Processo:0011006
Data do Acordão: 28/11/2000Relator: CLEMENTE LIMATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

O depoimento de um co-arguido não está sujeito a quaisquer regras (particulares) de valoração no conjunto das demais provas, e, desde que apreciado segundo as regras da experiência e livre convicção pelo tribunal, pode ser suficiente para fundamentar o ter-se como demonstrada determinada factualidade, sem que haja violação dos princípios contidos nos artigos 32 n.5 da Constituição e 327 do Código de Processo Penal.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

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Processo
0011006
Relator
CLEMENTE LIMA
Descritores
ARGUIDO CO-AUTORIA JULGAMENTO DECLARAÇÃO VALOR PROBATÓRIO
No do documento
Data do Acordão
11/29/2000
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
NEGADO PROVIMENTO.
Sumário
O depoimento de um co-arguido não está sujeito a quaisquer regras (particulares) de valoração no conjunto das demais provas, e, desde que apreciado segundo as regras da experiência e livre convicção pelo tribunal, pode ser suficiente para fundamentar o ter-se como demonstrada determinada factualidade, sem que haja violação dos princípios contidos nos artigos 32 n.5 da Constituição e 327 do Código de Processo Penal.
Decisão integral
Acordam, em audiência, na Relação do Porto:

I
1. O arguido, Paulo ............ – filho de Olímpio .............. e de Rosa .........., natural de ............, Porto, nascido a 4-6-1975, solteiro, electricista, residente na Rua .........., n.º ....., casa ....., Porto, preventivamente preso desde 7-6-2000 (E.P. Porto), situação reexaminada e confirmada por despachos judiciais de 13-7-2000 (fls. 715) e de 1-9-2000 (fls. 775) -, interpôs recurso do acórdão de fls. 719-737 dos autos, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 12/2000, nos termos do qual foi condenado, pelo Tribunal Colectivo da 4.ª Vara Criminal do Porto, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-1, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Conclui a correspondente motivação por dizer:
«1) O depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito Português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação.
2) Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula.
3) Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s).
4) A sua valoração seria ilegal e inconstitucional.
5) Ocorreu, pois, deficiente interpretação e aplicação do disposto no art. 344.º, do CPP; e
6) Ocorreu também violação do disposto no art. 327.º do CPP e art. 32.º n.º 5, da CRP.»
Termina, pedindo a revogação da decisão recorrida na parte em que condenou o Recorrente.
2. Respondeu o Ministério Público, em 1.ª instância, bem como responderam as co-arguidas, Cátia ............. e  Teresa ......., todos propugnando pela confirmação do julgado, estas defendendo ainda a rejeição liminar do recurso.
3. Nesta instância, colhido o visto do MP, foi proferido despacho de exame preliminar, verificando-se nada obstar ao conhecimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II
4. As co-arguidas respondentes suscitam a questão da rejeição liminar do recurso, por incumprimento, pelo recorrente, do disposto no art. 412.º n.º 2, do CPP.
Afigura-se que sem razão.
Com efeito, ainda que sumariamente e de modo menos adequado, o recorrente explicita as normas violadas e o sentido em que considera  que o foram, dando, mesmo que parcimoniosamente, conta do sentido em que, no seu entendimento, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.
5. Quanto ao recurso.
5.1. Em 1.ª instância, julgaram-se provados, com relevo para a decisão, os seguintes factos:
a) «A Arguida Cátia .......... é filha da Arguida Teresa .........., conhecida como ........., sobrinha da arguida Rosa ...... (que, por sua vez, é cunhada da Teresa .........) e prima do Arguido Paulo ......, filho da Arguida Rosa.»
b) «Todas as Arguidas residem no Bairro .........................., no Porto.»
c) «O Arguido Paulo, por sua vez, embora tenha morado no referido bairro na casa de sua mãe, no bloco ....., entrada ...., casa ...., no ano de 1999 deixou de residir permanentemente nesta residência, embora não tenha deixado de frequentar, quase todos os dias, normalmente durante a tarde, o dito bairro, para onde se deslocava, usando, quer uma viatura de marca “Opel”, modelo “Corsa”, de cor vermelha, quer uma outra, também de marca “Opel”, modelo “Kadett”, de matrícula ..-..-.., registado na conservatória do registo automóvel como sendo propriedade de sua mãe, Rosa ................. .»
d) «Para além disso, continuava também a frequentar, com a mesma regularidade, a residência da sua mãe, a Arguida Rosa, onde mantinha o seu quarto, onde visitava seu filho menor que aí residia com a mãe e sua ex-companheira e onde tomava banho, já que a outra residência que possuía não tinha casa de banho.»
e) «Nesta residência, para além da Arguida Rosa, habitavam o marido desta, um outro filho deste casal, a ex-companheira do Paulo e um filho menor destes.»
f) «No dia 6 de Abril de 1999, tendo sido alertados por telefonema de pessoa que não se identificou, de que a Arguida Cátia iria proceder ao transporte de produto estupefaciente, os agentes da PSP, Filipe ..... e António ....., colocaram-se de forma a vigiarem as casas das Arguidas, assim se tendo apercebido (de) que a citada Arguida saiu da sua casa, sita no bloco ..., ent.ª ......, casa ....., tendo-se dirigido à residência da Arguida Rosa, onde entrou.»
g) «Já no seu interior, a Cátia retirou, de debaixo da mesinha de cabeceira do quarto de seu primo Paulo, duas meias contendo algo e as quais transportava sob os braços que cruzava.»
