Processo:0732350
Data do Acordão: 15/05/2007Relator: JOSÉ FERRAZTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – Querendo o inquilino evitar a resolução do contrato por falta de residência permanente, com o fundamento de que o arrendado se destinava apenas ao gozo de férias, cabe-lhe provar esse facto. II – O fim ou afectação normal ou habitual (correspondente a uma realidade económica e social) do arrendamento urbano para habitação é que o arrendado seja destinado a residência permanente do inquilino. III – O que releva para se concluir se o arrendado se destina a residência não permanente, mas, antes, por períodos curtos ou transitórios (como o gozo do período de férias ou a permanência em tratamento termal), não é o uso que o inquilino lhe dá, mas o que foi efectivamente convencionado ao ser celebrado o contrato.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Processo
0732350
Relator
JOSÉ FERRAZ
Descritores
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO ÓNUS DA PROVA FACTOS RELEVANTES
No do documento
Data do Acordão
05/16/2007
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
IMPROCEDENTE.
Sumário
I – Querendo o inquilino evitar a resolução do contrato por falta de residência permanente, com o fundamento de que o arrendado se destinava apenas ao gozo de férias, cabe-lhe provar esse facto. II – O fim ou afectação normal ou habitual (correspondente a uma realidade económica e social) do arrendamento urbano para habitação é que o arrendado seja destinado a residência permanente do inquilino. III – O que releva para se concluir se o arrendado se destina a residência não permanente, mas, antes, por períodos curtos ou transitórios (como o gozo do período de férias ou a permanência em tratamento termal), não é o uso que o inquilino lhe dá, mas o que foi efectivamente convencionado ao ser celebrado o contrato.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1) – B………., viúvo, residente na Rua ………., …, ………., Vila Nova de Gaia, C………. e D………., residentes na mesma morada, intentaram a presente acção de despejo com processo Sumário contra E……… e mulher, alegando, que, por contrato verbal, o 1° autor deu de arrendamento ao Réu o rés-do-chão composto por 2 quartos, sala e cozinha, do prédio sito no ………., freguesia de ………., com início em 1 de Agosto de 1972, pelo prazo de seis meses, renovável nos termos da lei, mediante a renda mensal de 600$00, destinando-se o locado a habitação.
Continuam que os Réus, há mais de 2, 3 e 4 anos deixaram, juntamente com o seu agregado familiar, de viver no arrendado, não tendo aí instalada ou organizada qualquer vida doméstica ou outra.
Os Réus, durante os últimos 4 consecutivos anos, restringiram o uso do arrendado a uma esporádica visita de férias de dois em dois anos, no Verão, e pelo período de 15 dias, tendo toda a sua vida familiar e doméstica organizada em França, onde vivem permanentemente pelo menos de há quatro anos a esta parte. 
Concluem a pedir que os réus sejam condenados a ver decretado o despejo do arrendado e a entregarem-no aos autores, livre de pessoas e coisas.

Os Réus contestam a reconvêm.
Afirmam que o contrato de arrendamento foi celebrado em 14/3/1973 e que contrataram com o Autor a locação do prédio urbano que destinariam a residência de férias uma vez que os Réus eram emigrantes em França e nunca tiveram a residência permanente no local arrendado, como o autor bem sabia quando celebrou o contrato.
Acrescentam que os Réus têm feito do locado a exacta utilização a que se obrigaram, para o gozo de férias, jamais tendo fixado no arrendado o centro da sua vida doméstica. 
Em reconvenção, alegam terem realizado no locado, em Julho de 1990, obras de conservação absolutamente indispensáveis, no que despenderam 162.000$00. 
Terminam a pedir a improcedência da acção e procedência da reconvenção, com a condenação dos AA a indemnizarem os RR no valor de 162.000$00.

Os autores responderam alegando que nunca arrendaram a casa aos RR só para férias nem estes pretenderam a casa só para férias
Acrescentam que a filha dos Réus e a mãe e sogra dos Réus viveram no locado durante um ano consecutivo há cerca de 3 ou 4 anos e foram os Réus quem, alegando pretender regressar definitivamente a Portugal, contactaram os Autores para lhes arrendar a habitação em causa uma vez que vinham tomar de trespasse uma mercearia. 
Nas obras executadas no locado, os RR não despenderam mais de 20 a 30 mil escudos.
Mantêm o pedido inicial e pedem a improcedência da reconvenção.

Proferido despacho saneador a julgar a instância válida e regular, foram elaborados a especificação e o questionário, sem reclamação.

Realizada a audiência de julgamento, na qual foi ampliado o questionário, e decidida a matéria de facto provada e não provada, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.

Interposto recurso da sentença, foi anulada a decisão sobre a matéria de facto para, considerando-se confessada a existência de um arrendamento para habitação e que existiam obscuridades e contradições na matéria de facto (respostas aos quesitos 2, 6 e 7), ordenou-se a repetição do julgamento, para eliminar esses vícios. 

Repetido o julgamento, como ordenado, e aditado um quesito 7-A, a que se ampliou o julgamento com o fim evitar contradições na decisão, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção. 

Interposto recurso da sentença pelos RR, por acórdão de fls. 212 e seguintes, desta Relação, foi anulado parcialmente o julgamento em ordem a ser elaborado e respondido o quesito “Aquando do referido em B, os outorgantes acordaram ainda que o rés-do-chão se destinaria apenas a habitação dos RR em férias?”.

Dado cumprimento ao ordenado por esse acórdão, foi realizada a audiência de julgamento e, decidida essa questão de facto, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, decretando-se a resolução do contrato de arrendamento e a entrega do arrendado aos autores, e a reconvenção improcedente.

2) – Novamente discordantes com a sentença, recorrem os réus.
Doutamente alegam, formulando as conclusões que se seguem:
“A) Aos recorridos, autores na acção, incumbia fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado - direito ao despejo do arrendado de que são proprietários;  
B) Os recorridos peticionaram o seu direito ao despejo do arrendado, face aos recorrentes, invocando a não residência permanente destes no arrendado. 
C) São assim, factos constitutivos do direito invocado pelos recorridos: a prova da celebração de um contrato de arrendamento para habitação permanente e a não habitação permanente do arrendado pelos recorrentes. 
D) Os factos provados demonstram que entre recorridos e recorrentes foi celebrado contrato de arrendamento para habitação. 
E) Resulta da matéria provada que os recorridos não fizeram prova de que tal contrato de arrendamento para habitação foi celebrado para habitação permanente do arrendado - pelo que não lograram provar os factos constitutivos do direito por si alegado. 
F) Não se aceita que coubesse aos recorrentes o ónus da prova da destinação do arrendado à sua habitação não permanente, como se infere da sentença. O elemento "habitação não permanente" não é enquadrável no conceito de "facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito" (estes sim, ónus dos recorrentes), como é evidente pela análise legal e doutrinal destes conceitos. 
G) Existe desde já nos autos matéria suficiente para que a decisão seja a inversa, ou seja, a inexistência de direito dos recorridos ao despejo dos recorrentes pois não fizeram prova dos factos constitutivos do direito alegado. 
H) A matéria de facto congruente provada foi que, em síntese, “em 14.3.1973 os Réus já se encontravam emigrados em França, tendo aí a sua residência, o que o 1.° Autor conhecia à data da celebração do contrato de arrendamento” e que “os Réus sempre utilizaram o referido rés-do-chão e quintal nos períodos de férias de Verão e a Ré mulher por alturas dos Fiéis Defuntos.” 
I) A sentença dá como provado o destino residencial permanente do locado unicamente porque, em facto provado totalmente descontextualizado e avulso da restante matéria provada, em determinada altura “familiares destes deixaram de dormir, comer, receber correspondência ou amigos do locado”. 
J) A sentença é assim, igualmente, nos factos provados, obscura e contraditória, decide em dúvida a favor dos autores, violando o artigo 516.° do CPC, pelo que, a não se entender que devem ser os recorrentes absolvidos do pedido, deve ser anulada. 
K) Durante mais de 20 anos os recorridos aceitaram que recorrentes habitassem o arrendado nos termos descritos na conclusão G) pelo que, admitindo-se por mera hipótese teórica, que as partes celebraram, a inicio, acordo verbal de arrendamento para habitação permanente, o mesmo acordo, pela sua execução, foi modificado para arrendamento para habitação não permanente, por aceitação tácita dos recorridos, atentas as regras gerais do negocio jurídico. 
L) Devendo ser esta a interpretação da declaração negocial dos recorridos de acordo com a teoria da impressão do destinatário; e que, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido que conduza a um maior equilíbrio de prestações, e também por não poder ser exigida para alteração formalidade superior à da declaração inicial que foi meramente verbal. 
M) Sempre os recorrentes cumpriram a cimeira obrigação principal que sobre eles recaía a onerosidade do contrato através do pagamento pontual das rendas, sem qualquer oposição por partes dos recorridos no sentido de existência de qualquer violação do contrato - pelo que é equilibrada a manutenção do acordo com o conteúdo prestacional que sempre ocorreu na vigência do contrato - a mais tratando-se o despejo de inquilino, a sanção capital e última por violação de um certo conteúdo prestacional emergente de arrendamento. 
N) A decisão recorrida viola por erro de interpretação e aplicação as disposições normativas consagradas artigos 217.° n.º, 2.ª parte, 236.° n.º 1, 237.° e 342.° n.º 1 do Código Civil, 64.° n.º 1 al. i) do RAU, 516.° do Código de Processo Civil. 
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser alterada a decisão emitida em 1.a instância, absolvendo-se os recorrentes do pedido, e ou, em alternativa, atenta a deficiência e obscuridade da matéria de facto provada, ser a mesma anulada. 
Assim se respeitando o Direito e fazendo-se Justiça”. 

