I- Pretendendo o recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve cumprir os ónus previstos no art. 685º-B do CPC, aditado pelo Dec. Lei 303/2007, de 24 de Agosto. II- Procedendo-se a gravação da audiência de julgamento, deve constar da respectiva acta a indicação do termo inicial e final do registo áudio ou vídeo de cada depoimento. III- Não constando tais menções da acta respectiva, o recorrente cumpre os seus ónus se indicar os concretos pontos de facto de que discorda com referência, separada e relativamente a cada um deles, dos concretos meios de prova pessoais constantes da gravação, documentais ou outros que, a seu ver, impõem decisão diversa da empreendida pelo Tribunal de 1ª Instância. IV- Definindo-se o despedimento como um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício, tendente à extinção ex nunc do contrato de trabalho, ou como uma declaração de vontade, receptícia, vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, ou ainda como uma declaração receptícia de vontade dirigida ao trabalhador na qual a entidade patronal põe fim ao contrato de trabalho, a sua verificação implica que se demonstre que o empregador emitiu uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a recebeu, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste, de modo inelutável, pois o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo.
Reg. N.º 661 Proc. N.º 476/08.8TTLMG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…………….. deduziu em 2008-11-25 [cfr. fls. 16] contra C…………., Ld.ª a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se declare ilícito o despedimento efectuado e que se condene a R. a pagar ao A.: a) As retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença. b) Indemnização por despedimento sem justa causa, no montante de € 5.400,00. c) A quantia de € 3.466,90, relativa ao salário dos meses de Abril, Agosto e Setembro de 2008. d) A quantia de € 2.700,00, relativa aos proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos e e) Juros de mora, à taxa legal, a partir da citação, sobre a quantia de € 11.566,90. Alega o A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 2008-04-08 para exercer as funções de motorista de pesados, mediante a retribuição média mensal de € 1.800,00, foi despedido em 2008-09-09, sem justa causa, o que lhe confere direito à reclamada indemnização de antiguidade. Mais alega que não lhe foi paga qualquer das restantes quantias pedidas. Contestou a R., alegando que o A. foi admitido em 2008-04-30 e que foi ele quem tomou a iniciativa de pôr fim ao contrato de trabalho, tendo deduzido reconvenção, pela qual pede a condenação do A. a pagar-lhe a quantia de € 1.368,00 e a que se vier a apurar em oportuna liquidação, correspondentes ao valor dos danos causados no exercício da condução e, quanto ao mais, contesta por impugnação. O A. respondeu a tal articulado e pediu a condenação da R. como litigante de má fé, em multa e em indemnização a seu favor. O Tribunal a quo não admitiu a reconvenção, proferiu despacho saneador tabelar, absteve-se de fixar a base instrutória e fixou à acção o valor de € 12.934,00, atento o disposto no Art.º 315.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, embora conste das respectivas actas da audiência de discussão e julgamento apenas a menção “O registo sonoro do seu depoimento foi gravado no habilus média studio”, tendo-se respondido à BI pela forma constante do despacho de fls. 74 a 80, sem reclamações – cfr. fls. 81. Proferida sentença, foi a R. condenada a pagar ao A.: 1) - A quantia de € 7.787,44 de retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença. 2) - Indemnização por despedimento, no montante de € 1.653,90. 3) - A quantia de € 1.979,31, relativa a retribuições vencidas e não liquidadas. 4) - A quantia de € 1.290,54, relativa aos proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos e 5) - Juros de mora, à taxa legal, a partir da citação, até integral e efectivo pagamento. Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, que deverá ser substituída por decisão que não considere ter ficado demonstrado que a relação jurídica invocada nos autos teve o seu início no dia 8 de Abril de 2008, mas sim em 30 de Abril de 2008, e que não ocorreu despedimento ilícito promovido pela R. contra o A. e, em consequência, absolva a R. do pedido formulado a título de indemnização em substituição da reintegração e das retribuições que deixou de auferir desde trinta dias antes da data da propositura da acção até à data da sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1- Pelo presente recurso pretende o recorrente manifestar o seu inconformismo contra a decisão do Tribunal Recorrido no que se refere às duas primeiras questões apontadas na douta sentença, a saber: qual é a data do início da relação jurídica que se estabeleceu entre as partes e como cessou a relação jurídica estabelecida entre A. e R., designadamente averiguar se o A. foi alvo de despedimento ilícito. 2- Discordância fundamentada no facto de os elementos probatórios carreados para os autos, por si só, permitirem à Mma Juiz a quo uma decisão oposta à proferida, no sentido de considerar que a relação laboral em litígio teve o seu início no dia 30 de Abril de 2009 (ao invés do dia 08 de Abril de 2008), e que o trabalhador/recorrido não logrou, conforme lhe incumbia, provar o despedimento ilícito invocado nos autos. 3- De modo que o Tribunal Recorrido ao não relevar a prova produzida no tocante às questões indicadas e ao não ter realizado a melhor apreciação jurídica do caso, a decisão em crise orientou-se em sentido diverso do caminho da justiça do caso concreto. 4- Para o demonstrar o recorrente lançou-se na tarefa impugnar a seguinte matéria de facto dada por assente pelo Tribunal Recorrido: Alínea A) A. foi admitido ao serviço da Ré, em 8 de Abril de 2008; Alínea B) para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de motorista; Alínea E) O contrato foi celebrado verbalmente, sem termo; Alínea F) Posteriormente, em Abril de 2008, a R. lavrou um "Contrato de Trabalho" junto a fls. 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que o A. assinou; Alínea G) O A. exerceu, ininterruptamente, as funções de motorista de pesados, em transportes internacionais desde 8 de Abril de 2008 até 9 de Setembro de 2008; Alínea K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar; Alínea L) De novo foi-lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si; Alínea P) A Ré não procedeu ao pagamento do salário do trabalho prestado nos 22 dias do mês de Abril; Alínea Q) No período de 08 de Abril a 30 de Abril, por indicação da Ré, o Autor acompanhou as viagens de outros motoristas ao Serviço daquela a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro. 5- Na fundamentação jurídica da decisão recorrida ficou dado como assente que o A./Recorrido foi admitido ao serviço da R./Recorrente em 08 de Abril de 2008, data a partir da qual, por indicação da Ré, acompanhou as viagens de outros motoristas ao serviço daquela, a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro e exerceu ele próprio as funções de motorista de pesados para transportes internacionais mediante uma contrapartida retributiva mensal, exercendo as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização daquela. 6- Mais e tendo referido que, a partir de 08 de Abril de 2008, o A. passou a exercer a actividade visada, estando totalmente disponível e subordinado às indicações da Ré, a partir dessa data houve consenso quanto à formação dessa relação jurídica, independentemente de a terem formalizado, por documento escrito, lavrado a 30 de Abril de 2008 (contrato de trabalho junto com a p.i.). 7- No discernir do recorrente e salvo devido respeito por entendimento diverso nenhuma prova foi revelada nos autos que traduzisse, ainda que minimamente, que o contrato de trabalho celebrado entre as partes tivesse iniciado no dia 08 de Abril de 2008. 8- A única referência de que o A. se socorreu para dar como iniciada a sua relação de trabalho com o R. foi a indicação constante do doc. N° 1 (junto com a p.i.), através do qual a R. declarou: "Para o devidos efeitos, declaramos que B……….., portador do BI n.º ……8434, residente em Lamego – Portugal, iniciou funções nesta empresa como motorista de pesados a partir do dia 08 de Abril de 2008. Por ser verdade e para os efeitos de fiscalização de trânsito se lavra e assina esta declaração. Peso da Régua. 08 de Abril de 2008”. 9- Nenhuma outra referência é nos dada pelo A., designadamente ao nível da prova testemunhal trazida a juízo, que sustentasse tal data como início da relação laboral, bem ao invés, os demais documentos instruídos com a p.i., traduzem realidade bem diversa, quer isto dizer, apontando como início da relação jurídica em questão o dia 30 de Abril de 2008. 10- Citamos neste contexto o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado sob a forma escrita, datado de 30 de Abril de 2008, contendo a mesma data como início da prestação de trabalho e tendo desenhado nas suas cláusulas contratuais todo o regime contratual acordado entre as partes, veja-se, a título de exemplo e em confronto com os recibos de vencimentos igualmente juntos, o regime retributivo aí fixado e que perdurou durante toda a relação de trabalho. 11. De salientar ainda a junção pelo A. apenas dos recibos de vencimento dos meses de Junho e Julho de 2008, não integrando, por isso, o mês de Abril, nem de Maio do mesmo ano, devendo também atender-se que só na presente acção é que o A. veio reclamar os 22 dias de trabalho alegadamente prestados durante o mês de Abril de 2008 (cfr. Art. 19 da p.i.) quando expressamente reconhece que os meses subsequentes, ou seja, Maio, Junho e Julho lhe foram pagos pela R. 12. De resto, a prova testemunhal apresentada pelo A., resumida ao depoimento do pai do A., mostrou-se falível, comprometedora e imprecisa no que tange à questão em análise, tanto mais que nenhuma referência faz ao mês de Abril de 2008, situando que só a partir do mês de Maio passou a acompanhar o seu filho nas viagens, principalmente porque este não dominava a língua francesa. 13. Pelas transcrições realizadas do depoimento da testemunha D………….., que segundo referiu assistiu ao inicial contacto entre A. e representante da R., facilmente se retira que as viagens do mês de Abril foram realizadas para o A. conhecer os trajectos da R., até porque o A. era inexperiente nos transportes internacionais (cfr. AI. R) dos factos provados), nada mais tendo sido acertado entre as partes em relação aos contornos e condições do contrato de trabalho, designadamente a título de retribuição. 14. Nos mesmos moldes a testemunha E…………. (ex-funcionária da R.), com relevância para a problemática em apreço, esclareceu que era habitual na empresa emitir-se um documento do tipo do exibido e junto como doc. 1 com a p.i., nos casos de trabalhadores em fase inicial de trabalho para justificar perante as autoridades locais a sua presença nos camiões em território estrangeiro. Mais referiu esta testemunha que logo que o A. passou a trabalhar para a empresa foi celebrado o respectivo contrato e no final do mês emitido e entregue o correspondente recibo. 15. Do depoimento da testemunha F………….. resulta à evidência qual o procedimento adoptado peja empresa no tocante à contratação de motoristas, começando por uma fase de estágio ou experimental, no âmbito da qual o futuro motorista irá conhecer os trajectos seguidos pelos carros da empresa, não está sujeito a qualquer retribuição e todas as despesas pessoais que tiver são suportadas a expensas suas. De igual modo, clarificou a origem e necessidade do doc. N°. 1 junto com a p.i., não deixando margem para qualquer dúvida que o mesmo se destina a justificar a permanência do acompanhante, estagiário ou aprendiz, no interior do camião ao longo das deslocações ao estrangeiro. 16. A testemunha G………….. revelou de forma inequívoca o esquema de contratação de motoristas por parte da R., pelo qual o mesmo passou, tendo uma primeira fase experimental, ou de estágio, não remunerada, não sujeita a instruções da entidade empregadora, sendo que lhe era dada a oportunidade para conduzir o camião, não por ordens da R., mas para ele se habituar à condução do carro nos trajectos percorridos pela empresa. 