h) «Saindo desta residência e já na rua, quando caminhava na direcção do bloco .... do Bairro ........., os aludidos agentes policiais interceptaram a Cátia e, verificando que a mesma trazia consigo as duas meias, conduziram-na ao Posto de atendimento n.º ..., da PSP, sito no mesmo Bairro, onde verificaram que, no interior das mesmas meias então apreendidas à Arguida, se encontravam acondicionadas 299 embalagens em plástico, contendo um produto em pó que laboratorialmente analisado revelou ser heroína, com o peso global de 50, 150 gramas e líquido de 20,600 gramas, e ainda 73 embalagens de plástico, contendo também um produto em pó, que, laboratorialmente examinado, revelou também ser heroína, com o peso global de 9,070 gramas e líquido de 4, 375 gramas.»
i) «Tal produto havia sido colocado pelo próprio Paulo, em data não apurada, debaixo da mesinha de cabeceira do seu quarto, tendo sido este que indicou à Cátia o sítio onde o mesmo se encontrava, a fim de que esta o transportasse para junto do bloco ..... do citado bairro, sito nas proximidades do conhecido muro onde é habitualmente efectuada a venda directa de estupefacientes aos consumidores.»
j) «Local onde o Paulo a aguardava com o desígnio de efectuar a venda das referidas 372 embalagens de heroína aos muitos consumidores dependentes de tal substância que, então, e tal como agora ainda acontece no dito bairro, se encontravam diariamente aglomerados no referido muro, pelo preço “normal de mercado”, de esc. 1.000$00, cada uma, sendo certo que o preço “a granel” de cada grama do mesmo estupefaciente ronda os esc. 8.000$00.»
k) «A Arguida Cátia agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características do produto que transportava, que sabia destinar-se à venda a terceiros, sabendo perfeitamente que a aquisição, posse, cedência e/ou venda daquela substância lhe estava vedada, sendo punida por lei.»
l) « Também o arguido Paulo agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características do produto que transportava, que sabia destinar-se à venda a terceiros, sabendo perfeitamente que a aquisição, posse, cedência e/ou venda daquela substância lhe estava vedada, sendo punida por lei.»
m) «Os Arguidos Paulo e Cátia agiram em concertação de esforços e intenções.»
n) «Tendo a Cátia ficado detida preventivamente à ordem destes autos desde o dia 6 de Abril de 1999, no dia 29 de Julho de 1999, elementos das brigadas anti-crime da PSP do Porto efectuaram uma diligência de busca domiciliária à residência da Arguida Teresa ...... sita na morada já indicada, ali tendo então apreendido a quantia de esc. 11.000$00, em dinheiro nacional, assim como um painel de auto-rádio da marca “Sony” e respectiva caixa acondicionadora e os manuscritos juntos a fls. 154 e 155, aqui dados por reproduzidos.»
o) «No mesmo dia 29 de Julho de 1999, efectuada diligência de busca domiciliária à residência da Arguida Rosa, sita na morada também já mencionada, ali foi apreendido o saco plástico junto a fls. 171 e ainda: um saco em nylon, que se encontrava em cima de um armário da cozinha daquela casa, com as inscrições “FOTIMA”, no qual se encontrava a quantia de esc. 15.000$00, em notas do Banco de Portugal, um saco em napa, de cor preta, com as inscrições “Kodak”, contendo a quantia de esc. 50.000$00 em notas do Banco de Portugal e esc. 2.450$00 em moeda nacional e ainda a quantia de esc. 8.000$00, que se encontrava igualmente colocada em cima do citado armário; ainda no interior de tal casa mas no quarto do Arguido Paulo, foram apreendidos dois telemóveis, marcas “Ericsson” e “AEG”, com as respectivas baterias.»
p) «Também na mesma ocasião, foi apreendida à Arguida Rosa uma carteira em pele, de cor preta, contendo no seu interior a quantia de esc. 7.000$00, assim como um saco de plástico transparente contendo no seu interior a quantia de esc. 170.000$00 e, ao Arguido Paulo ......, que então se encontrava em casa, a quantia de esc. 40.000$00 em dinheiro nacional, assim como um telemóvel “Motorola Star Tac”, com o respectivo “ship” e bateria.»
q) «À data dos factos,  a Arguida Cátia tinha 16 anos de idade, facto que era do conhecimento do Arguido Paulo.»
r) «Antes da detenção da Cátia, particularmente durante os meses de 1999 que antecederam tal detenção, as autoridades policiais recolheram, de forma indirecta e designadamente através de pessoas de identidades não apuradas, várias informações que relacionavam as Arguidas Teresa, Cátia e Paulo ........ com a actividade de tráfico de estupefacientes.»
s) «Em audiência de julgamento a Arguida Cátia confessou os factos que ficaram provados no que respeita à sua actuação, dando ainda conta da actuação do Arguido Paulo ..........., esclarecendo concretamente onde foi buscar o estupefaciente, por indicação do seu primo, que a aguardava, junto ao bloco ..... para receber o mesmo produto; justificou a sua actuação dizendo “não querer que o primo fosse preso”, sendo certo que esperava receber como compensação pelo transporte da droga a quantia de esc. 2.000$00, em dinheiro que utilizaria para comprar tabaco; negou ainda que, quer a mãe, quer a tia Rosa tivessem algo que ver com a sua actuação ou a do Paulo.»
t) «Demonstrou arrependimento.»
u) «O Arguido Paulo, por sua vez, negou a prática dos factos criminosos que lhe são imputados, dizendo que a  “droga não era dele” e que nunca vendeu droga, admitindo apenas que se deslocava ao bairro frequentemente, para tomar banho em casa da mãe e para ver o filho menor que aí residia.» 