Os apelados respondem ao recurso pela confirmação da sentença.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

3) - Na douta sentença recorrida vêm julgados provados os seguintes factos:
1. O 10 Autor e a herança aberta por óbito de sua mulher F………., em relação á qual a totalidade dos Autores são os únicos herdeiros, são titulares do direito de propriedade da casa térrea com dependências para arrumações com socalcos, 5 dependências e quintal, sito no ………., freguesia de ………. e inscrito na matriz sob parte do artigo 136 urbano. (A)  
2. Por acordo verbal celebrado entre o 1º. Autor e o Réu marido, o primeiro deu de arrendamento ao segundo, para habitação, pelo prazo de 6 meses, o rés do chão composto por 2 quartos, sala e cozinha do prédio referido em 1.1.(B) 
3. Desde data não concretamente apurada mas após o ano de 1973, no locado deixaram de viver elementos do agregado familiar dos Réus, nele deixando de dormir, comer, receber correspondência ou amigos. (2)  
4. Os Réus, pelo menos desde 1988, vivem permanentemente em França, onde têm a sua habitação. (4) 
5. Em 14/3/1973 os Réus já se encontravam emigrados em França, tendo ai a sua residência, factos que o 1°. Autor conhecia. (6) 
6. Os Réus sempre utilizaram o referido rés-do-chão e quintal nos períodos de férias de Verão e a Ré mulher por alturas de Fiéis Defuntos. (7) 
7. O facto referido no quesito 6° era do conhecimento do 1º Autor à data do acordo referido em B). (7°- A) 

4) – Sendo as conclusões das alegações que delimitam o âmbito do recurso, e atento o disposto nos arts. 684º/3 e 690º/1 e 2, do CPC, cumpre averiguar e decidir:
- se os autores não fizeram a prova dos factos constitutivos do direito invocado e está provado que foi celebrado um arrendamento para habitação não permanente;
- se a sentença e, nos factos provados, é obscura e contraditória;
- se, a ter sido celebrado arrendamento para habitação permanente, pela sua execução por longo período de tempo como local de habitação não permanente, houve modificação para arrendamento para habitação não permanente, por aceitação tácita dos recorridos.

5) - Como se afirma no acórdão de fls. 212 e seguintes deste tribunal da Relação, o que essencialmente está em causa neste processo é saber se o arrendamento habitacional, celebrado por autor e réu (pelo menos, antes de 14/3/1973, como resulta das alíneas 5 e 7 da matéria de facto) tinha como fim a residência permanente ou a residência não permanente, de curtos períodos, para férias dos RR.

Aquele, um arrendamento vinculístico sujeito ao RAU (aprovado pelo DL321-B/90, de 15/10), regime aplicável (arts. 2º/1 desse DL e 12º/2, 2ª parte, do CC), de renovação forçada e denúncia condicionada, pelo senhorio, aos casos expressamente previstos nesse diploma legal. O proteccionismo concedido ao arrendatário, consistente nas severas restrições ao principio da liberdade contratual, com o fim de lhe assegurar habitação estável, mesmo contra a vontade do senhorio, tem em vista a residência permanente, a morada ou o lar do inquilino (cfr. M. Januário Gomes, Arrendamento para Habitação, 2ª edição, 32).

Este (arrendamento para habitação não permanente), caracterizado por uma utilização transitória, ocasional ou esporádica do arrendado, sujeito ao regime geral da locação civil (arts. 1022º e seguintes do CC e 6º/1 do RAU), que não justifica aquela protecção (determinada pela necessidade de manter a estabilidade da residência do inquilino) e o sacrifício do direito de denúncia do senhorio. Antes contrato livremente denunciável pelo senhorio, em situação de igualdade com o locatário (artigo 1054º do CC).

6) – Começando pela questão da obscuridade ou contradição da matéria de facto.
Já na alegação de recurso da sentença proferida a 16/01/2005, que veio a ser anulada por esta Relação para ampliação da matéria de facto, os ora recorrentes arguíram a obscuridade e contradição da materialidade provada sob os pontos 2.1, 2.2, 2.3 e 2.5 – supra, alíneas 3, 4, 5 e 7. 
E, no acórdão de fls. 212 e seguintes desta Relação entendeu-se sem consequência a alegada obscuridade.
Como se verifica dos pontos XXV e XXVI desse acórdão, essa questão foi abordada e decidido pela irrelevância de eventual obscuridade, que só interessaria para efeitos de abuso de direito que, na espécie, não operava por não demonstrada uma situação (conduta dos AA) geradora de uma situação de confiança digna de tutela (isto é, de que os AA não iriam jamais promover o despejo por falta de residência permanente, dado o longo período temporal que os RR estiveram nessa situação).
Trata-se, pois, de questão já analisada que, portanto, não justifica aqui e agora apreciação diferente com implicação na subsistência ou anulação da decisão de facto.

Sempre se dirá que não existe qualquer contradição da matéria de facto.
Nenhum dos factos provados, maxime os mencionados 3 e 4 (referidos 2.1 e 2.2 da sentença e referidos nas alegações - 3. Desde data não concretamente apurada mas após o ano de 1973, no locado deixaram de viver elementos do agregado familiar dos Réus, nele deixando de dormir, comer, receber correspondência ou amigos e 4. Os Réus, pelo menos desde 1988, vivem permanentemente em França, onde têm a sua habitação) se opõe, repele ou anula qualquer outro igualmente provado, de forma que, considerando-se todos, se introduza uma contradição, uma impossibilidade na ordem das coisas (o ser e não ser ao mesmo tempo). Todos os factos são harmonizáveis, é possível a sua realidade simultaneamente. 

Por outro lado, não há obscuridade nos factos alinhados sob as alíneas 3 e 4 (ou quaisquer outras), a implicar a anulação do julgamento o facto. O que consta da alínea 4 é questão confessada e não tem influência na decisão apurar-se ou não quais os concretos (identificados) elementos do agregado familiar dos RR que deixaram de praticar esses actos de vivência diária no arrendado.

Relevante (na perspectiva da qualificação de arrendamento habitacional permanente) é se os RR viviam no arrendado ou não, desde 1973 até 1988 (ou 1992), com conhecimento do A. ou dos AA, numa possível subsunção de uma tal situação ao abuso do direito, por parte destes se viessem, depois de tão longo período temporal, requerer o despejo (no caso dos RR não habitarem o arrendado com conhecimento do A. ou dos AA).
O que, como se alude atrás, foi decidido negativamente no acórdão de fls. 212 e seguintes, assente que não estava esse conhecimento do autor. Afastando-se, para lhe atribuir relevância jurídica, o abuso do direito. Portanto, tratando-se de arrendamento habitacional permanente, ficaria aberta ao autor (ou AA) a acção resolutiva do contrato. 

