Processo:105/08.0TBVCD.P1
Data do Acordão: 03/05/2010Relator: M. PINTO DOS SANTOSTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I- O art. 495° n° 3 do CCiv. refere-se ao designado “dano da perda de alimentos” e abarca duas situações em que o terceiro reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado: quando pudesse exigir alimentos ao lesado e quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural. II- Para que aquele terceiro tenha direito a tal indemnização basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos e esta possibilidade, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos. III- Provado que a vítima era filho (menor) dos autores (com quem vivia) e que exercia uma actividade remunerada à data da sua morte (decorrente de acidente de viação), têm aqueles direito a ser indemnizados pelo dano previsto no n° 3 do referido art. 495°, cujo cálculo é feito em função da equidade e tendo, nomeadamente, em conta o tempo previsível por que perduraria a economia comum.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
M. PINTO DOS SANTOS
Descritores
DANO DA PERDA DE ALIMENTOS
No do documento
Data do Acordão
05/04/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
ALTERADA A DECISÃO.
Sumário
I- O art. 495° n° 3 do CCiv. refere-se ao designado “dano da perda de alimentos” e abarca duas situações em que o terceiro reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado: quando pudesse exigir alimentos ao lesado e quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural. II- Para que aquele terceiro tenha direito a tal indemnização basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos e esta possibilidade, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos. III- Provado que a vítima era filho (menor) dos autores (com quem vivia) e que exercia uma actividade remunerada à data da sua morte (decorrente de acidente de viação), têm aqueles direito a ser indemnizados pelo dano previsto no n° 3 do referido art. 495°, cujo cálculo é feito em função da equidade e tendo, nomeadamente, em conta o tempo previsível por que perduraria a economia comum.
Decisão integral
Pc. 105/08.0TBVCD.P1 – 2ª Secção
(apelação) 
_________________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Ramos Lopes
                 Des. Cândido Lemos* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:

B…………… e mulher C…………, residentes em ……….., Vila do Conde, instauraram esta acção declarativa de condenação, com processo ordinário, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra “D……….., SA, com sede nesta cidade do Porto, pedindo a condenação desta a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia global de 144 000,00€ (cento e quarenta e quatro mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento.
Alegaram, para tal e em síntese, que no dia 18/02/2002, o seu filho menor (de 14 anos), E…………., foi vítima de um acidente de viação que ocorreu numa artéria (que identificam) da freguesia de Bagunte, concelho de Vila do Conde, quando conduzia o ciclomotor de matrícula ..-..-FP e foi embatido pelo tractor agrícola de matrícula ..-..-IE que era conduzido por F………… e pertencia ao pai deste, G………….; que o embate se deveu a culpa exclusiva do condutor do tractor agrícola, por não ter respeitado um sinal vertical de STOP que o obrigava a parar no cruzamento onde a colisão se verificou; que em consequência do acidente o menor E……….. sofreu ferimentos e lesões diversos que foram causa directa e necessária da sua morte; que o decesso do seu filho lhes causou desgosto e sofrimento que, além da própria morte dele, pretendem ver compensados e que em consequência da sua perda também deixaram de perceber a quantia do salário que ele auferia e que lhes entregava mensalmente, pretendendo que a ré os indemnize de tal dano (que quantificam em 49 000,00€); que são os únicos e universais herdeiros daquele seu filho; e que o proprietário do tractor agrícola tinha a sua responsabilidade, por sinistros causados por este, transferida para a companhia de seguros demandada.

A ré, devidamente citada, contestou a acção, contrariando parte da materialidade fáctica alegada pelos autores, e pugnou pela parcial improcedência da pretensão destes. 

Os autores replicaram, mantendo o alegado e o peticionado na p. i..

Proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e foi elaborada a base instrutória.

Realizou-se depois a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi dada resposta aos quesitos da base instrutória pela forma constante do despacho de fls. 84 a 86.

Decorrido o prazo de discussão por escrito do aspecto jurídico da causa (no qual os autores apresentaram as alegações juntas a fls. 88 a 91), seguiu-se a prolação de sentença (fls. 94 a 122) que julgou a acção parcialmente procedente e (além da condenação em custas, que aqui não interessa considerar) condenou a ré seguradora a pagar aos autores a quantia global de 135 000,00€ (cento e trinta e cinco mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de tal sentença até efectivo e integral pagamento [aquele montante global é integrado pelas seguintes parcelas indemnizatórias: 40 000,00€ por danos patrimoniais fixados nos termos do nº 3 do art. 495º do CCiv.; 60 000,00€ pela supressão da vida do infeliz descendente dos demandantes; e 35 000,00€ (17 500,00€ para cada) pela dor e sofrimento dos autores devido à perda do filho]. 

Inconformada com o decidido, interpôs a ré o presente recurso de apelação (a que foi fixado efeito meramente devolutivo), cuja motivação, constante de fls. 134 a 142, culminou com as seguintes conclusões:
“A) A indemnização de EUR 40.000,00 atribuída aos autores, depende da alegação e prova de que os mesmos estavam, à data da morte da vítima, em situação de necessitar de alimentos, fossem eles devidos ou apenas prestados no âmbito de uma obrigação natural.
B) Não tendo os autores alegado e provado tal necessidade, não são credores de qualquer indemnização a tal título (perda de alimentos prestados pela vítima).
C) Porque igualmente se desconhece a que título entregava a vítima a seus pais a quantia provada nos autos, deve-se concluir, sem mais, que não se provou que tal prestação constituísse o cumprimento de uma qualquer prestação alimentar, com o que é de considerar insubsistente a indemnização em questão.
D) Mesmo que se admita que tal indemnização não depende da demonstração da respectiva necessidade, sempre se deveria concluir que a mesma indemnização é exageradíssima, e até impossível de fixar, porque no seu cálculo se ignorou que o limite temporal a considerar deverá coincidir com a esperança de vida dos autores e não da vítima, sem filho, sendo que nos autos se desconhece qual seja a idade dos autores.
E) Mesmo que se admita que tal indemnização não depende da demonstração da respectiva necessidade, sempre se deveria concluir que a mesma indemnização é exageradíssima, porquanto a vítima, se tudo corresse dentro da normalidade, sempre casaria dentro de 6, 7 ou 8 anos, circunstância que a colocaria, com toda a certeza, em grandes dificuldades para poder continuar a alimentar seus pais.
F) Atentas as duas anteriores conclusões, afigura-se-nos que, caso se conclua ser devida, nunca a indemnização destinada a ressarcir a perda patrimonial dos autores deverá ir além dos EUR 10.000,00.
G) Atenta a natureza ilícita dos rendimentos que a vítima auferia, não pode a perda dos mesmos constituir prejuízo algum para seus pais.
Assim sendo, absolvendo V.as Ex.as a ré do pagamento da referida indemnização no valor de EUR 40.000,00, estarão fazendo a esperada justiça”. 

