A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º, 1 do C. Penal, não viola o art. 58º, n.º 1 da CRP, segundo o qual “todos têm direito ao trabalho”. Com efeito, o que está em causa com a proibição de conduzir veículos com motor é a restrição de um direito civil que só colateralmente atinge o direito ao trabalho. Este, no entanto, na vertente do direito à segurança no emprego, não constitui um direito absoluto, podendo ser legalmente constrangido, desde que se mostre justificado, proporcional e adequado à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais.
Recurso n.º 1418/09.9PTPRT.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro; Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I.- RELATÓRIO. 1. No PCS n.º 1418/09.9PTPRT.P1 dos Juízos de Pequena Instância Criminal do Porto, ..ª Secção, em que são: Recorrente/Arguido: B……… . Recorrido: Ministério Público. foi proferida sentença em 2009/Out./26, a fls. 32-37, que condenou o arguido, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo disposto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de multa de 50 dias, à taxa diária de 6,00 €, e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de três meses e quinze dias. 2.- O arguido interpôs recurso em 2009/Nov./16, a fls. 40-55, pugnando que seja considerada nula a pena acessória de inibição de conduzir, por violação do art. 65.º, n.º 1 do Código Penal e 30.º, n.º 3, da C. Rep., que tem como efeito necessário a perda do direito profissional, apresentando para o efeito e em suma, as seguintes conclusões: 1.º) A decisão do Tribunal “a quo” considera como automática a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, não considerando devidamente todos os elementos que podem justificar a aplicação da pena acessória [1-2]; 2.º) Apenas atendeu o tribunal “a quo” à taxa de álcool e a sua graduação no âmbito do Código da Estrada, verificando-se no caso em apreço uma insuficiência e até inexistência de motivação para a aplicação da mesma, aplicando, assim, a pena acessória de inibição de conduzir de forma absolutamente automática [3-4]; 3.º) O tribunal “a quo” na aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, considerou automático a aplicação da pena acessória, não tendo verificado se os elementos e pressupostos estariam preenchidos no caso concreto e esta consideração retira-se da própria ausência de motivação na sentença para a sua aplicação [4-13]; 4.º) Factualidade que ponderou, segundo se dá conta pelo preceituado no art. 69.°, n.º 1 alínea a) do C.P e pelo artigo 146.° alínea j) do C. Estrada, rio que concerne a aplicação da pena acessória de conduzir veículos motorizados, parece fazer crer que a pena acessória é automática [14-15]; 5.º) De acordo com o estipulado no art. 65.°, n.º 1 do C. P. e 30.º, n.º 4 da C. P. P., nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos [16-17]; 6.º) O recorrente, e como o tribunal “a quo” teve oportunidade de conhecer, mas que parece não ter valorado aquando da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, é motorista de pesados e trabalha na firma C………. [18]; 7.º) A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, tem como efeito necessário a perda do seu posto de trabalho, o que considera consubstanciar uma terceira pena em que é condenado, uma vez que a aplicação desta pena acessória terá como efeito necessário a perda dos seus direitos profissionais; 8.º) E isto porque, na situação económica actual, nenhum patrão admitirá ter ao seu serviço um trabalhador com categoria de motorista de pesados que não esteja habilitado para conduzir durante determinado período [19]; 9.º) O tribunal “a quo” aquando da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, violou o art. 65.°, n.º 1, do C.P. bem como o art. 30.°, n.º 4, da CRP. 3. O Ministério Público respondeu em 2009/Dez./09, a fls. 62-68, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo que: 1.º) A sentença recorrida não enferma de qualquer vício legal, designadamente por violação do preceituado nos art. 65.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, °, al. a) e n°2, do Código Penal ou do art.30.º, n.º 4, da CRP; 2.º) O tribunal “a quo” efectuou uma correcta ponderação de todos os factos relevantes para a aplicação e determinação das penas, bem como das suas medidas concretas, aplicando ao arguido uma pena de multa e uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que repercutem tal ponderação; 4.º) A pena acessória aplicada (3 meses e 15 dias de proibição de conduzir) não podia deixar de ser aplicada ao arguido neste caso, dado que se impôs a sua condenação numa pena principal (multa) por crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do C. Penal, em conjugação com o art. 65°, n°1, do mesmo código; 5.º) Como resulta da análise dos factos dados como provados na douta sentença, num caso, como este, em que o arguido tinha 34 anos de idade, actuou dolosamente, apresentava uma TAS de 2,30 gr/l e foi fiscalizado após ter sido interveniente num acidente de viação, impõe-se prevenir a perigosidade que este arguido potencialmente representa para a sociedade, por ter desprezado uma regra essencial da condução rodoviária censurando-se-lhe tal perigosidade de modo firme e claro, como contributo indispensável para a sua emenda cívica enquanto condutor, assinalando-se também um efeito de prevenção geral de intimidação, a funcionar exclusivamente dentro do limite da culpa; 6.