I- Não desvirtua a natureza do contrato como de “transporte internacional” o facto de ter ficado a cargo do cliente da autora o pagamento de transporte, tendo sido ainda acordado que a expedição seria feita “contra reembolso”. II- Também não obsta a talo quantificação o facto de a ré ser uma empresa transitária. III- O prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização é o previsto no art.32º nº 1 da Convenção CMR e não o do art. 16º do DL nº 255/99 e de 7/7.
APELAÇÃO Nº 6089/05.9 TBMAI.P1 5ª SECÇÃO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I“B…………….., LDA”, com sede na Rua ………., ….º B, Lisboa, intentou a presente acção declarativa ordinária contra “C……………., LDA”, com sede na Rua ………., ….., ……., Maia, pedindo que a Ré seja condenada no pagamento da quantia de 32.497,10 € (respeitante ao valor da mercadoria transportada e despesas com a devolução dum cheque), acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 1825,17 € ou, em alternativa, da quantia de 32.461,50€, acrescida de juros vencidos, à taxa de 5 %, que se cifram na quantia de 1823,18 €, sendo também devidos juros demora vincendos, em ambos os casos. Alega para o efeito que, tendo encarregue a Ré do transporte de mercadoria que vendera a uma cliente austríaca, e apesar de ter dado indicação de que a mercadoria apenas deveria ser entregue mediante a entrega de um cheque internacional, a Ré, violando esse compromisso, entregou a mercadoria em causa contra a entrega de um cheque particular, o qual veio a ser devolvido por falta de provisão. A Ré contestou alegando que foi contratada para exercer uma actividade transitária, pelo que o direito da Autora estaria prescrito (conforme o disposto no artigo 16º do DL 255/99, de 7 de Julho e 32º da Convenção CMR” e, o decurso do prazo de 10 meses quando a acção deu entrada em Tribunal) e, que, ainda que tivesse sido celebrado entre as partes um contrato de transporte, também este já estaria prescrito pelo decurso do prazo de 1 ano (artº 32 da CMR). Mais impugna os termos do contrato alegando que se limitou a receber a mercadoria da Autora, a emitir o respectivo certificado de recepção e, a entregar a mercadoria ao transportador contratado para o efeito. Alegou ainda que, apenas estava obrigada à entrega da mercadoria à cliente da Autora, não lhe tendo esta pago qualquer quantia pelo transporte em causa, pagamento que era da responsabilidade da sociedade compradora da mercadoria. A final impugnou o pedido de juros, os quais a serem devidos sê-lo-iam, tão-somente, a partir da data da citação. A Autora veio replicar, reafirmando a qualificação do contrato como de transporte e, contrariando a excepção. Em sede de saneador foi relegada para final a apreciação da excepção de prescrição do direito invocado pela Autora. Realizou-se audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de trinta e dois mil, quatrocentos e noventa e sete euros e dez cêntimos (32.497,10 €), acrescida de juros de mora, à taxa de 5%, contados desde 31 de Março de 2004 até efectivo e integral pagamento. Inconformada com tal decisão, dela veio a Ré recorrer, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: Prescrição A. O D.L. nº 255/99, de 7.7, regula o exercício da actividade transitária e o seu regime jurídico aplica-se a todos os contratos celebrados pelos transitários, no exercício da sua actividade, com os respectivos clientes, independentemente da extensão das obrigações por aqueles assumidas (i.e., independentemente de assumirem ou não perante o cliente o papel de transportador). B. O transitário, quando assume a posição jurídica de transportador (situação permitida pelo D.L. nº 255/99), está a exercer a actividade transitária e não transportadora. C. As convenções internacionais, que regulam os diferentes modos de transporte, só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os respectivos clientes na parte relativa à limitação da responsabilidade e por via do disposto no nº 2 do art. 15º do D.L. nº 255/99. D. Se, como defende o tribunal “a quo”, as referidas convenções se aplicassem às relações contratuais estabelecidas entre clientes e transitários, sempre que estes assumissem o papel de transportador, o nº 2 do art. 15º do D.L. nº 255/99 seria totalmente desnecessário, pois os transitários beneficiariam directamente desses limites de responsabilidade. E. Face ao exposto, o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização invocado pela A. é o previsto no art. 16º do D.L. nº 255/99 de 07.07 e não no art. 32º/1 da Convenção CMR, artigo 16º esse, que alem de data posterior à Convenção CMR, constitui uma norma especial. Tanto mais que ficou provado (facto 3 e 18 da fundamentação da sentença) que a Ré se dedica à actividade transitária e que foi no exercício da mesma que interveio. F. Note-se que a prescrição do art. 16º do D.L. nº 255/99 tem especial justificação nos casos em que o transitário assume perante o cliente o papel de transportador; é que os transportadores efectivos beneficiam da prescrição prevista nas convenções internacionais (que, no caso das Convenções CMR e de Bruxelas, é de um ano), pelo que, no sentido de salvaguardar o direito de regresso do transitário contra o transportador efectivo, houve necessidade de estabelecer, naquele art. 16º, um prazo prescricional um pouco inferior aos previstos nas convenções (mesmo que o cliente exerça o seu direito de indemnização perto do fim do prazo de dez meses, o transitário dispõe de mais dois meses para exercer o direito de regresso contra o transportador efectivo). G. No caso “sub judice”, o serviço foi concluído em 11.2.2004, data de entrega da mercadoria ao destinatário, o que significa que a A. deveria ter exercido o seu direito de indemnização até 11.12.2004; assim, quando a A. propôs a acção (6.5.2005), há muito que o seu direito se encontrava extinto por prescrição. H. O tribunal “a quo”, ao conhecer da questão da prescrição à luz do art. 32º/1 da Convenção CMR e não do art. 16º do D.L. nº 255/99, errou na determinação da norma aplicável. Não celebração de qualquer contrato de transporte entre as partes I. Na fundamentação de direito da sentença recorrida, o tribunal a quo defende que “Tendo em conta o teor dos factos M) e N) e quesitos 3º e 10º podemos retirar que a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, pelo que actuou na qualidade de transportador e não de transitária.”, mas esta afirmação não encontra suporte na matéria de facto provada. J. Dos factos 12, e 13. ficou provado que as condições de venda foram EXW e que, em cumprimento destas, competia à compradora contratar e pagar o transporte e à Autora entregar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando aquela desse facto, tendo-se também logrado provar (quesito 12.° - facto 27) que não foi emitida pela Ré à Autora qualquer factura, nem foi liquidada por esta qualquer quantia a título de frete de transporte. K. Ora, resultando dos factos 12., 13. e 27 que a Autora deveria entregar, à porta da sua fábrica, a mercadoria à compradora e esta contratar e pegar o transporte e ainda que não foi emitida pela Ré à Autora qualquer factura a qualquer título, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a Autora praticou os factos referidos em 19. e 25. em nome e por conta da compradora. L. Aliás, esta interpretação conjugada é reforçada pela própria redacção do quesito 3.°, dado como provado, onde se lê: “19. Na sequência do referido em M) e N) dos Factos assentes, e tendo em conta a concretização do fornecimento aludido em B) a Autora contactou a ré ...” sendo evidente que apenas existiu contacto e não contrato. M. Pelo que, o contrato de transporte em discussão nos autos produziu os seus efeitos na esfera jurídica do comprador, nos termos dos artigos. 1178°, n.° 1 e 258.° do Código Civil, o que retira legitimidade substantiva à Autora para responsabilizar a Ré pelo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo. Entrega da mercadoria à compradora na origem N. Nas condições EXW, o vendedor entrega a mercadoria na origem, antes de a mesma ser carregada para transporte; está provado que isso se verificou no caso concreto (facto 13). O. Assim, do ponto de vista jurídico, a A. fez a entrega da mercadoria à compradora em 5.2.2004, no preciso momento em que a R. a recolheu. P. Não pode, pois, a R. ser responsabilizada pela inobservância das condições de entrega da mercadoria quando foi a própria A. quem procedeu à sua entrega na origem, sem o prévio pagamento da mesma, por parte do comprador. Inexistência de incumprimento contratual Q. Ainda que o contrato de transporte tivesse sido celebrado entre a Autora e a Ré, e não tivesse sido a primeira a entregar a mercadoria à compradora na origem, o que apenas se admite por mera hipótese académica, a Ré não poderia ser responsabilizada pela falta de pagamento do preço da mesma, pois não desrespeitou quaisquer instruções de entrega. R. Os factos provados (4., 5., 14., 15., 16., e 17.) revelam que a A. nunca deu instruções à R. no sentido de esta condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque bancário ou visado, encontrando-se, sim, provado que a Autora apenas transmitiu à Ré que esta deveria entregar a mercadoria contra o recebimento de um cheque internacional. S. Sendo este conceito inexistente ou, pelo menos, indefinido (o Banco de Portugal desconhece-o), a questão que se coloca é saber se a R. deveria ter deduzido dessa expressão, que a A. pretendia receber um cheque bancário ou se um cheque de âmbito e relevância internacional, ou seja, emitido num país (Áustria) e apresentado sem entraves, a pagamento noutro país (Portugal). T. Para responder a esta questão, e dado que as partes mantinham, à data dos factos, relações comerciais regulares, importa atender ao modo como as coisas se processaram em situações anteriores. U. Da factualidade provada resulta que a Ré já tinha tratado anteriormente de outras expedições de mercadorias da Autora para a mesma compradora e, em todos esses casos, a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega, por parte desta, de um cheque e nesses fornecimentos, tal como aqui, as condições de pagamento eram C.O.D. (cash on delivery, i.e., pagamento na entrega), tendo sido, sempre, entregue um cheque igual àquele cuja cópia se encontra junta a fls. 46, os quais foram depositados pela Autora e cobrados sem problemas (factos 15 a17). V. É à luz da experiência anterior que se tem de valorar a conduta da Ré. No caso concreto, não tendo havido alteração das condições de pagamento, em relação aos fornecimentos anteriores, a Ré aceitou um cheque igual àqueles que havia aceite, sem oposição da A., nesses outros casos. W. Perante a inexistência ou, pelo menos, indefinição do conceito de “cheque internacional”, não era exigível à Ré, face ao estatuído no artigo 236º, nº 1 do Código Civil, que deduzisse das instruções transmitidas pela Autora que esta pretendia receber um cheque bancário, tanto mais que esta nunca antes havia exigido tal meio de pagamento, que importasse garantia. X. Face a todo o exposto, na sentença recorrida, o tribunal “a quo” desconsiderou os factos 12, 13, 15, 16, 17, 19 e 27, da sua fundamentação e violou o disposto nos artigos 1178º, nº 1 e 258º do Código Civil e o artigo 236º nº 1 do Código Civil e ainda o artigo 16º do Decreto-lei nº 255/99, de 07.07, aplicando indevidamente o artigo 32º, nº 1 da Convenção CMR. Termos em que devem V. Exas. conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, absolvendo a R. do pedido, fazendo, assim, a costumada JUSTIÇA ! Contra-alegou a recorrida, deste modo concluindo: I. Embora a recorrente não pretenda, através das suas conclusões, a requalificação jurídica do contrato celebrado, objecto do presente recurso, a verdade é que pugna pelo enquadramento da situação sub judice no âmbito dos art. 15º e 16º do Decreto-lei n.