I - Não consubstancia erro notório na apreciação da prova proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro. II - Deduzida a acusação por crime e apurado em julgamento que os factos constituem apenas infracção contra-ordenacional, deverá o tribunal conhecer desta.
RECURSO Nº 531/09.7GAVNF.P1 Proc. nº 531/09.7GAVNF, do .º Juízo de Competência Criminal, do TJ de Vila Nova de Famalicão Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 531/09.7GAVNF, do .º Juízo de Competência Criminal, do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, em processo sumário, foi o arguido B………. absolvido, por sentença de 22/06/09, da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusado. 2. O Ministério Público não se conformou com essa absolvição e dela interpôs recurso, impetrando a revogação parcial da sentença recorrida no tocante à matéria de facto dada como provada e prolacção de decisão que condene o arguido em pena de multa e sanção acessória, pelo menos nos mínimos constantes da sua motivação. Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1) Não estando legalmente estabelecida qualquer margem de erro a atender nos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação da taxa de álcool no sangue, mais não restava ao Tribunal recorrido do que dar como provado que o arguido conduziu o ciclomotor referido nos autos com a TAS de 1,24 g/1, tal como consta dos resultados do exame de pesquisa de tal taxa no ar expirado juntos a fls. 8. 2) Quer consideremos o disposto na Portaria n° 748/94 de 13 de Agosto, quer atentemos no actualmente previsto na Portaria n° 1556/2007 de 10 de Dezembro que agora regulamenta o controle metrológico dos alcoolímetros, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a aplicação das margens de erro nelas previstas se reconduz apenas aos momentos de aprovação e das subsequentes verificações dos alcoolímetros, operações da competência do Instituto Português da Qualidade. 3) Em nenhum dos elementos de prova valorados pelo Tribunal recorrido resulta que a taxa de álcool com que o arguido conduzia fosse diversa da que resulta do exame efectuado – 1,24 g/1 – e, concretamente, que correspondesse ao valor de 1,14 g/1, a que se atendeu na sentença. 4) Ao ter dado como provada e ao ter atentado na referida taxa de 1,14 g/1 padece a sentença recorrida de erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no art° 410°, n° 2, al. c) do Código de Processo Penal, tendo assim violado o disposto nos arts. 292°, n° 1, 69°, n° 1, al. a), 70° e 71° todos do Código Penal, 153°, n° 1 e 158°, n° 1, als. a) e b), ambos do Código da Estrada e o Decreto Regulamentar n° 24/98 de 30 de Outubro. 5) Atenta a taxa de álcool que resultou do citado exame – 1,24 g/1 – e os restantes factos considerados provados na sentença recorrida, mostram-se preenchidos os elementos do tipo legal de crime pelo qual o arguido se encontrava acusado. 6) As penas, principal e acessória, a aplicar deverão respeitar as necessidades de prevenção geral e especial, bem como a medida da culpa do agente, nos termos do disposto nos arts. 40°, 70° e 71° do Código Penal. 7) Em face da matéria apurada em audiência de julgamento, bem como, atendendo ás necessidades de prevenção geral e especial, à medida da culpa do arguido, ao facto de o mesmo não ter antecedentes criminais registados, mostra-se adequada a aplicação ao mesmo de uma pena não inferior a 60 dias de multa e de uma sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor correspondente a 3 meses. 8) Face ao disposto no artigo 47°, n° 2 do Código Penal, tendo em conta a matéria factual relativa à situação económica e financeira do arguido dada como provada na sentença recorrida, o montante diário da pena de multa aplicada deverá ser fixado num quantitativo equivalente ao mínimo legal de € 6,00 (seis euros). 9) Face a tudo o que se deixou exposto deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que condene o arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual vinha acusado na pena e sanção acessória, pelo menos, nas medidas supra indicadas. 3. O arguido não apresentou resposta. 4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pugnando pelo provimento do recurso, com os seguintes fundamentos (transcrição): “A questão posta na motivação de recurso interposto pelo M.P. em 13-7-2009, em que é recorrido o arguido B………., da sentença de fls. de fls. 21 a 24, proferida, notificada ao M.P. e ao arguido em 22-6-2009 e depositada em 1-7-2009, que decidiu absolver, por julgar improcedente a acusação, aquele arguido da prática de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292 n° 1 e 69 n° 1 al. a) do C.P., imputado na acusação do M.P. é idêntica à colocada já em dezenas de recursos nesta Relação, que é a de saber se é legal o Juiz de julgamento poder, sem que a acusação ou defesa tenha requerido ou proposto, alterar, com os reflexos inerentes nos factos provados referentes ao grau de álcool (alcoolemia) e na qualificação jurídica desses factos, o resultado constante do talão de registo da TAS verificada na realização de teste quantitativo de grau de álcool no sangue de condutor de veículo efectuado com aparelho legalmente aprovado, testado e certificado pela autoridade competente, mesmo quando o arguido confessa os factos da acusação – onde é descrita a TAS inscrita no talão – não requereu contra-prova nem põe em causa o estado, a aprovação e a certificação do aparelho de medida e sem que tenha sido produzida prova de que a medição efectuada pelo aparelho está errada e quando o julgador funda a sua convicção para dar provados os factos na confissão do arguido desses factos e no dito talão. A Relação do Porto está dividida quanto à solução correcta dessa questão, havendo numerosos acórdãos num sentido e no outro, isto é, no sentido defendido na decisão recorrida e no sentido oposto, o sustentado na motivação do presente recurso, conforme resulta à saciedade quer da sentença recorrida, quer da motivação, onde são elencados alguns dos acórdãos que sufragam cada uma das posições. A nossa opinião é no sentido de que a interpretação defendida na motivação de recurso é a única correcta e pelos fundamentos aí expressos, com os quais estamos de acordo, opinião que temos mantido em todos os processos em que a mesma questão foi posta sobre a qual emitimos parecer, não vendo nós razões para alterar o entendimento que sempre defendemos. Assim, entendemos que deve ser dado provimento ao recurso. Repare-se que o resultado a que conduz uma decisão como a recorrida é o da mais completa impunidade do infractor, que é absolvido não só do crime, que cometeu efectivamente, mas também da contra-ordenação estradal muito grave, que também cometeu efectivamente, atentos os factos dados como provados na sentença, um e outra passíveis da sanção pecuniária (pena de multa e coima, respectivamente) e de proibição/inibição de conduzir veiculos motorizados, sanção insusceptivel de suspensão na execução num e noutro caso”. 5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. Pleno STJ nº 7/95, de 19/10/95, DR I Série A de 28/12/95. No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações do recurso, as questões que se suscitam reportam-se: - À impugnação alargada da matéria de facto da decisão recorrida, de molde a que fique consignado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/, o que se prende com o valor probatório atribuído à confissão livre, integral e sem reservas, feita pelo arguido em audiência de julgamento, mormente se abrange a integralidade dos factos que lhe são imputados, em que se inclui o valor da TAS constante do talão do alcoolímetro; - À existência de erro notório na apreciação da prova, por ser inadmissível descontar à concreta TAS aferida pelo alcoolímetro que procedeu à medição do álcool no sangue do recorrido, o valor do erro máximo admissível previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. - Aplicação ao arguido de uma pena de multa não inferior a 60 dias, à taxa diária de seis euros e sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 3 meses. 2. A Decisão Recorrida O Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos (transcrição): ● “No dia 20.06.2009, pelas 00h41, na Rua ………., ………., Vila Nova de Famalicão, o arguido foi interceptado quando conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-BO, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de 1,14 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível. ● O arguido, que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, não ignorava que não podia conduzir veículos automóveis no estado em que se encontrava. ● Agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida. ● O arguido confessou os factos que lhe vêm imputados, mostrando-se arrependido. ● Como cantoneiro, aufere o rendimento mensal de 500,00 €. ● É casado, a sua esposa encontra-se de baixa médica há cerca de um ano, e tem uma filha menor. ● Vive em casa dos pais, sendo que os mesmos são reformados. ● Conduz habitualmente nas suas deslocações para o trabalho e ainda na sua vida privada. ● Como habilitações possui o 6° ano de escolaridade. ● Não possui antecedentes criminais. ● O arguido efectuou exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado no aparelho Drager mod.7110MKIII P, aprovado pela DGV conforme despacho n°.12594/07, de 16-3”. Factos alguns foram dados como não provados. Fundamentou a formação da sua convicção o tribunal a quo nos seguintes termos (transcrição): “Relativamente aos factos provados e não provados, baseou o tribunal a sua convicção: - no teor e análise dos documentos juntos aos