I- O decurso de prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que essa preclusão produz efeitos fora do mesmo. II- A não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de agravo interposto na acção com forma sumária nº ……/05.9TBVNG, do …º Juízo Cível de Vª Nª de Gaia. Agravantes/Autores – B…………… e mulher C……………. Agravado/Réus – D……………., S.A. Pedido Que se condene o Réu: A – A devolver aos AA. as quantias mensais com que se estão a locupletar, à custa deles AA., com juros à taxa legal, a partir da citação. B – A relegar a liquidação do montante condenatório para execução de sentença, por não ser possível aos AA. a sua exacta quantificação. Tese dos Autores Os AA. são executados em processo judicial com o nº……/99, da …ª Secção da …ª Vara Cível do Porto, no qual o Réu é Exequente. A quantia exequenda é de € 3 440,28, acrescida de juros e, para o respectivo pagamento, foram ordenados pelo tribunal descontos na pensão de reforma do A. marido. Na base da execução encontra-se uma livrança, invocadamente avalizada ao subscritor pelos AA., acontecendo porém que as assinaturas dos AA. constantes dessa livrança não são do respectivo punho, sendo falsas. Tais factos configuram um enriquecimento sem causa do Réu, à custa dos AA. Tese do Réu Os AA. não exercitaram o seu direito na execução, por embargos, o que torna a presente acção meio inidóneo para impedir o Réu de exercer os respectivos direitos, baseados no título executivo. Invocando os AA. uma falsificação, a mesma ocorreu há bem mais de três anos, pelo que o direito invocado se mostra prescrito – artº 482º C.Civ. Impugna especificadamente a alegação dos AA. Despacho Saneador Recorrido A Mmª Juiz “a quo”, na procedência da excepção dilatória de impropriedade do meio processual utilizado para contestar a obrigação exequenda (que devia ter sido contestada por embargos), absolveu o Réu da instância, nos termos dos artºs 288º nº1 al.e) , 494º e 495º C.P.Civ. Os AA. foram ainda condenados, como litigantes de má fé, em multa, fixada em 5 UC`s. Conclusões do Recurso de Agravo (resenha) 1ª - Proposta a presente acção, com fundamento em enriquecimento ilegítimo por parte da agravada, a douta decisão recorrida considerou haver preclusão do direito de accionar a agravada, motivo pelo qual considerou o meio processual utilizado inadequado. 2ª - Sendo o alegado acto cambiário inexistente, a consequência jurídica é a nulidade, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, podendo ainda ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artº 286º C.Civ.). 3ª - Não se tendo formado qualquer caso julgado material com a falta de embargos, oponível a terceiros, dentro e fora do processo, o que existe é uma simples preclusão processual (com incidência nesse processo executivo), não constituindo fora dele um ónus de natureza substantiva. 4ª - A acção de enriquecimento sem causa proposta atende especialmente ao efectivo empobrecimento do devedor, sem causa adequada, que é o que acontece por estar a ser desembolsado, em razão de um acto cambiário inexistente. 5ª - A douta sentença é injusta ao condenar os agravantes como litigantes de má fé. 6ª - Por erro de interpretação e aplicação, foram violadas as disposições constantes dos artºs 288º nº1 al.e), 494º, 495º, 456º C.P.Civ. e 286º C.Civ. O Réu não apresentou contra-alegações. Factos Apurados Encontram-se provados os factos supra resumidamente descritos e relativos às alegações das partes, na acção e no recurso, para além do teor da decisão judicial impugnada. Fundamentos A pretensão do Agravante ancora-se tão só na análise do bem fundado do despacho recorrido, quanto à invocada excepção de impropriedade do meio processual comum para o conhecimento do direito decorrente da alegação da falsificação de assinaturas constantes de uma livrança dada à execução noutro processo; tal direito, de acordo com o despacho recorrido, poderia e deveria ter sido exercido antes através da oposição à execução. Vejamos de seguida. A razão encontra-se com os Recorrentes. A doutrina portuguesa vem seguindo, a esse propósito, o pensamento de Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, pgs. 291 a 300, dando nota de um problema já largamente discutido nos autores italianos. Entre