Processo:5623/09.0TBVNG.P1
Data do Acordão: 26/05/2010Relator: FREITAS VIEIRATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – A contradição entre o pedido e a causa de pedir haverá de ser aferida através da indagação da concordância lógica entre a concreta pretensão jurídica formulada e os factos concretos com relevância jurídica alegados pela A. na p. i., independentemente da qualificação jurídica que deles seja feita pelas partes. II – Nesse contexto, irreleva a qualificação que as partes contratantes hajam feito do contrato entre si celebrado e que serve de fundamento à acção.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
FREITAS VIEIRA
Descritores
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
No do documento
Data do Acordão
05/27/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA.
Sumário
I – A contradição entre o pedido e a causa de pedir haverá de ser aferida através da indagação da concordância lógica entre a concreta pretensão jurídica formulada e os factos concretos com relevância jurídica alegados pela A. na p. i., independentemente da qualificação jurídica que deles seja feita pelas partes. II – Nesse contexto, irreleva a qualificação que as partes contratantes hajam feito do contrato entre si celebrado e que serve de fundamento à acção.
Decisão integral
APELAÇÃO
Proc. N.º 5623/09.0TBVNG
Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia
3º Juízo Cível

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO.
Nos presentes autos, em que é Autora "B………., LIMITADA", sendo Réu C………., veio aquela peticionar:
Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento em apreço;
Ser decretado o despejo imediato do arrendado e, em consequência, o Réu condenado a entregar imediatamente à Autora o arrendado livre e devoluto de pessoas e bens; 
Ser o Réu condenado a pagar à Autora as rendas já vencidas, no montante global de 11.600,00€ (onze mil e seiscentos euros) e, bem assim, as rendas que se vencerem na pendência da presente acção; 
Ser o Réu condenado a pagar custas processuais e demais encargos legais.
Contestou o Réu invocando, além do mais, a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da P. I. por não existe qualquer contrato de arrendamento, e a causa de pedir estar em contradição com o pedido, na medida em que invocando-se um contrato promessa, se pede algo exclusivo de um contrato de arrendamento. Conclui em consequência pela procedência da excepção dilatória e, em consequência, pela absolvição da instância.
No articulado de resposta a Autora concluiu pela improcedência da excepção dilatória invocada.

Foi então proferido despacho que, no que concerne à excepção invocada, decidiu nos seguintes termos:

"Da análise de todo o teor da douta P. I., e de acordo com a Teoria da Substanciação, extrai-se que o pedido de resolução do contrato de arrendamento e o subsequente despejo imediato do locado alicerça a causa de pedir na existência de um contrato promessa.
A acção de despejo tem por objecto pôr cobro à existência de um contrato de arrendamento, logo pressupõe – na (a existência) na sua base, já que a sua finalidade destina – se à obtenção da sua resolução (do contrato de arrendamento). 
«In casu», inexiste um contrato de arrendamento.
Tal como supra se referiu, existe, tão-somente, um contrato promessa.
Em face do exposto, parece – nos que ocorre uma contradição entre o pedido e a causa de pedir formulados, em conformidade com o disposto no art. 193, ns. 1 e 2, al. b ) , do C. P.Civil 
De resto, tendo sido invocada como causa de pedir a existência de um contrato promessa o pedido a formular deveria ser o de resolução do contrato promessa com a consequente reivindicação / restituição do imóvel ; formulando – se um pedido de resolução de um contrato de arrendamento com o consequente despejo imediato deverá invocar – se como causa de pedir a existência de um contrato de arrendamento.