º 255/99, de 07 de Julho. O que, de todo, não pode conceber-se sem a prévia análise da relação contratual existente entre as partes. II. A douta sentença de fls. ..., quando procede à qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre a recorrente e a recorrida, a saber a celebração de um contrato internacional de transporte, terá sempre de se manter. i) As funções de uma empresa transitária, definidas no art. 1º do Decreto-lei 255/99, de 07 de Julho, limitam-se a operações de “natureza logística e operacional” prévias e destinadas à realização do transporte, mas não ao transporte em si. ii) Ora, foi feita prova no sentido de que todos os contactos para a contratação do transporte foram iniciados junta da recorrente, tendo a mesma recebido a mercadoria, emitindo o necessária “FCR” (ou certificado de recebimento), de fls. 13, e a respectiva declaração de expedição (ou “waybill”) de fls. 48, assim como todas as condições do transporte, incluindo as instruções quanto ao modo de pagamento, foram estabelecidas e alteradas junto da recorrente – cfr. factos provados 3, 4, 7, 21, 22 e 23. iii) Pelo que não restam dúvidas de que, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, a recorrida “contactou a ré no sentido de esta efectuar o transporte”, a “Ré efectuou o transporte” e a recorrente “assumiu o papel de transportadora perante a autora” (cfr. factos provados sob 19, 20 e 25), sendo celebrado entre a recorrente e a recorrida um contrato de transporte internacional de mercadorias por via terrestre. III. Pelos motivos supra expostos, além de desempenhar o papel de transitário, a recorrente também assumiu, perante a recorrida, a qualidade de transportadora, actividade sujeita à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte de Mercadorias por Estrada (C.M.R.) celebrada em Genebra em 19/5/1956, aprovada para adesão pelo Decreto-lei 46.235, de 18/03/65, e alterada pelo Protocolo de Genebra de 05/07/78, aprovado para adesão pelo Decreto-lei 28/88, de 06/09. i) Seria de todo ilegítimo e, ademais, profundamente injusto permitir à recorrente “esconder-se” atrás das suas funções de transitário, sujeitas ao regime previsto no Decreto-lei 255/99, de 07 de Julho, para “fugir” à responsabilidade dos transportadores prevista na CMR. IV. A CMR prevê no seu art. 32º, 1ª parte e alínea c), um prazo de prescrição de um ano contado "do termo de um prazo de três meses, a contar da conclusão do contrato de transporte". i) Tendo o contrato de transporte internacional sido concluído em 11/02/2004, o prazo supra referido iniciou-se em 12/02/2004 e terminava em 12/05/2005, termos em que a acção, entrada em 06/05/2005, é perfeitamente tempestiva. ii) Não obstante, a recorrida apresentou uma reclamação escrita em 31/03/2004, a fls. 16 (cfr. facto provado 8), a qual foi rejeitada pela recorrente em 10/05/2004, a fls. 15 (cfr. facto provado 9); factos esses que interromperam o prazo de prescrição durante 41 dias, prescrevendo o mesmo em 22/06/2005, sempre depois de a recorrida dar entrada da presente acção. V. A recorrente violou o disposto nos art. 690º, n.º 1, por remissão do art. 712º, e 690º-A, n.º 1, al. b), todos do C.P.C.. i) A questão da impugnação da matéria de facto apurada nas respostas à base instrutória, porque de todo não referida nas conclusões que delimitam o objecto do recurso, não pode neste ser apreciada – cfr. conclusões I a M. ii) Ou, caso assim se não entenda, por não especificar quais os meios probatórios que impunham decisão diversa, devem as conclusões I a M serem rejeitadas. VI. Sem prescindir, a condição “ex-works” apenas respeita às condições do contrato de compra e venda internacional celebrado entre o expedidor, o vendedor e a cliente destinatária, a compradora, designadamente obriga a compradora ao pagamento do preço do transporte e procede à transferência do risco, pela perda e pelos danos causados à mercadoria após a entrega ao transportador da mercadoria, à cliente destinatária – cfr. Incoterms definidos pela Câmara de Comércio Internacional, versão de 2000. i) Sendo certo que, pelos motivos expostos supra, tendo o contrato de transporte inicial de mercadorias sido celebrado entre a recorrente e a recorrida, ambas são partes legítimas nos presentes autos – cfr. art. 26º, n.ºs 1 a 3, do C. Processo Civil. ii) Pois a estipulação das condições EXW, previstas entre a expedidora e a cliente destinatária, nos termos constantes dos factos provados 12, 13, 19 e 25, nada têm a ver com a condições de pagamento, estipuladas entre a expedidora e a transportadora. iii) Caso assim não o entendesse, sempre restava à recorrente chamar à acção os terceiros a quem terá recorrido para efectivar o transporte, o que não fez. VI. Tendo sido a questão do “cheque internacional” levantada pela própria recorrente aquando da contestação (art. 49º a 54º) seria este o momento em que podia e devia ter solicitado a junção aos autos do documento, ou, quando muito, até ao encerramento da discussão em primeira instância (art.523.º, n.º2, CPC) e nunca apresentado nas alegações, não se mostrando cumprido qualquer dos requisitos do n.º 1 do art. 706 e do n.º 1 do art. 524º, ambos do C. Processo Civil, pelo que não deverá ser admitida a sua junção aos autos. VII. Sem prescindir, a recorrente não só confessou no art. 47º da contestação, como foi provado em sede de julgamento que a recorrida recusou a entrega de um cheque e que tinha reiterado instruções à recorrente no sentido da mercadoria ser entregue contra um cheque internacional – cfr. facto provado sob 22. i) Já constava na al. D) dos factos assentes e do quesito 6º, o “conceito” de cheque internacional; conceito esse ou expressão que a recorrente nunca pôs em causa através da competente reclamação contra a selecção da matéria de facto. ii) Pois a verdade é que o conceito de cheque internacional ou cheque bancário é de conhecimento geral e, por isso, não carece de prova – cfr. art. 514º, n.º 1, do C.P.C.. iii) Sem prescindir, além de o cheque bancário internacional ser conhecido na prática comercial como um meio de pagamento garantido, a recorrente sempre soube da distinção, também feita pela recorrida, entre um cheque normal, particular, e um cheque bancário internacional – cfr. fundamentação constante da resposta aos quesitos, a fls. 158 e 159; factos provados sob 4, 5, 21 e 22; documentos de fls. 47 e 49, onde foi estipulado, em transportes anteriores, como “meio de pagamento”, um “cheque cl normal”, sendo, mais tarde, estipulado novo “meio de pagamento”, a fls. 51, o de “cheque internacional”. Termos em que -deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, -mantendo-se a douta sentença, por assim o imporem O Direito e a JustiçaIIÉ a seguinte a factualidade julgada provada: 1. A Autora “B…………….., Lda.” dedica-se ao comércio de calçado; (facto A) 2. No exercício da sua actividade, a Autora forneceu 1.486 pares de sapatos à sociedade “D…………….”, pelo preço global de Eur. 32.461,50; (facto B) 3. No exercício da sua actividade, no dia 5 de Fevereiro de 2004, a Ré recebeu da Autora a mercadoria aludida em B); (facto C) 4. A Autora comunicou à Ré que a entrega da mercadoria aludida em B) à sociedade “D………….” devia ser realizada contra o recebimento de um cheque internacional; (facto D) 5. Para pagamento da mercadoria aludida em B), a sociedade “D……………” entregou o cheque cuja cópia se encontra a fls. 46 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido; (facto E) 6. Tendo sido apresentado a pagamento, o cheque aludido em E) veio a ser devolvido por falta de provisão; (facto F) 7. A Autora comunicou tal facto à Ré em 24/5/2004; (facto G) 8. A Autora remeteu à Ré, que a recebeu, o documento junto a fls. 16 dos autos, datado de 31/3/2004, cujo teor se dá por reproduzido; (facto H) 9. A Ré remeteu à Autora, que a recebeu, o documento junto a fls. 15 dos autos, datado de 10/5/2004, cujo teor se dá por reproduzido. (facto I) 10. A Ré remeteu à Autora, que a recebeu, o documento junto a fls. 26 dos autos, datado de 27/5/2004, cujo teor se dá por reproduzido. (facto J) 11. A mercadoria aludida em B) foi entregue à sociedade “D…………” em 11 de Fevereiro de 2004; (facto L) 12. A mercadoria aludida em B) foi vendida pela Autora em condições “ex-works”, tendo o comprador da mercadoria assumido a obrigação de contratar e pagar o transporte da mercadoria; (facto M) 13. E tendo a Autora assumido a obrigação de colocar a mercadoria aludida em B) à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando o comprador desse facto; (facto N) 14. O cheque aludido em E) foi depositado em Portugal num banco português; (facto O) 15. Em situações anteriores, a Ré já tinha tratado da expedição de mercadoras da Autora destinadas à sociedade “D…………….”; (facto P) 16. Nesses casos a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega por parte do comprador do respectivo cheque; (facto Q) 17. Em todos esses casos foi entregue pela sociedade “D…………” um cheque igual ao mencionado em E), os quais foram depositados e cobrados; (facto R) 18. A ré “C…………., Lda.” dedica-se à actividade transitária; (quesito 2º) 19. Na sequência do referido em M) e N) dos Factos assentes, e tendo em vista a concretização do fornecimento aludido em B) a autora contactou a ré no sentido de este efectuar o transporte da referida mercadoria das instalações da respectiva fabricante, localizadas em Santa Maria da Feira, até à Áustria, por via terrestre, através de camião; (quesito 3º) 20. A Ré procedeu ao aludido transporte, sendo a mercadoria aceite pelo cliente, sem qualquer reserva; (quesito 4º) 21. A Ré efectuou a entrega da mercadoria à sociedade “D……..