Processo:88/09.9TYVNG.P1
Data do Acordão: 15/11/2009Relator: SAMPAIO GOMESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

O Tribunal competente para o processo de Insolvência é também competente para reclamação de todos os credores, incluindo os trabalhadores, mesmo que seus créditos não estejam ainda vencidos e não possuam título executivo.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
SAMPAIO GOMES
Descritores
INSOLVÊNCIA CRÉDITO LABORAL COMPETÊNCIA
No do documento
Data do Acordão
11/16/2009
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA.
Sumário
O Tribunal competente para o processo de Insolvência é também competente para reclamação de todos os credores, incluindo os trabalhadores, mesmo que seus créditos não estejam ainda vencidos e não possuam título executivo.
Decisão integral
R62   Apelação nº88/09.9


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I)

B………. e C………., através da presente acção com processo especial requereram a declaração de insolvência de D………., empresária em nome individual, residente na Rua ………., …, ………., Vila do Conde e estabelecimento na ………., …, Vila do Conde. 
Alegam, para tanto, e em síntese:
- que foram admitidas pela Requente para trabalhar sob as suas ordens e direcção, mediante o pagamento de retribuição mensal, para exercerem as funções correspondentes à categoria de costureira.
- Os contratos de trabalho entre as Requerentes e a Requerida cessaram no dia 30.09.2008 em virtude de terem sido despedidas com fundamento no encerramento da empresa e na cessação da laboração.
- Estes despedimentos foram efectuados sem justa causa, sem prévio processo disciplinar nem processo conducente à cessação lícita do posto de trabalho.
- Em Setembro de 2008 a requerida encerrou o estabelecimento e cessou a sua actividade.
- Os créditos laborais em dívida, conjugado com o encerramento do estabelecimento é revelador da incapacidade de cumprir as suas obrigações, acrescendo que o passivo é manifestamente superior ao activo.
- Assim a requerida passou a estar numa situação de clara insolvência.

A requerida vejo deduzir oposição, invocando as excepções da incompetência material e territorial do tribunal e a falta de legitimidade das requerentes e pedindo a improcedência do pedido de insolvência impugnando, inclusive, a existência da dívida. 

Em sede de resposta as requerentes protestam a improcedência das excepções levantadas.

Conheceu-se das excepções deduzidas.
Antes da marcação de audiência de discussão e julgamento (artº 35º do CIRE) foi desde logo proferida decisão julgando-se pela improcedência do pedido — declaração de insolvência — tendo em conta os factos alegados. 

Inconformadas com o assim decidido recorreram as requerentes que, alegando, formularam as seguintes conclusões:

1.º O Tribunal de Comércio é competente para a apreciação e reconhecimento de todo e qualquer crédito, nomeadamente os dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, no âmbito do processo de insolvência, sob pena de violar as regras de competência em razão da matéria, nomeadamente as prescritas no artigo 66º do C.P.C. e 77º nº1a) da LOFTJ. 
2.º É pacífico que o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia tem competência para apreciar e julgar processos de insolvência de empresas cuja sede ou estabelecimento seja na sua área da sua jurisdição. 
3.º Se assim é, aquele Tribunal não pode deixar de ser competente para apreciar e reconhecer os créditos alegados pelas trabalhadoras, uma vez que o processo de insolvência é o lugar próprio para as reclamações dos créditos de qualquer credor, incluindo os dos trabalhadores. 
4.º De facto, nos termos do disposto no artigo 128º do CIRE podem e devem ser reclamados no processo de Insolvência “todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento…” (sublinhado nosso).
5.º Ora, se todos os créditos sobre a insolvência, independentemente da sua natureza e fundamento, devem ser reclamados no processo de insolvência, então por maioria de razão também os créditos resultantes emergentes de contratos de trabalho e da violação ou cessação aí deverão ser reclamados.
6.º É que, regra geral, qualquer empresa tem trabalhadores, portanto sempre que uma empresa se encontra em situação de insolvência tem débitos em relação aos seus trabalhadores. 
7.º Assim, se o processo de insolvência é o local próprio para a reclamação de créditos por todos os credores, incluindo trabalhadores, também é, obviamente, competente para os julgar e reconhecer, conforme previsto entre outros nos artigos 129º a 140º do CIRE. 
8.º E se é competente para julgamento dos processos de insolvência, então por maioria de razão tem de ser competente para a apreciação, julgamento e reconhecimento de todos os créditos ali reclamados, incluindo os dos trabalhadores. 
9.º Diga-se, por fim, que esta questão já foi submetida à apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães e ao Tribunal da Relação do Porto, que deram razão à tese defendida pelas aqui Recorrentes. 
10.º No Douto Acórdão desse Venerando Tribunal decidiu-se como se transcreve: 
“… vai revogado o despacho recorrido, competente o tribunal da comarca de Paredes, pelo contrário, para conhecer do despedimento das requerentes e da sua licitude ou ilicitude com vista a serem determinados, também os créditos laborais correspondentes a essa circunstância.” 