No abuso do direito não se baseiam os RR para fazer oposição à sentença, o que não inibiria o tribunal de dele conhecer, se os factos o revelassem. Mas já foi questão apreciada, sendo afastada actuação abusiva dos AA.
Do que se conclui por inexistência de obscuridade ou contradição relevante que importe a anulação da decisão da matéria de facto, para se harmonizar e esclarecer essa matéria.

7) - Na conclusão J) da conclusões dos recorrentes afirma-se “a sentença é assim, igualmente, nos factos provados, obscura e contraditória, decide em dúvida a favor dos autores, violando o artigo 516.° do CPC, pelo que, a não se entender que devem ser os recorrentes absolvidos do pedido, deve ser anulada”. 
Estabelece essa norma “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.
Não foi impugnada, em recurso, a decisão sobre a matéria de facto.
Nem padece de obscuridade ou contradição a pedir eliminação desses vícios.
Aliás, para se expurgar de tais vícios e suprir insuficiências, foi a decisão anulada (parcialmente) duas vezes (sem reclamação das partes) por este tribunal da Relação.

Não se vislumbra violação da citada norma, e os apelantes também não clarificam a alegada violação. O facto do tribunal decidir “em dúvida a favor dos autores” não tem qualquer significado, nessa sede. Na dúvida, a decisão não é a favor dos AA ou dos RR, mas deve ser contra a parte a quem o facto aproveita.
Não decorre dos factos provados que, na dúvida, o tribunal tenha julgado provado algum facto (que os apelantes também não identificam) que aproveite aos AA. 
O recurso à norma citada acontece quando existe dúvida sobre a realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, qual das partes tem o encargo da prova desse facto.  
No caso de dúvida (irredutível, esgotados os meios de investigação e prova) sobre a ocorrência de um facto, deve este ser julgado não provado; aquela equivale à falta de prova desse facto, sofrendo a consequente desvantagem a parte que tinha o ónus da sua prova ou aquela a quem o facto aproveita. Assente que está sobre quem recai esse encargo, é essa parte que sofre as consequências desvantajosas da falta de prova ou da dúvida sobre a sua ocorrência. Assim se evitando o “non liquet” (e o tribunal não pode abster-se de julgar por dúvida insanável acerca dos factos em litígio – artigo 8º do CC)
Na espécie, não se vislumbra, no quadro factual provado, facto algum sobre cuja ocorrência tenham surgido dúvidas sobre a sua realidade. E, já se referiu, não o identificam os apelantes, que acatam a decisão recorrida em matéria de facto.

Quanto à repartição do ónus da prova, é a lei material que a determina (ver arts. 342º a 346º do CC). Só na dúvida dessa repartição, funciona a regra do artigo 516º/2ª parte do CPC. O ónus cabe a quem aproveita o facto. Como regra geral, ao autor, se da sua existência depender o reconhecimento do direito invocado; ao réu se a sua ocorrência impedir, modificar ou extinguir o direito por aquele invocado.
Essa regra funciona no momento da decisão, da prolação da sentença. A acção é decidida de acordo com os factos efectivamente provados. Procede se o autor viu provados (mesmo que a prova não provenha dele, pois interessa o que se provou e não quem provou) os factos constitutivos do direito que invocou. Vê-la-á improceder se não se provaram tais factos ou se, apesar dessa prova, se provaram outros factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o autor invocou.
No domínio da decisão da matéria de facto, não se detecta ofensa à norma do artigo 516º.

8) – Na sentença recorrida considerou-se que dos “factos provados pensamos poder extrair-se que o arrendamento celebrado o foi para residência permanente dos Réus” e que “a falta de residência permanente do arrendatário no locado dá ao locador o direito de requerer a resolução imediata do contrato de arrendamento”, habite ou não outra casa, própria ou alheia. Situação que entendeu verificada na espécie em análise. E, por falta de residência permanente, foi decretado o despejo.
Pelo contrário, os apelantes entendem que tinham os AA o ónus de provar que o fim do arrendamento era a residência permanente dos RR (por esse facto era constitutivo do seu direito invocado), o que não lograram, e que dos factos provados deve concluir-se que o prédio foi arrendado para habitação não permanente, para os RR passar férias.

Quanto à questão, pronunciou-se o acórdão de fls. 212 e seguintes (ponto XIII), o que levou este tribunal da Relação a ordenar a ampliação da matéria de facto com o quesito “Aquando do referido em B, os outorgantes acordaram ainda que o rés-do-chão se destinaria apenas a habitação dos RR em férias?” 
Não podendo haver dúvidas que cabia aos RR a prova desse facto.
É a estes que tal facto aproveita.
Cita-se desse acórdão, quanto a saber se eram os AA que tinham o ónus de provar o arrendamento para residência permanente ou os RR que provar o arrendamento subsumível ao artigo 5º/2, alínea b), do RAU, “no normal – para mais neste quadro que nada tem a ver com praia, montanha ou termas, etc. – os contratos de arrendamento não são para férias.
Assim, cabe a quem pretende beneficiar do tipo de arrendamento fora do habitual, alegar e provar os factos que o diferenciam do arrendamento habitual”. 
No caso, os réus, dizemos nós.

Está demonstrado que o autor deu de arrendamento ao réu, para habitação, pelo prazo de 6 meses (renovável), o rés-do-chão composto por 2 quartos, sala e cozinha do prédio sito no ………., ………., inscrito na matriz sob parte do artigo 136 urbano.
À questão atrás formulada, se o arrendado se destinava apenas a habitação em férias, respondeu o tribunal “não provado”. E não consta impugnada essa decisão de facto.
Isto é, não se provou que o arrendamento se destinava a habitação não permanente, habitação ocasional (nos períodos de férias dos RR e o período de “Fiéis e Defuntos”), de uma habitação por curtos períodos, ocasional e esporádica, para lazer ou para repouso, para veraneio ou tratamento.
Adere-se à tese que faz recair sobre estes o encargo da prova da especialidade do fim do arrendamento (em confronto com a normalidade do arrendamento se destinar a habitação permanente), ou seja, que o prédio lhes foi arrendado para sua habitação nas férias (e eventualmente nalgum outro curto período do ano).

Como já atrás se referiu, o arrendado nada tem a ver com praia, montanha ou termas, com locais ou espaços de lazer, de veraneio. Isto só para referir que a situação não indicia um arrendamento para fins de vilegiatura, pois que a previsão do artigo 5º/2, alínea b), do RAU, tem-se como não taxativa, não limitando os arrendamentos aí previstos às zonas de praia, montanha ou termas (ver Aragão Seia, em Arrendamento Urbano, 4ª Edição, 137) pois que à distinção do arrendamento por curtos períodos e arrendamento para habitação permanente, não releva tanto a situação do imóvel em determinados locais (mas pode funcionar como relevante indício), predominantemente de lazer ou de tratamento, ou a duração do contrato, mas a finalidade da ocupação, se é o recreio, o repouso ou tratamento, a habitação não permanente.

Como escrevem P. Lima e A. Varela, em CC Anotado, I, 3ª edição, 304, “aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos”.
O arrendamento para habitação é normalmente para habitação permanente do inquilino, e não para gozo por curtos períodos, nomeadamente para passar férias, para vilegiatura (que, como escreve I. Galvão Telles, é algo de duração curta, ou relativamente curta, porque implica a ideia de sair, por algum tempo, do local onde habitualmente se vive, a fim de mudar de ambiente e obter a recreação do espírito). É aquela a normalidade social (e económica). E é essa a função normal do arrendamento habitacional, sobretudo quando os locados se situam em zonas habitacionais, não exclusiva ou principalmente afectas a veraneio, zonas de repouso ou de lazer, locais de turismo ou de tratamentos.

O carácter marcadamente excepcional destes arrendamentos torna indispensável que do título conste uma cláusula alusiva ao regime de vilegiatura (não o determinando a simples localização do arrendado em zona de vilegiatura) – cfr. Aragão Seia, ob. cit., 138. É o contrato que deve estabelecer o fim ou a destinação a uma utilização não permanente.
A esmagadora maioria dos arrendamentos habitacionais são para a residência permanente do arrendatário, pelo que, “na falta de indicação em contrário, a celebração de um contrato de arrendamento para habitação, de per si, faz presumir - presunção hominis - que o arrendamento é feito para habitação permanente do arrendatário e do seu agregado familiar” (M. Januário Gomes, ob. cit., 31/32, Ac. RP, de 16/05/2000, sumariado na ITIJ/net, proc. 9921573).