……” contra o recebimento do cheque aludido em E) que era um cheque particular; (quesito 5º) 22. Ao tomar conhecimento dessa situação, a Autora recusou esse pagamento e reiterou as instruções de que esse cheque devia ser substituído por um cheque internacional; (quesito 6º) 23. Em 18 de Fevereiro de 2004, ao receber o cheque aludido em E), a Autora advertiu a Ré quanto à sua possível devolução; (quesito 7º) 24. Em consequência da devolução do cheque aludido em E), a Autora suportou a quantia de Eur. 35,00 em despesas bancárias; (quesito 8º) 25. A ré assumiu o papel de transportadora perante a autora, sendo ela que directamente determinou e estabeleceu os pormenores para a execução do transporte; (quesito 10º) 26. Tendo a Autora remetido à Ré cópia da factura que ia servir de guia de remessa para o transporte; (quesito 11º)27. Não foi emitida pela ré qualquer factura nem foi liquidada pela autora qualquer quantia a título de frete de transporte; (quesito 12º) IIIO objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC). São as seguintes as questões a decidir: - Da qualificação do contrato - Da prescrição - Da inexistência de incumprimento contratual Da qualificação do contrato A caracterização do contrato constitui o ponto de partida para a resolução das demais questões decidendas. É a partir do que concretamente foi acordado que deve ser qualificado o contrato. Entendeu o tribunal de 1ª Instância que estamos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, com base nos seguintes factos: - A mercadoria foi vendida pela Autora em condições “ex-works”, tendo o comprador da mercadoria assumido a obrigação de contratar e pagar o transporte da mercadoria; - E tendo a Autora assumido a obrigação de colocar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando o comprador desse facto; - Tendo em vista a concretização do fornecimento a Autora contactou a Ré no sentido de esta efectuar o transporte da referida mercadoria das instalações da respectiva fabricante, localizadas em Santa Maria da Feira, até à Áustria, por via terrestre, através de camião; - A Ré assumiu o papel de transportadora perante a Autora, sendo ela que directamente determinou e estabeleceu os pormenores para a execução do transporte; Assim, concluiu o Mmº Julgador: «Tendo em conta o teor dos factos M) e N) e quesitos 3º e 10º podemos retirar que a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, pelo que actuou na qualidade de transportadora e não de transitária. Mais ficou assente que quem ficou de efectuar o pagamento desse serviço foi a cliente da Autora e não esta». Objecta a apelante que a factualidade provada impede tal qualificação, na medida em que ficou provado que a Ré se dedica à actividade transitária e que foi no exercício da mesma que interveio. Assim, o transitário, quando assume a posição jurídica de transportador (situação permitida pelo D.L. nº 255/99), está a exercer a actividade transitária e não transportadora. Assenta a apelante essa objecção na seguinte linha de raciocínio: Tendo ficado provado que as condições de venda foram EXW e que, em cumprimento destas, competia à compradora contratar e pagar o transporte e, à Autora entregar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando aquela desse facto, tendo-se também logrado provar que não foi emitida pela Ré à Autora qualquer factura, nem foi liquidada por esta qualquer quantia a título de frete de transporte, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a Autora praticou os factos referidos em nome e por conta da compradora. Assim sendo, o contrato de transporte em discussão nos autos produziu os seus efeitos na esfera jurídica do comprador, nos termos dos artigos. 1178°, n.° 1 e 258.° do Código Civil, o que retira legitimidade substantiva à Autora para responsabilizar a Ré pelo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo. E defende que, as convenções internacionais que regulam os diferentes modos de transporte, só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os respectivos clientes na parte relativa à limitação da responsabilidade. De outro modo, não se entenderia a necessidade da norma do nº 2 do art. 15º do D.L. nº 255/99. Discordamos de tal entendimento por contrariar a factualidade provada. Tendo em conta o teor dos factos M) e N) e quesitos 3º e 10º teremos de concluir que a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, embora quem ficasse de efectuar o pagamento desse serviço fosse a cliente da Autora e não esta. O contrato de transporte de mercadorias é aquele em que uma pessoa profissional se obriga a transferir alguma coisa de um lugar para o outro, estando em causa países diferentes. Este contrato pressupõe três entidades: a quem incumbe o transporte (o expedidor), quem se encarrega dele (o transportador) e, a quem os objectos são destinados (o destinatário). Ora, o transportador tem como obrigação principal, a de realizar a deslocação da mercadoria e fazer a sua entrega ao destinatário, tendo o expedidor, como obrigação principal o pagamento do preço do transporte. Contudo, nem sempre esta obrigação de pagamento do preço de transporte incumbe ao expedidor, como bem salientou o Ac. Relação do Porto de 30.01.2001, Relatora: Fernanda Soares, in www.dgsi.pt/jtrpt, assim sumariado: « O pagamento do preço pode ter as modalidades de "transporte pago" (o frete é pago pelo expedidor antes da partida e o transportador está autorizado a suspender toda a execução antes da liquidação do frete) ou de "expedição com transporte em débito" (o devedor normal do frete é o destinatário, mas o transportador pode, no caso de recusa, dirigir-se ao expedidor para o seu pagamento); Na modalidade de expedição com transporte em débito podem as partes acordar que a expedição é feita "contra reembolso", isto é, o transportador compromete-se a não entregar a mercadoria ao destinatário se este não pagar a soma que o expedidor lhe indicou ». Assim, no caso dos autos, não desvirtua a natureza do contrato como de “transporte internacional” o facto de ter ficado a cargo da cliente da Autora o pagamento do transporte, tendo sido ainda acordado que a expedição seria feita “contra reembolso”. Por outro lado, não obsta a tal qualificação o facto de a Ré ser uma empresa transitária. As responsabilidades por si assumidas conduzem aquela qualificação. Nos termos do artigo 1º, n.º 2 do DL 255/99, de 7 de Julho, que define o regime jurídico da actividade transitária: “A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias; b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.” Já o contrato internacional de transporte de mercadorias por estrada se traduz na convenção por via da qual uma pessoa se obriga perante outra, mediante um preço, a realizar a deslocação de uma determinada mercadoria desde um ponto de partida situado num dado país até outro ponto de destino localizado noutro país. Ora, embora os transitários sejam prestadores de serviços a terceiros, e como tal, não realizem enquanto tal o acto material de transportar as mercadorias, sendo apenas mero intermediários para conseguir o transporte por conta do expedidor, o que é facto, é que muitas vezes os transitários assumem eles mesmos as obrigações do transportador. «Nada impede que as empresas transitárias exorbitando embora os limites da sua específica actividade, possam ajustar contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros» - conforme Ac. STJ de 11.03.99 in www.dgsi/pt.jstj. « Apesar de as actividades de transitário (prestação de serviços a terceiros no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias) e de transportador (realização das operações necessárias para transferir uma coisa de um local para outro) serem diferenciadas, nada impede que o primeiro actue também como transportador» - Ac. TRP de 07-12-2004, Relator: Alziro Cardoso, no mesmo sítio da DGSI. No caso em presença, a Ré não assumiu a obrigação de arquitectar o transporte mas as obrigações inerentes a esse transporte, pelo que actuou extravasando as suas obrigações de transitária, ou seja, assumindo os riscos e obrigações do transportador. Assim, apesar de a Ré ser uma empresa transitária, atentas as responsabilidades por ela assumidas, meramente de transporte, tal contrato tem de haver-se como de transporte, nos termos do artº 366º do Código Comercial, sendo-lhe, por isso aplicável a Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada - CMR -, de 19 de Maio de 1956, inserida no direito interno português pelo Decreto-Lei n.º 46 235, de 18 de Março de 1965, alterada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Julho de 1978, aprovado em Portugal para a sua adesão pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro. Com efeito, a referida Convenção aplica-se a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada, a título oneroso, em veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, independentemente do domicílio e nacionalidade das partes (artigo 1º, n.º 1). O argumento de que, a norma do diploma -que regula a actividade transitária - que remete para os limites de responsabilidade do transportador, perderia razão de ser, se a Convenção CMR se aplicasse às relações contratuais estabelecidas entre clientes e transitários sempre que estes assumissem o papel de transportador, não procede. Qualificar ou não o contrato celebrado por um transitário, como contrato de transporte internacional, dependerá da relevância ou exclusividade que esse transporte tem na relação negocial constituída. Em casos de relevância expressiva, ditam as normas do contrato de transporte. Nos demais, as da actividade transitária, cabendo ao julgador numa ponderação criteriosa do acordo em concreto, proceder à distinção. No caso, como bem interpretou o tribunal “a quo”, a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, pelo que actuou na qualidade de transportadora e não de transitária. Nesse contexto, vejamos qual o prazo de prescrição Da prescrição Pretende a apelante que, o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização invocado pela A. é o previsto no art. 16º do D.L. nº 255/99 de 07.07 e não no art. 32º nº1 da Convenção CMR. Assim, alega, no caso “sub judice”, o serviço foi concluído em 11.2.2004, data de entrega da mercadoria ao destinatário, o que significa que a A. deveria ter exercido o seu direito de indemnização até 11.12.2004; quando a A. propôs a acção (6.5.2005), há muito que o seu direito se encontrava extinto por prescrição. Mas não tem razão. Qualificado o contrato como de transporte internacional de mercadorias, o transitário que celebrou o contrato de transporte assume as inerentes responsabilidades, sendo-lhe aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 32º da Convenção CMR. Nos termos do artigo 32º da convenção em análise: “1. As acções que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano. No entanto, a prescrição é de três anos no caso de dolo, ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. O prazo de prescrição é contado: a) A partir do dia em que a mercadoria foi entregue, no caso de perda parcial, avaria ou demora; b) No caso de perda total, a partir do 30º dia após a expiração do prazo convencionado, ou, se não tiver sido convencionado prazo, a partir do 60º dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador; c) Em todos os outros casos, a partir do termo de um prazo de três meses, a contar da conclusão do contrato de transporte. O dia indicado acima como ponto de partida da prescrição não é compreendido no prazo. 2. Uma reclamação escrita suspende a prescrição até ao dia em que o transportador rejeitar a reclamação por escrito e restituir os documentos que a esta se juntaram. No caso de aceitação parcial da reclamação, a prescrição só retoma o seu curso para a parte da reclamação que continuar litigiosa. A prova da recepção da reclamação ou da resposta e restituição dos documentos compete à parte que invoca este facto. As reclamações ulteriores com a mesma finalidade não suspendem a prescrição. 3. Salvas as disposições do parágrafo 2 acima, a suspensão da prescrição regula-se pela lei da jurisdição a que se recorreu. O mesmo acontece quanto à interrupção da prescrição. 4. A acção que prescreveu não pode mais ser exercida, mesmo sob a forma de reconvenção ou excepção.”