SEM PRESCINDIR, 
11.º Na hipótese de se considerar que o Tribunal é de facto incompetente para a apreciação da ilicitude, o que não se concede, ainda assim o Tribunal é competente para, nos termos do art. 401º ex vi 390º nº 5 do Código do Trabalho, conhecer a caducidade dos contratos de trabalho e apreciar a respectiva indemnização pela antiguidade. 

Terminam protestando a revogação da sentença recorrida e substituída por outra que 
se declare competente para apreciar e reconhecer os créditos laborais das Recorrentes 
Laborais, ordenando o prosseguimento dos autos. 

Não foram apresentadas contra-alegações.

Após os vistos legais, cumpre decidir.
***I I – Factos

Com relevância para a apreciação e decisão do recurso, impõe-se considerar a seguinte factualidade:

1. As requerentes B………. e C………., na acção, pedem a declaração de insolvência da requerida D………., alegando na petição inicial factualidade inerente àquele pedido;
2. Invocam, relativamente aos seus créditos, que:
a)que tendo sido admitidas pela requerida para trabalhar sob as suas ordens, direcção e orientação, mediante o pagamento de retribuição,  para exercerem as funções correspondentes à categoria de costureiras, os respectivos contratos de trabalho cessaram em 30.09.2008 por terem sido despedidas com fundamento no encerramento da empresa e cessação da laboração;
b)que tais despedimentos foram efectuados sem prévio processo disciplinar ou de condução à cessação lícita do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho;
c)que com a cessação do contrato de trabalho a requerida não pagou às requerentes salários e outras retribuições derivadas da relação laboral, créditos esses que quantificam;
3. Em Setembro de 2008 a requerida encerrou o seu estabelecimento, que abandonou, e cessou a sua actividade, estando, assim, impossibilitada de poder cumprir as suas obrigações.

I I I) Do mérito do recurso

A única questão suscitada (arts. 684º, nº3 e 690º nº1 do Código de Processo Civil) que, no âmbito da apelação, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal reside em saber:
- se é da competência do Tribunal recorrido, Tribunal de Comércio, a apreciação, julgamento e reclamação dos créditos invocados na petição inicial, e que são derivados de relação laboral, nomeadamente salários. 

Vejamos:
Conforme se alcança da petição inicial (nºII supra), as requerentes invocam, para o pedido de insolvência a existência sobre a requerida de créditos emergentes de contrato de trabalho.
Na sentença recorrida conheceu-se do pedido em fase anterior a julgamento, entendendo-se que, “não sendo certo que o crédito invocado pelas requerentes exista na sua titularidade e, não sendo da competência deste tribunal a apreciação e discussão do mesmo, é manifesta a improcedência do pedido formulado — declaração de insolvência — tendo em conta os factos alegados”.
Entende, pois, face à oposição deduzida pela requerida, resultar dos autos controvérsia acerca da existência do crédito que está na génese do pedido de insolvência.

A questão prende-se, então, com a competência do Tribunal de Comércio para poder conhecer do pedido formulado pelas AA atendendo a que invocam apenas créditos laborais para fundamentar o peticionado.

Como resulta do artº 7º do DL 200/2004 de 18/08 com as alterações do DL 282/2007 de 7 de Agosto, “É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor…”.
E como decorre do Preâmbulo daquele DL, o objectivo primordial do processo de insolvência reside na satisfação, pela forma mais eficiente possível dos direitos dos credores.
Nos termos do artº 128º do CIRE devem ser reclamados no processo de insolvência todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja sua natureza ou fundamento.
Assim, também os créditos resultantes da violação ou cessação de contratos de trabalho devem aí ser reclamados e verificados. 