autos, designadamente, de fls. 2, 8 e 13, conjugado com a tabela de margens de erro constantes da Portaria 1556/2007, de 10/12 - no teor das declarações prestadas pelo arguido em audiência, descrevendo o sucedido, confessando os factos, no sentido de que efectivamente bebeu e sabia que não devia conduzir depois de ter bebido, demonstrando-se arrependido da sua actuação, e elucidando ainda o tribunal quanto a alguns aspectos da sua actual situação pessoal. Teve-se ainda em conta o CRC existentes nos autos. Ora, tais documentos e declarações, analisados critica e conjugadamente, e sendo o valor registado da taxa de álcool de 1,14 gr./I. deduzido do valor de erro máximo admissível - em conformidade com o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n°.1556/2007, de 10-12 (por aplicação da percentagem máxima de EMA, já que o valor registado e obtido através do aparelho referido em 11., constante do registo de medição de fls. 8, contrariamente ao que também estabelece tal portaria, não contém, por exemplo, a data da última verificação metrológica) -, levaram a que o tribunal se convencesse quanto aos factos que apurou”. São os seguintes os fundamentos de direito e decisão (transcrição): “Vem o arguido acusado por factos susceptíveis de o constituírem, em autoria material, na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292°, IV 1 do C.P. Dispõe o art.292°, n°.1 do C.P. que "quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/I., é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”. Ora, em face dos factos provados e supra descritos e das disposições legais referidas, forçoso é concluir que não se encontra preenchida a tipicidade objectiva e subjectiva do crime pelo qual vem acusado o arguido, pois que, desde logo, não se apurou que o arguido tivesse conduzido então o veículo supra referido com uma TAS igual ou superior a 1,2 gr./I., atendendo ao valor da TAS deduzido do valor de EMA, donde resulta uma TAS de, pelo menos, 1,14 gr./I., ou seja, inferior à que o C.P. estipulou como limite mínimo para configurar a conduta como criminalmente punível. E não se diga, salvo o devido respeito, que ao tribunal está vedada a aplicação da referida margem de EMA, designadamente, em casos como o presente, em que o arguido confessou os factos. É que, por um lado, a confissão dos arguidos só pode ser entendida como uma confissão de factos, da realidade susceptível de simples percepção (in casu, a constatação de que, efectuado o teste, este deu o resultado que do talão consta, independentemente da sua fiabilidade ou correcção), e não já uma confissão que abranja qualquer tipo de medição, constatação ou juízo técnico. Por outro lado, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n°.1556/2007, de 10-12, é exactamente aquele que regula a própria definição, aprovação, verificação, requisitos e erros máximos admissíveis dos aparelhos/alcoolímetros, como aquele que in casu foi usado para a detecção da TAS. Ou seja, entendemos que a aplicação do EMA se impõe, tanto como se impõe, e por isso se admite, o uso de tais aparelhos – como aparelhos de medição técnica legalmente reconhecidos - para a detecção da taxa de álcool, pelo que, a não aplicação do EMA constante da referida Portaria só poderia então implicar que não se atribuísse, de igual modo, qualquer relevo ao próprio registo da TAS efectuado por tal tipo de aparelhos (havendo então que considerar apenas como reconhecível e, também apenas em princípio fiável, por exemplo, o exame efectuado através da recolha de sangue – e mesmo este se efectuado pois de forma e em correctas condições). Por último, acrescente-se que, sendo certo que o EMA constante do anexo à referida Portaria implica que tal erro tanto pode ser para valores maiores como menores, tal não significa que o tribunal não deva aplicar o EMA no sentido em que o fez, ou seja, deduzindo o EMA à taxa registada, pois que, estando nós no domínio do direito penal, como se escreveu no Ac.R.P. de 28-5-2008 (in www.dosi.pt) "(...) se sabemos que o erro existe e qual é (mas entre duas margens: mínimo e máximo), cremos que o que há a fazer é só corrigi-lo usando (porque em direito sancionatório) a certeza do erro mínimo (porque cientificamente não é possível eliminá-lo)". Assim, porque o arguido conduzia o veículo referido em 1. com uma taxa de álcool no sangue cujo valor, deduzido o EMA, é inferior a 1,2 gr./I, a sua conduta não pode concluir-se como integradora da tipicidade do crime p. e p. pelo art.292°, n°.1 do C.P., pelo que nada mais resta a este tribunal senão absolvê-lo da sua prática. - Pelo exposto e sem mais considerações, decide-se julgar improcedente a acusação e, em consequência: - absolve-se o arguido B………. da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual vinha acusado”. Apreciemos. Os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito (artigo 428º, do CPP). Nos termos do artigo 431°, do mesmo diploma legal, sem prejuízo do disposto no artigo 410°, a decisão do tribunal de lª instância sobre matéria de facto pode ser alterada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do artigo 412°, n° 3, do CPP. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP., no que se denomina de “revista alargada” ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal. Na “revista alargada”, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2, do artigo 410º, nos termos que infra melhor se explicitará. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre confinada aos limites fornecidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Tal recurso não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados – cfr. Ac. STJ de 29/10/08, Proc. nº 07P1016 e Ac. STJ de 20/11/08, Proc. nº 08P3269, in www.dgsi.pt. A primeira vertente do recurso prende-se com a impugnação alargada da decisão em matéria de facto. O recorrente insurge-se contra a decisão de facto que deu como provada a taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l, indicada no auto de notícia, mas fazendo-a corresponder à taxa de 1,14 g/l, após dedução do erro máximo admissível e chama à colação a ponderação do documento de fls. 8 e a confissão integral e sem reservas do arguido, afirmando que deveria ter sido dado como provado que o arguido conduziu o veículo “(…) afectado por uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l”. Vejamos então se tendo o arguido confessado integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados, deveriam ser dados como provados todos aqueles factos, nomeadamente o valor da TAS constante do talão do alcoolímetro. Da acta da audiência de julgamento consta que o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados e que perguntado pela Mmª Juiz, disse que tal confissão era feita de livre vontade, fora de qualquer coacção, integral e sem reservas. Face à confissão, o tribunal a quo decidiu, nos termos do nº 2, do artigo 344º, do CPP, não dever ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados, passando de imediato às alegações orais. O M.P. imputava ao arguido, essencialmente, ter sido interceptado no dia 20/06/09, pelas 00.41 horas, na Rua ………., ………., Vila Nova de Famalicão, conduzindo o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-BO, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, sendo que, havendo voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, não ignorava que não podia conduzir veículos automóveis no estado alcoolizado em que se encontrava. O tribunal recorrido deu como provado, na parte que interessa para a decisão, que no dia 20/06/2009, pelas 00.41 horas, na Rua ………., ………., Vila Nova de Famalicão, o arguido foi interceptado quando conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-B0, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de 1,14 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissivel. Deu ainda como provado que o arguido havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, não ignorava que não podia conduzir veículos automóveis no estado em que se encontrava, que agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e confessou os factos que lhe são imputados. Motivou a sua convicção quanto aos factos provados no teor e análise dos documentos juntos aos autos a fls. 2, 8 e 13, conjugados com a tabela de margens de erro constantes da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, no teor das declarações prestadas pelo arguido em audiência, descrevendo o sucedido, confessando os factos, no sentido de que efectivamente bebeu e sabia que não devia conduzir depois de ter bebido, demonstrando-se arrependido da sua actuação, e elucidando ainda o tribunal quanto a alguns aspectos da sua actual situação pessoal. Mais acrescentou o tribunal recorrido, elucidando cabalmente o processo de formação da sua convicção, que tais documentos e declarações, analisados crítica e conjugadamente e sendo o valor registado da taxa de álcool de 1,14 g/l. deduzido do valor de erro máximo admissível, de acordo com o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n°1556/2007, de 10/12 (por aplicação da percentagem máxima de EMA, já que o valor registado e obtido através do alcoolímetro, constante do registo de medição de fls. 8, contrariamente ao que também estabelece tal portaria, não contém, por exemplo, a data da última verificação metrológica) -, levaram a que o tribunal se convencesse quanto aos factos que apurou. Ora, cumpre apurar qual o alcance da confissão efectuada pelo arguido em audiência e mormente se ela, sendo integral e sem reservas, tem o mérito de abranger todos os factos imputados, designadamente a TAS de 1,24 g/l indicada