Os autores contra-alegaram em defesa do sentenciado.* * *II. Questões a apreciar e decidir:

Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da apelante - art. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ., na redacção aqui aplicável dada pelo DL 303/3007, de 24/08, já que a acção foi instaurada a 08/01/2008 (cfr. arts. 11º nº 1, “a contrario” e 12º nº 1 de tal DL) –, as questões que importa apreciar e decidir consistem em saber:
• Se os autores têm direito à indemnização por danos patrimoniais futuros resultantes da perda do direito a alimentos que podiam exigir do filho, vítima do acidente em apreço;
• E, na afirmativa, se o «quantum» que vem fixado a tal título é ou não merecedor de censura. * * *III. Factos provados:

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (que a apelante não põe em causa):
1) No dia 18 de Fevereiro de 2002 faleceu, vítima de acidente de viação, E……….., no estado de solteiro e sem descendentes.
2) E……….. nasceu em 15/08/1987.
3) Os autores são os pais do falecido E………...
4) No dia 18 de Fevereiro de 2002, cerca das 18,00 horas, F…………, residente na freguesia de ……., deste concelho de Vila do Conde, conduzia o tractor agrícola, com atrelado, de matrícula ..-..-IE, pertencente a seu pai, G……….., pela Rua Nossa Senhora de Fátima e em direcção à Av. 1º de Dezembro, na indicada freguesia de Bagunte.
5) A referida Rua Nossa Senhora de Fátima, na sua parte final, vai entroncar com a mencionada Av. 1º de Dezembro, existindo à entrada desse cruzamento, em local bem visível, e destinado aos veículos que circulem naquela primeira via, como o fazia o dito F…………, um sinal (de) STOP.
6) Por sua vez, na dita Av. 1º de Dezembro circulava, a uma velocidade não excedente a 40Km/h e no sentido Parada – Vila do Conde, o ciclomotor de matrícula ..-..-FP, conduzido pelo filho dos autores, o dito E…………, dentro da metade direita da sua faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, e encostado à berma do seu lado direito (sendo que a aludida Rua Nossa Senhora de Fátima se situava, também atento esse sentido de marcha do ciclomotor tripulado pelo E…………, pelo lado direito deste).
7) O condutor do tractor agrícola, ao chegar ao cruzamento supra referido e pretendendo mudar de direcção para a sua esquerda, ou seja, tomando o sentido Vila do Conde – Parada naquela mesma Av. 1º de Dezembro, entrou nesta, por onde circulava o ciclomotor, virando à esquerda e não parando ao sinal de STOP.
8) O condutor do tractor agrícola, ao chegar ao cruzamento, tinha, para a sua esquerda, um campo de visão de cerca de 100 metros.
9) Nessas circunstâncias de tempo, lugar e modo, e perante tão inopinado aparecimento do dito tractor agrícola, o tripulante do ciclomotor, filho dos autores, não conseguiu evitar o choque e deu-se, então, a colisão entre a frente do seu veículo com a parte lateral esquerda daquele tractor, sensivelmente a meio do atrelado que o mesmo trazia rebocado, ficando o E……….. preso, juntamente com o ciclomotor, na parte inferior desse atrelado.
10) Após o choque, o tripulante do tractor agrícola ainda deslocou o seu veículo alguns metros para a frente, com o E……….. e o ciclomotor por baixo do dito atrelado, o que originou o aparecimento de um sulco no asfalto do piso, tendo, então, parado.
11) Em consequência directa e necessária do acidente, sofreu o E………… lesões crânio-meningo-encefálicas, torácicas e abdominais que foram causa directa e necessária da sua morte.
12) O E………. foi transportado ao Hospital, tendo aí chegado sem vida.
13) O E………… era um homem/rapaz saudável e alegre.
14) Não fumava nem consumia bebidas alcoólicas.
15) E gostava de praticar desporto.
16) O E………… dedicava carinho e amor aos seus progenitores-autores, sentimentos que lhe eram retribuídos por estes.
17) E era com o E………… que os autores conviviam diariamente.
18) A morte do E……….. causou-lhes dor e angústia.
19) O E………… encontrava-se a trabalhar como servente de trolha na empresa de construções de H…………, sita na freguesia de ………., em Vila do Conde, auferindo a quantia mensal de 350,00€.
20) E entregava tal quantia aos seus progenitores, ficando apenas com 10,00/15,00€ para as suas despesas em cada fim-de-semana.
21) O autor marido exerce a actividade profissional de funcionário público na Escola Secundária …….., na Póvoa do Varzim, na qual aufere o vencimento ilíquido de 518,35€.
22) À data do sinistro, a responsabilidade civil para com terceiros, relativamente à circulação ou trânsito do tractos agrícola ..-..-IE, pertencente a G……….., no interesse e por conta e ordens de quem era conduzido o mesmo veículo pelo indicado F……….., seu filho, encontrava-se transferida para a Seguradora ré, por contrato de seguro, então vigente, válido e eficaz, titulado pela apólice nº 0013492/07. * * *IV. Apreciação jurídica:

1. Fixados os factos, passemos à apreciação do objecto deste recurso.
A apelante não põe em causa a culpa exclusiva pela produção do sinistro em apreço que a sentença recorrida atribuiu ao seu segurado - o condutor do tractor agrícola indicado em III.4) deste acórdão -, nem questiona os segmentos indemnizatórios ali fixados para compensação dos danos não patrimoniais decorrentes da perda da própria vida da vítima, filho menor dos autores, aqui apelados, e do sofrimento, dor e padecimento que eles suportaram e suportam pelo decesso desse seu filho, quantificados, respectivamente, em 60 000,00€ e 35 000,00€ (17 500,00€ a cada um deles). 
Insurge-se apenas contra a parte da decisão recorrida em que foi condenada a pagar aos demandantes a quantia de 40 000,00€ a título de danos patrimoniais arbitrados ao abrigo do nº 3 do art. 495º do CCiv. [diploma de que serão os preceitos que não forem acompanhados de outra menção]. E fá-lo com base em três ordens de razões, duas no sentido da inadmissibilidade da indemnização e uma defendendo a redução do montante fixado na 1ª instância, a saber:
- Sustenta que a fixação da indemnização (ou parcela indemnizatória) em apreço exigia a alegação e a prova, pelos autores, de que, à data da morte da vítima, necessitavam de alimentos, prova que, na sua perspectiva, eles não fizeram [conclusões A a C das alegações]. 
- Considera que os rendimentos obtidos pela vítima eram de natureza ilícita e que, por isso, a sua perda (decorrente do decesso da mesma) não constitui prejuízo para os autores que possa ser indemnizado ao abrigo do citado normativo [conclusão G das alegações].
- E conclui que mesmo que o direito indemnizatório dos autores não dependa da prova acabada de mencionar, então a quantia fixada pelo dano em referência é exagerada e não deve ir além de 10 000,00€ [conclusões D a F das alegações].
Vejamos cada um destes argumentos.

