Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. C., instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra A. T., ambos melhor identificados, pedindo seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, destinado a habitação do Réu, tendo por objeto a parte B do prédio urbano sito na Travessa …, freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo …, por denúncia efetuada pela autora, e com efeitos em 28 de fevereiro de 2018; seja o Réu condenado a entregar à Autora o prédio identificado nos autos, livre de pessoas e bens; bem como no pagamento à Autora, uma indemnização por cada mês ou fração que decorrer desde a citação até à entrega efetiva do prédio, no valor equivalente ao dobro da renda que vigorou nos últimos anos, ou seja, de € 300,00 mensais. O Réu contestou, alegando, em síntese, a ineficácia da denúncia operada pela Autora, por não se tratar de contrato por tempo indeterminado e por não se encontrarem preenchidos os restantes pressupostos de tal denúncia; a falta de requisitos da comunicação de denúncia operada pela Autora, por não ter sido rececionada pelo Réu; e impugnando parte da matéria e facto alegada na petição inicial. Exercido o contraditório, os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, após o que foi proferido o despacho saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa por considerar não haver necessidade de ulterior produção de prova, e que decidiu nos seguintes termos: “ (…) Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente, porque provada, e, em consequência: 1 - Declara-se a cessação do contrato de arrendamento existente entre as partes, por denúncia, no que respeita à “parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., nº ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ...”; 2 - Condena-se o Réu a entregar à Autora a “parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., nº ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ...”, livre e desocupado de pessoas e bens; 3 - Condena-se o Réu a pagar à Autora, o valor das rendas vencidas de Março a Julho de 2018, no montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), bem como das que se vencerem na pendência da presente acção. 4 - Condenar Réu a pagar à Autora, desde o termo do contrato até ao momento da entrega do locado, uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, no montante mensal de € 300,00 (trezentos euros).**Custas a cargo do Réu - artigos 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e art. 6.º n.º 1 e tabela I, do Regulamento de Custas Processuais.*Registe e Notifique”. Inconformado, o Réu apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1 - O Tribunal recorrido entendeu que logo após a realização da audiência prévia, como as partes prescindiram do conhecimento da questão da denúncia pelo senhorio por necessidade do locado, o processo “já continha todos os elementos capazes de habilitar o tribunal a decidir de fundo (…) o que se fará sem necessidade de ulterior produção de prova, ao abrigo do disposto no artigo 591º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, uma vez que apenas cumpre conhecer de uma questão de direito – apreciar a eficácia da notificação ao Réu da denúncia/ oposição à renovação do contrato de arrendamento”. 2 – A sentença em crise á pautada pela nulidade. 3 – Não se está perante apenas uma questão de direito, mas também de apreciação de factos. Não se pode resumir todo este processado apenas à “eficácia da notificação ao Réu da denúncia/ oposição à renovação do contrato de arrendamento”. 4 – Cabe aferir se realmente o recorrente recebeu a referida carta registada, uma vez que foi rececionada por um terceiro. Tal situação não se contempla apenas na matéria de direito, mas também nos factos. Pelo que ação deveria ter seguido para julgamento. 5 – Nos factos provados, a sentença apenas deu como provado três factos. 6 – A decisão sobre a matéria de facto é um elemento integrante da sentença contemplando a declaração tanto dos factos considerados provados como dos factos não provados, assim como a sua fundamentação, com a especificação dos concretos meios de prova determinantes da convicção do juiz, quer se trate de factos provados quer de factos não provados. 7 – Trata-se, com efeito, de uma expressão concreta do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e ainda no art.º 154.º, n.º 1, do CPC, correspondente a uma importante causa de legitimação da função soberana de julgar. 8 – Através da fundamentação da decisão judicial explicita-se a motivação do seu sentido, permitindo aos interessados compreendê-la e, discordando, impugná-la, em caso de admissibilidade de recurso. Por outro lado, possibilita também, nomeadamente ao tribunal de recurso, a reponderação adequada da decisão judicial. 9 – No âmbito da decisão sobre a matéria de facto, é importante que o juiz esclareça também, na fundamentação, as razões determinantes da decisão, especificando os concretos meios de prova decisivos para a formação da sua convicção. 10 – No caso da douta sentença recorrida verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto, compreendida na sentença recorrida, embora delimite os factos provados e não provados, com referência a que concreta prova lançou mão para considerar cada facto como provado, não faz o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. Todavia, este modo de proceder não corresponde à satisfação da exigência estabelecida na lei. 11 – Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração, desde logo, os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. 12 – Não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova mas verificar atentamente se existiram factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório. 13 – A sentença da 1.ª instância refere os factos que considerou provados, sem qualquer análise crítica das provas e sem qualquer especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme determina o n.º 4 do art.º 607.º do CPC. 14 – A lei prevê também uma declaração em relação aos factos considerados não provados, de modo a conferir segurança jurídica. Essa declaração formal reveste ainda importância para se saber da consideração, ou não, de toda a matéria relevante, no julgamento da causa. 15 – A douta sentença refere, apenas, que “nada mais resultou provado”. 16 – Pelo que, não pode deixar de se concluir que esta “justificação deficiente” ou pouco persuasiva é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa. 17 – Por outro lado, a pouca fundamentação da decisão apresenta-se muito genérica. 18 – Tal forma genérica de fundamentação não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão. 19 – A fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art.º 607.º, n.º 4, do CPC. 20 – A omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento. 21 – Entende o Recorrente que a douta sentença padece, ainda, de outra nulidade nos termos do artigo 195º, n.º 1, a) CPC: a não realização de audiência de julgamento. Não foi, pois, cumprida uma formalidade que se reveste de extrema importância para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa, prejudicando, claramente, o ora aqui Recorrente. 22 – Não concorda o recorrente com o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. 23 – O artigo 591º, n.º1, b) enuncia que o juiz deve conhecer imediatamente do mérito da causa, na audiência prévia, mas tal como bem evidencia o Prof. José Alberto dos Reis na vigência do Código de Processo Civil de 1939 – in Código de Processo Civil Anotado, 1985, pág. 189 -, que se decidam logo determinadas questões no despacho saneador, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processuais, mas sem sacrifício da justiça da decisão (sublinhado e negrito nossos). 24 – No caso sub iudice, a não realização de julgamento coloca em causa, natural e obviamente, a justiça da decisão, pois que não foi produzida toda a prova necessária para a boa decisão da causa. 25 – Seria de extrema importância ouvir o Recorrente e as testemunhas arroladas, para que o aplicador do direito conseguisse determinar ao certo as circunstâncias de todo este caso. Assim, a decisão em causa optou por lançar mão de uma extrema simplicidade, preterindo apreciar a prova testemunhal, por entender que apenas estaria em causa uma questão de direito, quando, na realidade, impunha-se apreciar um fato de curial importância: a receção ou não da carta datada de 19 de janeiro enviada pela recorrida ao recorrente. 26 – Contudo, na sua motivação, a decisão em crise apenas fundou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, mais precisamente os documentos de fls. 8 verso a 10 verso dos autos, bem como no acordo das partes nos articulados. Avançou que “a restante matéria vertida nos articulados não mereceu resposta dado que não se trata de matéria essencial (…), irrelevante, conclusiva ou de Direito”. 27 – Nulidades estas que expressamente se invocam para todos os efeitos legais. 28 – Estamos perante um caso que se reveste de grande sensibilidade, visto que o recorrente é uma pessoa idosa, que tem a seu cargo uma filha deficiente, com incapacidade permanente global de 70% (setenta por cento), não dispondo de meios económicos para suportar uma renda de valor superior, ainda para mais quando nos encontramos numa situação de grande especulação imobiliária. 29 – O recorrente entende que existe na sentença em crise, uma confusão relativamente às figuras de denúncia e oposição à execução. 30 – A missiva enviada pela recorrida apresenta como pedido a “Denúncia do contrato por necessitar da casa para si e para seus familiares”. Esta denúncia encontra-se prevista e regulada no artigo 1101º do Código Civil. 31 – Atentemos que o artigo 1101º do Código Civil refere-se ao contrato de duração indeterminada e, neste caso, como sabemos, no âmbito da transação efetuada em 10 de março de 2014, no processo 609/13.2TBAMR, a Recorrente e a Recorrida acordaram que entre eles existia um contrato de arrendamento, regulado pelo NRAU, e pelo prazo de cinco anos. A verdade é na decisão em crise, verificamos que existe uma certa confusão entre as figuras de denúncia e oposição à renovação, talvez pelas várias alterações que o regime de arrendamento tem vindo a sofrer. 32 – Contudo, tal não pode suceder, visto que são figuras distintas, com regime legal diferente como é claro. 33 – Pelo disposto no artigo 1079.° do CC, o arrendamento urbano cessa pelas seguintes formas - Por acordo das partes (é a revogação do artigo 1082.° do CC); - Por resolução (artigos 1083º e seguintes do CC - com base em incumprimento pela outra parte); - Por caducidade (artigo 1051º do CC - por exemplo, por morte do arrendatário); - Por denúncia (artigo 1101º do CC) - declaração unilateral de uma das partes para pôr fim ao contrato, por razões diferentes do incumprimento pela outra parte e com base num fundamento que por lei lhe dê esse direito; - Por outras causas previstas na lei - entre estas causas está a oposição à renovação, prevista no artigo 1096º nº 3 e 1097.° do CC - declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato. 34 – A oposição à renovação é exclusiva dos contratos de prazo certo, como é no caso sub iudice. Consequentemente, reserva-se a denúncia para fazer cessar um contrato sem prazo certo. Esta distinção tornou-se clara com o NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27-02). 35 – Na terminologia adotada pelo NRAU, a denúncia é vinculada, ou seja, só é possível nos casos em que a lei expressamente preveja, e destina-se a ter efeitos imediatos e a oposição à renovação é livre, mas destina-se a ser efetuada para o fim do prazo do contrato, ou seja, para ter efeitos no futuro. 