Por isso se o senhorio, que deu de arrendamento um prédio, pretende ver resolvido o contrato de arrendamento para habitação por o inquilino o manter desabitado ou falta de residência permanente deste no locado, não necessita de alegar e provar que o fim convencionado do contrato é a habitação permanente. Essa é a finalidade típica e função normal de um tal arrendamento. É a regra. Se não há cláusula a determinar o arrendamento a curtos períodos, a habitação não permanente, deve presumir-se que o arrendado se destina a habitação permanente.

Querendo obstar à resolução, por falta de residência permanente no arrendado, deve ser o inquilino a alegar e provar que o arrendamento se destina a habitação não permanente, por curtos períodos, renovável ou não. É a excepção. 
Cabe-lhe, se for essa finalidade do contrato, a prova de que o arrendado se destina gozar as férias do inquilino, a uma utilização temporária ou esporádica, restrita a determinados períodos de lazer ou de repouso, que não à sua habitação permanente. 
Facto que aproveita ao inquilino, que obsta ao acolhimento da pretensão resolutiva do contrato, funcionando como facto impeditivo do direito à resolução e despejo invocado pelo senhorio, que deve provar o contrato habitacional e a falta de residência permanente. 

Em conclusão, entendemos que sendo o arrendamento em causa, um arrendamento habitacional, se deve presumir que se destinava a residência permanente dos inquilinos e não a permanência por curtos períodos, designadamente nas férias dos RR.
Era sobre estes que incidia o ónus da prova desse arrendamento para residência não permanente, para o tempo de gozo de férias, como alegaram, para obstar à resolução do contrato por falta de residência permanente.  
Prova essa que não fizeram.

O arrendado não se situa em zona de lazer ou tratamentos; o arrendamento foi celebrado pelo período de seis meses (renovável) e não para um curto período do ano, não havendo qualquer facto que revela a possibilidade de uso do prédio pelo senhorio nos períodos fora de férias dos RR. Nem está sequer indiciado que os RR não pudessem utilizar, gozar o locado em qualquer dia, momento ou época do ano. Dispunham do gozo permanente do prédio e não apenas por alguns (curtos) períodos.
Não poderia deixar de concluir-se pela celebração de arrendamento para residência permanente e não por curtos períodos, que os RR não demonstraram.

E, em contrário, não impõe o que se prova sob as alíneas 5 e 7. Se por um lado, nada obsta que o inquilino possa ter duas residências permanentes (conceito que não importa a vivência diária nessa residência) - “residência permanente não significa residência única, pois hoje em dia é possível o arrendatário, face às exigências da vida, ter duas residências permanentes, em diferentes localidades, se servirem, com paridade, para instalação da vida doméstica, com sentido estável, habitual e duradouro” (Ac. STJ, 02-05-96, na ITIJ/net, proc. 0009772), ainda que, na espécie, essa pluralidade de residências se revelasse de realidade não normal. 
Por outro, não se tem assente facto que revele que o autor soubesse que o réu manteria residência em França, com a celebração do contrato, e concordaria com a não habitação no arrendado. De resto, que o prédio tenha sido arrendado ao réu para este nele passar/habitar apenas algum curto período no ano. 
Pois é pelo teor das cláusulas do contrato, e não pela utilização que o inquilino dá ao locado, que se há-de concluir pela celebração de arrendamento para habitação permanente, para sua residência habitual ou para habitação não permanente. Não se provando que o arrendamento foi celebrado para gozo de férias, não é pelo facto do inquilino lhe ter dado essa utilização, ainda que por longo tempo, que se vai concluir ter o arrendamento essa destinação.
Improcede a questão relacionada com a destinação do arrendamento e a oneração das partes quanto aos factos a provar por cada uma delas.

9) – Pretendem os apelantes que, mesmo que se entenda que o arrendamento foi celebrado para a residência permanente do inquilino (e seu agregado familiar), pelo facto da sua execução, ou modo de utilização do arrendado, ao longo de 20 anos, houve uma modificação da destinação do arrendamento, por aceitação tácita dos senhorios.
Referiu-se já que a destinação do arrendamento não depende da utilização que o inquilino dá ao prédio mas do que foi efectivamente convencionado a esse respeito. A qualificação do contrato “não deve basear-se na utilização que o arrendatário tenha dado à casa arrendada, mas no conteúdo das cláusulas contratuais, não podendo atribuir-se tal qualificação a um contrato cujas cláusulas não reflectem um contrato para habitação em curto período”, destinado a férias, recreio ou outro fim especial e transitório (ver ac. STJ, de 09/05/72, sumariado na ITIJ/net, proc. 064037; “a qualificação do contrato de arrendamento para habitação por curtos períodos, em termas, praias ou outros lugares de vilegiatura, tem de basear-se no conteúdo das cláusulas contratuais, não podendo atribuir-se tal qualificação a um contrato cujas cláusulas não reflectem aquela situação” (STJ, de 04/07/91, na ITIJ/net, proc. 080537).  

Nos termos do artigo 217º do CC, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita; esta a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (a vontade negocial). Neste caso, para que pela declaração se conclua, os factos devem ser concludentes ou inequívocos da vontade negocial e do sentido da declaração.
O contrato de arrendamento em causa não assentou em declarações de vontade das partes manifestadas de forma tácita mas de forma expressa.

Pretendem os apelantes que a dimensão temporal do contrato e o modo como utilizaram o locado, implica uma “modificação do arrendamento para habitação não permanente”, por aceitação tácita dos recorridos. Haveria, assim, um acordo modificativo do contrato quanto à destinação do arrendamento, assente em declarações de vontade tácitas.

Ainda que se admita a possibilidade de um tal acordo tácito, não o revelam os factos provados. Não há comportamento algum dos AA que possa entender-se como exteriorização reveladora da vontade de modificar as cláusulas contratuais no sentido pretendido. 
Como os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se por acordo das partes (artigo 406/1 do CC), os factos deviam mostrar a intenção das partes de que quiseram modificar o “fim” do contrato. 

Mas desde logo, inexiste a declaração dos apelantes (de modificar o conteúdo do contrato) que nunca aceitaram, no processo, a destinação do prédio a residência permanente. 
Como não se verifica comportamento dos apelados em que se surpreenda a vontade de aceitar, querer uma tal modificação. 
Poderá ter havido tolerância na forma como os apelantes usaram o locado (se essa utilização fosse a que estes afirmam e conhecida dos AA), mas tolerância, passividade perante tal conduta não pode significar vontade de modificar o contrato ou aceitação de modificação de alguma das suas cláusulas.

Poderia, eventualmente, criar nos apelantes uma situação de confiança de que os apelados não viriam a reagir à falta de residência permanente no prédio. Mas já vimos que essa confiança não permite suprimir o direito daqueles à resolução do contrato e, por outro lado, seria contraditório dar tutela a essa confiança, quando os RR não querem (perante a posição que manifestam ao longo do processo) o arrendado para nele instalar a sua residência permanente. 
Como se refere no citado acórdão de 09/05/72, “a negligência ou tolerância do senhorio, relativamente a situação infractora do contrato e justificativa da resolução deste, vale, nos termos do artigo 1094 do Código Civil, como renúncia a accionar com base nos factos ou omissões ocorridos há mais de um ano, mas não legitima essa mesma situação para o futuro, pelo que poderá o senhorio accionar por factos ou omissões análogos, ocorridos no ano anterior a proposição da acção”. 
E, como já foi decidido, não foi suscitada a caducidade da acção, além de não operar, face ao citado artigo 1094º/2 do CC (introduzido pela Lei 24/89, de 1/8) e artigo 65º/2 do RAU.

Acresce que, da materialidade fáctica assente, não é legítimo extrair nem que os RR apenas tenham usado o arrendado, desde sempre ou desde 1973, apenas para gozo de férias e/ou para aí se deslocarem pela altura dos “Fiéis e Defuntos”, isto é, que nem eles nem o seu agregado familiar (ou membros desse agregado) tivessem usado o prédio como residência permanente, para que se pudesse falar em conduta reveladora de vontade de alterar ou modificar a destinação do arrendamento. 
O que não é contrariado pelo que se prova em 5 a 7 da matéria de facto. Pois desconhece-se se, até 1988, os RR tiveram no prédio, nalgum período, residência permanente (ou não) ou aí permaneceram sempre membros do seu agregado familiar (e indicia-se que, pelo menos durante algum tempo, aí terão vivido – ver alínea 3 da matéria de facto).