2. Quanto ao primeiro.
A sentença recorrida fixou a indemnização (melhor, a parcela indemnizatória) em questão ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 495º, segundo o qual “têm (…) direito à indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Consagra este preceito (todo ele, embora aqui só esteja em questão o seu nº 3) uma excepção à regra (no âmbito da responsabilidade civil extracontratual), estabelecida no art. 483º nº 1, de que só o titular do direito violado tem direito à indemnização e de que o mesmo já não acontece relativamente a terceiros, ainda que reflexamente prejudicados pela actuação do lesante – a outra excepção (mas atinente a danos não patrimoniais, pois aquela refere-se a danos de natureza patrimonial) está proclamada no art. 496º nºs 2 e 3, parte final [segundo o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pg. 646, há na concessão do direito indemnizatório previsto no art. 495º nº 3 “uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante”; idem, Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pg. 401 e Dario M. de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 264 e segs.]. Prevê-se nele aquilo que vem sendo designado por “dano da perda de alimentos” e que abarca duas situações em que o terceiro (ou terceiros) reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado pelo lesante (ou por quem legalmente o substitui): quando pudesse exigir alimentos ao lesado e quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural. A primeira tem subjacente uma obrigação legal de prestação de alimentos; a segunda uma mera obrigação natural na sua prestação, nos termos definidos nos arts. 402º e 404º.
Aqui está em causa a primeira situação, já que entre pais e filhos (o falecido E…………. era filho dos autores, ora apelados), conforme estatui o art. 1874º nºs 1 e 2, vigora, além de outros, o dever de mútua assistência que compreende “a obrigação de prestar alimentos e de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”. O mesmo dever legal resulta, ainda, do disposto no art. 2009º nº 1 al. b), segundo o qual “estão vinculados à prestação de alimentos (…) os descendentes”.
Analisando o nº 3 do art. 495º, começa o Prof. Antunes Varela [obr. e vol. cit., pg. 647] por perguntar se têm direito à indemnização por danos patrimoniais “apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo”, respondendo de imediato que “o espírito da lei abrange manifestamente também estas últimas pessoas”. E acrescenta que “se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível (…), nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do nº 2 do art. 564º” e, bem assim, que “ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada”.
Com base nestes ensinamentos, escreve o Desemb. Pinto de Almeida [no estudo “Responsabilidade Civil Extracontratual – Indemnização dos Danos Reflexos”, in www.trp.pt/index2] que a Jurisprudência também vem maioritariamente entendendo que “para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos” [no mesmo sentido, Des. Abrantes Geraldes, in “Temas da Responsabilidade Civil”, vol. II, pg. 15]. Exemplos desta orientação – que também perfilhamos - são, entre outros, os Acórdãos do STJ de 08/05/2008 [proc. 08B726, relatado pelo Cons. Serra Baptista, disponível in www.dgsi.pt/jstj], que decidiu que o terceiro reflexamente lesado “tem direito a indemnização pelo facto de poder exigir alimentos ao lesado”, “podendo a própria necessidade de alimentos ser futura”, “apenas tendo que ser previsível”; de 20/10/2009 [proc. 85/07.9TCGMR.G1, relatado pelo Cons. Nuno Cameira, disponível no mesmo “sítio”], que decidiu que “parece certo que o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo art. 495º, nº 3, não depende da prova em concreto de que ao tempo da verificação do facto danoso se estava a receber alimentos; basta demonstrar que nesse momento se estava em situação de legalmente os exigir”; e desta Relação do Porto de 09/02/2009 [proc. 0835934, relatado pela Des. Deolinda Varão, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], que declarou perfilhar a posição do Prof. Antunes Varela, no sentido de que “basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos”; e de 24/11/2005, [proc. 0534035, relatado pelo Des. Pinto de Almeida, disponível no mesmo “sítio”], que decidiu que “é de todo indiferente (…) que eventualmente não fossem pagos alimentos anteriormente”, pois “o que releva é a possibilidade de eles serem exigidos” - [contra, defendendo que a indemnização depende da prova da necessidade de alimentos, presente ou futura, por banda daquele que invoca esse direito, decidiram, i. a., os Acs. do STJ de 21/05/2009, proc. 213/09.0YFLSB e de 17/12/2009, proc. 77/06.5TBAND.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
Porque seguimos, como atrás se disse – e como o fez a sentença recorrida -, a orientação dominante, logo se vê que não pode colher o argumento da apelante no sentido de que o direito indemnizatório dos autores pelo denominado “dano da perda de alimentos”, decorrente do decesso do seu filho, dependia da prova da necessidade de alimentos por parte deles e que, por não terem feito essa prova, a sua pretensão teria que soçobrar nesta parte. Pura e simplesmente, os autores não tinham que provar que necessitavam de alimentos do seu filho, nem à data da morte deste, nem, previsivelmente, em momento posterior [aliás, em breve parêntesis, diga-se que, contrariamente ao que a recorrente refere no início da 2ª conclusão das suas alegações, não é verdade que os autores não tenham alegado factos tendentes a demonstrar a necessidade de obterem alimentos do filho, pois fizeram-no nos arts. 35º, 37º e 39º da p. i.; o que aconteceu foi que esses factos não foram levados à base instrutória; daí que, se se seguisse a orientação que faz depender o dito direito indemnizatório da prova da referida necessidade, não seria caso de julgar a acção improcedente nesta parte, mas sim de anular, neste segmento, o julgamento, nos termos do art. 712º nº 4 do CPC, e ordenar a devolução dos autos à 1ª instância para que se aditasse à base instrutória a aludida factualidade e sobre ela fosse produzida a devida prova; anulação que, porém, não há que decretar face à orientação que seguimos acerca da interpretação do nº 3 do citado art. 495º]. 
O que os autores tinham que provar para que o direito indemnizatório em apreço lhes fosse atribuído era apenas e tão-só, por conjugação dos arts. 495º nº 3, 1974º nºs 1 e 2 e 2009º nº 1 al. b), que eram pais do inditoso E……….. e que este, à data do óbito, podia prestar-lhes alimentos (sendo indiferente, portanto – diversamente do que a apelante refere na conclusão C das alegações -, se já então os prestava ou não e, particularmente, face ao que ficou provado em III. 19 e 20, se a entrega que fazia aos pais do salário mensal que auferia ocorria no âmbito do dito dever legal de assistência entre pais e filhos ou se ao abrigo do poder de administração que os arts. 127º nº 1 al. a), “a contrario”, 1878º nº 1 e 1888º nº 1 al. d), também “a contrario”, conferem aos pais relativamente aos bens dos filhos com menos de 16 anos de idade, sendo certo que o E…………. tinha 14 anos à data do sinistro e seu subsequente decesso).
E a prova destes pressupostos do direito indemnizatório em questão mostra-se claramente feita ante o que está exarado nos nºs 1, 3 e 19 dos factos provados.
É o que basta para que soçobre a primeira questão suscitada pela apelante.