(...)
v) «No que respeita  às condições pessoais do Arguido Paulo ......, dão-se aqui por integrados os factos constantes do relatório social para julgamento constante dos autos, salientando-se que:
o desenvolvimento do Paulo ocorreu em agregado familiar desestruturado, na sequência dos hábitos alcoólicos do pai e do meio social, conotado fortemente pela prática de comportamentos associados ao consumo e tráfico de estupefacientes;
abandonou a escola sem concluir o 7.º ano de escolaridade, tendo começado a trabalhar como empregado de balcão e posteriormente numa metalurgia, onde permaneceu cerca de dois anos; mais recentemente, trabalhou como carpinteiro de cofragens nas zonas de Setúbal e Sabugal;
no decorrer da sua adolescência teve experiência temporária no consumo de estupefacientes do qual se desvinculou pouco depois;
aquando da sua detenção, vivia com a sua actual companheira e dois filhos do casal;
no EP onde está recluído, tem tido comportamento adequado às normas e regras institucionais;
em meio livre, regressará ao seu agregado, constituído pela companheira e filhos, que o tem visitado e verbaliza propósitos de o apoiar em meio livre;
profissionalmente, perspectiva retomar a sua actividade anterior ou, em alternativa, acompanhar um irmão e sua companheira na venda em feiras;
em face do que constatou, a Ex.ma TRS concluiu que o Paulo “dispõe de uma rede social de apoio que lhe permite dar continuidade aos seus projectos de vida, não esquecendo porém a necessidade de amadurecimento individual e a consciencialização dos efeitos nocivos dos comportamentos que o conduziram à actual situação”.» 
(...)
x) «O Arguido Paulo sofreu a condenação que consta do seu crc, aqui dado por reproduzido, em pena de multa.»
5.2. Na «motivação», o Tribunal recorrido expressa (fls. 727 e seguintes) que «fundamentou a sua convicção no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, analisada criticamente e segundo as regras da experiência comum, designadamente:
Declarações da Arguida Cátia, que confessou a sua actuação no dia em que foi detida, explicitando que fazia o transporte do estupefaciente que lhe foi apreendido para o entregar a seu primo Paulo que, momentos antes, lhe indicara onde deveria ir buscá-lo e que deveria entregar-lho no local onde aquele a esperava, ou seja, junto ao bloco ...., perto do muro onde é feita a venda de droga aos consumidores que ali se deslocam para o efeito; depois de lhe terem sido lidas as declarações que prestou perante o Juiz de Instrução Criminal a fls. 20, justificou a discrepância entre as mesmas e as que prestou em audiência pelo facto de, na altura em que foi interceptada, ter dito aos agentes policiais que tinha encontrado o estupefaciente, tendo, a conselho da sua advogada, mantido tal versão perante o Juiz de Instrução Criminal, sendo certo que, na ocasião, também não queria incriminar ninguém...; esta explicação e as declarações prestadas pela Cátia em audiência no que respeita à sua actuação e actuação do Paulo convenceram o Tribunal, não só porque a versão inicialmente trazida ao processo pela arguida era de todo inverosímil face às regras da experiência comum, mas também porque aquelas declarações, que, nesta parte, se afiguram sinceras pela forma como foram produzidas, encontraram suporte noutros meios de prova produzidos e examinados também em audiência, designadamente prova documental e depoimentos de agentes da PSP. »
(...)
«Declarações do Arguido Paulo ........., que negou os factos que lhe são imputados, alegando que, no dia em que foi detido, nem sequer se encontrava no ........; admitiu que se deslocava ao Bairro frequentemente, para tomar banho em casa da mãe e para ver o filho que aí residia (o que não se afigura incompatível com a sua provada actuação ilícita); admitiu também que “fugiu” para escapar à acção da justiça e, ao mesmo tempo, para trabalhar e sustentar os seus filhos, tendo decidido apresentar-se voluntariamente a julgamento, por não poder andar toda a vida fugido...; referiu também que conduzia normalmente duas viaturas, já velhas e de pouco valor, uma delas um Opel Corsa vermelho e outra o Opel Kadett azul, registado em nome de sua mãe, viatura que vendeu há um ano (reportando-se à data da audiência em que prestou declarações); por último, referiu que não compreende a atitude da prima Cátia, que nunca se zangou com esta e que a única explicação que encontra para as declarações desta em relação a si reside no facto de esta procurar encobrir “terceiros”; as declarações deste Arguido no que respeita à negação da prática dos factos criminosos provados não convenceram o Tribunal, face à restante prova produzida, contraditória com as mesmas, que mereceu credibilidade, e pelo próprio comportamento do Arguido posterior aos factos, ou seja, a sua “fuga”, depois da acusação e os acontecimentos, anteriores à prolação desta, relatados, nomeadamente, a fls. 150 e 151 dos autos, confirmados por depoimentos dos agentes que os relataram em audiência, quando a versão da Arguida Cátia, nas declarações iniciais que prestou perante o JIC ainda o não incriminavam...»
(...)
6. O Recorrente afirma violado o disposto no art. 344.º, do CPP, que se reporta à confissão do arguido, o disposto nos arts. 327.º, do mesmo Código, e 32.º n.º 5, da CRP,  no segmento relativo à contraditoriedade a estabelecer nas questões incidentais e quanto aos meios de prova sobrevindos e suscitados no decurso da audiência.
Funda-se (tanto quanto é perceptível da economia das conclusões da motivação que, consabidamente, definem o âmbito do recurso) na consideração de que o depoimento do co-arguido não pode, por si só, sustentar a convicção do tribunal sobre a materialidade provada, pois que se encontra totalmente subtraído ao contraditório. Importa discernir se, neste ponto e apenas aqui,  lhe cabe razão.
Isto apesar de, na motivação do recurso, tecer considerações e produzir «citações» doutrinárias relativas a uma (afirmada) diminuída credibilidade do depoimento do co-arguido, para efeitos probatórios
Afigura-se que não tem razão.
Vejamos porquê.
7. O dever constitucionalmente consagrado no referido segmento do art. 32.º n.º 5, da CRP e explicitado, para a audiência penal, no citado art. 327.º, do CPP, impõe que o tribunal ouça os sujeitos processuais interessados, acerca das questões incidentais e dos meios de prova apresentados, antes de sobre eles tomar qualquer decisão.
