I - Os alcoolímetros são sujeitos a calibração porque têm erros, devendo a margem de erro ser considerada quando da aprovação e subsequentes verificações pelo IPQ. II - Se têm erros antes da calibração periódica, resulta evidente que no dia anterior ao da calibração, se foram usados, “declararam” a TAS com uma margem de erro que, por imposição da lei, em benefício da verdade material e do princípio in dubio pro reo, deve ser deduzida ao valor declarado. III - Reduzindo o julgador, em sede de facto, a TAS para um valor inferior a 1,2g/l, deve o arguido ser absolvido da prática do crime por que vinha acusado e ser ordenada a remessa dos autos à Autoridade Administrativa.
Recurso 82/09.0GCAMT.P1 *Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de processo sumário supra identificados, do .º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, o arguido B………., solteiro, nascido a 21 de Março de 1984 na freguesia de ………., Amarante, filho de C………. e D………., residente na Rua ………., ………., Amarante, foi acusado pelo M.º P.º da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292º e 69º do C. Penal. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que: a) Absolveu o arguido da prática de um crime de “Condução de veículo em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art.º 292 do Código Penal; b) Condenou o arguido pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 81º, nº 5, al. b), 146º al. j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada na coima de €1.500 (mil e quinhentos euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses. c) Condenou o arguido nas custas do processo. Não conformado, o arguido interpôs recurso e extraiu das suas 14 páginas de motivação as seguintes conclusões, em 11 páginas (quase se repetia a motivação!...): 1. A M.ª Julgadora absolveu o arguido do crime de condução em estado de embriaguez, de que vinha acusado, tendo, para tal, considerado que o mesmo apresentava uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,17g/l, invocando para o efeito a margem de erro admissível a que alude a Portaria n.° 1556/2007, de 10.12. 2. Porém, e não obstante tal, a M.ª Juiz a quo condenou o arguido pela prática da contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 81°, n.° 5, alínea b), 146°, alínea j) e 147°, n.° 2, todos do Código da Estrada, na coima de € 1.500 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses. 3. Não se encontra verificado o pressuposto definido no artigo 38°, n.° 1 do Regime Geral das Contra-ordenações. 4. Pelo que, a douta sentença violou o disposto nos artigos 81°, n.°s 1 e 5, alínea b), 146°, alínea j), 147°, n.° 2, do C.E., 38°, n.° 1, do RGCC e 381°, do CPP. 5. O que constitui, salvo douta opinião, uma nulidade insanável, nos termos da alínea e), do artigo 119°, e 379°, n.° 1, alínea c), in fine, do CPP. 6. O Tribunal a quo não tem competência para condenar o arguido numa coima e sanção acessória, inexistindo facto que a lei qualifica como crime. 7. Consequentemente, devem os autos ser remetidos para a Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, para os fins tidos por conveniente. 8. A M.ª Juiz a quo, também, condenou o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 UC's, acrescida de 1%, em procuradoria mínima, e nos demais encargos a que a sua actividade tiver dado lugar. 9. Porém, tal viola o disposto no artigo 513°, n.° 1, do CPP, incorrendo, a douta sentença em vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 410°, n.° 2, alínea b), do CPP. SEM PRESCINDIR, 10. A acusação do Ministério Público a fls. não faz qualquer referência à prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 81°, n.°s 1 e 5, alínea b), 146°, alínea j) e 147°, n.° 2, do C.E. 11. O arguido defendeu-se do único crime de que vinha acusado, isto é, o p. e p. no artigo 292°, do CP, e foi condenado na supra mencionada contra-ordenação, que surgiu no momento da leitura da douta sentença. 12. Compulsados os autos, verifica-se que o Ministério Público não acusou o arguido com base na contra-ordenação p. e p. nos artigos 81°, n.° 5, al. b), 146°, alínea j) e 147°, n.° 2, do C.E., e mais se verifica que apesar da alteração da qualificação jurídica não se deu cumprimento ao disposto nos artigos 358° e 359°, do CPP. 13. A M.ª Juiz a quo estava obrigada a comunicar essa alteração de qualificação jurídica ao arguido, não o fez e, em violação das garantias de defesa do arguido, condenou-o por qualificação jurídica diferente da acusação sem dar cumprimento ao disposto nos artigos 358° e 359°, do CP. 14. O arguido não teve a oportunidade de se defender contra tal contra-ordenação. 15. Assim, a douta sentença violou o disposto nos artigos 50°, do DL 433/82, de 27.10; 327°, do CPP e 32°, n.° 5, da CRP. 16. A falta de acusação dessa contra-ordenação e a violação do contraditório do arguido, constituem nulidades insanáveis, nos termos do disposto nas alíneas c) e d), do artigo 119° e 379°, n.° 1, alínea b), do CPP. 17. E, por isso, a Douta Sentença recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 379°, n.° 1, alínea b), do CPP. 18. Nesse sentido, por analogia, veja-se o entendimento recentemente perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de fixação de jurisprudência n.° 7/2008, proc. n.° 07/4449, 25/06/2008. 19. Veja-se ainda a este propósito e entre outros: Ac. STJ, proc. n.° 98P957, 23/06/1999, Ac. STJ, proc. N.° 99P776, 26/01/2000. 20. O Arguido não prestou declarações, arrolou uma testemunha e a sua defesa, quer durante a audiência de julgamento quer nas alegações, baseou-se sumariamente, em três aspectos: ● Primeiro, violação do disposto no n.° 1, do artigo 2.°, da Lei 18/2007, de 17.05, que estabelece o prazo máximo de 30 minutos para efectuar o teste quantitativo para evitar que o resultado dado por aquele teste não correspondesse minimamente à taxa de álcool que eventualmente o arguido trazia aquando do acto da condução. Ora, não foi cumprido tal prazo de 30 minutos, pelo que e salvo douta opinião contrária, não se pode aceitar que o resultado dado pelo talão do aparelho quantitativo, cerca de hora e meia após o resultado do aparelho qualitativo, corresponda à efectiva taxa de álcool no sangue que, eventualmente, o arguido era portador aquando do acto da condução, nem qualquer outro resultado, visto o longo lapso de tempo decorrido, concluindo-se pela absolvição do arguido; ● Segundo e sem prescindir, questionou-se se tal aparelho de medição, que se encontrava noutra esquadra, posto da GNR do concelho do Marco de Canaveses, “Drager, modelo 7110 MK III P, número série ARNA – 0065” estava aprovado e verificado, invocando, para o efeito, o artigo 5° da Portaria 1556/07, de 10.12, enumerando as quatro verificações aí mencionadas; ● Terceiro e ainda, sem prescindir, questionou-se, a fiabilidade do analisador quantitativo, invocando os EMA (erros máximos admissíveis) previstos no artigo 8.° da Portaria 1556/2007. Pelo que, no caso sub judice, a margem de erro da TAS seria de 8%, ora, em virtude do princípio in dúbio pró reo, deve ser descontado tal margem de erro na TAS constante do ticket, e assim a TAS seria somente de 1,16 g/l e não 1,26 g/l, ou seja, um resultado inferior a 1,20 g/l exigida como requisito objectivo do tipo legal de crime previsto no artigo 292°, do CP, pelo que, o tipo legal de crime de condução em estado de embriaguez não se encontra preenchido, levando a absolvição do arguido. 21. A M.ª Juiz a quo ao proferir a Douta Sentença, ignorou por completo os dois primeiros aspectos da defesa do arguido e só se pronunciou quanto à última. 22. Assim, a sentença recorrida enferma de nulidade decorrente de omissão de pronúncia, prevista no artigo 379°, n° 1, alínea c), do CPP. 23. Quanto à defesa do arguido com base na violação do disposto no n.° 1, do artigo 2°, da Lei 18/2007, de 17.05, aponta-se também para a falta de prova da efectiva taxa de álcool no sangue do arguido. 24. O importante é determinar a efectiva taxa de álcool no sangue que o mesmo era portador aquando do acto de condução. 25. Para a decisão da presente causa, salvo douta opinião contrária, é relevante saber qual: a) a hora em que o mesmo conduzia o seu veículo automóvel; b) o resultado fornecido pelo exame efectuado quase a seguir à condução; e c) a hora em que o teste quantitativo, aqui em causa, (Drager) foi realizado. 26. A M.ª Juiz a quo deu como provado na fundamentação de facto que: “1. No dia 9 de Abril de 2009, pelas 20h05, na Rua ………., ………., Amarante, o arguido conduzia o veículo automóvel.... 2. Tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool através de alcoolímetro, marca Drager, modelo 7110 MK III P, número série ARNA - 0065, acusou uma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l”. 27. Determinou, ainda, que resultou provado para a decisão da causa que: “Nas circunstâncias de tempo e lugar em 1 e 2 da factualidade provada a taxa de álcool no sangue do arguido era efectivamente de 1,26 g/l”. 28. A Douta Sentença ora recorrida deu como provada a hora em que o arguido conduzia o veículo, mas não a hora em que o referido teste quantitativo lhe foi efectuado. 29. Ora, o Tribunal a quo não valorou e omitiu factos relevantes e necessariamente provados, nomeadamente que o teste quantitativo pelo aparelho Drager foi efectuado ao arguido somente às 21:43 horas, no posto da GNR do concelho de ………., facto provado quer por prova documental, o ticket junto aos autos a fls. 15, quer por prova testemunhal, o depoimento da testemunha da acusação, E………., Cabo da GNR, registado em gravação digital de “00:00:00 a 00:09:52 1° CD”, que aliás, na motivação da douta sentença, a M.ª Julgadora define-o como “...de forma objectiva e isenta revelou as circunstâncias de tempo e lugar em que fiscalizou o arguido...”. 30. Também, ficou provado que o 1° teste efectuado ao arguido quase de imediato à condução do veículo, através de um qualitativo, deu como resultado 0,75g/l, nomeadamente através de prova testemunhal, depoimento da supra testemunha da acusação, E………., Cabo da GNR, registado em gravação digital de “00:00:00 a 00:09:52, 1° CD”. 31. Entende-se que para determinar o grau de alcoolémia, deve-se ter em conta o resultado do teste ao sangue do arguido efectuado em momento mais próximo do exercício da condução. 32. A ciência ensina-nos, cfr. Apontamentos sobre “Toxilogia Forense, ed. do CEJ Nov. 2000”, que “O álcool ingerido sob a forma de bebida alcoólica e absorvido pela mucosa gástrica para a corrente sanguínea...sendo depois distribuído por todo o organismo”. “Durante a absorção e distribuição aumenta a concentração de álcool no sangue segundo a curva ascendente cujo pico máximo é alcançado cerca de 45 minutos a 90 minutos após a sua ingestão. Atingida a concentração máxima, inicia-se uma curva descendente, menos acentuada, que corresponde à metabolização e eliminação e que demora várias horas”. 33. Sendo estes os dados da ciência, e como o arguido, encontrado a conduzir cerca das 20:05 horas, foi submetido ao teste qualitativo (0,75 g/l), e cerca de hora e meia depois ao teste quantitativo (1,26 g/l), numa altura em que, como se depreende do resultado obtido no segundo teste, o grau de alcoolémia do arguido se encontrava numa curva ascendente, 34. Então, o grau de alcoolémia a ter em conta é o do resultado do teste qualitativo (0,75g/l), por ser o mais próximo do momento da condução. 35. Ora, tal analisador qualitativo e não quantitativo, não é um aparelho aprovado pelo Instituto Português de Qualidade, porque não obedece aos requisitos exigidos. 36. Assim, o resultado obtido com o teste quantitativo também não poderia ser tomado em conta por não ter fundamento legal. 