º) Se, porventura, não lhe fosse aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ao arguido neste caso, tal decisão constituiria uma grave ofensa ao preceituado nos art. 65.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, pois a condenação não seria dissuasora para ele próprio e para a comunidade; 7.º) A pena acessória aplicada ao arguido é justa, devendo ser mantida, porque é indispensável à censura firme, clara e eficaz da sua personalidade e potencial perigosidade enquanto condutor de veículos a motor na via pública, revelada na prática dos factos em questão, cuja ilicitude é intensa, sendo também adequada ao grau de culpa do mesmo, e, por isso, a garantir as finalidades da punição em termos de prevenção geral positiva e de prevenção especial. 4. O Ministério Público nesta Relação teve vista dos autos, tendo emitido parecer em 2010/Jan./06, a fls. 76-77, aderindo à resposta anterior. 4.- Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. penal e foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito do presente recurso.*As questões suscitadas em recurso residem em saber se a pena acessória foi aplicada de modo automático [a)] e se a mesma viola o direito constitucionais civis e o direito ao trabalho [b)].* * *II.- FUNDAMENTAÇÃO. 1.- A sentença recorrida. Nesta foi dada como provada a factualidade que se passa a transcrever: “1. - No dia 25 de Outubro de 2009, pelas 19 horas e 05 minutos, na Rua ………., .., no Porto, o(a) arguido(a) conduzia o veículo automóvel ligeiro, de matrícula 44-47-PE, de sua propriedade, tendo sido interveniente num acidente de viação. 2. - Nesta ocasião, o(a) arguido(a) foi fiscalizado por elemento da PSP da Divisão de Trânsito e, de seguida, foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado através do respectivo aparelho, Drager Alcotest, modelo 7110MK III-P, aprovado pelo IPQ e pela DGV acusando uma T.A.S. de 2,30 g/l. registada, e depois não quis contraprova. 3. - A conduta do(a) arguido(a) foi voluntária e consciente, sabendo o(a) mesmo(a) que conduzia sob a influência do álcool e que tal conduta não lhe era permitida, sendo punida por lei penal. 4. - O(A) arguido(a) é casado, motorista de camião TIR, trabalha para a firma C………. sita em ………., e aufere por mês 650,00€, a esposa é empregada de café e aufere por mês 450,00€, tem uma filho de 11 anos de idade e paga de renda de casa 350,00€ por mês, como habilitações literárias possui o 8ºano. 5. - O(A) arguido(a) não tem antecedentes criminais, como consta do CRC junto. 6. - O arguido confessou os factos e declarou-se arrependido(a), e tem carta de condução desde 1996.”*2.- Fundamentos do recurso. a) A pena acessória de proibição de conduzir. O crime de condução de veículo em estado de embriaguês da previsão do art. 292.º, n.º 1 Código Penal[1], pune “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l …”. Trata-se de um crime de perigo abstracto, o que significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, partindo-se da presunção de que o estado de embriaguez, nas suas diversas cambiantes, torna qualquer pessoa inapta para conduzir, criando-lhe, por um lado, uma imoderada confiança em si próprio, diminuindo-lhe, por outro lado, a rapidez de reflexos, a capacidade visual e o raciocínio. Mediante este crime pretende-se tutelar imediatamente a segurança da circulação rodoviária em geral e mediatamente os riscos de lesão para a vida, a integridade física e os bens patrimoniais. Por sua vez, segundo o disposto neste art. 69.º, n.º 1, “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º”. Embora se trate de uma pena acessória, a sua aplicação está sujeita às mesmas finalidades de qualquer pena, da previsão do art. 40.º, n.º 1, que consiste na protecção dos bens jurídicos violados e na reintegração do condenado na sociedade. Isto significa que a pena acessória, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, continua a ter uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa.[2] Por isso e de forma a ultrapassar-se qualquer efeito automático das penas, o julgador deve proceder à aferição da medida concreta da proibição de conduzir, tendo em atenção as apontadas finalidades das penas e os critérios da sua determinação, os quais estão expressos no art. 71.º. Neste sentido se tem pronunciado a generalidade da jurisprudência, como sucede com os Ac. R. E, de 1998/Fev./17 [CJ II/291], 1998/Mar./10[3] [BMJ 475/798], R. C. de 1997/Mai./15, BMJ 467/640, 1999/Jun./02, R. P. de 2000/Nov./29, [CJ III/54 e V/229], referindo-se expressamente neste último que “Esta pena acessória deve ser determinada tendo em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção”. A sentença recorrida não divergiu deste entendimento, ao fundamentar que “No caso em apreciação, a gravidade do facto praticado justifica a aplicação da pena acessória” [p. 6, § 2.