no talão do alcoolímetro após realização do teste de detecção da taxa de álcool no sangue, no dia 20/06/09, em seguida à intercepção pelas autoridades policiais. Nos termos do estabelecido no artigo 140º, nº 2, do CPP, “Às declarações do arguido é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 128º e 138º, salvo quando a lei dispuser de forma diferente”, consignando-se no nº 1, do artigo 128º que “A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova”. Como se salienta no Ac. R. Porto de 26/11/08, Proc. nº 0812537, da conjugação destes dois normativos ressalta que, quer as declarações do arguido, quer o depoimento das testemunhas, só assumem relevância em relação aos factos que sejam do conhecimento daquele que os relata, sendo que outro entendimento é susceptível de conduzir a que a verdade material, cuja descoberta o processo penal visa alcançar, pudesse ser alicerçada na confissão de factos não verdadeiros ou cuja veracidade o arguido não tivesse capacidade para afirmar por ultrapassarem aquilo que é capaz de apreender. Em consequência, “os limites da capacidade cognitiva individual serão também os limites daquilo que, de forma juridicamente relevante, pode ser declarado ou deposto – e, portanto, também confessado. A contrario, tudo o que esteja para além desses limites ou constitui declaração ou depoimento irrelevante, não podendo valer mais do que uma mera opinião, ou constitui raciocínio lógico-dedutivo que, se pertinente, o tribunal também terá de fazer e de forma autónoma”. O arguido tinha efectivamente conhecimento (porque compreendidos tais factos nos limites da sua capacidade cognitiva) de que estava a conduzir um veículo automóvel ligeiro de passageiros na via pública, em Vila Nova de Famalicão, pelas 00.41 horas, de que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de exercer a condução, de que foi fiscalizado pelos agentes da autoridade e por eles submetido a teste de detecção e quantificação de álcool no sangue, por meio de analisador quantitativo e que este indicou uma TAS de 1,24 g/l e sobre tal se tem de entender que versou a sua confissão. Contudo (e como melhor se explicitará infra) a circunstância de o alcoolímetro indicar uma certa TAS não significa que quem foi submetido ao teste necessariamente seja portador dessa exacta TAS e, novamente seguindo o aresto supra citado, “ultrapassando obviamente as capacidades cognitivas do arguido, como de qualquer ser humano, a determinação da concreta TAS de que era portador – resultado que só é alcançável, pelo menos com o rigor exigível, através de exame realizado mediante a utilização de aparelho próprio para o efeito – não podia ele validamente confessar um facto que não podia conhecer”. Carecendo, pois, o arguido do conhecimento da TAS de que na realidade era portador, mas apenas estando ciente da indicada pelo aparelho em que realizou o teste, a confissão que efectuou só pode abranger esta. Para que o julgador forme a sua convicção no que tange à concreta TAS de que o arguido era portador, terá de atender à confissão, com os limites referidos e ao conjunto da demais prova produzida, em que se inclui o talão emitido pelo alcoolímetro e apreciá-la de acordo com os princípios e regras probatórias vigentes no processo penal. Foi na verdade o que realizou o tribunal recorrido, pois atendeu à TAS indicada no talão do alcoolímetro junto aos autos a fls. 8 deduzindo-lhe o valor de EMA, obtendo desta forma o valor da TAS de 1,14 g/l que veio a ser dado como provado. Suscita-se então a problemática da admissibilidade ou inadmissibilidade legal do desconto na concreta TAS aferida pelo alcoolímetro que procedeu à medição do álcool no sangue do recorrido, do valor do erro máximo admissível previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, de que resultará, na tese do recorrente, o vício de erro notório na apreciação da prova. Estabelece-se no artigo 410º, nº 2, do CPP. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: 1) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – alínea a); 2) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – alínea b); 3) Erro notório na apreciação da prova – alínea c). Estes vícios, que são de conhecimento oficioso, têm, em qualquer das suas modalidades, de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pag. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Editorial Verbo, 2ª ed., pag. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, 6ª ed., pags. 77/78 e Acs. STJ de 05/06/08, Proc. nº 06P3649 e de 14/05/09, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in www.dgsi.pt. O vício de “erro notório na apreciação da prova”, verifica-se quando um homem médio, colocado perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. No fundo, em divergência com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido). Este erro igualmente ocorre quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. Já não se inclui no erro notório na apreciação da prova a discordância que os recorrentes possam ter em relação à livre valoração da matéria de facto produzida em audiência, realizada pelo julgador de acordo com o estabelecido no artigo 127º, do Código de Processo Penal. Vejamos então. Da análise do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, não resulta que esteja ela viciada de erro notório na apreciação da prova, porquanto mostra-se fundamentada, de forma límpida e cristalina, entendível perfeitamente pelo homem médio, a razão de na factualidade provada se ter feito constar que o arguido foi interceptado quando conduzia veículo automóvel apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de 1,14 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível. Na verdade, nela, como expressamente se consigna, ponderou-se o teor do auto de notícia e do talão do alcoolímetro onde o arguido realizou o teste de quantificação de álcool no sangue, conjugado com a tabela de margens de erro constantes da Portaria nº 1556/07, de 10/12 e bem assim com a confissão do arguido, no sentido de que efectivamente bebeu e sabia que não devia conduzir depois de ter bebido (e evidentemente que se está a referir à ingestão de bebidas alcoólicas). Mas, acrescenta-se ainda na sentença, que tais documentos e declarações (do arguido, entenda-se), analisados crítica e conjugadamente e sendo o valor registado da taxa de álcool de 1,14 g/l deduzido do valor de erro máximo admissível – em conformidade com o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/07, de 10/12 (por aplicação da percentagem máxima de EMA, já que o valor registado e obtido através do alcoolímetro, constante do registo de medição de fls. 8 (talão), contrariamente ao que também estabelece tal portaria, não contém a data da última verificação metrológica) – levaram a que o tribunal se convencesse dos factos que apurou. Apresenta-se, assim, claramente inteligível a discrepância em relação ao que consta do talão de fls. 8. Mas a problemática em análise apresenta-se, também na vertente de violação das regras sobre o valor da prova vinculada, na medida em que, se se considerar que o teste de detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue se integra neste tipo de prova e posto que se presume subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial, conforme estabelecido no artigo 163º, nº 1, do CPP, a divergência não fundamentada da convicção do julgador relativamente ao juízo contido no parecer dos peritos (nº 2, da mesma disposição legal), consubstancia um erro notório na apreciação da prova. A questão do desconto dos EMA apresenta-se controvertida e tem sido objecto de decisões judiciais divergentes, perfilando-se duas correntes em presença. Uma dessas correntes sustenta não ser de efectuar o desconto do valor do “erro máximo admissível” na TAS registada no alcoolímetro que procedeu à medição e tem acolhimento, entre outros, no Ac. R. de Coimbra de 12/12/07, Proc. nº 110/07.3GTCTB.C1, de 30/01/08, Proc. nº 91/07.3PANZN.C1, de 11/11/08, Proc. nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/124202" target="_blank">62/08.2GBPNH.C1</a> e de 10/12/08, Proc. nº 17/07.4PANZR; Ac. R. Lx. de 03/10/07, Proc. nº 4223/07-3, de 20/02/08, Proc. nº 183/2008-3; Ac. R. Porto de 08/04/08, Proc. nº 1491/08-5 e Ac. R. Porto de 14/01/09, Proc. nº 0815205, todos em www.dgsi.pt. A outra corrente entende que essa dedução se impõe e nas suas fileiras militam, também a título apenas meramente enunciativo, os Acs. R. Porto de 19/12/07, Proc. nº 000040884; de 02/04/08, Proc. nº 479/08; de 07/05/08, Proc. nº 0810922, de 28/05/08, Proc. nº 0811347 e ainda de 26/11/08, Proc. nº 0812537; Acs. R. Coimbra de 09/01/08, Proc. nº 15/07.1PAPBL-C1 e Proc. nº 426/04.6TSTR.C1; Ac. R. Guimarães de 26/02/07, Proc. nº 2602/06.2; Ac. R. Lx. de 07/05/08, Proc. nº 2199/08-3 e bem assim o voto de vencido do Desembargador João Latas no Ac. R. Évora de 01/07/08, Proc. nº 2699/07-1, todos em www.dgsi.pt. Nos termos do nº 1, do artigo 81º, do Código da Estrada, é proibido conduzir sob influência de álcool, sendo que se considera nesse estado, conforme preceitua o nº 2 da mesma disposição, o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no mesmo Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico, consignando-se ainda que a conversão dos valores do teor do álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue – nº 3. Por sua vez, no artigo 292º, do Código Penal, tipifica-se como infracção criminal a condução de veículo, com ou sem motor, pelo menos negligentemente, em via pública ou equiparada, por quem tiver uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. Para que se