Destarte, e por todo o exposto, julga – se procedente e provada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da P. I. – cfr. arts. 193, ns. 1 e 2 , al. b ), 288, n. 1, al. b ), 493, ns. 1 e 2, 494, al. b ) e 495, todos do C. P. Civil -, e, em consequência, absolve – se o R. da instância ."+Inconformada recorreu a Autora, formulando em síntese das alegações de recurso, as seguintes C O N C L U S Õ E S:
……………
……………
……………
……………
……………+Contra-alegou o recorrido, Réu C……….., pugnando pela confirmação da decisão recorrida, sustentando que a Autora apresentou um processo, alegando a existência de um contrato promessa com o Réu, e que em lado algum da petição inicial se extrai a existência de um contrato de arrendamento nem estando satisfeitos os requisitos legais do contrato de arrendamento, em face da ausência de licença de utilização, e que foi vontade das partes celebrar um mero contrato promessa.+Remetidos os autos a este tribunal da Relação, a única questão submetida à nossa apreciação reconduz-se a saber se deve considerar-se que os factos alegados pelo A, consubstanciam a alegação da celebração de um contrato de arrendamento, e o respectivo incumprimento pelo demandado, irrelevando o facto de constarem de contrato intitulado " contrato-promessa de arrendamento".+Na decisão recorrida elabora-se o seguinte raciocínio:
A acção de despejo visa pôr termo a um contrato de arrendamento, pelo que pressupõe a existência do referido contrato de arrendamento;
In casu inexiste contrato de arrendamento, mas apenas um contrato-promessa;
Logo existe contradição entre pedido e causa de pedir.

Esta formulação silogística apresenta-se no entanto como pouco rigorosa e infundamentada, na medida em que, em vez de se referir o pedido deduzido, se faz referência ao tipo de acção proposta e ao seu objecto, da mesma forma que em vez de se fazer referência à causa de pedir, se refere a qualificação jurídica do contrato celebrado pelas partes.
Ora, a haver contradição entre pedido e causa de pedir ela teria que ser evidenciada entre o pedido, enquanto concreta pretensão jurídica formulada pelo Autor, e a causa de pedir, enquanto facto ou factos jurídicos que se invocam para sustentar o efeito jurídico ou pedido, deduzido – artº 498º, nº 3 e 4, do Cód. Proc. Civil.
De acordo com a tese da substanciação, que o actual Código de Processo Civil acolhe, e que é aliás referida na decisão recorrida, a causa de pedir é formada por factos sem qualificação jurídica, ainda que com relevância jurídica ([1]).No que respeita ao direito , e por conseguinte à qualificação jurídica , o juiz tem plena liberdade , no sentido de que não está sujeito a quanto a esse respeito aleguem as partes – artº 664º do Cód. Proc. Civil.
Por isso que sempre seria por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haveria de indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir, e a concreta pretensão jurídica formulada.

E a este respeito, como refere A. Varela ([2]), é no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o eleito jurídico, por ele requerido (pedido) através da acção judicial, que a doutrina e a jurisprudência justificadamente interpretam, aplicam a contradição prevista (e regulada) na alínea b) do n.º 2 do artigo 193.º do Código de Processo Civil. 

Ora, no caso da petição inicial em causa, a Autora, e ora recorrente, pede que seja resolvido o contrato de arrendamento que alega ter celebrado com a Ré, decretando-se o despejo imediato, e condenando-se a Ré a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas e vincendas.
Como causa de pedir menciona ter celebrado com a Ré um contrato de arrendamento relativamente ao imóvel que identifica, destinando-se o arrendado à actividade comercial da Ré.
Alega-se ainda que tal contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos com início em Abril de 2005, tendo sido acordada uma renda anual (€3.000,00) paga em duodécimos (€250,00).
Ou seja. 
Não só em termos de qualificação jurídica, como em termos de factos alegados, o que se alega é a celebração de um contrato de arrendamento.

É certo que decorre também do alegado pela Autora na sua petição inicial, que o referido contrato ficou a constar de contrato-promessa celebrado. 
No entanto o nomen juris que as partes contratantes tenham atribuído ao acordo por elas celebrado, irreleva. Como refere Galvão Teles ([3]) " Para a caracterização de um contrato não importa decisivamente o nome que lhe dêem os contraentes, o qual pode estar em desarmonia com o acordo efectivamente estipulado. A real natureza desse acordo sobrepõe-se à falsa denominação que lhe tenha sido atribuída. A qualificação jurídica de certa convenção é uma questão de direito e não uma simples questão de facto."  