36 – Cremos, desta feita, que a douta sentença faz confusão, quando faz referência a estas duas figuras como se estas fossem iguais e submetidas ao regime legal previsto no artigo 1097º do Código Civil, o que não pode ser, naturalmente, aceitável. 37 – A denúncia é ineficaz em relação ao Recorrente. Aspeto este que deveria ter sido refletido na douta sentença, ao invés de confundir conceitos distintos e enunciando afirmações que, de facto, não correspondem à prova produzida, mais precisamente quando enuncia que “Pretendendo entretanto a Autora opor-se à renovação do referido contrato no seu termo, remeteu ao réu, para a morada que constitui o locado, carta datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção (…)”. 38 – Assim se conclui que a denúncia operada na missiva de 19 de janeiro de 2017 não consubstancia nenhuma oposição à renovação do contrato nos termos do artigo 1097º Código Civil. 39 – Um outro aspeto que não foi devidamente analisado pela sentença em crise e que se reveste de especial importância é a eficácia e efetiva receção da missiva de 19 de janeiro de 2017. 40 – Em primeiro lugar, mesmo que no espírito da Recorrida estivesse a oposição à renovação, o que não se concebe, a mesma não cumpre com os requisitos exigíveis por lei, uma vez que não consta da missiva os elementos essenciais para considerar opera essa oposição nem a expressa menção a tal. 41 – “A comunicação do senhorio para se opor à renovação do contrato deverá ser efetuada por carta, com expressa identificação do locado, renda, data de início do contrato e respetivo prazo contendo uma manifestação inequívoca de que pretende opor-se à renovação”. – pag. 459 do Arrendamento Urbano anotado e legislação complementar – in Laurinda Gemas e Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge – 3.ª edição revista aumentada e atualizada – Quid iuris – anotação ao art. 1097º do Código Civil. 42 – “Para que na se levantem dúvidas a este respeito, é aconselhável referir precisamente que “se vem opor à renovação” incluindo a data da cessação do contrato (sublinhado e negrito nossos) – in Laurinda e Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge – 3.ª edição revista aumentada e atualizada – Quid iuris – anotação ao art. 1097º do Código Civil. 43 – Pelo que não tendo a presente ação de despejo como objetivo a oposição à renovação nos termos do art. 1097º, uma vez que tem por limite e balizamento a missiva enviada à recorrida, deveria o recorrente ter sido absolvido. 44 – Em segundo lugar, a missiva em questão foi, de facto, remetida para o recorrente, mas foi rececionada por outra pessoa, de nome M. B., não tendo sido expressamente recebida pelo recorrente. 45 – Mesmo que se considerasse que tal carta consubstanciava uma oposição à renovação, a ser assim, que não se concebe, a mesma teria que ser rececionada expressamente pelo recorrente. 46 – Não sendo a mesma recebida expressamente pelo arrendatário, aqui recorrente, deveria ter sido repetida, o que não ocorreu. 47 – Perfilhando o mesmo entendimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 83-16.1YLPRT.L1-6, de 15 de dezembro de 2016. 48 – A recorrida não enviou qualquer segunda missiva registada com aviso de receção nos 30 a 60 dias seguintes à receção por terceiro da carta direcionada ao recorrente. 49 – O NRAU, diploma a que as partes aqui envolvidas reconheceram eficácia, prevê um mecanismo próprio para imputar ao destinatário a responsabilidade pelo não recebimento da comunicação, com o envio da segunda carta registada com aviso de receção e respetiva cominação se não for recebida. 50 – Não tendo sido feita ou operada, deveria ter sido dada, na douta sentença, por ineficaz a comunicação enviada pela recorrida. Termos em que e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer que o presente recurso seja admitido, julgado procedente e, em consequência, ser declarada a sentença nula com todas as legais consequências. ASSIM FARÃO V/EXCIAS. INTEIRA E DESEJADA JUSTIÇA.” A Autora apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido. O recurso foi então admitido pelo Tribunal recorrido como apelação, subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo tal efeito sido alterado neste Tribunal da Relação, fixando-se à apelação efeito suspensivo da decisão recorrida, atento o disposto nos artigos 629.º, n.º 3, al. a), 647.º, n.º 3, al. b), e 654.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC). II. Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) Da nulidade da decisão recorrida; B) Validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento. Corridos os vistos, cumpre decidir. III. Fundamentação 1. Os factos 1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: 1.1.1. Por transação realizada no dia 10 de Março de 2014 no processo n.º 609/13.2TBAMR, que correu termos na Instância Local de Amares, da Comarca de Braga, homologada por sentença, transitada em julgado, Autora e Réu acordaram e reconheceram mutuamente que entre elas existia um contrato de arrendamento urbano, destinado a habitação do Réu, tendo por objeto a parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ..., contrato esse regulado pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano, e pelo prazo de cinco anos com início em um de Março de 2013, conforme certidão de fls. 4 verso a 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 1.1.2. Como contrapartida pelo uso do arrendado foi fixada a renda de € 150,00 mensais. 1.1.3. Pretendendo a Autora opor-se à renovação do referido contrato no seu termo, remeteu ao Réu, para a morada que constitui o locado, carta datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção, com o teor de fls. 9 verso, que se dá por integralmente reproduzido, conforme documentos de fls. 9 verso a 10 verso, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 1.2. O Tribunal recorrido considerou que nada mais resultou provado. 2. Apreciação sobre o objeto do recurso 2.1. Na presente apelação o recorrente começa por arguir a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe os vícios de falta de fundamentação e a preterição de formalidades legais. Relativamente à primeira das invocadas causas de nulidade, sustenta que a decisão sobre a matéria de facto compreendida na sentença recorrida, embora delimite os factos provados e não provados, com referência a que concreta prova lançou mão para considerar cada facto como provado, não faz o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, nem especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme determina o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, referindo apenas que “nada mais resultou provado” sendo que a pouca fundamentação da decisão apresenta-se muito genérica. Na sua motivação, a decisão recorrida apenas fundou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos mais precisamente os documentos de fls. 8 verso a 10 verso dos autos, bem como no acordo das partes nos articulados, sendo que “a restante matéria vertida nos articulados não mereceu resposta dado que não se trata de matéria essencial (…), irrelevante, conclusiva ou de Direito”. Conclui que a “justificação deficiente” ou pouco persuasiva é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão. A primeira nulidade invocada pelo recorrente baseia-se no artigo 615.º, n.º 1, als. b), do CPC. Neste domínio, dispõe o artigo 615.º, n.º 1 do CPC, que “ É nula a sentença quando; (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)”. A nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC está directamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2). Também o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, relativo à sentença, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que julga provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Por último, dispõe o n.º 4 do citado artigo 607.º do CPC, o seguinte: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”. Neste âmbito, deve entender-se que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do Código de Processo Civil, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente(1). A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea b) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC referem ainda Lebre de Freitas-Isabel Alexandre (2), “Face ao actual código, que integra na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (art. 607, n.os 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do n.º1 (falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, n.º s 2-d e 3, alíneas b) e d)”. Analisando a decisão recorrida, verifica-se que da mesma constam discriminados os factos que o Tribunal considera provados, em conformidade com o preceituado no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, mais se enunciando que nada mais resultou provado, não ocorrendo a omissão de fundamentação de facto, conforme decorre da própria alegação do recorrente que alude aos factos enunciados pelo Tribunal recorrido. Ora, como se viu, se a fixação da matéria de facto padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, tal poderá determinar a alteração proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.ºs 2, als. c) e d), e n.º 3, do CPC, impugnável mediante pedido de reapreciação da decisão da matéria de facto (que o recorrente não suscitou), mas não configura o vício arguido. De todo o modo, sempre se dirá que se verifica que a decisão recorrida, no segmento com a epígrafe “Motivação”, apresenta os fundamentos em que se baseou a decisão sobre a matéria de facto, ainda que de um modo sucinto, sendo aí mencionados os meios de prova determinativos de tal decisão. Não se verifica, assim, a nulidade por falta de fundamentação suscitada pelo recorrente. O apelante defende que a decisão recorrida padece, ainda, de outra nulidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC: a não realização de audiência de julgamento. Sustenta que não foi cumprida uma formalidade que se reveste de extrema importância para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa, prejudicando o ora aqui Recorrente. Perante a alegação feita pelo recorrente de que o Tribunal recorrido omitiu um ato que a lei prescreve, incorrendo na nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, cumpre constatar que tal alegação não configura a arguição de qualquer nulidade processual cometida nos autos, emergente da omissão da prática de atos que a lei prescreve, a qual deve ser sempre arguida perante o Tribunal que omitiu o ato e não em sede de recurso, nem consubstancia causa de nulidade da sentença, antes traduzindo a discordância do recorrente quanto ao mérito da decisão proferida, tal como decorre das alegações apresentadas. Na verdade, o artigo 595.º, n.º 1, al. b), do CPC permite ao juiz conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. E, assim, o alegado vício da decisão recorrida prende-se com a decisão de mérito (com referência à matéria de facto e à de direito), não traduzindo vício de natureza formal que afete a sentença, podendo, se verificado, reconduzir-se à previsão do artigo 662.º do CPC, designadamente, do artigo 662.º, n.º 2, al. c), parte final, do CPC que permite a anulação da decisão com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto por omissão de factos porventura relevantes para a boa decisão da causa. Por conseguinte, os fundamentos alegados pelo recorrente, a verificarem-se, não configuram causas de nulidade da decisão proferida, estando sujeitos a regime diverso do aplicável às nulidades da sentença. Em conclusão, não enferma a decisão recorrida de qualquer das arguidas nulidades, improcedendo, nesta parte, a apelação. 