17. De exposto resulta que o A. não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, já que não demonstrou, pelo menos no que respeita aos invocados "22 dias de trabalho de Abril", que estava submetido a um contrato de trabalho, já que não demonstrou o A. que durante esse período foi acordada uma remuneração, que obedecia a um horário ou até que a entidade empregadora lhe deu ordens e instruções. 18. Face à inexperiência do A. enquanto motorista de transportes internacionais e à necessidade de adquirir conhecimentos de condução e dos percursos efectuados pela R., ficou acordado que essa primeira fase, ou seja, até à celebração do contrato de trabalho escrito, que esse período de experiência ou de estágio não seria remunerado para o A., como o não foi para a generalidade dos trabalhadores da R., tendo o A. que suportar a expensas suas as despesas pessoais nessa deslocações. 19. No indicado período as partes não se vincularam a qualquer contrato de trabalho, quando muito subordinaram-se a um estágio profissional, não remunerado, até posterior contratação. (cfr. Ac do STJ de 22.11.2000. CJ, STJ, III, P 290 e Ac. STJ de 10.03.1998, Ac. Doutr. N°. 439, pago 1015), em consequência, não assistem ao A. os direitos reclamados no art. 19° da e na aI. a) do II pedido formulado pelo A. na p.i. 20. De modo que a Mma Juiz a quo incorreu em erro na apreciação da prova e na subsequente apreciação jurídica da questão em debate, uma vez que, em face da prova dos autos, não podia ter dado como provada a factualidade vertida nas als. a) e) f) na parte que se refere "posteriormente"; al g) onde se lê "desde 8 de Abril de 2008”. 21. Em face da prova produzida competia ao Tribunal Recorrido dar como assente que o contrato de trabalho aduzido nos autos foi celebrado por escrito em 30 de Abril de 2009, data em que teve o seu início. 22. No que concerne à segunda problemática, isto é, corno cessou a relação jurídica estabelecida entre A. e R., designadamente averiguar se o A. foi alvo de despedimento ilícito, entende o recorrente que a Mma Juiz a quo, falhou na apreciação jurídica do caso, descuidando-se, na sua análise, na aplicação das basilares regras de repartição do ónus da prova. 23. A violação de tais normativos revela-se, no caso em questão, de tal forma manifesta, atendendo a que, inexiste, na perspectiva da recorrente, qualquer matéria factual que tenha sido dada corno provada que permitisse à Mma Juiz decidir a ilicitude do despedimento promovido nela R. 24. Aliás, decisão que nem sequer se infere das conclusões da sentença recorrida, uma vez que em lado algum daquela decisão vem referido a declaração da ilicitude de um despedimento promovido pela R. contra o A., mas apenas as consequências legais (créditos) decorrentes de um despedimento. 25. A vontade de por termo (fazer cessar) ao contrato de trabalho há-de ser inequívoca, mesmo nos designados "despedimentos de facto", em que os actos praticados pela entidade empregadora devem ser equivalentes a uma manifestação de vontade de despedir (neste sentido Ac. STJ de 04.12.2002, e de 14.04.99 da RP de 14.05.2001 e da RL de 20.02.2002 e de 03.03.99, todos publicados in http://dgsi/jstj, jtrp e jtrl, respectivamente). 26. Competia ao A. provar constitutivos dos direitos que invoca, no caso, o ónus da prova do despedimento, por se tratar de facto constitutivo do direito que pretende ver reconhecido e declarado pelo Tribunal. 27. Através do cotejo da petição inicial constata-se que Autor alegou um despedimento ocorrido no dia 09 de Setembro de 2009, traduzido no facto de nesse dia ter-se apresentado para trabalhar na sede da Ré. (já que não lhe tinha sido atribuído serviço para efectuar) - (cfr. Art. 9º da p.i.); no art. 11º do mesmo articulado refere que uma funcionária da R., de nome E………., sem qualquer explicação, comunicou ao A. por ordem do gerente da Ré, que não havia trabalho para si, que estava despedido e que iria receber uma carta com tal comunicação. 28. Alegou ainda o A. que às 09.00 horas do dia 11 de Setembro, em virtude de não ter recebido a referida carta (despedimento), apresentou-se, de novo na sede da R. para ir trabalhar, tendo, de novo lhe sido comunicado pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si e que iria receber a carta de despedimento, tendo, por último, mencionado que até à data, não recebeu qualquer carta de despedimento. 29. Ora, produzida a prova em audiência de julgamento ficaram provados com interesse para o que agora se discute os factos plasmados nas alíneas H), I), J), K), L), M), V) W), que por razões de economia processual aqui se dão por reproduzidos. 30. Atendendo ao mencionado princípio de repartição do ónus da prova, é em função das expressões da funcionária E……….., descritas nas aIs. J) e L) e do demais circunstancialismo fáctico constante das alíneas supra identificadas, que temos que aferir se houve ou não um despedimento de facto promovido pela entidade patronal do demandante. 31. Para esse efeito teremos que recorrer ao que dispõe o art. 236° do CCivil, segundo o qual "a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se não puder razoavelmente contar com ele" (nº. 1 e que "sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”(n.º 2). 32. Em atenção a estes elementos interpretativos será que pode considerar-se que as aludidas declarações da funcionária da R. traduzem-se numa inequívoca vontade de despedir o A.? PENSAMOS - E ESTAMOS CONVENCIDOS - QUE NÃO. 33. Em primeiro lugar, porque a expressão da dita funcionária, no dia 09 de Setembro, ainda que por ordem do gerente da R., que para já não tinha trabalho para lhe dar, bem como a expressão proferida no dia 11 de Setembro, que não havia trabalho para si, não comporta, por si só, nem pouco mais ou menos, uma vontade inequívoca de rompimento definitivo da relação laboral. Dessas expressões não resulta se o gerente da R. quis dizer que por enquanto não havia trabalho para o A. naqueles dias ou naquela semana (atendendo até que, tal como foi demonstrado, muitas vezes os motoristas aguardava mais de uma semana em casa à espera do agendamento de uma viagem. O que se sabe é que aquelas expressões foram proferidas pela dita funcionária que, ao contrário do alegado pelo A. na p.i., não lhe transmitiu qualquer ordem de despedimento. 34. Nesta análise não nos esqueçamos quer era ao A. a quem competia a demonstração - sem margem para dúvidas, pois estas, a existirem, têm de reverter em seu desfavor, por sobre ele incidir o ónus da prova - de que a R., através da referida funcionária, o quis despedir. 35. E se é verdade, como se disse, que as indicadas expressões, por si só, não traduzem uma vontade inequívoca de por termo definitivo à relação de trabalho, também as demais circunstâncias atendíveis, posteriores àquelas declarações, apontam no mesmo sentido, ou seja, no de que um declaratário normal não vislumbraria o comportamento do gerente da R. e da sua funcionária, como o rompimento do contrato de trabalho. 36. Todos estes elementos interpretativos, conjugados com o teor inconclusivo das citadas declarações da funcionária da R., importam a conclusão de que o A. não foi despedido no dia 09 ou mesmo no dia 11 de Setembro. 37. Significa isto que A. não logrou provar o despedimento ilícito (sem justa causa e sem processo disciplinar) que alegou na petição inicial como causa da cessação (extinção) do contrato de trabalho e, por conseguinte, que a acção terá que improceder quanto às pretensões formuladas sob os pontos II e III das conclusões da petição inicial. 38. Assim não tendo decidido violou a douta decisão em crise, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 10°, 103°, 429°, 436°, 439°, 221º, 255º do C.T. e 236º do C.Civil. O A. apresentou a sua contra-alegação, pedindo a confirmação da sentença. A Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento. Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: A) O A. foi admitido ao serviço da Ré, em 08 de Abril de 2008. B) Para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de motorista de pesados para transportes internacionais. C) No mês de Junho de 2008 o Autor auferiu o vencimento base de € 551,30, a título de cláusula 74.ª a quantia de € 309,90, de prémio TIR a quantia de € 112,23, por trabalho prestado ao fim de semana a quantia de € 150,00 e de despesas de deslocação a quantia de € 856,32; D) No mês de Julho de 2008 o Autor auferiu o vencimento base de € 551,30, a título de cláusula 74.ª a quantia de € 309,90, de prémio TIR a quantia de € 112,23, por trabalho prestado ao fim de semana a quantia de € 250,00 e de despesas de deslocação a quantia de € 872,32; E) O contrato foi celebrado verbalmente, sem termo. F) Posteriormente, em 30 de Abril de 2008, a Ré lavrou um "Contrato de Trabalho", junto a fls. 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que o Autor assinou. G) O A. exerceu, ininterruptamente, as funções de motorista de pesados, em transportes internacionais desde 8 de Abril de 2008 até 9 de Setembro de 2008. H) O Autor tendo comunicado previamente ao gerente da Ré, não foi trabalhar no dia 8 de Setembro de 2008, em virtude de ter uma consulta médica marcada. I) No dia 9 de Setembro, às 9 horas, apresentou-se para trabalhar na sede da Ré, já que não lhe tinha sido atribuído serviço para efectuar. J) Uma funcionária da Ré, de nome Susana, comunicou ao Autor, por ordem do gerente da Ré, que para já não tinha trabalho para lhe dar. K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar. L) De novo lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si. M) O Autor, até à presente data, não recebeu qualquer carta de despedimento. N) O Autor não recebeu o salário devido no mês de Agosto. O) O Autor não recebeu o pagamento do trabalho prestado em Setembro de 2008. P) A Ré não procedeu ao pagamento do trabalho prestado nos 22 dias do mês de Abril. Q) No período de 08 de Abril a 30 de Abril de 2008, por indicação da Ré, o Autor acompanhou as viagens de outros motoristas ao serviço daquela, a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro. R) O Autor não tinha experiência enquanto motorista de pesados no âmbito do transporte internacional. S) De acordo com o contrato de trabalho escrito aludido em F), Autor e Ré acordaram a fixação da retribuição da forma seguinte: a quantia de 551,30 € de remuneração base, acrescida de prémio TIR no valor de € 112,23, de 309,90€ que é o valor previsto no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCTV e ainda 75€ por cada fim-de-semana ausente da sua residência. T) Para além desses valores, a Ré pagava ainda ao Autor as despesas de deslocação. U) O Autor sentia-se desconfortável sempre que era necessário acompanhar o transporte do camião por barco através do canal marítimo de Inglaterra. V) A Ré nunca moveu qualquer procedimento disciplinar ao Autor. W) Em 17 de Setembro de 2008, a gerência da Ré remeteu ao Autor, em correio registado com aviso de recepção, uma carta, constante dos autos a fls. 59, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Está também provado o seguinte facto: X) A carta referida em W) apresenta o seguinte teor: “Exmo. Senhor B…………… ……., BP. ….. ….. 5100 Lamego Reg. C/AR Peso da Régua, 17 de Setembro de 2008 Assunto: Processo disciplinar/suspensão preventiva Ex.mo. Senhor Serve a presente para lhe comunicar que é intenção desta empresa proceder à instauração de um processo disciplinar contra Vª Exª com vista ao seu despedimento. Antes de remetermos a Vª Exª a respectiva nota de culpa, a qual ainda não nos foi possível concluir, cumpre-nos comunicar que nos termos do art. 417º do Código do Trabalho foi determinada a sua imediata suspensão ao trabalho. Pelo que, logo após a recepção do presente ofício deverá Vª Exª deixar comparecer no seu local de trabalho até conclusão do dito processo disciplinar. Assim, foi decidido atendendo aos indícios de factos imputáveis a Vª Exª, designadamente aos seus últimos comportamentos, tornando-se a partir da presente data inconveniente a presença de V.ª Exª nas instalações e nos serviços de transporte realizados por esta empresa, para averiguação e recolha de elementos probatórios de tais factos e decurso normal da actividade. Certos da V.