Se as partes contratantes atribuem ao contrato celebrado uma qualificação que não corresponde ao concreto acordo celebrado, muitas vezes com o intuito de tornear as implicações legais do acordo que entre si celebram, o regime jurídico a considerar não é o definido por essa qualificação, mas pela correspondência ente o conteúdo do contrato e o modelo típico que lhe corresponda. Subscrevem-se aqui em absoluto as consideração feitas em acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, datado de 03.7.2003, disponível em www.dgsi.pt, processo nº 5429/2003-6, onde se refere que  “ a inadequação da designação dada pelas partes ao módulo negocial em causa resulta, não raro, de equívoco, de ignorância, mas também é susceptível de derivar da intenção de defraudar a lei, para extrair disso consequências jurídicas incompatíveis com o regime do negócio jurídico efectivamente pretendido. Nessa hipótese, deve aplicar-se o regime jurídico que resultar da interpretação das declarações negociais das partes, independentemente da designação que elas lhe atribuíram (cfr., neste sentido, Galvão Telles e Januário Gomes, in C.J., Ano XV, Tomo 2, pág. 23 e ss.)". 

No caso dos autos a Autora, ora recorrente, refere como causa de pedir a existência de um  contrato de arrendamento comercial celebrado entre a Autora e o Réu, e os  factos que alega consubstanciam os elementos essenciais inerentes à celebração daquele tipo de contratos. Com efeito traduzem a existência de um contrato de arrendamento urbano, considerado este enquanto contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição – artº 1º do RAU – sendo comercial quando directamente relacionado com uma actividade comercial ou industrial – artº 110º do RAU.
E tal como vem alegado pela Autora na sua petição inicial, foi esse o sentido negocial do acordo contratual celebrado com o Réu.

O facto de resultar do alegado na petição que o contrato em causa foi celebrado por escrito particular intitulado " contrato promessa de arrendamento comercial" em nada obsta a que assim possa ser configurado, e não decorre daí fundamento para se afirmar a existência de contradição entre o fundamento assim invocado e o pedido de resolução de contrato de arrendamento e despejo do locado, que é formulado na mesma acção.
A qualificação que seja feita pelas partes contratantes, do acordo que celebraram, só por si irreleva em termos da definição do regime aplicável.
Quando muito, e em face da contestação do Réu, haverá de indagar-se da real vontade das partes contratantes, em termos de estabelecer qual o sentido negocial formalizado no contrato celebrado, procedendo ou improcedendo a acção em conformidade coma conclusão a que se chegar.

No entanto o que não pode afirmar-se é que existe contradição entre o que vem alegado como causa de pedir e o pedido que a final é formulado pela Autora
O que vem alegado como causa de pedir na petição inicial em análise, são factos que consubstanciam a conclusão de um contrato de arrendamento, definido este através da alegação de factos que consubstanciam todos os elementos essenciais deste tipo de contratos, e o facto integrante do fundamento para a resolução desse contrato.
O pedido formulado, de resolução do contrato celebrado, fundamentado no disposto nos artigos 14º do NRAU, e artigos 1038º, alínea a) e 1083º, nº 1 e 3, do Cód. Civil, com a consequente entrega do imóvel à A, livre de pessoas e coisas, tem perfeita correlação com a alegação dos factos que se contêm na mesma petição, como causa pedir, já que neste tipo de acções a causa de pedir é consubstanciada na existência de um contrato de arrendamento válido, conjugado com o facto que, em face da lei, constitui fundamento da cessação do arrendamento (Jorge Alberto Aragão Seia, "Arrendamento Urbano Anotado e Comentado", 4ª ed., 1998, p. 290).

Irrelevam por outro lado quaisquer considerações em torno da verificação de outros requisitos que não sendo elementos essenciais do contrato de arrendamento invocado, se reconduzem á eventual validade ou não do contrato celebrado.