2.2. Validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento Verifica-se que o Recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto incluída na decisão recorrida, porquanto não indica quaisquer factos que entenda terem sido indevidamente julgados. Sustenta, porém, que não se está perante apenas uma questão de direito, implicando também a apreciação de factos, não estando em causa apenas a “eficácia da notificação ao Réu da denúncia/oposição à renovação do contrato de arrendamento”, importando ainda aferir se realmente o recorrente recebeu a referida carta registada, uma vez que foi rececionada por um terceiro. Assim sendo, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob os n.ºs 1.1.1. a 1.1.3 supra, anda que tal implique aferir se a decisão recorrida omitiu factos porventura relevantes para a boa decisão da causa. O Recorrente, nas respetivas alegações, expressa, além do mais, a sua discordância relativamente à solução jurídica fixada em função da matéria de facto dada como provada. Alega que celebrou com a Autora, ora recorrida, em 19..., um contrato de arrendamento verbal de um imóvel, destinado a habitação do recorrente, tendo por objetivo a parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., freguesia do ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ..., aceitando que, por transação realizada no dia 10 de março de 2014 no âmbito do processo n.º 609/13.2TBAMR que correu termos na instância local de Amares, da comarca de Braga, homologada por sentença, transitada em julgado, o recorrente e a recorrida acordaram e reconheceram mutuamente que entre eles existia um contrato de arrendamento urbano, destinado a habitação do recorrente, tendo por objeto o imóvel acima referenciado, contrato esse regulado pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano e pelo prazo de cinco anos, com início a 1 de março de 2013. Sustenta, porém, que existe na sentença em crise, uma confusão relativamente às figuras de denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento, defendendo que a comunicação operada na missiva enviada pela autora, de 19 de janeiro de 2017, não consubstancia nenhuma oposição à renovação do contrato, nos termos previstos no artigo 1097.º do CC antes configurando uma denúncia do contrato, tal como prevista e regulada no artigo 1101.º do CC a qual é ineficaz relativamente ao Recorrente, por ser vinculada e aplicável apenas aos contratos de duração indeterminada. Com relevo para a apreciação da questão suscitada, extrai-se da decisão recorrida o seguinte: “O contrato em causa nos autos foi celebrado nos termos da duração limitada por cinco anos, com início em 01/03/2013 e termo em 01/03/2018. A partir desta data o contrato é renovável por períodos anuais caso não seja denunciado por alguma das partes. Nos termos do art. 1097º do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 6/2006: “O senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato”. Ou seja, caso o senhorio não queira, num contrato de duração limitada, que opere a renovação automática do contrato, terá de comunicar tal oposição ao inquilino com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato. Pretendendo entretanto a Autora opor-se à renovação do referido contrato no seu termo, remeteu a réu, para a morada que constitui o locado, carta datada de 19 de Janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de recepção, com o teor de fls. 9 verso. Temos, desde logo que, está cumprida a antecedência exigida pelo art. 1097.º do Código Civil”. No caso em apreciação, mostra-se pacificamente assente nos autos que vigora entre a Autora/Recorrida, como locadora e o Réu/Recorrente, como locatário, um contrato de arrendamento urbano, destinado a habitação do Réu, tendo por objeto a parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ..., contrato esse regulado pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano, e pelo prazo de cinco anos com início em 1 de março de 2013; como contrapartida pelo uso do arrendado foi fixada a renda de € 150,00 mensais - cf. os pontos 1.1., e 1.2., dos factos provados. Trata-se, assim, de um contrato de arrendamento com destino a habitação, com prazo certo de cinco anos, com início em 1 de março de 2013, tal como previsto nos artigos 1022.º, 1023.º, 1094.º, n.º 1, 1095.º e 1096.º do CC, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito, estando assim sujeito ao regime previsto nos artigos 1022.º e seguintes do CC e na Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU), com a redação atual. O artigo 1079.º do Código Civil estabelece várias formas de cessação do contrato de arrendamento, prevendo que o mesmo cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei. Relativamente às “outras causas previstas na lei” deve incluir-se a oposição à renovação, tal como prevista nos artigos 1054.º, 1055.º, 1096.º a 1098.º e 1110.º do CC. Os requisitos do exercício desta faculdade de oposição à renovação do prazo do contrato de arrendamento para habitação encontram-se regulados nos artigos 1096.º, 1097.º e 1098.º do CC, prevendo o artigo 1097.º do CC a “oposição à renovação deduzida pelo senhorio”, a efetuar mediante comunicação ao arrendatário, nos prazos aí fixados e reportados ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. A oposição à renovação consiste numa declaração de desvinculação no termo do prazo do contrato, inicial ou anteriormente prorrogado, sendo uma forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos a prazo, a qual opera por comunicação à contraparte nos termos do art.º 9.º do NRAU (3). No caso vertente, a controvérsia reside, primeiro, em saber se deve entender-se a carta datada de 19 de Janeiro de 2017, enviada pela Autora sob registo postal e com aviso de receção, com o teor de fls. 9 verso, que se dá por integralmente reproduzido, conforme documentos de fls. 9 verso a 10 verso, como uma comunicação de oposição à renovação deduzida pelo senhorio, nos termos do artigo 1097.º do CC, tal como pretende a Autora, ou se a comunicação operada na referida missiva configura uma denúncia do contrato, tal como prevista e regulada no artigo 1101.º do CC ao aludir à denúncia do contrato de arrendamento com a expressa invocação à necessidade da casa para habitação própria e de familiares, tal como sustenta o réu/recorrente, defendendo que tal denúncia é ineficaz por ser vinculada e aplicável apenas aos contratos de duração indeterminada. Neste domínio, alega a Autora/Recorrida ser descabido considerar-se o texto da comunicação como sendo nos termos do artigo 1101.º do CC, pois este apenas se aplica aos contratos de duração ilimitada, o que não é o caso dos autos, defendendo que apenas invocou que necessitava do arrendado, para esclarecer que atuava sem abuso de direito e por um motivo socialmente relevante, mas essa alegação não muda o regime aplicável ao contrato em apreciação, extraindo-se da referida comunicação sem margem para dúvidas a oposição da autora à renovação do contrato. Verifica-se que a sentença recorrida seguiu este último entendimento, considerando verificados todos os requisitos da comunicação da denúncia/oposição à renovação do contrato, concluindo pela plena eficácia de tal comunicação. E parece-nos ser esta a melhor interpretação de tal comunicação à luz do respectivo teor, do contexto em que foi enviada e das normas legais aplicáveis. É o seguinte o teor da comunicação aludida em 1.1.3 dos factos provados, na parte relevante para a apreciação da questão controvertida: “ (…) Assunto: Denuncia do contrato de arrendamento. ..., 19 de ... de ... Exmo Senhor, Venho por este meio comunicar a Vª Exia que não pretendo renovar o contrato de arrendamento existente entre nós, e que tem por objecto o prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., em ..., Amares, que é um contrato regido pelo NRAU, encontrando-se em vigor actualmente até 28 de Fevereiro de 2018, conforme transacção realizada em 10 de Março de 2014 no processo nº 609/13.2TBAMR, e homologada por sentença da mesma data que transitou em julgado, por necessitar da casa para mim e meus familiares. Fica assim notificado da denúncia do mesmo contrato de arrendamento com efeitos no dia 28 de Fevereiro de 2018, ficando eu a aguardar que até essa data me faça entrega do prédio livre e devoluto de pessoas e bens, com a entrega das respectivas chaves. Entretanto, apresento os melhores cumprimentos. M. C.”. Ora, não prevendo o legislador os requisitos específicos e substanciais de tal comunicação, mas operando a oposição à renovação por comunicação à contraparte, nos termos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC é manifesto que deve a mesma ser inequívoca no sentido da oposição à renovação. Neste sentido, em anotação ao artigo 1097.º do Código Civil, Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge (4) explicam: “Em princípio, a comunicação do senhorio para se opor à renovação deverá ser efectuada por carta na qual identifique o locado, a renda, a data do início do contrato e o respectivo prazo, contendo uma manifestação inequívoca de que pretende opor-se à renovação. Para que não se levantem dúvidas a este respeito, é aconselhável referir precisamente que “se vem opor à renovação”, indicando a data da cessação do contrato. A carta deverá ser enviada com a antecedência necessária para cautelar possíveis vicissitudes”. Nos termos do disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, que consagra a teoria da impressão do declaratário, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Esclarecem, neste domínio, Pires de Lima e Antunes Varela (5): “ (...) A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2). (...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efetivamente atribuir. (...) Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista. (…) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.” Neste âmbito, pronunciou-se já o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 12-06-2012 (6) sublinhando a propósito: “Estas regras, no fundo, não são mais do que critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes. E o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) - acordão deste Tribunal de 28.10.97, BMJ 470, 597”. Ora, analisando a declaração dirigida pela Autora M. C. ao Réu A. T., no contexto indicado, cumpre considerar que qualquer declaratário médio, colocado na posição do real declaratário, concluiria que a Autora manifestou a sua vontade no sentido de não pretender renovar o contrato de arrendamento que tem por objecto o prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., em ..., Amares, fazendo coincidir a cessação do contrato com a data que indica como correspondente ao termo do prazo do contrato (28 de fevereiro de 2018). Esta interpretação mostra-se adequada à luz do princípio da razoabilidade de um qualquer destinatário colocado naquelas mesmas circunstâncias, tendo em atenção todo o contexto enunciado e tanto mais que da aludida comunicação consta a declaração expressa no sentido de que se vem opor à renovação: “Venho por este meio comunicar a Vª Exia que não pretendo renovar o contrato de arrendamento existente entre nós (…)”. Neste domínio, afigura-se manifesto que a referência feita pela Autora na referida carta à “denúncia do mesmo contrato de arrendamento”, em nada invalida o alcance da sua manifestação de vontade no sentido da não renovação do contrato no termo do prazo do mesmo tal como resulta do contexto da comunicação. Assim sendo, a expressão “denúncia” não assume na referida declaração o verdadeiro significado técnico-jurídico de tal figura, tal como prevista no NRAU para os contratos de duração indeterminada (artigos 1099.º a 1103.