E se é inquestionável a possibilidade de reclamação daqueles créditos no processo de insolvência, já se pode questionar, como o faz a sentença recorrida, se a obrigação cujo incumprimento funda o pedido tem que ser certa, líquida e exigível, como preconizava Pinto Furtado in Revista da Banca, n° 13,”Âmbito subjectivo da falência... ‘ pg. 42, citado na sentença. 
Ora, tal autor, assim como a invocação da jurisprudência citada que é feita na sentença recorrida referem-se ao artº 8º do CPEREF, quando dizem que “Ao referir-se a crédito de qualquer natureza, o art. 8º não está a considerar créditos litigiosos, quiçá hipotéticos, quanto à sua própria existência”.
O que acontece, é que rege agora sobre esta matéria o artº 20º do CIRE que corresponde, com modificações, àquele artº 8º.
E uma dessas modificações é, desde logo, ter sido acrescentada a alínea g) do nº1, onde se considera, também (o que o artº 8º não prescrevia), como índice de insolvência, “o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou da cessação deste contrato”.
E do artº 30º nº3 do CIRE, quando se refere à oposição do devedor, resulta, como aliás refere em anotação Menezes Leitão[1], perante a dedução de um pedido de insolvência com base nalgum dos factos-índices referidos no artº 20º, o devedor pode opor-se com base na inexistência desse facto-índice, tal como com base na inexistência da própria situação de insolvência.

No caso concreto, como as requerentes invocam como facto-índice o referido e previsto na citada alínea g), créditos laborais, então, a ser possível oposição com base na inexistência de tais créditos, não podemos deixar de concluir que no âmbito do processo de insolvência pode o Tribunal competente para conhecer desta, conhecer da existência daqueles créditos, para os quais, em princípio - não se tratando de invocação dos mesmos para o pedido de insolvência -seria competente o Tribunal do Trabalho.

Além disso, o artº 20º define quem tem legitimidade para requerer a insolvência, aí prescrevendo, “qualquer credor, ainda que condicional…e qualquer que seja a natureza do crédito”.

É, assim, necessário, para se poder requerer a declaração de insolvência, apenas a existência do crédito, e como refere Menezes Leitão in Direito da Insolvência, 2ª ed. pág. 128, “não se exigindo que o mesmo esteja vencido, e muito menos que o credor possua título executivo, devendo o credor justificar na petição inicial, a natureza, origem e montante do crédito (artº25º nº1), tendo que fazer prova do mesmo (artº25º nº2)”. Prova esta, acrescenta aquela jurista, que pode ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou, ou documentação.

O requerente, tal como se dispõe no artº 25º nº1, deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito.
Tal exigência da lei é, necessariamente, para permitir a oposição do requerido ao facto-índice dos previstos no artº 20º citado, o que desde logo nos faz concluir pela evidência de, tratando-se de créditos laborais, como é o caso, não ter que ser obrigatoriamente discutida no Tribunal laboral a sua existência, porquanto o Tribunal competente para a insolvência também o é para a verificação daqueles créditos e julgamento dos mesmos, tal como o é para a sua reclamação (artº 128º do CIRE).

A questão em causa, não é, em rigor, uma questão de competência em razão da matéria do tribunal recorrido para apreciação da existência ou não dos créditos emergentes de contrato de trabalho.

No caso em apreço não se trata de discutir, tout cour, a existência daqueles créditos.
Trata-se, sim, de saber se podem constituir invocação para fundamento do pedido - a declaração de insolvência da requerida.
E a resposta afirmativa resulta do previsto no artº 20º nº1, g), iii) do CIRE.

Coisa diferente será, se, depois da apreciação se concluir que, afinal, tais créditos não reúnem os pressupostos para a declaração de insolvência.

E para tal, está prevista a oposição do devedor à declaração da insolvência com base na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido (artº 30º do CIRE, nºs 1 e 3), isto é, dos factos referidos no citado artº 20º, que, como resulta dos arts.30º nº5 e 35º nº4, qualquer deles é condição suficiente da declaração de insolvência tal como definida no artº 3º.

Assim, sendo o tribunal recorrido - Tribunal de Comércio - competente para o julgamento do processo de insolvência, e este o local próprio para a reclamação de créditos por todos os credores (129º a 140º do CIRE), incluindo os trabalhadores, também é competente para os julgar e reconhecer, já que é nestes que as requerentes fundamentam o seu pedido.