preencha este elemento objectivo do mencionado tipo legal de crime (taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l) importa, assim, determinar a concreta taxa de alcoolemia de que o condutor é portador. Por remissão do nº 1, do artigo 158º, do Código da Estrada, regem quanto aos meios e procedimentos relativos a detecção e comprovação do estado de influenciado pelo álcool, o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10/12 e a Portaria nº 902-B/2007, de 13/08. No artigo 1º, do Regulamento de Fiscalização, enunciam-se os meios de detecção e medição da taxa de álcool no sangue, designadamente, analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou análise de sangue, consignando-se no artigo 14º que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sendo que prévia a esta aprovação se exige a homologação de modelo, da competência do Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007 de 10/12, define o que se entende por alcoolímetros, consignando que são “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (artigo 2º, nº 1), enuncia como seus requisitos que “deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação OIML R 126” (artigo 4º) e que compete ao Instituto Português da Qualidade, I.P. – IPQ o seu controlo metrológico, que compreende as operações de aprovação de modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária (artigo 5º). O artigo 8º, do mesmo diploma legal, reporta-se aos “erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE” consagrando-se que “são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”, sendo o quadro referido o seguinte: Com interesse para a questão em análise temos ainda o nº 2, do artigo 9º, segundo o qual “os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica”. Na Portaria nº 902-B/2007, de 13/08, especificam-se as características técnicas, gerais e físicas a que devem obedecer os analisadores quantitativos, entre elas, que os referidos instrumentos devem “cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros” e “usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o factor fixado no nº 3 do artigo 81º, do Código da Estrada”. Em artigo intitulado “A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, datado de 28/04/2008, disponível em www.ipq.pt, António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, respectivamente Director do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ, manifestaram-se no sentido de que: “Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição) o valor da indicação se encontra” acrescentando ainda que “a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da Aprovação de Modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas adequadas, de forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos EMA prescritos no respectivo regulamento”. Referem ainda os mesmos autores que “a definição, através da Portaria 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais”. Mais acrescentam que “a operação de adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA”. Contudo, do teor deste artigo e mormente dos excertos que respingamos, não resulta, em nosso entender, necessariamente, que esteja defeso considerar a necessidade de o Tribunal fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição para reduzir ao máximo o erro entre ao resultado do exame e a realidade. Como se salienta no Ac. R. Porto de 04/11/09, Proc. nº 643/07-1PBMAI.P1 (segundo pensamos ainda inédito) “ainda que se possa aceitar que o erro existente é um erro legalmente previsto, a leitura final, embora legal, não é garantida como a real. E se a margem de erro legalmente admissível é levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites daquelas margens de erro, ainda que se admita mesmo que a incerteza se aproxime do grau zero, sendo certo que, perante a medição, o julgador terá de admitir sempre como provável a hipótese daquele resultado estar próximo do limite mínimo ou do limite máximo, da dita margem de erro”. Na verdade, “tecnicamente, não está explicado e temos dúvidas que o possa ser, em que termos o acto da calibração elimina ou reduz praticamente a zero, a dita margem de erro, no acto da medição ou realização do teste” e desde logo porque o alcoolímetro “ao efectuar cada uma das medições, dará uma resposta em função do álcool contido no ar expirado, o que pode significar que a cada medição corresponda um resultado diferente”. Do artigo supra mencionado parece resultar que ao ser calibrado o aparelho, este fica apto a, perante a quantidade de álcool do ar expirado, efectuar logo a “correcção” ou “dedução”, tendo em conta a margem de erro admissível. Surge então, no desenvolvimento deste raciocínio, pertinente a questão: como é possível o aparelho efectuar uma “correcção” de determinada percentagem de margem de erro (por exemplo de 30%) ao ser realizado um teste a um condutor, para logo de seguida proceder a uma “correcção” de apenas 0,5% em teste ao condutor seguinte? Na esteira deste aresto, entendemos que não se mostra demonstrado que efectivamente seja possível calibrar o alcoolímetro de molde a efectuar essas correcções e, nessa medida, aqui se ancora a dúvida inamovível quanto à existência e concreta expressão do desvio entre o valor indicado no instrumento de medida e o valor real, o que conduz a que necessariamente se tenha de proceder ao desconto do valor do erro máximo admissível indicado no quadro anexo à Portaria nº 1556/2007 no valor de TAS registado no talão emitido pelo alcoolímetro, desde logo por imposição do princípio in dubio pro reo”. Na verdade, encontrando-se a aprovação de modelo e a certificação de cada aparelho na primeira verificação e nas verificações seguintes sujeitas à não ultrapassagem das margens de erro admissível fixadas no quadro anexo mencionado, o tribunal não pode estar seguro de que o condutor submetido ao teste, em cada caso concreto, tenha tripulado o veículo com a exacta taxa de álcool indicada pelo aparelho. Porém, como se destaca no Ac. R. Lx. de 07/05/08, Proc. nº 2199/08-3, se o aparelho se encontra aprovado, se foi sujeito à verificação periódica e está a funcionar regularmente, o tribunal tem todas as razões para ter por seguro, “para além de qualquer dúvida razoável”, que o examinado tinha a taxa de álcool que resulta da subtracção da margem de erro máximo admissível ao valor indicado pelo aparelho. No caso em apreço, cumpre ainda considerar que, ao contrário do exigido pelo nº 2, do artigo 9º, da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, o registo da medição não contém a data da última verificação metrológica, como bem foi ponderado pelo tribunal a quo na sentença recorrida, pelo que também se não mostra garantido o bom funcionamento e fiabilidade do alcoolímetro. Acresce que a medição da taxa de álcool no sangue, o teste realizado com o alcoolímetro, não constitui prova pericial, porquanto não exige especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, apresentando-se antes como um exame, não obstante ser efectuado por aparelho tecnologicamente sofisticado, pelo que o resultado do teste não pode ser considerado prova vinculada. Como se salienta no Ac. R. de Coimbra de 09/01/08, Proc. nº 15/07.1PAPBL-C1, “os exames (artigo 171º, do Código de Processo Penal), mais não são do que meios através dos quais se captam indícios relativos à prática de uma infracção e que tanto podem ser realizados em pessoas e lugares, como em coisas, quer por mera observação, quer pela utilização de aparelhos ou mecanismos. No caso dos exames, na ausência de norma expressa, a regra de apreciação da prova é a prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, isto é, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador” Assim, ao proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro, naquele por este indicado, não violou o tribunal recorrido disposição legal alguma, apenas apreciou a prova de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção, conforme estabelecido no artigo 127º, do CPP. Do explanado resulta a inexistência de qualquer erro notório na apreciação da prova que justifique a alteração da decisão recorrida. Face ao exposto, a pretensão do Ministério Público de que o arguido seja condenado pela prática do crime, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, não pode deixar de ser considerada improcedente, ficando prejudicada a questão da aplicação ao arguido da pena de multa e sanção acessória de proibição de conduzir. Contudo, conforme estabelecido no artigo 77º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 21/10, o tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime, prevendo-se neste normativo exactamente a situação em que a acusação foi deduzida por crime e no julgamento se apura que os factos constituem apenas infracção contra-ordenacional. Estando em causa uma taxa de álcool no sangue de 1,14 g/l, o tribunal a quo deveria ter condenado o arguido pela prática da contra-ordenação muito grave (artigo 146º, alínea j), do Código da Estrada, que integra a sua conduta. Em consequência, a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que, apreciando a responsabilidade contra-ordenacional do arguido, lhe aplique, se for o caso, as sanções correspondentes. III - DISPOSITIVO Nestes termos, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, determinando, porém, que o tribunal de 1ª instância, em face da matéria de facto provada, aprecie a eventual responsabilidade contra-ordenacional do arguido. Sem tributação. Porto, 9 de Dezembro de 2009 (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP) Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição Jorge Manuel Baptista Gonçalves