º do CC) mas anteriormente usada no Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15-10 com duplo sentido (quer como “oposição à renovação”, quer como “denúncia propriamente dita”) (7). Conclui-se, deste modo, que a comunicação que a Autora remeteu ao Réu, para a morada que constitui o locado, datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção, constitui uma manifestação de vontade no sentido da não renovação do contrato no termo do prazo do mesmo, valendo como uma declaração unilateral de oposição à renovação do contrato dirigida pelo senhorio, ora Autora, ao arrendatário, ora Réu, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC. O artigo 1097.º do CC prevê diversos prazos para o senhorio comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento dependendo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação e reportados ao termo deste prazo. No caso em apreciação, resulta da matéria de facto provada que o contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de março de 2013, sendo assim aplicável o prazo de antecedência mínima de 120 dias para o senhorio comunicar a oposição à renovação, nos termos previstos no artigo 1097.º, n.º1, al. b), e n.º 2, do CC. Por conseguinte, cumpre concluir que a carta enviada pela Autora, de 19 de janeiro de 2017, respeitou a antecedência mínima prevista no citado preceito legal para o senhorio comunicar a oposição à renovação. Resta analisar se a carta enviada respeita a forma legalmente imposta para que se considere eficaz a oposição à renovação do contrato. O regime aplicável às comunicações do senhorio e do arrendatário relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras encontra-se previsto no artigo 9.º do NRAU, nos termos seguintes: “Forma da comunicação 1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação”. Sob a epígrafe “Vicissitudes”, esclarece o artigo 10.º do NRAU, além do mais, o seguinte: “1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 – (…)”. Extrai-se da factualidade considerada provada que a comunicação em análise foi feita por escrito assinado e remetido sob registo com aviso de receção, para o local arrendado, tal como prevê o citado artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 do NRAU. Deste modo, está em causa unicamente saber se a notificação é eficaz se o aviso de receção for assinado por pessoa a quem foi entregue, sendo esta pessoa diferente do destinatário, como se verifica ter sucedido no caso em apreciação - fls. 10 - v.º. Relativamente a esta questão, sustenta o Recorrente que a comunicação enviada pela Recorrida devia ter sido julgada ineficaz, porquanto a mesma teria que ser rececionada expressamente pelo Recorrente. Não sendo a mesma recebida expressamente pelo arrendatário, aqui Recorrente, deveria ter sido repetida mediante segunda missiva registada com aviso de receção, nos 30 a 60 dias seguintes à receção por terceiro da carta direcionada ao recorrente, o que não ocorreu. Alude, a propósito, ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, p. n.º 83-16.1YLPRT.L1-6, de 15 de dezembro de 2016. A este propósito, extrai-se da decisão recorrida, além do mais, o seguinte: “ (…) Deste modo, a carta subscrita pela autora – denunciando o arrendamento em curso, remetida a 19/01/2017 (com antecedência de um ano) mas com efeitos a 28 de Fevereiro de 2018 – enviada ao réu sob registo e com A/R, e expedida para o local arrendado – cfr. folhas 9 verso a 10 verso – cumpre todos os requisitos formais da comunicação da denúncia/oposição à renovação do contrato, cfr. cit. art.º 9º, n.ºs 1 e 2. Revestindo-se pois tal comunicação de plena eficácia. É que, nos termos da alínea b), do n.º1, do art. 10.º do NRAU, a comunicação prevista no n.º1, do art. 9.º, considera-se realizada ainda que o AR tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, como se verifica, aconteceu, neste caso – fls. 10 verso. (…)”. Vejamos. Como como se viu, a oposição à renovação opera por comunicação à contraparte, tratando-se pois de uma declaração recetícia. Sob a epígrafe Eficácia da declaração negocial, dispõe o artigo 224.º do CC, o seguinte: 1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz. A propósito das declarações recipiendas (ou recetícias) enquanto primeira das espécies de declaração previstas no n.º 1 do citado preceito, esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (8): “Adoptaram-se, quanto às primeiras, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento. Não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário; basta que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure. Mas, provado o conhecimento, não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração”. Da análise do regime que emerge do citado artigo 10.º, n.º 1, do NRAU decorre a regra de que as comunicações previstas no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma consideram-se feitas e eficazes sempre que a carta for devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, ou ainda quando o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, ressalvadas as situações previstas no n.º 2 de tal preceito. Ou seja, só nos casos expressamente previstos no n.º 2 do artigo 10.º (atinentes às cartas que constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º ou integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente), é que deve o senhorio remeter uma nova carta registada com aviso de receção com comunicação idêntica à primeira, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 de tal preceito (salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo 9.º). Ora, o artigo 15.º do NRAU prevê o procedimento especial de despejo, enquanto meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes, enunciando, no seu n.º 2, a lista dos documentos que podem servir de base a tal procedimento, entre os quais prevê, na alínea c), o caso de “cessação por oposição à renovação” para o qual servem de base o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil. Resulta, porém, do n.º1 do citado artigo 15.º do NRAU que o procedimento especial de despejo não é o único meio processual adequado a efectivar a cessação do arrendamento, podendo o senhorio, em alternativa, recorrer à via judicial (9). Neste mesmo sentido, em anotação ao artigo 14.º do NRAU, Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, esclarecendo que quando o senhorio pretenda discutir judicialmente a cessação do contrato de arrendamento, incluindo as situações em que está prevista na lei a cessação extrajudicial (por comunicação), pode intentar uma acção declarativa de despejo (10). No caso vertente, tendo a Autora optado pelo recurso à presente acção declarativa, resulta evidente que a carta enviada não constitui iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º nem a integrar título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou a servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, sendo estes os casos em que, expressa e taxativamente, o n.º 2 do citado artigo 10.º do NRAU exclui da aplicação das consequências previstas no n.º1 para a recusa ou não levantamento, ou assinatura do aviso de receção por pessoa diversa. Por conseguinte, resta concluir que a carta que a Autora remeteu ao Réu, para a morada que constitui o locado - carta datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção - produz efeitos na data da assinatura do aviso de receção por pessoa diferente do destinatário, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, al. b), do NRAU e 224.º do CC não estando dependente da remessa de uma nova carta registada com aviso de receção com comunicação idêntica à primeira, nos termos previstos nos n.ºs 2.º, 3 e 4 do artigo 10.º do NRAU. É, portanto, inconsequente e irrelevante a alegação feita pelo Réu no sentido de que tal carta não ter sido expressamente recebida pelo arrendatário, aqui Réu, mas sim por M. B., sendo certo que o Réu nem sequer alegou que não teve conhecimento da mesma ou que não podia conhecer o seu conteúdo sem culpa sua. Por conseguinte, tem que se considerar válida e eficaz a carta enviada pela Autora ao Réu, de 19 de janeiro de 2017, enquanto declaração unilateral de oposição à renovação do contrato dirigida pelo senhorio, ora Autora, ao arrendatário, ora Réu, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC. Operada validamente a oposição à renovação o contrato, resta declarar a cessação do contrato de arrendamento com efeitos no termo do prazo do mesmo, ou seja, em 28 de fevereiro de 2018, tal como considerou a decisão recorrida. Nestes termos, mostram-se preenchidos os pressupostos da procedência dos pedidos formulados. Daí que improcedam as conclusões do Recorrente e nenhuma alteração ou ampliação da matéria de facto, mesmo oficiosamente e ao abrigo do artigo 662.º do CPC, se justifique. Por conseguinte, cumpre concluir, tal como na 1.ª instância, pela procedência total da acção, nos termos que constam da decisão recorrida. Improcede, assim, a apelação. Sumário: I - Operando a oposição à renovação por comunicação à contraparte, nos termos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC é manifesto que tal declaração deve ser inequívoca no sentido da oposição à renovação, reportada ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação; II - Deve entender-se que a referência feita pelo senhorio à “denúncia do mesmo contrato de arrendamento” em nada invalida o alcance da sua manifestação de vontade no sentido da não renovação do contrato no termo do prazo do mesmo, se tal intenção resultar evidente do contexto da comunicação enviada, fazendo coincidir a cessação do contrato com a data que indica como correspondente ao termo do prazo do contrato e incluindo na mesma a declaração expressa no sentido de que não pretende renovar o contrato de arrendamento existente; III - A comunicação de oposição à renovação pelo senhorio, enquanto relativa à cessação do contrato de arrendamento, deve ser feita ao arrendatário de acordo com formalismo previsto nos artigos 9.º a 12.º do NRAU, considerando-se efetuada e eficaz mesmo quando o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, ressalvadas as situações expressamente previstas no n.º 2 de tal preceito, entre as quais figuram as cartas que integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º do NRAU; IV - Tendo o senhorio optado pelo recurso à via judicial para efetivar a cessação do arrendamento deve entender-se que a comunicação produz efeitos na data da assinatura do aviso de receção por pessoa diferente do destinatário, não estando dependente da remessa de uma nova carta registada com aviso de receção com comunicação idêntica à primeira, nos termos previstos nos n.ºs 2.º, 3 e 4 do artigo 10.º do NRAU porquanto não se destina a mesma a servir de base a procedimento especial de despejo. IV. Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo do recorrente. Guimarães, 31 de janeiro de 2019 (Acórdão assinado digitalmente) Paulo Reis (relator) Espinheira Baltar (1.º adjunto) Eva Almeida (2.º adjunto) 1. Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736. 2. Ob. cit. p. 736 3. Cf. Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo regime anotado e legislação complementar, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009, p. 458 4. Ob. cit. p. 459-460 5. In “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora, 4.ª edição, pág. 223, em nota ao art.º 236.º do Código Civil. 6. Ac. do STJ de 12-06-2012, proferido na Revista n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1, (relator: Nuno Cameira), disponível em http://www.dgsi.pt 7. Cf. Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, ob. cit. p. 461 8. Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 214 9. Neste sentido, cf. Soares Machado/Regina Santos Pereira, Arrendamento Urbano (NRAU), 3.ª edição revista e aumentada, Lisboa, Petrony, 2014, p. 283, em anotação ao artigo 115.º do NRAU 10. Ob. cit. p. 49