a tese mais antiga da “oposição meio privativo”, sustentada por Redenti, e a tese oposta, mais recente que sustenta que “não é possível estender às execuções concluídas efeitos que são próprios só do caso julgado material” (Garbagnati, Allorio e Tarzia), ponderou Anselmo de Castro também a então recentíssima tese de Mazarella e Satta, repristinando uma preclusão “pro judicato”, partindo de um conceito de oposição como processo de declaração do direito integrante da própria acção executiva, verdadeira oposição-contestação. Aceitando a legalidade da acção de restituição do indevido nos casos de conhecimento superveniente de causa de oposição, em face da extinção da execução (casos em que seria impossível a oposição ser deduzida na pendência da execução), enfrenta Anselmo de Castro a hipótese de “não haver nenhum obstáculo, nem legal, nem real, ao exercício tempestivo da oposição e esta não ter sido deduzida por pura negligência do executado”. Em tal hipótese, afasta a supra dita posição de Mazarella e escreve: “A acção executiva existe para realizar o direito, com tanto se bastando, e não para o declarar; logo, também esse fim não pode ser assinado à execução e impor-se ao executado o ónus de a deduzir. A oposição está instituída, na e para a execução, tão só para os fins que a lei lhe fixa, quando o executado a queira deduzir, de suspender ou anular a execução, e não para que, em todo o caso, seja tornado ou fique certo o direito do credor”. Na verdade, a oposição à execução não funciona, exclusiva ou paralelamente, como contestação a uma acção declarativa, já que nenhum pedido de declaração de um direito comporta um pedido de execução; também a acção executiva não comporta uma declaração negativa “provocada” do direito do credor, desde logo por inexistir na lei qualquer cominação imposta ao executado que não deduza oposição, cominação que sempre se exige para a declaração de um direito. Mais recentemente, C. Oliveira Soares, in Themis, ano IV, 2003, sobretudo a pgs. 254 a 257, analisou a questão à luz da reforma da acção executiva, concluindo que o decurso dos prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, impedindo apenas, no processo, a prática do acto, não existindo fundamento legal para que se pudesse entender que essa preclusão produziria efeitos fora do processo. E também insiste no facto de, no acto da citação para a execução (artº 812º nº6 C.P.Civ., na redacção de 2003), não se encontrar previsto dar-se conhecimento ao executado dos ónus de impugnação dos factos constitutivos da obrigação exequenda e da alegação dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa obrigação, nem da possibilidade de revisão da acção executiva em termos idênticos à revisão da acção declarativa transitada em julgado. É claro que esta interpretação não assume o paradigma da eficácia e da celeridade dos meios judiciais, dificilmente compatível com a duplicação de meios de impugnação ao serviço do executado. Todavia, ela enfrenta o problema da conclusão e da harmonia do sistema jurídico, a natureza e os fins das acções executiva e declarativa, constatando que não existe norma, expressa ou implícita, que imponha a preclusão do direito de invocar a repetição do indevido. Resta salientar ainda, em idêntico sentido, o Ac.R.L. 5/7/00 Col.IV/78, aresto que se socorre ainda das observações de Manuel de Andrade, Revista Decana, 73º/245, nota 2, e Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 1993, pgs. 163 a 165. O agravo merece assim inteiro provimento. Resumindo a fundamentação: I – O decurso dos prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, impedindo apenas, no processo, a prática do acto, não existindo fundamento legal para que se possa entender que essa preclusão produz efeitos fora do processo. II – A não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido. Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, acorda-se neste Tribunal da Relação: No provimento do agravo, revogar o despacho recorrido, incluindo a condenação dos AA. como litigantes de má fé, consequentemente determinando o prosseguimento dos autos. Custas pelo Agravado. Porto, 6 de Fevereiro de 2007 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha José Gabriel Correia Pereira da Silva Maria das Dores Eiró de Araújo
