse serem também percetíveis através das fotografias 16, 17 e 18 de fls. 175) provoca trepidação ou vibrações do motor. De notar que a mencionada testemunha, para além do conhecimento que revelou ter por força da sua intervenção na supervisão do referido relatório técnico, fundou as respostas dadas nos específicos conhecimentos técnicos de que é portador, que logrou transmitir de um modo detalhado, plausível, lógico e racional e em articulação com a demais prova produzida. Por último, o documento 3 junto com a petição inicial (cfr. fls. 38 e 39), intitulado “Relatório intervenção Técnica”, elaborado pela M. C., não é apto a infirmar as conclusões do relatório técnico constante de fls. 168 a 176 elaborado pela DK Automotive Solutions. Embora o referido “Relatório intervenção Técnica” descreva o diagnóstico e o âmbito das reparações, certo é que o histórico de diagnóstico da M. C. e das intervenções por esta realizadas ao veículo do A. revela que as duas primeiras não foram bem sucedidas, visto não ter logrado avaliar e eliminar a(s) avaria(s) que o veículo apresentava. Daí que, confrontada com a necessidade duma terceira intervenção consistente na desmontagem do motor a fim de determinar as concretas causas da avaria, a Interveniente tenha decidido solicitar a realização de uma peritagem ao dito veículo do A., a fim de se poder determinar com segurança, por uma entidade especializada nesse tipo de serviços, o tipo de avaria existente e as respetivas causas. O resultado dessa perícia solicitada, como já se disse, mostra-se corporizado no referido relatório técnico constante de fls. 168 a 176. Ora, considerando, por um lado, a profissionalidade da empresa que o elaborou e a especialização do(s) perito(s) na matéria objeto da perícia, a sua abrangência e o seu cariz técnico, a suficiência dos factos e elementos em que se baseia (documentando-o com as fotografias que dele constam em anexo), a inteligibilidade do laudo, com a descrição dos procedimentos levados a cabo para se chegar ao resultado alcançado, a observância, na sua elaboração, de parâmetros científicos ou técnicos (que não foram minimamente colocados em crise), assim como a coerência, motivação e racionalidade das suas conclusões, é de concluir que o seu resultado se deve sobrepor ao dito “Relatório intervenção Técnica”, o qual, até pela limitação subjacente à sua elaboração e ao inêxito das intervenções efetuadas, de modo algum tem a valia e credibilidade probatória daqueloutro. Em reforço do que antecede assinale-se que as testemunhas P. G. (à data dos factos colaborador subordinado da M. C., onde desempenhava as funções de rececionista automóvel, mas atualmente desempregado) e P. E. (colaborador subordinado da M. C., onde desempenha as funções de rececionista automóvel), os quais expressamente reconheceram não ter formação em mecânica, não colocaram em causa quer as premissas, quer as conclusões do referido relatório técnico constante de fls. 168 a 176. Pelo exposto, face à prova produzida é de julgar improcedente a impugnação à materialidade fáctica em apreço, motivo por que improcedem nesta parte as conclusões do apelante.* - < Pontos 1, 2, 3, 4 e 6 dos factos não provados: Como é sabido, regra geral, as razões que levam a que um determinado facto seja considerado não provado podem consistir no seguinte: - a total ausência ou falta de prova produzida quanto a esse facto, caso em que nenhuma prova foi produzida nos autos quanto a determinado facto, pelo que o mesmo necessariamente resultará não provado; - a falta ou ausência de credibilidade da prova produzida quanto a esse facto; neste caso (ao contrário do anterior) a produção de prova incidiu sobre o facto em apreço, mas a mesma não foi considerada credível pelo tribunal (4). Relativamente ao ponto 1 dos factos não provados, importa dizer que, inquirido em sede de depoimento de parte, o legal representante da 1ª ré, J. V., rejeitou que tenha sido acordado com o A. o fornecimento de uma garantia de dois anos pela venda do veículo em causa, admitindo tão só que a garantia era de um ano. Por outro lado, em sede da impugnação da matéria de facto, o recorrente não aduz qualquer meio de prova onde, na sua perspetiva, se possa alicerçar a pretendida alteração da resposta atribuída a esse ponto fáctico. Resta-nos, por isso, sufragar a motivação da sentença recorrida, no sentido de que, «para além da falta de confissão do legal representante da 1ª R., igualmente foram os esclarecimentos do mesmo insuficientes para se