. A interrupção da prescrição é determinada por actos, que tanto podem provir da iniciativa do sujeito activo como do sujeito passivo e tem como consequência inutilizar para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (cfr. Artº 326º, nº 1, do Código Civil). Estipula o nº 1, do Artº 323º, do Código Civil, que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito. Acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal que, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Perante tal normativo legal bem andou o tribunal a quo ao fundamentar: «É à luz das várias disposições legais acabadas de mencionar que tem de ser analisada a decidida esta questão. Vejamos. Os factos geradores da obrigação de indemnizar da Ré ocorreram em 11/02/2004, data em que se concluiu o contrato de transporte, coincidente com a data em que a mercadoria foi entregue pela Demandada na respectiva destinatária, na Áustria. Ora, o prazo prescricional de um ano e três meses a que alude o mencionado Artº 32º, nº 1, al. c) teve início em 12/02/2004 e terminava às 24 horas do dia 12/05/2004, nos termos do disposto na al. c), do Artº 279º do Código Civil, aplicável à contagem de tal prazo por força do estatuído no Artº 296º do mesmo diploma legal. Acontece, porém, que, como resulta da matéria de facto apurada, a Autora, por fax de 31/03/2004, reclamou junto da Ré responsabilizando-a “pelo montante da mercadoria indevidamente entregue”, conforme documento de fls. 16, tendo a Ré rejeitado essa responsabilidade por carta que remeteu à Autora em 10/05/2004, cuja cópia consta de fls. 15. Ora, face àquela reclamação da Autora, e à rejeição de responsabilidade por banda da Ré, o aludido prazo prescricional de 1 ano e 3 suspendeu-se durante aquele período de tempo que mediou entre 31/03/2004 e 10/05/2004 (Artº 32º, nº 2, da Convenção CMR), mais exactamente durante 41 dias. Pelo que o exercício do direito de indemnização da Autora só prescreveria no dia 22/06/2005. Porém, a presente acção foi intentada em 06/05/2005, conforme se comprova pelo carimbo constante de fls. 1, aposto pela secretaria no rosto da petição inicial (cfr., também, o disposto no Artº 267º do C.P.Civil). Verificando-se, por outro lado, que a citação da Ré, efectuada através de carta registada com A/R, ocorreu em 04/07/2004 (leia-se 2005) (cfr. fls. 31/32). Ora, tendo a acção dado entrada em Tribunal em 06/05/2005, é manifesto que, objectivamente, no termo do quinto dia posterior àquele, ou seja, em 11/05/2005, verificou-se a interrupção da prescrição, a qual, como vimos, ocorreria em 22/06/2005. É certo que a citação não foi feita dentro dos cinco dias depois de ter sido instaurada a acção. Deverá tal facto ser imputável à Autora? A resposta não poderá deixar de ser negativa. De facto, em 06/05/2005 a Autora ainda gozava da presunção de que a citação se efectuaria dentro dos cinco dias seguintes, ou seja, antes de se esgotar o prazo prescricional. Mas como a mesma citação não ocorreu dentro daqueles cinco dias, esse facto que não pode ser imputado à Autora, mas antes a razões de índole processual e de organização judiciária, devendo ter-se por interrompida a prescrição. Improcede, pois, pelo exposto, a excepção de prescrição invocada pela Ré». Ora, tal questão mostra-se correctamente decidida na sentença recorrida, que fez adequada interpretação e aplicação aos factos dados por assentes das normas legais a eles respeitantes, sendo de confirmar inteiramente o decidido quanto à prescrição. Não estando o crédito prescrito importa agora apurar se ocorreu ou não incumprimento contratual. Da (in)existência de incumprimento contratual Dispõe o artigo 21 da Convenção CMR que “se a mercadoria for entregue ao destinatário sem cobrança do reembolso que deveria ter sido percebido pelo transportador em virtude das disposições do contrato de transporte, o transportador tem de indemnizar o expedidor até ao valor do reembolso, salvo se proceder quanto ao destinatário”. Resulta da factualidade provada que: - A mercadoria foi vendida pela Autora em condições “ex-works”, tendo o comprador da mercadoria assumido a obrigação de contratar e pagar o transporte da mercadoria; - Tendo a Autora assumido a obrigação de colocar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando o comprador desse facto. Perante esta realidade pretende a apelante que, do ponto de vista jurídico, a A. fez a entrega da mercadoria à compradora em 5.2.2004, no preciso momento em que a R. a recolheu. Não pode, por isso, a R. ser responsabilizada pela inobservância das condições de entrega da mercadoria quando foi a própria A. quem procedeu à sua entrega na origem, sem o prévio pagamento da mesma, por parte do comprador. No caso, a prova de que o contrato foi celebrado com as condições Ex-Work que relevância tem na relação contratual de transporte ? Os Incoterms são fórmulas contratuais criadas pela Câmara de Comércio Internacional, que definem direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador. O Incoterm denominado Exw-ExWorks, significa, essencialmente, que o produto e a factura devem estar à disposição do importador no estabelecimento do exportador. Todas as despesas e quaisquer perdas e danos a partir da entrega da mercadoria, inclusive, o despacho da mercadoria para o exterior, são da responsabilidade do importador. A mercadoria é entregue no estabelecimento do vendedor, em local designado, recebendo-a o comprador no local da produção, na data combinada (nesse sentido, Ac. STJ de 23.10.2007, Relator: Fonseca Ramos, in www.dgsi/pt.jstj). Ora tal fórmula contratual apenas define direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador, sendo por isso estranha ao transportador, terceiro nessa relação. Define em que momento se transferem os direitos e obrigações entre exportador e importador, mas não se impõem ao transportador. Em suma, a condição “ex-works” apenas respeita às condições do contrato de compra e venda internacional celebrado entre o expedidor/vendedor e a destinatária/compradora, designadamente obriga a compradora ao pagamento do preço do transporte e procede à transferência do risco, pela perda e pelos danos causados à mercadoria após a entrega ao transportador da mercadoria, à cliente destinatária – cfr. Incoterms definidos pela Câmara de Comércio Internacional, versão de 2000. Assim, nenhuma relevância têm na relação contratual de transporte. Importa agora apurar se a Ré/Apelante desrespeitou ou não as condições de entrega. Defende a apelante que, ainda que o contrato de transporte tivesse sido celebrado entre a Autora e a Ré, e não tivesse sido a primeira a entregar a mercadoria à compradora na origem, a Ré não poderia ser responsabilizada pela falta de pagamento do preço da mesma, pois não desrespeitou quaisquer instruções de entrega. E isto porque, os factos provados revelam que a A. nunca deu instruções à R. no sentido de esta condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque bancário ou visado, encontrando-se, pelo contrário, provado que a Autora apenas transmitiu à Ré que esta deveria entregar a mercadoria contra o recebimento de um cheque internacional. Ora, acrescenta, sendo este conceito inexistente ou, pelo menos, indefinido (o Banco de Portugal desconhece-o), a questão que se coloca é saber se a R. deveria ter deduzido dessa expressão, que a A. pretendia receber um cheque bancário ou se um cheque de âmbito e relevância internacional, ou seja, emitido num país (Áustria) e apresentado sem entraves, a pagamento noutro país (Portugal). E realça ainda o facto de, em situações anteriores, a Ré já ter tratado de outras expedições de mercadorias da Autora para a mesma compradora e, em todos esses casos, a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega, por parte desta, de um cheque igual àquele dos autos, não sendo, assim exigível à Ré outro comportamento. Vejamos os factos: A Autora comunicou à Ré que a entrega da mercadoria à sociedade “D…………..” devia ser realizada contra o recebimento de um cheque internacional. Para pagamento da mercadoria a aludida sociedade austríaca entregou um cheque particular. A Ré efectuou a entrega da mercadoria contra o recebimento de tal cheque. Ao tomar conhecimento dessa situação, a Autora recusou esse pagamento e reiterou as instruções de que esse cheque devia ser substituído por um cheque internacional. Esse cheque veio a ser devolvido por falta de provisão. Em situações anteriores, a Ré já tinha tratado da expedição de mercadorias da Autora destinadas aquela mesma sociedade austríaca. Nesses casos a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega por parte do comprador do respectivo cheque, e em todos esses casos foi entregue pela sociedade austríaca um cheque igual ao dos autos, os quais foram depositados e cobrados. Perante estes factos concluiu o tribunal “a quo” que: «efectivamente, a Ré não respeitou as instruções da Autora, no sentido de apenas entregar a mercadoria mediante a uma forma de pagamento que garantisse o recebimento do preço devido pelo que, nos termos do artigo 21º da Convenção em analise, seria responsável perante a autora pelo prejuízo por esta sofrido». Está efectivamente assente que a Autora/apelada deu instruções à Ré/apelante para condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque internacional. O conceito de cheque internacional está há muito em uso na prática comercial, e embora não seja, pelo menos por enquanto, uma figura jurídica que se encontre definida em qualquer corpo normativo, a sua existência tem de ser reconhecida. Trata-se de uma modalidade de cheque que o desenvolvimento das relações comerciais entre entidades de países diferentes tem vulgarizado face à crescente necessidade de utilização desse meio de pagamento com eliminação dos riscos na medida do possível – nesse sentido, Ac. STJ de 07.10.2003, Relator: Silva Salazar, in www.dgsi.pt/jstj. O que é o Cheque Bancário Internacional? O Cheque Bancário Internacional é um documento de pagamento emitido por um Banco, sobre uma conta própria ou de qualquer outra entidade financeira, com garantia de provisão. Trata-se dum produto bancário dirigido a empresas que desenvolvam uma actividade importadora/exportadora de mercadorias, bens ou serviços. Como funciona? O vendedor (exportador) envia as mercadorias e os documentos que as representam directamente ao comprador (importador) estrangeiro. O comprador ordena ao seu Banco que, por débito da sua conta, emita um cheque sobre o estrangeiro, a favor do vendedor e sobre uma conta de um Banco no país do vendedor. O Banco emissor debita a conta do ordenador (comprador) pelo valor do cheque acrescido das suas despesas e entrega-lhe o cheque para envio ao beneficiário (vendedor). O beneficiário apresenta o cheque ao banco sacado ou ao banco onde tem conta, para que este o negoceie ou envie à cobrança. O banco negociador credita a conta do beneficiário e debita a conta do banco emissor pelo valor do cheque. Para o exportador trata-se de um instrumento de pagamento com elevada garantia. Assim, tendo a Autora/apelada dado instruções à Ré/apelante para condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque internacional, e não tendo esta acautelado essa exigência, que mais não era que uma garantia do pagamento do preço, o cumprimento do contrato pela Ré tem de se considerar defeituoso. No caso concreto as indicações foram claras quanto às condições de pagamento e ao tomar conhecimento dessa situação, a Autora recusou esse pagamento e reiterou as instruções de que esse cheque devia ser substituído por um cheque internacional, pelo que, com o devido respeito, a experiência anterior não isenta a Ré de responsabilidade no caso. Assim sendo, a decisão recorrida de condenar a Ré/apelante a indemnizar a Autora/apelada pelo montante que esta deixou de receber e relativo ao preço da mercadoria por si vendida, tem a nossa concordância. Improcedem, pois, todas as conclusões das alegações da recorrente.IVTermos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pela apelante. Porto, 23 de Novembro de 2009 Anabela Figueiredo Luna de Carvalho Rui António Correia Moura Maria de Deus S. da C. Silva D. Correia