Por outro, não decorre dessa factualidade que o A. (ou AA.) sempre soubessem dessa (suposta) falta de residência permanente e com ela concordassem.
O que inviabiliza conclusão pela aceitação de qualquer modificação contratual.
Improcede a questão suscitada.

10) – Face ao que acaba de se expor, e ao preceituavam os arts. 1093º/1, alínea i), do CC (na redacção anterior à vigência do RAU), e 64º/1, alínea i), do RAU (aprovado pelo DL 321-B/90) fundamento existe para a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo decididos pela sentença recorrida.
Improcede a apelação.

11) – Pelo que se acorda neste tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Porto, 16 de Maio de 2007
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1) – B………., viúvo, residente na Rua ………., …, ………., Vila Nova de Gaia, C………. e D………., residentes na mesma morada, intentaram a presente acção de despejo com processo Sumário contra E……… e mulher, alegando, que, por contrato verbal, o 1° autor deu de arrendamento ao Réu o rés-do-chão composto por 2 quartos, sala e cozinha, do prédio sito no ………., freguesia de ………., com início em 1 de Agosto de 1972, pelo prazo de seis meses, renovável nos termos da lei, mediante a renda mensal de 600$00, destinando-se o locado a habitação. Continuam que os Réus, há mais de 2, 3 e 4 anos deixaram, juntamente com o seu agregado familiar, de viver no arrendado, não tendo aí instalada ou organizada qualquer vida doméstica ou outra. Os Réus, durante os últimos 4 consecutivos anos, restringiram o uso do arrendado a uma esporádica visita de férias de dois em dois anos, no Verão, e pelo período de 15 dias, tendo toda a sua vida familiar e doméstica organizada em França, onde vivem permanentemente pelo menos de há quatro anos a esta parte. Concluem a pedir que os réus sejam condenados a ver decretado o despejo do arrendado e a entregarem-no aos autores, livre de pessoas e coisas. Os Réus contestam a reconvêm. Afirmam que o contrato de arrendamento foi celebrado em 14/3/1973 e que contrataram com o Autor a locação do prédio urbano que destinariam a residência de férias uma vez que os Réus eram emigrantes em França e nunca tiveram a residência permanente no local arrendado, como o autor bem sabia quando celebrou o contrato. Acrescentam que os Réus têm feito do locado a exacta utilização a que se obrigaram, para o gozo de férias, jamais tendo fixado no arrendado o centro da sua vida doméstica. Em reconvenção, alegam terem realizado no locado, em Julho de 1990, obras de conservação absolutamente indispensáveis, no que despenderam 162.000$00. Terminam a pedir a improcedência da acção e procedência da reconvenção, com a condenação dos AA a indemnizarem os RR no valor de 162.000$00. Os autores responderam alegando que nunca arrendaram a casa aos RR só para férias nem estes pretenderam a casa só para férias Acrescentam que a filha dos Réus e a mãe e sogra dos Réus viveram no locado durante um ano consecutivo há cerca de 3 ou 4 anos e foram os Réus quem, alegando pretender regressar definitivamente a Portugal, contactaram os Autores para lhes arrendar a habitação em causa uma vez que vinham tomar de trespasse uma mercearia. Nas obras executadas no locado, os RR não despenderam mais de 20 a 30 mil escudos. Mantêm o pedido inicial e pedem a improcedência da reconvenção. Proferido despacho saneador a julgar a instância válida e regular, foram elaborados a especificação e o questionário, sem reclamação. Realizada a audiência de julgamento, na qual foi ampliado o questionário, e decidida a matéria de facto provada e não provada, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente. Interposto recurso da sentença, foi anulada a decisão sobre a matéria de facto para, considerando-se confessada a existência de um arrendamento para habitação e que existiam obscuridades e contradições na matéria de facto (respostas aos quesitos 2, 6 e 7), ordenou-se a repetição do julgamento, para eliminar esses vícios. Repetido o julgamento, como ordenado, e aditado um quesito 7-A, a que se ampliou o julgamento com o fim evitar contradições na decisão, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e improcedente a reconvenção. Interposto recurso da sentença pelos RR, por acórdão de fls. 212 e seguintes, desta Relação, foi anulado parcialmente o julgamento em ordem a ser elaborado e respondido o quesito “Aquando do referido em B, os outorgantes acordaram ainda que o rés-do-chão se destinaria apenas a habitação dos RR em férias?”. Dado cumprimento ao ordenado por esse acórdão, foi realizada a audiência de julgamento e, decidida essa questão de facto, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, decretando-se a resolução do contrato de arrendamento e a entrega do arrendado aos autores, e a reconvenção improcedente. 2) – Novamente discordantes com a sentença, recorrem os réus. Doutamente alegam, formulando as conclusões que se seguem: “A) Aos recorridos, autores na acção, incumbia fazer prova dos factos constitutivos do direito invocado - direito ao despejo do arrendado de que são proprietários; B) Os recorridos peticionaram o seu direito ao despejo do arrendado, face aos recorrentes, invocando a não residência permanente destes no arrendado. C) São assim, factos constitutivos do direito invocado pelos recorridos: a prova da celebração de um contrato de arrendamento para habitação permanente e a não habitação permanente do arrendado pelos recorrentes. D) Os factos provados demonstram que entre recorridos e recorrentes foi celebrado contrato de arrendamento para habitação. E) Resulta da matéria provada que os recorridos não fizeram prova de que tal contrato de arrendamento para habitação foi celebrado para habitação permanente do arrendado - pelo que não lograram provar os factos constitutivos do direito por si alegado. F) Não se aceita que coubesse aos recorrentes o ónus da prova da destinação do arrendado à sua habitação não permanente, como se infere da sentença. O elemento "habitação não permanente" não é enquadrável no conceito de "facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito" (estes sim, ónus dos recorrentes), como é evidente pela análise legal e doutrinal destes conceitos. G) Existe desde já nos autos matéria suficiente para que a decisão seja a inversa, ou seja, a inexistência de direito dos recorridos ao despejo dos recorrentes pois não fizeram prova dos factos constitutivos do direito alegado. H) A matéria de facto congruente provada foi que, em síntese, “em 14.3.1973 os Réus já se encontravam emigrados em França, tendo aí a sua residência, o que o 1.° Autor conhecia à data da celebração do contrato de arrendamento” e que “os Réus sempre utilizaram o referido rés-do-chão e quintal nos períodos de férias de Verão e a Ré mulher por alturas dos Fiéis Defuntos.” I) A sentença dá como provado o destino residencial permanente do locado unicamente porque, em facto provado totalmente descontextualizado e avulso da restante matéria provada, em determinada altura “familiares destes deixaram de dormir, comer, receber correspondência ou amigos do locado”. J) A sentença é assim, igualmente, nos factos provados, obscura e contraditória, decide em dúvida a favor dos autores, violando o artigo 516.° do CPC, pelo que, a não se entender que devem ser os recorrentes absolvidos do pedido, deve ser anulada. K) Durante mais de 20 anos os recorridos aceitaram que recorrentes habitassem o arrendado nos termos descritos na conclusão G) pelo que, admitindo-se por mera hipótese teórica, que as partes celebraram, a inicio, acordo verbal de arrendamento para habitação permanente, o mesmo acordo, pela sua execução, foi modificado para arrendamento para habitação não permanente, por aceitação tácita dos recorridos, atentas as regras gerais do negocio jurídico. L) Devendo ser esta a interpretação da declaração negocial dos recorridos de acordo com a teoria da impressão do destinatário; e que, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido que conduza a um maior equilíbrio de prestações, e também por não poder ser exigida para alteração formalidade superior à da declaração inicial que foi meramente verbal. M) Sempre os recorrentes cumpriram a cimeira obrigação principal que sobre eles recaía a onerosidade do contrato através do pagamento pontual das rendas, sem qualquer oposição por partes dos recorridos no sentido de existência de qualquer violação do contrato - pelo que é equilibrada a manutenção do acordo com o conteúdo prestacional que sempre ocorreu na vigência do contrato - a mais tratando-se o despejo de inquilino, a sanção capital e última por violação de um certo conteúdo prestacional emergente de arrendamento. N) A decisão recorrida viola por erro de interpretação e aplicação as disposições normativas consagradas artigos 217.