A acção deve, pois, prosseguir, nomeadamente para os efeitos previstos no artº 35º e sgs. do CIRE.

I V) Decisão:

Nestes termos acorda-se em:

- Julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir para os termos do artº 35º do CIRE.

Custas a fixar a final.

Porto, 16.11.09
António Sampaio Gomes
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira

_____________________
[1] CIRE anotação ao artº 30º, -4ª ed. 2008.pág.79

R62 Apelação nº88/09.9 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I) B………. e C………., através da presente acção com processo especial requereram a declaração de insolvência de D………., empresária em nome individual, residente na Rua ………., …, ………., Vila do Conde e estabelecimento na ………., …, Vila do Conde. Alegam, para tanto, e em síntese: - que foram admitidas pela Requente para trabalhar sob as suas ordens e direcção, mediante o pagamento de retribuição mensal, para exercerem as funções correspondentes à categoria de costureira. - Os contratos de trabalho entre as Requerentes e a Requerida cessaram no dia 30.09.2008 em virtude de terem sido despedidas com fundamento no encerramento da empresa e na cessação da laboração. - Estes despedimentos foram efectuados sem justa causa, sem prévio processo disciplinar nem processo conducente à cessação lícita do posto de trabalho. - Em Setembro de 2008 a requerida encerrou o estabelecimento e cessou a sua actividade. - Os créditos laborais em dívida, conjugado com o encerramento do estabelecimento é revelador da incapacidade de cumprir as suas obrigações, acrescendo que o passivo é manifestamente superior ao activo. - Assim a requerida passou a estar numa situação de clara insolvência. A requerida vejo deduzir oposição, invocando as excepções da incompetência material e territorial do tribunal e a falta de legitimidade das requerentes e pedindo a improcedência do pedido de insolvência impugnando, inclusive, a existência da dívida. Em sede de resposta as requerentes protestam a improcedência das excepções levantadas. Conheceu-se das excepções deduzidas. Antes da marcação de audiência de discussão e julgamento (artº 35º do CIRE) foi desde logo proferida decisão julgando-se pela improcedência do pedido — declaração de insolvência — tendo em conta os factos alegados. Inconformadas com o assim decidido recorreram as requerentes que, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1.º O Tribunal de Comércio é competente para a apreciação e reconhecimento de todo e qualquer crédito, nomeadamente os dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, no âmbito do processo de insolvência, sob pena de violar as regras de competência em razão da matéria, nomeadamente as prescritas no artigo 66º do C.P.C. e 77º nº1a) da LOFTJ. 2.º É pacífico que o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia tem competência para apreciar e julgar processos de insolvência de empresas cuja sede ou estabelecimento seja na sua área da sua jurisdição. 3.º Se assim é, aquele Tribunal não pode deixar de ser competente para apreciar e reconhecer os créditos alegados pelas trabalhadoras, uma vez que o processo de insolvência é o lugar próprio para as reclamações dos créditos de qualquer credor, incluindo os dos trabalhadores. 4.º De facto, nos termos do disposto no artigo 128º do CIRE podem e devem ser reclamados no processo de Insolvência “todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento…” (sublinhado nosso). 5.º Ora, se todos os créditos sobre a insolvência, independentemente da sua natureza e fundamento, devem ser reclamados no processo de insolvência, então por maioria de razão também os créditos resultantes emergentes de contratos de trabalho e da violação ou cessação aí deverão ser reclamados. 6.º É que, regra geral, qualquer empresa tem trabalhadores, portanto sempre que uma empresa se encontra em situação de insolvência tem débitos em relação aos seus trabalhadores. 7.º Assim, se o processo de insolvência é o local próprio para a reclamação de créditos por todos os credores, incluindo trabalhadores, também é, obviamente, competente para os julgar e reconhecer, conforme previsto entre outros nos artigos 129º a 140º do CIRE. 8.º E se é competente para julgamento dos processos de insolvência, então por maioria de razão tem de ser competente para a apreciação, julgamento e reconhecimento de todos os créditos ali reclamados, incluindo os dos trabalhadores. 9.º Diga-se, por fim, que esta questão já foi submetida à apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães e ao Tribunal da Relação do Porto, que deram razão à tese defendida pelas aqui Recorrentes. 10.