APELAÇÃO Nº 6089/05.9 TBMAI.P1 5ª SECÇÃO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I“B…………….., LDA”, com sede na Rua ………., ….º B, Lisboa, intentou a presente acção declarativa ordinária contra “C……………., LDA”, com sede na Rua ………., ….., ……., Maia, pedindo que a Ré seja condenada no pagamento da quantia de 32.497,10 € (respeitante ao valor da mercadoria transportada e despesas com a devolução dum cheque), acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 1825,17 € ou, em alternativa, da quantia de 32.461,50€, acrescida de juros vencidos, à taxa de 5 %, que se cifram na quantia de 1823,18 €, sendo também devidos juros demora vincendos, em ambos os casos. Alega para o efeito que, tendo encarregue a Ré do transporte de mercadoria que vendera a uma cliente austríaca, e apesar de ter dado indicação de que a mercadoria apenas deveria ser entregue mediante a entrega de um cheque internacional, a Ré, violando esse compromisso, entregou a mercadoria em causa contra a entrega de um cheque particular, o qual veio a ser devolvido por falta de provisão. A Ré contestou alegando que foi contratada para exercer uma actividade transitária, pelo que o direito da Autora estaria prescrito (conforme o disposto no artigo 16º do DL 255/99, de 7 de Julho e 32º da Convenção CMR” e, o decurso do prazo de 10 meses quando a acção deu entrada em Tribunal) e, que, ainda que tivesse sido celebrado entre as partes um contrato de transporte, também este já estaria prescrito pelo decurso do prazo de 1 ano (artº 32 da CMR). Mais impugna os termos do contrato alegando que se limitou a receber a mercadoria da Autora, a emitir o respectivo certificado de recepção e, a entregar a mercadoria ao transportador contratado para o efeito. Alegou ainda que, apenas estava obrigada à entrega da mercadoria à cliente da Autora, não lhe tendo esta pago qualquer quantia pelo transporte em causa, pagamento que era da responsabilidade da sociedade compradora da mercadoria. A final impugnou o pedido de juros, os quais a serem devidos sê-lo-iam, tão-somente, a partir da data da citação. A Autora veio replicar, reafirmando a qualificação do contrato como de transporte e, contrariando a excepção. Em sede de saneador foi relegada para final a apreciação da excepção de prescrição do direito invocado pela Autora. Realizou-se audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de trinta e dois mil, quatrocentos e noventa e sete euros e dez cêntimos (32.497,10 €), acrescida de juros de mora, à taxa de 5%, contados desde 31 de Março de 2004 até efectivo e integral pagamento. Inconformada com tal decisão, dela veio a Ré recorrer, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: Prescrição A. O D.L. nº 255/99, de 7.7, regula o exercício da actividade transitária e o seu regime jurídico aplica-se a todos os contratos celebrados pelos transitários, no exercício da sua actividade, com os respectivos clientes, independentemente da extensão das obrigações por aqueles assumidas (i.e., independentemente de assumirem ou não perante o cliente o papel de transportador). B. O transitário, quando assume a posição jurídica de transportador (situação permitida pelo D.L. nº 255/99), está a exercer a actividade transitária e não transportadora. C. As convenções internacionais, que regulam os diferentes modos de transporte, só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os respectivos clientes na parte relativa à limitação da responsabilidade e por via do disposto no nº 2 do art. 15º do D.L. nº 255/99. D. Se, como defende o tribunal “a quo”, as referidas convenções se aplicassem às relações contratuais estabelecidas entre clientes e transitários, sempre que estes assumissem o papel de transportador, o nº 2 do art. 15º do D.L. nº 255/99 seria totalmente desnecessário, pois os transitários beneficiariam directamente desses limites de responsabilidade. E. Face ao exposto, o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização invocado pela A. é o previsto no art. 16º do D.L. nº 255/99 de 07.07 e não no art. 32º/1 da Convenção CMR, artigo 16º esse, que alem de data posterior à Convenção CMR, constitui uma norma especial. Tanto mais que ficou provado (facto 3 e 18 da fundamentação da sentença) que a Ré se dedica à actividade transitária e que foi no exercício da mesma que interveio. F. Note-se que a prescrição do art. 16º do D.L. nº 255/99 tem especial justificação nos casos em que o transitário assume perante o cliente o papel de transportador; é que os transportadores efectivos beneficiam da prescrição prevista nas convenções internacionais (que, no caso das Convenções CMR e de Bruxelas, é de um ano), pelo que, no sentido de salvaguardar o direito de regresso do transitário contra o transportador efectivo, houve necessidade de estabelecer, naquele art. 16º, um prazo prescricional um pouco inferior aos previstos nas convenções (mesmo que o cliente exerça o seu direito de indemnização perto do fim do prazo de dez meses, o transitário dispõe de mais dois meses para exercer o direito de regresso contra o transportador efectivo). G. No caso “sub judice”, o serviço foi concluído em 11.2.2004, data de entrega da mercadoria ao destinatário, o que significa que a A. deveria ter exercido o seu direito de indemnização até 11.12.2004; assim, quando a A. propôs a acção (6.5.2005), há muito que o seu direito se encontrava extinto por prescrição. H. O tribunal “a quo”, ao conhecer da questão da prescrição à luz do art. 32º/1 da Convenção CMR e não do art. 16º do D.L. nº 255/99, errou na determinação da norma aplicável. Não celebração de qualquer contrato de transporte entre as partes I. Na fundamentação de direito da sentença recorrida, o tribunal a quo defende que “Tendo em conta o teor dos factos M) e N) e quesitos 3º e 10º podemos retirar que a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, pelo que actuou na qualidade de transportador e não de transitária.”, mas esta afirmação não encontra suporte na matéria de facto provada. J. Dos factos 12, e 13. ficou provado que as condições de venda foram EXW e que, em cumprimento destas, competia à compradora contratar e pagar o transporte e à Autora entregar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando aquela desse facto, tendo-se também logrado provar (quesito 12.° - facto 27) que não foi emitida pela Ré à Autora qualquer factura, nem foi liquidada por esta qualquer quantia a título de frete de transporte. K. Ora, resultando dos factos 12., 13. e 27 que a Autora deveria entregar, à porta da sua fábrica, a mercadoria à compradora e esta contratar e pegar o transporte e ainda que não foi emitida pela Ré à Autora qualquer factura a qualquer título, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a Autora praticou os factos referidos em 19. e 25. em nome e por conta da compradora. L. Aliás, esta interpretação conjugada é reforçada pela própria redacção do quesito 3.°, dado como provado, onde se lê: “19. Na sequência do referido em M) e N) dos Factos assentes, e tendo em conta a concretização do fornecimento aludido em B) a Autora contactou a ré ...” sendo evidente que apenas existiu contacto e não contrato. M. Pelo que, o contrato de transporte em discussão nos autos produziu os seus efeitos na esfera jurídica do comprador, nos termos dos artigos. 1178°, n.° 1 e 258.° do Código Civil, o que retira legitimidade substantiva à Autora para responsabilizar a Ré pelo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo. Entrega da mercadoria à compradora na origem N. Nas condições EXW, o vendedor entrega a mercadoria na origem, antes de a mesma ser carregada para transporte; está provado que isso se verificou no caso concreto (facto 13). O. Assim, do ponto de vista jurídico, a A. fez a entrega da mercadoria à compradora em 5.2.2004, no preciso momento em que a R. a recolheu. P. Não pode, pois, a R. ser responsabilizada pela inobservância das condições de entrega da mercadoria quando foi a própria A. quem procedeu à sua entrega na origem, sem o prévio pagamento da mesma, por parte do comprador. Inexistência de incumprimento contratual Q. Ainda que o contrato de transporte tivesse sido celebrado entre a Autora e a Ré, e não tivesse sido a primeira a entregar a mercadoria à compradora na origem, o que apenas se admite por mera hipótese académica, a Ré não poderia ser responsabilizada pela falta de pagamento do preço da mesma, pois não desrespeitou quaisquer instruções de entrega. R. Os factos provados (4., 5., 14., 15., 16., e 17.) revelam que a A. nunca deu instruções à R. no sentido de esta condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque bancário ou visado, encontrando-se, sim, provado que a Autora apenas transmitiu à Ré que esta deveria entregar a mercadoria contra o recebimento de um cheque internacional. S. Sendo este conceito inexistente ou, pelo menos, indefinido (o Banco de Portugal desconhece-o), a questão que se coloca é saber se a R. deveria ter deduzido dessa expressão, que a A. pretendia receber um cheque bancário ou se um cheque de âmbito e relevância internacional, ou seja, emitido num país (Áustria) e apresentado sem entraves, a pagamento noutro país (Portugal). T. Para responder a esta questão, e dado que as partes mantinham, à data dos factos, relações comerciais regulares, importa atender ao modo como as coisas se processaram em situações anteriores. U. Da factualidade provada resulta que a Ré já tinha tratado anteriormente de outras expedições de mercadorias da Autora para a mesma compradora e, em todos esses casos, a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega, por parte desta, de um cheque e nesses fornecimentos, tal como aqui, as condições de pagamento eram C.O.D. (cash on delivery, i.e., pagamento na entrega), tendo sido, sempre, entregue um cheque igual àquele cuja cópia se encontra junta a fls. 46, os quais foram depositados pela Autora e cobrados sem problemas (factos 15 a17). V. É à luz da experiência anterior que se tem de valorar a conduta da Ré. No caso concreto, não tendo havido alteração das condições de pagamento, em relação aos fornecimentos anteriores, a Ré aceitou um cheque igual àqueles que havia aceite, sem oposição da A., nesses outros casos. W. Perante a inexistência ou, pelo menos, indefinição do conceito de “cheque internacional”, não era exigível à Ré, face ao estatuído no artigo 236º, nº 1 do Código Civil, que deduzisse das instruções transmitidas pela Autora que esta pretendia receber um cheque bancário, tanto mais que esta nunca antes havia exigido tal meio de pagamento, que importasse garantia. X. Face a todo o exposto, na sentença recorrida, o tribunal “a quo” desconsiderou os factos 12, 13, 15, 16, 17, 19 e 27, da sua fundamentação e violou o disposto nos artigos 1178º, nº 1 e 258º do Código Civil e o artigo 236º nº 1 do Código Civil e ainda o artigo 16º do Decreto-lei nº 255/99, de 07.07, aplicando indevidamente o artigo 32º, nº 1 da Convenção CMR. Termos em que devem V. Exas. conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, absolvendo a R. do pedido, fazendo, assim, a costumada JUSTIÇA ! Contra-alegou a recorrida, deste modo concluindo: I. Embora a recorrente não pretenda, através das suas conclusões, a requalificação jurídica do contrato celebrado, objecto do presente recurso, a verdade é que pugna pelo enquadramento da situação sub judice no âmbito dos art. 15º e 16º do Decreto-lei n.