3. Relativamente ao segundo argumento atrás mencionado.
A apelante já o havia levantado na 1ª instância (mais propriamente na contestação). E a sentença recorrida tomou posição sobre tal assunto nos seguintes termos (que passamos a transcrever):
“À data em que ocorreu o acidente de viação em causa vigorava, quanto às relações laborais, o DL 49.408, de 24.11.1969, sendo que nos termos do art. 122º deste diploma legal, se refere a idade de 16 anos como mínima para a celebração do contrato de trabalho, embora se possibilite tal celebração por menor dessa idade mediante determinadas condições.
Ora, não obstante a idade do menor E…………. (14 anos), o certo é que, atenta a factualidade apurada, tal contrato era formalmente válido só deixando de o ser quando fosse e se fosse declarada a sua invalidade.
Resulta do art. 15º nº 1 do referido diploma que «o contrato de trabalho nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução ou, se durante a acção continuar a ser executado, até à data do trânsito em julgado da decisão judicial».
Ou seja, a invalidade de um contrato celebrado por um menor só funciona para o futuro, ficando incólumes os efeitos produzidos até à declaração de nulidade. Neste sentido o Ac. RC de 7.11.89, in BTE, 2ª série, nºs 7-8-9/91, pág. 759, bem como os Acs. da RP de 10.12.2003, processo nº 0345554, de 29.04.85, processo nº 0018479, de 07.11.2001, processo nº 001036, STJ de 03.10.2000, processo nº 005041 e de 27.11.2008, processo nº 08B1413.
Acrescente-se que a referida jurisprudência gira à volta de acidentes de trabalho e respectivos seguros, não havendo qualquer motivo para que as mesmas considerações jurídicas não se apliquem ao caso dos autos.
Assim sendo, se a própria lei declara expressamente a validade do contrato até à declaração da sua nulidade, sendo que no caso sub judice jamais ocorreu tal declaração, isso quer dizer que o contrato de trabalho em causa sempre se apresentou como válido, pelo que os rendimentos auferidos pelo menor não se podem considerar como ilícitos.
Em conclusão, o contrato de trabalho em causa é válido e como tal há que considerar, como se considerou, (que) os rendimentos auferidos pelo menor E………… e condenar a ré (…) a título de danos patrimoniais (a título de dano patrimonial futuro)”.
Concordamos com este entendimento, embora ele não esgote toda a problemática em questão já que partiu de um pressuposto que não está totalmente adquirido, mais propriamente o de que o contrato de trabalho atinente ao infeliz filho dos autores era materialmente nulo (mas formalmente válido por a respectiva nulidade não ter sido declarada até à data do nascimento do direito indemnizatório dos demandantes, ou seja, até à morte daquele). 
É verdade que o nº 1 do art. 122º da Lei (Geral) dos Contratos de Trabalho (abreviadamente, LCT; aprovada pelo DL 49.408, de 24/11/1969, com as alterações introduzidas pelo art. 1º do DL 396/91, de 16/10) – que vigorava à data do óbito do menor – estabelecia que “a idade mínima de admissão para prestar trabalho é de 16 anos”. Mas no nº 2 previa-se uma excepção a esta regra relativamente aos “menores com idade inferior a 16 anos que tenham concluído a escolaridade obrigatória” permitindo-lhes “prestar trabalhos leves que, pela natureza das tarefas ou pelas condições específicas em que são realizadas, não sejam susceptíveis de prejudicar a sua segurança e saúde, a sua assiduidade escolar, a sua participação em programas de orientação ou de formação e a sua capacidade para beneficiar da instrução ministrada, ou o seu desenvolvimento físico, psíquico e moral (…)”.
Como dos autos não decorre que o menor, vítima do acidente de viação em apreço, não estivesse em situação enquadrável na previsão do nº 2 do citado normativo, não podemos partir do pressuposto que o referido contrato de trabalho era materialmente (ou em substância) inválido/nulo. Isto porque apenas se sabe que o menor tinha então 14 anos (completados meio ano antes do sinistro que o vitimou) e que trabalhava como servente de trolha. Mas não é impossível que com tal idade tivesse já completado os 9 anos de escolaridade obrigatória que o art. 2º nº 1 do DL 35/90, de 25/01, impunha (embora se reconheça que normalmente só aos 15 anos isso acontece, não havendo reprovações/retenções pelo meio) e bem podia acontecer que, apesar da natureza da actividade que desenvolvia (servente de trolha), a mesma não fosse, em concreto, de exigência física exagerada ou excessiva para a sua idade e robustez corporal. E sempre competiria à ré, ora apelante, se quisesse prevalecer-se dos efeitos da nulidade (substantiva) do contrato de trabalho, a prova de que não se verificavam os pressupostos de aplicação do regime do nº 2 do citado art. 122º e sim os do seu nº 1, o que não fez – art. 342º nº 2.
No caso do contrato de trabalho em questão ser efectivamente nulo, por violação do prescrito no nº 1 do art. 122º da LCT, então nada temos a apontar à solução preconizada na sentença recorrida, acima transcrita, por ser a correcta face ao normativo da LCT nela citado (art. 15º nº 1) e ao regime da nulidade dos negócios jurídicos estabelecido nos arts. 285º e segs. (do CCiv.) dos quais decorre, por um lado, que a nulidade destes só produz efeitos depois de declarada e, por outro, que nos contratos de execução duradoura, como é o caso do contrato de trabalho, essa declaração não tem efeito retroactivo já que o trabalho prestado pelo trabalhador durante o tempo em que o contrato vigorou não é restituível [cfr., quanto ao regime das nulidades no direito civil, os ensinamentos dos Profs. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, 1987, pgs. 417 e segs. e Meneses Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, tomo I, 2ª ed., pg. 658 – este último refere que “nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do gozo duma coisa, como no arrendamento, ou de serviços, como na empreitada, no mandato ou no depósito, a restituição em espécie não é, evidentemente, possível”, logo acrescentando que “sendo um arrendamento declarado nulo, deve o senhorio restituir as rendas recebidas e o inquilino o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas”, o que significa que “ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroactiva, nestes casos”]. 
Daí que não colha o invocado pela apelante na conclusão G das suas alegações, enquanto circunstância impeditiva da atribuição aos autores-apelados do direito indemnizatório a que temos vindo a aludir.
Podemos, por conseguinte, concluir que os autores têm direito a ser indemnizados pelo denominado “dano da perda de alimentos” decorrente do decesso do seu identificado descendente.

4. Resta a última questão, ou seja, a de saber se o «quantum» arbitrado na sentença recorrida é o adequado para o ressarcimento de tal dano patrimonial.
E aqui todos os que defendem a sua reparação estão de acordo que a indemnização “não é fixada à luz dos princípios que regem sobre o direito de alimentos, antes tendo, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562º e segs., devendo o quantum repor a situação que existiria no momento da lesão” [cfr. estudo do Sr. Desemb. Pinto de Almeida, supra referenciado e acórdãos desta Relação de 18/01/2007 e de 03/04/2008, citados na anotação 9 do mesmo], recorrendo à equidade, nos termos do nº 3 do art. 566º, e lançando mão, por ex., das denominadas tabelas financeiras ou operações matemáticas habitualmente utilizadas para o cálculo da indemnização devida pela perda, total ou parcial, da capacidade de ganho, como meio de obstar a disparidades dos quantitativos reparadores em situações semelhantes [v. Acs. do STJ de 08/05/2008, de 20/09/2009 e desta Relação do Porto de 09/02/2009, todos atrás citados], entendimento este que se mostra, actualmente, reforçado com o que dispõem os arts. 2º al. b), 6º nº 1 al. a) e Anexo III da Portaria nº 377/2008, de 26/05.
Devem, por isso, “ponderar-se aqui factores (…) como os proventos económicos da vítima à data da sua morte, a natureza do trabalho que realizava (…), o dispêndio com as suas necessidades próprias (…), a natural evolução do seu salário (…) e as taxas de juro do mercado financeiro” [Ac. do STJ de 08/05/2008, citado], tomando-se como referencial mais apropriado uma taxa de 3%.
No caso concreto há que ter, essencialmente, em consideração as seguintes circunstâncias para o cálculo da parcela indemnizatória em equação:
• Deve considerar-se não o tempo de vida activa que o menor, filho dos autores, teria pela frente (não fosse o fatídico acidente de viação que a ceifou), mas sim o tempo previsível em que ele se manteria solteiro e a viver em economia comum com seus pais, ou seja, até por volta dos 24 anos de idade, uma vez que é um dado adquirido que hoje os casamentos (ou as uniões de facto) acontecem mais tarde do que há alguns anos, pelo que há que ter em conta um tempo contributivo de cerca de 10 anos;
• Mais do que atender ao que a vítima entregava mensalmente aos autores – até porque não se sabe se o fazia, como atrás se disse, ao abrigo do dever de assistência ou se para que os pais lhe administrassem os rendimentos do trabalho -, há que, partindo da evolução dos salários mínimos (já que o que auferia à data do óbito excedia apenas em 1,99€ o salário mínimo nacional então vigente, imposto pelo DL 325/2001, de 17/12) naquele período de 10 anos, considerar que com o aumento da idade também as suas necessidades económicas próprias e os seus gastos iriam aumentando e que a sua contribuição assistencial para a economia comum iria, concomitantemente, diminuindo, o que impõe que se tenha em conta não mais de metade do que iria, nesse prazo, auferir de salários/rendimentos.
Ponderando os critérios e circunstâncias expostos, entendemos que a equidade impõe que o «quantum» mais adequado e justo para o dano em referência deve situar-se em 26 000,00€ (vinte e seis mil euros) e não nos 40 000,00€ que foram fixados na sentença recorrida.
Consequentemente, nesta parte, procede, parcialmente, a apelação, impondo-se a redução da parcela indemnizatória que vinha posta em causa.*
*Sumário do que fica enunciado (art. 713º nº 7 do CPC):
• O art. 495º nº 3 do CCiv. refere-se ao designado “dano da perda de alimentos” e abarca duas situações em que o terceiro reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado: quando pudesse exigir alimentos ao lesado e quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural.
• Para que aquele terceiro tenha direito a tal indemnização basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos e esta possibilidade, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos.
• Provado que a vítima era filho (menor) dos autores (com quem vivia) e que exercia uma actividade remunerada à data da sua morte (decorrente de acidente de viação), têm aqueles direito a ser indemnizados pelo dano previsto no nº 3 do referido art. 495º, cujo cálculo é feito em função da equidade e tendo, nomeadamente, em conta o tempo previsível por que perduraria a economia comum. * * *V. Decisão:

Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, também em parte, a decisão recorrida, reduzindo-se a indemnização pelo dano patrimonial (designado “dano da perda de alimentos”) para a quantia de 26 000,00€ (vinte e seis mil euros), mantendo-se no mais o decidido na sentença recorrida.
2º) Condenar apelante e apelados nas custas, na proporção do decaimento.* * *Porto, 2010/05/04
Manuel Pinto dos Santos
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Cândido Pelágio Castro de Lemos

Pc. 105/08.0TBVCD.P1 – 2ª Secção (apelação) _________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Ramos Lopes Des. Cândido Lemos* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…………… e mulher C…………, residentes em ……….., Vila do Conde, instauraram esta acção declarativa de condenação, com processo ordinário, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra “D……….., SA, com sede nesta cidade do Porto, pedindo a condenação desta a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia global de 144 000,00€ (cento e quarenta e quatro mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento. Alegaram, para tal e em síntese, que no dia 18/02/2002, o seu filho menor (de 14 anos), E…………., foi vítima de um acidente de viação que ocorreu numa artéria (que identificam) da freguesia de Bagunte, concelho de Vila do Conde, quando conduzia o ciclomotor de matrícula ..-..-FP e foi embatido pelo tractor agrícola de matrícula ..-..-IE que era conduzido por F………… e pertencia ao pai deste, G………….; que o embate se deveu a culpa exclusiva do condutor do tractor agrícola, por não ter respeitado um sinal vertical de STOP que o obrigava a parar no cruzamento onde a colisão se verificou; que em consequência do acidente o menor E……….. sofreu ferimentos e lesões diversos que foram causa directa e necessária da sua morte; que o decesso do seu filho lhes causou desgosto e sofrimento que, além da própria morte dele, pretendem ver compensados e que em consequência da sua perda também deixaram de perceber a quantia do salário que ele auferia e que lhes entregava mensalmente, pretendendo que a ré os indemnize de tal dano (que quantificam em 49 000,00€); que são os únicos e universais herdeiros daquele seu filho; e que o proprietário do tractor agrícola tinha a sua responsabilidade, por sinistros causados por este, transferida para a companhia de seguros demandada. A ré, devidamente citada, contestou a acção, contrariando parte da materialidade fáctica alegada pelos autores, e pugnou pela parcial improcedência da pretensão destes. Os autores replicaram, mantendo o alegado e o peticionado na p. i.. Proferido despacho saneador, foram seleccionados os factos assentes e foi elaborada a base instrutória. Realizou-se depois a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi dada resposta aos quesitos da base instrutória pela forma constante do despacho de fls. 84 a 86. Decorrido o prazo de discussão por escrito do aspecto jurídico da causa (no qual os autores apresentaram as alegações juntas a fls. 88 a 91), seguiu-se a prolação de sentença (fls. 94 a 122) que julgou a acção parcialmente procedente e (além da condenação em custas, que aqui não interessa considerar) condenou a ré seguradora a pagar aos autores a quantia global de 135 000,00€ (cento e trinta e cinco mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de tal sentença até efectivo e integral pagamento [aquele montante global é integrado pelas seguintes parcelas indemnizatórias: 40 000,00€ por danos patrimoniais fixados nos termos do nº 3 do art. 495º do CCiv.; 60 000,00€ pela supressão da vida do infeliz descendente dos demandantes; e 35 000,00€ (17 500,00€ para cada) pela dor e sofrimento dos autores devido à perda do filho]. Inconformada com o decidido, interpôs a ré o presente recurso de apelação (a que foi fixado efeito meramente devolutivo), cuja motivação, constante de fls. 134 a 142, culminou com as seguintes conclusões: “A) A indemnização de EUR 40.000,00 atribuída aos autores, depende da alegação e prova de que os mesmos estavam, à data da morte da vítima, em situação de necessitar de alimentos, fossem eles devidos ou apenas prestados no âmbito de uma obrigação natural. B) Não tendo os autores alegado e provado tal necessidade, não são credores de qualquer indemnização a tal título (perda de alimentos prestados pela vítima). C) Porque igualmente se desconhece a que título entregava a vítima a seus pais a quantia provada nos autos, deve-se concluir, sem mais, que não se provou que tal prestação constituísse o cumprimento de uma qualquer prestação alimentar, com o que é de considerar insubsistente a indemnização em questão. D) Mesmo que se admita que tal indemnização não depende da demonstração da respectiva necessidade, sempre se deveria concluir que a mesma indemnização é exageradíssima, e até impossível de fixar, porque no seu cálculo se ignorou que o limite temporal a considerar deverá coincidir com a esperança de vida dos autores e não da vítima, sem filho, sendo que nos autos se desconhece qual seja a idade dos autores. E) Mesmo que se admita que tal indemnização não depende da demonstração da respectiva necessidade, sempre se deveria concluir que a mesma indemnização é exageradíssima, porquanto a vítima, se tudo corresse dentro da normalidade, sempre casaria dentro de 6, 7 ou 8 anos, circunstância que a colocaria, com toda a certeza, em grandes dificuldades para poder continuar a alimentar seus pais. F) Atentas as duas anteriores conclusões, afigura-se-nos que, caso se conclua ser devida, nunca a indemnização destinada a ressarcir a perda patrimonial dos autores deverá ir além dos EUR 10.000,00. G) Atenta a natureza ilícita dos rendimentos que a vítima auferia, não pode a perda dos mesmos constituir prejuízo algum para seus pais. Assim sendo, absolvendo V.as Ex.as a ré do pagamento da referida indemnização no valor de EUR 40.000,00, estarão fazendo a esperada justiça”. Os autores contra-alegaram em defesa do sentenciado.* * *II. Questões a apreciar e decidir: Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da apelante - art. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ., na redacção aqui aplicável dada pelo DL 303/3007, de 24/08, já que a acção foi instaurada a 08/01/2008 (cfr. arts. 11º nº 1, “a contrario” e 12º nº 1 de tal DL) –, as questões que importa apreciar e decidir consistem em saber: • Se os autores têm direito à indemnização por danos patrimoniais futuros resultantes da perda do direito a alimentos que podiam exigir do filho, vítima do acidente em apreço; • E, na afirmativa, se o «quantum» que vem fixado a tal título é ou não merecedor de censura. * * *III. Factos provados: Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (que a apelante não põe em causa): 1) No dia 18 de Fevereiro de 2002 faleceu, vítima de acidente de viação, E……….., no estado de solteiro e sem descendentes. 2) E……….. nasceu em 15/08/1987. 3) Os autores são os pais do falecido E………... 4) No dia 18 de Fevereiro de 2002, cerca das 18,00 horas, F…………, residente na freguesia de ……., deste concelho de Vila do Conde, conduzia o tractor agrícola, com atrelado, de matrícula ..-..-IE, pertencente a seu pai, G……….., pela Rua Nossa Senhora de Fátima e em direcção à Av. 1º de Dezembro, na indicada freguesia de Bagunte. 5) A referida Rua Nossa Senhora de Fátima, na sua parte final, vai entroncar com a mencionada Av. 1º de Dezembro, existindo à entrada desse cruzamento, em local bem visível, e destinado aos veículos que circulem naquela primeira via, como o fazia o dito F…………, um sinal (de) STOP. 6) Por sua vez, na dita Av. 1º de Dezembro circulava, a uma velocidade não excedente a 40Km/h e no sentido Parada – Vila do Conde, o ciclomotor de matrícula ..-..-FP, conduzido pelo filho dos autores, o dito E…………, dentro da metade direita da sua faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, e encostado à berma do seu lado direito (sendo que a aludida Rua Nossa Senhora de Fátima se situava, também atento esse sentido de marcha do ciclomotor tripulado pelo E…………, pelo lado direito deste). 