provar o acordo das partes quanto a prazos de garantia, não decorrendo o mesmo, igualmente, de qualquer documento junto, mormente do certificado de seguro (o que aí se refere é a duração do seguro), nem do depoimento da testemunha P. S., vendedor de automóveis e que tratou com o A. da compra do veículo, não obstante o rigor e espontaneidade do mesmo». O ponto 2 dos factos não provados, correspondente ao art. 4º da p.i., foi infirmado pelo próprio autor, no âmbito das declarações de parte por si prestadas, no que concerne ao desfasamento entre a data em que detetou a vibração no volante do veículo (anterior a agosto de 2015) e sua (ulterior) deslocação à oficina a fim de ver resolvida tal anomalia ou mau funcionamento (o que só correu a 14/08/2015). É, por conseguinte, de manter inalterada a resposta (de não provado) conferida pela 1ª instância ao ponto fáctica em causa. A matéria objeto dos pontos 3 e 4 dos factos não provados não só não foi confirmada pelas testemunhas P. G., P. E., como igualmente não resulta dos documentos carreados aos autos. Ademais, quanto a este ponto o recorrente identicamente não explicita em que específicos meios probatórios funda a sua pretensão impugnatória tendente à modificação das respostas dadas. Daí que se conclua pela improcedência da impugnação fáctica em apreço. Por último, no que concerne ao ponto 6 dos factos não provados, contrariamente ao propugnado pelo recorrente, o perito contratado pela interveniente não concluiu “haver uma anomalia do motor”, mas sim, corroborando o relatório técnico constante de fls. 168 a 176, asseverou que “as avarias observadas ao nível do motor resultaram da sua exposição a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior, que não foi possível identificar, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor”, o que não consubstancia confirmação daqueloutro facto impugnado. Em suma, na ausência de prova que ateste a factualidade objeto do referido ponto fáctico, dúvidas não subsistem quanto à manutenção da resposta firmada pelo tribunal recorrido.*Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pela Mm.ª juíza a quo, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.*2. Reapreciação da decisão de mérito. 2.1. – Da apreciação da responsabilidade das rés à luz do regime da venda de bens de consumo estabelecido no Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, com as alterações do Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05 Tratam os presentes autos de um contrato de compra e venda incidindo sobre um veículo usado alegadamente defeituoso (cuja falta de conformidade se manifestou posteriormente à entrega), compra e venda essa realizada pelo autor/recorrente como comprador e a 1ª ré como vendedora. De facto, estando provado que a 1ª R. vendeu ao A. um bem (veículo automóvel usado), a cujo comércio se dedica – compra e venda de automóveis –, contra o pagamento do respectivo preço (15.500,00€), dúvidas não subsistem estarmos perante um contrato de compra e venda. Estabelece o art. 874º do CC que “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. A realização deste tipo de negócio jurídico gera a obrigação do vendedor transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação do comprador de pagar o preço (cfr. arts. 879º, 882º e 883º, todos do CC). Defende o recorrente que a sentença impugnada fez uma indevida interpretação e aplicação das normas legais aos factos provados, porquanto, por apelo ao regime de proteção do consumidor, erigido pelo Dec. Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, «perante a factualidade demonstrada, sendo o veículo vendido a um particular (A.), no âmbito do exercício profissional do comércio (v. art.º 1.º-A, n.º 1, do diploma), e considerando que houve comunicação da avaria no tempo previsto para o efeito, estando ainda em vigor o conjunto de direitos que este diploma concede aos consumidores, não restam dúvidas que o Réu e Interveniente terão de repor as qualidades inerentes e próprias do bem em causa, um veículo automóvel, procedendo à sua reparação». Parte das premissas que servem de fundamento à apelação assentavam na procedência da impugnação da matéria de facto, o que, como vimos, não se veio a concretizar. Sem embargo do que antecede, vejamos se assistirá razão ao recorrente nas críticas que faz à subsunção jurídica dos factos provados aduzida na sentença recorrida. Como é sabido, o contrato de compra e venda para consumo é um subtipo do contrato de compra e venda. A esse tipo de contrato aplica-se, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), e de outros diplomas transversais de proteção dos consumidores, o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05 (5), que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores» (cfr. art. 1º deste Dec. Lei). A razão de ser da introdução desta regulamentação mais protectora do comprador consumidor consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respectivo negócio de compra e venda (6). No caso, concluiu o tribunal “a quo” que, mesmo a aplicar-se o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, previsto no Dec. Lei. n.