º 255/99, de 07 de Julho. O que, de todo, não pode conceber-se sem a prévia análise da relação contratual existente entre as partes. II. A douta sentença de fls. ..., quando procede à qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre a recorrente e a recorrida, a saber a celebração de um contrato internacional de transporte, terá sempre de se manter. i) As funções de uma empresa transitária, definidas no art. 1º do Decreto-lei 255/99, de 07 de Julho, limitam-se a operações de “natureza logística e operacional” prévias e destinadas à realização do transporte, mas não ao transporte em si. ii) Ora, foi feita prova no sentido de que todos os contactos para a contratação do transporte foram iniciados junta da recorrente, tendo a mesma recebido a mercadoria, emitindo o necessária “FCR” (ou certificado de recebimento), de fls. 13, e a respectiva declaração de expedição (ou “waybill”) de fls. 48, assim como todas as condições do transporte, incluindo as instruções quanto ao modo de pagamento, foram estabelecidas e alteradas junto da recorrente – cfr. factos provados 3, 4, 7, 21, 22 e 23. iii) Pelo que não restam dúvidas de que, tendo em conta o princípio da liberdade contratual, a recorrida “contactou a ré no sentido de esta efectuar o transporte”, a “Ré efectuou o transporte” e a recorrente “assumiu o papel de transportadora perante a autora” (cfr. factos provados sob 19, 20 e 25), sendo celebrado entre a recorrente e a recorrida um contrato de transporte internacional de mercadorias por via terrestre. III. Pelos motivos supra expostos, além de desempenhar o papel de transitário, a recorrente também assumiu, perante a recorrida, a qualidade de transportadora, actividade sujeita à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte de Mercadorias por Estrada (C.M.R.) celebrada em Genebra em 19/5/1956, aprovada para adesão pelo Decreto-lei 46.235, de 18/03/65, e alterada pelo Protocolo de Genebra de 05/07/78, aprovado para adesão pelo Decreto-lei 28/88, de 06/09. i) Seria de todo ilegítimo e, ademais, profundamente injusto permitir à recorrente “esconder-se” atrás das suas funções de transitário, sujeitas ao regime previsto no Decreto-lei 255/99, de 07 de Julho, para “fugir” à responsabilidade dos transportadores prevista na CMR. IV. A CMR prevê no seu art. 32º, 1ª parte e alínea c), um prazo de prescrição de um ano contado "do termo de um prazo de três meses, a contar da conclusão do contrato de transporte". i) Tendo o contrato de transporte internacional sido concluído em 11/02/2004, o prazo supra referido iniciou-se em 12/02/2004 e terminava em 12/05/2005, termos em que a acção, entrada em 06/05/2005, é perfeitamente tempestiva. ii) Não obstante, a recorrida apresentou uma reclamação escrita em 31/03/2004, a fls. 16 (cfr. facto provado 8), a qual foi rejeitada pela recorrente em 10/05/2004, a fls. 15 (cfr. facto provado 9); factos esses que interromperam o prazo de prescrição durante 41 dias, prescrevendo o mesmo em 22/06/2005, sempre depois de a recorrida dar entrada da presente acção. V. A recorrente violou o disposto nos art. 690º, n.º 1, por remissão do art. 712º, e 690º-A, n.º 1, al. b), todos do C.P.C.. i) A questão da impugnação da matéria de facto apurada nas respostas à base instrutória, porque de todo não referida nas conclusões que delimitam o objecto do recurso, não pode neste ser apreciada – cfr. conclusões I a M. ii) Ou, caso assim se não entenda, por não especificar quais os meios probatórios que impunham decisão diversa, devem as conclusões I a M serem rejeitadas. VI. Sem prescindir, a condição “ex-works” apenas respeita às condições do contrato de compra e venda internacional celebrado entre o expedidor, o vendedor e a cliente destinatária, a compradora, designadamente obriga a compradora ao pagamento do preço do transporte e procede à transferência do risco, pela perda e pelos danos causados à mercadoria após a entrega ao transportador da mercadoria, à cliente destinatária – cfr. Incoterms definidos pela Câmara de Comércio Internacional, versão de 2000. i) Sendo certo que, pelos motivos expostos supra, tendo o contrato de transporte inicial de mercadorias sido celebrado entre a recorrente e a recorrida, ambas são partes legítimas nos presentes autos – cfr. art. 26º, n.ºs 1 a 3, do C. Processo Civil. ii) Pois a estipulação das condições EXW, previstas entre a expedidora e a cliente destinatária, nos termos constantes dos factos provados 12, 13, 19 e 25, nada têm a ver com a condições de pagamento, estipuladas entre a expedidora e a transportadora. iii) Caso assim não o entendesse, sempre restava à recorrente chamar à acção os terceiros a quem terá recorrido para efectivar o transporte, o que não fez. VI. Tendo sido a questão do “cheque internacional” levantada pela própria recorrente aquando da contestação (art. 49º a 54º) seria este o momento em que podia e devia ter solicitado a junção aos autos do documento, ou, quando muito, até ao encerramento da discussão em primeira instância (art.523.º, n.º2, CPC) e nunca apresentado nas alegações, não se mostrando cumprido qualquer dos requisitos do n.º 1 do art. 706 e do n.º 1 do art. 524º, ambos do C. Processo Civil, pelo que não deverá ser admitida a sua junção aos autos. VII. Sem prescindir, a recorrente não só confessou no art. 47º da contestação, como foi provado em sede de julgamento que a recorrida recusou a entrega de um cheque e que tinha reiterado instruções à recorrente no sentido da mercadoria ser entregue contra um cheque internacional – cfr. facto provado sob 22. i) Já constava na al. D) dos factos assentes e do quesito 6º, o “conceito” de cheque internacional; conceito esse ou expressão que a recorrente nunca pôs em causa através da competente reclamação contra a selecção da matéria de facto. ii) Pois a verdade é que o conceito de cheque internacional ou cheque bancário é de conhecimento geral e, por isso, não carece de prova – cfr. art. 514º, n.º 1, do C.P.C.. iii) Sem prescindir, além de o cheque bancário internacional ser conhecido na prática comercial como um meio de pagamento garantido, a recorrente sempre soube da distinção, também feita pela recorrida, entre um cheque normal, particular, e um cheque bancário internacional – cfr. fundamentação constante da resposta aos quesitos, a fls. 158 e 159; factos provados sob 4, 5, 21 e 22; documentos de fls. 47 e 49, onde foi estipulado, em transportes anteriores, como “meio de pagamento”, um “cheque cl normal”, sendo, mais tarde, estipulado novo “meio de pagamento”, a fls. 51, o de “cheque internacional”. Termos em que -deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, -mantendo-se a douta sentença, por assim o imporem O Direito e a JustiçaIIÉ a seguinte a factualidade julgada provada: 1. A Autora “B…………….., Lda.” dedica-se ao comércio de calçado; (facto A) 2. No exercício da sua actividade, a Autora forneceu 1.486 pares de sapatos à sociedade “D…………….”, pelo preço global de Eur. 32.461,50; (facto B) 3. No exercício da sua actividade, no dia 5 de Fevereiro de 2004, a Ré recebeu da Autora a mercadoria aludida em B); (facto C) 4. A Autora comunicou à Ré que a entrega da mercadoria aludida em B) à sociedade “D………….” devia ser realizada contra o recebimento de um cheque internacional; (facto D) 5. Para pagamento da mercadoria aludida em B), a sociedade “D……………” entregou o cheque cuja cópia se encontra a fls. 46 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido; (facto E) 6. Tendo sido apresentado a pagamento, o cheque aludido em E) veio a ser devolvido por falta de provisão; (facto F) 7. A Autora comunicou tal facto à Ré em 24/5/2004; (facto G) 8. A Autora remeteu à Ré, que a recebeu, o documento junto a fls. 16 dos autos, datado de 31/3/2004, cujo teor se dá por reproduzido; (facto H) 9. A Ré remeteu à Autora, que a recebeu, o documento junto a fls. 15 dos autos, datado de 10/5/2004, cujo teor se dá por reproduzido. (facto I) 10. A Ré remeteu à Autora, que a recebeu, o documento junto a fls. 26 dos autos, datado de 27/5/2004, cujo teor se dá por reproduzido. (facto J) 11. A mercadoria aludida em B) foi entregue à sociedade “D…………” em 11 de Fevereiro de 2004; (facto L) 12. A mercadoria aludida em B) foi vendida pela Autora em condições “ex-works”, tendo o comprador da mercadoria assumido a obrigação de contratar e pagar o transporte da mercadoria; (facto M) 13. E tendo a Autora assumido a obrigação de colocar a mercadoria aludida em B) à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando o comprador desse facto; (facto N) 14. O cheque aludido em E) foi depositado em Portugal num banco português; (facto O) 15. Em situações anteriores, a Ré já tinha tratado da expedição de mercadoras da Autora destinadas à sociedade “D…………….”; (facto P) 16. Nesses casos a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega por parte do comprador do respectivo cheque; (facto Q) 17. Em todos esses casos foi entregue pela sociedade “D…………” um cheque igual ao mencionado em E), os quais foram depositados e cobrados; (facto R) 18. A ré “C…………., Lda.” dedica-se à actividade transitária; (quesito 2º) 19. Na sequência do referido em M) e N) dos Factos assentes, e tendo em vista a concretização do fornecimento aludido em B) a autora contactou a ré no sentido de este efectuar o transporte da referida mercadoria das instalações da respectiva fabricante, localizadas em Santa Maria da Feira, até à Áustria, por via terrestre, através de camião; (quesito 3º) 20. A Ré procedeu ao aludido transporte, sendo a mercadoria aceite pelo cliente, sem qualquer reserva; (quesito 4º) 21. A Ré efectuou a entrega da mercadoria à sociedade “D……..……” contra o recebimento do cheque aludido em E) que era um cheque particular; (quesito 5º) 22. Ao tomar conhecimento dessa situação, a Autora recusou esse pagamento e reiterou as instruções de que esse cheque devia ser substituído por um cheque internacional; (quesito 6º) 23. Em 18 de Fevereiro de 2004, ao receber o cheque aludido em E), a Autora advertiu a Ré quanto à sua possível devolução; (quesito 7º) 24. Em consequência da devolução do cheque aludido em E), a Autora suportou a quantia de Eur. 35,00 em despesas bancárias; (quesito 8º) 25. A ré assumiu o papel de transportadora perante a autora, sendo ela que directamente determinou e estabeleceu os pormenores para a execução do transporte; (quesito 10º) 26. Tendo a Autora remetido à Ré cópia da factura que ia servir de guia de remessa para o transporte; (quesito 11º)27. Não foi emitida pela ré qualquer factura nem foi liquidada pela autora qualquer quantia a título de frete de transporte; (quesito 12º) IIIO objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC). São as seguintes as questões a decidir: - Da qualificação do contrato - Da prescrição - Da inexistência de incumprimento contratual Da qualificação do contrato A caracterização do contrato constitui o ponto de partida para a resolução das demais questões decidendas. É a partir do que concretamente foi acordado que deve ser qualificado o contrato. Entendeu o tribunal de 1ª Instância que estamos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, com base nos seguintes factos: - A mercadoria foi vendida pela Autora em condições “ex-works”, tendo o comprador da mercadoria assumido a obrigação de contratar e pagar o transporte da mercadoria; - E tendo a Autora assumido a obrigação de