Formulam-se por isso as seguintes conclusões:
1 – A contradição entre o pedido e a causa de pedir haverá de ser aferida através da indagação da concordância lógica entre a concreta pretensão jurídica formulada e os factos concretos com relevância jurídica alegados pela Autora na petição inicial, independentemente da qualificação jurídica que deles seja feita pelas partes.
2 – Nesse contexto irreleva a qualificação que as partes contratantes hajam feito do contrato entre si celebrado e que serve de fundamento à acção. 

TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E REVOGADO A DECISÃO RECORRIDA, JULGAM IMPROCEDENTE A INVOCADA EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL POR CONTRADIÇÃO ENTRE O PEDIDO E A CAUSA DE PEDIR, E DETERMINAM O CONSEQUENTE PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS COM VISTA À APRECIAÇÃO DAS DEMAIS QUESTÕES QUE NELE SÃO SUSCITADAS.

CUSTAS PELO RECORRIDO.

Porto, 27 de Maio de 2010
Evaristo José Freitas Vieira
José da Cruz Pereira
Manuel Lopes Madeira Pinto
_____________
[1] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA , "Sobre a teoria de! Processo Declarativo ", 1980, págs. 158.
[2] T>REVISTA DE LEGISLAÇÃO E DE JURISPRUDÊNCIA ANO 121º, Nº3769, PÁGS. 121 
[3] Manual dos Contratos em Geral , págs. 254/255