º], o que nos remete para as considerações aí expendidas anteriormente sobre a medida da pena, as quais não ofereceram qualquer impugnação por parte recorrido. Aliás, a TAS revelada pelo arguido, cifrando-se em 2,30 g/litro, quando o mínimo legal do crime de condução de veículo em estado de embriaguez [292.º, n.º 1] se situa em 1,2 g/litro, patenteia uma ilicitude situada num patamar elevado, quase que se aproximando do dobro (2,40 g/litro) daquela TAS mínima, bem como uma culpa igualmente intensa, não sendo de esquecer que o mesmo foi interveniente num acidente de viação. Nesta conformidade, o único defeito que se poderia apontar ao referido período da proibição de conduzir, já para não falar da pena de multa, seria a sua inadequação, por defeito, mas nunca e em momento algum, por excesso, à perigosidade revelada pelo arguido e às exigência de prevenção geral – a uma perigosidade elevada deve corresponder uma pena acessória elevada. Sustenta o recorrente que na aplicação da pena acessória não foi tido em conta que o mesmo era motorista. Aqui convenhamos que estamos de acordo, mas já não quanto às consequências que essa ponderação poderia originar. Ora, sendo o recorrente um motorista profissional, é-lhe exigível um muito maior cuidado e acerto no cumprimento das regras estradais do que à generalidade dos cidadãos. E isto porque essa circunstância ou qualidade profissional, em virtude do mesmo circular mais tempo na estrada, potencia ou incrementa exponencialmente o risco de acidente. Daí que as exigências de prevenção, tanto especial ou geral, são mais acentuadas e levariam sempre a um aumento desse período de proibição de conduzir e não ao contrário.*b) Os direitos constitucionais civis e o direito ao trabalho. A Constituição da República estabelece no seu art. 30.º, n.º 4 que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos”. No mesmo sentido se perfilha o disposto no art. 65.º, n.º 1 do Código Penal. A fundamentação desta injunção constitucional e legal reside nos princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, como seja o respeito pela dignidade humana [1.º C. Rep.] e os direitos fundamentais [2.º C. Rep.]. A partir daqui surgem os grandes princípios constitucionais de política criminal, como seja o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal, o princípio da humanidade e o princípio da igualdade [Ac. TC n.º 16/84, 165/86 e 353/86, 202/2000, in, respectivamente, DR II, de 12/Mai./84, DR I, de 02/Jun./86, DR II de 09/Abr./87, DR II, de 11/Out./2000]. Assim, nenhuma pena pode ter como seu efeito automático a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, exigindo-se, por isso mesmo, que a aplicação de qualquer reacção penal, seja a título principal, seja a título acessório, tenha a mediação jurisdicional. A propósito da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, agora da previsão do art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, a jurisprudência do tribunal constitucional tem insistentemente aceitado que havendo essa ponderação jurisdicional não se pode falar que as correspondentes consequências inibitórias de conduzir correspondem a um efeito necessário ou automático de uma pena [Ac. 53/97, 251/99, 149/2001 e 630/04][4]. E isto porque a determinação dessa pena acessória fundamenta-se, tal como a pena principal, na prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer outros factos adicionais, tratando-se de uma pena compósita. Para o efeito e de uma forma lapidar escreveu-se naquele Ac. 53/97, o seguinte: “Admitindo que a faculdade de conduzir veículos automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do artigo 71º do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei (...). A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida de inibição de conduzir se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para esta última. Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais. Atenta a natureza da infracção, com a inerente perigosidade decorrente dessa conduta, surge como adequada e proporcional a sanção de inibição de conduzir.”*Muito embora o recorrente não o diga expressamente, o certo é que o mesmo acaba por invocar que essa pena de proibição de conduzir veículos automóveis viola o art. 58.º, n.º 1, da C. Rep., segundo o qual “Todos têm direito ao trabalho”. Este direito constitucional ao trabalho, como uma das dimensões dos direitos e deveres económicos e sociais, tem uma vertente positiva e outra negativa[5]. A primeira consiste essencialmente no direito em obter emprego ou em exercer uma actividade profissional, correspondendo a um direito positivo dos cidadãos em relação ao Estado, competindo a este a sua promoção, nos termos estabelecidos no art. 58.º, n.