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório M. C., instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra A. T., ambos melhor identificados, pedindo seja declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, destinado a habitação do Réu, tendo por objeto a parte B do prédio urbano sito na Travessa …, freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo …, por denúncia efetuada pela autora, e com efeitos em 28 de fevereiro de 2018; seja o Réu condenado a entregar à Autora o prédio identificado nos autos, livre de pessoas e bens; bem como no pagamento à Autora, uma indemnização por cada mês ou fração que decorrer desde a citação até à entrega efetiva do prédio, no valor equivalente ao dobro da renda que vigorou nos últimos anos, ou seja, de € 300,00 mensais. O Réu contestou, alegando, em síntese, a ineficácia da denúncia operada pela Autora, por não se tratar de contrato por tempo indeterminado e por não se encontrarem preenchidos os restantes pressupostos de tal denúncia; a falta de requisitos da comunicação de denúncia operada pela Autora, por não ter sido rececionada pelo Réu; e impugnando parte da matéria e facto alegada na petição inicial. Exercido o contraditório, os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, após o que foi proferido o despacho saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa por considerar não haver necessidade de ulterior produção de prova, e que decidiu nos seguintes termos: “ (…) Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente, porque provada, e, em consequência: 1 - Declara-se a cessação do contrato de arrendamento existente entre as partes, por denúncia, no que respeita à “parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., nº ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ...”; 2 - Condena-se o Réu a entregar à Autora a “parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., nº ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ...”, livre e desocupado de pessoas e bens; 3 - Condena-se o Réu a pagar à Autora, o valor das rendas vencidas de Março a Julho de 2018, no montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), bem como das que se vencerem na pendência da presente acção. 4 - Condenar Réu a pagar à Autora, desde o termo do contrato até ao momento da entrega do locado, uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, no montante mensal de € 300,00 (trezentos euros).**Custas a cargo do Réu - artigos 527º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e art. 6.º n.º 1 e tabela I, do Regulamento de Custas Processuais.*Registe e Notifique”. Inconformado, o Réu apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1 - O Tribunal recorrido entendeu que logo após a realização da audiência prévia, como as partes prescindiram do conhecimento da questão da denúncia pelo senhorio por necessidade do locado, o processo “já continha todos os elementos capazes de habilitar o tribunal a decidir de fundo (…) o que se fará sem necessidade de ulterior produção de prova, ao abrigo do disposto no artigo 591º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, uma vez que apenas cumpre conhecer de uma questão de direito – apreciar a eficácia da notificação ao Réu da denúncia/ oposição à renovação do contrato de arrendamento”. 2 – A sentença em crise á pautada pela nulidade. 3 – Não se está perante apenas uma questão de direito, mas também de apreciação de factos. Não se pode resumir todo este processado apenas à “eficácia da notificação ao Réu da denúncia/ oposição à renovação do contrato de arrendamento”. 4 – Cabe aferir se realmente o recorrente recebeu a referida carta registada, uma vez que foi rececionada por um terceiro. Tal situação não se contempla apenas na matéria de direito, mas também nos factos. Pelo que ação deveria ter seguido para julgamento. 5 – Nos factos provados, a sentença apenas deu como provado três factos. 6 – A decisão sobre a matéria de facto é um elemento integrante da sentença contemplando a declaração tanto dos factos considerados provados como dos factos não provados, assim como a sua fundamentação, com a especificação dos concretos meios de prova determinantes da convicção do juiz, quer se trate de factos provados quer de factos não provados. 7 – Trata-se, com efeito, de uma expressão concreta do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e ainda no art.º 154.º, n.º 1, do CPC, correspondente a uma importante causa de legitimação da função soberana de julgar. 8 – Através da fundamentação da decisão judicial explicita-se a motivação do seu sentido, permitindo aos interessados compreendê-la e, discordando, impugná-la, em caso de admissibilidade de recurso. Por outro lado, possibilita também, nomeadamente ao tribunal de recurso, a reponderação adequada da decisão judicial. 9 – No âmbito da decisão sobre a matéria de facto, é importante que o juiz esclareça também, na fundamentação, as razões determinantes da decisão, especificando os concretos meios de prova decisivos para a formação da sua convicção. 10 – No caso da douta sentença recorrida verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto, compreendida na sentença recorrida, embora delimite os factos provados e não provados, com referência a que concreta prova lançou mão para considerar cada facto como provado, não faz o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. Todavia, este modo de proceder não corresponde à satisfação da exigência estabelecida na lei. 11 – Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração, desde logo, os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. 12 – Não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova mas verificar atentamente se existiram factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório. 13 – A sentença da 1.ª instância refere os factos que considerou provados, sem qualquer análise crítica das provas e sem qualquer especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme determina o n.º 4 do art.º 607.º do CPC. 14 – A lei prevê também uma declaração em relação aos factos considerados não provados, de modo a conferir segurança jurídica. Essa declaração formal reveste ainda importância para se saber da consideração, ou não, de toda a matéria relevante, no julgamento da causa. 15 – A douta sentença refere, apenas, que “nada mais resultou provado”. 16 – Pelo que, não pode deixar de se concluir que esta “justificação deficiente” ou pouco persuasiva é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa. 17 – Por outro lado, a pouca fundamentação da decisão apresenta-se muito genérica. 18 – Tal forma genérica de fundamentação não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão. 19 – A fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art.º 607.º, n.º 4, do CPC. 20 – A omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento. 21 – Entende o Recorrente que a douta sentença padece, ainda, de outra nulidade nos termos do artigo 195º, n.º 1, a) CPC: a não realização de audiência de julgamento. Não foi, pois, cumprida uma formalidade que se reveste de extrema importância para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa, prejudicando, claramente, o ora aqui Recorrente. 22 – Não concorda o recorrente com o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. 23 – O artigo 591º, n.º1, b) enuncia que o juiz deve conhecer imediatamente do mérito da causa, na audiência prévia, mas tal como bem evidencia o Prof. José Alberto dos Reis na vigência do Código de Processo Civil de 1939 – in Código de Processo Civil Anotado, 1985, pág. 189 -, que se decidam logo determinadas questões no despacho saneador, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processuais, mas sem sacrifício da justiça da decisão (sublinhado e negrito nossos). 24 – No caso sub iudice, a não realização de julgamento coloca em causa, natural e obviamente, a justiça da decisão, pois que não foi produzida toda a prova necessária para a boa decisão da causa. 25 – Seria de extrema importância ouvir o Recorrente e as testemunhas arroladas, para que o aplicador do direito conseguisse determinar ao certo as circunstâncias de todo este caso. Assim, a decisão em causa optou por lançar mão de uma extrema simplicidade, preterindo apreciar a prova testemunhal, por entender que apenas estaria em causa uma questão de direito, quando, na realidade, impunha-se apreciar um fato de curial importância: a receção ou não da carta datada de 19 de janeiro enviada pela recorrida ao recorrente. 26 – Contudo, na sua motivação, a decisão em crise apenas fundou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, mais precisamente os documentos de fls. 8 verso a 10 verso dos autos, bem como no acordo das partes nos articulados. Avançou que “a restante matéria vertida nos articulados não mereceu resposta dado que não se trata de matéria essencial (…), irrelevante, conclusiva ou de Direito”. 27 – Nulidades estas que expressamente se invocam para todos os efeitos legais. 28 – Estamos perante um caso que se reveste de grande sensibilidade, visto que o recorrente é uma pessoa idosa, que tem a seu cargo uma filha deficiente, com incapacidade permanente global de 70% (setenta por cento), não dispondo de meios económicos para suportar uma renda de valor superior, ainda para mais quando nos encontramos numa situação de grande especulação imobiliária. 29 – O recorrente entende que existe na sentença em crise, uma confusão relativamente às figuras de denúncia e oposição à execução. 30 – A missiva enviada pela recorrida apresenta como pedido a “Denúncia do contrato por necessitar da casa para si e para seus familiares”. Esta denúncia encontra-se prevista e regulada no artigo 1101º do Código Civil. 31 – Atentemos que o artigo 1101º do Código Civil refere-se ao contrato de duração indeterminada e, neste caso, como sabemos, no âmbito da transação efetuada em 10 de março de 2014, no processo 609/13.2TBAMR, a Recorrente e a Recorrida acordaram que entre eles existia um contrato de arrendamento, regulado pelo NRAU, e pelo prazo de cinco anos. A verdade é na decisão em crise, verificamos que existe uma certa confusão entre as figuras de denúncia e oposição à renovação, talvez pelas várias alterações que o regime de arrendamento tem vindo a sofrer. 32 – Contudo, tal não pode suceder, visto que são figuras distintas, com regime legal diferente como é claro. 33 – Pelo disposto no artigo 1079.° do CC, o arrendamento urbano cessa pelas seguintes formas - Por acordo das partes (é a revogação do artigo 1082.° do CC); - Por resolução (artigos 1083º e seguintes do CC - com base em incumprimento pela outra parte); - Por caducidade (artigo 1051º do CC - por exemplo, por morte do arrendatário); - Por denúncia (artigo 1101º do CC) - declaração unilateral de uma das partes para pôr fim ao contrato, por razões diferentes do incumprimento pela outra parte e com base num fundamento que por lei lhe dê esse direito; - Por outras causas previstas na lei - entre estas causas está a oposição à renovação, prevista no artigo 1096º nº 3 e 1097.° do CC - declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato. 34 – A oposição à renovação é exclusiva dos contratos de prazo certo, como é no caso sub iudice. Consequentemente, reserva-se a denúncia para fazer cessar um contrato sem prazo certo. Esta distinção tornou-se clara com o NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27-02). 35 – Na terminologia adotada pelo NRAU, a denúncia é vinculada, ou seja, só é possível nos casos em que a lei expressamente preveja, e destina-se a ter efeitos imediatos e a oposição à renovação é livre, mas destina-se a ser efetuada para o fim do prazo do contrato, ou seja, para ter efeitos no futuro. 36 – Cremos, desta feita, que a douta sentença faz confusão, quando faz referência a estas duas figuras como se estas fossem iguais e submetidas ao regime legal previsto no artigo 1097º do Código Civil, o que não pode ser, naturalmente, aceitável. 