APELAÇÃO Proc. N.º 5623/09.0TBVNG Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia 3º Juízo Cível ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO. Nos presentes autos, em que é Autora "B………., LIMITADA", sendo Réu C………., veio aquela peticionar: Ser declarado resolvido o contrato de arrendamento em apreço; Ser decretado o despejo imediato do arrendado e, em consequência, o Réu condenado a entregar imediatamente à Autora o arrendado livre e devoluto de pessoas e bens; Ser o Réu condenado a pagar à Autora as rendas já vencidas, no montante global de 11.600,00€ (onze mil e seiscentos euros) e, bem assim, as rendas que se vencerem na pendência da presente acção; Ser o Réu condenado a pagar custas processuais e demais encargos legais. Contestou o Réu invocando, além do mais, a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da P. I. por não existe qualquer contrato de arrendamento, e a causa de pedir estar em contradição com o pedido, na medida em que invocando-se um contrato promessa, se pede algo exclusivo de um contrato de arrendamento. Conclui em consequência pela procedência da excepção dilatória e, em consequência, pela absolvição da instância. No articulado de resposta a Autora concluiu pela improcedência da excepção dilatória invocada. Foi então proferido despacho que, no que concerne à excepção invocada, decidiu nos seguintes termos: "Da análise de todo o teor da douta P. I., e de acordo com a Teoria da Substanciação, extrai-se que o pedido de resolução do contrato de arrendamento e o subsequente despejo imediato do locado alicerça a causa de pedir na existência de um contrato promessa. A acção de despejo tem por objecto pôr cobro à existência de um contrato de arrendamento, logo pressupõe – na (a existência) na sua base, já que a sua finalidade destina – se à obtenção da sua resolução (do contrato de arrendamento). «In casu», inexiste um contrato de arrendamento. Tal como supra se referiu, existe, tão-somente, um contrato promessa. Em face do exposto, parece – nos que ocorre uma contradição entre o pedido e a causa de pedir formulados, em conformidade com o disposto no art. 193, ns. 1 e 2, al. b ) , do C. P.Civil De resto, tendo sido invocada como causa de pedir a existência de um contrato promessa o pedido a formular deveria ser o de resolução do contrato promessa com a consequente reivindicação / restituição do imóvel ; formulando – se um pedido de resolução de um contrato de arrendamento com o consequente despejo imediato deverá invocar – se como causa de pedir a existência de um contrato de arrendamento. Destarte, e por todo o exposto, julga – se procedente e provada a excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da P. I. – cfr. arts. 193, ns. 1 e 2 , al. b ), 288, n. 1, al. b ), 493, ns. 1 e 2, 494, al. b ) e 495, todos do C. P. Civil -, e, em consequência, absolve – se o R. da instância ."+Inconformada recorreu a Autora, formulando em síntese das alegações de recurso, as seguintes C O N C L U S Õ E S: …………… …………… …………… …………… ……………+Contra-alegou o recorrido, Réu C……….., pugnando pela confirmação da decisão recorrida, sustentando que a Autora apresentou um processo, alegando a existência de um contrato promessa com o Réu, e que em lado algum da petição inicial se extrai a existência de um contrato de arrendamento nem estando satisfeitos os requisitos legais do contrato de arrendamento, em face da ausência de licença de utilização, e que foi vontade das partes celebrar um mero contrato promessa.+Remetidos os autos a este tribunal da Relação, a única questão submetida à nossa apreciação reconduz-se a saber se deve considerar-se que os factos alegados pelo A, consubstanciam a alegação da celebração de um contrato de arrendamento, e o respectivo incumprimento pelo demandado, irrelevando o facto de constarem de contrato intitulado " contrato-promessa de arrendamento".+Na decisão recorrida elabora-se o seguinte raciocínio: A acção de despejo visa pôr termo a um contrato de arrendamento, pelo que pressupõe a existência do referido contrato de arrendamento; In casu inexiste contrato de arrendamento, mas apenas um contrato-promessa; Logo existe contradição entre pedido e causa de pedir. Esta formulação silogística apresenta-se no entanto como pouco rigorosa e infundamentada, na medida em que, em vez de se referir o pedido deduzido, se faz referência ao tipo de acção proposta e ao seu objecto, da mesma forma que em vez de se fazer referência à causa de pedir, se refere a qualificação jurídica do contrato celebrado pelas partes. Ora, a haver contradição entre pedido e causa de pedir ela teria que ser evidenciada entre o pedido, enquanto concreta pretensão jurídica formulada pelo Autor, e a causa de pedir, enquanto facto ou factos jurídicos que se invocam para sustentar o efeito jurídico ou pedido, deduzido – artº 498º, nº 3 e 4, do Cód. Proc. Civil. De acordo com a tese da substanciação, que o actual Código de Processo Civil acolhe, e que é aliás referida na decisão recorrida, a causa de pedir é formada por factos sem qualificação jurídica, ainda que com relevância jurídica ([1]).No que respeita ao direito , e por conseguinte à qualificação jurídica , o juiz tem plena liberdade , no sentido de que não está sujeito a quanto a esse respeito aleguem as partes – artº 664º do Cód. Proc. Civil. Por isso que sempre seria por referência aos factos, independentemente da qualificação jurídica que deles hajam feito as partes, que haveria de indagar-se da concordância prática entre tais factos, enquanto causa de pedir, e a concreta pretensão jurídica formulada. E a este respeito, como refere A. Varela ([2]), é no sentido da incompatibilidade lógica entre o facto real, concreto, individual, invocado pelo autor como base da sua pretensão (causa de pedir) e o eleito jurídico, por ele requerido (pedido) através da acção judicial, que a doutrina e a jurisprudência justificadamente interpretam, aplicam a contradição prevista (e regulada) na alínea b) do n.