colocar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando o comprador desse facto; - Tendo em vista a concretização do fornecimento a Autora contactou a Ré no sentido de esta efectuar o transporte da referida mercadoria das instalações da respectiva fabricante, localizadas em Santa Maria da Feira, até à Áustria, por via terrestre, através de camião; - A Ré assumiu o papel de transportadora perante a Autora, sendo ela que directamente determinou e estabeleceu os pormenores para a execução do transporte; Assim, concluiu o Mmº Julgador: «Tendo em conta o teor dos factos M) e N) e quesitos 3º e 10º podemos retirar que a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, pelo que actuou na qualidade de transportadora e não de transitária. Mais ficou assente que quem ficou de efectuar o pagamento desse serviço foi a cliente da Autora e não esta». Objecta a apelante que a factualidade provada impede tal qualificação, na medida em que ficou provado que a Ré se dedica à actividade transitária e que foi no exercício da mesma que interveio. Assim, o transitário, quando assume a posição jurídica de transportador (situação permitida pelo D.L. nº 255/99), está a exercer a actividade transitária e não transportadora. Assenta a apelante essa objecção na seguinte linha de raciocínio: Tendo ficado provado que as condições de venda foram EXW e que, em cumprimento destas, competia à compradora contratar e pagar o transporte e, à Autora entregar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando aquela desse facto, tendo-se também logrado provar que não foi emitida pela Ré à Autora qualquer factura, nem foi liquidada por esta qualquer quantia a título de frete de transporte, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a Autora praticou os factos referidos em nome e por conta da compradora. Assim sendo, o contrato de transporte em discussão nos autos produziu os seus efeitos na esfera jurídica do comprador, nos termos dos artigos. 1178°, n.° 1 e 258.° do Código Civil, o que retira legitimidade substantiva à Autora para responsabilizar a Ré pelo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo. E defende que, as convenções internacionais que regulam os diferentes modos de transporte, só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os respectivos clientes na parte relativa à limitação da responsabilidade. De outro modo, não se entenderia a necessidade da norma do nº 2 do art. 15º do D.L. nº 255/99. Discordamos de tal entendimento por contrariar a factualidade provada. Tendo em conta o teor dos factos M) e N) e quesitos 3º e 10º teremos de concluir que a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, embora quem ficasse de efectuar o pagamento desse serviço fosse a cliente da Autora e não esta. O contrato de transporte de mercadorias é aquele em que uma pessoa profissional se obriga a transferir alguma coisa de um lugar para o outro, estando em causa países diferentes. Este contrato pressupõe três entidades: a quem incumbe o transporte (o expedidor), quem se encarrega dele (o transportador) e, a quem os objectos são destinados (o destinatário). Ora, o transportador tem como obrigação principal, a de realizar a deslocação da mercadoria e fazer a sua entrega ao destinatário, tendo o expedidor, como obrigação principal o pagamento do preço do transporte. Contudo, nem sempre esta obrigação de pagamento do preço de transporte incumbe ao expedidor, como bem salientou o Ac. Relação do Porto de 30.01.2001, Relatora: Fernanda Soares, in www.dgsi.pt/jtrpt, assim sumariado: « O pagamento do preço pode ter as modalidades de "transporte pago" (o frete é pago pelo expedidor antes da partida e o transportador está autorizado a suspender toda a execução antes da liquidação do frete) ou de "expedição com transporte em débito" (o devedor normal do frete é o destinatário, mas o transportador pode, no caso de recusa, dirigir-se ao expedidor para o seu pagamento); Na modalidade de expedição com transporte em débito podem as partes acordar que a expedição é feita "contra reembolso", isto é, o transportador compromete-se a não entregar a mercadoria ao destinatário se este não pagar a soma que o expedidor lhe indicou ». Assim, no caso dos autos, não desvirtua a natureza do contrato como de “transporte internacional” o facto de ter ficado a cargo da cliente da Autora o pagamento do transporte, tendo sido ainda acordado que a expedição seria feita “contra reembolso”. Por outro lado, não obsta a tal qualificação o facto de a Ré ser uma empresa transitária. As responsabilidades por si assumidas conduzem aquela qualificação. Nos termos do artigo 1º, n.º 2 do DL 255/99, de 7 de Julho, que define o regime jurídico da actividade transitária: “A actividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias; b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.” Já o contrato internacional de transporte de mercadorias por estrada se traduz na convenção por via da qual uma pessoa se obriga perante outra, mediante um preço, a realizar a deslocação de uma determinada mercadoria desde um ponto de partida situado num dado país até outro ponto de destino localizado noutro país. Ora, embora os transitários sejam prestadores de serviços a terceiros, e como tal, não realizem enquanto tal o acto material de transportar as mercadorias, sendo apenas mero intermediários para conseguir o transporte por conta do expedidor, o que é facto, é que muitas vezes os transitários assumem eles mesmos as obrigações do transportador. «Nada impede que as empresas transitárias exorbitando embora os limites da sua específica actividade, possam ajustar contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros» - conforme Ac. STJ de 11.03.99 in www.dgsi/pt.jstj. « Apesar de as actividades de transitário (prestação de serviços a terceiros no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias) e de transportador (realização das operações necessárias para transferir uma coisa de um local para outro) serem diferenciadas, nada impede que o primeiro actue também como transportador» - Ac. TRP de 07-12-2004, Relator: Alziro Cardoso, no mesmo sítio da DGSI. No caso em presença, a Ré não assumiu a obrigação de arquitectar o transporte mas as obrigações inerentes a esse transporte, pelo que actuou extravasando as suas obrigações de transitária, ou seja, assumindo os riscos e obrigações do transportador. Assim, apesar de a Ré ser uma empresa transitária, atentas as responsabilidades por ela assumidas, meramente de transporte, tal contrato tem de haver-se como de transporte, nos termos do artº 366º do Código Comercial, sendo-lhe, por isso aplicável a Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada - CMR -, de 19 de Maio de 1956, inserida no direito interno português pelo Decreto-Lei n.º 46 235, de 18 de Março de 1965, alterada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Julho de 1978, aprovado em Portugal para a sua adesão pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro. Com efeito, a referida Convenção aplica-se a todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada, a título oneroso, em veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega previsto, tais como são indicados no contrato, estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante, independentemente do domicílio e nacionalidade das partes (artigo 1º, n.º 1). O argumento de que, a norma do diploma -que regula a actividade transitária - que remete para os limites de responsabilidade do transportador, perderia razão de ser, se a Convenção CMR se aplicasse às relações contratuais estabelecidas entre clientes e transitários sempre que estes assumissem o papel de transportador, não procede. Qualificar ou não o contrato celebrado por um transitário, como contrato de transporte internacional, dependerá da relevância ou exclusividade que esse transporte tem na relação negocial constituída. Em casos de relevância expressiva, ditam as normas do contrato de transporte. Nos demais, as da actividade transitária, cabendo ao julgador numa ponderação criteriosa do acordo em concreto, proceder à distinção. No caso, como bem interpretou o tribunal “a quo”, a Ré assumiu, perante a Autora, apenas a obrigação de transportar, de Portugal para a Áustria, determinada mercadoria, pelo que actuou na qualidade de transportadora e não de transitária. Nesse contexto, vejamos qual o prazo de prescrição Da prescrição Pretende a apelante que, o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização invocado pela A. é o previsto no art. 16º do D.L. nº 255/99 de 07.07 e não no art. 32º nº1 da Convenção CMR. Assim, alega, no caso “sub judice”, o serviço foi concluído em 11.2.2004, data de entrega da mercadoria ao destinatário, o que significa que a A. deveria ter exercido o seu direito de indemnização até 11.12.2004; quando a A. propôs a acção (6.5.2005), há muito que o seu direito se encontrava extinto por prescrição. Mas não tem razão. Qualificado o contrato como de transporte internacional de mercadorias, o transitário que celebrou o contrato de transporte assume as inerentes responsabilidades, sendo-lhe aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 32º da Convenção CMR. Nos termos do artigo 32º da convenção em análise: “1. As acções que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano. No entanto, a prescrição é de três anos no caso de dolo, ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. O prazo de prescrição é contado: a) A partir do dia em que a mercadoria foi entregue, no caso de perda parcial, avaria ou demora; b) No caso de perda total, a partir do 30º dia após a expiração do prazo convencionado, ou, se não tiver sido convencionado prazo, a partir do 60º dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador; c) Em todos os outros casos, a partir do termo de um prazo de três meses, a contar da conclusão do contrato de transporte. O dia indicado acima como ponto de partida da prescrição não é compreendido no prazo. 2. Uma reclamação escrita suspende a prescrição até ao dia em que o transportador rejeitar a reclamação por escrito e restituir os documentos que a esta se juntaram. No caso de aceitação parcial da reclamação, a prescrição só retoma o seu curso para a parte da reclamação que continuar litigiosa. A prova da recepção da reclamação ou da resposta e restituição dos documentos compete à parte que invoca este facto. As reclamações ulteriores com a mesma finalidade não suspendem a prescrição. 3. Salvas as disposições do parágrafo 2 acima, a suspensão da prescrição regula-se pela lei da jurisdição a que se recorreu. O mesmo acontece quanto à interrupção da prescrição. 4. A acção que prescreveu não pode mais ser exercida, mesmo sob a forma de reconvenção ou excepção.”