37 – A denúncia é ineficaz em relação ao Recorrente. Aspeto este que deveria ter sido refletido na douta sentença, ao invés de confundir conceitos distintos e enunciando afirmações que, de facto, não correspondem à prova produzida, mais precisamente quando enuncia que “Pretendendo entretanto a Autora opor-se à renovação do referido contrato no seu termo, remeteu ao réu, para a morada que constitui o locado, carta datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção (…)”. 38 – Assim se conclui que a denúncia operada na missiva de 19 de janeiro de 2017 não consubstancia nenhuma oposição à renovação do contrato nos termos do artigo 1097º Código Civil. 39 – Um outro aspeto que não foi devidamente analisado pela sentença em crise e que se reveste de especial importância é a eficácia e efetiva receção da missiva de 19 de janeiro de 2017. 40 – Em primeiro lugar, mesmo que no espírito da Recorrida estivesse a oposição à renovação, o que não se concebe, a mesma não cumpre com os requisitos exigíveis por lei, uma vez que não consta da missiva os elementos essenciais para considerar opera essa oposição nem a expressa menção a tal. 41 – “A comunicação do senhorio para se opor à renovação do contrato deverá ser efetuada por carta, com expressa identificação do locado, renda, data de início do contrato e respetivo prazo contendo uma manifestação inequívoca de que pretende opor-se à renovação”. – pag. 459 do Arrendamento Urbano anotado e legislação complementar – in Laurinda Gemas e Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge – 3.ª edição revista aumentada e atualizada – Quid iuris – anotação ao art. 1097º do Código Civil. 42 – “Para que na se levantem dúvidas a este respeito, é aconselhável referir precisamente que “se vem opor à renovação” incluindo a data da cessação do contrato (sublinhado e negrito nossos) – in Laurinda e Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge – 3.ª edição revista aumentada e atualizada – Quid iuris – anotação ao art. 1097º do Código Civil. 43 – Pelo que não tendo a presente ação de despejo como objetivo a oposição à renovação nos termos do art. 1097º, uma vez que tem por limite e balizamento a missiva enviada à recorrida, deveria o recorrente ter sido absolvido. 44 – Em segundo lugar, a missiva em questão foi, de facto, remetida para o recorrente, mas foi rececionada por outra pessoa, de nome M. B., não tendo sido expressamente recebida pelo recorrente. 45 – Mesmo que se considerasse que tal carta consubstanciava uma oposição à renovação, a ser assim, que não se concebe, a mesma teria que ser rececionada expressamente pelo recorrente. 46 – Não sendo a mesma recebida expressamente pelo arrendatário, aqui recorrente, deveria ter sido repetida, o que não ocorreu. 47 – Perfilhando o mesmo entendimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 83-16.1YLPRT.L1-6, de 15 de dezembro de 2016. 48 – A recorrida não enviou qualquer segunda missiva registada com aviso de receção nos 30 a 60 dias seguintes à receção por terceiro da carta direcionada ao recorrente. 49 – O NRAU, diploma a que as partes aqui envolvidas reconheceram eficácia, prevê um mecanismo próprio para imputar ao destinatário a responsabilidade pelo não recebimento da comunicação, com o envio da segunda carta registada com aviso de receção e respetiva cominação se não for recebida. 50 – Não tendo sido feita ou operada, deveria ter sido dada, na douta sentença, por ineficaz a comunicação enviada pela recorrida. Termos em que e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer que o presente recurso seja admitido, julgado procedente e, em consequência, ser declarada a sentença nula com todas as legais consequências. ASSIM FARÃO V/EXCIAS. INTEIRA E DESEJADA JUSTIÇA.” A Autora apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido. O recurso foi então admitido pelo Tribunal recorrido como apelação, subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tendo tal efeito sido alterado neste Tribunal da Relação, fixando-se à apelação efeito suspensivo da decisão recorrida, atento o disposto nos artigos 629.º, n.º 3, al. a), 647.º, n.º 3, al. b), e 654.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC). II. Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) Da nulidade da decisão recorrida; B) Validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento. Corridos os vistos, cumpre decidir. III. Fundamentação 1. Os factos 1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: 1.1.1. Por transação realizada no dia 10 de Março de 2014 no processo n.º 609/13.2TBAMR, que correu termos na Instância Local de Amares, da Comarca de Braga, homologada por sentença, transitada em julgado, Autora e Réu acordaram e reconheceram mutuamente que entre elas existia um contrato de arrendamento urbano, destinado a habitação do Réu, tendo por objeto a parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ..., contrato esse regulado pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano, e pelo prazo de cinco anos com início em um de Março de 2013, conforme certidão de fls. 4 verso a 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 1.1.2. Como contrapartida pelo uso do arrendado foi fixada a renda de € 150,00 mensais. 1.1.3. Pretendendo a Autora opor-se à renovação do referido contrato no seu termo, remeteu ao Réu, para a morada que constitui o locado, carta datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção, com o teor de fls. 9 verso, que se dá por integralmente reproduzido, conforme documentos de fls. 9 verso a 10 verso, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 1.2. O Tribunal recorrido considerou que nada mais resultou provado. 2. Apreciação sobre o objeto do recurso 2.1. Na presente apelação o recorrente começa por arguir a nulidade da decisão recorrida, imputando-lhe os vícios de falta de fundamentação e a preterição de formalidades legais. Relativamente à primeira das invocadas causas de nulidade, sustenta que a decisão sobre a matéria de facto compreendida na sentença recorrida, embora delimite os factos provados e não provados, com referência a que concreta prova lançou mão para considerar cada facto como provado, não faz o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, nem especifica os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, conforme determina o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, referindo apenas que “nada mais resultou provado” sendo que a pouca fundamentação da decisão apresenta-se muito genérica. Na sua motivação, a decisão recorrida apenas fundou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos mais precisamente os documentos de fls. 8 verso a 10 verso dos autos, bem como no acordo das partes nos articulados, sendo que “a restante matéria vertida nos articulados não mereceu resposta dado que não se trata de matéria essencial (…), irrelevante, conclusiva ou de Direito”. Conclui que a “justificação deficiente” ou pouco persuasiva é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão. A primeira nulidade invocada pelo recorrente baseia-se no artigo 615.º, n.º 1, als. b), do CPC. Neste domínio, dispõe o artigo 615.º, n.º 1 do CPC, que “ É nula a sentença quando; (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)”. A nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC está directamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2). Também o artigo 607.º, n.º 3 do CPC, relativo à sentença, impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que julga provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Por último, dispõe o n.º 4 do citado artigo 607.º do CPC, o seguinte: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”. Neste âmbito, deve entender-se que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do Código de Processo Civil, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente(1). A propósito do fundamento de nulidade enunciado na alínea b) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC referem ainda Lebre de Freitas-Isabel Alexandre (2), “Face ao actual código, que integra na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação desta decisão (art. 607, n.os 3 e 4), deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b) do n.º1 (falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, n.º s 2-d e 3, alíneas b) e d)”. Analisando a decisão recorrida, verifica-se que da mesma constam discriminados os factos que o Tribunal considera provados, em conformidade com o preceituado no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, mais se enunciando que nada mais resultou provado, não ocorrendo a omissão de fundamentação de facto, conforme decorre da própria alegação do recorrente que alude aos factos enunciados pelo Tribunal recorrido. Ora, como se viu, se a fixação da matéria de facto padecer de deficiência, obscuridade, contradição ou falta de motivação da decisão, tal poderá determinar a alteração proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.ºs 2, als. c) e d), e n.º 3, do CPC, impugnável mediante pedido de reapreciação da decisão da matéria de facto (que o recorrente não suscitou), mas não configura o vício arguido. De todo o modo, sempre se dirá que se verifica que a decisão recorrida, no segmento com a epígrafe “Motivação”, apresenta os fundamentos em que se baseou a decisão sobre a matéria de facto, ainda que de um modo sucinto, sendo aí mencionados os meios de prova determinativos de tal decisão. Não se verifica, assim, a nulidade por falta de fundamentação suscitada pelo recorrente. O apelante defende que a decisão recorrida padece, ainda, de outra nulidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC: a não realização de audiência de julgamento. Sustenta que não foi cumprida uma formalidade que se reveste de extrema importância para o apuramento da verdade material e boa decisão da causa, prejudicando o ora aqui Recorrente. Perante a alegação feita pelo recorrente de que o Tribunal recorrido omitiu um ato que a lei prescreve, incorrendo na nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, cumpre constatar que tal alegação não configura a arguição de qualquer nulidade processual cometida nos autos, emergente da omissão da prática de atos que a lei prescreve, a qual deve ser sempre arguida perante o Tribunal que omitiu o ato e não em sede de recurso, nem consubstancia causa de nulidade da sentença, antes traduzindo a discordância do recorrente quanto ao mérito da decisão proferida, tal como decorre das alegações apresentadas. Na verdade, o artigo 595.º, n.º 1, al. b), do CPC permite ao juiz conhecer imediatamente do mérito da causa no despacho saneador, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. E, assim, o alegado vício da decisão recorrida prende-se com a decisão de mérito (com referência à matéria de facto e à de direito), não traduzindo vício de natureza formal que afete a sentença, podendo, se verificado, reconduzir-se à previsão do artigo 662.º do CPC, designadamente, do artigo 662.º, n.º 2, al. c), parte final, do CPC que permite a anulação da decisão com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto por omissão de factos porventura relevantes para a boa decisão da causa. Por conseguinte, os fundamentos alegados pelo recorrente, a verificarem-se, não configuram causas de nulidade da decisão proferida, estando sujeitos a regime diverso do aplicável às nulidades da sentença. Em conclusão, não enferma a decisão recorrida de qualquer das arguidas nulidades, improcedendo, nesta parte, a apelação. 