37. Em abono dessa tese, vejamos os Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.03.2002, no SA 120020314046663, in www.dgsi.pt. 38. Dado que o grau de alcoolémia a ter em conta, no presente caso, é o resultante do analisador qualitativo, 0,75g/l e que tal resultado foi obtido por um aparelho que detecta a presença de álcool no sangue mas que não determina a taxa de álcool, conclui-se, salvo douta opinião contrária, pela absolvição do arguido, por aplicação do princípio in dúbio pró reo. 39. Infere, assim, a douta sentença ora recorrida de nulidade por falta de pronúncia - artigo 379.°, n.° 1, alínea c), 1.a parte, do CPP e de vícios de insuficiência da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida e da decisão e de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410°, n.° 2, alíneas a) e c), do CPP. 40. A Douta sentença violou o disposto nos artigos 379°, n.° 1, alínea c), 410°, n.° 2, al. a) e c), do CPP e o princípio do in dúbio pró reo, consagrado no artigo 32°, n.°2, da CRP. AINDA SEM PRESCINDIR. 41. Quanto à defesa do arguido que questionou a aprovação e validade do aparelho quantitativo, sempre se dirá que, aqui também, o Tribunal omitiu pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, incorrendo a douta sentença em nulidade, nos termos do artigo 379°, n° 1, alínea c), do CPP. 42. Assim como padece a douta sentença dos vícios da contradição insanável da fundamentação, previsto no artigo 410°, n.° 2, alínea b), do CPP e de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410°, n.° 2, alínea c), do CPP. Porquanto, 43. A M.ª Juiz a quo deu como provado que: “... 2. Tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool através de alcoolímetro, marca Drager, modelo 7110 MK III P, número série ARNA - 0065 acusou uma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l”. 44. Ora, os resultados obtidos através dos aparelhos de medição só constituem prova bastante se se encontrarem aprovados ou certificados nos termos legais e regulamentares, conforme resulta do artigo 153°, n.° 1, 158°, n.° 1, alíneas a) e b), do CE e artigo 5° da Portaria n.° 1556/2007, de 10.12. 45. No entanto, nem a testemunha Cabo F………, cuja inquirição consta da gravação digital de “00:00:00 a 00:09:52 1° CD”, nem qualquer outro meio de prova veio comprovar que o aparelho Drager aqui em causa se encontrava aprovado e verificado nos termos do disposto no artigo 5°, da Portaria n.° 1556/2007, de 10.12. 46. Não ficou provado que o dito aparelho tem a sua aprovação em vigor (só 10 anos), nem se o mesmo foi inspeccionado nos termos da verificação periódica (anual). 47. Assim, o Tribunal não reuniu as provas necessárias para a formulação da decisão material em condenar o arguido. 48. Ora, “se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido” - cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, pág. 213. 49. Consequentemente, o Tribunal ofendeu, de forma directa e gravosa, o princípio “in dúbio pró reo”, afloração normativa do princípio com assento constitucional da “Presunção de Inocência do arguido até à condenação” - artigo 32°, n.° 2, da CRP. 50. Assim, a douta sentença violou, entre outros normativos, os artigos 153°, n.° 1, 158°, n.° 1, alíneas a) e b), do CE e artigo 5° da Portaria n.° 1556/2007, de 10.12, 379°, n°1, alínea c), 410°, n.° 2, alíneas b) e c), do CPP e 32°, n.° 2, da CRP. SEM PRESCINDIR, e para o caso de assim não se entender 51. O delito em questão é punido com coima de € 500 a € 2.500 (81°, n.° 5, b), do CE). 52. A M.ª a quo condenou o arguido numa coima de € 1.500. 53. Dispõe o n.° 1, do artigo 18° do RGCC que a medida da pena deve ser determinada em função de quatro aspectos: gravidade da contra-ordenação, culpa, situação económica do agente e benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. 54. Quanto à gravidade da contra-ordenação, ponderou a M.ª Juiz a quo que a condução sob o efeito do álcool com uma taxa de 1,17 g/l assume notória e elevada gravidade. 55. Contudo, deduzida a percentagem de erro de 8% à taxa indicada no talão (1,26g/l), obtém-se o resultado de 1,1592, ou seja, 1,16 g/l e não 1,17g/l. 56. Por outro lado e salvo douta opinião contrária, tal taxa de 1,16 g/l não assume notória e elevada gravidade. 57. Relativamente à culpa, a M.ª Julgadora deu como provado: “...3. O arguido tinha ingerido bebida alcoólicas cuja natureza e quantidade lhe vedavam a condução de veículos automóveis na via pública ou equiparada. 4. Agiu com plena consciência que conduzia em estado de embriaguez, 5. Fê-lo de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”. 58. Contudo, salvo melhor opinião, há contradição insanável da fundamentação, visto que da motivação de facto e do exame crítico das provas, não existe qualquer elemento, documento ou testemunha que corrobora tal conclusão. 59. Assim, ao dar tais factos como provados, a douta sentença recorrida incorreu em vício de contradição insanável da fundamentação - artigo 410.°, n.° 2, al. b), do CPP. 60. Quanto à situação económica, o Tribunal não determinou o concreto rendimento auferido pelo arguido e aferiu por estimativa que o seu rendimento era muito superior à remuneração mínima. 61. Inexistem factos provados que permitem quantificar a remuneração do arguido. 62. Desconhece o Tribunal o rendimento do arguido e quais os seus encargos, assim como o mínimo necessário e indispensável à satisfação das suas necessidades básicas. 63. Pelo que, entende-se que a douta sentença ora recorrida contém um vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão (artigo 410°, 2, a), do CPP), já que a omissão resulta do texto da decisão recorrida. 64. O Tribunal não reuniu as provas necessárias para a determinação do seu rendimento. 65. Ora, “se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido” - cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I. 66. Relativamente ao último aspecto identificado naquele artigo 18° (benefício económico que o arguido retirou da prática da contra-ordenação), como melhor consta do texto da decisão recorrida, o mesmo é nulo. 67. Assim, atendendo ao supra exposto, verifica-se que a coima aplicada é excessiva e ofende o princípio in dúbio pró reo (artigo 32°, da CRP). 68. Este Tribunal também condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no artigo 147°, n.° 2, do C.E., pelo período de dois meses. 69. Ora, salvo douta opinião, não pode o arguido, por ter sido condenado em sede de julgamento sem possibilidade de contraditório, socorrer-se da possibilidade de especial atenuação ou suspensão da execução da sanção acessória, nos termos previstos nos artigos 175°, n.° 2 e 3, 140° e 141°, do CE. 70. Assim, a Douta Sentença recorrida ofendeu, entre outros normativos, o disposto nos artigos 175°, n.° 2 e 3, 140° e 141°, do C.E.. Respondeu o M.º P.º: 1. Se o arguido é condenado pela prática de uma contra-ordenação, uma vez absolvido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292° do Código Penal, é o Tribunal o competente para conhecer da prática da contra-ordenação, atento o disposto no artigo 77°, n.° l do RGCO. 2. Nos termos do disposto no artigo 92° e segs. do RGCC, são devidas custas no processo contra-ordenacional. 3. Da estrutura acusatória do processo penal decorre que é a acusação que define o objecto do processo, dela fazendo também parte a qualificação jurídica, sendo que, só na fase de julgamento pode haver uma reapreciação do enquadramento jurídico da factualidade imputada, podendo alterar-se o objecto do processo definido por aquela, através dos mecanismos previstos nos art.ºs 358° e 359°, do Código de Processo Penal. 4. Se um facto é trazido aos autos pela defesa, não há que dar lugar ao disposto no artigo 358°, n.° 1 do Código de Processo Penal, face ao disposto no n.° 2 do mesmo preceito legal. 5. A Lei 18/2007 de 17 de Maio, refere que o intervalo entre a realização dos dois exames não deverá exceder os trinta minutos, não determinando qualquer consequência para o caso de assim não suceder. 6. Só o teste quantitativo tem relevância atribuída tanto em sede de responsabilidade criminal como contra-ordenacional, pelo que só a partir dele é que o examinado pode exercer o seu direito ao contraditório, requerendo a contraprova. 7. Para preenchimento do tipo legal do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, basta, pelo lado objectivo, a condução na via pública ou equiparada com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a l,20g/l. 8. E, pelo lado subjectivo, não é necessário o dolo ou intenção ou, sequer, a simples consciência de condução ilegal; o crime preenche-se mesmo a título de mera negligência. 9. Assim, e não obstante o arguido se ter remetido ao silêncio em sede de audiência de julgamento, certo é que, se ao ser submetido ao teste de despistagem de álcool no ar expirado, acusou uma TAS de l,26 g/l provou-se que o mesmo ingeriu bebidas alcoólicas as quais lhe provocaram aquela TAS. 10. Se o Tribunal deu como provado que o recorrente era empresário da construção civil, com obras em Lisboa e Espanha, sempre teria de concluir que o mesmo possuía rendimentos superiores à remuneração mínima. 11. O recorrente não foi coarctado no seu direito de contraditório, uma vez que se encontrava presente em sede de audiência e julgamento. Nesta Relação a Ex.ma PGA defende que a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova que, uma vez declarado, prejudica o conhecimento das questões suscitadas no recurso. Assim explanou: “Entendeu a Sr.ª Juíza que proferiu a decisão recorrida, deduzir no valor constante do talão de fls. 15, «um erro máximo admissível», provocando dessa forma a redução da TAS verificada através do alcoolímetro, de l,26 g/l para 1,17 g/l, o que determinou a absolvição do arguido pelo crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292° do CP. Ora, entendemos que a sentença padece de erro notório na apreciação da prova, pois que o arguido não questionou em momento algum a autenticidade do valor registado pelo aparelho utilizado na fiscalização da TAS que lhe foi encontrada, nem a fiabilidade do mesmo, aquando da sua submissão a controle de álcool, na sequência de ter estado envolvido num acidente de viação. É que se assim fosse, devia ter pedido a contraprova legal, ou ter alegado factos donde pudesse inferir-se que aquele resultado não era fiável, o que não fez. Assim sendo, não podia a Sr.ª Juíza proceder ao desconto de qualquer margem de erro, como fez, da TAS indicada no talão referido, já que obtida por aparelho convenientemente aprovado e aferido, em termos regulamentares. No nosso entender, e que tem sido o da Jurisprudência maioritária, inclusive deste Tribunal da Relação, não há que proceder a qualquer desconto nos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação da taxa de álcool no sangue expirado, pois que a margem de erro já é considerada aquando da aprovação e subsequentes verificações dos alcoolímetros, pela entidade competente - o Instituto Português de Qualidade. Não resulta de nenhum dos elementos de prova valorados pelo Tribunal recorrido que a taxa de álcool com que o arguido conduzia fosse diferente da do exame efectuado através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MKII P, que acusou 1,26 g/1, conforme consta do talão de fls. 15. Ao ter dado como provado que o arguido conduzia com a referida taxa de l,26g/l de álcool, e ao ter considerado na fundamentação que essa taxa era de 1,17g/1, a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no art.º 410° n° 2 al. c) do CPP, pois que: «Não tendo posto em causa a aprovação do aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue, nem as condições normais de utilização desse aparelho nem o procedimento de fiscalização utilizado pelo agente de autoridade que ao exame procedeu», não podia concluir que o valor da TAS, de 1,26 g/1, encontrado pelo aparelho referido, padecia de erro. Face ao exposto, somos de parecer que deve ser revogada a sentença, ordenando-se o reenvio, nos termos do art.