º 67/2003, de 08.04, na redação dada pelo D.L. n.º 84/2008, de 21.05, sempre a ação deveria improceder, porquanto «apurou-se que a avaria se deveu a falta de cuidado do A. na manutenção do veículo e não a anomalia do motor existente desde a venda, pelo que não assiste qualquer direito, nomeadamente indemnizatório ao A.». Tendo, pois, presente que ambas as partes fazem apelo para a decisão deste litígio às regras que regulam a compra e venda por parte de consumidor, será considerada essa situação, sem haver necessidade de analisar mais profundamente a referida qualidade do autor como consumidor no negócio aqui em causa. Versando sobre o âmbito de aplicação estabelece o n.º 1 do art. 1º-A do Dec. Lei. n.º 67/2003: «O presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores». Mais estatuindo e definindo, no seu art. 1º-B: «a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho; b) «Bem de consumo», qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão; (…) h) «Reparação», em caso de falta de conformidade do bem, a reposição do bem de consumo em conformidade com o contrato». Prevendo sobre a conformidade com o contrato, estipula o art. 2º: «1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda. 2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos: a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem. 3 - Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor. 4 - A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem». Sob a epígrafe “Entrega do bem”, dispõe o art 3.º do dito decreto-lei: «1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue. 2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade». E estipula o art. 4º do citado diploma legal: «1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. 2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor. 3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material. 4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador. 5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. 6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem». Por último, de acordo com o estatuído no art. 12º, n.º 1, da Lei n.º 24/96, de 31/07, o consumidor tem ainda direito a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens defeituosos. Por referência ao art. 2º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 67/2003, a «conformidade é sempre avaliada pela operação que consiste em comparar a prestação estipulada (explícita ou implicitamente) no contrato e a prestação efetuada» (7). Acrescenta o citado autor que, mais do que caraterizar o que é ou não conforme o contrato, o que se pretende no citado art. 2º é precisar-se o que é que consta do contrato, para depois, no momento do cumprimento, aferir se o objeto prestado corresponde ao objeto contratado. Aquilo que, no regime legal que regula a venda de bens de consumo (Dec.-Lei nº 67/2003, alterado pelo Decreto-Lei nº 84/2008), se designa como falta de conformidade com o contrato corresponde à noção tradicional de defeitos do bem. Não existe qualquer categoria de falta de conformidade em relação ao contrato para além das “deficiências” do bem vendido, objecto do mesmo contrato (8). Essa noção de desconformidade abrange quer os vícios na própria coisa objeto do contrato, quer os vícios de direito ou vícios jurídicos (9). O citado art. 2º, no seu n.º 2, veio consagrar um sistema de presunções ilidíveis (de falta conformidade dos bens), com base numa formulação negativa, como também afastou a exigência de verificação cumulativa dos critérios para o funcionamento da presunção (10). Para Calvão da Silva (11), os critérios presuntivos de determinação da não conformidade são de duplo sentido, pois, por um lado, facilitam a prova ao vendedor para que mostre no caso em concreto a coexistência dos critérios, e, por outro lado, podem servir de prova de falta de conformidade ao consumidor se este demonstrar a não verificação de qualquer um dos critérios no caso em concreto. Como se explicitou no Ac. do STJ de 20/03/2014 (relator Moreira Alves), in www.dgsi.pt., o Dec. Lei n.