2.2. Validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento Verifica-se que o Recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto incluída na decisão recorrida, porquanto não indica quaisquer factos que entenda terem sido indevidamente julgados. Sustenta, porém, que não se está perante apenas uma questão de direito, implicando também a apreciação de factos, não estando em causa apenas a “eficácia da notificação ao Réu da denúncia/oposição à renovação do contrato de arrendamento”, importando ainda aferir se realmente o recorrente recebeu a referida carta registada, uma vez que foi rececionada por um terceiro. Assim sendo, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob os n.ºs 1.1.1. a 1.1.3 supra, anda que tal implique aferir se a decisão recorrida omitiu factos porventura relevantes para a boa decisão da causa. O Recorrente, nas respetivas alegações, expressa, além do mais, a sua discordância relativamente à solução jurídica fixada em função da matéria de facto dada como provada. Alega que celebrou com a Autora, ora recorrida, em 19..., um contrato de arrendamento verbal de um imóvel, destinado a habitação do recorrente, tendo por objetivo a parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., freguesia do ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ..., aceitando que, por transação realizada no dia 10 de março de 2014 no âmbito do processo n.º 609/13.2TBAMR que correu termos na instância local de Amares, da comarca de Braga, homologada por sentença, transitada em julgado, o recorrente e a recorrida acordaram e reconheceram mutuamente que entre eles existia um contrato de arrendamento urbano, destinado a habitação do recorrente, tendo por objeto o imóvel acima referenciado, contrato esse regulado pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano e pelo prazo de cinco anos, com início a 1 de março de 2013. Sustenta, porém, que existe na sentença em crise, uma confusão relativamente às figuras de denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento, defendendo que a comunicação operada na missiva enviada pela autora, de 19 de janeiro de 2017, não consubstancia nenhuma oposição à renovação do contrato, nos termos previstos no artigo 1097.º do CC antes configurando uma denúncia do contrato, tal como prevista e regulada no artigo 1101.º do CC a qual é ineficaz relativamente ao Recorrente, por ser vinculada e aplicável apenas aos contratos de duração indeterminada. Com relevo para a apreciação da questão suscitada, extrai-se da decisão recorrida o seguinte: “O contrato em causa nos autos foi celebrado nos termos da duração limitada por cinco anos, com início em 01/03/2013 e termo em 01/03/2018. A partir desta data o contrato é renovável por períodos anuais caso não seja denunciado por alguma das partes. Nos termos do art. 1097º do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 6/2006: “O senhorio pode impedir a renovação automática mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato”. Ou seja, caso o senhorio não queira, num contrato de duração limitada, que opere a renovação automática do contrato, terá de comunicar tal oposição ao inquilino com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato. Pretendendo entretanto a Autora opor-se à renovação do referido contrato no seu termo, remeteu a réu, para a morada que constitui o locado, carta datada de 19 de Janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de recepção, com o teor de fls. 9 verso. Temos, desde logo que, está cumprida a antecedência exigida pelo art. 1097.º do Código Civil”. No caso em apreciação, mostra-se pacificamente assente nos autos que vigora entre a Autora/Recorrida, como locadora e o Réu/Recorrente, como locatário, um contrato de arrendamento urbano, destinado a habitação do Réu, tendo por objeto a parte B do prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., freguesia de ..., Amares, inscrito na matriz sob o artigo ..., contrato esse regulado pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano, e pelo prazo de cinco anos com início em 1 de março de 2013; como contrapartida pelo uso do arrendado foi fixada a renda de € 150,00 mensais - cf. os pontos 1.1., e 1.2., dos factos provados. Trata-se, assim, de um contrato de arrendamento com destino a habitação, com prazo certo de cinco anos, com início em 1 de março de 2013, tal como previsto nos artigos 1022.º, 1023.º, 1094.º, n.º 1, 1095.º e 1096.º do CC, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito, estando assim sujeito ao regime previsto nos artigos 1022.º e seguintes do CC e na Lei n.º 6/2006, de 27-02 (NRAU), com a redação atual. O artigo 1079.º do Código Civil estabelece várias formas de cessação do contrato de arrendamento, prevendo que o mesmo cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei. Relativamente às “outras causas previstas na lei” deve incluir-se a oposição à renovação, tal como prevista nos artigos 1054.º, 1055.º, 1096.º a 1098.º e 1110.º do CC. Os requisitos do exercício desta faculdade de oposição à renovação do prazo do contrato de arrendamento para habitação encontram-se regulados nos artigos 1096.º, 1097.º e 1098.º do CC, prevendo o artigo 1097.º do CC a “oposição à renovação deduzida pelo senhorio”, a efetuar mediante comunicação ao arrendatário, nos prazos aí fixados e reportados ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. A oposição à renovação consiste numa declaração de desvinculação no termo do prazo do contrato, inicial ou anteriormente prorrogado, sendo uma forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos a prazo, a qual opera por comunicação à contraparte nos termos do art.º 9.º do NRAU (3). No caso vertente, a controvérsia reside, primeiro, em saber se deve entender-se a carta datada de 19 de Janeiro de 2017, enviada pela Autora sob registo postal e com aviso de receção, com o teor de fls. 9 verso, que se dá por integralmente reproduzido, conforme documentos de fls. 9 verso a 10 verso, como uma comunicação de oposição à renovação deduzida pelo senhorio, nos termos do artigo 1097.º do CC, tal como pretende a Autora, ou se a comunicação operada na referida missiva configura uma denúncia do contrato, tal como prevista e regulada no artigo 1101.º do CC ao aludir à denúncia do contrato de arrendamento com a expressa invocação à necessidade da casa para habitação própria e de familiares, tal como sustenta o réu/recorrente, defendendo que tal denúncia é ineficaz por ser vinculada e aplicável apenas aos contratos de duração indeterminada. Neste domínio, alega a Autora/Recorrida ser descabido considerar-se o texto da comunicação como sendo nos termos do artigo 1101.º do CC, pois este apenas se aplica aos contratos de duração ilimitada, o que não é o caso dos autos, defendendo que apenas invocou que necessitava do arrendado, para esclarecer que atuava sem abuso de direito e por um motivo socialmente relevante, mas essa alegação não muda o regime aplicável ao contrato em apreciação, extraindo-se da referida comunicação sem margem para dúvidas a oposição da autora à renovação do contrato. Verifica-se que a sentença recorrida seguiu este último entendimento, considerando verificados todos os requisitos da comunicação da denúncia/oposição à renovação do contrato, concluindo pela plena eficácia de tal comunicação. E parece-nos ser esta a melhor interpretação de tal comunicação à luz do respectivo teor, do contexto em que foi enviada e das normas legais aplicáveis. É o seguinte o teor da comunicação aludida em 1.1.3 dos factos provados, na parte relevante para a apreciação da questão controvertida: “ (…) Assunto: Denuncia do contrato de arrendamento. ..., 19 de ... de ... Exmo Senhor, Venho por este meio comunicar a Vª Exia que não pretendo renovar o contrato de arrendamento existente entre nós, e que tem por objecto o prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., em ..., Amares, que é um contrato regido pelo NRAU, encontrando-se em vigor actualmente até 28 de Fevereiro de 2018, conforme transacção realizada em 10 de Março de 2014 no processo nº 609/13.2TBAMR, e homologada por sentença da mesma data que transitou em julgado, por necessitar da casa para mim e meus familiares. Fica assim notificado da denúncia do mesmo contrato de arrendamento com efeitos no dia 28 de Fevereiro de 2018, ficando eu a aguardar que até essa data me faça entrega do prédio livre e devoluto de pessoas e bens, com a entrega das respectivas chaves. Entretanto, apresento os melhores cumprimentos. M. C.”. Ora, não prevendo o legislador os requisitos específicos e substanciais de tal comunicação, mas operando a oposição à renovação por comunicação à contraparte, nos termos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC é manifesto que deve a mesma ser inequívoca no sentido da oposição à renovação. Neste sentido, em anotação ao artigo 1097.º do Código Civil, Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge (4) explicam: “Em princípio, a comunicação do senhorio para se opor à renovação deverá ser efectuada por carta na qual identifique o locado, a renda, a data do início do contrato e o respectivo prazo, contendo uma manifestação inequívoca de que pretende opor-se à renovação. Para que não se levantem dúvidas a este respeito, é aconselhável referir precisamente que “se vem opor à renovação”, indicando a data da cessação do contrato. A carta deverá ser enviada com a antecedência necessária para cautelar possíveis vicissitudes”. Nos termos do disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CC, que consagra a teoria da impressão do declaratário, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Esclarecem, neste domínio, Pires de Lima e Antunes Varela (5): “ (...) A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2). (...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efetivamente atribuir. (...) Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista. (…) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.” Neste âmbito, pronunciou-se já o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 12-06-2012 (6) sublinhando a propósito: “Estas regras, no fundo, não são mais do que critérios interpretativos dirigidos ao juiz e às partes contratantes. E o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) - acordão deste Tribunal de 28.10.97, BMJ 470, 597”. Ora, analisando a declaração dirigida pela Autora M. C. ao Réu A. T., no contexto indicado, cumpre considerar que qualquer declaratário médio, colocado na posição do real declaratário, concluiria que a Autora manifestou a sua vontade no sentido de não pretender renovar o contrato de arrendamento que tem por objecto o prédio urbano sito na Travessa ..., n.º ..., em ..., Amares, fazendo coincidir a cessação do contrato com a data que indica como correspondente ao termo do prazo do contrato (28 de fevereiro de 2018). Esta interpretação mostra-se adequada à luz do princípio da razoabilidade de um qualquer destinatário colocado naquelas mesmas circunstâncias, tendo em atenção todo o contexto enunciado e tanto mais que da aludida comunicação consta a declaração expressa no sentido de que se vem opor à renovação: “Venho por este meio comunicar a Vª Exia que não pretendo renovar o contrato de arrendamento existente entre nós (…)”. Neste domínio, afigura-se manifesto que a referência feita pela Autora na referida carta à “denúncia do mesmo contrato de arrendamento”, em nada invalida o alcance da sua manifestação de vontade no sentido da não renovação do contrato no termo do prazo do mesmo tal como resulta do contexto da comunicação. Assim sendo, a expressão “denúncia” não assume na referida declaração o verdadeiro significado técnico-jurídico de tal figura, tal como prevista no NRAU para os contratos de duração indeterminada (artigos 1099.º a 1103.