7) O condutor do tractor agrícola, ao chegar ao cruzamento supra referido e pretendendo mudar de direcção para a sua esquerda, ou seja, tomando o sentido Vila do Conde – Parada naquela mesma Av. 1º de Dezembro, entrou nesta, por onde circulava o ciclomotor, virando à esquerda e não parando ao sinal de STOP. 8) O condutor do tractor agrícola, ao chegar ao cruzamento, tinha, para a sua esquerda, um campo de visão de cerca de 100 metros. 9) Nessas circunstâncias de tempo, lugar e modo, e perante tão inopinado aparecimento do dito tractor agrícola, o tripulante do ciclomotor, filho dos autores, não conseguiu evitar o choque e deu-se, então, a colisão entre a frente do seu veículo com a parte lateral esquerda daquele tractor, sensivelmente a meio do atrelado que o mesmo trazia rebocado, ficando o E……….. preso, juntamente com o ciclomotor, na parte inferior desse atrelado. 10) Após o choque, o tripulante do tractor agrícola ainda deslocou o seu veículo alguns metros para a frente, com o E……….. e o ciclomotor por baixo do dito atrelado, o que originou o aparecimento de um sulco no asfalto do piso, tendo, então, parado. 11) Em consequência directa e necessária do acidente, sofreu o E………… lesões crânio-meningo-encefálicas, torácicas e abdominais que foram causa directa e necessária da sua morte. 12) O E………. foi transportado ao Hospital, tendo aí chegado sem vida. 13) O E………… era um homem/rapaz saudável e alegre. 14) Não fumava nem consumia bebidas alcoólicas. 15) E gostava de praticar desporto. 16) O E………… dedicava carinho e amor aos seus progenitores-autores, sentimentos que lhe eram retribuídos por estes. 17) E era com o E………… que os autores conviviam diariamente. 18) A morte do E……….. causou-lhes dor e angústia. 19) O E………… encontrava-se a trabalhar como servente de trolha na empresa de construções de H…………, sita na freguesia de ………., em Vila do Conde, auferindo a quantia mensal de 350,00€. 20) E entregava tal quantia aos seus progenitores, ficando apenas com 10,00/15,00€ para as suas despesas em cada fim-de-semana. 21) O autor marido exerce a actividade profissional de funcionário público na Escola Secundária …….., na Póvoa do Varzim, na qual aufere o vencimento ilíquido de 518,35€. 22) À data do sinistro, a responsabilidade civil para com terceiros, relativamente à circulação ou trânsito do tractos agrícola ..-..-IE, pertencente a G……….., no interesse e por conta e ordens de quem era conduzido o mesmo veículo pelo indicado F……….., seu filho, encontrava-se transferida para a Seguradora ré, por contrato de seguro, então vigente, válido e eficaz, titulado pela apólice nº 0013492/07. * * *IV. Apreciação jurídica: 1. Fixados os factos, passemos à apreciação do objecto deste recurso. A apelante não põe em causa a culpa exclusiva pela produção do sinistro em apreço que a sentença recorrida atribuiu ao seu segurado - o condutor do tractor agrícola indicado em III.4) deste acórdão -, nem questiona os segmentos indemnizatórios ali fixados para compensação dos danos não patrimoniais decorrentes da perda da própria vida da vítima, filho menor dos autores, aqui apelados, e do sofrimento, dor e padecimento que eles suportaram e suportam pelo decesso desse seu filho, quantificados, respectivamente, em 60 000,00€ e 35 000,00€ (17 500,00€ a cada um deles). Insurge-se apenas contra a parte da decisão recorrida em que foi condenada a pagar aos demandantes a quantia de 40 000,00€ a título de danos patrimoniais arbitrados ao abrigo do nº 3 do art. 495º do CCiv. [diploma de que serão os preceitos que não forem acompanhados de outra menção]. E fá-lo com base em três ordens de razões, duas no sentido da inadmissibilidade da indemnização e uma defendendo a redução do montante fixado na 1ª instância, a saber: - Sustenta que a fixação da indemnização (ou parcela indemnizatória) em apreço exigia a alegação e a prova, pelos autores, de que, à data da morte da vítima, necessitavam de alimentos, prova que, na sua perspectiva, eles não fizeram [conclusões A a C das alegações]. - Considera que os rendimentos obtidos pela vítima eram de natureza ilícita e que, por isso, a sua perda (decorrente do decesso da mesma) não constitui prejuízo para os autores que possa ser indemnizado ao abrigo do citado normativo [conclusão G das alegações]. - E conclui que mesmo que o direito indemnizatório dos autores não dependa da prova acabada de mencionar, então a quantia fixada pelo dano em referência é exagerada e não deve ir além de 10 000,00€ [conclusões D a F das alegações]. Vejamos cada um destes argumentos. 2. Quanto ao primeiro. A sentença recorrida fixou a indemnização (melhor, a parcela indemnizatória) em questão ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 495º, segundo o qual “têm (…) direito à indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”. Consagra este preceito (todo ele, embora aqui só esteja em questão o seu nº 3) uma excepção à regra (no âmbito da responsabilidade civil extracontratual), estabelecida no art. 483º nº 1, de que só o titular do direito violado tem direito à indemnização e de que o mesmo já não acontece relativamente a terceiros, ainda que reflexamente prejudicados pela actuação do lesante – a outra excepção (mas atinente a danos não patrimoniais, pois aquela refere-se a danos de natureza patrimonial) está proclamada no art. 496º nºs 2 e 3, parte final [segundo o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pg. 646, há na concessão do direito indemnizatório previsto no art. 495º nº 3 “uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante”; idem, Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 11ª ed., pg. 401 e Dario M. de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 264 e segs.]. Prevê-se nele aquilo que vem sendo designado por “dano da perda de alimentos” e que abarca duas situações em que o terceiro (ou terceiros) reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado pelo lesante (ou por quem legalmente o substitui): quando pudesse exigir alimentos ao lesado e quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural. A primeira tem subjacente uma obrigação legal de prestação de alimentos; a segunda uma mera obrigação natural na sua prestação, nos termos definidos nos arts. 402º e 404º. Aqui está em causa a primeira situação, já que entre pais e filhos (o falecido E…………. era filho dos autores, ora apelados), conforme estatui o art. 1874º nºs 1 e 2, vigora, além de outros, o dever de mútua assistência que compreende “a obrigação de prestar alimentos e de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”. O mesmo dever legal resulta, ainda, do disposto no art. 2009º nº 1 al. b), segundo o qual “estão vinculados à prestação de alimentos (…) os descendentes”. Analisando o nº 3 do art. 495º, começa o Prof. Antunes Varela [obr. e vol. cit., pg. 647] por perguntar se têm direito à indemnização por danos patrimoniais “apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo”, respondendo de imediato que “o espírito da lei abrange manifestamente também estas últimas pessoas”. E acrescenta que “se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível (…), nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do nº 2 do art. 564º” e, bem assim, que “ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada”. Com base nestes ensinamentos, escreve o Desemb. Pinto de Almeida [no estudo “Responsabilidade Civil Extracontratual – Indemnização dos Danos Reflexos”, in www.trp.pt/index2] que a Jurisprudência também vem maioritariamente entendendo que “para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos” [no mesmo sentido, Des. Abrantes Geraldes, in “Temas da Responsabilidade Civil”, vol. II, pg. 15]. Exemplos desta orientação – que também perfilhamos - são, entre outros, os Acórdãos do