º 426° n° l do CPP, a fim de ser proferida nova sentença que atenda ao valor da TAS, constante do ponto 2 da matéria de facto provada, e a fim de possibilitar ao arguido o duplo grau de jurisdição”. Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar de decidir. O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade: 1. No dia 9 de Abril de 2009, pelas 20h05, na Rua ………., ………., Amarante o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula DN-..-.., ligeiro de passageiros. 2. Tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool através de alcoolímetro, marca DRAGGER, modelo 7110 MK III P, número série ARNA – 0065 acusou uma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l. 3. O arguido tinha ingerido bebidas alcoólicas cuja natureza e quantidade lhe vedavam a condução de veículos automóveis na via pública ou equiparada. 4. Agiu com plena consciência que conduzia em estado de embriaguez; 5. E fê-lo de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 6. O arguido é empresário da construção civil; 7. Trabalha em Espanha e Lisboa; 8. É uma pessoa habitualmente calma e ponderada; 9. Nada consta no seu certificado de registo criminal. E considerou não se haver provado que “Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1 e 2 da factualidade provada a taxa de álcool no sangue do arguido era efectivamente de 1,26 g/l”. Na sequência, considerou que o arguido circulava, pelo menos, com uma TAS de 1,17 g/l (deduzido o EMA à taxa revelada pelo aparelho). As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso. Se bem que o Recorrente tenha descortinado na sentença inúmeros vícios que, na realidade, deles não enferma (a ponto de, diz, dever o tribunal, em seu entender, carrear aos autos informação que a si pode ser prestada, e de cujo direito se demitiu...; e pretendendo até remeter para depoimentos de testemunhas esquecendo que este tribunal só conhece de direito), o certo é que, por razões completamente distintas das por si invocadas, também nós entendemos que o Tribunal é materialmente incompetente para aplicar a coima. O que determina a anulação da condenação pela coima e a remessa dos autos à Autoridade Administrativa competente para a sua aplicação – art.ºs 33º do CPP, conjugados com os art.ºs 34º e 38º do RGCO. E, na sequência, prejudicada fica a análise das restantes questões do recurso que, de resto, o Recorrente deverá suscitar em sede de defesa junto da AA. Previamente se diga que: 1. O recurso em 1ª Instância apenas admite dois articulados: motivação e resposta – art.ºs 411º e 413º do CPP. Por isso, não pode o Recorrente responder ao recurso do M.º P.º mesmo que invocando o disposto no art.º 417º do CPP. Este preceito apenas é aplicável se e quando o M.º P.º na 2ª Instância não se limite a apor o seu visto. Por isso, tendo o Recorrente respondido à resposta do M.º P.º em 1ª Instância, deverá determinar-se o desentranhamento da aludida resposta e sua entrega ao Recorrente. Pelo incidente será condenado na mínima tributação. 2. Alega a Ex.ma PGA que a sentença padece do vício de erro notório na apreciação da prova uma vez que não pode ser deduzido qualquer margem de erro à leitura feita pelo aparelho. Dizemos que, a existir – e não existe – erro notório na apreciação da prova o mesmo verificar-se-ia se não fosse deduzido o dito erro. Expliquemos: Com o STJ[1] também nós afirmamos que a questão colocada pela Ex.ma PGA “é a de se saber, se «A taxa de álcool no sangue, a levar em consideração para efeitos do disposto no artigo 292º nº 1 do C. Penal, é a correspondente ao valor indicado pelo alcoolímetro ou, antes, a correspondente a tal valor deduzido o valor de erro máximo admissível a que alude o nº 6 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 748/94, de 13-08 [a que corresponde, como se refere no acórdão recorrido, o artigo 8º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10-12, que revogou a Portaria nº 748/94]». E também com o nosso mais Alto Tribunal respondemos que o que está em causa é “uma questão de apuramento de factos, e, portanto, de apreciação de prova. Os dados fornecidos pela Portaria[s] foram levados em conta, em cada um dos dois acórdãos, com efeitos diferentes para o apuramento dos factos. Melhor, desses dados é feita uma utilização diversa, pelo julgador, quando chamado a pronunciar-se concretamente sobre a taxa de alcoolémia do condutor a ser julgado, e portanto a decidir de facto”. Porque assim, conclui o STJ, que se trata de “Maneiras diferentes de apreciar a prova, uma eventualmente mais correcta que outra, mas nada mais”. Estando em causa maneiras diferentes de apreciar a prova, permitindo a Lei ambas, é óbvio que não estamos perante erro notório na apreciação da prova, entendido como sendo aquela que qualquer cidadão comum dele se dá imediata conta. De resto, repete-se, a haver erro notório seria sempre na não dedução da MEA. Os argumentos são de todos conhecidos e não vale a pena repeti-los. Em todo o caso, fazendo uso das palavras da Ex.ma PGA, os aparelhos são sujeitos a calibração porque têm erros e, assim, “a margem de erro já é considerada aquando da aprovação e subsequentes verificações dos alcoolímetros, pela entidade competente - o Instituto Português de Qualidade”. O que é para nós óbvio. Mas se têm erros antes da calibração, periódica, então é evidente que no dia anterior ao da calibração, se foram usados, “declararam” a TAS com uma margem de erro que, por imposição da Lei, deve ser deduzida ao valor declarado. Sempre em benefício da verdade material e do princípio in dúbio pró reo. Quem conhece os aparelhos sujeitos à inércia, como é o caso dos alcoolímetros, sabe bem que é impossível eliminar todas as margens de erro, por mais precisa que seja a calibração. E se o aparelho está sujeito a precessão, então a margem de erro aumenta na proporção directa da dita precessão. Importa acrescentar que em estudo empírico publicado no BMJ 384º, pgs. 5 e segs, se concluiu que “todos os métodos de determinação da alcoolémia, incluindo a CFG[2] que utilizamos como técnica de referência, são passíveis de erro”. Por isso, “a necessária eliminação de falsos culpados aconselha o uso de determinações repetidas, suas médias e factores adequados de correcção” (realce nosso). Daí que a Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML R 126) aconselhe o uso de factores de correcção. O que levou o legislador português a consagrar em corpo de lei - artigo 8º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10-12- os EMA dos aparelhos, variáveis em função do teor do álcool expirado. Ora, se em sede de calibração é possível ter em conta os erros, já não é possível eliminá-los na totalidade precisamente porque eles são variáveis em função do teor do álcool. A calibração tem de fazer-se por referência a determinados valores, médios, e não um para cada valor, inferior ou superior, o que não é possível, repete-se. Por isso, a última correcção terá de ser feita em concreto. Como foi feita na sentença. Destarte, de nenhum erro notório padece a sentença recorrida. 3. Analisemos agora a questão suscitada de saber se o Tribunal a quo tinha competência material do Tribunal para aplicar a coima. Retornemos à realidade dos autos: O arguido B………. foi acusado pelo M.º P.º da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, e 69º do C. Penal. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que o absolveu da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292 do Código Penal. E condenou-o o arguido pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art.º 81º, nº 5, al. b), 146º al. j) e 147º, nº2, todos do Código da Estrada na coima de €1.500 (mil e quinhentos euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses. Para decidirmos a questão, convoquemos as normas legais aplicáveis: Prescreve o art.º 33º do RGCO, subordinado à epígrafe “Regra da competência das autoridades administrativas”. “O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma”. Por seu turno, reza o art.º 54º do mesmo diploma com a epígrafe “Da iniciativa e da instrução”: 1. O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular. 2. A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima. 3. As autoridades administrativas poderão confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos. Acrescenta o art.º 77º com o título “Conhecimento da contra-ordenação no processo criminal: 1. O tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime. 2. Se o tribunal só aceitar a acusação a título de contra-ordenação, o processo passará a obedecer aos preceitos desta lei. Finalmente, dispõe o art.º 78º, que tem a encimá-lo: “Processo relativo a crimes e contra-ordenações” 1. Se o mesmo processo versar sobre crimes e contra-ordenações, havendo infracções que devam apenas considerar-se como contra-ordenações, aplicam-se, quanto a elas, os artigos 42°, 43°, 45°, 58°, n.ºs l e 3, 70° e 83.° 2. Quando, nos casos previstos no número anterior, se interpuser simultaneamente recurso em relação a contra-ordenação e a crime, os recursos subirão juntos. 3. O recurso subirá nos termos do Código de Processo Penal, não se aplicando o disposto no artigo 66° nem dependendo o recurso relativo à contra-ordenação dos pressupostos do artigo 73°. Conjugando os preceitos transcritos, logo se conclui que o regime-regra é o da atribuição de competência material às Autoridades Administrativas para a instauração, instrução e decisão das contra-ordenações. Competência essa que é atribuída aos Tribunais apenas a título excepcional, e não também como regime-regra. Se assim não for entendido, subverte-se o espírito do sistema. Como parece óbvio. Interpretando-se literalmente o art.º 77º do RGCO, com facilidade se chegará à conclusão de que os tribunais, em qualquer situação, podem “apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime” (sic). O que conduz à dita subversão na medida em que permite que os tribunais se substituam à autoridade administrativa, avocando processos que são da exclusiva competência desta. Ou seja, em qualquer situação poderiam conhecer das contra-ordenações. Repugna tal interpretação pelas consequências aberrantes a que conduz. É esta, ao que parece, a interpretação do Digno Magistrado do M.º P.º em 1ª Instância, que se estriba em acórdãos de Tribunais Superiores que, com o devido respeito, nada esclarecem quanto à matéria, como demonstraremos. Com efeito: ● O Ac da RL de 7/5/2008[3], afirma que, “sendo a taxa de álcool no sangue de 1,15 g/l, o tribunal de 1ª instância deveria, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 77º do RGIMOS, ter condenado a arguida pela prática da contra-ordenação muito grave por ela cometida”. Sem mais, ou seja, sem qualquer fundamento que leva a aceitar como boa a decisão. Para além de que se ignora se nos autos se cumulavam crimes com contra-ordenações. ● O Ac do TG de 26/02/2007[4], ao contrário do que se alega, nem sequer abordou a questão que, de resto, não era objecto do recurso. ● O Ac da RC de 24/09/2008[5], trata de questão bem diversa, que é a de saber se o Juiz pode deduzir o erro máximo admissível no despacho a que alude o art.