° n.º, 2.ª parte, 236.° n.º 1, 237.° e 342.° n.º 1 do Código Civil, 64.° n.º 1 al. i) do RAU, 516.° do Código de Processo Civil. Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser alterada a decisão emitida em 1.a instância, absolvendo-se os recorrentes do pedido, e ou, em alternativa, atenta a deficiência e obscuridade da matéria de facto provada, ser a mesma anulada. Assim se respeitando o Direito e fazendo-se Justiça”. Os apelados respondem ao recurso pela confirmação da sentença. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 3) - Na douta sentença recorrida vêm julgados provados os seguintes factos: 1. O 10 Autor e a herança aberta por óbito de sua mulher F………., em relação á qual a totalidade dos Autores são os únicos herdeiros, são titulares do direito de propriedade da casa térrea com dependências para arrumações com socalcos, 5 dependências e quintal, sito no ………., freguesia de ………. e inscrito na matriz sob parte do artigo 136 urbano. (A) 2. Por acordo verbal celebrado entre o 1º. Autor e o Réu marido, o primeiro deu de arrendamento ao segundo, para habitação, pelo prazo de 6 meses, o rés do chão composto por 2 quartos, sala e cozinha do prédio referido em 1.1.(B) 3. Desde data não concretamente apurada mas após o ano de 1973, no locado deixaram de viver elementos do agregado familiar dos Réus, nele deixando de dormir, comer, receber correspondência ou amigos. (2) 4. Os Réus, pelo menos desde 1988, vivem permanentemente em França, onde têm a sua habitação. (4) 5. Em 14/3/1973 os Réus já se encontravam emigrados em França, tendo ai a sua residência, factos que o 1°. Autor conhecia. (6) 6. Os Réus sempre utilizaram o referido rés-do-chão e quintal nos períodos de férias de Verão e a Ré mulher por alturas de Fiéis Defuntos. (7) 7. O facto referido no quesito 6° era do conhecimento do 1º Autor à data do acordo referido em B). (7°- A) 4) – Sendo as conclusões das alegações que delimitam o âmbito do recurso, e atento o disposto nos arts. 684º/3 e 690º/1 e 2, do CPC, cumpre averiguar e decidir: - se os autores não fizeram a prova dos factos constitutivos do direito invocado e está provado que foi celebrado um arrendamento para habitação não permanente; - se a sentença e, nos factos provados, é obscura e contraditória; - se, a ter sido celebrado arrendamento para habitação permanente, pela sua execução por longo período de tempo como local de habitação não permanente, houve modificação para arrendamento para habitação não permanente, por aceitação tácita dos recorridos. 5) - Como se afirma no acórdão de fls. 212 e seguintes deste tribunal da Relação, o que essencialmente está em causa neste processo é saber se o arrendamento habitacional, celebrado por autor e réu (pelo menos, antes de 14/3/1973, como resulta das alíneas 5 e 7 da matéria de facto) tinha como fim a residência permanente ou a residência não permanente, de curtos períodos, para férias dos RR. Aquele, um arrendamento vinculístico sujeito ao RAU (aprovado pelo DL321-B/90, de 15/10), regime aplicável (arts. 2º/1 desse DL e 12º/2, 2ª parte, do CC), de renovação forçada e denúncia condicionada, pelo senhorio, aos casos expressamente previstos nesse diploma legal. O proteccionismo concedido ao arrendatário, consistente nas severas restrições ao principio da liberdade contratual, com o fim de lhe assegurar habitação estável, mesmo contra a vontade do senhorio, tem em vista a residência permanente, a morada ou o lar do inquilino (cfr. M. Januário Gomes, Arrendamento para Habitação, 2ª edição, 32). Este (arrendamento para habitação não permanente), caracterizado por uma utilização transitória, ocasional ou esporádica do arrendado, sujeito ao regime geral da locação civil (arts. 1022º e seguintes do CC e 6º/1 do RAU), que não justifica aquela protecção (determinada pela necessidade de manter a estabilidade da residência do inquilino) e o sacrifício do direito de denúncia do senhorio. Antes contrato livremente denunciável pelo senhorio, em situação de igualdade com o locatário (artigo 1054º do CC). 6) – Começando pela questão da obscuridade ou contradição da matéria de facto. Já na alegação de recurso da sentença proferida a 16/01/2005, que veio a ser anulada por esta Relação para ampliação da matéria de facto, os ora recorrentes arguíram a obscuridade e contradição da materialidade provada sob os pontos 2.1, 2.2, 2.3 e 2.5 – supra, alíneas 3, 4, 5 e 7. E, no acórdão de fls. 212 e seguintes desta Relação entendeu-se sem consequência a alegada obscuridade. Como se verifica dos pontos XXV e XXVI desse acórdão, essa questão foi abordada e decidido pela irrelevância de eventual obscuridade, que só interessaria para efeitos de abuso de direito que, na espécie, não operava por não demonstrada uma situação (conduta dos AA) geradora de uma situação de confiança digna de tutela (isto é, de que os AA não iriam jamais promover o despejo por falta de residência permanente, dado o longo período temporal que os RR estiveram nessa situação). Trata-se, pois, de questão já analisada que, portanto, não justifica aqui e agora apreciação diferente com implicação na subsistência ou anulação da decisão de facto. Sempre se dirá que não existe qualquer contradição da matéria de facto. Nenhum dos factos provados, maxime os mencionados 3 e 4 (referidos 2.1 e 2.2 da sentença e referidos nas alegações - 3. Desde data não concretamente apurada mas após o ano de 1973, no locado deixaram de viver elementos do agregado familiar dos Réus, nele deixando de dormir, comer, receber correspondência ou amigos e 4. Os Réus, pelo menos desde 1988, vivem permanentemente em França, onde têm a sua habitação) se opõe, repele ou anula qualquer outro igualmente provado, de forma que, considerando-se todos, se introduza uma contradição, uma impossibilidade na ordem das coisas (o ser e não ser ao mesmo tempo). Todos os factos são harmonizáveis, é possível a sua realidade simultaneamente. Por outro lado, não há obscuridade nos factos alinhados sob as alíneas 3 e 4 (ou quaisquer outras), a implicar a anulação do julgamento o facto. O que consta da alínea 4 é questão confessada e não tem influência na decisão apurar-se ou não quais os concretos (identificados) elementos do agregado familiar dos RR que deixaram de praticar esses actos de vivência diária no arrendado. Relevante (na perspectiva da qualificação de arrendamento habitacional permanente) é se os RR viviam no arrendado ou não, desde 1973 até 1988 (ou 1992), com conhecimento do A. ou dos AA, numa possível subsunção de uma tal situação ao abuso do direito, por parte destes se viessem, depois de tão longo período temporal, requerer o despejo (no caso dos RR não habitarem o arrendado com conhecimento do A. ou dos AA). O que, como se alude atrás, foi decidido negativamente no acórdão de fls. 212 e seguintes, assente que não estava esse conhecimento do autor. Afastando-se, para lhe atribuir relevância jurídica, o abuso do direito. Portanto, tratando-se de arrendamento habitacional permanente, ficaria aberta ao autor (ou AA) a acção resolutiva do contrato. No abuso do direito não se baseiam os RR para fazer oposição à sentença, o que não inibiria o tribunal de dele conhecer, se os factos o revelassem. Mas já foi questão apreciada, sendo afastada actuação abusiva dos AA. Do que se conclui por inexistência de obscuridade ou contradição relevante que importe a anulação da decisão da matéria de facto, para se harmonizar e esclarecer essa matéria. 7) - Na conclusão J) da conclusões dos recorrentes afirma-se “a sentença é assim, igualmente, nos factos provados, obscura e contraditória, decide em dúvida a favor dos autores, violando o artigo 516.