RECURSO Nº 531/09.7GAVNF.P1 Proc. nº 531/09.7GAVNF, do .º Juízo de Competência Criminal, do TJ de Vila Nova de Famalicão Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 531/09.7GAVNF, do .º Juízo de Competência Criminal, do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, em processo sumário, foi o arguido B………. absolvido, por sentença de 22/06/09, da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusado. 2. O Ministério Público não se conformou com essa absolvição e dela interpôs recurso, impetrando a revogação parcial da sentença recorrida no tocante à matéria de facto dada como provada e prolacção de decisão que condene o arguido em pena de multa e sanção acessória, pelo menos nos mínimos constantes da sua motivação. Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1) Não estando legalmente estabelecida qualquer margem de erro a atender nos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação da taxa de álcool no sangue, mais não restava ao Tribunal recorrido do que dar como provado que o arguido conduziu o ciclomotor referido nos autos com a TAS de 1,24 g/1, tal como consta dos resultados do exame de pesquisa de tal taxa no ar expirado juntos a fls. 8. 2) Quer consideremos o disposto na Portaria n° 748/94 de 13 de Agosto, quer atentemos no actualmente previsto na Portaria n° 1556/2007 de 10 de Dezembro que agora regulamenta o controle metrológico dos alcoolímetros, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a aplicação das margens de erro nelas previstas se reconduz apenas aos momentos de aprovação e das subsequentes verificações dos alcoolímetros, operações da competência do Instituto Português da Qualidade. 3) Em nenhum dos elementos de prova valorados pelo Tribunal recorrido resulta que a taxa de álcool com que o arguido conduzia fosse diversa da que resulta do exame efectuado – 1,24 g/1 – e, concretamente, que correspondesse ao valor de 1,14 g/1, a que se atendeu na sentença. 4) Ao ter dado como provada e ao ter atentado na referida taxa de 1,14 g/1 padece a sentença recorrida de erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no art° 410°, n° 2, al. c) do Código de Processo Penal, tendo assim violado o disposto nos arts. 292°, n° 1, 69°, n° 1, al. a), 70° e 71° todos do Código Penal, 153°, n° 1 e 158°, n° 1, als. a) e b), ambos do Código da Estrada e o Decreto Regulamentar n° 24/98 de 30 de Outubro. 5) Atenta a taxa de álcool que resultou do citado exame – 1,24 g/1 – e os restantes factos considerados provados na sentença recorrida, mostram-se preenchidos os elementos do tipo legal de crime pelo qual o arguido se encontrava acusado. 6) As penas, principal e acessória, a aplicar deverão respeitar as necessidades de prevenção geral e especial, bem como a medida da culpa do agente, nos termos do disposto nos arts. 40°, 70° e 71° do Código Penal. 7) Em face da matéria apurada em audiência de julgamento, bem como, atendendo ás necessidades de prevenção geral e especial, à medida da culpa do arguido, ao facto de o mesmo não ter antecedentes criminais registados, mostra-se adequada a aplicação ao mesmo de uma pena não inferior a 60 dias de multa e de uma sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor correspondente a 3 meses. 8) Face ao disposto no artigo 47°, n° 2 do Código Penal, tendo em conta a matéria factual relativa à situação económica e financeira do arguido dada como provada na sentença recorrida, o montante diário da pena de multa aplicada deverá ser fixado num quantitativo equivalente ao mínimo legal de € 6,00 (seis euros). 9) Face a tudo o que se deixou exposto deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que condene o arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual vinha acusado na pena e sanção acessória, pelo menos, nas medidas supra indicadas. 3. O arguido não apresentou resposta. 4. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pugnando pelo provimento do recurso, com os seguintes fundamentos (transcrição): “A questão posta na motivação de recurso interposto pelo M.P. em 13-7-2009, em que é recorrido o arguido B………., da sentença de fls. de fls. 21 a 24, proferida, notificada ao M.P. e ao arguido em 22-6-2009 e depositada em 1-7-2009, que decidiu absolver, por julgar improcedente a acusação, aquele arguido da prática de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292 n° 1 e 69 n° 1 al. a) do C.P., imputado na acusação do M.P. é idêntica à colocada já em dezenas de recursos nesta Relação, que é a de saber se é legal o Juiz de julgamento poder, sem que a acusação ou defesa tenha requerido ou proposto, alterar, com os reflexos inerentes nos factos provados referentes ao grau de álcool (alcoolemia) e na qualificação jurídica desses factos, o resultado constante do talão de registo da TAS verificada na realização de teste quantitativo de grau de álcool no sangue de condutor de veículo efectuado com aparelho legalmente aprovado, testado e certificado pela autoridade competente, mesmo quando o arguido confessa os factos da acusação – onde é descrita a TAS inscrita no talão – não requereu contra-prova nem põe em causa o estado, a aprovação e a certificação do aparelho de medida e sem que tenha sido produzida prova de que a medição efectuada pelo aparelho está errada e quando o julgador funda a sua convicção para dar provados os factos na confissão do arguido desses factos e no dito talão. A Relação do Porto está dividida quanto à solução correcta dessa questão, havendo numerosos acórdãos num sentido e no outro, isto é, no sentido defendido na decisão recorrida e no sentido oposto, o sustentado na motivação do presente recurso, conforme resulta à saciedade quer da sentença recorrida, quer da motivação, onde são elencados alguns dos acórdãos que sufragam cada uma das posições. A nossa opinião é no sentido de que a interpretação defendida na motivação de recurso é a única correcta e pelos fundamentos aí expressos, com os quais estamos de acordo, opinião que temos mantido em todos os processos em que a mesma questão foi posta sobre a qual emitimos parecer, não vendo nós razões para alterar o entendimento que sempre defendemos. Assim, entendemos que deve ser dado provimento ao recurso. Repare-se que o resultado a que conduz uma decisão como a recorrida é o da mais completa impunidade do infractor, que é absolvido não só do crime, que cometeu efectivamente, mas também da contra-ordenação estradal muito grave, que também cometeu efectivamente, atentos os factos dados como provados na sentença, um e outra passíveis da sanção pecuniária (pena de multa e coima, respectivamente) e de proibição/inibição de conduzir veiculos motorizados, sanção insusceptivel de suspensão na execução num e noutro caso”. 5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP. 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. Pleno STJ nº 7/95, de 19/10/95, DR I Série A de 28/12/95. No caso em apreço, atendendo às conclusões das motivações do recurso, as questões que se suscitam reportam-se: - À impugnação alargada da matéria de facto da decisão recorrida, de molde a que fique consignado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 1,24 g/, o que se prende com o valor probatório atribuído à confissão livre, integral e sem reservas, feita pelo arguido em audiência de julgamento, mormente se abrange a integralidade dos factos que lhe são imputados, em que se inclui o valor da TAS constante do talão do alcoolímetro; - À existência de erro notório na apreciação da prova, por ser inadmissível descontar à concreta TAS aferida pelo alcoolímetro que procedeu à medição do álcool no sangue do recorrido, o valor do erro máximo admissível previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. - Aplicação ao arguido de uma pena de multa não inferior a 60 dias, à taxa diária de seis euros e sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 3 meses. 2. A Decisão Recorrida O Tribunal Colectivo deu como provados os seguintes factos (transcrição): ● “No dia 20.06.2009, pelas 00h41, na Rua ………., ………., Vila Nova de Famalicão, o arguido foi interceptado quando conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-BO, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de 1,14 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível. ● O arguido, que havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, não ignorava que não podia conduzir veículos automóveis no estado em que se encontrava. ● Agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida. ● O arguido confessou os factos que lhe vêm imputados, mostrando-se arrependido. ● Como cantoneiro, aufere o rendimento mensal de 500,00 €. ● É casado, a sua esposa encontra-se de baixa médica há cerca de um ano, e tem uma filha menor. ● Vive em casa dos pais, sendo que os mesmos são reformados. ● Conduz habitualmente nas suas deslocações para o trabalho e ainda na sua vida privada. ● Como habilitações possui o 6° ano de escolaridade. ● Não possui antecedentes criminais. ● O arguido efectuou exame de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado no aparelho Drager mod.7110MKIII P, aprovado pela DGV conforme despacho n°.12594/07, de 16-3”. Factos alguns foram dados como não provados. Fundamentou a formação da sua convicção o tribunal a quo nos seguintes termos (transcrição): “Relativamente aos factos provados e não provados, baseou o tribunal a sua convicção: - no teor e análise dos documentos juntos aos autos, designadamente, de fls. 2, 8 e 13, conjugado com a tabela de margens de erro constantes da Portaria 1556/2007, de 10/12 - no teor das