º 2, a realizar mediante intermediação legislativa ou administrativa. Do mesmo não decorre um direito subjectivo a obter um concreto posto de trabalho. A segunda vertente surge antes como uma garantia dos cidadãos, que compreende diversas facetas, designadamente: a liberdade em procurar trabalho (a); o direito de igualdade no acesso a quaisquer cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais (b); o direito a exercer efectivamente a sua actividade laboral, proibindo-se a inactividade e a suspensão arbitrárias (c); o direito à segurança no emprego, proibindo-se os despedimentos injustificados ou a cessação da relação laboral sem fundamento legal (d). Desta última faceta não decorre que a entidade patronal ou empregadora não possa, de um modo legítimo, alterar, suspender ou mesmo extinguir a relação laboral que o liga a um trabalhador, como já se decidiu no Ac. Tribunal Constitucional n.º 951/96, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. Por outro lado, o que está em causa com a proibição de conduzir veículos com motor é a restrição de um direito civil, só podendo atingir colateralmente o seu direito ao trabalho. Este, no entanto, na sua vertente de direito à segurança do emprego, não constitui um direito absoluto, podendo ser legalmente constrangido, desde que este se mostre justificada, proporcional e adequada à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais. Esta restrição pode ser decretada por um tribunal e surgir por via da aplicação de medidas cautelares excepcionais ou então mediante reacções penais ou medidas de segurança estabelecidas no ordenamento de um Estado de Direito Democrático, de que este, sob pena de implodir, não pode prescindir, como “ultima ratio” da preservação da paz jurídica e da convivência em sociedade. Por outro lado, a punição da condução de veículo em estado de embriaguez surge como um meio de tutelar outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança das pessoas, a sua vida e integridade física, face aos riscos acrescidos decorrente do trânsito de veículos por condutores que apresentem uma TAS superior ao legalmente estabelecido. É neste sentido que se tem perfilhado o Tribunal Constitucional, de que é seu exemplo o Ac. n.º 440/02, que muito embora tirado a propósito da constitucionalidade da sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir, têm aqui plena aceitabilidade as razões aí expendidas. Para o efeito considerou-se que essa sanção de acessória de inibição de conduzir tem plena justificação se “se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente se dirige também aquela medida, na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool”. Mais se acrescentou que “o conteúdo essencial do direito ao trabalho que aquele vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da inibição de condução (…) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito do trabalho com a protecção de outros bens – que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessórias infligidas – não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho”. Por fim, sustentou-se que “a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições, tal como é sustentado pelo recorrente, não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação desse direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental”. Pelas mesmas razões o art. 23.º da DUDH, que consagra um direito ao trabalho, pode ser restringido para a salvaguarda de outros direitos humanos, como o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa, estabelecido no art. 3.º, desta mesma Declaração Universal. O que importa é que se estabeleça uma concordância prática entre tais direitos humanos, que observe o princípio da proporcionalidade, mediante as exigências de adequação ou idoneidade (a); necessidade ou indispensabilidade (b) e de ponderação (c).[6] Como já referimos, a concordância prática aqui estabelecida entre o direito ao trabalho e o direito à vida e à segurança é aqui estabelecida de modo proporcional. Também aqui improcedem os últimos fundamentos de recurso.* * *III.- DECISÃO. Nos termos e fundamentos nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido B………. e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) Ucs – cfr. art. 513.º, 514.º do Código de Processo Penal. Notifique. Porto, 03 de Março de 2010 Joaquim Arménio Correia Gomes Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro ________________________ [1] Doravante são deste Código os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem. [2] Veja-se a propósito Claus Roxin, em “Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal”, p. 181; Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” (1993), p. 73 e no seu estudo “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na RPCC, ano I (1991), p. 22; Maria Fernanda Palma, no seu estudo sobre “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em “Jornadas sobre a revisão do Código Penal” (1998), p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo 40.º, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf). [3] Este aresto teve por base o n.º 2 do artigo 12º do dec.-Lei n.º 124/90. [4] Acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt [5] Gomes Canotilho, Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I (2007), p. 761 e ss.; Jorge Miranda, Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I (2005), [6] Neste sentido Guillermo Escobar, “Introducción a la Teoria Jurídica de Los Derechos Humanos” (2005), p. 115 e ss.