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de agravo interposto na acção com forma sumária nº ……/05.9TBVNG, do …º Juízo Cível de Vª Nª de Gaia. Agravantes/Autores – B…………… e mulher C……………. Agravado/Réus – D……………., S.A. Pedido Que se condene o Réu: A – A devolver aos AA. as quantias mensais com que se estão a locupletar, à custa deles AA., com juros à taxa legal, a partir da citação. B – A relegar a liquidação do montante condenatório para execução de sentença, por não ser possível aos AA. a sua exacta quantificação. Tese dos Autores Os AA. são executados em processo judicial com o nº……/99, da …ª Secção da …ª Vara Cível do Porto, no qual o Réu é Exequente. A quantia exequenda é de € 3 440,28, acrescida de juros e, para o respectivo pagamento, foram ordenados pelo tribunal descontos na pensão de reforma do A. marido. Na base da execução encontra-se uma livrança, invocadamente avalizada ao subscritor pelos AA., acontecendo porém que as assinaturas dos AA. constantes dessa livrança não são do respectivo punho, sendo falsas. Tais factos configuram um enriquecimento sem causa do Réu, à custa dos AA. Tese do Réu Os AA. não exercitaram o seu direito na execução, por embargos, o que torna a presente acção meio inidóneo para impedir o Réu de exercer os respectivos direitos, baseados no título executivo. Invocando os AA. uma falsificação, a mesma ocorreu há bem mais de três anos, pelo que o direito invocado se mostra prescrito – artº 482º C.Civ. Impugna especificadamente a alegação dos AA. Despacho Saneador Recorrido A Mmª Juiz “a quo”, na procedência da excepção dilatória de impropriedade do meio processual utilizado para contestar a obrigação exequenda (que devia ter sido contestada por embargos), absolveu o Réu da instância, nos termos dos artºs 288º nº1 al.e) , 494º e 495º C.P.Civ. Os AA. foram ainda condenados, como litigantes de má fé, em multa, fixada em 5 UC`s. Conclusões do Recurso de Agravo (resenha) 1ª - Proposta a presente acção, com fundamento em enriquecimento ilegítimo por parte da agravada, a douta decisão recorrida considerou haver preclusão do direito de accionar a agravada, motivo pelo qual considerou o meio processual utilizado inadequado. 2ª - Sendo o alegado acto cambiário inexistente, a consequência jurídica é a nulidade, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, podendo ainda ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artº 286º C.Civ.). 3ª - Não se tendo formado qualquer caso julgado material com a falta de embargos, oponível a terceiros, dentro e fora do processo, o que existe é uma simples preclusão processual (com incidência nesse processo executivo), não constituindo fora dele um ónus de natureza substantiva. 4ª - A acção de enriquecimento sem causa proposta atende especialmente ao efectivo empobrecimento do devedor, sem causa adequada, que é o que acontece por estar a ser desembolsado, em razão de um acto cambiário inexistente. 5ª - A douta sentença é injusta ao condenar os agravantes como litigantes de má fé. 6ª - Por erro de interpretação e aplicação, foram violadas as disposições constantes dos artºs 288º nº1 al.e), 494º, 495º, 456º C.P.Civ. e 286º C.Civ. O Réu não apresentou contra-alegações. Factos Apurados Encontram-se provados os factos supra resumidamente descritos e relativos às alegações das partes, na acção e no recurso, para além do teor da decisão judicial impugnada. Fundamentos A pretensão do Agravante ancora-se tão só na análise do bem fundado do despacho recorrido, quanto à invocada excepção de impropriedade do meio processual comum para o conhecimento do direito decorrente da alegação da falsificação de assinaturas constantes de uma livrança dada à execução noutro processo; tal direito, de acordo com o despacho recorrido, poderia e deveria ter sido exercido antes através da oposição à execução. Vejamos de seguida. A razão encontra-se com os Recorrentes. A doutrina portuguesa vem seguindo, a esse propósito, o pensamento de Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, pgs. 291 a 300, dando nota de um problema já largamente discutido nos autores italianos. Entre a tese mais antiga da “oposição meio privativo”, sustentada por Redenti, e a tese