º 67/2003 não alterou o ónus da prova que já resultava do nosso direito comum a respeito da venda de coisa defeituosa. Assim sendo, para que possa exercer os direitos que lhe assistem, compete ao comprador/consumidor alegar e provar o defeito da coisa, isto é, a sua desconformidade com o contrato, na terminologia do referido Dec. Lei, e que esse defeito existia à data da entrega. Simplesmente, para garantir ao consumidor um mínimo de protecção, a lei estabeleceu presunções de não conformidade, as quais, abrangendo situações correntes “valem como regras legais de integração do negócio jurídico, destinadas a precisar o que é devido contratualmente na ausência ou insuficiência de cláusulas que adrede fixem as características e qualidades da coisa a entregar ao consumidor em execução do programa negocial adoptado pelas partes” (12). Por outro lado, considerando a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo (dentro de 2 ou 5 anos, a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente), a lei favorece o consumidor, determinando que a falta de conformidade verificada dentro dos referidos prazos faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, competindo, então, ao vendedor, ilidir a presunção de não conformidade ou que, atentas as circunstâncias, o defeito não existia na data da entrega. A lei, no art. 3º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003, previu, assim, a dispensa ou liberação legal do ónus da prova da anterioridade da falta de conformidade. Esta regra liberta o consumidor da difícil prova da existência de falta de conformidade no momento da entrega do bem, tendo aquele apenas de provar a falta de conformidade do bem (e, naturalmente, a celebração do contrato) (13). Contanto que a desconformidade se manifeste num prazo de dois anos a contar da entrega do bem móvel (14), ao consumidor basta fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa (da falta de conformidade), sem necessidade de (alegar e) provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. Trata-se de uma verdadeira presunção específica que estabelece a responsabilidade do vendedor pela falta de conformidade do bem com o contrato (15), a qual, de acordo com o regime imperativo imposto pelo art. 10º do Dec. Lei n.º 67/2003, não poderá ser, em qualquer circunstância, afastada pelas partes. Uma vez provado o facto que dê origem à presunção de desconformidade, terá o vendedor o ónus de provar o facto concreto, posterior à entrega, que gerou a falta de conformidade, designadamente a prova do mau uso ou do uso incorreto do bem pelo consumidor (16). O mesmo é dizer que bastará ao consumidor alegar e provar os factos base da presunção e que eles se manifestaram dentro do prazo da garantia legal imposta pelo Dec. Lei n.º 67/2003 (no caso, tratando-se de um bem móvel, 2 anos); já a 1ª ré (vendedora), para se ilibar da responsabilidade, incumbirá alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador (designadamente por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado), a terceiro ou devida a caso fortuito (17)(18). Feitos estes considerandos teóricos sobre os institutos jurídicos que relevam para a decisão da questão submetida à nossa apreciação, importa, antes de mais, averiguar perante a factualidade disponível se pode presumir-se a não conformidade do automóvel vendido pela Ré, nos termos do art. 2º n.º 2, al. d) do Dec. Lei n.º 67/2003, o que passa por saber se está demonstrado o facto base da presunção legal. No caso dos autos está provado que, tendo adquirido à 1ª ré, em 25.10.2014, o veículo automóvel de matrícula ..., em data concretamente não apurada, mas anterior a 1/08/2015 (antes, portanto, de decorridos dois anos após a entrega), o A. enquanto conduzia o dito veículo reparou que o volante tremia. A demonstração desse circunstancialismo fáctico, revelador do mau funcionamento do veículo, pois não é suposto o volante tremer ou apresentar vibrações “em alguns regimes de motor”, constitui o facto base da presunção legal e faz presumir a não conformidade do automóvel vendido pela 1ª Ré, nos termos do art. 2º, n.º 2, al. d) do D.L. n.º 67/2003. Por outro lado, manifestando-se a avaria num prazo de dois anos a contar da entrega do veículo, fica dispensada a demonstração da anterioridade da desconformidade do bem no momento da entrega (art. 3º, n.