ª melhor atenção, com os melhores cumprimentos. A Gerência,”. Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são duas as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Alteração da matéria de facto. II – Não verificação do despedimento. Matéria de facto. A 1.ª questão. Trata-se de saber se deve ser alterada a matéria de facto. Na verdade, a R., ora apelante, como refere na conclusão 4 do recurso, discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, dos seguintes factos assentes na sentença: Alínea A) A. foi admitido ao serviço da Ré, em 8 de Abril de 2008; Alínea B) para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de motorista; Alínea E) O contrato foi celebrado verbalmente, sem termo; Alínea F) Posteriormente, em Abril de 2008, a R. lavrou um "Contrato de Trabalho" junto a fls. 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que o A. assinou; Alínea G) O A. exerceu, ininterruptamente, as funções de motorista de pesados, em transportes internacionais desde 8 de Abril de 2008 até 9 de Setembro de 2008; Alínea K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar; Alínea L) De novo foi-lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si; Alínea P) A Ré não procedeu ao pagamento do salário do trabalho prestado nos 22 dias do mês de Abril; Alínea Q) No período de 08 de Abril a 30 de Abril, por indicação da Ré, o Autor acompanhou as viagens de outros motoristas ao Serviço daquela a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro. Ora, dispõe o Art.º 685.º-B[3], n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, o seguinte: 1 — Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.[4] Por sua vez, estabelece o n.º 2 do Art.º 522.º-C do mesmo diploma, o seguinte: Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.[5] In casu, a R., ora apelante, indicou genericamente discordar dos pontos de facto acima referidos e transcritos e indicou os nomes de todas as testemunhas arroladas por ambas as partes, fazendo a transcrição de excertos truncados dos seus depoimentos, mas sem qualquer referência aos momentos concretos do início e termo da gravação de cada um dos depoimentos ou respectivos excertos. Na verdade, como se vê das conclusões do recurso acima transcritas, a R. não indicou relativamente a cada ponto de facto, de que discorda, quais os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, salvo referências a excertos de depoimentos que transcreve. Por outro lado, tendo havido gravação da prova testemunhal e fundando-se nela o recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, deveria a R. ter indicado, para além dos nomes das testemunhas, os passos da gravação com menção dos respectivos início e fim, donde constem os depoimentos que devam conduzir à alteração dos pontos de facto, diferentes daqueles que constam do respectivo despacho. Tal é possível uma vez que ao ouvir o depoimento é sempre exibido no monitor do computador o momento temporal do registo áudio, feito no CD, com menção da hora, minuto e segundo. Para além disso, fundando-se o recurso em documentos, devem ser indicados concretamente, por exemplo, por referência aos locais do processo onde se encontram, mencionando-se o articulado com que foram juntos e/ou o número das páginas, o que a apelante faz, mas não indica de forma separada que pontos de facto pretende ver alterados e em que sentido. Por último, a indicação dos pontos de facto e dos meios de prova que demandam decisão diversa, deve ser efectuada de forma concreta e em cadeia, referindo-se todos os meios de prova que devem ser atendidos para alterar concretamente cada ponto de facto, de forma organizada e discriminada, pelo que não cumpre os ónus legais o recorrente que faz indicações genéricas, tanto dos pontos de facto, como dos meios de prova, bem como aquele que não apresenta estes elementos em relação uns com os outros. Ora, como se vê desta exposição, frente ao constante das conclusões, supra, a R. não cumpriu expressamente os ónus acima elencados e, mesmo atendendo ao constante da alegação, tal incumprimento mantém-se, pois as indicações aí constantes são lacunosas, genéricas e desconexadas, sendo certo que nenhuma referência é feita relativamente ao início e ao fim da gravação, constante do CD, de cada depoimento ou parte dele e com relação a cada um dos pontos de facto impugnados, discriminadamente, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos, como o impõe o n.º 2 do Art.º 522.º-C do Cód. Proc. Civil, segmento aditado pela reforma dos recursos, operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Tal decorre do ónus imposto ao recorrente pelo n.º 2 do Art.º 685.º-B do mesmo diploma, no seguimento da mesma reforma: incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Repare-se que a reforma dos recursos em processo civil, certamente na consideração de que os recursos de impugnação da matéria de facto são muito trabalhosos, obrigando os juízes a grande dispêndio de tempo, veio tornar mais incisivos os ónus a cargo do recorrente, com vista a tornar mais célere a detecção dos pontos de facto de que o recorrente discorda e dos meios de prova a considerar relativamente a cada um deles, tendo em vista proporcionar que o julgamento seja menos moroso. Tal ónus deve ser cumprido nas conclusões[6] do recurso, pois são elas que delimitam o respectivo objecto, embora tal matéria deva ser fundamentada na alegação. No entanto, mesmo nesta, nada foi cumprido a este nível. No entanto, uma vez que na acta da audiência de julgamento não foram assinalados os termos iniciais e finais de cada um dos depoimentos prestados pelas testemunhas, apenas constando a seguinte menção: “O registo sonoro do seu depoimento foi gravado no habilus média studio”, cremos que não se poderá exigir à parte a indicação correspondente, embora tal seja possível, como acima se referiu[7]. De qualquer modo, analisando o recurso no seu conjunto, verificamos que se consegue descortinar qual é o seu objecto, pois sabemos quais os pontos de facto impugnados e quais os meios de provada invocados, embora a forma da sua apresentação devesse ser mais ordenada e menos lacunosa. Aliás, o sentido da alteração pretendida pela apelante também se consegue descortinar: consiste em definir que o A. apenas foi admitido ao seu serviço da R. em 2008-04-30 e não no antecedente dia 8 de Abril e que o contrato de trabalho não cessou por despedimento por si promovido. O acabado de expor significa que, apesar de tudo, deveremos conhecer o recurso acerca da decisão proferida sobre a matéria de facto. Ora, a Relação pode alterar a matéria de facto, nos termos do disposto no Art.º 712.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. Importa, no entanto, que o faça com a parcimónia devida. Na verdade, o contacto directo com os depoentes em audiência permite colher impressões do comportamento de cada um deles que habilitam o Juiz a concluir pela veracidade ou não dos respectivos depoimentos, o que é impossível de transmitir através da reprodução dos registos sonoros. E, mesmo relativamente ao registo vídeo, a sua reprodução não possibilita a interacção da pergunta-resposta, típica do diálogo da audiência, ficando os Juízes numa posição passiva ou estática, tendo de se conformar com o material que lhes é dado, pois não podem pedir esclarecimentos, por exemplo. De qualquer forma, sendo os nossos registos apenas sonoros, a sua falibilidade é muito maior. É por isso que se tem entendido que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação[8]. In casu, como se referiu, a recorrente pretende que se dê como provado, em síntese, que o A. apenas foi admitido ao seu serviço em 2008-04-30 e não no antecedente dia 8 de Abril e que o contrato de trabalho não cessou por despedimento por si promovido. Ora, tendo nós ouvido, com atenção, o registo sonoro dos depoimentos de todas as testemunhas, inclusive de H…………. [o qual, apesar da sua menor qualidade, nem por isso pode ser qualificado como inaudível, assim se contrariando o referido pela apelante], cremos poder afirmar que os factos dados como provados estão suportados na realidade da prova pessoal e documental levada e considerada na audiência de discussão e julgamento. Na verdade, apesar das testemunhas F……….., H………. e G…………, motoristas da R., que foram colegas do A., estarem preocupados em afirmar que o A. entre 8 e 30 de Abril de 2008 esteve em aprendizagem, que tal actividade não conferia direito a retribuição e ao pagamento das despesas de alimentação por parte da R. e que esta não dava ordens ao A., o certo é que a testemunha G……….. acabou por dizer que o A. o acompanhou numa viagem, em cumprimento de instruções da R., tendo o A. conduzido o camião durante duas ou três horas; mais, o motorista dava ao A. alimentação durante a viagem, pois o camião tinha condições e transportava o equipamento e os géneros necessários à confecção de refeições, em que o A. participava, pagando a R. ao motorista testemunha, digamos assim, uma quantia a tal título. De resto, não faria sentido que o trabalhador, em aprendizagem, circulasse no camião, sem ou contra a vontade do seu dono. Parece que a prática da R. era no sentido de nada pagar durante esse período, seja a título de retribuição, seja a título de ajudas de custo ou outros, daí advindo a preocupação em fazer coincidir o início da actividade com o fim da aprendizagem. De qualquer modo, o recurso nesta parte nenhuma influência pode ter na decisão da causa, uma vez que a apelante apenas pede, como se vê do relatório que antecede, que se elimine a condenação quanto às consequências do despedimento: indemnização e retribuições vencidas. Já quanto ao outro ponto da matéria de facto que a apelante pretende que se dê como provado, no sentido de que o contrato de trabalho que a unia ao A. não cessou por despedimento, importa referir que em nenhum facto assente consta que o contrato cessou por despedimento, apenas tendo sido dados como provados factos ocorridos em Setembro de 2008, mas que correspondem integralmente à prova produzida, nomeadamente, dos depoimentos de D……….., pai do A. e de E…………., secretária da R., para além dos das restantes testemunhas. Na verdade, inclusive, o Tribunal a quo, na fundamentação do despacho em que assentou os factos provados refere expressamente que o despedimento não se provou. Claro está que na sentença, em sede de matéria de direito, entendeu o contrário, mas isso é matéria que extravasa o âmbito da presente questão. Desta arte e em síntese, podemos concluir que o Tribunal a quo, atentos os meios probatórios documentais e pessoais disponíveis, não julgou sem prova, nem julgou contra a prova produzida, encontrando-se a decisão sobre a matéria de facto devidamente suportada pelos meios de prova que lhe foram fornecidos pelo processo e em audiência de discussão e julgamento, pelo que o respectivo despacho deverá ser confirmado. Improcedem, assim, as pertinentes conclusões da apelação. O Direito. A 2.ª questão. Trata-se de saber se o A. não foi objecto de despedimento por parte da R., como esta pretende. Vejamos. Segundo alega a R., ora apelante, ela não despediu o A., antes, o contrato de trabalho cessou por iniciativa do A., que quis abandonar a profissão de motorista; por seu turno, o Tribunal a quo considerou verificado, na sentença, em sede de matéria de direito, o despedimento, como se referiu na questão anterior. Ora, é sabido que nas acções de impugnação do despedimento, em decorrência das regras gerais acerca da distribuição do ónus da prova, constantes do Art.º 342.º do Cód. Civil, ao trabalhador despedido cabe alegar e provar o despedimento, ou também o contrato de trabalho se ele estiver em debate, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado – cfr. n.º 1 do artigo referido. Por outro lado, inexistindo processo disciplinar e invocando a entidade empregadora o abandono do trabalho por parte do trabalhador, atento o disposto no Art.º 450.