Recurso n.º 1418/09.9PTPRT.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro; Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I.- RELATÓRIO. 1. No PCS n.º 1418/09.9PTPRT.P1 dos Juízos de Pequena Instância Criminal do Porto, ..ª Secção, em que são: Recorrente/Arguido: B……… . Recorrido: Ministério Público. foi proferida sentença em 2009/Out./26, a fls. 32-37, que condenou o arguido, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo disposto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de multa de 50 dias, à taxa diária de 6,00 €, e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de três meses e quinze dias. 2.- O arguido interpôs recurso em 2009/Nov./16, a fls. 40-55, pugnando que seja considerada nula a pena acessória de inibição de conduzir, por violação do art. 65.º, n.º 1 do Código Penal e 30.º, n.º 3, da C. Rep., que tem como efeito necessário a perda do direito profissional, apresentando para o efeito e em suma, as seguintes conclusões: 1.º) A decisão do Tribunal “a quo” considera como automática a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, não considerando devidamente todos os elementos que podem justificar a aplicação da pena acessória [1-2]; 2.º) Apenas atendeu o tribunal “a quo” à taxa de álcool e a sua graduação no âmbito do Código da Estrada, verificando-se no caso em apreço uma insuficiência e até inexistência de motivação para a aplicação da mesma, aplicando, assim, a pena acessória de inibição de conduzir de forma absolutamente automática [3-4]; 3.º) O tribunal “a quo” na aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, considerou automático a aplicação da pena acessória, não tendo verificado se os elementos e pressupostos estariam preenchidos no caso concreto e esta consideração retira-se da própria ausência de motivação na sentença para a sua aplicação [4-13]; 4.º) Factualidade que ponderou, segundo se dá conta pelo preceituado no art. 69.°, n.º 1 alínea a) do C.P e pelo artigo 146.° alínea j) do C. Estrada, rio que concerne a aplicação da pena acessória de conduzir veículos motorizados, parece fazer crer que a pena acessória é automática [14-15]; 5.º) De acordo com o estipulado no art. 65.°, n.º 1 do C. P. e 30.º, n.º 4 da C. P. P., nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos [16-17]; 6.º) O recorrente, e como o tribunal “a quo” teve oportunidade de conhecer, mas que parece não ter valorado aquando da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, é motorista de pesados e trabalha na firma C………. [18]; 7.º) A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, tem como efeito necessário a perda do seu posto de trabalho, o que considera consubstanciar uma terceira pena em que é condenado, uma vez que a aplicação desta pena acessória terá como efeito necessário a perda dos seus direitos profissionais; 8.º) E isto porque, na situação económica actual, nenhum patrão admitirá ter ao seu serviço um trabalhador com categoria de motorista de pesados que não esteja habilitado para conduzir durante determinado período [19]; 9.º) O tribunal “a quo” aquando da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir, violou o art. 65.°, n.º 1, do C.P. bem como o art. 30.°, n.º 4, da CRP. 3. O Ministério Público respondeu em 2009/Dez./09, a fls. 62-68, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo que: 1.º) A sentença recorrida não enferma de qualquer vício legal, designadamente por violação do preceituado nos art. 65.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, °, al. a) e n°2, do Código Penal ou do art.30.º, n.º 4, da CRP; 2.º) O tribunal “a quo” efectuou uma correcta ponderação de todos os factos relevantes para a aplicação e determinação das penas, bem como das suas medidas concretas, aplicando ao arguido uma pena de multa e uma pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que repercutem tal ponderação; 4.º) A pena acessória aplicada (3 meses e 15 dias de proibição de conduzir) não podia deixar de ser aplicada ao arguido neste caso, dado que se impôs a sua condenação numa pena principal (multa) por crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelos art. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do C. Penal, em conjugação com o art. 65°, n°1, do mesmo código; 5.º) Como resulta da análise dos factos dados como provados na douta sentença, num caso, como este, em que o arguido tinha 34 anos de idade, actuou dolosamente, apresentava uma TAS de 2,30 gr/l e foi fiscalizado após ter sido interveniente num acidente de viação, impõe-se prevenir a perigosidade que este arguido potencialmente representa para a sociedade, por ter desprezado uma regra essencial da condução rodoviária censurando-se-lhe tal perigosidade de modo firme e claro, como contributo indispensável para a sua emenda cívica enquanto condutor, assinalando-se também um efeito de prevenção geral de intimidação, a funcionar exclusivamente dentro do limite da culpa; 6.º) Se, porventura, não lhe fosse aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ao arguido neste caso, tal decisão constituiria uma grave ofensa ao preceituado nos art. 65.