º do CC) mas anteriormente usada no Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15-10 com duplo sentido (quer como “oposição à renovação”, quer como “denúncia propriamente dita”) (7). Conclui-se, deste modo, que a comunicação que a Autora remeteu ao Réu, para a morada que constitui o locado, datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção, constitui uma manifestação de vontade no sentido da não renovação do contrato no termo do prazo do mesmo, valendo como uma declaração unilateral de oposição à renovação do contrato dirigida pelo senhorio, ora Autora, ao arrendatário, ora Réu, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC. O artigo 1097.º do CC prevê diversos prazos para o senhorio comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento dependendo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação e reportados ao termo deste prazo. No caso em apreciação, resulta da matéria de facto provada que o contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de março de 2013, sendo assim aplicável o prazo de antecedência mínima de 120 dias para o senhorio comunicar a oposição à renovação, nos termos previstos no artigo 1097.º, n.º1, al. b), e n.º 2, do CC. Por conseguinte, cumpre concluir que a carta enviada pela Autora, de 19 de janeiro de 2017, respeitou a antecedência mínima prevista no citado preceito legal para o senhorio comunicar a oposição à renovação. Resta analisar se a carta enviada respeita a forma legalmente imposta para que se considere eficaz a oposição à renovação do contrato. O regime aplicável às comunicações do senhorio e do arrendatário relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras encontra-se previsto no artigo 9.º do NRAU, nos termos seguintes: “Forma da comunicação 1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação”. Sob a epígrafe “Vicissitudes”, esclarece o artigo 10.º do NRAU, além do mais, o seguinte: “1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 – (…)”. Extrai-se da factualidade considerada provada que a comunicação em análise foi feita por escrito assinado e remetido sob registo com aviso de receção, para o local arrendado, tal como prevê o citado artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 do NRAU. Deste modo, está em causa unicamente saber se a notificação é eficaz se o aviso de receção for assinado por pessoa a quem foi entregue, sendo esta pessoa diferente do destinatário, como se verifica ter sucedido no caso em apreciação - fls. 10 - v.º. Relativamente a esta questão, sustenta o Recorrente que a comunicação enviada pela Recorrida devia ter sido julgada ineficaz, porquanto a mesma teria que ser rececionada expressamente pelo Recorrente. Não sendo a mesma recebida expressamente pelo arrendatário, aqui Recorrente, deveria ter sido repetida mediante segunda missiva registada com aviso de receção, nos 30 a 60 dias seguintes à receção por terceiro da carta direcionada ao recorrente, o que não ocorreu. Alude, a propósito, ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, p. n.º 83-16.1YLPRT.L1-6, de 15 de dezembro de 2016. A este propósito, extrai-se da decisão recorrida, além do mais, o seguinte: “ (…) Deste modo, a carta subscrita pela autora – denunciando o arrendamento em curso, remetida a 19/01/2017 (com antecedência de um ano) mas com efeitos a 28 de Fevereiro de 2018 – enviada ao réu sob registo e com A/R, e expedida para o local arrendado – cfr. folhas 9 verso a 10 verso – cumpre todos os requisitos formais da comunicação da denúncia/oposição à renovação do contrato, cfr. cit. art.º 9º, n.ºs 1 e 2. Revestindo-se pois tal comunicação de plena eficácia. É que, nos termos da alínea b), do n.º1, do art. 10.º do NRAU, a comunicação prevista no n.º1, do art. 9.º, considera-se realizada ainda que o AR tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, como se verifica, aconteceu, neste caso – fls. 10 verso. (…)”. Vejamos. Como como se viu, a oposição à renovação opera por comunicação à contraparte, tratando-se pois de uma declaração recetícia. Sob a epígrafe Eficácia da declaração negocial, dispõe o artigo 224.º do CC, o seguinte: 1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada. 2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. 3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz. A propósito das declarações recipiendas (ou recetícias) enquanto primeira das espécies de declaração previstas no n.º 1 do citado preceito, esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (8): “Adoptaram-se, quanto às primeiras, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento. Não se exige, por um lado, a prova do conhecimento por parte do destinatário; basta que a declaração tenha chegado ao seu poder. O conhecimento presume-se neste caso, juris et de jure. Mas, provado o conhecimento, não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração”. Da análise do regime que emerge do citado artigo 10.º, n.º 1, do NRAU decorre a regra de que as comunicações previstas no n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma consideram-se feitas e eficazes sempre que a carta for devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, ou ainda quando o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, ressalvadas as situações previstas no n.º 2 de tal preceito. Ou seja, só nos casos expressamente previstos no n.º 2 do artigo 10.º (atinentes às cartas que constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º ou integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respectivamente), é que deve o senhorio remeter uma nova carta registada com aviso de receção com comunicação idêntica à primeira, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 de tal preceito (salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo 9.º). Ora, o artigo 15.º do NRAU prevê o procedimento especial de despejo, enquanto meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes, enunciando, no seu n.º 2, a lista dos documentos que podem servir de base a tal procedimento, entre os quais prevê, na alínea c), o caso de “cessação por oposição à renovação” para o qual servem de base o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil. Resulta, porém, do n.º1 do citado artigo 15.º do NRAU que o procedimento especial de despejo não é o único meio processual adequado a efectivar a cessação do arrendamento, podendo o senhorio, em alternativa, recorrer à via judicial (9). Neste mesmo sentido, em anotação ao artigo 14.º do NRAU, Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, esclarecendo que quando o senhorio pretenda discutir judicialmente a cessação do contrato de arrendamento, incluindo as situações em que está prevista na lei a cessação extrajudicial (por comunicação), pode intentar uma acção declarativa de despejo (10). No caso vertente, tendo a Autora optado pelo recurso à presente acção declarativa, resulta evidente que a carta enviada não constitui iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º nem a integrar título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou a servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, sendo estes os casos em que, expressa e taxativamente, o n.º 2 do citado artigo 10.º do NRAU exclui da aplicação das consequências previstas no n.º1 para a recusa ou não levantamento, ou assinatura do aviso de receção por pessoa diversa. Por conseguinte, resta concluir que a carta que a Autora remeteu ao Réu, para a morada que constitui o locado - carta datada de 19 de janeiro de 2017, enviada sob registo postal e com aviso de receção - produz efeitos na data da assinatura do aviso de receção por pessoa diferente do destinatário, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, al. b), do NRAU e 224.º do CC não estando dependente da remessa de uma nova carta registada com aviso de receção com comunicação idêntica à primeira, nos termos previstos nos n.ºs 2.º, 3 e 4 do artigo 10.º do NRAU. É, portanto, inconsequente e irrelevante a alegação feita pelo Réu no sentido de que tal carta não ter sido expressamente recebida pelo arrendatário, aqui Réu, mas sim por M. B., sendo certo que o Réu nem sequer alegou que não teve conhecimento da mesma ou que não podia conhecer o seu conteúdo sem culpa sua. Por conseguinte, tem que se considerar válida e eficaz a carta enviada pela Autora ao Réu, de 19 de janeiro de 2017, enquanto declaração unilateral de oposição à renovação do contrato dirigida pelo senhorio, ora Autora, ao arrendatário, ora Réu, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC. Operada validamente a oposição à renovação o contrato, resta declarar a cessação do contrato de arrendamento com efeitos no termo do prazo do mesmo, ou seja, em 28 de fevereiro de 2018, tal como considerou a decisão recorrida. Nestes termos, mostram-se preenchidos os pressupostos da procedência dos pedidos formulados. Daí que improcedam as conclusões do Recorrente e nenhuma alteração ou ampliação da matéria de facto, mesmo oficiosamente e ao abrigo do artigo 662.º do CPC, se justifique. Por conseguinte, cumpre concluir, tal como na 1.ª instância, pela procedência total da acção, nos termos que constam da decisão recorrida. Improcede, assim, a apelação. Sumário: I - Operando a oposição à renovação por comunicação à contraparte, nos termos previstos no artigo 1097.º, n.º 1, do CC é manifesto que tal declaração deve ser inequívoca no sentido da oposição à renovação, reportada ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação; II - Deve entender-se que a referência feita pelo senhorio à “denúncia do mesmo contrato de arrendamento” em nada invalida o alcance da sua manifestação de vontade no sentido da não renovação do contrato no termo do prazo do mesmo, se tal intenção resultar evidente do contexto da comunicação enviada, fazendo coincidir a cessação do contrato com a data que indica como correspondente ao termo do prazo do contrato e incluindo na mesma a declaração expressa no sentido de que não pretende renovar o contrato de arrendamento existente; III - A comunicação de oposição à renovação pelo senhorio, enquanto relativa à cessação do contrato de arrendamento, deve ser feita ao arrendatário de acordo com formalismo previsto nos artigos 9.º a 12.º do NRAU, considerando-se efetuada e eficaz mesmo quando o aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário, ressalvadas as situações expressamente previstas no n.º 2 de tal preceito, entre as quais figuram as cartas que integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º do NRAU; IV - Tendo o senhorio optado pelo recurso à via judicial para efetivar a cessação do arrendamento deve entender-se que a comunicação produz efeitos na data da assinatura do aviso de receção por pessoa diferente do destinatário, não estando dependente da remessa de uma nova carta registada com aviso de receção com comunicação idêntica à primeira, nos termos previstos nos n.ºs 2.º, 3 e 4 do artigo 10.º do NRAU porquanto não se destina a mesma a servir de base a procedimento especial de despejo. IV. Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo do recorrente. Guimarães, 31 de janeiro de 2019 (Acórdão assinado digitalmente) Paulo Reis (relator) Espinheira Baltar (1.º adjunto) Eva Almeida (2.º adjunto) 1. Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736. 2. Ob. cit. p. 736 3. Cf. Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo regime anotado e legislação complementar, 3.ª edição, Lisboa, Quid Juris, 2009, p. 458 4. Ob. cit. p. 459-460 5. In “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora, 4.ª edição, pág. 223, em nota ao art.º 236.º do Código Civil. 6. Ac. do STJ de 12-06-2012, proferido na Revista n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1, (relator: Nuno Cameira), disponível em http://www.dgsi.pt 7. Cf. Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, ob. cit. p. 461 8. Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pg. 214 9. Neste sentido, cf. Soares Machado/Regina Santos Pereira, Arrendamento Urbano (NRAU), 3.ª edição revista e aumentada, Lisboa, Petrony, 2014, p. 283, em anotação ao artigo 115.º do NRAU 10. Ob. cit. p. 49