declarações prestadas pelo arguido em audiência, descrevendo o sucedido, confessando os factos, no sentido de que efectivamente bebeu e sabia que não devia conduzir depois de ter bebido, demonstrando-se arrependido da sua actuação, e elucidando ainda o tribunal quanto a alguns aspectos da sua actual situação pessoal. Teve-se ainda em conta o CRC existentes nos autos. Ora, tais documentos e declarações, analisados critica e conjugadamente, e sendo o valor registado da taxa de álcool de 1,14 gr./I. deduzido do valor de erro máximo admissível - em conformidade com o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n°.1556/2007, de 10-12 (por aplicação da percentagem máxima de EMA, já que o valor registado e obtido através do aparelho referido em 11., constante do registo de medição de fls. 8, contrariamente ao que também estabelece tal portaria, não contém, por exemplo, a data da última verificação metrológica) -, levaram a que o tribunal se convencesse quanto aos factos que apurou”. São os seguintes os fundamentos de direito e decisão (transcrição): “Vem o arguido acusado por factos susceptíveis de o constituírem, em autoria material, na prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292°, IV 1 do C.P. Dispõe o art.292°, n°.1 do C.P. que "quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/I., é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”. Ora, em face dos factos provados e supra descritos e das disposições legais referidas, forçoso é concluir que não se encontra preenchida a tipicidade objectiva e subjectiva do crime pelo qual vem acusado o arguido, pois que, desde logo, não se apurou que o arguido tivesse conduzido então o veículo supra referido com uma TAS igual ou superior a 1,2 gr./I., atendendo ao valor da TAS deduzido do valor de EMA, donde resulta uma TAS de, pelo menos, 1,14 gr./I., ou seja, inferior à que o C.P. estipulou como limite mínimo para configurar a conduta como criminalmente punível. E não se diga, salvo o devido respeito, que ao tribunal está vedada a aplicação da referida margem de EMA, designadamente, em casos como o presente, em que o arguido confessou os factos. É que, por um lado, a confissão dos arguidos só pode ser entendida como uma confissão de factos, da realidade susceptível de simples percepção (in casu, a constatação de que, efectuado o teste, este deu o resultado que do talão consta, independentemente da sua fiabilidade ou correcção), e não já uma confissão que abranja qualquer tipo de medição, constatação ou juízo técnico. Por outro lado, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n°.1556/2007, de 10-12, é exactamente aquele que regula a própria definição, aprovação, verificação, requisitos e erros máximos admissíveis dos aparelhos/alcoolímetros, como aquele que in casu foi usado para a detecção da TAS. Ou seja, entendemos que a aplicação do EMA se impõe, tanto como se impõe, e por isso se admite, o uso de tais aparelhos – como aparelhos de medição técnica legalmente reconhecidos - para a detecção da taxa de álcool, pelo que, a não aplicação do EMA constante da referida Portaria só poderia então implicar que não se atribuísse, de igual modo, qualquer relevo ao próprio registo da TAS efectuado por tal tipo de aparelhos (havendo então que considerar apenas como reconhecível e, também apenas em princípio fiável, por exemplo, o exame efectuado através da recolha de sangue – e mesmo este se efectuado pois de forma e em correctas condições). Por último, acrescente-se que, sendo certo que o EMA constante do anexo à referida Portaria implica que tal erro tanto pode ser para valores maiores como menores, tal não significa que o tribunal não deva aplicar o EMA no sentido em que o fez, ou seja, deduzindo o EMA à taxa registada, pois que, estando nós no domínio do direito penal, como se escreveu no Ac.R.P. de 28-5-2008 (in www.dosi.pt) "(...) se sabemos que o erro existe e qual é (mas entre duas margens: mínimo e máximo), cremos que o que há a fazer é só corrigi-lo usando (porque em direito sancionatório) a certeza do erro mínimo (porque cientificamente não é possível eliminá-lo)". Assim, porque o arguido conduzia o veículo referido em 1. com uma taxa de álcool no sangue cujo valor, deduzido o EMA, é inferior a 1,2 gr./I, a sua conduta não pode concluir-se como integradora da tipicidade do crime p. e p. pelo art.292°, n°.1 do C.P., pelo que nada mais resta a este tribunal senão absolvê-lo da sua prática. - Pelo exposto e sem mais considerações, decide-se julgar improcedente a acusação e, em consequência: - absolve-se o arguido B………. da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez pelo qual vinha acusado”. Apreciemos. Os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito (artigo 428º, do CPP). Nos termos do artigo 431°, do mesmo diploma legal, sem prejuízo do disposto no artigo 410°, a decisão do tribunal de lª instância sobre matéria de facto pode ser alterada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do artigo 412°, n° 3, do CPP. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP., no que se denomina de “revista alargada” ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal. Na “revista alargada”, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2, do artigo 410º, nos termos que infra melhor se explicitará. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre confinada aos limites fornecidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do CPP. Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Tal recurso não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados – cfr. Ac. STJ de 29/10/08, Proc. nº 07P1016 e Ac. STJ de 20/11/08, Proc. nº 08P3269, in www.dgsi.pt. A primeira vertente do recurso prende-se com a impugnação alargada da decisão em matéria de facto. O recorrente insurge-se contra a decisão de facto que deu como provada a taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l, indicada no auto de notícia, mas fazendo-a corresponder à taxa de 1,14 g/l, após dedução do erro máximo admissível e chama à colação a ponderação do documento de fls. 8 e a confissão integral e sem reservas do arguido, afirmando que deveria ter sido dado como provado que o arguido conduziu o veículo “(…) afectado por uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l”. Vejamos então se tendo o arguido confessado integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados, deveriam ser dados como provados todos aqueles factos, nomeadamente o valor da TAS constante do talão do alcoolímetro. Da acta da audiência de julgamento consta que o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas, os factos que lhe são imputados e que perguntado pela Mmª Juiz, disse que tal confissão era feita de livre vontade, fora de qualquer coacção, integral e sem reservas. Face à confissão, o tribunal a quo decidiu, nos termos do nº 2, do artigo 344º, do CPP, não dever ter lugar a produção de prova quanto aos factos confessados, passando de imediato às alegações orais. O M.P. imputava ao arguido, essencialmente, ter sido interceptado no dia 20/06/09, pelas 00.41 horas, na Rua ………., ………., Vila Nova de Famalicão, conduzindo o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-BO, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, sendo que, havendo voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, não ignorava que não podia conduzir veículos automóveis no estado alcoolizado em que se encontrava. O tribunal recorrido deu como provado, na parte que interessa para a decisão, que no dia 20/06/2009, pelas 00.41 horas, na Rua ………., ………., Vila Nova de Famalicão, o arguido foi interceptado quando conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-B0, apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de 1,14 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissivel. Deu ainda como provado que o arguido havia voluntariamente ingerido bebidas alcoólicas, não ignorava que não podia conduzir veículos automóveis no estado em que se encontrava, que agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e confessou os factos que lhe são imputados. Motivou a sua convicção quanto aos factos provados no teor e análise dos documentos juntos aos autos a fls. 2, 8 e 13, conjugados com a tabela de margens de erro constantes da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, no teor das declarações prestadas pelo arguido em audiência, descrevendo o sucedido, confessando os factos, no sentido de que efectivamente bebeu e sabia que não devia conduzir depois de ter bebido, demonstrando-se arrependido da sua actuação, e elucidando ainda o tribunal quanto a alguns aspectos da sua actual situação pessoal. Mais acrescentou o tribunal recorrido, elucidando cabalmente o processo de formação da sua convicção, que tais documentos e declarações, analisados crítica e conjugadamente e sendo o valor registado da taxa de álcool de 1,14 g/l. deduzido do valor de erro máximo admissível, de acordo com o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n°1556/2007, de 10/12 (por aplicação da percentagem máxima de EMA, já que o valor registado e obtido através do alcoolímetro, constante do registo de medição de fls. 8, contrariamente ao que também estabelece tal portaria, não contém, por exemplo, a data da última verificação metrológica) -, levaram a que o tribunal se convencesse quanto aos factos que apurou. Ora, cumpre apurar qual o alcance da confissão efectuada pelo arguido em audiência e mormente se ela, sendo integral e sem reservas, tem o mérito de abranger todos os factos imputados, designadamente a TAS de 1,24 g/l indicada no talão do alcoolímetro após realização