º do Cód. do Trabalho, a ela cabe o ónus de demonstrar a base da presunção legal constituída pela ausência do trabalhador ao serviço pelo período mínimo de 10 dias úteis seguidos, que tal ausência revela a intenção de não retomar a prestação laboral e que remeteu ao trabalhador carta registada com aviso de recepção declarando a extinção do contrato, com tais fundamentos[9]. In casu, não está em causa a existência de contrato de trabalho entre as partes, pois tal matéria foi dada como provada, mas já se discute se o contrato não terá cessado por despedimento, como pretende a apelante. A lei não nos fornece uma definição de despedimento. A doutrina, porém, tem-se pronunciado sobre a matéria de forma uniforme: O despedimento “É estruturalmente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção ex nunc ... do contrato de trabalho”[10]. “... o despedimento configura-se como uma declaração de vontade, recipienda (ou receptícia), vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”[11]. “O despedimento consubstancia-se numa declaração receptícia de vontade dirigida ao trabalhador na qual a entidade patronal põe fim ao contrato de trabalho”[12]. Por outro lado, a jurisprudência tem entendido que a vontade de despedir, por banda do empregador, há-de ser inequívoca, mesmo que se trate de despedimento de facto e que pertence ao trabalhador o ónus da prova do despedimento, nomeadamente, das circunstâncias que o revelam[13]. Ora, sendo assim, há-de o empregador emitir uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a há-de receber, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste de modo inelutável; tal significa que o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo. Vejamos agora a hipótese vertente. São pertinentes os seguintes factos provados: H) O Autor tendo comunicado previamente ao gerente da Ré, não foi trabalhar no dia 8 de Setembro de 2008, em virtude de ter uma consulta médica marcada. I) No dia 9 de Setembro, às 9 horas, apresentou-se para trabalhar na sede da Ré, já que não lhe tinha sido atribuído serviço para efectuar. J) Uma funcionária da Ré, de nome E……….., comunicou ao Autor, por ordem do gerente da Ré, que para já não tinha trabalho para lhe dar. K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar. L) De novo lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si. M) O Autor, até à presente data, não recebeu qualquer carta de despedimento. U) O Autor sentia-se desconfortável sempre que era necessário acompanhar o transporte do camião por barco através do canal marítimo de Inglaterra. V) A Ré nunca moveu qualquer procedimento disciplinar ao Autor. W) Em 17 de Setembro de 2008, a gerência da Ré remeteu ao Autor, em correio registado com aviso de recepção, uma carta, constante dos autos a fls. 59, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. X) A carta referida em W) apresenta o seguinte teor: “Exmo. Senhor B…………… …….., BP. … …. ….. 5100 Lamego Reg. C/AR Peso da Régua, 17 de Setembro de 2008 Assunto: Processo disciplinar/suspensão preventiva Ex.mo. Senhor Serve a presente para lhe comunicar que é intenção desta empresa proceder à instauração de um processo disciplinar contra Vª Exª com vista ao seu despedimento. Antes de remetermos a Vª Exª a respectiva nota de culpa, a qual ainda não nos foi possível concluir, cumpre-nos comunicar que nos termos do art. 417º do Código do Trabalho foi determinada a sua imediata suspensão ao trabalho. Pelo que, logo após a recepção do presente ofício deverá Vª Exª deixar comparecer no seu local de trabalho até conclusão do dito processo disciplinar. Assim, foi decidido atendendo aos indícios de factos imputáveis a Vª Exª, designadamente aos seus últimos comportamentos, tornando-se a partir da presente data inconveniente a presença de V.ª Exª nas instalações e nos serviços de transporte realizados por esta empresa, para averiguação e recolha de elementos probatórios de tais factos e decurso normal da actividade. Certos da V.ª melhor atenção, com os melhores cumprimentos. A Gerência, ”. Destes factos resulta que o contrato de trabalho entrou em inexecução pois, tendo o A. faltado ao trabalho para ir a uma consulta médica, quando tentou retomar o serviço, não havia trabalho para ele fazer, o que aconteceu mais de uma vez. Por outro lado, tendo a apenate intenção de proceder a despedimento motivado do A. e tendo determinado a sua suspensão preventiva do trabalho, não elaborou qualquer procedimento disciplinar. Mantendo o A. a intenção de retomar o trabalho, desconhece-se qual seja, então e agora, o projecto que a apelante tem para o apelado. Na verdade, nenhuma declaração de vontade inequívoca dirigiu a R. ao A. no sentido de, por vontade dela, pôr fim ao contrato de trabalho com o A., desconhecendo-se qual é, adrede, o seu propósito. Cremos, no entanto, que analisados os factos acima transcritos, criticamente e no seu todo, no confronto com os ensinamentos que nos advêm da doutrina e da jurisprudência acerca do conceito de despedimento, podemos afirmar que a hipótese dos autos não configura um despedimento. Ora, como é sabido, em decorrência das regras gerais acerca da distribuição do ónus da prova, constantes do Art.º 342.º do Cód. Civil, ao trabalhador despedido cabe alegar e provar o despedimento, ou também o contrato de trabalho se ele estiver em discussão, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado – cfr. n.º 1 do artigo; ao empregador, por seu turno e se for caso disso, cabe alegar e provar a licitude do despedimento efectuado, isto é, os factos integradores da justa causa invocada, constantes da nota de culpa e da respectiva decisão disciplinar – cfr. o n.º 2 do artigo. Daí que a lei dos despedimentos[14] e, actualmente, o Cód. do Trabalho de 2003[15], desde sempre disciplinaram, de forma clara, que compete ao empregador o ónus da prova da justa causa invocada para o despedimento, rectius, dos factos elencados pelo empregador na nota de culpa e na decisão disciplinar comunicada ao trabalhador. In casu, não está em causa a existência de contrato de trabalho entre as partes, pois tal matéria foi dada como provada, mas já se discute a forma como o contrato de trabalho terá cessado. Na verdade, não se tendo provado nenhuma das versões apresentada pelas partes, ficamos sem saber o que efectivamente aconteceu. Tal não significa, no entanto, que o Tribunal a quo estivesse obrigado a descobri-lo, como se sobre ele recaíssem especiais deveres de investigação, de tipo criminal. Ao contrário, atentas as regras acima enunciadas, uniformemente aceites pela doutrina[16] e de igual modo aplicadas pela jurisprudência[17], desde há longos anos, ao A. incumbia o ónus da prova do despedimento. Não o tendo cumprido, terá de suportar a desvantagem inerente. Tal significa que o A., não tendo cumprido o seu ónus da prova, não demonstrou a verificação do despedimento por banda da R. apelante, pelo que sucumbe a sua tese do despedimento ilícito e com ela, consequentemente, cai o direito à indemnização de antiguidade, bem como o direito às retribuições vencidas, ambas fixadas na sentença, o que se afirma com o deveido respeito por diferente entendimento. Assim, a sentença deverá ser revogada, nesta parte, procedendo destarte as restantes conclusões do recurso. Decisão. Termos em que se acorda em conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença no que respeita à indemnização de antiguidade, bem como às retribuições vencidas, a qual se confirma quanto ao mais. Custas por A. e R. na proporção de, respectivamente, 2/3 e 1/3. Porto, 2010-03-25 Manuel Joaquim Ferreira da Costa António José Fernandes Isidoro Paula A. P. G. Leal S. Mayor de Carvalho ___________________________ S U M Á R I O I – Pretendendo o recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve cumprir os ónus previstos no Art.º 685.º-B do Cód. Proc. Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. II – Procedendo-se a gravação da audiência de julgamento, deve constar da respectiva acta a indicação do termo inicial e final do registo áudio ou vídeo de cada depoimento. III – Não constando tais menções da acta respectiva, o recorrente cumpre os seus ónus se indicar os concretos pontos de facto de que discorda com referência, separada e relativamente a cada um deles, dos concretos meios de prova pessoais constantes da gravação, documentais ou outros que, a seu ver, impõem decisão diversa da empreendida pelo Tribunal de 1.ª instância. IV – Defenindo-se o despedimento como um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício, tendente à extinção ex nunc do contrato de trabalho, ou como uma declaração de vontade, receptícia, vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, ou ainda como uma declaração receptícia de vontade dirigida ao trabalhador na qual a entidade patronal põe fim ao contrato de trabalho, a sua verificação implica que se demonstre que o empregador emitiu uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a recebeu, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste, de modo inelutável, pois o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo. ____________________________ [1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma. [2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532. [3] Nova numeração do artigo – anterior 690.º-A – introduzida pelo diploma referido na nota (1) e aplicável in casu. [4] Era a seguinte a anterior redacção: 1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C. [5] Era a seguinte a anterior redacção: 2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. [6] Cfr. João Aveiro Pereira, in O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, O DIREITO, 2009, Tomo II, a págs. 318 a 320, nomeadamente. [7] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, págs. 132 ss. e in Reforma dos Recursos em Processo Civil, Julgar, n.º 4, 2008, págs. 69 ss., nomeadamente, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, 2008, págs. 170 a 172 e J. F. Salazar Casanova e Nuno Salazar Casanova, in Apontamentos sobre a Reforma dos Recursos, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, Janeiro de 2008, Tomo I, págs. 70 e 71, nomeadamente. [8] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL, II VOLUME, 4.ª EDIÇÃO, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto, de 2003-01-09, in www.dgsi.pt, JTRP00035485 e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 2001-03-27, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88. [9] Cfr., Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 2003, págs. 657. [10] Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, in A extinção do contrato de Trabalho, RDES, Ano XXXI, (IV da 2.ª Série), n.ºs ¾, pág. 428 e in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, 1996, pág. 478. [11] Cfr. Pedro Furtado Martins, in Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva, Suplemento de “Direito e Justiça” – Revista da FDUCP, 1992, pág. 37; cfr. também do mesmo Autor, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, pág. 65. [12] Cfr. Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 59. Pode-se ver também José Gil de Jesus Roque, in Da justa causa do Despedimento face à actual Lei Portuguesa, 1980, págs. 17 e segs. e Messias de Carvalho e Vítor Nunes de Almeida, in Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, pág. 103. [13] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1995-10-25 e de 1999-04-14, in respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 450, pág. 349 a 354 e Colectânea de Jurisprudência, Ano VII-1999, Tomo II, págs. 254 e 255. [14] Dispunha o n.º 3 do Art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, na redacção adveniente da Lei n.º 48/77, de 11 de Julho: Nas acções judiciais de impugnação de despedimento compete à entidade patronal a prova da existência da justa causa invocada. Tal norma foi sucedida pelo n.º 4 do Art.º 12.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, do seguinte teor: Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão referida nos n.ºs 8 a 10 do artigo 10.º, competindo-lhe a prova dos mesmos. [15] Cujo Art.º 435.º, n.º 3, dispõe: Na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador. [16] Cfr., a título de exemplo: - Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Almedina, 1984, págs. 147 a 150, - Abílio Neto, in Despedimentos e Contratação a Termo, Petrony, 1989, págs. 119 a 120 e - Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, Almedina, 1990, págs. 167 a 168. [17] Cfr., também a título de exemplo: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-04-11, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 356, págs. 206 a 211, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1995-10-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 450, págs. 349 a 354 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-04-14, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII-1999, Tomo II, págs. 254 a 255.