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al. a), do C. Penal, pois a condenação não seria dissuasora para ele próprio e para a comunidade; 7.º) A pena acessória aplicada ao arguido é justa, devendo ser mantida, porque é indispensável à censura firme, clara e eficaz da sua personalidade e potencial perigosidade enquanto condutor de veículos a motor na via pública, revelada na prática dos factos em questão, cuja ilicitude é intensa, sendo também adequada ao grau de culpa do mesmo, e, por isso, a garantir as finalidades da punição em termos de prevenção geral positiva e de prevenção especial. 4. O Ministério Público nesta Relação teve vista dos autos, tendo emitido parecer em 2010/Jan./06, a fls. 76-77, aderindo à resposta anterior. 4.- Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. penal e foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito do presente recurso.*As questões suscitadas em recurso residem em saber se a pena acessória foi aplicada de modo automático [a)] e se a mesma viola o direito constitucionais civis e o direito ao trabalho [b)].* * *II.- FUNDAMENTAÇÃO. 1.- A sentença recorrida. Nesta foi dada como provada a factualidade que se passa a transcrever: “1. - No dia 25 de Outubro de 2009, pelas 19 horas e 05 minutos, na Rua ………., .., no Porto, o(a) arguido(a) conduzia o veículo automóvel ligeiro, de matrícula 44-47-PE, de sua propriedade, tendo sido interveniente num acidente de viação. 2. - Nesta ocasião, o(a) arguido(a) foi fiscalizado por elemento da PSP da Divisão de Trânsito e, de seguida, foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado através do respectivo aparelho, Drager Alcotest, modelo 7110MK III-P, aprovado pelo IPQ e pela DGV acusando uma T.A.S. de 2,30 g/l. registada, e depois não quis contraprova. 3. - A conduta do(a) arguido(a) foi voluntária e consciente, sabendo o(a) mesmo(a) que conduzia sob a influência do álcool e que tal conduta não lhe era permitida, sendo punida por lei penal. 4. - O(A) arguido(a) é casado, motorista de camião TIR, trabalha para a firma C………. sita em ………., e aufere por mês 650,00€, a esposa é empregada de café e aufere por mês 450,00€, tem uma filho de 11 anos de idade e paga de renda de casa 350,00€ por mês, como habilitações literárias possui o 8ºano. 5. - O(A) arguido(a) não tem antecedentes criminais, como consta do CRC junto. 6. - O arguido confessou os factos e declarou-se arrependido(a), e tem carta de condução desde 1996.”*2.- Fundamentos do recurso. a) A pena acessória de proibição de conduzir. O crime de condução de veículo em estado de embriaguês da previsão do art. 292.º, n.º 1 Código Penal[1], pune “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l …”. Trata-se de um crime de perigo abstracto, o que significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, partindo-se da presunção de que o estado de embriaguez, nas suas diversas cambiantes, torna qualquer pessoa inapta para conduzir, criando-lhe, por um lado, uma imoderada confiança em si próprio, diminuindo-lhe, por outro lado, a rapidez de reflexos, a capacidade visual e o raciocínio. Mediante este crime pretende-se tutelar imediatamente a segurança da circulação rodoviária em geral e mediatamente os riscos de lesão para a vida, a integridade física e os bens patrimoniais. Por sua vez, segundo o disposto neste art. 69.º, n.º 1, “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º”. Embora se trate de uma pena acessória, a sua aplicação está sujeita às mesmas finalidades de qualquer pena, da previsão do art. 40.º, n.º 1, que consiste na protecção dos bens jurídicos violados e na reintegração do condenado na sociedade. Isto significa que a pena acessória, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, continua a ter uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa.[2] Por isso e de forma a ultrapassar-se qualquer efeito automático das penas, o julgador deve proceder à aferição da medida concreta da proibição de conduzir, tendo em atenção as apontadas finalidades das penas e os critérios da sua determinação, os quais estão expressos no art. 71.º. Neste sentido se tem pronunciado a generalidade da jurisprudência, como sucede com os Ac. R. E, de 1998/Fev./17 [CJ II/291], 1998/Mar./10[3] [BMJ 475/798], R. C. de 1997/Mai./15, BMJ 467/640, 1999/Jun./02, R. P. de 2000/Nov./29, [CJ III/54 e V/229], referindo-se expressamente neste último que “Esta pena acessória deve ser determinada tendo em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção”. A sentença recorrida não divergiu deste entendimento, ao fundamentar que “No caso em apreciação, a gravidade do facto praticado justifica a aplicação da pena acessória” [p. 6, § 2.º], o que nos remete para as considerações aí expendidas anteriormente sobre a medida da pena, as quais não ofereceram qualquer impugnação por parte recorrido. Aliás, a TAS revelada pelo arguido, cifrando-se em 2,30 g/litro, quando o mínimo legal do crime de condução de veículo em estado de embriaguez [292.º, n.