Trata-se, como salientava o Prof. Manuel de Andrade, do princípio da audiência contraditória, que «consiste na necessidade de facultar a intervenção da contraparte nos actos e preparação e produção dos diversos meios de prova ou de lhe dar a possibilidade de impugnar tanto a admissão como a força probatória dos meios de prova oferecidos, a fim de, promovendo um tratamento de igualdade entre as partes, se proporcionar ao tribunal uma informação tanto quanto possível completa e exacta (não unilateral ou tendenciosa) sobre os factos da causa.» [«Noções Elementares do Processo Civil», Coimbra Ed., 1979, pág. 217].
Como sublinha o Prof. Germano Marques da Silva, «a essência do princípio do contraditório é a dialéctica que se consubstancia no poder que é dado à acusação e à defesa de aduzir as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas, de controlar as provas contra si oferecidas e de discretear sobre o resultado de umas e outras (...) Com o contraditório, a acusação e a defesa têm pleno acesso a todos os elementos do processo, conhecem as opiniões e os argumentos que se confrontam, indicam os elementos de facto e de direito que fundamentam as suas posições e produzem as respectivas provas, apresentam os argumentos próprios e confrontam os que se lhe opõem, organizam o modo e ordem de produção da sua prova e requerem o que tiverem por conveniente ao esclarecimento do seu caso.» [Curso de Processo Penal», Verbo, 2000, pp. 221/222].
A propósito e em anotação ao referido art. 32.º, da CRP, referem os Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho que « não é inteiramente líquido o âmbito normativo-constitucional do princípio do contraditório (n.º 5, 2.ª parte). Relativamente aos destinatários, ele significa: (a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha que proferir uma decisão; (b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo (cfr. Acs. do Trib. Const. N. ºs 54/87 e 154/87). Quanto à sua extensão processual, o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar, devendo estes ser seleccionados sobretudo de acordo com o princípio da máxima garantia de defesa do arguido.» [CRP Anotada, Coimbra Ed., 1993, pág. 206].
8. No caso, não se vê, nem o recorrente adianta, qualquer violação, por parte do Tribunal «a quo», das referidas normas e princípios. 
Como se não vislumbra que os ensinamentos da Profª. Teresa Beleza, no trabalho que menciona e em que sublinha ter «estudado e caldeado o recurso» (fls. 759), iluminem a invocada viciação da prova produzida.
9. Antes se afigura  que o recorrente desconsiderou, no raciocínio que produz, o disposto no art. 127.º, do CPP, que determina que o tribunal aprecie a prova produzida segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, salvo quando ( e não é manifestamente o caso) a lei dispuser diferentemente.
Neste âmbito e como resulta da transcrição supra, o Tribunal recorrido deu relato suficiente e com particular consistência, para além do mais e nos termos impostos pelo art. 374.º n.º 2, do CPP, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, indicando e expondo, criticamente,  as razões da formação da sua convicção quanto às provas adiantadas em audiência de julgamento.
Relativamente ao arguido recorrente, não se limitou a valorar o depoimento incriminatório da co-arguida Carla (a que deu relevo com base nas razões que, criteriosamente, expôs). 
O aresto recorrido fez apelo às contradições inerentes ao depoimento do próprio arguido, aos depoimentos «isentos, sérios e merecedores de credibilidade» das testemunhas de acusação, nomeadamente dos agentes policiais que intervieram na investigação e, bem assim, aos significativos e comprometedores documentos, elencados a fls. 730 e 731.
Para além disso, importa sublinhar que a lei não estabelece, para o depoimento do co-arguido, quaisquer regras de valoração legal ou tarifada. 
E, não se verificando, no caso, uma situação de valoração probatória de declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo de outro, quando, a instâncias destoutro, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (vd. Acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 524/97, de 14-7-97, no DR, II, de 27-11-97), não pode pretender-se inconstitucional, por violação do comando contido no referido art. 32.º n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos arts. 133.º, 343.º e 345.º, do CPP. [Cfr., com particular interesse, em matéria de prova e para o caso: Manuel da Costa Andrade, «Sobre as proibições de prova em processo penal», Coimbra Ed., 1992, pp. 209 e segs.; Manuel Augusto Alves Meireis, «O regime das provas obtidas pelo agente provocador em processo penal», Almedina, 1999, pp. 199 e segs. e 221 e segs.; Serge Guinchard e Jacques Buisson, «Procédure Pénale», Paris, Ed. Litec, 2000, pp. 309 e segs.; e Carlos Climent Durán, «La prueba penal», Ed. tirant lo blanch, Valência, 1999, pp. 298 e segs..
Veja-se ainda o Acórdão, do STJ, de 11-3-98, na CJSTJ VI-1-220, onde se decidiu, entre o mais, que «não é meio de prova proibido a colaboração de uma pessoa, ainda que arguida, posterior à prática dos factos e no estrito âmbito de uma investigação policial já em curso, e que nada tenha a ver com a figura do “agente provocador”.»] [Sobre o regime de prova em processo penal, vd. também: Luís Osório, «Comentário ao Código de Processo Penal Português», II vol.; Eduardo Correia, «Les preuves en droit pénal portugais», RDES, XIV, ½; Cavaleiro de Ferreira, «Curso de Processo Penal», Lições de 1954-55, reimpressão de 1981, II, 279 e ed. de 1986, I, 203; Germano Marques da Silva, «Curso de Processo Penal», Verbo, II, 1993, 77 e 1999, 91; J. Ribeiro de Faria, «Prova», na POLIS, IV, 1687; José Gonçalves da Costa, «O estatuto do arguido no projecto do CPP...», Jornadas de Processo Penal, RMP, 283; Manuel Marques Ferreira, «Meios de prova», in O Novo Código de Processo Penal, Jornadas, 221; Blanca Gesto Alonso, «La pertinencia y utilidad de las pruebas», Univ. Navarra, Pamplona, 1991.]