Reg. N.º 661 Proc. N.º 476/08.8TTLMG.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…………….. deduziu em 2008-11-25 [cfr. fls. 16] contra C…………., Ld.ª a presente acção declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que se declare ilícito o despedimento efectuado e que se condene a R. a pagar ao A.: a) As retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença. b) Indemnização por despedimento sem justa causa, no montante de € 5.400,00. c) A quantia de € 3.466,90, relativa ao salário dos meses de Abril, Agosto e Setembro de 2008. d) A quantia de € 2.700,00, relativa aos proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos e e) Juros de mora, à taxa legal, a partir da citação, sobre a quantia de € 11.566,90. Alega o A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 2008-04-08 para exercer as funções de motorista de pesados, mediante a retribuição média mensal de € 1.800,00, foi despedido em 2008-09-09, sem justa causa, o que lhe confere direito à reclamada indemnização de antiguidade. Mais alega que não lhe foi paga qualquer das restantes quantias pedidas. Contestou a R., alegando que o A. foi admitido em 2008-04-30 e que foi ele quem tomou a iniciativa de pôr fim ao contrato de trabalho, tendo deduzido reconvenção, pela qual pede a condenação do A. a pagar-lhe a quantia de € 1.368,00 e a que se vier a apurar em oportuna liquidação, correspondentes ao valor dos danos causados no exercício da condução e, quanto ao mais, contesta por impugnação. O A. respondeu a tal articulado e pediu a condenação da R. como litigante de má fé, em multa e em indemnização a seu favor. O Tribunal a quo não admitiu a reconvenção, proferiu despacho saneador tabelar, absteve-se de fixar a base instrutória e fixou à acção o valor de € 12.934,00, atento o disposto no Art.º 315.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, embora conste das respectivas actas da audiência de discussão e julgamento apenas a menção “O registo sonoro do seu depoimento foi gravado no habilus média studio”, tendo-se respondido à BI pela forma constante do despacho de fls. 74 a 80, sem reclamações – cfr. fls. 81. Proferida sentença, foi a R. condenada a pagar ao A.: 1) - A quantia de € 7.787,44 de retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença. 2) - Indemnização por despedimento, no montante de € 1.653,90. 3) - A quantia de € 1.979,31, relativa a retribuições vencidas e não liquidadas. 4) - A quantia de € 1.290,54, relativa aos proporcionais de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos e 5) - Juros de mora, à taxa legal, a partir da citação, até integral e efectivo pagamento. Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, que deverá ser substituída por decisão que não considere ter ficado demonstrado que a relação jurídica invocada nos autos teve o seu início no dia 8 de Abril de 2008, mas sim em 30 de Abril de 2008, e que não ocorreu despedimento ilícito promovido pela R. contra o A. e, em consequência, absolva a R. do pedido formulado a título de indemnização em substituição da reintegração e das retribuições que deixou de auferir desde trinta dias antes da data da propositura da acção até à data da sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1- Pelo presente recurso pretende o recorrente manifestar o seu inconformismo contra a decisão do Tribunal Recorrido no que se refere às duas primeiras questões apontadas na douta sentença, a saber: qual é a data do início da relação jurídica que se estabeleceu entre as partes e como cessou a relação jurídica estabelecida entre A. e R., designadamente averiguar se o A. foi alvo de despedimento ilícito. 2- Discordância fundamentada no facto de os elementos probatórios carreados para os autos, por si só, permitirem à Mma Juiz a quo uma decisão oposta à proferida, no sentido de considerar que a relação laboral em litígio teve o seu início no dia 30 de Abril de 2009 (ao invés do dia 08 de Abril de 2008), e que o trabalhador/recorrido não logrou, conforme lhe incumbia, provar o despedimento ilícito invocado nos autos. 3- De modo que o Tribunal Recorrido ao não relevar a prova produzida no tocante às questões indicadas e ao não ter realizado a melhor apreciação jurídica do caso, a decisão em crise orientou-se em sentido diverso do caminho da justiça do caso concreto. 4- Para o demonstrar o recorrente lançou-se na tarefa impugnar a seguinte matéria de facto dada por assente pelo Tribunal Recorrido: Alínea A) A. foi admitido ao serviço da Ré, em 8 de Abril de 2008; Alínea B) para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de motorista; Alínea E) O contrato foi celebrado verbalmente, sem termo; Alínea F) Posteriormente, em Abril de 2008, a R. lavrou um "Contrato de Trabalho" junto a fls. 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que o A. assinou; Alínea G) O A. exerceu, ininterruptamente, as funções de motorista de pesados, em transportes internacionais desde 8 de Abril de 2008 até 9 de Setembro de 2008; Alínea K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar; Alínea L) De novo foi-lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si; Alínea P) A Ré não procedeu ao pagamento do salário do trabalho prestado nos 22 dias do mês de Abril; Alínea Q) No período de 08 de Abril a 30 de Abril, por indicação da Ré, o Autor acompanhou as viagens de outros motoristas ao Serviço daquela a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro. 5- Na fundamentação jurídica da decisão recorrida ficou dado como assente que o A./Recorrido foi admitido ao serviço da R./Recorrente em 08 de Abril de 2008, data a partir da qual, por indicação da Ré, acompanhou as viagens de outros motoristas ao serviço daquela, a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro e exerceu ele próprio as funções de motorista de pesados para transportes internacionais mediante uma contrapartida retributiva mensal, exercendo as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização daquela. 6- Mais e tendo referido que, a partir de 08 de Abril de 2008, o A. passou a exercer a actividade visada, estando totalmente disponível e subordinado às indicações da Ré, a partir dessa data houve consenso quanto à formação dessa relação jurídica, independentemente de a terem formalizado, por documento escrito, lavrado a 30 de Abril de 2008 (contrato de trabalho junto com a p.i.). 7- No discernir do recorrente e salvo devido respeito por entendimento diverso nenhuma prova foi revelada nos autos que traduzisse, ainda que minimamente, que o contrato de trabalho celebrado entre as partes tivesse iniciado no dia 08 de Abril de 2008. 8- A única referência de que o A. se socorreu para dar como iniciada a sua relação de trabalho com o R. foi a indicação constante do doc. N° 1 (junto com a p.i.), através do qual a R. declarou: "Para o devidos efeitos, declaramos que B……….., portador do BI n.º ……8434, residente em Lamego – Portugal, iniciou funções nesta empresa como motorista de pesados a partir do dia 08 de Abril de 2008. Por ser verdade e para os efeitos de fiscalização de trânsito se lavra e assina esta declaração. Peso da Régua. 08 de Abril de 2008”. 9- Nenhuma outra referência é nos dada pelo A., designadamente ao nível da prova testemunhal trazida a juízo, que sustentasse tal data como início da relação laboral, bem ao invés, os demais documentos instruídos com a p.i., traduzem realidade bem diversa, quer isto dizer, apontando como início da relação jurídica em questão o dia 30 de Abril de 2008. 10- Citamos neste contexto o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado sob a forma escrita, datado de 30 de Abril de 2008, contendo a mesma data como início da prestação de trabalho e tendo desenhado nas suas cláusulas contratuais todo o regime contratual acordado entre as partes, veja-se, a título de exemplo e em confronto com os recibos de vencimentos igualmente juntos, o regime retributivo aí fixado e que perdurou durante toda a relação de trabalho. 11. De salientar ainda a junção pelo A. apenas dos recibos de vencimento dos meses de Junho e Julho de 2008, não integrando, por isso, o mês de Abril, nem de Maio do mesmo ano, devendo também atender-se que só na presente acção é que o A. veio reclamar os 22 dias de trabalho alegadamente prestados durante o mês de Abril de 2008 (cfr. Art. 19 da p.i.) quando expressamente reconhece que os meses subsequentes, ou seja, Maio, Junho e Julho lhe foram pagos pela R. 12. De resto, a prova testemunhal apresentada pelo A., resumida ao depoimento do pai do A., mostrou-se falível, comprometedora e imprecisa no que tange à questão em análise, tanto mais que nenhuma referência faz ao mês de Abril de 2008, situando que só a partir do mês de Maio passou a acompanhar o seu filho nas viagens, principalmente porque este não dominava a língua francesa. 13. Pelas transcrições realizadas do depoimento da testemunha D………….., que segundo referiu assistiu ao inicial contacto entre A. e representante da R., facilmente se retira que as viagens do mês de Abril foram realizadas para o A. conhecer os trajectos da R., até porque o A. era inexperiente nos transportes internacionais (cfr. AI. R) dos factos provados), nada mais tendo sido acertado entre as partes em relação aos contornos e condições do contrato de trabalho, designadamente a título de retribuição. 14. Nos mesmos moldes a testemunha E…………. (ex-funcionária da R.), com relevância para a problemática em apreço, esclareceu que era habitual na empresa emitir-se um documento do tipo do exibido e junto como doc. 1 com a p.i., nos casos de trabalhadores em fase inicial de trabalho para justificar perante as autoridades locais a sua presença nos camiões em território estrangeiro. Mais referiu esta testemunha que logo que o A. passou a trabalhar para a empresa foi celebrado o respectivo contrato e no final do mês emitido e entregue o correspondente recibo. 15. Do depoimento da testemunha F………….. resulta à evidência qual o procedimento adoptado peja empresa no tocante à contratação de motoristas, começando por uma fase de estágio ou experimental, no âmbito da qual o futuro motorista irá conhecer os trajectos seguidos pelos carros da empresa, não está sujeito a qualquer retribuição e todas as despesas pessoais que tiver são suportadas a expensas suas. De igual modo, clarificou a origem e necessidade do doc. N°. 1 junto com a p.i., não deixando margem para qualquer dúvida que o mesmo se destina a justificar a permanência do acompanhante, estagiário ou aprendiz, no interior do camião ao longo das deslocações ao estrangeiro. 16. A testemunha G………….. revelou de forma inequívoca o esquema de contratação de motoristas por parte da R., pelo qual o mesmo passou, tendo uma primeira fase experimental, ou de estágio, não remunerada, não sujeita a instruções da entidade empregadora, sendo que lhe era dada a oportunidade para conduzir o camião, não por ordens da R., mas para ele se habituar à condução do carro nos trajectos percorridos pela empresa. 17. De exposto resulta que o A. não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, já que não demonstrou, pelo menos no que respeita aos invocados "22 dias de trabalho de Abril", que estava submetido a um contrato de trabalho, já que não demonstrou o A. que durante esse período foi acordada uma remuneração, que obedecia a um horário ou até que a entidade empregadora lhe deu ordens e instruções. 18. Face à inexperiência do A. enquanto motorista de transportes internacionais e à necessidade de adquirir conhecimentos de condução e dos percursos efectuados pela R., ficou acordado que essa primeira fase, ou seja, até à celebração do contrato de trabalho escrito, que esse período de experiência ou de estágio não seria remunerado para o A., como o não foi para a generalidade dos trabalhadores da R., tendo o A. que suportar a expensas suas as despesas pessoais nessa deslocações. 