º 1] se situa em 1,2 g/litro, patenteia uma ilicitude situada num patamar elevado, quase que se aproximando do dobro (2,40 g/litro) daquela TAS mínima, bem como uma culpa igualmente intensa, não sendo de esquecer que o mesmo foi interveniente num acidente de viação. Nesta conformidade, o único defeito que se poderia apontar ao referido período da proibição de conduzir, já para não falar da pena de multa, seria a sua inadequação, por defeito, mas nunca e em momento algum, por excesso, à perigosidade revelada pelo arguido e às exigência de prevenção geral – a uma perigosidade elevada deve corresponder uma pena acessória elevada. Sustenta o recorrente que na aplicação da pena acessória não foi tido em conta que o mesmo era motorista. Aqui convenhamos que estamos de acordo, mas já não quanto às consequências que essa ponderação poderia originar. Ora, sendo o recorrente um motorista profissional, é-lhe exigível um muito maior cuidado e acerto no cumprimento das regras estradais do que à generalidade dos cidadãos. E isto porque essa circunstância ou qualidade profissional, em virtude do mesmo circular mais tempo na estrada, potencia ou incrementa exponencialmente o risco de acidente. Daí que as exigências de prevenção, tanto especial ou geral, são mais acentuadas e levariam sempre a um aumento desse período de proibição de conduzir e não ao contrário.*b) Os direitos constitucionais civis e o direito ao trabalho. A Constituição da República estabelece no seu art. 30.º, n.º 4 que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos”. No mesmo sentido se perfilha o disposto no art. 65.º, n.º 1 do Código Penal. A fundamentação desta injunção constitucional e legal reside nos princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático, como seja o respeito pela dignidade humana [1.º C. Rep.] e os direitos fundamentais [2.º C. Rep.]. A partir daqui surgem os grandes princípios constitucionais de política criminal, como seja o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal, o princípio da humanidade e o princípio da igualdade [Ac. TC n.º 16/84, 165/86 e 353/86, 202/2000, in, respectivamente, DR II, de 12/Mai./84, DR I, de 02/Jun./86, DR II de 09/Abr./87, DR II, de 11/Out./2000]. Assim, nenhuma pena pode ter como seu efeito automático a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, exigindo-se, por isso mesmo, que a aplicação de qualquer reacção penal, seja a título principal, seja a título acessório, tenha a mediação jurisdicional. A propósito da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, agora da previsão do art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, a jurisprudência do tribunal constitucional tem insistentemente aceitado que havendo essa ponderação jurisdicional não se pode falar que as correspondentes consequências inibitórias de conduzir correspondem a um efeito necessário ou automático de uma pena [Ac. 53/97, 251/99, 149/2001 e 630/04][4]. E isto porque a determinação dessa pena acessória fundamenta-se, tal como a pena principal, na prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer outros factos adicionais, tratando-se de uma pena compósita. Para o efeito e de uma forma lapidar escreveu-se naquele Ac. 53/97, o seguinte: “Admitindo que a faculdade de conduzir veículos automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do artigo 71º do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei (...). A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade. A adequação da inibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida de inibição de conduzir se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para esta última. Com efeito, a aplicação da inibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais. Atenta a natureza da infracção, com a inerente perigosidade decorrente dessa conduta, surge como adequada e proporcional a sanção de inibição de conduzir.”*Muito embora o recorrente não o diga expressamente, o certo é que o mesmo acaba por invocar que essa pena de proibição de conduzir veículos automóveis viola o art. 58.º, n.º 1, da C. Rep., segundo o qual “Todos têm direito ao trabalho”. Este direito constitucional ao trabalho, como uma das dimensões dos direitos e deveres económicos e sociais, tem uma vertente positiva e outra negativa[5]. A primeira consiste essencialmente no direito em obter emprego ou em exercer uma actividade profissional, correspondendo a um direito positivo dos cidadãos em relação ao Estado, competindo a este a sua promoção, nos termos estabelecidos no art. 58.º, n.º 2, a realizar mediante intermediação legislativa ou administrativa. Do mesmo não decorre um direito subjectivo a obter um concreto posto de trabalho. A segunda vertente surge antes como uma garantia dos cidadãos, que compreende diversas facetas, designadamente: a liberdade em procurar trabalho (a); o direito de igualdade no acesso a quaisquer cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais (b); o direito a exercer efectivamente a sua actividade laboral, proibindo-se a inactividade e a suspensão arbitrárias (c); o direito à segurança no emprego, proibindo-se os despedimentos injustificados ou a cessação da relação laboral sem fundamento legal (d). Desta última faceta não decorre que a entidade patronal ou empregadora não possa, de um modo legítimo, alterar, suspender ou mesmo extinguir a relação laboral que o liga a um trabalhador, como já se decidiu no Ac. Tribunal Constitucional n.