º 311º do CPP, concluindo pela negativa. Aí se afirma: “No caso em presença, o despacho recorrido afirma situação de incompetência para o conhecimento desse objecto, por considerar que se encontrava perante infracção contra-ordenacional e não criminal. Mas, para tanto, altera a TAS constante do auto de notícia, introduzindo-lhe operação que dele não consta, a saber, desconto do valor registado por ponderação de taxa de erro do aparelho. Sem discutir aqui – não é esse, como se disse, o cerne do presente recurso - se esse desconto encontra ou não fundamento, não oferece dúvida que a decisão recorrida avança com uma avaliação da questão de facto, antes de mesmo de ouvir qualquer prova e os sujeitos processuais, para concluir por realidade desconforme com o impulso acusatório que deveria julgar. Ou seja, na apreciação da sua competência material para conhecer da causa começa por alterá-la. Isto depois de ter recebido o requerimento do Mº Pº para julgamento em processo sumário, procedido à sua marcação e adiamento para preparação da defesa. Ora, os pressupostos processuais devem ser avaliados perante o objecto do processo delimitado pela acusação, reservando para o momento adequado – sentença – a formulação da decisão em matéria de facto, designadamente, a afirmação da TAS mencionada no auto de notícia como provada ou não provada. A TAS imputada ao arguido de 1.28 g/l ultrapassa o limiar da infracção criminal prevista no art.º 292º, nº 1, do CP, e, inerentemente, a causa deve ser conhecida em processo criminal e perante tribunal judicial singular (art.ºs. 202, nº 1, da CRP, 1º e 17º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), 10º e 16º, nº2, al. b) do CPP), e não pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”. Porque assim, determinou-se o prosseguimento dos autos sem indicar o que deve fazer-se se, uma vez efectuado o julgamento, vier a concluir-se que a TAS era inferior a 1,20g/l”. Manuel Ferreira Antunes[6] chega a conclusão que, apesar de melhor salvaguardar os direitos do acoimado do que a defendida pelo M.º P.º em 1ª Instância, é, salvo o devido respeito, inaceitável porque faz com que os tribunais “passem a servir de Autoridade Administrativa”, o que o legislador quis evitar, como veremos. Escreve: “Enquanto que, de acordo com o artigo anterior, o tribunal não está vinculado à apreciação do facto imputado na «acusação-decisão» como contra-ordenação, podendo entendê-lo como crime, de acordo com este artigo 77, o tribunal não está vinculado à apreciação do facto imputado na «acusação» como crime, podendo entendê-lo como contra-ordenação. Contempla-se aqui, neste sentido, o inverso do artigo anterior. O MP pode acusar por crime e o tribunal qualificar o facto como contra-ordenação e só por esta receber a acusação.(…) Nos termos dos artigos 38.° e 39, cabe ao juiz competente para o julgamento do crime a aplicação da coima. No caso de a apreciação do facto como contra-ordenação, imputado na acusação a título de crime, se verificar depois de recebida a acusação criminal, maxime no julgamento, o juiz condena o arguido na respectiva coima e sanção acessória ou arquiva ou absolve, se for o caso, conforme o artigo 64. Neste caso, parece resultar do n.° l que a apreciação da infracção como contra-ordenação obedecerá às regras do processo criminal, sem prejuízo dos elementos estabelecidos no artigo 58-1 e 3, quanto à decisão. Se a acusação criminal for «convolada» pelo juiz em acusação contra-ordenacional, dali em diante, o processo segue as regras desta LQCO e não as regras do processo criminal, nos termos do n.° 2. Mas convém estabelecer alguma precisão. O n. ° 2 reporta-se ao caso de a apreciação do facto como contra-ordenação, imputado na acusação a título de crime, se verificar no momento do recebimento da acusação, nos termos do artigo 311, do CPP. O processo «passará» então a obedecer às regras da LQCO. Uma dessas regras é a do artigo 33, que estabelece que o processamento e aplicação das coimas compete às autoridades administrativas, segundo a tramitação dos artigos 48. ° e seguintes. Outra dessas regras é a do artigo 38-3, segundo a qual o MP remete o processo à autoridade administrativa competente. Outra das regras é a do artigo 39, segundo a qual, no caso de concurso de crime e contra-ordenação, compete ao juiz criminal aplicar a coima e a sanção acessória. Outra das regras é a do artigo 66, segundo a qual a audiência de julgamento obedece às regras do processamento e julgamento das transgressões. Uma outra é a regra é a de que pode decidir-se por simples despacho, nos termos do artigo 64-2. Concorre a regra da decisão condenatória prevista no artigo 58. Temos ainda as regras da fase judicial do processo, que só tem lugar havendo recurso de impugnação, nos termos dos artigos 55.° e 59. Colocou-se a questão de saber se, «obedecer aos preceitos desta lei» significa, inter alia, que o juiz remete o processo à AA competente, para que esta cumpra a respectiva tramitação contra-ordenacional, ouvindo o arguido (Artigo 50), possibilitando o pagamento voluntário (Artigo 50-A), etc., ou se significa, antes, que o processo continua em juízo onde «passará» a ser tramitado de acordo com a LQCO. Das expressões «aceitar a acusação» e «passará a obedecer» não resulta inequívoco que o processo deva prosseguir em juízo, funcionando o juiz, neste caso, em substituição da AA. Por outro lado, quer a regra do n.° l, quer a epígrafe «Conhecimento da contra-ordenação no processo criminal», aliados ao princípio da economia processual, de esforços e meios, apontam no sentido de que o juiz conheça da contra-ordenação, no próprio processo. Já chegamos a propender para a solução da remessa do processo à autoridade administrativa. No entanto, afigura-se-nos que, podendo o processo ser decidido em juízo, sem mais delongas, deve o juiz evitar essa remessa. Se o legislador tivesse querido que o processo fosse remetido à AA, podê-lo-ia ter dito, como fez noutros casos. Nestes termos, aceite a acusação por contra-ordenação, parece-nos que o juiz deve procurar ouvir o arguido quanto à contra-ordenação (Artigo 50) e quanto ao pagamento voluntário da coima pelo mínimo (Artigo 50-A) c prosseguir em conformidade”. Em síntese, traduzindo a sua posição: se a acusação criminal for “convolada” em contra-ordenacional, o Juiz passará sempre a exercer as funções que competem à AA. Na sequência, o tribunal passará a ter sempre competência para instruir e julgar todas as contra-ordenações, mesmo que nenhuma ligação tenham a processos-crime. Não foi esta a vontade do legislador e nem é a esta solução a que nos conduz o elemento sistemático. A interpretação literal, como é sabido, conduz a resultados que, por vezes, são inaceitáveis. Por isso, deve o intérprete socorrer-se da interpretação lógica. Recorramos, por isso, aos elementos histórico e sistemático Em 1979, sendo Ministro da Justiça Eduardo Correia, foi publicado o DL 232/79, de 24/07, em cujo exórdio se vinca: “Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal”. O Diploma em causa, face às críticas surgidas, foi suspenso na sua aplicação (na prática, revogado) pelo DL 411-A/79, de 1 de Outubro. Só com a publicação do DL 433/82, de 27 de Outubro é que, na realidade, foi introduzida na ordem jurídica portuguesa o DMOS[7], dispondo no art.º 1º: Contra-ordenação é “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima”. Eduardo Correia, insigne Mestre de Coimbra, era seguidor da doutrina alemã. Neste campo particular, “importou” o regime jurídico aí vigente. É sabido que foi na Alemanha que primeiro surgiu o DMOS como reacção contra a tendência hiper-criminalizadora que entretanto surgira. Na verdade, no final da II Grande Guerra, os Estados estavam lançados, na expressão sugestiva de Rogério Soares, «quase em delírio, numa tutela imediata dos mais variados interesses (...), levou ao aparecimento de (...) um profuso ordenamento policial, que porém se movia ainda sem subordinação a preceitos jurídicos e não pertenciam em rigor à ordem jurídica». A Administração concentrava agora a sua actividade de polícia na protecção antecipada de perigos (...), que eram regulamentados pelo direito penal administrativo, denominado de «direito penal policial», distinto do direito penal. A primeira reacção contra a tendência hiper-criminalizadora surgiu na Alemanha, onde o estigma do nazismo era realidade. Eberhard Schmidt, em 1952, foi determinante no aparecimento da lei das contra-ordenações alemã, cujas finalidades eram[8]: a) Assegurar a autoridade do Estado, sem criar um Direito Penal opressivo. b) Retirar do direito penal grande número de infracções de nula/duvidosa relevância ético-sociais; c) Postergar a aplicação de sanções privativas da liberdade a esses casos, conhecidos que são os efeitos criminógenos das penas privativas de liberdade, ganhando relevo o carácter dissuasor das sanções pecuniárias; d) Descongestionar os tribunais, por as suas sanções (coimas e sanções acessórias) serem aplicadas por autoridades administrativas. Porque assim é, aceitando-se como boa a interpretação a que em cima se faz alusão, logo cai por terra uma das finalidades da criação do ilícito de mera ordenação social: a de descongestionar os tribunais, por as suas sanções serem aplicadas por autoridades administrativas, passando os tribunais a assumir a competência destas e, desta forma, se contribuindo para o avolumar das pendências processuais. Ou seja, trata-se de interpretação contra o espírito do legislador. Por outro lado, o art.º 77º do RGCO está inserido no capítulo IV do RGCO que tem por epígrafe “processo de contra-ordenação e processo criminal”. A cumulativa constante da epígrafe não foi lá colocada por mero acaso, antes tem por fim relacionar o processo-crime com o processo contra-ordenacional. Finda o capítulo no transcrito art.º 78º, que alude a processo relativo a crimes e contra-ordenações. Da inserção sistemática do art.º 77º se pode concluir que o processo contra-ordenacional só pode ser conhecido pelos tribunais se e quando o mesmo processo versar sobre crimes e contra-ordenações em cumulação (cfr. art.º 38º do RGCO). Ou seja, e em conclusão: 1. Se, pelo mesmo facto, uma pessoa responder a título de crime e de contra-ordenação, será competente para conhecer de ambos os ilícitos o tribunal; 2. Se uma pessoa responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação, verificando-se os requisitos da conexão subjectiva, é competente para conhecer de ambos os ilícitos o tribunal criminal. 3. Em todos os restantes casos, em que não estão reunidos os requisitos da conexão, é sempre competente para conhecer da contra-ordenação a Autoridade Administrativa. Como bem refere Manuel Antunes[9], “se, no mesmo processo, concorrerem crimes e contra-ordenações, àquelas contra-ordenações que forem autónomas dos crimes (por não consumidas), aplicam-se, não as regras criminais, mas, os artigos 42° (meios de coacção), 43º (princípio da legalidade), 45 (consulta dos autos), 58º-1-3 (requisitos da decisão condenatória), 70º (participação da AA) e 83º (processo de apreensão)”. Porque, in casu, não estamos perante concurso de crime e contra-ordenação, a Sr.ª Juiz devia limitar-se a absolver o arguido da prática do crime por que vinha acusado, determinando a remessa dos autos à AA para instrução e decisão da contra-ordenação. Não podendo condená-lo como autor material de uma contra-ordenação por não ter competência material. Face à solução defendida, prejudicada fica a análise das restantes questões do recurso. DECISÃO: Termos em que: 1. Se determina o desentranhamento da resposta de fls. 159 e segs. 2. Se condena o Recorrente na mínima tributação pelo incidente; 3. Na procedência do recurso, embora por fundamentos bem diversos dos invocados, anula-se a decisão recorrida na parte em que condenou o arguido como autor de uma contra-ordenação, determinando-se que os autos sejam remetidos à Autoridade Administrativa (Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária) para que aí seja processada e julgada a contra-ordenação. 4. Sem tributação nesta parte Porto, 16.12.2009 Francisco Marcolino de Jesus Élia Costa de Mendonça São Pedro _____________________________ [1] Ac de 10/09/2009, processo 458/08.0GAVGS.C1-A.S1 in www.dgsi.pt [2] Cromatografia da Fase Gasosa [3] Processo 2199/2008-3, in www dgsi.pt [4] Processo 2602/06-2, in www.dgsi.pt [5] Processo 39/08.8PANZR [6] Contra-ordenações e Coimas, Anotado e Comentado, Livraria Petrony, s/d, p. 511 [7] Direito de Mera Ordenação Social [8] No sentido do texto, cfr. FIGUEIREDO DIAS, Jorge, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p 136 e ss. [9] Op cit., p. 513