19. No indicado período as partes não se vincularam a qualquer contrato de trabalho, quando muito subordinaram-se a um estágio profissional, não remunerado, até posterior contratação. (cfr. Ac do STJ de 22.11.2000. CJ, STJ, III, P 290 e Ac. STJ de 10.03.1998, Ac. Doutr. N°. 439, pago 1015), em consequência, não assistem ao A. os direitos reclamados no art. 19° da e na aI. a) do II pedido formulado pelo A. na p.i. 20. De modo que a Mma Juiz a quo incorreu em erro na apreciação da prova e na subsequente apreciação jurídica da questão em debate, uma vez que, em face da prova dos autos, não podia ter dado como provada a factualidade vertida nas als. a) e) f) na parte que se refere "posteriormente"; al g) onde se lê "desde 8 de Abril de 2008”. 21. Em face da prova produzida competia ao Tribunal Recorrido dar como assente que o contrato de trabalho aduzido nos autos foi celebrado por escrito em 30 de Abril de 2009, data em que teve o seu início. 22. No que concerne à segunda problemática, isto é, corno cessou a relação jurídica estabelecida entre A. e R., designadamente averiguar se o A. foi alvo de despedimento ilícito, entende o recorrente que a Mma Juiz a quo, falhou na apreciação jurídica do caso, descuidando-se, na sua análise, na aplicação das basilares regras de repartição do ónus da prova. 23. A violação de tais normativos revela-se, no caso em questão, de tal forma manifesta, atendendo a que, inexiste, na perspectiva da recorrente, qualquer matéria factual que tenha sido dada corno provada que permitisse à Mma Juiz decidir a ilicitude do despedimento promovido nela R. 24. Aliás, decisão que nem sequer se infere das conclusões da sentença recorrida, uma vez que em lado algum daquela decisão vem referido a declaração da ilicitude de um despedimento promovido pela R. contra o A., mas apenas as consequências legais (créditos) decorrentes de um despedimento. 25. A vontade de por termo (fazer cessar) ao contrato de trabalho há-de ser inequívoca, mesmo nos designados "despedimentos de facto", em que os actos praticados pela entidade empregadora devem ser equivalentes a uma manifestação de vontade de despedir (neste sentido Ac. STJ de 04.12.2002, e de 14.04.99 da RP de 14.05.2001 e da RL de 20.02.2002 e de 03.03.99, todos publicados in http://dgsi/jstj, jtrp e jtrl, respectivamente). 26. Competia ao A. provar constitutivos dos direitos que invoca, no caso, o ónus da prova do despedimento, por se tratar de facto constitutivo do direito que pretende ver reconhecido e declarado pelo Tribunal. 27. Através do cotejo da petição inicial constata-se que Autor alegou um despedimento ocorrido no dia 09 de Setembro de 2009, traduzido no facto de nesse dia ter-se apresentado para trabalhar na sede da Ré. (já que não lhe tinha sido atribuído serviço para efectuar) - (cfr. Art. 9º da p.i.); no art. 11º do mesmo articulado refere que uma funcionária da R., de nome E………., sem qualquer explicação, comunicou ao A. por ordem do gerente da Ré, que não havia trabalho para si, que estava despedido e que iria receber uma carta com tal comunicação. 28. Alegou ainda o A. que às 09.00 horas do dia 11 de Setembro, em virtude de não ter recebido a referida carta (despedimento), apresentou-se, de novo na sede da R. para ir trabalhar, tendo, de novo lhe sido comunicado pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si e que iria receber a carta de despedimento, tendo, por último, mencionado que até à data, não recebeu qualquer carta de despedimento. 29. Ora, produzida a prova em audiência de julgamento ficaram provados com interesse para o que agora se discute os factos plasmados nas alíneas H), I), J), K), L), M), V) W), que por razões de economia processual aqui se dão por reproduzidos. 30. Atendendo ao mencionado princípio de repartição do ónus da prova, é em função das expressões da funcionária E……….., descritas nas aIs. J) e L) e do demais circunstancialismo fáctico constante das alíneas supra identificadas, que temos que aferir se houve ou não um despedimento de facto promovido pela entidade patronal do demandante. 31. Para esse efeito teremos que recorrer ao que dispõe o art. 236° do CCivil, segundo o qual "a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se não puder razoavelmente contar com ele" (nº. 1 e que "sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”(n.º 2). 32. Em atenção a estes elementos interpretativos será que pode considerar-se que as aludidas declarações da funcionária da R. traduzem-se numa inequívoca vontade de despedir o A.? PENSAMOS - E ESTAMOS CONVENCIDOS - QUE NÃO. 33. Em primeiro lugar, porque a expressão da dita funcionária, no dia 09 de Setembro, ainda que por ordem do gerente da R., que para já não tinha trabalho para lhe dar, bem como a expressão proferida no dia 11 de Setembro, que não havia trabalho para si, não comporta, por si só, nem pouco mais ou menos, uma vontade inequívoca de rompimento definitivo da relação laboral. Dessas expressões não resulta se o gerente da R. quis dizer que por enquanto não havia trabalho para o A. naqueles dias ou naquela semana (atendendo até que, tal como foi demonstrado, muitas vezes os motoristas aguardava mais de uma semana em casa à espera do agendamento de uma viagem. O que se sabe é que aquelas expressões foram proferidas pela dita funcionária que, ao contrário do alegado pelo A. na p.i., não lhe transmitiu qualquer ordem de despedimento. 34. Nesta análise não nos esqueçamos quer era ao A. a quem competia a demonstração - sem margem para dúvidas, pois estas, a existirem, têm de reverter em seu desfavor, por sobre ele incidir o ónus da prova - de que a R., através da referida funcionária, o quis despedir. 35. E se é verdade, como se disse, que as indicadas expressões, por si só, não traduzem uma vontade inequívoca de por termo definitivo à relação de trabalho, também as demais circunstâncias atendíveis, posteriores àquelas declarações, apontam no mesmo sentido, ou seja, no de que um declaratário normal não vislumbraria o comportamento do gerente da R. e da sua funcionária, como o rompimento do contrato de trabalho. 36. Todos estes elementos interpretativos, conjugados com o teor inconclusivo das citadas declarações da funcionária da R., importam a conclusão de que o A. não foi despedido no dia 09 ou mesmo no dia 11 de Setembro. 37. Significa isto que A. não logrou provar o despedimento ilícito (sem justa causa e sem processo disciplinar) que alegou na petição inicial como causa da cessação (extinção) do contrato de trabalho e, por conseguinte, que a acção terá que improceder quanto às pretensões formuladas sob os pontos II e III das conclusões da petição inicial. 38. Assim não tendo decidido violou a douta decisão em crise, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 10°, 103°, 429°, 436°, 439°, 221º, 255º do C.T. e 236º do C.Civil. O A. apresentou a sua contra-alegação, pedindo a confirmação da sentença. A Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento. Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: A) O A. foi admitido ao serviço da Ré, em 08 de Abril de 2008. B) Para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de motorista de pesados para transportes internacionais. C) No mês de Junho de 2008 o Autor auferiu o vencimento base de € 551,30, a título de cláusula 74.ª a quantia de € 309,90, de prémio TIR a quantia de € 112,23, por trabalho prestado ao fim de semana a quantia de € 150,00 e de despesas de deslocação a quantia de € 856,32; D) No mês de Julho de 2008 o Autor auferiu o vencimento base de € 551,30, a título de cláusula 74.ª a quantia de € 309,90, de prémio TIR a quantia de € 112,23, por trabalho prestado ao fim de semana a quantia de € 250,00 e de despesas de deslocação a quantia de € 872,32; E) O contrato foi celebrado verbalmente, sem termo. F) Posteriormente, em 30 de Abril de 2008, a Ré lavrou um "Contrato de Trabalho", junto a fls. 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que o Autor assinou. G) O A. exerceu, ininterruptamente, as funções de motorista de pesados, em transportes internacionais desde 8 de Abril de 2008 até 9 de Setembro de 2008. H) O Autor tendo comunicado previamente ao gerente da Ré, não foi trabalhar no dia 8 de Setembro de 2008, em virtude de ter uma consulta médica marcada. I) No dia 9 de Setembro, às 9 horas, apresentou-se para trabalhar na sede da Ré, já que não lhe tinha sido atribuído serviço para efectuar. J) Uma funcionária da Ré, de nome Susana, comunicou ao Autor, por ordem do gerente da Ré, que para já não tinha trabalho para lhe dar. K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar. L) De novo lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si. M) O Autor, até à presente data, não recebeu qualquer carta de despedimento. N) O Autor não recebeu o salário devido no mês de Agosto. O) O Autor não recebeu o pagamento do trabalho prestado em Setembro de 2008. P) A Ré não procedeu ao pagamento do trabalho prestado nos 22 dias do mês de Abril. Q) No período de 08 de Abril a 30 de Abril de 2008, por indicação da Ré, o Autor acompanhou as viagens de outros motoristas ao serviço daquela, a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro. R) O Autor não tinha experiência enquanto motorista de pesados no âmbito do transporte internacional. S) De acordo com o contrato de trabalho escrito aludido em F), Autor e Ré acordaram a fixação da retribuição da forma seguinte: a quantia de 551,30 € de remuneração base, acrescida de prémio TIR no valor de € 112,23, de 309,90€ que é o valor previsto no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCTV e ainda 75€ por cada fim-de-semana ausente da sua residência. T) Para além desses valores, a Ré pagava ainda ao Autor as despesas de deslocação. U) O Autor sentia-se desconfortável sempre que era necessário acompanhar o transporte do camião por barco através do canal marítimo de Inglaterra. V) A Ré nunca moveu qualquer procedimento disciplinar ao Autor. W) Em 17 de Setembro de 2008, a gerência da Ré remeteu ao Autor, em correio registado com aviso de recepção, uma carta, constante dos autos a fls. 59, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Está também provado o seguinte facto: X) A carta referida em W) apresenta o seguinte teor: “Exmo. Senhor B…………… ……., BP. ….. ….. 5100 Lamego Reg. C/AR Peso da Régua, 17 de Setembro de 2008 Assunto: Processo disciplinar/suspensão preventiva Ex.mo. Senhor Serve a presente para lhe comunicar que é intenção desta empresa proceder à instauração de um processo disciplinar contra Vª Exª com vista ao seu despedimento. Antes de remetermos a Vª Exª a respectiva nota de culpa, a qual ainda não nos foi possível concluir, cumpre-nos comunicar que nos termos do art. 417º do Código do Trabalho foi determinada a sua imediata suspensão ao trabalho. Pelo que, logo após a recepção do presente ofício deverá Vª Exª deixar comparecer no seu local de trabalho até conclusão do dito processo disciplinar. Assim, foi decidido atendendo aos indícios de factos imputáveis a Vª Exª, designadamente aos seus últimos comportamentos, tornando-se a partir da presente data inconveniente a presença de V.ª Exª nas instalações e nos serviços de transporte realizados por esta empresa, para averiguação e recolha de elementos probatórios de tais factos e decurso normal da actividade. Certos da V.ª melhor atenção, com os melhores cumprimentos. A Gerência,”. Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são duas as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Alteração da matéria de facto. II – Não verificação do despedimento. Matéria de facto. A 1.ª questão. Trata-se de saber se deve ser alterada a matéria de facto. Na verdade, a R., ora apelante, como refere na conclusão 4 do recurso, discorda da decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, dos seguintes factos assentes na sentença: Alínea A) A. foi admitido ao serviço da Ré, em 8 de Abril de 2008; Alínea B) para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, exercer as funções de motorista; Alínea E) O contrato foi celebrado verbalmente, sem termo; Alínea F) Posteriormente, em Abril de 2008, a R. lavrou um "Contrato de Trabalho" junto a fls. 8, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que o A. assinou; Alínea G) O A. exerceu, ininterruptamente, as funções de motorista de pesados, em transportes internacionais desde 8 de Abril de 2008 até 9 de Setembro de 2008; Alínea K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar; Alínea L) De novo foi-lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si; Alínea P) A Ré não procedeu ao pagamento do salário do trabalho prestado nos 22 dias do mês de Abril; Alínea Q) No período de 08 de Abril a 30 de Abril, por indicação da Ré, o Autor acompanhou as viagens de outros motoristas ao Serviço daquela a fim de conhecer os percursos das deslocações para o estrangeiro. Ora, dispõe o Art.