º No Douto Acórdão desse Venerando Tribunal decidiu-se como se transcreve: “… vai revogado o despacho recorrido, competente o tribunal da comarca de Paredes, pelo contrário, para conhecer do despedimento das requerentes e da sua licitude ou ilicitude com vista a serem determinados, também os créditos laborais correspondentes a essa circunstância.” SEM PRESCINDIR, 11.º Na hipótese de se considerar que o Tribunal é de facto incompetente para a apreciação da ilicitude, o que não se concede, ainda assim o Tribunal é competente para, nos termos do art. 401º ex vi 390º nº 5 do Código do Trabalho, conhecer a caducidade dos contratos de trabalho e apreciar a respectiva indemnização pela antiguidade. Terminam protestando a revogação da sentença recorrida e substituída por outra que se declare competente para apreciar e reconhecer os créditos laborais das Recorrentes Laborais, ordenando o prosseguimento dos autos. Não foram apresentadas contra-alegações. Após os vistos legais, cumpre decidir. ***I I – Factos Com relevância para a apreciação e decisão do recurso, impõe-se considerar a seguinte factualidade: 1. As requerentes B………. e C………., na acção, pedem a declaração de insolvência da requerida D………., alegando na petição inicial factualidade inerente àquele pedido; 2. Invocam, relativamente aos seus créditos, que: a)que tendo sido admitidas pela requerida para trabalhar sob as suas ordens, direcção e orientação, mediante o pagamento de retribuição, para exercerem as funções correspondentes à categoria de costureiras, os respectivos contratos de trabalho cessaram em 30.09.2008 por terem sido despedidas com fundamento no encerramento da empresa e cessação da laboração; b)que tais despedimentos foram efectuados sem prévio processo disciplinar ou de condução à cessação lícita do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho; c)que com a cessação do contrato de trabalho a requerida não pagou às requerentes salários e outras retribuições derivadas da relação laboral, créditos esses que quantificam; 3. Em Setembro de 2008 a requerida encerrou o seu estabelecimento, que abandonou, e cessou a sua actividade, estando, assim, impossibilitada de poder cumprir as suas obrigações. I I I) Do mérito do recurso A única questão suscitada (arts. 684º, nº3 e 690º nº1 do Código de Processo Civil) que, no âmbito da apelação, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal reside em saber: - se é da competência do Tribunal recorrido, Tribunal de Comércio, a apreciação, julgamento e reclamação dos créditos invocados na petição inicial, e que são derivados de relação laboral, nomeadamente salários. Vejamos: Conforme se alcança da petição inicial (nºII supra), as requerentes invocam, para o pedido de insolvência a existência sobre a requerida de créditos emergentes de contrato de trabalho. Na sentença recorrida conheceu-se do pedido em fase anterior a julgamento, entendendo-se que, “não sendo certo que o crédito invocado pelas requerentes exista na sua titularidade e, não sendo da competência deste tribunal a apreciação e discussão do mesmo, é manifesta a improcedência do pedido formulado — declaração de insolvência — tendo em conta os factos alegados”. Entende, pois, face à oposição deduzida pela requerida, resultar dos autos controvérsia acerca da existência do crédito que está na génese do pedido de insolvência. A questão prende-se, então, com a competência do Tribunal de Comércio para poder conhecer do pedido formulado pelas AA atendendo a que invocam apenas créditos laborais para fundamentar o peticionado. Como resulta do artº 7º do DL 200/2004 de 18/08 com as alterações do DL 282/2007 de 7 de Agosto, “É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor…”. E como decorre do Preâmbulo daquele DL, o objectivo primordial do processo de insolvência reside na satisfação, pela forma mais eficiente possível dos direitos dos credores. Nos termos do artº 128º do CIRE devem ser reclamados no processo de insolvência todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja sua natureza ou fundamento. Assim, também os créditos resultantes da violação ou cessação de contratos de trabalho devem aí ser reclamados e verificados. E se é inquestionável a possibilidade de reclamação daqueles créditos no processo de insolvência, já se pode questionar, como o faz a sentença recorrida, se a obrigação cujo incumprimento funda o pedido tem que ser certa, líquida e exigível, como preconizava Pinto Furtado in Revista da Banca, n° 13,”Âmbito subjectivo da falência... ‘ pg. 42, citado na sentença. Ora, tal autor, assim como a invocação da jurisprudência citada que é