10. Tudo para concluir que se não verifica que o acórdão recorrido haja violado qualquer dos aludidos normativos, pelo que o recurso não pode deixar de improceder.
Resta decidir.
III
11. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:
negar provimento ao recurso;
condenar o recorrente nas custas.
Porto, 29 de Novembro de 2000
António Manuel Clemente Lima
José Manuel Baião Papão
José Ferreira Correia de Paiva
Joaquim Costa de Morais

Acordam, em audiência, na Relação do Porto: I 1. O arguido, Paulo ............ – filho de Olímpio .............. e de Rosa .........., natural de ............, Porto, nascido a 4-6-1975, solteiro, electricista, residente na Rua .........., n.º ....., casa ....., Porto, preventivamente preso desde 7-6-2000 (E.P. Porto), situação reexaminada e confirmada por despachos judiciais de 13-7-2000 (fls. 715) e de 1-9-2000 (fls. 775) -, interpôs recurso do acórdão de fls. 719-737 dos autos, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º 12/2000, nos termos do qual foi condenado, pelo Tribunal Colectivo da 4.ª Vara Criminal do Porto, como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art. 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-1, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Conclui a correspondente motivação por dizer: «1) O depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito Português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação. 2) Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula. 3) Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s). 4) A sua valoração seria ilegal e inconstitucional. 5) Ocorreu, pois, deficiente interpretação e aplicação do disposto no art. 344.º, do CPP; e 6) Ocorreu também violação do disposto no art. 327.º do CPP e art. 32.º n.º 5, da CRP.» Termina, pedindo a revogação da decisão recorrida na parte em que condenou o Recorrente. 2. Respondeu o Ministério Público, em 1.ª instância, bem como responderam as co-arguidas, Cátia ............. e Teresa ......., todos propugnando pela confirmação do julgado, estas defendendo ainda a rejeição liminar do recurso. 3. Nesta instância, colhido o visto do MP, foi proferido despacho de exame preliminar, verificando-se nada obstar ao conhecimento do recurso. Cumpre apreciar e decidir. II 4. As co-arguidas respondentes suscitam a questão da rejeição liminar do recurso, por incumprimento, pelo recorrente, do disposto no art. 412.º n.º 2, do CPP. Afigura-se que sem razão. Com efeito, ainda que sumariamente e de modo menos adequado, o recorrente explicita as normas violadas e o sentido em que considera que o foram, dando, mesmo que parcimoniosamente, conta do sentido em que, no seu entendimento, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas. 5. Quanto ao recurso. 5.1. Em 1.ª instância, julgaram-se provados, com relevo para a decisão, os seguintes factos: a) «A Arguida Cátia .......... é filha da Arguida Teresa .........., conhecida como ........., sobrinha da arguida Rosa ...... (que, por sua vez, é cunhada da Teresa .........) e prima do Arguido Paulo ......, filho da Arguida Rosa.» b) «Todas as Arguidas residem no Bairro .........................., no Porto.» c) «O Arguido Paulo, por sua vez, embora tenha morado no referido bairro na casa de sua mãe, no bloco ....., entrada ...., casa ...., no ano de 1999 deixou de residir permanentemente nesta residência, embora não tenha deixado de frequentar, quase todos os dias, normalmente durante a tarde, o dito bairro, para onde se deslocava, usando, quer uma viatura de marca “Opel”, modelo “Corsa”, de cor vermelha, quer uma outra, também de marca “Opel”, modelo “Kadett”, de matrícula ..-..-.., registado na conservatória do registo automóvel como sendo propriedade de sua mãe, Rosa ................. .» d) «Para além disso, continuava também a frequentar, com a mesma regularidade, a residência da sua mãe, a Arguida Rosa, onde mantinha o seu quarto, onde visitava seu filho menor que aí residia com a mãe e sua ex-companheira e onde tomava banho, já que a outra residência que possuía não tinha casa de banho.» e) «Nesta residência, para além da Arguida Rosa, habitavam o marido desta, um outro filho deste casal, a ex-companheira do Paulo e um filho menor destes.» f) «No dia 6 de Abril de 1999, tendo sido alertados por telefonema de pessoa que não se identificou, de que a Arguida Cátia iria proceder ao transporte de produto estupefaciente, os agentes da PSP, Filipe ..... e António ....., colocaram-se de forma a vigiarem as casas das Arguidas, assim se tendo apercebido (de) que a citada Arguida saiu da sua casa, sita no bloco ..., ent.ª ......, casa ....., tendo-se dirigido à residência da Arguida Rosa, onde entrou.» g) «Já no seu interior, a Cátia retirou, de debaixo da mesinha de cabeceira do quarto de seu primo Paulo, duas meias contendo algo e as quais transportava sob os braços que cruzava.» h) «Saindo desta residência e já na rua, quando caminhava na direcção do bloco .... do Bairro ........., os aludidos agentes policiais interceptaram a Cátia e, verificando que a mesma trazia consigo as duas meias, conduziram-na ao Posto de atendimento n.