º 2, do citado D.L.). Competia, por isso, às RR. ilidir essa presunção, mediante a demonstração da falta de conformidade resultar de facto imputável ao consumidor. Ora, à semelhança do propugnado na sentença recorrida, entendemos que a ilisão dessa presunção mostra-se, no caso, satisfeita pelas RR.. Na verdade, resulta da facticidade apurada que as avarias observadas ao nível do motor foram causadas pela falta de manutenção do veículo, nomeadamente pela exposição do motor a forte sobreaquecimento sofrido em data anterior à sua condução à oficina, motivado pelo funcionamento do motor com falta de líquido de refrigeração no sistema de arrefecimento do motor. Mais se provou que a anomalia podia ter sido evitada através do controlo do sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração e do indicador de excesso de temperatura no motor, sendo que a viatura está equipada com sistema de alerta de falta de líquido de refrigeração no sistema e com indicador de excesso de temperatura no motor, «mecanismos que estavam a funcionar e, parece evidente, aos quais o A. não prestou a devida atenção». Parafraseando o decidido na sentença recorrida, vista esta factualidade, temos necessariamente de considerar afastada a presunção da existência de anomalia à data da entrega do bem, por estar provado que a causa da avaria foi «imputável a falta de cuidado do A. na manutenção do veículo e de atenção aos avisos pelo mesmo dados», e não a anomalia do motor existente desde a entrega do veículo ou que se revelou posteriormente à venda. Como refere a recorrida nas suas alegações, o vendedor não está obrigado a reparar qualquer tipo de avaria que ocorra no decurso do período de garantia, nomeadamente não tem a obrigação de indemnizar as avarias que se produziram por responsabilidade do comprador/consumidor, desde logo os que se verificaram por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado, como é o caso dos autos. Portanto, ilidida que se mostra a dita presunção da falta de conformidade à data da entrega e demonstrado que se mostra que a avaria verificada no automóvel resultou de facto imputável ao consumidor, não assiste qualquer direito ao A., nomeadamente reparatório e/ou indemnizatório, sendo certo que a solução não seria diferente face ao regime comum da compra e venda de coisas defeituosas (19). A sentença recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões do apelante. *Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC): I – Ao contrato de compra e venda para consumo aplica-se, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05, que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio» (art. 1º deste Dec. Lei). II – Considerando a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo (dentro de 2 ou 5 anos, a contar da entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respetivamente), a lei favorece o consumidor, determinando que a falta de conformidade verificada dentro dos referidos prazos faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (art. 3º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 67/2003). III – Nesse pressuposto, ao consumidor basta fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa (da falta de conformidade), sem necessidade de (alegar e) provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. IV – Uma vez provado o facto que dê origem à presunção de desconformidade, terá o vendedor o ónus de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador (designadamente por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado), a terceiro ou devida a caso fortuito. V – Apurando-se que a causa da avaria se deveu a falta de cuidado do comprador/consumidor na manutenção do veículo, é de considerar afastada a presunção da falta de conformidade à data da entrega ou que se revelou posteriormente, pelo que não lhe assiste qualquer direito, nomeadamente reparatório e/ou indemnizatório. *V. DECISÃO Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).* Guimarães, 17 de janeiro de 2019 Alcides Rodrigues (relator) Joaquim Boavida (1º adjunto) Paulo Reis (2º adjunto) 1. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt. 2. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 435/436; no mesmo sentido, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pp. 191/192 3. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Fundamentais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 202. 4. Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, p. 208. 5. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, Manuel de Direito de Consumo, 5ª ed., 2018, Almedina, p. 262. 6. Cfr. Ac. do STJ de 05/05/2015 (relator João Camilo), in www.dgsi.pt. 7. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 274. 8. Cfr. Ac. do STJ de 17/12/2015 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt. 9. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 272. 10. Diversamente do critério adotado na Diretiva n.º 1999/44/CE (art. 2º, n.ºs 1 e 2), em vez de uma presunção de conformidade o legislador nacional decidiu estabelecer uma presunção de não conformidade. 11. Cfr. Venda de Bens de Consumo – Comentário, Revista, Aumentada e Atualizada, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, p.84. 12. Cfr. Calvão da Silva, obra citada, p. 83. 13. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 309. 14. Relativamente à Diretiva 1999/44/CE (art. 5º, n.º 3), o legislador nacional alargou o prazo da presunção de anterioridade (da falta de conformidade) de seis meses para dois anos após a entrega do bem, aumentando substancialmente o nível de proteção do consumidor. 15. A esta presunção excecionam-se apenas os casos em que a mesma for incompatível com a natureza do bem ou com as características da falta de conformidade (parte final do n.º 2 do art. 3º do Dec. Lei n.º 67/2003). A presunção é incompatível com a natureza do bem quando o mesmo seja de desgaste rápido ou sujeito a um prazo de validade. Nestes casos a presunção apenas poderá funcionar dentro dos respectivos prazos de validade. Por outro lado, a presunção será incompatível com as características da falta de conformidade quando for claro que a mesma se deveu a mau uso ou uso incorrecto por parte do consumidor, de sabotagem, de acção de terceiro. – cfr., sobre o tema, Jorge Morais de Carvalho, obra citada, pp. 310/311. 16. Cfr. Jorge Morais de Carvalho, obra citada, p. 309. 17. Cfr. Ac. da RL de 10/02/2015 (relator Manuel Marques), in www.dgsi.pt. 18. Em sentido similar, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Justiça da União Europeia de 4/06/2015, no processo C-497/13 (que tinha por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.º TFUE, no processo Froukje Faber/ Autobedrijf Hazet Ochten BV), https://curia.europa.eu/jcms/jcms/P_106320/pt/?rec=RG&jur=C&anchor=201506C2042A#201506C2042A, «[n]o caso de a falta de conformidade se ter manifestado no prazo de seis meses a contar da entrega do bem, o artigo 5.º, n.º 3, da Diretiva 1999/44 atenua o ónus da prova que incumbe ao consumidor, prevendo que se presume que a falta existia no momento da entrega. Para beneficiar dessa atenuação, o consumidor deve, contudo, fazer prova de certos factos. Em primeiro lugar, o consumidor deve alegar e fazer prova de que o bem vendido não está em conformidade com o contrato em causa na medida em que, por exemplo, não possui as qualidades acordadas no referido contrato ou ainda é impróprio para o uso habitualmente esperado para esse tipo de bem. O consumidor está obrigado a provar a existência da falta. Não está obrigado a provar a causa da mesma nem que a sua origem é imputável ao vendedor. Em segundo lugar, o consumidor deve provar que a falta de conformidade em causa se manifestou, isto é, se revelou materialmente, num prazo de seis meses a contar da entrega do bem. Demonstrados estes factos, o consumidor está dispensado de demonstrar que a falta de conformidade existia à data da entrega do bem. A ocorrência dessa falta no curto período de seis meses permite pressupor que, caso esta apenas se tenha revelado posteriormente à entrega do bem, já estava presente, «em estado embrionário», no mesmo aquando da entrega […]. Incumbe, então, ao profissional, se for caso disso, fazer prova de que a falta de conformidade não estava presente no momento da entrega do bem, demonstrando que essa falta tem como causa ou origem um ato ou omissão posterior a essa entrega. No caso de o vendedor não demonstrar cabalmente que a causa ou a origem da falta de conformidade reside numa circunstância ocorrida depois da entrega do bem, a presunção estabelecida no artigo 5.º, n.º 3, da Diretiva 1999/44 permite ao consumidor alegar os direitos que retira dessa diretiva». 19. Por referência ao regime geral da responsabilidade contratual (arts. 798º e ss. do Código Civil), ao regime especial previsto no art. 913° do Código Civil (que remete para o regime da compra e venda de bens onerados) e às particularidades previstas nos arts. 914° e ss. do Código Civil.