º 685.º-B[3], n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, o seguinte: 1 — Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.[4] Por sua vez, estabelece o n.º 2 do Art.º 522.º-C do mesmo diploma, o seguinte: Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.[5] In casu, a R., ora apelante, indicou genericamente discordar dos pontos de facto acima referidos e transcritos e indicou os nomes de todas as testemunhas arroladas por ambas as partes, fazendo a transcrição de excertos truncados dos seus depoimentos, mas sem qualquer referência aos momentos concretos do início e termo da gravação de cada um dos depoimentos ou respectivos excertos. Na verdade, como se vê das conclusões do recurso acima transcritas, a R. não indicou relativamente a cada ponto de facto, de que discorda, quais os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa, salvo referências a excertos de depoimentos que transcreve. Por outro lado, tendo havido gravação da prova testemunhal e fundando-se nela o recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, deveria a R. ter indicado, para além dos nomes das testemunhas, os passos da gravação com menção dos respectivos início e fim, donde constem os depoimentos que devam conduzir à alteração dos pontos de facto, diferentes daqueles que constam do respectivo despacho. Tal é possível uma vez que ao ouvir o depoimento é sempre exibido no monitor do computador o momento temporal do registo áudio, feito no CD, com menção da hora, minuto e segundo. Para além disso, fundando-se o recurso em documentos, devem ser indicados concretamente, por exemplo, por referência aos locais do processo onde se encontram, mencionando-se o articulado com que foram juntos e/ou o número das páginas, o que a apelante faz, mas não indica de forma separada que pontos de facto pretende ver alterados e em que sentido. Por último, a indicação dos pontos de facto e dos meios de prova que demandam decisão diversa, deve ser efectuada de forma concreta e em cadeia, referindo-se todos os meios de prova que devem ser atendidos para alterar concretamente cada ponto de facto, de forma organizada e discriminada, pelo que não cumpre os ónus legais o recorrente que faz indicações genéricas, tanto dos pontos de facto, como dos meios de prova, bem como aquele que não apresenta estes elementos em relação uns com os outros. Ora, como se vê desta exposição, frente ao constante das conclusões, supra, a R. não cumpriu expressamente os ónus acima elencados e, mesmo atendendo ao constante da alegação, tal incumprimento mantém-se, pois as indicações aí constantes são lacunosas, genéricas e desconexadas, sendo certo que nenhuma referência é feita relativamente ao início e ao fim da gravação, constante do CD, de cada depoimento ou parte dele e com relação a cada um dos pontos de facto impugnados, discriminadamente, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos, como o impõe o n.º 2 do Art.º 522.º-C do Cód. Proc. Civil, segmento aditado pela reforma dos recursos, operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Tal decorre do ónus imposto ao recorrente pelo n.º 2 do Art.º 685.º-B do mesmo diploma, no seguimento da mesma reforma: incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Repare-se que a reforma dos recursos em processo civil, certamente na consideração de que os recursos de impugnação da matéria de facto são muito trabalhosos, obrigando os juízes a grande dispêndio de tempo, veio tornar mais incisivos os ónus a cargo do recorrente, com vista a tornar mais célere a detecção dos pontos de facto de que o recorrente discorda e dos meios de prova a considerar relativamente a cada um deles, tendo em vista proporcionar que o julgamento seja menos moroso. Tal ónus deve ser cumprido nas conclusões[6] do recurso, pois são elas que delimitam o respectivo objecto, embora tal matéria deva ser fundamentada na alegação. No entanto, mesmo nesta, nada foi cumprido a este nível. No entanto, uma vez que na acta da audiência de julgamento não foram assinalados os termos iniciais e finais de cada um dos depoimentos prestados pelas testemunhas, apenas constando a seguinte menção: “O registo sonoro do seu depoimento foi gravado no habilus média studio”, cremos que não se poderá exigir à parte a indicação correspondente, embora tal seja possível, como acima se referiu[7]. De qualquer modo, analisando o recurso no seu conjunto, verificamos que se consegue descortinar qual é o seu objecto, pois sabemos quais os pontos de facto impugnados e quais os meios de provada invocados, embora a forma da sua apresentação devesse ser mais ordenada e menos lacunosa. Aliás, o sentido da alteração pretendida pela apelante também se consegue descortinar: consiste em definir que o A. apenas foi admitido ao seu serviço da R. em 2008-04-30 e não no antecedente dia 8 de Abril e que o contrato de trabalho não cessou por despedimento por si promovido. O acabado de expor significa que, apesar de tudo, deveremos conhecer o recurso acerca da decisão proferida sobre a matéria de facto. Ora, a Relação pode alterar a matéria de facto, nos termos do disposto no Art.º 712.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. Importa, no entanto, que o faça com a parcimónia devida. Na verdade, o contacto directo com os depoentes em audiência permite colher impressões do comportamento de cada um deles que habilitam o Juiz a concluir pela veracidade ou não dos respectivos depoimentos, o que é impossível de transmitir através da reprodução dos registos sonoros. E, mesmo relativamente ao registo vídeo, a sua reprodução não possibilita a interacção da pergunta-resposta, típica do diálogo da audiência, ficando os Juízes numa posição passiva ou estática, tendo de se conformar com o material que lhes é dado, pois não podem pedir esclarecimentos, por exemplo. De qualquer forma, sendo os nossos registos apenas sonoros, a sua falibilidade é muito maior. É por isso que se tem entendido que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação[8]. In casu, como se referiu, a recorrente pretende que se dê como provado, em síntese, que o A. apenas foi admitido ao seu serviço em 2008-04-30 e não no antecedente dia 8 de Abril e que o contrato de trabalho não cessou por despedimento por si promovido. Ora, tendo nós ouvido, com atenção, o registo sonoro dos depoimentos de todas as testemunhas, inclusive de H…………. [o qual, apesar da sua menor qualidade, nem por isso pode ser qualificado como inaudível, assim se contrariando o referido pela apelante], cremos poder afirmar que os factos dados como provados estão suportados na realidade da prova pessoal e documental levada e considerada na audiência de discussão e julgamento. Na verdade, apesar das testemunhas F……….., H………. e G…………, motoristas da R., que foram colegas do A., estarem preocupados em afirmar que o A. entre 8 e 30 de Abril de 2008 esteve em aprendizagem, que tal actividade não conferia direito a retribuição e ao pagamento das despesas de alimentação por parte da R. e que esta não dava ordens ao A., o certo é que a testemunha G……….. acabou por dizer que o A. o acompanhou numa viagem, em cumprimento de instruções da R., tendo o A. conduzido o camião durante duas ou três horas; mais, o motorista dava ao A. alimentação durante a viagem, pois o camião tinha condições e transportava o equipamento e os géneros necessários à confecção de refeições, em que o A. participava, pagando a R. ao motorista testemunha, digamos assim, uma quantia a tal título. De resto, não faria sentido que o trabalhador, em aprendizagem, circulasse no camião, sem ou contra a vontade do seu dono. Parece que a prática da R. era no sentido de nada pagar durante esse período, seja a título de retribuição, seja a título de ajudas de custo ou outros, daí advindo a preocupação em fazer coincidir o início da actividade com o fim da aprendizagem. De qualquer modo, o recurso nesta parte nenhuma influência pode ter na decisão da causa, uma vez que a apelante apenas pede, como se vê do relatório que antecede, que se elimine a condenação quanto às consequências do despedimento: indemnização e retribuições vencidas. Já quanto ao outro ponto da matéria de facto que a apelante pretende que se dê como provado, no sentido de que o contrato de trabalho que a unia ao A. não cessou por despedimento, importa referir que em nenhum facto assente consta que o contrato cessou por despedimento, apenas tendo sido dados como provados factos ocorridos em Setembro de 2008, mas que correspondem integralmente à prova produzida, nomeadamente, dos depoimentos de D……….., pai do A. e de E…………., secretária da R., para além dos das restantes testemunhas. Na verdade, inclusive, o Tribunal a quo, na fundamentação do despacho em que assentou os factos provados refere expressamente que o despedimento não se provou. Claro está que na sentença, em sede de matéria de direito, entendeu o contrário, mas isso é matéria que extravasa o âmbito da presente questão. Desta arte e em síntese, podemos concluir que o Tribunal a quo, atentos os meios probatórios documentais e pessoais disponíveis, não julgou sem prova, nem julgou contra a prova produzida, encontrando-se a decisão sobre a matéria de facto devidamente suportada pelos meios de prova que lhe foram fornecidos pelo processo e em audiência de discussão e julgamento, pelo que o respectivo despacho deverá ser confirmado. Improcedem, assim, as pertinentes conclusões da apelação. O Direito. A 2.ª questão. Trata-se de saber se o A. não foi objecto de despedimento por parte da R., como esta pretende. Vejamos. Segundo alega a R., ora apelante, ela não despediu o A., antes, o contrato de trabalho cessou por iniciativa do A., que quis abandonar a profissão de motorista; por seu turno, o Tribunal a quo considerou verificado, na sentença, em sede de matéria de direito, o despedimento, como se referiu na questão anterior. Ora, é sabido que nas acções de impugnação do despedimento, em decorrência das regras gerais acerca da distribuição do ónus da prova, constantes do Art.º 342.º do Cód. Civil, ao trabalhador despedido cabe alegar e provar o despedimento, ou também o contrato de trabalho se ele estiver em debate, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado – cfr. n.º 1 do artigo referido. Por outro lado, inexistindo processo disciplinar e invocando a entidade empregadora o abandono do trabalho por parte do trabalhador, atento o disposto no Art.º 450.