Recurso 82/09.0GCAMT.P1 *Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de processo sumário supra identificados, do .º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, o arguido B………., solteiro, nascido a 21 de Março de 1984 na freguesia de ………., Amarante, filho de C………. e D………., residente na Rua ………., ………., Amarante, foi acusado pelo M.º P.º da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos art.ºs 292º e 69º do C. Penal. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que: a) Absolveu o arguido da prática de um crime de “Condução de veículo em estado de embriaguez”, p. e p. pelo art.º 292 do Código Penal; b) Condenou o arguido pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 81º, nº 5, al. b), 146º al. j) e 147º, nº 2, todos do Código da Estrada na coima de €1.500 (mil e quinhentos euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses. c) Condenou o arguido nas custas do processo. Não conformado, o arguido interpôs recurso e extraiu das suas 14 páginas de motivação as seguintes conclusões, em 11 páginas (quase se repetia a motivação!...): 1. A M.ª Julgadora absolveu o arguido do crime de condução em estado de embriaguez, de que vinha acusado, tendo, para tal, considerado que o mesmo apresentava uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,17g/l, invocando para o efeito a margem de erro admissível a que alude a Portaria n.° 1556/2007, de 10.12. 2. Porém, e não obstante tal, a M.ª Juiz a quo condenou o arguido pela prática da contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 81°, n.° 5, alínea b), 146°, alínea j) e 147°, n.° 2, todos do Código da Estrada, na coima de € 1.500 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses. 3. Não se encontra verificado o pressuposto definido no artigo 38°, n.° 1 do Regime Geral das Contra-ordenações. 4. Pelo que, a douta sentença violou o disposto nos artigos 81°, n.°s 1 e 5, alínea b), 146°, alínea j), 147°, n.° 2, do C.E., 38°, n.° 1, do RGCC e 381°, do CPP. 5. O que constitui, salvo douta opinião, uma nulidade insanável, nos termos da alínea e), do artigo 119°, e 379°, n.° 1, alínea c), in fine, do CPP. 6. O Tribunal a quo não tem competência para condenar o arguido numa coima e sanção acessória, inexistindo facto que a lei qualifica como crime. 7. Consequentemente, devem os autos ser remetidos para a Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, para os fins tidos por conveniente. 8. A M.ª Juiz a quo, também, condenou o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 UC's, acrescida de 1%, em procuradoria mínima, e nos demais encargos a que a sua actividade tiver dado lugar. 9. Porém, tal viola o disposto no artigo 513°, n.° 1, do CPP, incorrendo, a douta sentença em vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 410°, n.° 2, alínea b), do CPP. SEM PRESCINDIR, 10. A acusação do Ministério Público a fls. não faz qualquer referência à prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 81°, n.°s 1 e 5, alínea b), 146°, alínea j) e 147°, n.° 2, do C.E. 11. O arguido defendeu-se do único crime de que vinha acusado, isto é, o p. e p. no artigo 292°, do CP, e foi condenado na supra mencionada contra-ordenação, que surgiu no momento da leitura da douta sentença. 12. Compulsados os autos, verifica-se que o Ministério Público não acusou o arguido com base na contra-ordenação p. e p. nos artigos 81°, n.° 5, al. b), 146°, alínea j) e 147°, n.° 2, do C.E., e mais se verifica que apesar da alteração da qualificação jurídica não se deu cumprimento ao disposto nos artigos 358° e 359°, do CPP. 13. A M.ª Juiz a quo estava obrigada a comunicar essa alteração de qualificação jurídica ao arguido, não o fez e, em violação das garantias de defesa do arguido, condenou-o por qualificação jurídica diferente da acusação sem dar cumprimento ao disposto nos artigos 358° e 359°, do CP. 14. O arguido não teve a oportunidade de se defender contra tal contra-ordenação. 15. Assim, a douta sentença violou o disposto nos artigos 50°, do DL 433/82, de 27.10; 327°, do CPP e 32°, n.° 5, da CRP. 16. A falta de acusação dessa contra-ordenação e a violação do contraditório do arguido, constituem nulidades insanáveis, nos termos do disposto nas alíneas c) e d), do artigo 119° e 379°, n.° 1, alínea b), do CPP. 17. E, por isso, a Douta Sentença recorrida é nula nos termos do disposto no artigo 379°, n.° 1, alínea b), do CPP. 18. Nesse sentido, por analogia, veja-se o entendimento recentemente perfilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de fixação de jurisprudência n.° 7/2008, proc. n.° 07/4449, 25/06/2008. 19. Veja-se ainda a este propósito e entre outros: Ac. STJ, proc. n.° 98P957, 23/06/1999, Ac. STJ, proc. N.° 99P776, 26/01/2000. 20. O Arguido não prestou declarações, arrolou uma testemunha e a sua defesa, quer durante a audiência de julgamento quer nas alegações, baseou-se sumariamente, em três aspectos: ● Primeiro, violação do disposto no n.° 1, do artigo 2.°, da Lei 18/2007, de 17.05, que estabelece o prazo máximo de 30 minutos para efectuar o teste quantitativo para evitar que o resultado dado por aquele teste não correspondesse minimamente à taxa de álcool que eventualmente o arguido trazia aquando do acto da condução. Ora, não foi cumprido tal prazo de 30 minutos, pelo que e salvo douta opinião contrária, não se pode aceitar que o resultado dado pelo talão do aparelho quantitativo, cerca de hora e meia após o resultado do aparelho qualitativo, corresponda à efectiva taxa de álcool no sangue que, eventualmente, o arguido era portador aquando do acto da condução, nem qualquer outro resultado, visto o longo lapso de tempo decorrido, concluindo-se pela absolvição do arguido; ● Segundo e sem prescindir, questionou-se se tal aparelho de medição, que se encontrava noutra esquadra, posto da GNR do concelho do Marco de Canaveses, “Drager, modelo 7110 MK III P, número série ARNA – 0065” estava aprovado e verificado, invocando, para o efeito, o artigo 5° da Portaria 1556/07, de 10.12, enumerando as quatro verificações aí mencionadas; ● Terceiro e ainda, sem prescindir, questionou-se, a fiabilidade do analisador quantitativo, invocando os EMA (erros máximos admissíveis) previstos no artigo 8.° da Portaria 1556/2007. Pelo que, no caso sub judice, a margem de erro da TAS seria de 8%, ora, em virtude do princípio in dúbio pró reo, deve ser descontado tal margem de erro na TAS constante do ticket, e assim a TAS seria somente de 1,16 g/l e não 1,26 g/l, ou seja, um resultado inferior a 1,20 g/l exigida como requisito objectivo do tipo legal de crime previsto no artigo 292°, do CP, pelo que, o tipo legal de crime de condução em estado de embriaguez não se encontra preenchido, levando a absolvição do arguido. 21. A M.ª Juiz a quo ao proferir a Douta Sentença, ignorou por completo os dois primeiros aspectos da defesa do arguido e só se pronunciou quanto à última. 22. Assim, a sentença recorrida enferma de nulidade decorrente de omissão de pronúncia, prevista no artigo 379°, n° 1, alínea c), do CPP. 23. Quanto à defesa do arguido com base na violação do disposto no n.° 1, do artigo 2°, da Lei 18/2007, de 17.05, aponta-se também para a falta de prova da efectiva taxa de álcool no sangue do arguido. 24. O importante é determinar a efectiva taxa de álcool no sangue que o mesmo era portador aquando do acto de condução. 25. Para a decisão da presente causa, salvo douta opinião contrária, é relevante saber qual: a) a hora em que o mesmo conduzia o seu veículo automóvel; b) o resultado fornecido pelo exame efectuado quase a seguir à condução; e c) a hora em que o teste quantitativo, aqui em causa, (Drager) foi realizado. 26. A M.ª Juiz a quo deu como provado na fundamentação de facto que: “1. No dia 9 de Abril de 2009, pelas 20h05, na Rua ………., ………., Amarante, o arguido conduzia o veículo automóvel.... 2. Tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool através de alcoolímetro, marca Drager, modelo 7110 MK III P, número série ARNA - 0065, acusou uma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l”. 27. Determinou, ainda, que resultou provado para a decisão da causa que: “Nas circunstâncias de tempo e lugar em 1 e 2 da factualidade provada a taxa de álcool no sangue do arguido era efectivamente de 1,26 g/l”. 28. A Douta Sentença ora recorrida deu como provada a hora em que o arguido conduzia o veículo, mas não a hora em que o referido teste quantitativo lhe foi efectuado. 29. Ora, o Tribunal a quo não valorou e omitiu factos relevantes e necessariamente provados, nomeadamente que o teste quantitativo pelo aparelho Drager foi efectuado ao arguido somente às 21:43 horas, no posto da GNR do concelho de ………., facto provado quer por prova documental, o ticket junto aos autos a fls. 15, quer por prova testemunhal, o depoimento da testemunha da acusação, E………., Cabo da GNR, registado em gravação digital de “00:00:00 a 00:09:52 1° CD”, que aliás, na motivação da douta sentença, a M.ª Julgadora define-o como “...de forma objectiva e isenta revelou as circunstâncias de tempo e lugar em que fiscalizou o arguido...”. 30. Também, ficou provado que o 1° teste efectuado ao arguido quase de imediato à condução do veículo, através de um qualitativo, deu como resultado 0,75g/l, nomeadamente através de prova testemunhal, depoimento da supra testemunha da acusação, E………., Cabo da GNR, registado em gravação digital de “00:00:00 a 00:09:52, 1° CD”. 31. Entende-se que para determinar o grau de alcoolémia, deve-se ter em conta o resultado do teste ao sangue do arguido efectuado em momento mais próximo do exercício da condução. 32. A ciência ensina-nos, cfr. Apontamentos sobre “Toxilogia Forense, ed. do CEJ Nov. 2000”, que “O álcool ingerido sob a forma de bebida alcoólica e absorvido pela mucosa gástrica para a corrente sanguínea...sendo depois distribuído por todo o organismo”. “Durante a absorção e distribuição aumenta a concentração de álcool no sangue segundo a curva ascendente cujo pico máximo é alcançado cerca de 45 minutos a 90 minutos após a sua ingestão. Atingida a concentração máxima, inicia-se uma curva descendente, menos acentuada, que corresponde à metabolização e eliminação e que demora várias horas”. 33. Sendo estes os dados da ciência, e como o arguido, encontrado a conduzir cerca das 20:05 horas, foi submetido ao teste qualitativo (0,75 g/l), e cerca de hora e meia depois ao teste quantitativo (1,26 g/l), numa altura em que, como se depreende do resultado obtido no segundo teste, o grau de alcoolémia do arguido se encontrava numa curva ascendente, 34. Então, o grau de alcoolémia a ter em conta é o do resultado do teste qualitativo (0,75g/l), por ser o mais próximo do momento da condução. 35. Ora, tal analisador qualitativo e não quantitativo, não é um aparelho aprovado pelo Instituto Português de Qualidade, porque não obedece aos requisitos exigidos. 36. Assim, o resultado obtido com o teste quantitativo também não poderia ser tomado em conta por não ter fundamento legal. 37. Em abono dessa tese, vejamos os Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.03.2002, no SA 120020314046663, in www.dgsi.pt. 38. Dado que o grau de alcoolémia a ter em conta, no presente caso, é o resultante do analisador qualitativo, 0,75g/l e que tal resultado foi obtido por um aparelho que detecta a presença de álcool no sangue mas que não determina a taxa de álcool, conclui-se, salvo douta opinião contrária, pela absolvição do arguido, por aplicação do princípio in dúbio pró reo. 39. Infere, assim, a douta sentença ora recorrida de nulidade por falta de pronúncia - artigo 379.