STJ de 08/05/2008 [proc. 08B726, relatado pelo Cons. Serra Baptista, disponível in www.dgsi.pt/jstj], que decidiu que o terceiro reflexamente lesado “tem direito a indemnização pelo facto de poder exigir alimentos ao lesado”, “podendo a própria necessidade de alimentos ser futura”, “apenas tendo que ser previsível”; de 20/10/2009 [proc. 85/07.9TCGMR.G1, relatado pelo Cons. Nuno Cameira, disponível no mesmo “sítio”], que decidiu que “parece certo que o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo art. 495º, nº 3, não depende da prova em concreto de que ao tempo da verificação do facto danoso se estava a receber alimentos; basta demonstrar que nesse momento se estava em situação de legalmente os exigir”; e desta Relação do Porto de 09/02/2009 [proc. 0835934, relatado pela Des. Deolinda Varão, disponível in www.dgsi.pt/jtrp], que declarou perfilhar a posição do Prof. Antunes Varela, no sentido de que “basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício de alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos”; e de 24/11/2005, [proc. 0534035, relatado pelo Des. Pinto de Almeida, disponível no mesmo “sítio”], que decidiu que “é de todo indiferente (…) que eventualmente não fossem pagos alimentos anteriormente”, pois “o que releva é a possibilidade de eles serem exigidos” - [contra, defendendo que a indemnização depende da prova da necessidade de alimentos, presente ou futura, por banda daquele que invoca esse direito, decidiram, i. a., os Acs. do STJ de 21/05/2009, proc. 213/09.0YFLSB e de 17/12/2009, proc. 77/06.5TBAND.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]. Porque seguimos, como atrás se disse – e como o fez a sentença recorrida -, a orientação dominante, logo se vê que não pode colher o argumento da apelante no sentido de que o direito indemnizatório dos autores pelo denominado “dano da perda de alimentos”, decorrente do decesso do seu filho, dependia da prova da necessidade de alimentos por parte deles e que, por não terem feito essa prova, a sua pretensão teria que soçobrar nesta parte. Pura e simplesmente, os autores não tinham que provar que necessitavam de alimentos do seu filho, nem à data da morte deste, nem, previsivelmente, em momento posterior [aliás, em breve parêntesis, diga-se que, contrariamente ao que a recorrente refere no início da 2ª conclusão das suas alegações, não é verdade que os autores não tenham alegado factos tendentes a demonstrar a necessidade de obterem alimentos do filho, pois fizeram-no nos arts. 35º, 37º e 39º da p. i.; o que aconteceu foi que esses factos não foram levados à base instrutória; daí que, se se seguisse a orientação que faz depender o dito direito indemnizatório da prova da referida necessidade, não seria caso de julgar a acção improcedente nesta parte, mas sim de anular, neste segmento, o julgamento, nos termos do art. 712º nº 4 do CPC, e ordenar a devolução dos autos à 1ª instância para que se aditasse à base instrutória a aludida factualidade e sobre ela fosse produzida a devida prova; anulação que, porém, não há que decretar face à orientação que seguimos acerca da interpretação do nº 3 do citado art. 495º]. O que os autores tinham que provar para que o direito indemnizatório em apreço lhes fosse atribuído era apenas e tão-só, por conjugação dos arts. 495º nº 3, 1974º nºs 1 e 2 e 2009º nº 1 al. b), que eram pais do inditoso E……….. e que este, à data do óbito, podia prestar-lhes alimentos (sendo indiferente, portanto – diversamente do que a apelante refere na conclusão C das alegações -, se já então os prestava ou não e, particularmente, face ao que ficou provado em III. 19 e 20, se a entrega que fazia aos pais do salário mensal que auferia ocorria no âmbito do dito dever legal de assistência entre pais e filhos ou se ao abrigo do poder de administração que os arts. 127º nº 1 al. a), “a contrario”, 1878º nº 1 e 1888º nº 1 al. d), também “a contrario”, conferem aos pais relativamente aos bens dos filhos com menos de 16 anos de idade, sendo certo que o E…………. tinha 14 anos à data do sinistro e seu subsequente decesso). E a prova destes pressupostos do direito indemnizatório em questão mostra-se claramente feita ante o que está exarado nos nºs 1, 3 e 19 dos factos provados. É o que basta para que soçobre a primeira questão suscitada pela apelante. 3. Relativamente ao segundo argumento atrás mencionado. A apelante já o havia levantado na 1ª instância (mais propriamente na contestação). E a sentença recorrida tomou posição sobre tal assunto nos seguintes termos (que passamos a transcrever): “À data em que ocorreu o acidente de viação em causa vigorava, quanto às relações laborais, o DL 49.408, de 24.11.1969, sendo que nos termos do art. 122º deste diploma legal, se refere a idade de 16 anos como mínima para a celebração do contrato de trabalho, embora se possibilite tal celebração por menor dessa idade mediante determinadas condições. Ora, não obstante a idade do menor E…………. (14 anos), o certo é que, atenta a factualidade apurada, tal contrato era formalmente válido só deixando de o ser quando fosse e se fosse declarada a sua invalidade. Resulta do art. 15º nº 1 do referido diploma que «o contrato de trabalho nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução ou, se durante a acção continuar a ser executado, até à data do trânsito em julgado da decisão judicial». Ou seja, a invalidade de um contrato celebrado por um menor só funciona para o futuro, ficando incólumes os efeitos produzidos até à declaração de nulidade. Neste sentido o Ac. RC de 7.11.89, in BTE, 2ª série, nºs 7-8-9/91, pág. 759, bem como os Acs. da RP de 10.12.2003, processo nº 0345554, de 29.04.85, processo nº 0018479, de 07.11.2001, processo nº 001036, STJ de 03.10.2000, processo nº 005041 e de 27.11.2008, processo nº 08B1413. Acrescente-se que a referida jurisprudência gira à volta de acidentes de trabalho e respectivos seguros, não havendo qualquer motivo para que as mesmas considerações jurídicas não se apliquem ao caso dos autos. Assim sendo, se a própria lei declara expressamente a validade do contrato até à declaração da sua nulidade, sendo que no caso sub judice jamais ocorreu tal declaração, isso quer dizer que o contrato de trabalho em causa sempre se apresentou como válido, pelo que os rendimentos auferidos pelo menor não se podem considerar como ilícitos. Em conclusão, o contrato de trabalho em causa é válido e como tal há que considerar, como se considerou, (que) os rendimentos auferidos pelo menor E………… e condenar a ré (…) a título de danos patrimoniais (a título de dano patrimonial futuro)”. Concordamos com este entendimento, embora ele não esgote toda a problemática em questão já que partiu de um pressuposto que não está totalmente adquirido, mais propriamente o de que o contrato de trabalho atinente ao infeliz filho dos autores era materialmente nulo (mas formalmente válido por a respectiva nulidade não ter sido declarada até à data do nascimento do direito indemnizatório dos demandantes, ou seja, até à morte daquele). É verdade que o nº 1 do art. 122º da Lei (Geral) dos Contratos de Trabalho (abreviadamente, LCT; aprovada pelo DL 49.408, de 24/11/1969, com as alterações introduzidas pelo art. 1º do DL 396/91, de 16/10) – que vigorava à data do óbito do menor – estabelecia que “a idade mínima de admissão para prestar trabalho é de 16 anos”. Mas no nº 2 previa-se uma excepção a esta regra relativamente aos “menores com idade inferior a 16 anos que tenham concluído a escolaridade obrigatória” permitindo-lhes “prestar trabalhos leves que, pela natureza das tarefas ou pelas condições específicas em que são realizadas, não sejam susceptíveis de prejudicar a sua segurança e saúde, a sua assiduidade escolar, a sua participação em programas de orientação ou de formação e a sua capacidade para beneficiar da instrução ministrada, ou o seu desenvolvimento físico, psíquico e moral (…)”. Como dos autos não decorre