oposta, mais recente que sustenta que “não é possível estender às execuções concluídas efeitos que são próprios só do caso julgado material” (Garbagnati, Allorio e Tarzia), ponderou Anselmo de Castro também a então recentíssima tese de Mazarella e Satta, repristinando uma preclusão “pro judicato”, partindo de um conceito de oposição como processo de declaração do direito integrante da própria acção executiva, verdadeira oposição-contestação. Aceitando a legalidade da acção de restituição do indevido nos casos de conhecimento superveniente de causa de oposição, em face da extinção da execução (casos em que seria impossível a oposição ser deduzida na pendência da execução), enfrenta Anselmo de Castro a hipótese de “não haver nenhum obstáculo, nem legal, nem real, ao exercício tempestivo da oposição e esta não ter sido deduzida por pura negligência do executado”. Em tal hipótese, afasta a supra dita posição de Mazarella e escreve: “A acção executiva existe para realizar o direito, com tanto se bastando, e não para o declarar; logo, também esse fim não pode ser assinado à execução e impor-se ao executado o ónus de a deduzir. A oposição está instituída, na e para a execução, tão só para os fins que a lei lhe fixa, quando o executado a queira deduzir, de suspender ou anular a execução, e não para que, em todo o caso, seja tornado ou fique certo o direito do credor”. Na verdade, a oposição à execução não funciona, exclusiva ou paralelamente, como contestação a uma acção declarativa, já que nenhum pedido de declaração de um direito comporta um pedido de execução; também a acção executiva não comporta uma declaração negativa “provocada” do direito do credor, desde logo por inexistir na lei qualquer cominação imposta ao executado que não deduza oposição, cominação que sempre se exige para a declaração de um direito. Mais recentemente, C. Oliveira Soares, in Themis, ano IV, 2003, sobretudo a pgs. 254 a 257, analisou a questão à luz da reforma da acção executiva, concluindo que o decurso dos prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, impedindo apenas, no processo, a prática do acto, não existindo fundamento legal para que se pudesse entender que essa preclusão produziria efeitos fora do processo. E também insiste no facto de, no acto da citação para a execução (artº 812º nº6 C.P.Civ., na redacção de 2003), não se encontrar previsto dar-se conhecimento ao executado dos ónus de impugnação dos factos constitutivos da obrigação exequenda e da alegação dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa obrigação, nem da possibilidade de revisão da acção executiva em termos idênticos à revisão da acção declarativa transitada em julgado. É claro que esta interpretação não assume o paradigma da eficácia e da celeridade dos meios judiciais, dificilmente compatível com a duplicação de meios de impugnação ao serviço do executado. Todavia, ela enfrenta o problema da conclusão e da harmonia do sistema jurídico, a natureza e os fins das acções executiva e declarativa, constatando que não existe norma, expressa ou implícita, que imponha a preclusão do direito de invocar a repetição do indevido. Resta salientar ainda, em idêntico sentido, o Ac.R.L. 5/7/00 Col.IV/78, aresto que se socorre ainda das observações de Manuel de Andrade, Revista Decana, 73º/245, nota 2, e Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 1993, pgs. 163 a 165. O agravo merece assim inteiro provimento. Resumindo a fundamentação: I – O decurso dos prazos processuais para a prática da oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, impedindo apenas, no processo, a prática do acto, não existindo fundamento legal para que se possa entender que essa preclusão produz efeitos fora do processo. II – A não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido. Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, acorda-se neste Tribunal da Relação: No provimento do agravo, revogar o despacho recorrido, incluindo a condenação dos AA. como litigantes de má fé, consequentemente determinando o prosseguimento dos autos. Custas pelo Agravado. Porto, 6 de Fevereiro de 2007 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha José Gabriel Correia Pereira da Silva Maria das Dores Eiró de Araújo