°, n.° 1, alínea c), 1.a parte, do CPP e de vícios de insuficiência da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida e da decisão e de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410°, n.° 2, alíneas a) e c), do CPP. 40. A Douta sentença violou o disposto nos artigos 379°, n.° 1, alínea c), 410°, n.° 2, al. a) e c), do CPP e o princípio do in dúbio pró reo, consagrado no artigo 32°, n.°2, da CRP. AINDA SEM PRESCINDIR. 41. Quanto à defesa do arguido que questionou a aprovação e validade do aparelho quantitativo, sempre se dirá que, aqui também, o Tribunal omitiu pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, incorrendo a douta sentença em nulidade, nos termos do artigo 379°, n° 1, alínea c), do CPP. 42. Assim como padece a douta sentença dos vícios da contradição insanável da fundamentação, previsto no artigo 410°, n.° 2, alínea b), do CPP e de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410°, n.° 2, alínea c), do CPP. Porquanto, 43. A M.ª Juiz a quo deu como provado que: “... 2. Tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool através de alcoolímetro, marca Drager, modelo 7110 MK III P, número série ARNA - 0065 acusou uma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l”. 44. Ora, os resultados obtidos através dos aparelhos de medição só constituem prova bastante se se encontrarem aprovados ou certificados nos termos legais e regulamentares, conforme resulta do artigo 153°, n.° 1, 158°, n.° 1, alíneas a) e b), do CE e artigo 5° da Portaria n.° 1556/2007, de 10.12. 45. No entanto, nem a testemunha Cabo F………, cuja inquirição consta da gravação digital de “00:00:00 a 00:09:52 1° CD”, nem qualquer outro meio de prova veio comprovar que o aparelho Drager aqui em causa se encontrava aprovado e verificado nos termos do disposto no artigo 5°, da Portaria n.° 1556/2007, de 10.12. 46. Não ficou provado que o dito aparelho tem a sua aprovação em vigor (só 10 anos), nem se o mesmo foi inspeccionado nos termos da verificação periódica (anual). 47. Assim, o Tribunal não reuniu as provas necessárias para a formulação da decisão material em condenar o arguido. 48. Ora, “se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido” - cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, pág. 213. 49. Consequentemente, o Tribunal ofendeu, de forma directa e gravosa, o princípio “in dúbio pró reo”, afloração normativa do princípio com assento constitucional da “Presunção de Inocência do arguido até à condenação” - artigo 32°, n.° 2, da CRP. 50. Assim, a douta sentença violou, entre outros normativos, os artigos 153°, n.° 1, 158°, n.° 1, alíneas a) e b), do CE e artigo 5° da Portaria n.° 1556/2007, de 10.12, 379°, n°1, alínea c), 410°, n.° 2, alíneas b) e c), do CPP e 32°, n.° 2, da CRP. SEM PRESCINDIR, e para o caso de assim não se entender 51. O delito em questão é punido com coima de € 500 a € 2.500 (81°, n.° 5, b), do CE). 52. A M.ª a quo condenou o arguido numa coima de € 1.500. 53. Dispõe o n.° 1, do artigo 18° do RGCC que a medida da pena deve ser determinada em função de quatro aspectos: gravidade da contra-ordenação, culpa, situação económica do agente e benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. 54. Quanto à gravidade da contra-ordenação, ponderou a M.ª Juiz a quo que a condução sob o efeito do álcool com uma taxa de 1,17 g/l assume notória e elevada gravidade. 55. Contudo, deduzida a percentagem de erro de 8% à taxa indicada no talão (1,26g/l), obtém-se o resultado de 1,1592, ou seja, 1,16 g/l e não 1,17g/l. 56. Por outro lado e salvo douta opinião contrária, tal taxa de 1,16 g/l não assume notória e elevada gravidade. 57. Relativamente à culpa, a M.ª Julgadora deu como provado: “...3. O arguido tinha ingerido bebida alcoólicas cuja natureza e quantidade lhe vedavam a condução de veículos automóveis na via pública ou equiparada. 4. Agiu com plena consciência que conduzia em estado de embriaguez, 5. Fê-lo de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”. 58. Contudo, salvo melhor opinião, há contradição insanável da fundamentação, visto que da motivação de facto e do exame crítico das provas, não existe qualquer elemento, documento ou testemunha que corrobora tal conclusão. 59. Assim, ao dar tais factos como provados, a douta sentença recorrida incorreu em vício de contradição insanável da fundamentação - artigo 410.°, n.° 2, al. b), do CPP. 60. Quanto à situação económica, o Tribunal não determinou o concreto rendimento auferido pelo arguido e aferiu por estimativa que o seu rendimento era muito superior à remuneração mínima. 61. Inexistem factos provados que permitem quantificar a remuneração do arguido. 62. Desconhece o Tribunal o rendimento do arguido e quais os seus encargos, assim como o mínimo necessário e indispensável à satisfação das suas necessidades básicas. 63. Pelo que, entende-se que a douta sentença ora recorrida contém um vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão (artigo 410°, 2, a), do CPP), já que a omissão resulta do texto da decisão recorrida. 64. O Tribunal não reuniu as provas necessárias para a determinação do seu rendimento. 65. Ora, “se o tribunal não reúne as provas necessárias à decisão, a falta delas não pode desfavorecer o arguido” - cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I. 66. Relativamente ao último aspecto identificado naquele artigo 18° (benefício económico que o arguido retirou da prática da contra-ordenação), como melhor consta do texto da decisão recorrida, o mesmo é nulo. 67. Assim, atendendo ao supra exposto, verifica-se que a coima aplicada é excessiva e ofende o princípio in dúbio pró reo (artigo 32°, da CRP). 68. Este Tribunal também condenou o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no artigo 147°, n.° 2, do C.E., pelo período de dois meses. 69. Ora, salvo douta opinião, não pode o arguido, por ter sido condenado em sede de julgamento sem possibilidade de contraditório, socorrer-se da possibilidade de especial atenuação ou suspensão da execução da sanção acessória, nos termos previstos nos artigos 175°, n.° 2 e 3, 140° e 141°, do CE. 70. Assim, a Douta Sentença recorrida ofendeu, entre outros normativos, o disposto nos artigos 175°, n.° 2 e 3, 140° e 141°, do C.E.. Respondeu o M.º P.º: 1. Se o arguido é condenado pela prática de uma contra-ordenação, uma vez absolvido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292° do Código Penal, é o Tribunal o competente para conhecer da prática da contra-ordenação, atento o disposto no artigo 77°, n.° l do RGCO. 2. Nos termos do disposto no artigo 92° e segs. do RGCC, são devidas custas no processo contra-ordenacional. 3. Da estrutura acusatória do processo penal decorre que é a acusação que define o objecto do processo, dela fazendo também parte a qualificação jurídica, sendo que, só na fase de julgamento pode haver uma reapreciação do enquadramento jurídico da factualidade imputada, podendo alterar-se o objecto do processo definido por aquela, através dos mecanismos previstos nos art.ºs 358° e 359°, do Código de Processo Penal. 4. Se um facto é trazido aos autos pela defesa, não há que dar lugar ao disposto no artigo 358°, n.° 1 do Código de Processo Penal, face ao disposto no n.° 2 do mesmo preceito legal. 5. A Lei 18/2007 de 17 de Maio, refere que o intervalo entre a realização dos dois exames não deverá exceder os trinta minutos, não determinando qualquer consequência para o caso de assim não suceder. 6. Só o teste quantitativo tem relevância atribuída tanto em sede de responsabilidade criminal como contra-ordenacional, pelo que só a partir dele é que o examinado pode exercer o seu direito ao contraditório, requerendo a contraprova. 7. Para preenchimento do tipo legal do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, basta, pelo lado objectivo, a condução na via pública ou equiparada com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a l,20g/l. 8. E, pelo lado subjectivo, não é necessário o dolo ou intenção ou, sequer, a simples consciência de condução ilegal; o crime preenche-se mesmo a título de mera negligência. 9. Assim, e não obstante o arguido se ter remetido ao silêncio em sede de audiência de julgamento, certo é que, se ao ser submetido ao teste de despistagem de álcool no ar expirado, acusou uma TAS de l,26 g/l provou-se que o mesmo ingeriu bebidas alcoólicas as quais lhe provocaram aquela TAS. 10. Se o Tribunal deu como provado que o recorrente era empresário da construção civil, com obras em Lisboa e Espanha, sempre teria de concluir que o mesmo possuía rendimentos superiores à remuneração mínima. 11. O recorrente não foi coarctado no seu direito de contraditório, uma vez que se encontrava presente em sede de audiência e julgamento. Nesta Relação a Ex.ma PGA defende que a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova que, uma vez declarado, prejudica o conhecimento das questões suscitadas no recurso. Assim explanou: “Entendeu a Sr.ª Juíza que proferiu a decisão recorrida, deduzir no valor constante do talão de fls. 15, «um erro máximo admissível», provocando dessa forma a redução da TAS verificada através do alcoolímetro, de l,26 g/l para 1,17 g/l, o que determinou a absolvição do arguido pelo crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292° do CP. Ora, entendemos que a sentença padece de erro notório na apreciação da prova, pois que o arguido não questionou em momento algum a autenticidade do valor registado pelo aparelho utilizado na fiscalização da TAS que lhe foi encontrada, nem a fiabilidade do mesmo, aquando da sua submissão a controle de álcool, na sequência de ter estado envolvido num acidente de viação. É que se assim fosse, devia ter pedido a contraprova legal, ou ter alegado factos donde pudesse inferir-se que aquele resultado não era fiável, o que não fez. Assim sendo, não podia a Sr.ª Juíza proceder ao desconto de qualquer margem de erro, como fez, da TAS indicada no talão referido, já que obtida por aparelho convenientemente aprovado e aferido, em termos regulamentares. No nosso entender, e que tem sido o da Jurisprudência maioritária, inclusive deste Tribunal da Relação, não há que proceder a qualquer desconto nos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos de avaliação da taxa de álcool no sangue expirado, pois que a margem de erro já é considerada aquando da aprovação e subsequentes verificações dos alcoolímetros, pela entidade competente - o Instituto Português de Qualidade. Não resulta de nenhum dos elementos de prova valorados pelo Tribunal recorrido que a taxa de álcool com que o arguido conduzia fosse diferente da do exame efectuado através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MKII P, que acusou 1,26 g/1, conforme consta do talão de fls. 15. Ao ter dado como provado que o arguido conduzia com a referida taxa de l,26g/l de álcool, e ao ter considerado na fundamentação que essa taxa era de 1,17g/1, a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no art.º 410° n° 2 al. c) do CPP, pois que: «Não tendo posto em causa a aprovação do aparelho utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue, nem as condições normais de utilização desse aparelho nem o procedimento de fiscalização utilizado pelo agente de autoridade que ao exame procedeu», não podia concluir que o valor da TAS, de 1,26 g/1, encontrado pelo aparelho referido, padecia de erro. Face ao exposto, somos de parecer que deve ser revogada a sentença, ordenando-se o reenvio, nos termos do art.º 426° n° l do CPP, a fim de ser proferida nova sentença que atenda ao valor da TAS, constante do ponto 2 da matéria de facto provada, e a fim de possibilitar ao arguido o duplo grau de jurisdição”. Colhidos os vistos dos Ex.mos Adjuntos, cumpre apreciar de decidir. O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade: 1. No dia 9 de Abril de 2009, pelas 20h05, na Rua ………., ………., Amarante o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula DN-..