º 951/96, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. Por outro lado, o que está em causa com a proibição de conduzir veículos com motor é a restrição de um direito civil, só podendo atingir colateralmente o seu direito ao trabalho. Este, no entanto, na sua vertente de direito à segurança do emprego, não constitui um direito absoluto, podendo ser legalmente constrangido, desde que este se mostre justificada, proporcional e adequada à preservação de outros direitos ou garantias constitucionais. Esta restrição pode ser decretada por um tribunal e surgir por via da aplicação de medidas cautelares excepcionais ou então mediante reacções penais ou medidas de segurança estabelecidas no ordenamento de um Estado de Direito Democrático, de que este, sob pena de implodir, não pode prescindir, como “ultima ratio” da preservação da paz jurídica e da convivência em sociedade. Por outro lado, a punição da condução de veículo em estado de embriaguez surge como um meio de tutelar outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança das pessoas, a sua vida e integridade física, face aos riscos acrescidos decorrente do trânsito de veículos por condutores que apresentem uma TAS superior ao legalmente estabelecido. É neste sentido que se tem perfilhado o Tribunal Constitucional, de que é seu exemplo o Ac. n.º 440/02, que muito embora tirado a propósito da constitucionalidade da sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir, têm aqui plena aceitabilidade as razões aí expendidas. Para o efeito considerou-se que essa sanção de acessória de inibição de conduzir tem plena justificação se “se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente se dirige também aquela medida, na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool”. Mais se acrescentou que “o conteúdo essencial do direito ao trabalho que aquele vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da inibição de condução (…) não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito do trabalho com a protecção de outros bens – que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessórias infligidas – não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho”. Por fim, sustentou-se que “a alegada violação do direito a trabalhar sem restrições, tal como é sustentado pelo recorrente, não possa, sem mais, ser valorada em termos absolutos, pois que a limitação desse direito é imposta com a aplicação da sanção inibitória o é na medida em que o sacrifício parcial que daí resulta não é arbitrário, gratuito ou carente de motivação, mas sim justificado para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos pela Lei Fundamental”. Pelas mesmas razões o art. 23.º da DUDH, que consagra um direito ao trabalho, pode ser restringido para a salvaguarda de outros direitos humanos, como o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa, estabelecido no art. 3.º, desta mesma Declaração Universal. O que importa é que se estabeleça uma concordância prática entre tais direitos humanos, que observe o princípio da proporcionalidade, mediante as exigências de adequação ou idoneidade (a); necessidade ou indispensabilidade (b) e de ponderação (c).[6] Como já referimos, a concordância prática aqui estabelecida entre o direito ao trabalho e o direito à vida e à segurança é aqui estabelecida de modo proporcional. Também aqui improcedem os últimos fundamentos de recurso.* * *III.- DECISÃO. Nos termos e fundamentos nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido B………. e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) Ucs – cfr. art. 513.º, 514.º do Código de Processo Penal. Notifique. Porto, 03 de Março de 2010 Joaquim Arménio Correia Gomes Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro ________________________ [1] Doravante são deste Código os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem. [2] Veja-se a propósito Claus Roxin, em “Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal”, p. 181; Figueiredo Dias, em “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime” (1993), p. 73 e no seu estudo “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na RPCC, ano I (1991), p. 22; Maria Fernanda Palma, no seu estudo sobre “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em “Jornadas sobre a revisão do Código Penal” (1998), p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo 40.º, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf). [3] Este aresto teve por base o n.º 2 do artigo 12º do dec.-Lei n.º 124/90. [4] Acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt [5] Gomes Canotilho, Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I (2007), p. 761 e ss.; Jorge Miranda, Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I (2005), [6] Neste sentido Guillermo Escobar, “Introducción a la Teoria Jurídica de Los Derechos Humanos” (2005), p. 115 e ss.