° do CPC, pelo que, a não se entender que devem ser os recorrentes absolvidos do pedido, deve ser anulada”. Estabelece essa norma “a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”. Não foi impugnada, em recurso, a decisão sobre a matéria de facto. Nem padece de obscuridade ou contradição a pedir eliminação desses vícios. Aliás, para se expurgar de tais vícios e suprir insuficiências, foi a decisão anulada (parcialmente) duas vezes (sem reclamação das partes) por este tribunal da Relação. Não se vislumbra violação da citada norma, e os apelantes também não clarificam a alegada violação. O facto do tribunal decidir “em dúvida a favor dos autores” não tem qualquer significado, nessa sede. Na dúvida, a decisão não é a favor dos AA ou dos RR, mas deve ser contra a parte a quem o facto aproveita. Não decorre dos factos provados que, na dúvida, o tribunal tenha julgado provado algum facto (que os apelantes também não identificam) que aproveite aos AA. O recurso à norma citada acontece quando existe dúvida sobre a realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, qual das partes tem o encargo da prova desse facto. No caso de dúvida (irredutível, esgotados os meios de investigação e prova) sobre a ocorrência de um facto, deve este ser julgado não provado; aquela equivale à falta de prova desse facto, sofrendo a consequente desvantagem a parte que tinha o ónus da sua prova ou aquela a quem o facto aproveita. Assente que está sobre quem recai esse encargo, é essa parte que sofre as consequências desvantajosas da falta de prova ou da dúvida sobre a sua ocorrência. Assim se evitando o “non liquet” (e o tribunal não pode abster-se de julgar por dúvida insanável acerca dos factos em litígio – artigo 8º do CC) Na espécie, não se vislumbra, no quadro factual provado, facto algum sobre cuja ocorrência tenham surgido dúvidas sobre a sua realidade. E, já se referiu, não o identificam os apelantes, que acatam a decisão recorrida em matéria de facto. Quanto à repartição do ónus da prova, é a lei material que a determina (ver arts. 342º a 346º do CC). Só na dúvida dessa repartição, funciona a regra do artigo 516º/2ª parte do CPC. O ónus cabe a quem aproveita o facto. Como regra geral, ao autor, se da sua existência depender o reconhecimento do direito invocado; ao réu se a sua ocorrência impedir, modificar ou extinguir o direito por aquele invocado. Essa regra funciona no momento da decisão, da prolação da sentença. A acção é decidida de acordo com os factos efectivamente provados. Procede se o autor viu provados (mesmo que a prova não provenha dele, pois interessa o que se provou e não quem provou) os factos constitutivos do direito que invocou. Vê-la-á improceder se não se provaram tais factos ou se, apesar dessa prova, se provaram outros factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o autor invocou. No domínio da decisão da matéria de facto, não se detecta ofensa à norma do artigo 516º. 8) – Na sentença recorrida considerou-se que dos “factos provados pensamos poder extrair-se que o arrendamento celebrado o foi para residência permanente dos Réus” e que “a falta de residência permanente do arrendatário no locado dá ao locador o direito de requerer a resolução imediata do contrato de arrendamento”, habite ou não outra casa, própria ou alheia. Situação que entendeu verificada na espécie em análise. E, por falta de residência permanente, foi decretado o despejo. Pelo contrário, os apelantes entendem que tinham os AA o ónus de provar que o fim do arrendamento era a residência permanente dos RR (por esse facto era constitutivo do seu direito invocado), o que não lograram, e que dos factos provados deve concluir-se que o prédio foi arrendado para habitação não permanente, para os RR passar férias. Quanto à questão, pronunciou-se o acórdão de fls. 212 e seguintes (ponto XIII), o que levou este tribunal da Relação a ordenar a ampliação da matéria de facto com o quesito “Aquando do referido em B, os outorgantes acordaram ainda que o rés-do-chão se destinaria apenas a habitação dos RR em férias?” Não podendo haver dúvidas que cabia aos RR a prova desse facto. É a estes que tal facto aproveita. Cita-se desse acórdão, quanto a saber se eram os AA que tinham o ónus de provar o arrendamento para residência permanente ou os RR que provar o arrendamento subsumível ao artigo 5º/2, alínea b), do RAU, “no normal – para mais neste quadro que nada tem a ver com praia, montanha ou termas, etc. – os contratos de arrendamento não são para férias. Assim, cabe a quem pretende beneficiar do tipo de arrendamento fora do habitual, alegar e provar os factos que o diferenciam do arrendamento habitual”. No caso, os réus, dizemos nós. Está demonstrado que o autor deu de arrendamento ao réu, para habitação, pelo prazo de 6 meses (renovável), o rés-do-chão composto por 2 quartos, sala e cozinha do prédio sito no ………., ………., inscrito na matriz sob parte do artigo 136 urbano. À questão atrás formulada, se o arrendado se destinava apenas a habitação em férias, respondeu o tribunal “não provado”. E não consta impugnada essa decisão de facto. Isto é, não se provou que o arrendamento se destinava a habitação não permanente, habitação ocasional (nos períodos de férias dos RR e o período de “Fiéis e Defuntos”), de uma habitação por curtos períodos, ocasional e esporádica, para lazer ou para repouso, para veraneio ou tratamento. Adere-se à tese que faz recair sobre estes o encargo da prova da especialidade do fim do arrendamento (em confronto com a normalidade do arrendamento se destinar a habitação permanente), ou seja, que o prédio lhes foi arrendado para sua habitação nas férias (e eventualmente nalgum outro curto período do ano). Como já atrás se referiu, o arrendado nada tem a ver com praia, montanha ou termas, com locais ou espaços de lazer, de veraneio. Isto só para referir que a situação não indicia um arrendamento para fins de vilegiatura, pois que a previsão do artigo 5º/2, alínea b), do RAU, tem-se como não taxativa, não limitando os arrendamentos aí previstos às zonas de praia, montanha ou termas (ver Aragão Seia, em Arrendamento Urbano, 4ª Edição, 137) pois que à distinção do arrendamento por curtos períodos e arrendamento para habitação permanente, não releva tanto a situação do imóvel em determinados locais (mas pode funcionar como relevante indício), predominantemente de lazer ou de tratamento, ou a duração do contrato, mas a finalidade da ocupação, se é o recreio, o repouso ou tratamento, a habitação não permanente. Como escrevem P. Lima e A. Varela, em CC Anotado, I, 3ª edição, 304, “aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos”. O arrendamento para habitação é normalmente para habitação permanente do inquilino, e não para gozo por curtos períodos, nomeadamente para passar férias, para vilegiatura (que, como escreve I. Galvão Telles, é algo de duração curta, ou relativamente curta, porque implica a ideia de sair, por algum tempo, do local onde habitualmente se vive, a fim de mudar de ambiente e obter a recreação do espírito). É aquela a normalidade social (e económica). E é essa a função normal do arrendamento habitacional, sobretudo quando os locados se situam em zonas habitacionais, não exclusiva ou principalmente afectas a veraneio, zonas de repouso ou de lazer, locais de turismo ou de tratamentos. O carácter marcadamente excepcional destes arrendamentos torna indispensável que do título conste uma cláusula alusiva ao regime de vilegiatura (não o determinando a simples localização do arrendado em zona de vilegiatura) – cfr. Aragão Seia, ob. cit., 138. É o contrato que deve estabelecer o fim ou a destinação a uma utilização não permanente. A esmagadora maioria dos arrendamentos habitacionais são para a residência permanente do arrendatário, pelo que, “na falta de indicação em contrário, a celebração de um contrato de arrendamento para habitação, de per si, faz presumir - presunção hominis - que o arrendamento é feito para habitação permanente do arrendatário e do seu agregado familiar” (M. Januário Gomes, ob. cit., 31/32, Ac. RP, de 16/05/2000, sumariado na ITIJ/net, proc. 9921573). Por isso se o senhorio, que deu de arrendamento um prédio, pretende ver resolvido o contrato de arrendamento para habitação por o inquilino o manter desabitado ou falta de residência permanente deste no locado, não necessita de alegar e provar que o fim convencionado do contrato é a habitação permanente. Essa é a finalidade típica e função normal de um tal arrendamento. É a regra. Se não há cláusula a determinar o arrendamento a curtos períodos, a habitação não permanente, deve presumir-se que o arrendado se destina a habitação permanente. Querendo obstar à resolução, por falta de residência permanente no arrendado, deve ser o inquilino a alegar e provar que o arrendamento se destina a habitação não permanente, por curtos períodos, renovável ou não. É a excepção. Cabe-lhe, se for essa finalidade do contrato, a prova de que o arrendado se destina gozar as férias do inquilino, a uma utilização temporária ou esporádica, restrita a determinados períodos de lazer ou de repouso, que não à sua habitação permanente. Facto que aproveita ao inquilino, que obsta ao acolhimento da pretensão resolutiva do contrato, funcionando como facto impeditivo do direito