-.., ligeiro de passageiros. 2. Tendo sido submetido ao exame de pesquisa de álcool através de alcoolímetro, marca DRAGGER, modelo 7110 MK III P, número série ARNA – 0065 acusou uma taxa de alcoolemia de 1,26 g/l. 3. O arguido tinha ingerido bebidas alcoólicas cuja natureza e quantidade lhe vedavam a condução de veículos automóveis na via pública ou equiparada. 4. Agiu com plena consciência que conduzia em estado de embriaguez; 5. E fê-lo de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 6. O arguido é empresário da construção civil; 7. Trabalha em Espanha e Lisboa; 8. É uma pessoa habitualmente calma e ponderada; 9. Nada consta no seu certificado de registo criminal. E considerou não se haver provado que “Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1 e 2 da factualidade provada a taxa de álcool no sangue do arguido era efectivamente de 1,26 g/l”. Na sequência, considerou que o arguido circulava, pelo menos, com uma TAS de 1,17 g/l (deduzido o EMA à taxa revelada pelo aparelho). As conclusões da motivação balizam o objecto do recurso. Se bem que o Recorrente tenha descortinado na sentença inúmeros vícios que, na realidade, deles não enferma (a ponto de, diz, dever o tribunal, em seu entender, carrear aos autos informação que a si pode ser prestada, e de cujo direito se demitiu...; e pretendendo até remeter para depoimentos de testemunhas esquecendo que este tribunal só conhece de direito), o certo é que, por razões completamente distintas das por si invocadas, também nós entendemos que o Tribunal é materialmente incompetente para aplicar a coima. O que determina a anulação da condenação pela coima e a remessa dos autos à Autoridade Administrativa competente para a sua aplicação – art.ºs 33º do CPP, conjugados com os art.ºs 34º e 38º do RGCO. E, na sequência, prejudicada fica a análise das restantes questões do recurso que, de resto, o Recorrente deverá suscitar em sede de defesa junto da AA. Previamente se diga que: 1. O recurso em 1ª Instância apenas admite dois articulados: motivação e resposta – art.ºs 411º e 413º do CPP. Por isso, não pode o Recorrente responder ao recurso do M.º P.º mesmo que invocando o disposto no art.º 417º do CPP. Este preceito apenas é aplicável se e quando o M.º P.º na 2ª Instância não se limite a apor o seu visto. Por isso, tendo o Recorrente respondido à resposta do M.º P.º em 1ª Instância, deverá determinar-se o desentranhamento da aludida resposta e sua entrega ao Recorrente. Pelo incidente será condenado na mínima tributação. 2. Alega a Ex.ma PGA que a sentença padece do vício de erro notório na apreciação da prova uma vez que não pode ser deduzido qualquer margem de erro à leitura feita pelo aparelho. Dizemos que, a existir – e não existe – erro notório na apreciação da prova o mesmo verificar-se-ia se não fosse deduzido o dito erro. Expliquemos: Com o STJ[1] também nós afirmamos que a questão colocada pela Ex.ma PGA “é a de se saber, se «A taxa de álcool no sangue, a levar em consideração para efeitos do disposto no artigo 292º nº 1 do C. Penal, é a correspondente ao valor indicado pelo alcoolímetro ou, antes, a correspondente a tal valor deduzido o valor de erro máximo admissível a que alude o nº 6 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 748/94, de 13-08 [a que corresponde, como se refere no acórdão recorrido, o artigo 8º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10-12, que revogou a Portaria nº 748/94]». E também com o nosso mais Alto Tribunal respondemos que o que está em causa é “uma questão de apuramento de factos, e, portanto, de apreciação de prova. Os dados fornecidos pela Portaria[s] foram levados em conta, em cada um dos dois acórdãos, com efeitos diferentes para o apuramento dos factos. Melhor, desses dados é feita uma utilização diversa, pelo julgador, quando chamado a pronunciar-se concretamente sobre a taxa de alcoolémia do condutor a ser julgado, e portanto a decidir de facto”. Porque assim, conclui o STJ, que se trata de “Maneiras diferentes de apreciar a prova, uma eventualmente mais correcta que outra, mas nada mais”. Estando em causa maneiras diferentes de apreciar a prova, permitindo a Lei ambas, é óbvio que não estamos perante erro notório na apreciação da prova, entendido como sendo aquela que qualquer cidadão comum dele se dá imediata conta. De resto, repete-se, a haver erro notório seria sempre na não dedução da MEA. Os argumentos são de todos conhecidos e não vale a pena repeti-los. Em todo o caso, fazendo uso das palavras da Ex.ma PGA, os aparelhos são sujeitos a calibração porque têm erros e, assim, “a margem de erro já é considerada aquando da aprovação e subsequentes verificações dos alcoolímetros, pela entidade competente - o Instituto Português de Qualidade”. O que é para nós óbvio. Mas se têm erros antes da calibração, periódica, então é evidente que no dia anterior ao da calibração, se foram usados, “declararam” a TAS com uma margem de erro que, por imposição da Lei, deve ser deduzida ao valor declarado. Sempre em benefício da verdade material e do princípio in dúbio pró reo. Quem conhece os aparelhos sujeitos à inércia, como é o caso dos alcoolímetros, sabe bem que é impossível eliminar todas as margens de erro, por mais precisa que seja a calibração. E se o aparelho está sujeito a precessão, então a margem de erro aumenta na proporção directa da dita precessão. Importa acrescentar que em estudo empírico publicado no BMJ 384º, pgs. 5 e segs, se concluiu que “todos os métodos de determinação da alcoolémia, incluindo a CFG[2] que utilizamos como técnica de referência, são passíveis de erro”. Por isso, “a necessária eliminação de falsos culpados aconselha o uso de determinações repetidas, suas médias e factores adequados de correcção” (realce nosso). Daí que a Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML R 126) aconselhe o uso de factores de correcção. O que levou o legislador português a consagrar em corpo de lei - artigo 8º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10-12- os EMA dos aparelhos, variáveis em função do teor do álcool expirado. Ora, se em sede de calibração é possível ter em conta os erros, já não é possível eliminá-los na totalidade precisamente porque eles são variáveis em função do teor do álcool. A calibração tem de fazer-se por referência a determinados valores, médios, e não um para cada valor, inferior ou superior, o que não é possível, repete-se. Por isso, a última correcção terá de ser feita em concreto. Como foi feita na sentença. Destarte, de nenhum erro notório padece a sentença recorrida. 3. Analisemos agora a questão suscitada de saber se o Tribunal a quo tinha competência material do Tribunal para aplicar a coima. Retornemos à realidade dos autos: O arguido B………. foi acusado pelo M.º P.º da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, e 69º do C. Penal. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que o absolveu da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292 do Código Penal. E condenou-o o arguido pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art.º 81º, nº 5, al. b), 146º al. j) e 147º, nº2, todos do Código da Estrada na coima de €1.500 (mil e quinhentos euros) e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de dois meses. Para decidirmos a questão, convoquemos as normas legais aplicáveis: Prescreve o art.º 33º do RGCO, subordinado à epígrafe “Regra da competência das autoridades administrativas”. “O processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma”. Por seu turno, reza o art.º 54º do mesmo diploma com a epígrafe “Da iniciativa e da instrução”: 1. O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular. 2. A autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima. 3. As autoridades administrativas poderão confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos. Acrescenta o art.º 77º com o título “Conhecimento da contra-ordenação no processo criminal: 1. O tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime. 2. Se o tribunal só aceitar a acusação a título de contra-ordenação, o processo passará a obedecer aos preceitos desta lei. Finalmente, dispõe o art.º 78º, que tem a encimá-lo: “Processo relativo a crimes e contra-ordenações” 1. Se o mesmo processo versar sobre crimes e contra-ordenações, havendo infracções que devam apenas considerar-se como contra-ordenações, aplicam-se, quanto a elas, os artigos 42°, 43°, 45°, 58°, n.ºs l e 3, 70° e 83.° 2. Quando, nos casos previstos no número anterior, se interpuser simultaneamente recurso em relação a contra-ordenação e a crime, os recursos subirão juntos. 3. O recurso subirá nos termos do Código de Processo Penal, não se aplicando o disposto no artigo 66° nem dependendo o recurso relativo à contra-ordenação dos pressupostos do artigo 73°. Conjugando os preceitos transcritos, logo se conclui que o regime-regra é o da atribuição de competência material às Autoridades Administrativas para a instauração, instrução e decisão das contra-ordenações. Competência essa que é atribuída aos Tribunais apenas a título excepcional, e não também como regime-regra. Se assim não for entendido, subverte-se o espírito do sistema. Como parece óbvio. Interpretando-se literalmente o art.º 77º do RGCO, com facilidade se chegará à conclusão de que os tribunais, em qualquer situação, podem “apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime” (sic). O que conduz à dita subversão na medida em que permite que os tribunais se substituam à autoridade administrativa, avocando processos que são da exclusiva competência desta. Ou seja, em qualquer situação poderiam conhecer das contra-ordenações. Repugna tal interpretação pelas consequências aberrantes a que conduz. É esta, ao que parece, a interpretação do Digno Magistrado do M.º P.º em 1ª Instância, que se estriba em acórdãos de Tribunais Superiores que, com o devido respeito, nada esclarecem quanto à matéria, como demonstraremos. Com efeito: ● O Ac da RL de 7/5/2008[3], afirma que, “sendo a taxa de álcool no sangue de 1,15 g/l, o tribunal de 1ª instância deveria, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 77º do RGIMOS, ter condenado a arguida pela prática da contra-ordenação muito grave por ela cometida”. Sem mais, ou seja, sem qualquer fundamento que leva a aceitar como boa a decisão. Para além de que se ignora se nos autos se cumulavam crimes com contra-ordenações. ● O Ac do TG de 26/02/2007[4], ao contrário do que se alega, nem sequer abordou a questão que, de resto, não era objecto do recurso. ● O Ac da RC de 24/09/2008[5], trata de questão bem diversa, que é a de saber se o Juiz pode deduzir o erro máximo admissível no despacho a que alude o art.º 311º do CPP, concluindo pela negativa. Aí se afirma: “No caso em presença, o despacho recorrido afirma situação de incompetência para o conhecimento desse objecto, por considerar que se encontrava perante infracção contra-ordenacional e não criminal. Mas, para tanto, altera a TAS constante do auto de notícia, introduzindo-lhe operação que dele não consta, a saber, desconto do valor registado por ponderação de taxa de erro do aparelho. Sem discutir aqui – não é esse, como se disse, o cerne do presente recurso - se esse desconto encontra ou não fundamento, não oferece dúvida que a decisão recorrida avança com uma avaliação da questão de facto, antes de mesmo de ouvir qualquer prova e os sujeitos processuais, para concluir por realidade desconforme com o impulso acusatório que deveria julgar. Ou seja, na apreciação da sua competência material para conhecer da causa começa por alterá-la. Isto depois de ter recebido o requerimento do Mº Pº para julgamento em processo sumário, procedido à sua marcação e adiamento para preparação da defesa. Ora, os pressupostos processuais devem ser avaliados perante o objecto do processo delimitado pela acusação, reservando para o momento adequado – sentença – a formulação da decisão em matéria de facto, designadamente, a afirmação da TAS mencionada no auto de notícia como provada ou não provada. A TAS imputada ao arguido de 1.28 g/l ultrapassa o limiar da infracção criminal prevista no art.