feita na sentença recorrida referem-se ao artº 8º do CPEREF, quando dizem que “Ao referir-se a crédito de qualquer natureza, o art. 8º não está a considerar créditos litigiosos, quiçá hipotéticos, quanto à sua própria existência”. O que acontece, é que rege agora sobre esta matéria o artº 20º do CIRE que corresponde, com modificações, àquele artº 8º. E uma dessas modificações é, desde logo, ter sido acrescentada a alínea g) do nº1, onde se considera, também (o que o artº 8º não prescrevia), como índice de insolvência, “o incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou da cessação deste contrato”. E do artº 30º nº3 do CIRE, quando se refere à oposição do devedor, resulta, como aliás refere em anotação Menezes Leitão[1], perante a dedução de um pedido de insolvência com base nalgum dos factos-índices referidos no artº 20º, o devedor pode opor-se com base na inexistência desse facto-índice, tal como com base na inexistência da própria situação de insolvência. No caso concreto, como as requerentes invocam como facto-índice o referido e previsto na citada alínea g), créditos laborais, então, a ser possível oposição com base na inexistência de tais créditos, não podemos deixar de concluir que no âmbito do processo de insolvência pode o Tribunal competente para conhecer desta, conhecer da existência daqueles créditos, para os quais, em princípio - não se tratando de invocação dos mesmos para o pedido de insolvência -seria competente o Tribunal do Trabalho. Além disso, o artº 20º define quem tem legitimidade para requerer a insolvência, aí prescrevendo, “qualquer credor, ainda que condicional…e qualquer que seja a natureza do crédito”. É, assim, necessário, para se poder requerer a declaração de insolvência, apenas a existência do crédito, e como refere Menezes Leitão in Direito da Insolvência, 2ª ed. pág. 128, “não se exigindo que o mesmo esteja vencido, e muito menos que o credor possua título executivo, devendo o credor justificar na petição inicial, a natureza, origem e montante do crédito (artº25º nº1), tendo que fazer prova do mesmo (artº25º nº2)”. Prova esta, acrescenta aquela jurista, que pode ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou, ou documentação. O requerente, tal como se dispõe no artº 25º nº1, deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito. Tal exigência da lei é, necessariamente, para permitir a oposição do requerido ao facto-índice dos previstos no artº 20º citado, o que desde logo nos faz concluir pela evidência de, tratando-se de créditos laborais, como é o caso, não ter que ser obrigatoriamente discutida no Tribunal laboral a sua existência, porquanto o Tribunal competente para a insolvência também o é para a verificação daqueles créditos e julgamento dos mesmos, tal como o é para a sua reclamação (artº 128º do CIRE). A questão em causa, não é, em rigor, uma questão de competência em razão da matéria do tribunal recorrido para apreciação da existência ou não dos créditos emergentes de contrato de trabalho. No caso em apreço não se trata de discutir, tout cour, a existência daqueles créditos. Trata-se, sim, de saber se podem constituir invocação para fundamento do pedido - a declaração de insolvência da requerida. E a resposta afirmativa resulta do previsto no artº 20º nº1, g), iii) do CIRE. Coisa diferente será, se, depois da apreciação se concluir que, afinal, tais créditos não reúnem os pressupostos para a declaração de insolvência. E para tal, está prevista a oposição do devedor à declaração da insolvência com base na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido (artº 30º do CIRE, nºs 1 e 3), isto é, dos factos referidos no citado artº 20º, que, como resulta dos arts.30º nº5 e 35º nº4, qualquer deles é condição suficiente da declaração de insolvência tal como definida no artº 3º. Assim, sendo o tribunal recorrido - Tribunal de Comércio - competente para o julgamento do processo de insolvência, e este o local próprio para a reclamação de créditos por todos os credores (129º a 140º do CIRE), incluindo os trabalhadores, também é competente para os julgar e reconhecer, já que é nestes que as requerentes fundamentam o seu pedido. A acção deve, pois, prosseguir, nomeadamente para os efeitos previstos no artº 35º e sgs. do CIRE. I V) Decisão: Nestes termos acorda-se em: - Julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir para os termos do artº 35º do CIRE. Custas a fixar a final. Porto, 16.11.09 António Sampaio Gomes Rui de Sousa Pinto Ferreira Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira _____________________ [1] CIRE anotação ao artº 30º, -4ª ed. 2008.pág.79