do teste de detecção da taxa de álcool no sangue, no dia 20/06/09, em seguida à intercepção pelas autoridades policiais. Nos termos do estabelecido no artigo 140º, nº 2, do CPP, “Às declarações do arguido é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 128º e 138º, salvo quando a lei dispuser de forma diferente”, consignando-se no nº 1, do artigo 128º que “A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto de prova”. Como se salienta no Ac. R. Porto de 26/11/08, Proc. nº 0812537, da conjugação destes dois normativos ressalta que, quer as declarações do arguido, quer o depoimento das testemunhas, só assumem relevância em relação aos factos que sejam do conhecimento daquele que os relata, sendo que outro entendimento é susceptível de conduzir a que a verdade material, cuja descoberta o processo penal visa alcançar, pudesse ser alicerçada na confissão de factos não verdadeiros ou cuja veracidade o arguido não tivesse capacidade para afirmar por ultrapassarem aquilo que é capaz de apreender. Em consequência, “os limites da capacidade cognitiva individual serão também os limites daquilo que, de forma juridicamente relevante, pode ser declarado ou deposto – e, portanto, também confessado. A contrario, tudo o que esteja para além desses limites ou constitui declaração ou depoimento irrelevante, não podendo valer mais do que uma mera opinião, ou constitui raciocínio lógico-dedutivo que, se pertinente, o tribunal também terá de fazer e de forma autónoma”. O arguido tinha efectivamente conhecimento (porque compreendidos tais factos nos limites da sua capacidade cognitiva) de que estava a conduzir um veículo automóvel ligeiro de passageiros na via pública, em Vila Nova de Famalicão, pelas 00.41 horas, de que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes de exercer a condução, de que foi fiscalizado pelos agentes da autoridade e por eles submetido a teste de detecção e quantificação de álcool no sangue, por meio de analisador quantitativo e que este indicou uma TAS de 1,24 g/l e sobre tal se tem de entender que versou a sua confissão. Contudo (e como melhor se explicitará infra) a circunstância de o alcoolímetro indicar uma certa TAS não significa que quem foi submetido ao teste necessariamente seja portador dessa exacta TAS e, novamente seguindo o aresto supra citado, “ultrapassando obviamente as capacidades cognitivas do arguido, como de qualquer ser humano, a determinação da concreta TAS de que era portador – resultado que só é alcançável, pelo menos com o rigor exigível, através de exame realizado mediante a utilização de aparelho próprio para o efeito – não podia ele validamente confessar um facto que não podia conhecer”. Carecendo, pois, o arguido do conhecimento da TAS de que na realidade era portador, mas apenas estando ciente da indicada pelo aparelho em que realizou o teste, a confissão que efectuou só pode abranger esta. Para que o julgador forme a sua convicção no que tange à concreta TAS de que o arguido era portador, terá de atender à confissão, com os limites referidos e ao conjunto da demais prova produzida, em que se inclui o talão emitido pelo alcoolímetro e apreciá-la de acordo com os princípios e regras probatórias vigentes no processo penal. Foi na verdade o que realizou o tribunal recorrido, pois atendeu à TAS indicada no talão do alcoolímetro junto aos autos a fls. 8 deduzindo-lhe o valor de EMA, obtendo desta forma o valor da TAS de 1,14 g/l que veio a ser dado como provado. Suscita-se então a problemática da admissibilidade ou inadmissibilidade legal do desconto na concreta TAS aferida pelo alcoolímetro que procedeu à medição do álcool no sangue do recorrido, do valor do erro máximo admissível previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, de que resultará, na tese do recorrente, o vício de erro notório na apreciação da prova. Estabelece-se no artigo 410º, nº 2, do CPP. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: 1) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – alínea a); 2) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – alínea b); 3) Erro notório na apreciação da prova – alínea c). Estes vícios, que são de conhecimento oficioso, têm, em qualquer das suas modalidades, de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pag. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Editorial Verbo, 2ª ed., pag. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, 6ª ed., pags. 77/78 e Acs. STJ de 05/06/08, Proc. nº 06P3649 e de 14/05/09, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, in www.dgsi.pt. O vício de “erro notório na apreciação da prova”, verifica-se quando um homem médio, colocado perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. No fundo, em divergência com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido). Este erro igualmente ocorre quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. Já não se inclui no erro notório na apreciação da prova a discordância que os recorrentes possam ter em relação à livre valoração da matéria de facto produzida em audiência, realizada pelo julgador de acordo com o estabelecido no artigo 127º, do Código de Processo Penal. Vejamos então. Da análise do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, não resulta que esteja ela viciada de erro notório na apreciação da prova, porquanto mostra-se fundamentada, de forma límpida e cristalina, entendível perfeitamente pelo homem médio, a razão de na factualidade provada se ter feito constar que o arguido foi interceptado quando conduzia veículo automóvel apresentando, na circunstância, uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,24 g/l, correspondente à taxa de 1,14 g/l, deduzido o valor do erro máximo admissível. Na verdade, nela, como expressamente se consigna, ponderou-se o teor do auto de notícia e do talão do alcoolímetro onde o arguido realizou o teste de quantificação de álcool no sangue, conjugado com a tabela de margens de erro constantes da Portaria nº 1556/07, de 10/12 e bem assim com a confissão do arguido, no sentido de que efectivamente bebeu e sabia que não devia conduzir depois de ter bebido (e evidentemente que se está a referir à ingestão de bebidas alcoólicas). Mas, acrescenta-se ainda na sentença, que tais documentos e declarações (do arguido, entenda-se), analisados crítica e conjugadamente e sendo o valor registado da taxa de álcool de 1,14 g/l deduzido do valor de erro máximo admissível – em conformidade com o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/07, de 10/12 (por aplicação da percentagem máxima de EMA, já que o valor registado e obtido através do alcoolímetro, constante do registo de medição de fls. 8 (talão), contrariamente ao que também estabelece tal portaria, não contém a data da última verificação metrológica) – levaram a que o tribunal se convencesse dos factos que apurou. Apresenta-se, assim, claramente inteligível a discrepância em relação ao que consta do talão de fls. 8. Mas a problemática em análise apresenta-se, também na vertente de violação das regras sobre o valor da prova vinculada, na medida em que, se se considerar que o teste de detecção e quantificação da taxa de álcool no sangue se integra neste tipo de prova e posto que se presume subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial, conforme estabelecido no artigo 163º, nº 1, do CPP, a divergência não fundamentada da convicção do julgador relativamente ao juízo contido no parecer dos peritos (nº 2, da mesma disposição legal), consubstancia um erro notório na apreciação da prova. A questão do desconto dos EMA apresenta-se controvertida e tem sido objecto de decisões judiciais divergentes, perfilando-se duas correntes em presença. Uma dessas correntes sustenta não ser de efectuar o desconto do valor do “erro máximo admissível” na TAS registada no alcoolímetro que procedeu à medição e tem acolhimento, entre outros, no Ac. R. de Coimbra de 12/12/07, Proc. nº 110/07.3GTCTB.C1, de 30/01/08, Proc. nº 91/07.3PANZN.C1, de 11/11/08, Proc. nº 62/08.2GBPNH.C1 e de 10/12/08, Proc. nº 17/07.4PANZR; Ac. R. Lx. de 03/10/07, Proc. nº 4223/07-3, de 20/02/08, Proc. nº 183/2008-3; Ac. R. Porto de 08/04/08, Proc. nº 1491/08-5 e Ac. R. Porto de 14/01/09, Proc. nº 0815205, todos em www.dgsi.pt. A outra corrente entende que essa dedução se impõe e nas suas fileiras militam, também a título apenas meramente enunciativo, os Acs. R. Porto de 19/12/07, Proc. nº 000040884; de 02/04/08, Proc. nº 479/08; de 07/05/08, Proc. nº 0810922, de 28/05/08, Proc. nº 0811347 e ainda de 26/11/08, Proc. nº 0812537; Acs. R. Coimbra de 09/01/08, Proc. nº 15/07.1PAPBL-C1 e Proc. nº 426/04.6TSTR.C1; Ac. R. Guimarães de 26/02/07, Proc. nº 2602/06.2; Ac. R. Lx. de 07/05/08, Proc. nº 2199/08-3 e bem assim o voto de vencido do Desembargador João Latas no Ac. R. Évora de 01/07/08, Proc. nº 2699/07-1, todos em www.dgsi.pt. Nos termos do nº 1, do artigo 81º, do Código da Estrada, é proibido conduzir sob influência de álcool, sendo que se considera nesse estado, conforme preceitua o nº 2 da mesma disposição, o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no mesmo Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico, consignando-se ainda que a conversão dos valores do teor do álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue – nº 3. Por sua vez, no artigo 292º, do Código Penal, tipifica-se como infracção criminal a condução de veículo, com ou sem motor, pelo menos negligentemente, em via pública ou equiparada, por quem tiver uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. Para que se preencha este elemento objectivo do mencionado tipo legal de