º ..., da PSP, sito no mesmo Bairro, onde verificaram que, no interior das mesmas meias então apreendidas à Arguida, se encontravam acondicionadas 299 embalagens em plástico, contendo um produto em pó que laboratorialmente analisado revelou ser heroína, com o peso global de 50, 150 gramas e líquido de 20,600 gramas, e ainda 73 embalagens de plástico, contendo também um produto em pó, que, laboratorialmente examinado, revelou também ser heroína, com o peso global de 9,070 gramas e líquido de 4, 375 gramas.» i) «Tal produto havia sido colocado pelo próprio Paulo, em data não apurada, debaixo da mesinha de cabeceira do seu quarto, tendo sido este que indicou à Cátia o sítio onde o mesmo se encontrava, a fim de que esta o transportasse para junto do bloco ..... do citado bairro, sito nas proximidades do conhecido muro onde é habitualmente efectuada a venda directa de estupefacientes aos consumidores.» j) «Local onde o Paulo a aguardava com o desígnio de efectuar a venda das referidas 372 embalagens de heroína aos muitos consumidores dependentes de tal substância que, então, e tal como agora ainda acontece no dito bairro, se encontravam diariamente aglomerados no referido muro, pelo preço “normal de mercado”, de esc. 1.000$00, cada uma, sendo certo que o preço “a granel” de cada grama do mesmo estupefaciente ronda os esc. 8.000$00.» k) «A Arguida Cátia agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características do produto que transportava, que sabia destinar-se à venda a terceiros, sabendo perfeitamente que a aquisição, posse, cedência e/ou venda daquela substância lhe estava vedada, sendo punida por lei.» l) « Também o arguido Paulo agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características do produto que transportava, que sabia destinar-se à venda a terceiros, sabendo perfeitamente que a aquisição, posse, cedência e/ou venda daquela substância lhe estava vedada, sendo punida por lei.» m) «Os Arguidos Paulo e Cátia agiram em concertação de esforços e intenções.» n) «Tendo a Cátia ficado detida preventivamente à ordem destes autos desde o dia 6 de Abril de 1999, no dia 29 de Julho de 1999, elementos das brigadas anti-crime da PSP do Porto efectuaram uma diligência de busca domiciliária à residência da Arguida Teresa ...... sita na morada já indicada, ali tendo então apreendido a quantia de esc. 11.000$00, em dinheiro nacional, assim como um painel de auto-rádio da marca “Sony” e respectiva caixa acondicionadora e os manuscritos juntos a fls. 154 e 155, aqui dados por reproduzidos.» o) «No mesmo dia 29 de Julho de 1999, efectuada diligência de busca domiciliária à residência da Arguida Rosa, sita na morada também já mencionada, ali foi apreendido o saco plástico junto a fls. 171 e ainda: um saco em nylon, que se encontrava em cima de um armário da cozinha daquela casa, com as inscrições “FOTIMA”, no qual se encontrava a quantia de esc. 15.000$00, em notas do Banco de Portugal, um saco em napa, de cor preta, com as inscrições “Kodak”, contendo a quantia de esc. 50.000$00 em notas do Banco de Portugal e esc. 2.450$00 em moeda nacional e ainda a quantia de esc. 8.000$00, que se encontrava igualmente colocada em cima do citado armário; ainda no interior de tal casa mas no quarto do Arguido Paulo, foram apreendidos dois telemóveis, marcas “Ericsson” e “AEG”, com as respectivas baterias.» p) «Também na mesma ocasião, foi apreendida à Arguida Rosa uma carteira em pele, de cor preta, contendo no seu interior a quantia de esc. 7.000$00, assim como um saco de plástico transparente contendo no seu interior a quantia de esc. 170.000$00 e, ao Arguido Paulo ......, que então se encontrava em casa, a quantia de esc. 40.000$00 em dinheiro nacional, assim como um telemóvel “Motorola Star Tac”, com o respectivo “ship” e bateria.» q) «À data dos factos, a Arguida Cátia tinha 16 anos de idade, facto que era do conhecimento do Arguido Paulo.» r) «Antes da detenção da Cátia, particularmente durante os meses de 1999 que antecederam tal detenção, as autoridades policiais recolheram, de forma indirecta e designadamente através de pessoas de identidades não apuradas, várias informações que relacionavam as Arguidas Teresa, Cátia e Paulo ........ com a actividade de tráfico de estupefacientes.» s) «Em audiência de julgamento a Arguida Cátia confessou os factos que ficaram provados no que respeita à sua actuação, dando ainda conta da actuação do Arguido Paulo ..........., esclarecendo concretamente onde foi buscar o estupefaciente, por indicação do seu primo, que a aguardava, junto ao bloco ..... para receber o mesmo produto; justificou a sua actuação dizendo “não querer que o primo fosse preso”, sendo certo que esperava receber como compensação pelo transporte da droga a quantia de esc. 2.000$00, em dinheiro que utilizaria para comprar tabaco; negou ainda que, quer a mãe, quer a tia Rosa tivessem algo que ver com a sua actuação ou a do Paulo.» t) «Demonstrou arrependimento.» u) «O Arguido Paulo, por sua vez, negou a prática dos factos criminosos que lhe são imputados, dizendo que a “droga não era dele” e que nunca vendeu droga, admitindo apenas que se deslocava ao bairro frequentemente, para tomar banho em casa da mãe e para ver o filho menor que aí residia.» (...) v) «No que respeita às condições pessoais do Arguido Paulo ......, dão-se aqui por integrados os factos constantes do relatório social para julgamento constante dos autos, salientando-se que: o desenvolvimento do Paulo ocorreu em agregado familiar desestruturado, na sequência dos hábitos alcoólicos do pai e do meio social, conotado fortemente pela prática de comportamentos associados ao consumo e tráfico de estupefacientes; abandonou a escola sem concluir o 7.º ano de escolaridade, tendo começado a trabalhar como empregado de balcão e posteriormente numa metalurgia, onde permaneceu cerca de dois anos; mais recentemente, trabalhou como carpinteiro de cofragens nas zonas de Setúbal e Sabugal; no decorrer da sua adolescência teve experiência temporária no consumo de estupefacientes do qual se desvinculou pouco depois; aquando da sua detenção, vivia com a sua actual companheira e dois filhos do casal; no EP onde está recluído, tem tido comportamento adequado às normas e regras institucionais; em meio livre, regressará ao seu agregado, constituído pela companheira e filhos, que o tem visitado e verbaliza propósitos de o apoiar em meio livre; profissionalmente, perspectiva retomar a sua actividade anterior ou, em alternativa, acompanhar um irmão e sua companheira na venda em feiras; em face do que constatou, a Ex.ma TRS concluiu que o Paulo “dispõe de uma rede social de apoio que lhe permite dar continuidade aos seus projectos de vida, não esquecendo porém a necessidade de amadurecimento individual e a consciencialização dos efeitos nocivos dos comportamentos que o conduziram à actual situação”.» (...) x) «O Arguido Paulo sofreu a condenação que consta do seu crc, aqui dado por reproduzido, em pena de multa.» 