º 292º, nº 1, do CP, e, inerentemente, a causa deve ser conhecida em processo criminal e perante tribunal judicial singular (art.ºs. 202, nº 1, da CRP, 1º e 17º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), 10º e 16º, nº2, al. b) do CPP), e não pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária”. Porque assim, determinou-se o prosseguimento dos autos sem indicar o que deve fazer-se se, uma vez efectuado o julgamento, vier a concluir-se que a TAS era inferior a 1,20g/l”. Manuel Ferreira Antunes[6] chega a conclusão que, apesar de melhor salvaguardar os direitos do acoimado do que a defendida pelo M.º P.º em 1ª Instância, é, salvo o devido respeito, inaceitável porque faz com que os tribunais “passem a servir de Autoridade Administrativa”, o que o legislador quis evitar, como veremos. Escreve: “Enquanto que, de acordo com o artigo anterior, o tribunal não está vinculado à apreciação do facto imputado na «acusação-decisão» como contra-ordenação, podendo entendê-lo como crime, de acordo com este artigo 77, o tribunal não está vinculado à apreciação do facto imputado na «acusação» como crime, podendo entendê-lo como contra-ordenação. Contempla-se aqui, neste sentido, o inverso do artigo anterior. O MP pode acusar por crime e o tribunal qualificar o facto como contra-ordenação e só por esta receber a acusação.(…) Nos termos dos artigos 38.° e 39, cabe ao juiz competente para o julgamento do crime a aplicação da coima. No caso de a apreciação do facto como contra-ordenação, imputado na acusação a título de crime, se verificar depois de recebida a acusação criminal, maxime no julgamento, o juiz condena o arguido na respectiva coima e sanção acessória ou arquiva ou absolve, se for o caso, conforme o artigo 64. Neste caso, parece resultar do n.° l que a apreciação da infracção como contra-ordenação obedecerá às regras do processo criminal, sem prejuízo dos elementos estabelecidos no artigo 58-1 e 3, quanto à decisão. Se a acusação criminal for «convolada» pelo juiz em acusação contra-ordenacional, dali em diante, o processo segue as regras desta LQCO e não as regras do processo criminal, nos termos do n.° 2. Mas convém estabelecer alguma precisão. O n. ° 2 reporta-se ao caso de a apreciação do facto como contra-ordenação, imputado na acusação a título de crime, se verificar no momento do recebimento da acusação, nos termos do artigo 311, do CPP. O processo «passará» então a obedecer às regras da LQCO. Uma dessas regras é a do artigo 33, que estabelece que o processamento e aplicação das coimas compete às autoridades administrativas, segundo a tramitação dos artigos 48. ° e seguintes. Outra dessas regras é a do artigo 38-3, segundo a qual o MP remete o processo à autoridade administrativa competente. Outra das regras é a do artigo 39, segundo a qual, no caso de concurso de crime e contra-ordenação, compete ao juiz criminal aplicar a coima e a sanção acessória. Outra das regras é a do artigo 66, segundo a qual a audiência de julgamento obedece às regras do processamento e julgamento das transgressões. Uma outra é a regra é a de que pode decidir-se por simples despacho, nos termos do artigo 64-2. Concorre a regra da decisão condenatória prevista no artigo 58. Temos ainda as regras da fase judicial do processo, que só tem lugar havendo recurso de impugnação, nos termos dos artigos 55.° e 59. Colocou-se a questão de saber se, «obedecer aos preceitos desta lei» significa, inter alia, que o juiz remete o processo à AA competente, para que esta cumpra a respectiva tramitação contra-ordenacional, ouvindo o arguido (Artigo 50), possibilitando o pagamento voluntário (Artigo 50-A), etc., ou se significa, antes, que o processo continua em juízo onde «passará» a ser tramitado de acordo com a LQCO. Das expressões «aceitar a acusação» e «passará a obedecer» não resulta inequívoco que o processo deva prosseguir em juízo, funcionando o juiz, neste caso, em substituição da AA. Por outro lado, quer a regra do n.° l, quer a epígrafe «Conhecimento da contra-ordenação no processo criminal», aliados ao princípio da economia processual, de esforços e meios, apontam no sentido de que o juiz conheça da contra-ordenação, no próprio processo. Já chegamos a propender para a solução da remessa do processo à autoridade administrativa. No entanto, afigura-se-nos que, podendo o processo ser decidido em juízo, sem mais delongas, deve o juiz evitar essa remessa. Se o legislador tivesse querido que o processo fosse remetido à AA, podê-lo-ia ter dito, como fez noutros casos. Nestes termos, aceite a acusação por contra-ordenação, parece-nos que o juiz deve procurar ouvir o arguido quanto à contra-ordenação (Artigo 50) e quanto ao pagamento voluntário da coima pelo mínimo (Artigo 50-A) c prosseguir em conformidade”. Em síntese, traduzindo a sua posição: se a acusação criminal for “convolada” em contra-ordenacional, o Juiz passará sempre a exercer as funções que competem à AA. Na sequência, o tribunal passará a ter sempre competência para instruir e julgar todas as contra-ordenações, mesmo que nenhuma ligação tenham a processos-crime. Não foi esta a vontade do legislador e nem é a esta solução a que nos conduz o elemento sistemático. A interpretação literal, como é sabido, conduz a resultados que, por vezes, são inaceitáveis. Por isso, deve o intérprete socorrer-se da interpretação lógica. Recorramos, por isso, aos elementos histórico e sistemático Em 1979, sendo Ministro da Justiça Eduardo Correia, foi publicado o DL 232/79, de 24/07, em cujo exórdio se vinca: “Está em causa um ordenamento sancionatório distinto do direito criminal”. O Diploma em causa, face às críticas surgidas, foi suspenso na sua aplicação (na prática, revogado) pelo DL 411-A/79, de 1 de Outubro. Só com a publicação do DL 433/82, de 27 de Outubro é que, na realidade, foi introduzida na ordem jurídica portuguesa o DMOS[7], dispondo no art.º 1º: Contra-ordenação é “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima”. Eduardo Correia, insigne Mestre de Coimbra, era seguidor da doutrina alemã. Neste campo particular, “importou” o regime jurídico aí vigente. É sabido que foi na Alemanha que primeiro surgiu o DMOS como reacção contra a tendência hiper-criminalizadora que entretanto surgira. Na verdade, no final da II Grande Guerra, os Estados estavam lançados, na expressão sugestiva de Rogério Soares, «quase em delírio, numa tutela imediata dos mais variados interesses (...), levou ao aparecimento de (...) um profuso ordenamento policial, que porém se movia ainda sem subordinação a preceitos jurídicos e não pertenciam em rigor à ordem jurídica». A Administração concentrava agora a sua actividade de polícia na protecção antecipada de perigos (...), que eram regulamentados pelo direito penal administrativo, denominado de «direito penal policial», distinto do direito penal. A primeira reacção contra a tendência hiper-criminalizadora surgiu na Alemanha, onde o estigma do nazismo era realidade. Eberhard Schmidt, em 1952, foi determinante no aparecimento da lei das contra-ordenações alemã, cujas finalidades eram[8]: a) Assegurar a autoridade do Estado, sem criar um Direito Penal opressivo. b) Retirar do direito penal grande número de infracções de nula/duvidosa relevância ético-sociais; c) Postergar a aplicação de sanções privativas da liberdade a esses casos, conhecidos que são os efeitos criminógenos das penas privativas de liberdade, ganhando relevo o carácter dissuasor das sanções pecuniárias; d) Descongestionar os tribunais, por as suas sanções (coimas e sanções acessórias) serem aplicadas por autoridades administrativas. Porque assim é, aceitando-se como boa a interpretação a que em cima se faz alusão, logo cai por terra uma das finalidades da criação do ilícito de mera ordenação social: a de descongestionar os tribunais, por as suas sanções serem aplicadas por autoridades administrativas, passando os tribunais a assumir a competência destas e, desta forma, se contribuindo para o avolumar das pendências processuais. Ou seja, trata-se de interpretação contra o espírito do legislador. Por outro lado, o art.º 77º do RGCO está inserido no capítulo IV do RGCO que tem por epígrafe “processo de contra-ordenação e processo criminal”. A cumulativa constante da epígrafe não foi lá colocada por mero acaso, antes tem por fim relacionar o processo-crime com o processo contra-ordenacional. Finda o capítulo no transcrito art.º 78º, que alude a processo relativo a crimes e contra-ordenações. Da inserção sistemática do art.º 77º se pode concluir que o processo contra-ordenacional só pode ser conhecido pelos tribunais se e quando o mesmo processo versar sobre crimes e contra-ordenações em cumulação (cfr. art.º 38º do RGCO). Ou seja, e em conclusão: 1. Se, pelo mesmo facto, uma pessoa responder a título de crime e de contra-ordenação, será competente para conhecer de ambos os ilícitos o tribunal; 2. Se uma pessoa responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação, verificando-se os requisitos da conexão subjectiva, é competente para conhecer de ambos os ilícitos o tribunal criminal. 3. Em todos os restantes casos, em que não estão reunidos os requisitos da conexão, é sempre competente para conhecer da contra-ordenação a Autoridade Administrativa. Como bem refere Manuel Antunes[9], “se, no mesmo processo, concorrerem crimes e contra-ordenações, àquelas contra-ordenações que forem autónomas dos crimes (por não consumidas), aplicam-se, não as regras criminais, mas, os artigos 42° (meios de coacção), 43º (princípio da legalidade), 45 (consulta dos autos), 58º-1-3 (requisitos da decisão condenatória), 70º (participação da AA) e 83º (processo de apreensão)”. Porque, in casu, não estamos perante concurso de crime e contra-ordenação, a Sr.ª Juiz devia limitar-se a absolver o arguido da prática do crime por que vinha acusado, determinando a remessa dos autos à AA para instrução e decisão da contra-ordenação. Não podendo condená-lo como autor material de uma contra-ordenação por não ter competência material. Face à solução defendida, prejudicada fica a análise das restantes questões do recurso. DECISÃO: Termos em que: 1. Se determina o desentranhamento da resposta de fls. 159 e segs. 2. Se condena o Recorrente na mínima tributação pelo incidente; 3. Na procedência do recurso, embora por fundamentos bem diversos dos invocados, anula-se a decisão recorrida na parte em que condenou o arguido como autor de uma contra-ordenação, determinando-se que os autos sejam remetidos à Autoridade Administrativa (Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária) para que aí seja processada e julgada a contra-ordenação. 4. Sem tributação nesta parte Porto, 16.12.2009 Francisco Marcolino de Jesus Élia Costa de Mendonça São Pedro _____________________________ [1] Ac de 10/09/2009, processo 458/08.0GAVGS.C1-A.S1 in www.dgsi.pt [2] Cromatografia da Fase Gasosa [3] Processo 2199/2008-3, in www dgsi.pt [4] Processo 2602/06-2, in www.dgsi.pt [5] Processo 39/08.8PANZR [6] Contra-ordenações e Coimas, Anotado e Comentado, Livraria Petrony, s/d, p. 511 [7] Direito de Mera Ordenação Social [8] No sentido do texto, cfr. FIGUEIREDO DIAS, Jorge, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p 136 e ss. [9] Op cit., p. 513