à resolução e despejo invocado pelo senhorio, que deve provar o contrato habitacional e a falta de residência permanente. Em conclusão, entendemos que sendo o arrendamento em causa, um arrendamento habitacional, se deve presumir que se destinava a residência permanente dos inquilinos e não a permanência por curtos períodos, designadamente nas férias dos RR. Era sobre estes que incidia o ónus da prova desse arrendamento para residência não permanente, para o tempo de gozo de férias, como alegaram, para obstar à resolução do contrato por falta de residência permanente. Prova essa que não fizeram. O arrendado não se situa em zona de lazer ou tratamentos; o arrendamento foi celebrado pelo período de seis meses (renovável) e não para um curto período do ano, não havendo qualquer facto que revela a possibilidade de uso do prédio pelo senhorio nos períodos fora de férias dos RR. Nem está sequer indiciado que os RR não pudessem utilizar, gozar o locado em qualquer dia, momento ou época do ano. Dispunham do gozo permanente do prédio e não apenas por alguns (curtos) períodos. Não poderia deixar de concluir-se pela celebração de arrendamento para residência permanente e não por curtos períodos, que os RR não demonstraram. E, em contrário, não impõe o que se prova sob as alíneas 5 e 7. Se por um lado, nada obsta que o inquilino possa ter duas residências permanentes (conceito que não importa a vivência diária nessa residência) - “residência permanente não significa residência única, pois hoje em dia é possível o arrendatário, face às exigências da vida, ter duas residências permanentes, em diferentes localidades, se servirem, com paridade, para instalação da vida doméstica, com sentido estável, habitual e duradouro” (Ac. STJ, 02-05-96, na ITIJ/net, proc. 0009772), ainda que, na espécie, essa pluralidade de residências se revelasse de realidade não normal. Por outro, não se tem assente facto que revele que o autor soubesse que o réu manteria residência em França, com a celebração do contrato, e concordaria com a não habitação no arrendado. De resto, que o prédio tenha sido arrendado ao réu para este nele passar/habitar apenas algum curto período no ano. Pois é pelo teor das cláusulas do contrato, e não pela utilização que o inquilino dá ao locado, que se há-de concluir pela celebração de arrendamento para habitação permanente, para sua residência habitual ou para habitação não permanente. Não se provando que o arrendamento foi celebrado para gozo de férias, não é pelo facto do inquilino lhe ter dado essa utilização, ainda que por longo tempo, que se vai concluir ter o arrendamento essa destinação. Improcede a questão relacionada com a destinação do arrendamento e a oneração das partes quanto aos factos a provar por cada uma delas. 9) – Pretendem os apelantes que, mesmo que se entenda que o arrendamento foi celebrado para a residência permanente do inquilino (e seu agregado familiar), pelo facto da sua execução, ou modo de utilização do arrendado, ao longo de 20 anos, houve uma modificação da destinação do arrendamento, por aceitação tácita dos senhorios. Referiu-se já que a destinação do arrendamento não depende da utilização que o inquilino dá ao prédio mas do que foi efectivamente convencionado a esse respeito. A qualificação do contrato “não deve basear-se na utilização que o arrendatário tenha dado à casa arrendada, mas no conteúdo das cláusulas contratuais, não podendo atribuir-se tal qualificação a um contrato cujas cláusulas não reflectem um contrato para habitação em curto período”, destinado a férias, recreio ou outro fim especial e transitório (ver ac. STJ, de 09/05/72, sumariado na ITIJ/net, proc. 064037; “a qualificação do contrato de arrendamento para habitação por curtos períodos, em termas, praias ou outros lugares de vilegiatura, tem de basear-se no conteúdo das cláusulas contratuais, não podendo atribuir-se tal qualificação a um contrato cujas cláusulas não reflectem aquela situação” (STJ, de 04/07/91, na ITIJ/net, proc. 080537). Nos termos do artigo 217º do CC, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita; esta a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (a vontade negocial). Neste caso, para que pela declaração se conclua, os factos devem ser concludentes ou inequívocos da vontade negocial e do sentido da declaração. O contrato de arrendamento em causa não assentou em declarações de vontade das partes manifestadas de forma tácita mas de forma expressa. Pretendem os apelantes que a dimensão temporal do contrato e o modo como utilizaram o locado, implica uma “modificação do arrendamento para habitação não permanente”, por aceitação tácita dos recorridos. Haveria, assim, um acordo modificativo do contrato quanto à destinação do arrendamento, assente em declarações de vontade tácitas. Ainda que se admita a possibilidade de um tal acordo tácito, não o revelam os factos provados. Não há comportamento algum dos AA que possa entender-se como exteriorização reveladora da vontade de modificar as cláusulas contratuais no sentido pretendido. Como os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se por acordo das partes (artigo 406/1 do CC), os factos deviam mostrar a intenção das partes de que quiseram modificar o “fim” do contrato. Mas desde logo, inexiste a declaração dos apelantes (de modificar o conteúdo do contrato) que nunca aceitaram, no processo, a destinação do prédio a residência permanente. Como não se verifica comportamento dos apelados em que se surpreenda a vontade de aceitar, querer uma tal modificação. Poderá ter havido tolerância na forma como os apelantes usaram o locado (se essa utilização fosse a que estes afirmam e conhecida dos AA), mas tolerância, passividade perante tal conduta não pode significar vontade de modificar o contrato ou aceitação de modificação de alguma das suas cláusulas. Poderia, eventualmente, criar nos apelantes uma situação de confiança de que os apelados não viriam a reagir à falta de residência permanente no prédio. Mas já vimos que essa confiança não permite suprimir o direito daqueles à resolução do contrato e, por outro lado, seria contraditório dar tutela a essa confiança, quando os RR não querem (perante a posição que manifestam ao longo do processo) o arrendado para nele instalar a sua residência permanente. Como se refere no citado acórdão de 09/05/72, “a negligência ou tolerância do senhorio, relativamente a situação infractora do contrato e justificativa da resolução deste, vale, nos termos do artigo 1094 do Código Civil, como renúncia a accionar com base nos factos ou omissões ocorridos há mais de um ano, mas não legitima essa mesma situação para o futuro, pelo que poderá o senhorio accionar por factos ou omissões análogos, ocorridos no ano anterior a proposição da acção”. E, como já foi decidido, não foi suscitada a caducidade da acção, além de não operar, face ao citado artigo 1094º/2 do CC (introduzido pela Lei 24/89, de 1/8) e artigo 65º/2 do RAU. Acresce que, da materialidade fáctica assente, não é legítimo extrair nem que os RR apenas tenham usado o arrendado, desde sempre ou desde 1973, apenas para gozo de férias e/ou para aí se deslocarem pela altura dos “Fiéis e Defuntos”, isto é, que nem eles nem o seu agregado familiar (ou membros desse agregado) tivessem usado o prédio como residência permanente, para que se pudesse falar em conduta reveladora de vontade de alterar ou modificar a destinação do arrendamento. O que não é contrariado pelo que se prova em 5 a 7 da matéria de facto. Pois desconhece-se se, até 1988, os RR tiveram no prédio, nalgum período, residência permanente (ou não) ou aí permaneceram sempre membros do seu agregado familiar (e indicia-se que, pelo menos durante algum tempo, aí terão vivido – ver alínea 3 da matéria de facto). Por outro, não decorre dessa factualidade que o A. (ou AA.) sempre soubessem dessa (suposta) falta de residência permanente e com ela concordassem. O que inviabiliza conclusão pela aceitação de qualquer modificação contratual. Improcede a questão suscitada. 10) – Face ao que acaba de se expor, e ao preceituavam os arts. 1093º/1, alínea i), do CC (na redacção anterior à vigência do RAU), e 64º/1, alínea i), do RAU (aprovado pelo DL 321-B/90) fundamento existe para a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo decididos pela sentença recorrida. Improcede a apelação. 11) – Pelo que se acorda neste tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Porto, 16 de Maio de 2007 José Manuel Carvalho Ferraz Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves António do Amaral Ferreira