5.2. Na «motivação», o Tribunal recorrido expressa (fls. 727 e seguintes) que «fundamentou a sua convicção no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, analisada criticamente e segundo as regras da experiência comum, designadamente: Declarações da Arguida Cátia, que confessou a sua actuação no dia em que foi detida, explicitando que fazia o transporte do estupefaciente que lhe foi apreendido para o entregar a seu primo Paulo que, momentos antes, lhe indicara onde deveria ir buscá-lo e que deveria entregar-lho no local onde aquele a esperava, ou seja, junto ao bloco ...., perto do muro onde é feita a venda de droga aos consumidores que ali se deslocam para o efeito; depois de lhe terem sido lidas as declarações que prestou perante o Juiz de Instrução Criminal a fls. 20, justificou a discrepância entre as mesmas e as que prestou em audiência pelo facto de, na altura em que foi interceptada, ter dito aos agentes policiais que tinha encontrado o estupefaciente, tendo, a conselho da sua advogada, mantido tal versão perante o Juiz de Instrução Criminal, sendo certo que, na ocasião, também não queria incriminar ninguém...; esta explicação e as declarações prestadas pela Cátia em audiência no que respeita à sua actuação e actuação do Paulo convenceram o Tribunal, não só porque a versão inicialmente trazida ao processo pela arguida era de todo inverosímil face às regras da experiência comum, mas também porque aquelas declarações, que, nesta parte, se afiguram sinceras pela forma como foram produzidas, encontraram suporte noutros meios de prova produzidos e examinados também em audiência, designadamente prova documental e depoimentos de agentes da PSP. » (...) «Declarações do Arguido Paulo ........., que negou os factos que lhe são imputados, alegando que, no dia em que foi detido, nem sequer se encontrava no ........; admitiu que se deslocava ao Bairro frequentemente, para tomar banho em casa da mãe e para ver o filho que aí residia (o que não se afigura incompatível com a sua provada actuação ilícita); admitiu também que “fugiu” para escapar à acção da justiça e, ao mesmo tempo, para trabalhar e sustentar os seus filhos, tendo decidido apresentar-se voluntariamente a julgamento, por não poder andar toda a vida fugido...; referiu também que conduzia normalmente duas viaturas, já velhas e de pouco valor, uma delas um Opel Corsa vermelho e outra o Opel Kadett azul, registado em nome de sua mãe, viatura que vendeu há um ano (reportando-se à data da audiência em que prestou declarações); por último, referiu que não compreende a atitude da prima Cátia, que nunca se zangou com esta e que a única explicação que encontra para as declarações desta em relação a si reside no facto de esta procurar encobrir “terceiros”; as declarações deste Arguido no que respeita à negação da prática dos factos criminosos provados não convenceram o Tribunal, face à restante prova produzida, contraditória com as mesmas, que mereceu credibilidade, e pelo próprio comportamento do Arguido posterior aos factos, ou seja, a sua “fuga”, depois da acusação e os acontecimentos, anteriores à prolação desta, relatados, nomeadamente, a fls. 150 e 151 dos autos, confirmados por depoimentos dos agentes que os relataram em audiência, quando a versão da Arguida Cátia, nas declarações iniciais que prestou perante o JIC ainda o não incriminavam...» (...) 6. O Recorrente afirma violado o disposto no art. 344.º, do CPP, que se reporta à confissão do arguido, o disposto nos arts. 327.º, do mesmo Código, e 32.º n.º 5, da CRP, no segmento relativo à contraditoriedade a estabelecer nas questões incidentais e quanto aos meios de prova sobrevindos e suscitados no decurso da audiência. Funda-se (tanto quanto é perceptível da economia das conclusões da motivação que, consabidamente, definem o âmbito do recurso) na consideração de que o depoimento do co-arguido não pode, por si só, sustentar a convicção do tribunal sobre a materialidade provada, pois que se encontra totalmente subtraído ao contraditório. Importa discernir se, neste ponto e apenas aqui, lhe cabe razão. Isto apesar de, na motivação do recurso, tecer considerações e produzir «citações» doutrinárias relativas a uma (afirmada) diminuída credibilidade do depoimento do co-arguido, para efeitos probatórios Afigura-se que não tem razão. Vejamos porquê. 7. O dever constitucionalmente consagrado no referido segmento do art. 32.º n.º 5, da CRP e explicitado, para a audiência penal, no citado art. 327.º, do CPP, impõe que o tribunal ouça os sujeitos processuais interessados, acerca das questões incidentais e dos meios de prova apresentados, antes de sobre eles tomar qualquer decisão. Trata-se, como salientava o Prof. Manuel de Andrade, do princípio da audiência contraditória, que «consiste na necessidade de facultar a intervenção da contraparte nos actos e preparação e produção dos diversos meios de prova ou de lhe dar a possibilidade de impugnar tanto a admissão como a força probatória dos meios de prova oferecidos, a fim de, promovendo um tratamento de igualdade entre as partes, se proporcionar ao tribunal uma informação tanto quanto possível completa e exacta (não unilateral ou tendenciosa) sobre os factos da causa.» [«Noções Elementares do Processo Civil», Coimbra Ed., 1979, pág. 217]. Como sublinha o Prof. Germano Marques da Silva, «a essência do princípio do contraditório é a dialéctica que se consubstancia no poder que é dado à acusação e à defesa de aduzir as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas, de controlar as provas contra si oferecidas e de discretear sobre o resultado de umas e outras (...) Com o contraditório, a acusação e a defesa têm pleno acesso a todos os elementos do processo, conhecem as opiniões e os argumentos que se confrontam, indicam os elementos de facto e de direito que fundamentam as suas posições e produzem as respectivas provas, apresentam os argumentos próprios e confrontam os que se lhe opõem, organizam o modo e ordem de produção da sua prova e requerem o que tiverem por conveniente ao esclarecimento do seu caso.» [Curso de Processo Penal», Verbo, 2000, pp. 221/222]. A propósito e em anotação ao referido art. 32.