que o menor, vítima do acidente de viação em apreço, não estivesse em situação enquadrável na previsão do nº 2 do citado normativo, não podemos partir do pressuposto que o referido contrato de trabalho era materialmente (ou em substância) inválido/nulo. Isto porque apenas se sabe que o menor tinha então 14 anos (completados meio ano antes do sinistro que o vitimou) e que trabalhava como servente de trolha. Mas não é impossível que com tal idade tivesse já completado os 9 anos de escolaridade obrigatória que o art. 2º nº 1 do DL 35/90, de 25/01, impunha (embora se reconheça que normalmente só aos 15 anos isso acontece, não havendo reprovações/retenções pelo meio) e bem podia acontecer que, apesar da natureza da actividade que desenvolvia (servente de trolha), a mesma não fosse, em concreto, de exigência física exagerada ou excessiva para a sua idade e robustez corporal. E sempre competiria à ré, ora apelante, se quisesse prevalecer-se dos efeitos da nulidade (substantiva) do contrato de trabalho, a prova de que não se verificavam os pressupostos de aplicação do regime do nº 2 do citado art. 122º e sim os do seu nº 1, o que não fez – art. 342º nº 2. No caso do contrato de trabalho em questão ser efectivamente nulo, por violação do prescrito no nº 1 do art. 122º da LCT, então nada temos a apontar à solução preconizada na sentença recorrida, acima transcrita, por ser a correcta face ao normativo da LCT nela citado (art. 15º nº 1) e ao regime da nulidade dos negócios jurídicos estabelecido nos arts. 285º e segs. (do CCiv.) dos quais decorre, por um lado, que a nulidade destes só produz efeitos depois de declarada e, por outro, que nos contratos de execução duradoura, como é o caso do contrato de trabalho, essa declaração não tem efeito retroactivo já que o trabalho prestado pelo trabalhador durante o tempo em que o contrato vigorou não é restituível [cfr., quanto ao regime das nulidades no direito civil, os ensinamentos dos Profs. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, 1987, pgs. 417 e segs. e Meneses Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, tomo I, 2ª ed., pg. 658 – este último refere que “nos contratos de execução continuada em que uma das partes beneficie do gozo duma coisa, como no arrendamento, ou de serviços, como na empreitada, no mandato ou no depósito, a restituição em espécie não é, evidentemente, possível”, logo acrescentando que “sendo um arrendamento declarado nulo, deve o senhorio restituir as rendas recebidas e o inquilino o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas”, o que significa que “ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroactiva, nestes casos”]. Daí que não colha o invocado pela apelante na conclusão G das suas alegações, enquanto circunstância impeditiva da atribuição aos autores-apelados do direito indemnizatório a que temos vindo a aludir. Podemos, por conseguinte, concluir que os autores têm direito a ser indemnizados pelo denominado “dano da perda de alimentos” decorrente do decesso do seu identificado descendente. 4. Resta a última questão, ou seja, a de saber se o «quantum» arbitrado na sentença recorrida é o adequado para o ressarcimento de tal dano patrimonial. E aqui todos os que defendem a sua reparação estão de acordo que a indemnização “não é fixada à luz dos princípios que regem sobre o direito de alimentos, antes tendo, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562º e segs., devendo o quantum repor a situação que existiria no momento da lesão” [cfr. estudo do Sr. Desemb. Pinto de Almeida, supra referenciado e acórdãos desta Relação de 18/01/2007 e de 03/04/2008, citados na anotação 9 do mesmo], recorrendo à equidade, nos termos do nº 3 do art. 566º, e lançando mão, por ex., das denominadas tabelas financeiras ou operações matemáticas habitualmente utilizadas para o cálculo da indemnização devida pela perda, total ou parcial, da capacidade de ganho, como meio de obstar a disparidades dos quantitativos reparadores em situações semelhantes [v. Acs. do STJ de 08/05/2008, de 20/09/2009 e desta Relação do Porto de 09/02/2009, todos atrás citados], entendimento este que se mostra, actualmente, reforçado com o que dispõem os arts. 2º al. b), 6º nº 1 al. a) e Anexo III da Portaria nº 377/2008, de 26/05. Devem, por isso, “ponderar-se aqui factores (…) como os proventos económicos da vítima à data da sua morte, a natureza do trabalho que realizava (…), o dispêndio com as suas necessidades próprias (…), a natural evolução do seu salário (…) e as taxas de juro do mercado financeiro” [Ac. do STJ de 08/05/2008, citado], tomando-se como referencial mais apropriado uma taxa de 3%. No caso concreto há que ter, essencialmente, em consideração as seguintes circunstâncias para o cálculo da parcela indemnizatória em equação: • Deve considerar-se não o tempo de vida activa que o menor, filho dos autores, teria pela frente (não fosse o fatídico acidente de viação que a ceifou), mas sim o tempo previsível em que ele se manteria solteiro e a viver em economia comum com seus pais, ou seja, até por volta dos 24 anos de idade, uma vez que é um dado adquirido que hoje os casamentos (ou as uniões de facto) acontecem mais tarde do que há alguns anos, pelo que há que ter em conta um tempo contributivo de cerca de 10 anos; • Mais do que atender ao que a vítima entregava mensalmente aos autores – até porque não se sabe se o fazia, como atrás se disse, ao abrigo do dever de assistência ou se para que os pais lhe administrassem os rendimentos do trabalho -, há que, partindo da evolução dos salários mínimos (já que o que auferia à data do óbito excedia apenas em 1,99€ o salário mínimo nacional então vigente, imposto pelo DL 325/2001, de 17/12) naquele período de 10 anos, considerar que com o aumento da idade também as suas necessidades económicas próprias e os seus gastos iriam aumentando e que a sua contribuição assistencial para a economia comum iria, concomitantemente, diminuindo, o que impõe que se tenha em conta não mais de metade do que iria, nesse prazo, auferir de salários/rendimentos. Ponderando os critérios e circunstâncias expostos, entendemos que a equidade impõe que o «quantum» mais adequado e justo para o dano em referência deve situar-se em 26 000,00€ (vinte e seis mil euros) e não nos 40 000,00€ que foram fixados na sentença recorrida. Consequentemente, nesta parte, procede, parcialmente, a apelação, impondo-se a redução da parcela indemnizatória que vinha posta em causa.* *Sumário do que fica enunciado (art. 713º nº 7 do CPC): • O art. 495º nº 3 do CCiv. refere-se ao designado “dano da perda de alimentos” e abarca duas situações em que o terceiro reflexamente prejudicado tem direito a ser indemnizado: quando pudesse exigir alimentos ao lesado e quando este lhos prestasse no cumprimento de uma obrigação natural. • Para que aquele terceiro tenha direito a tal indemnização basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade do exercício de alimentos e esta possibilidade, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos. • Provado que a vítima era filho (menor) dos autores (com quem vivia) e que exercia uma actividade remunerada à data da sua morte (decorrente de acidente de viação), têm aqueles direito a ser indemnizados pelo dano previsto no nº 3 do referido art. 495º, cujo cálculo é feito em função da equidade e tendo, nomeadamente, em conta o tempo previsível por que perduraria a economia comum. * * *V. Decisão: Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, também em parte, a decisão recorrida, reduzindo-se a indemnização pelo dano patrimonial (designado “dano da perda de alimentos”) para a quantia de 26 000,00€ (vinte e seis mil euros), mantendo-se no mais o decidido na sentença recorrida. 2º) Condenar apelante e apelados nas custas, na proporção do decaimento.* * *Porto, 2010/05/04 Manuel Pinto dos Santos João Manuel Araújo Ramos Lopes Cândido Pelágio Castro de Lemos