. A interrupção da prescrição é determinada por actos, que tanto podem provir da iniciativa do sujeito activo como do sujeito passivo e tem como consequência inutilizar para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (cfr. Artº 326º, nº 1, do Código Civil). Estipula o nº 1, do Artº 323º, do Código Civil, que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito. Acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal que, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. Perante tal normativo legal bem andou o tribunal a quo ao fundamentar: «É à luz das várias disposições legais acabadas de mencionar que tem de ser analisada a decidida esta questão. Vejamos. Os factos geradores da obrigação de indemnizar da Ré ocorreram em 11/02/2004, data em que se concluiu o contrato de transporte, coincidente com a data em que a mercadoria foi entregue pela Demandada na respectiva destinatária, na Áustria. Ora, o prazo prescricional de um ano e três meses a que alude o mencionado Artº 32º, nº 1, al. c) teve início em 12/02/2004 e terminava às 24 horas do dia 12/05/2004, nos termos do disposto na al. c), do Artº 279º do Código Civil, aplicável à contagem de tal prazo por força do estatuído no Artº 296º do mesmo diploma legal. Acontece, porém, que, como resulta da matéria de facto apurada, a Autora, por fax de 31/03/2004, reclamou junto da Ré responsabilizando-a “pelo montante da mercadoria indevidamente entregue”, conforme documento de fls. 16, tendo a Ré rejeitado essa responsabilidade por carta que remeteu à Autora em 10/05/2004, cuja cópia consta de fls. 15. Ora, face àquela reclamação da Autora, e à rejeição de responsabilidade por banda da Ré, o aludido prazo prescricional de 1 ano e 3 suspendeu-se durante aquele período de tempo que mediou entre 31/03/2004 e 10/05/2004 (Artº 32º, nº 2, da Convenção CMR), mais exactamente durante 41 dias. Pelo que o exercício do direito de indemnização da Autora só prescreveria no dia 22/06/2005. Porém, a presente acção foi intentada em 06/05/2005, conforme se comprova pelo carimbo constante de fls. 1, aposto pela secretaria no rosto da petição inicial (cfr., também, o disposto no Artº 267º do C.P.Civil). Verificando-se, por outro lado, que a citação da Ré, efectuada através de carta registada com A/R, ocorreu em 04/07/2004 (leia-se 2005) (cfr. fls. 31/32). Ora, tendo a acção dado entrada em Tribunal em 06/05/2005, é manifesto que, objectivamente, no termo do quinto dia posterior àquele, ou seja, em 11/05/2005, verificou-se a interrupção da prescrição, a qual, como vimos, ocorreria em 22/06/2005. É certo que a citação não foi feita dentro dos cinco dias depois de ter sido instaurada a acção. Deverá tal facto ser imputável à Autora? A resposta não poderá deixar de ser negativa. De facto, em 06/05/2005 a Autora ainda gozava da presunção de que a citação se efectuaria dentro dos cinco dias seguintes, ou seja, antes de se esgotar o prazo prescricional. Mas como a mesma citação não ocorreu dentro daqueles cinco dias, esse facto que não pode ser imputado à Autora, mas antes a razões de índole processual e de organização judiciária, devendo ter-se por interrompida a prescrição. Improcede, pois, pelo exposto, a excepção de prescrição invocada pela Ré». Ora, tal questão mostra-se correctamente decidida na sentença recorrida, que fez adequada interpretação e aplicação aos factos dados por assentes das normas legais a eles respeitantes, sendo de confirmar inteiramente o decidido quanto à prescrição. Não estando o crédito prescrito importa agora apurar se ocorreu ou não incumprimento contratual. Da (in)existência de incumprimento contratual Dispõe o artigo 21 da Convenção CMR que “se a mercadoria for entregue ao destinatário sem cobrança do reembolso que deveria ter sido percebido pelo transportador em virtude das disposições do contrato de transporte, o transportador tem de indemnizar o expedidor até ao valor do reembolso, salvo se proceder quanto ao destinatário”. Resulta da factualidade provada que: - A mercadoria foi vendida pela Autora em condições “ex-works”, tendo o comprador da mercadoria assumido a obrigação de contratar e pagar o transporte da mercadoria; - Tendo a Autora assumido a obrigação de colocar a mercadoria à porta da sua fábrica em condições de ser carregada, avisando o comprador desse facto. Perante esta realidade pretende a apelante que, do ponto de vista jurídico, a A. fez a entrega da mercadoria à compradora em 5.2.2004, no preciso momento em que a R. a recolheu. Não pode, por isso, a R. ser responsabilizada pela inobservância das condições de entrega da mercadoria quando foi a própria A. quem procedeu à sua entrega na origem, sem o prévio pagamento da mesma, por parte do comprador. No caso, a prova de que o contrato foi celebrado com as condições Ex-Work que relevância tem na relação contratual de transporte ? Os Incoterms são fórmulas contratuais criadas pela Câmara de Comércio Internacional, que definem direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador. O Incoterm denominado Exw-ExWorks, significa, essencialmente, que o produto e a factura devem estar à disposição do importador no estabelecimento do exportador. Todas as despesas e quaisquer perdas e danos a partir da entrega da mercadoria, inclusive, o despacho da mercadoria para o exterior, são da responsabilidade do importador. A mercadoria é entregue no estabelecimento do vendedor, em local designado, recebendo-a o comprador no local da produção, na data combinada (nesse sentido, Ac. STJ de 23.10.2007, Relator: Fonseca Ramos, in www.dgsi/pt.jstj). Ora tal fórmula contratual apenas define direitos e obrigações, tanto do exportador como do importador, sendo por isso estranha ao transportador, terceiro nessa relação. Define em que momento se transferem os direitos e obrigações entre exportador e importador, mas não se impõem ao transportador. Em suma, a condição “ex-works” apenas respeita às condições do contrato de compra e venda internacional celebrado entre o expedidor/vendedor e a destinatária/compradora, designadamente obriga a compradora ao pagamento do preço do transporte e procede à transferência do risco, pela perda e pelos danos causados à mercadoria após a entrega ao transportador da mercadoria, à cliente destinatária – cfr. Incoterms definidos pela Câmara de Comércio Internacional, versão de 2000. Assim, nenhuma relevância têm na relação contratual de transporte. Importa agora apurar se a Ré/Apelante desrespeitou ou não as condições de entrega. Defende a apelante que, ainda que o contrato de transporte tivesse sido celebrado entre a Autora e a Ré, e não tivesse sido a primeira a entregar a mercadoria à compradora na origem, a Ré não poderia ser responsabilizada pela falta de pagamento do preço da mesma, pois não desrespeitou quaisquer instruções de entrega. E isto porque, os factos provados revelam que a A. nunca deu instruções à R. no sentido de esta condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque bancário ou visado, encontrando-se, pelo contrário, provado que a Autora apenas transmitiu à Ré que esta deveria entregar a mercadoria contra o recebimento de um cheque internacional. Ora, acrescenta, sendo este conceito inexistente ou, pelo menos, indefinido (o Banco de Portugal desconhece-o), a questão que se coloca é saber se a R. deveria ter deduzido dessa expressão, que a A. pretendia receber um cheque bancário ou se um cheque de âmbito e relevância internacional, ou seja, emitido num país (Áustria) e apresentado sem entraves, a pagamento noutro país (Portugal). E realça ainda o facto de, em situações anteriores, a Ré já ter tratado de outras expedições de mercadorias da Autora para a mesma compradora e, em todos esses casos, a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega, por parte desta, de um cheque igual àquele dos autos, não sendo, assim exigível à Ré outro comportamento. Vejamos os factos: A Autora comunicou à Ré que a entrega da mercadoria à sociedade “D…………..” devia ser realizada contra o recebimento de um cheque internacional. Para pagamento da mercadoria a aludida sociedade austríaca entregou um cheque particular. A Ré efectuou a entrega da mercadoria contra o recebimento de tal cheque. Ao tomar conhecimento dessa situação, a Autora recusou esse pagamento e reiterou as instruções de que esse cheque devia ser substituído por um cheque internacional. Esse cheque veio a ser devolvido por falta de provisão. Em situações anteriores, a Ré já tinha tratado da expedição de mercadorias da Autora destinadas aquela mesma sociedade austríaca. Nesses casos a entrega da mercadoria estava condicionada à entrega por parte do comprador do respectivo cheque, e em todos esses casos foi entregue pela sociedade austríaca um cheque igual ao dos autos, os quais foram depositados e cobrados. Perante estes factos concluiu o tribunal “a quo” que: «efectivamente, a Ré não respeitou as instruções da Autora, no sentido de apenas entregar a mercadoria mediante a uma forma de pagamento que garantisse o recebimento do preço devido pelo que, nos termos do artigo 21º da Convenção em analise, seria responsável perante a autora pelo prejuízo por esta sofrido». Está efectivamente assente que a Autora/apelada deu instruções à Ré/apelante para condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque internacional. O conceito de cheque internacional está há muito em uso na prática comercial, e embora não seja, pelo menos por enquanto, uma figura jurídica que se encontre definida em qualquer corpo normativo, a sua existência tem de ser reconhecida. Trata-se de uma modalidade de cheque que o desenvolvimento das relações comerciais entre entidades de países diferentes tem vulgarizado face à crescente necessidade de utilização desse meio de pagamento com eliminação dos riscos na medida do possível – nesse sentido, Ac. STJ de 07.10.2003, Relator: Silva Salazar, in www.dgsi.pt/jstj. O que é o Cheque Bancário Internacional? O Cheque Bancário Internacional é um documento de pagamento emitido por um Banco, sobre uma conta própria ou de qualquer outra entidade financeira, com garantia de provisão. Trata-se dum produto bancário dirigido a empresas que desenvolvam uma actividade importadora/exportadora de mercadorias, bens ou serviços. Como funciona? O vendedor (exportador) envia as mercadorias e os documentos que as representam directamente ao comprador (importador) estrangeiro. O comprador ordena ao seu Banco que, por débito da sua conta, emita um cheque sobre o estrangeiro, a favor do vendedor e sobre uma conta de um Banco no país do vendedor. O Banco emissor debita a conta do ordenador (comprador) pelo valor do cheque acrescido das suas despesas e entrega-lhe o cheque para envio ao beneficiário (vendedor). O beneficiário apresenta o cheque ao banco sacado ou ao banco onde tem conta, para que este o negoceie ou envie à cobrança. O banco negociador credita a conta do beneficiário e debita a conta do banco emissor pelo valor do cheque. Para o exportador trata-se de um instrumento de pagamento com elevada garantia. Assim, tendo a Autora/apelada dado instruções à Ré/apelante para condicionar a entrega da mercadoria ao recebimento de um cheque internacional, e não tendo esta acautelado essa exigência, que mais não era que uma garantia do pagamento do preço, o cumprimento do contrato pela Ré tem de se considerar defeituoso. No caso concreto as indicações foram claras quanto às condições de pagamento e ao tomar conhecimento dessa situação, a Autora recusou esse pagamento e reiterou as instruções de que esse cheque devia ser substituído por um cheque internacional, pelo que, com o devido respeito, a experiência anterior não isenta a Ré de responsabilidade no caso. Assim sendo, a decisão recorrida de condenar a Ré/apelante a indemnizar a Autora/apelada pelo montante que esta deixou de receber e relativo ao preço da mercadoria por si vendida, tem a nossa concordância. Improcedem, pois, todas as conclusões das alegações da recorrente.IVTermos em que, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pela apelante. Porto, 23 de Novembro de 2009 Anabela Figueiredo Luna de Carvalho Rui António Correia Moura Maria de Deus S. da C. Silva D. Correia