º, da CRP, referem os Profs. Vital Moreira e Gomes Canotilho que « não é inteiramente líquido o âmbito normativo-constitucional do princípio do contraditório (n.º 5, 2.ª parte). Relativamente aos destinatários, ele significa: (a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha que proferir uma decisão; (b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo (cfr. Acs. do Trib. Const. N. ºs 54/87 e 154/87). Quanto à sua extensão processual, o princípio abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial a audiência de discussão e julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar, devendo estes ser seleccionados sobretudo de acordo com o princípio da máxima garantia de defesa do arguido.» [CRP Anotada, Coimbra Ed., 1993, pág. 206]. 8. No caso, não se vê, nem o recorrente adianta, qualquer violação, por parte do Tribunal «a quo», das referidas normas e princípios. Como se não vislumbra que os ensinamentos da Profª. Teresa Beleza, no trabalho que menciona e em que sublinha ter «estudado e caldeado o recurso» (fls. 759), iluminem a invocada viciação da prova produzida. 9. Antes se afigura que o recorrente desconsiderou, no raciocínio que produz, o disposto no art. 127.º, do CPP, que determina que o tribunal aprecie a prova produzida segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, salvo quando ( e não é manifestamente o caso) a lei dispuser diferentemente. Neste âmbito e como resulta da transcrição supra, o Tribunal recorrido deu relato suficiente e com particular consistência, para além do mais e nos termos impostos pelo art. 374.º n.º 2, do CPP, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão, indicando e expondo, criticamente, as razões da formação da sua convicção quanto às provas adiantadas em audiência de julgamento. Relativamente ao arguido recorrente, não se limitou a valorar o depoimento incriminatório da co-arguida Carla (a que deu relevo com base nas razões que, criteriosamente, expôs). O aresto recorrido fez apelo às contradições inerentes ao depoimento do próprio arguido, aos depoimentos «isentos, sérios e merecedores de credibilidade» das testemunhas de acusação, nomeadamente dos agentes policiais que intervieram na investigação e, bem assim, aos significativos e comprometedores documentos, elencados a fls. 730 e 731. Para além disso, importa sublinhar que a lei não estabelece, para o depoimento do co-arguido, quaisquer regras de valoração legal ou tarifada. E, não se verificando, no caso, uma situação de valoração probatória de declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo de outro, quando, a instâncias destoutro, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (vd. Acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 524/97, de 14-7-97, no DR, II, de 27-11-97), não pode pretender-se inconstitucional, por violação do comando contido no referido art. 32.º n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos arts. 133.º, 343.º e 345.º, do CPP. [Cfr., com particular interesse, em matéria de prova e para o caso: Manuel da Costa Andrade, «Sobre as proibições de prova em processo penal», Coimbra Ed., 1992, pp. 209 e segs.; Manuel Augusto Alves Meireis, «O regime das provas obtidas pelo agente provocador em processo penal», Almedina, 1999, pp. 199 e segs. e 221 e segs.; Serge Guinchard e Jacques Buisson, «Procédure Pénale», Paris, Ed. Litec, 2000, pp. 309 e segs.; e Carlos Climent Durán, «La prueba penal», Ed. tirant lo blanch, Valência, 1999, pp. 298 e segs.. Veja-se ainda o Acórdão, do STJ, de 11-3-98, na CJSTJ VI-1-220, onde se decidiu, entre o mais, que «não é meio de prova proibido a colaboração de uma pessoa, ainda que arguida, posterior à prática dos factos e no estrito âmbito de uma investigação policial já em curso, e que nada tenha a ver com a figura do “agente provocador”.»] [Sobre o regime de prova em processo penal, vd. também: Luís Osório, «Comentário ao Código de Processo Penal Português», II vol.; Eduardo Correia, «Les preuves en droit pénal portugais», RDES, XIV, ½; Cavaleiro de Ferreira, «Curso de Processo Penal», Lições de 1954-55, reimpressão de 1981, II, 279 e ed. de 1986, I, 203; Germano Marques da Silva, «Curso de Processo Penal», Verbo, II, 1993, 77 e 1999, 91; J. Ribeiro de Faria, «Prova», na POLIS, IV, 1687; José Gonçalves da Costa, «O estatuto do arguido no projecto do CPP...», Jornadas de Processo Penal, RMP, 283; Manuel Marques Ferreira, «Meios de prova», in O Novo Código de Processo Penal, Jornadas, 221; Blanca Gesto Alonso, «La pertinencia y utilidad de las pruebas», Univ. Navarra, Pamplona, 1991.] 10. Tudo para concluir que se não verifica que o acórdão recorrido haja violado qualquer dos aludidos normativos, pelo que o recurso não pode deixar de improceder. Resta decidir. III 11. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: negar provimento ao recurso; condenar o recorrente nas custas. Porto, 29 de Novembro de 2000 António Manuel Clemente Lima José Manuel Baião Papão José Ferreira Correia de Paiva Joaquim Costa de Morais