º do Cód. do Trabalho, a ela cabe o ónus de demonstrar a base da presunção legal constituída pela ausência do trabalhador ao serviço pelo período mínimo de 10 dias úteis seguidos, que tal ausência revela a intenção de não retomar a prestação laboral e que remeteu ao trabalhador carta registada com aviso de recepção declarando a extinção do contrato, com tais fundamentos[9]. In casu, não está em causa a existência de contrato de trabalho entre as partes, pois tal matéria foi dada como provada, mas já se discute se o contrato não terá cessado por despedimento, como pretende a apelante. A lei não nos fornece uma definição de despedimento. A doutrina, porém, tem-se pronunciado sobre a matéria de forma uniforme: O despedimento “É estruturalmente um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício (deve ser obrigatoriamente levado ao conhecimento da outra parte), tendente à extinção ex nunc ... do contrato de trabalho”[10]. “... o despedimento configura-se como uma declaração de vontade, recipienda (ou receptícia), vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”[11]. “O despedimento consubstancia-se numa declaração receptícia de vontade dirigida ao trabalhador na qual a entidade patronal põe fim ao contrato de trabalho”[12]. Por outro lado, a jurisprudência tem entendido que a vontade de despedir, por banda do empregador, há-de ser inequívoca, mesmo que se trate de despedimento de facto e que pertence ao trabalhador o ónus da prova do despedimento, nomeadamente, das circunstâncias que o revelam[13]. Ora, sendo assim, há-de o empregador emitir uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a há-de receber, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste de modo inelutável; tal significa que o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo. Vejamos agora a hipótese vertente. São pertinentes os seguintes factos provados: H) O Autor tendo comunicado previamente ao gerente da Ré, não foi trabalhar no dia 8 de Setembro de 2008, em virtude de ter uma consulta médica marcada. I) No dia 9 de Setembro, às 9 horas, apresentou-se para trabalhar na sede da Ré, já que não lhe tinha sido atribuído serviço para efectuar. J) Uma funcionária da Ré, de nome E……….., comunicou ao Autor, por ordem do gerente da Ré, que para já não tinha trabalho para lhe dar. K) No dia 11 de Setembro o Autor apresentou-se, de novo, na sede da Ré para ir trabalhar. L) De novo lhe foi comunicado, pela mesma funcionária, que não havia trabalho para si. M) O Autor, até à presente data, não recebeu qualquer carta de despedimento. U) O Autor sentia-se desconfortável sempre que era necessário acompanhar o transporte do camião por barco através do canal marítimo de Inglaterra. V) A Ré nunca moveu qualquer procedimento disciplinar ao Autor. W) Em 17 de Setembro de 2008, a gerência da Ré remeteu ao Autor, em correio registado com aviso de recepção, uma carta, constante dos autos a fls. 59, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. X) A carta referida em W) apresenta o seguinte teor: “Exmo. Senhor B…………… …….., BP. … …. ….. 5100 Lamego Reg. C/AR Peso da Régua, 17 de Setembro de 2008 Assunto: Processo disciplinar/suspensão preventiva Ex.mo. Senhor Serve a presente para lhe comunicar que é intenção desta empresa proceder à instauração de um processo disciplinar contra Vª Exª com vista ao seu despedimento. Antes de remetermos a Vª Exª a respectiva nota de culpa, a qual ainda não nos foi possível concluir, cumpre-nos comunicar que nos termos do art. 417º do Código do Trabalho foi determinada a sua imediata suspensão ao trabalho. Pelo que, logo após a recepção do presente ofício deverá Vª Exª deixar comparecer no seu local de trabalho até conclusão do dito processo disciplinar. Assim, foi decidido atendendo aos indícios de factos imputáveis a Vª Exª, designadamente aos seus últimos comportamentos, tornando-se a partir da presente data inconveniente a presença de V.ª Exª nas instalações e nos serviços de transporte realizados por esta empresa, para averiguação e recolha de elementos probatórios de tais factos e decurso normal da actividade. Certos da V.ª melhor atenção, com os melhores cumprimentos. A Gerência, ”. Destes factos resulta que o contrato de trabalho entrou em inexecução pois, tendo o A. faltado ao trabalho para ir a uma consulta médica, quando tentou retomar o serviço, não havia trabalho para ele fazer, o que aconteceu mais de uma vez. Por outro lado, tendo a apenate intenção de proceder a despedimento motivado do A. e tendo determinado a sua suspensão preventiva do trabalho, não elaborou qualquer procedimento disciplinar. Mantendo o A. a intenção de retomar o trabalho, desconhece-se qual seja, então e agora, o projecto que a apelante tem para o apelado. Na verdade, nenhuma declaração de vontade inequívoca dirigiu a R. ao A. no sentido de, por vontade dela, pôr fim ao contrato de trabalho com o A., desconhecendo-se qual é, adrede, o seu propósito. Cremos, no entanto, que analisados os factos acima transcritos, criticamente e no seu todo, no confronto com os ensinamentos que nos advêm da doutrina e da jurisprudência acerca do conceito de despedimento, podemos afirmar que a hipótese dos autos não configura um despedimento. Ora, como é sabido, em decorrência das regras gerais acerca da distribuição do ónus da prova, constantes do Art.º 342.º do Cód. Civil, ao trabalhador despedido cabe alegar e provar o despedimento, ou também o contrato de trabalho se ele estiver em discussão, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado – cfr. n.º 1 do artigo; ao empregador, por seu turno e se for caso disso, cabe alegar e provar a licitude do despedimento efectuado, isto é, os factos integradores da justa causa invocada, constantes da nota de culpa e da respectiva decisão disciplinar – cfr. o n.º 2 do artigo. Daí que a lei dos despedimentos[14] e, actualmente, o Cód. do Trabalho de 2003[15], desde sempre disciplinaram, de forma clara, que compete ao empregador o ónus da prova da justa causa invocada para o despedimento, rectius, dos factos elencados pelo empregador na nota de culpa e na decisão disciplinar comunicada ao trabalhador. In casu, não está em causa a existência de contrato de trabalho entre as partes, pois tal matéria foi dada como provada, mas já se discute a forma como o contrato de trabalho terá cessado. Na verdade, não se tendo provado nenhuma das versões apresentada pelas partes, ficamos sem saber o que efectivamente aconteceu. Tal não significa, no entanto, que o Tribunal a quo estivesse obrigado a descobri-lo, como se sobre ele recaíssem especiais deveres de investigação, de tipo criminal. Ao contrário, atentas as regras acima enunciadas, uniformemente aceites pela doutrina[16] e de igual modo aplicadas pela jurisprudência[17], desde há longos anos, ao A. incumbia o ónus da prova do despedimento. Não o tendo cumprido, terá de suportar a desvantagem inerente. Tal significa que o A., não tendo cumprido o seu ónus da prova, não demonstrou a verificação do despedimento por banda da R. apelante, pelo que sucumbe a sua tese do despedimento ilícito e com ela, consequentemente, cai o direito à indemnização de antiguidade, bem como o direito às retribuições vencidas, ambas fixadas na sentença, o que se afirma com o deveido respeito por diferente entendimento. Assim, a sentença deverá ser revogada, nesta parte, procedendo destarte as restantes conclusões do recurso. Decisão. Termos em que se acorda em conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença no que respeita à indemnização de antiguidade, bem como às retribuições vencidas, a qual se confirma quanto ao mais. Custas por A. e R. na proporção de, respectivamente, 2/3 e 1/3. Porto, 2010-03-25 Manuel Joaquim Ferreira da Costa António José Fernandes Isidoro Paula A. P. G. Leal S. Mayor de Carvalho ___________________________ S U M Á R I O I – Pretendendo o recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve cumprir os ónus previstos no Art.º 685.º-B do Cód. Proc. Civil, aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. II – Procedendo-se a gravação da audiência de julgamento, deve constar da respectiva acta a indicação do termo inicial e final do registo áudio ou vídeo de cada depoimento. III – Não constando tais menções da acta respectiva, o recorrente cumpre os seus ónus se indicar os concretos pontos de facto de que discorda com referência, separada e relativamente a cada um deles, dos concretos meios de prova pessoais constantes da gravação, documentais ou outros que, a seu ver, impõem decisão diversa da empreendida pelo Tribunal de 1.ª instância. IV – Defenindo-se o despedimento como um acto unilateral do tipo do negócio jurídico, de carácter receptício, tendente à extinção ex nunc do contrato de trabalho, ou como uma declaração de vontade, receptícia, vinculada e constitutiva, dirigida à contraparte, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, ou ainda como uma declaração receptícia de vontade dirigida ao trabalhador na qual a entidade patronal põe fim ao contrato de trabalho, a sua verificação implica que se demonstre que o empregador emitiu uma declaração dirigida ao trabalhador que, por sua vez, a recebeu, devendo tal declaração exprimir uma vontade tendente à cessação do contrato, de forma clara e inequívoca e por iniciativa do primeiro, sem ou contra a vontade do segundo, produzindo os seus efeitos na esfera jurídica deste, de modo inelutável, pois o trabalhador não entre no processo volitivo, sendo a sua vontade exterior ao mesmo. ____________________________ [1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma. [2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532. [3] Nova numeração do artigo – anterior 690.º-A – introduzida pelo diploma referido na nota (1) e aplicável in casu. [4] Era a seguinte a anterior redacção: 1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C. [5] Era a seguinte a anterior redacção: 2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. [6] Cfr. João Aveiro Pereira, in O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, O DIREITO, 2009, Tomo II, a págs. 318 a 320, nomeadamente. [7] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2007, págs. 132 ss. e in Reforma dos Recursos em Processo Civil, Julgar, n.º 4, 2008, págs. 69 ss., nomeadamente, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, 2008, págs. 170 a 172 e J. F. Salazar Casanova e Nuno Salazar Casanova, in Apontamentos sobre a Reforma dos Recursos, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, Janeiro de 2008, Tomo I, págs. 70 e 71, nomeadamente. [8] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL, II VOLUME, 4.ª EDIÇÃO, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto, de 2003-01-09, in www.dgsi.pt, JTRP00035485 e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 2001-03-27, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88. [9] Cfr., Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 2003, págs. 657. [10] Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, in A extinção do contrato de Trabalho, RDES, Ano XXXI, (IV da 2.ª Série), n.ºs ¾, pág. 428 e in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª edição, 1996, pág. 478. [11] Cfr. Pedro Furtado Martins, in Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação Efectiva, Suplemento de “Direito e Justiça” – Revista da FDUCP, 1992, pág. 37; cfr. também do mesmo Autor, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, pág. 65. [12] Cfr. Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, pág. 59. Pode-se ver também José Gil de Jesus Roque, in Da justa causa do Despedimento face à actual Lei Portuguesa, 1980, págs. 17 e segs. e Messias de Carvalho e Vítor Nunes de Almeida, in Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, pág. 103. [13] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1995-10-25 e de 1999-04-14, in respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 450, pág. 349 a 354 e Colectânea de Jurisprudência, Ano VII-1999, Tomo II, págs. 254 e 255. [14] Dispunha o n.º 3 do Art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, na redacção adveniente da Lei n.º 48/77, de 11 de Julho: Nas acções judiciais de impugnação de despedimento compete à entidade patronal a prova da existência da justa causa invocada. Tal norma foi sucedida pelo n.º 4 do Art.º 12.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho, e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, do seguinte teor: Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão referida nos n.ºs 8 a 10 do artigo 10.º, competindo-lhe a prova dos mesmos. [15] Cujo Art.º 435.º, n.º 3, dispõe: Na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador. [16] Cfr., a título de exemplo: - Carlos Alberto Lourenço Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, in Despedimentos e Outras Formas de Cessação do Contrato de Trabalho, Almedina, 1984, págs. 147 a 150, - Abílio Neto, in Despedimentos e Contratação a Termo, Petrony, 1989, págs. 119 a 120 e - Pedro de Sousa Macedo, in Poder Disciplinar Patronal, Almedina, 1990, págs. 167 a 168. [17] Cfr., também a título de exemplo: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-04-11, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 356, págs. 206 a 211, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1995-10-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 450, págs. 349 a 354 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-04-14, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII-1999, Tomo II, págs. 254 a 255.