crime (taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l) importa, assim, determinar a concreta taxa de alcoolemia de que o condutor é portador. Por remissão do nº 1, do artigo 158º, do Código da Estrada, regem quanto aos meios e procedimentos relativos a detecção e comprovação do estado de influenciado pelo álcool, o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10/12 e a Portaria nº 902-B/2007, de 13/08. No artigo 1º, do Regulamento de Fiscalização, enunciam-se os meios de detecção e medição da taxa de álcool no sangue, designadamente, analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou análise de sangue, consignando-se no artigo 14º que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sendo que prévia a esta aprovação se exige a homologação de modelo, da competência do Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007 de 10/12, define o que se entende por alcoolímetros, consignando que são “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (artigo 2º, nº 1), enuncia como seus requisitos que “deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação OIML R 126” (artigo 4º) e que compete ao Instituto Português da Qualidade, I.P. – IPQ o seu controlo metrológico, que compreende as operações de aprovação de modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária (artigo 5º). O artigo 8º, do mesmo diploma legal, reporta-se aos “erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE” consagrando-se que “são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”, sendo o quadro referido o seguinte: Com interesse para a questão em análise temos ainda o nº 2, do artigo 9º, segundo o qual “os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica”. Na Portaria nº 902-B/2007, de 13/08, especificam-se as características técnicas, gerais e físicas a que devem obedecer os analisadores quantitativos, entre elas, que os referidos instrumentos devem “cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros” e “usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o factor fixado no nº 3 do artigo 81º, do Código da Estrada”. Em artigo intitulado “A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, datado de 28/04/2008, disponível em www.ipq.pt, António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, respectivamente Director do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ, manifestaram-se no sentido de que: “Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição) o valor da indicação se encontra” acrescentando ainda que “a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da Aprovação de Modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas adequadas, de forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos EMA prescritos no respectivo regulamento”. Referem ainda os mesmos autores que “a definição, através da Portaria 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais”. Mais acrescentam que “a operação de adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA”. Contudo, do teor deste artigo e mormente dos excertos que respingamos, não resulta, em nosso entender, necessariamente, que esteja defeso considerar a necessidade de o Tribunal fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição para reduzir ao máximo o erro entre ao resultado do exame e a realidade. Como se salienta no Ac. R. Porto de 04/11/09, Proc. nº 643/07-1PBMAI.P1 (segundo pensamos ainda inédito) “ainda que se possa aceitar que o erro existente é um erro legalmente previsto, a leitura final, embora legal, não é garantida como a real. E se a margem de erro legalmente admissível é levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites daquelas margens de erro, ainda que se admita mesmo que a incerteza se aproxime do grau zero, sendo certo que, perante a medição, o julgador terá de admitir sempre como provável a hipótese daquele resultado estar próximo do limite mínimo ou do limite máximo, da dita margem de erro”. Na verdade, “tecnicamente, não está explicado e temos dúvidas que o possa ser, em que termos o acto da calibração elimina ou reduz praticamente a zero, a dita margem de erro, no acto da medição ou realização do teste” e desde logo porque o alcoolímetro “ao efectuar cada uma das medições, dará uma resposta em função do álcool contido no ar expirado, o que pode significar que a cada medição corresponda um resultado diferente”. Do artigo supra mencionado parece resultar que ao ser calibrado o aparelho, este fica apto a, perante a quantidade de álcool do ar expirado, efectuar logo a “correcção” ou “dedução”, tendo em conta a margem de erro admissível. Surge então, no desenvolvimento deste raciocínio, pertinente a questão: como é possível o aparelho efectuar uma “correcção” de determinada percentagem de margem de erro (por exemplo de 30%) ao ser realizado um teste a um condutor, para logo de seguida proceder a uma “correcção” de apenas 0,5% em teste ao condutor seguinte? Na esteira deste aresto, entendemos que não se mostra demonstrado que efectivamente seja possível calibrar o alcoolímetro de molde a efectuar essas correcções e, nessa medida, aqui se ancora a dúvida inamovível quanto à existência e concreta expressão do desvio entre o valor indicado no instrumento de medida e o valor real, o que conduz a que necessariamente se tenha de proceder ao desconto do valor do erro máximo admissível indicado no quadro anexo à Portaria nº 1556/2007 no valor de TAS registado no talão emitido pelo alcoolímetro, desde logo por imposição do princípio in dubio pro reo”. Na verdade, encontrando-se a aprovação de modelo e a certificação de cada aparelho na primeira verificação e nas verificações seguintes sujeitas à não ultrapassagem das margens de erro admissível fixadas no quadro anexo mencionado, o tribunal não pode estar seguro de que o condutor submetido ao teste, em cada caso concreto, tenha tripulado o veículo com a exacta taxa de álcool indicada pelo aparelho. Porém, como se destaca no Ac. R. Lx. de 07/05/08, Proc. nº 2199/08-3, se o aparelho se encontra aprovado, se foi sujeito à verificação periódica e está a funcionar regularmente, o tribunal tem todas as razões para ter por seguro, “para além de qualquer dúvida razoável”, que o examinado tinha a taxa de álcool que resulta da subtracção da margem de erro máximo admissível ao valor indicado pelo aparelho. No caso em apreço, cumpre ainda considerar que, ao contrário do exigido pelo nº 2, do artigo 9º, da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, o registo da medição não contém a data da última verificação metrológica, como bem foi ponderado pelo tribunal a quo na sentença recorrida, pelo que também se não mostra garantido o bom funcionamento e fiabilidade do alcoolímetro. Acresce que a medição da taxa de álcool no sangue, o teste realizado com o alcoolímetro, não constitui prova pericial, porquanto não exige especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, apresentando-se antes como um exame, não obstante ser efectuado por aparelho tecnologicamente sofisticado, pelo que o resultado do teste não pode ser considerado prova vinculada. Como se salienta no Ac. R. de Coimbra de 09/01/08, Proc. nº 15/07.1PAPBL-C1, “os exames (artigo 171º, do Código de Processo Penal), mais não são do que meios através dos quais se captam indícios relativos à prática de uma infracção e que tanto podem ser realizados em pessoas e lugares, como em coisas, quer por mera observação, quer pela utilização de aparelhos ou mecanismos. No caso dos exames, na ausência de norma expressa, a regra de apreciação da prova é a prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, isto é, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador” Assim, ao proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro, naquele por este indicado, não violou o tribunal recorrido disposição legal alguma, apenas apreciou a prova de acordo com as regras da experiência e a sua livre convicção, conforme estabelecido no artigo 127º, do CPP. Do explanado resulta a inexistência de qualquer erro notório na apreciação da prova que justifique a alteração da decisão recorrida. Face ao exposto, a pretensão do Ministério Público de que o arguido seja condenado pela prática do crime, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, não pode deixar de ser considerada improcedente, ficando prejudicada a questão da aplicação ao arguido da pena de multa e sanção acessória de proibição de conduzir. Contudo, conforme estabelecido no artigo 77º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 21/10, o tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime, prevendo-se neste normativo exactamente a situação em que a acusação foi deduzida por crime e no julgamento se apura que os factos constituem apenas infracção contra-ordenacional. Estando em causa uma taxa de álcool no sangue de 1,14 g/l, o tribunal a quo deveria ter condenado o arguido pela prática da contra-ordenação muito grave (artigo 146º, alínea j), do Código da Estrada, que integra a sua conduta. Em consequência, a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que, apreciando a responsabilidade contra-ordenacional do arguido, lhe aplique, se for o caso, as sanções correspondentes. III - DISPOSITIVO Nestes termos, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, determinando, porém, que o tribunal de 1ª instância, em face da matéria de facto provada, aprecie a eventual responsabilidade contra-ordenacional do arguido. Sem tributação. Porto, 9 de Dezembro de 2009 (Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP) Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição Jorge Manuel Baptista Gonçalves