º 2 do artigo 193.º do Código de Processo Civil. Ora, no caso da petição inicial em causa, a Autora, e ora recorrente, pede que seja resolvido o contrato de arrendamento que alega ter celebrado com a Ré, decretando-se o despejo imediato, e condenando-se a Ré a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens, bem como a pagar-lhe as rendas vencidas e vincendas. Como causa de pedir menciona ter celebrado com a Ré um contrato de arrendamento relativamente ao imóvel que identifica, destinando-se o arrendado à actividade comercial da Ré. Alega-se ainda que tal contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos com início em Abril de 2005, tendo sido acordada uma renda anual (€3.000,00) paga em duodécimos (€250,00). Ou seja. Não só em termos de qualificação jurídica, como em termos de factos alegados, o que se alega é a celebração de um contrato de arrendamento. É certo que decorre também do alegado pela Autora na sua petição inicial, que o referido contrato ficou a constar de contrato-promessa celebrado. No entanto o nomen juris que as partes contratantes tenham atribuído ao acordo por elas celebrado, irreleva. Como refere Galvão Teles ([3]) " Para a caracterização de um contrato não importa decisivamente o nome que lhe dêem os contraentes, o qual pode estar em desarmonia com o acordo efectivamente estipulado. A real natureza desse acordo sobrepõe-se à falsa denominação que lhe tenha sido atribuída. A qualificação jurídica de certa convenção é uma questão de direito e não uma simples questão de facto." Se as partes contratantes atribuem ao contrato celebrado uma qualificação que não corresponde ao concreto acordo celebrado, muitas vezes com o intuito de tornear as implicações legais do acordo que entre si celebram, o regime jurídico a considerar não é o definido por essa qualificação, mas pela correspondência ente o conteúdo do contrato e o modelo típico que lhe corresponda. Subscrevem-se aqui em absoluto as consideração feitas em acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, datado de 03.7.2003, disponível em www.dgsi.pt, processo nº 5429/2003-6, onde se refere que “ a inadequação da designação dada pelas partes ao módulo negocial em causa resulta, não raro, de equívoco, de ignorância, mas também é susceptível de derivar da intenção de defraudar a lei, para extrair disso consequências jurídicas incompatíveis com o regime do negócio jurídico efectivamente pretendido. Nessa hipótese, deve aplicar-se o regime jurídico que resultar da interpretação das declarações negociais das partes, independentemente da designação que elas lhe atribuíram (cfr., neste sentido, Galvão Telles e Januário Gomes, in C.J., Ano XV, Tomo 2, pág. 23 e ss.)". No caso dos autos a Autora, ora recorrente, refere como causa de pedir a existência de um contrato de arrendamento comercial celebrado entre a Autora e o Réu, e os factos que alega consubstanciam os elementos essenciais inerentes à celebração daquele tipo de contratos. Com efeito traduzem a existência de um contrato de arrendamento urbano, considerado este enquanto contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição – artº 1º do RAU – sendo comercial quando directamente relacionado com uma actividade comercial ou industrial – artº 110º do RAU. E tal como vem alegado pela Autora na sua petição inicial, foi esse o sentido negocial do acordo contratual celebrado com o Réu. O facto de resultar do alegado na petição que o contrato em causa foi celebrado por escrito particular intitulado " contrato promessa de arrendamento comercial" em nada obsta a que assim possa ser configurado, e não decorre daí fundamento para se afirmar a existência de contradição entre o fundamento assim invocado e o pedido de resolução de contrato de arrendamento e despejo do locado, que é formulado na mesma acção. A qualificação que seja feita pelas partes contratantes, do acordo que celebraram, só por si irreleva em termos da definição do regime aplicável. Quando muito, e em face da contestação do Réu, haverá de indagar-se da real vontade das partes contratantes, em termos de estabelecer qual o sentido negocial formalizado no contrato celebrado, procedendo ou improcedendo a acção em conformidade coma conclusão a que se chegar. No entanto o que não pode afirmar-se é que existe contradição entre o que vem alegado como causa de pedir e o pedido que a final é formulado pela Autora O que vem alegado como causa de pedir na petição inicial em análise, são factos que consubstanciam a conclusão de um contrato de arrendamento, definido este através da alegação de factos que consubstanciam todos os elementos essenciais deste tipo de contratos, e o facto integrante do fundamento para a resolução desse contrato. O pedido formulado, de resolução do contrato celebrado, fundamentado no disposto nos artigos 14º do NRAU, e artigos 1038º, alínea a) e 1083º, nº 1 e 3, do Cód. Civil, com a consequente entrega do imóvel à A, livre de pessoas e coisas, tem perfeita correlação com a alegação dos factos que se contêm na mesma petição, como causa pedir, já que neste tipo de acções a causa de pedir é consubstanciada na existência de um contrato de arrendamento válido, conjugado com o facto que, em face da lei, constitui fundamento da cessação do arrendamento (Jorge Alberto Aragão Seia, "Arrendamento Urbano Anotado e Comentado", 4ª ed., 1998, p. 290). Irrelevam por outro lado quaisquer considerações em torno da verificação de outros requisitos que não sendo elementos essenciais do contrato de arrendamento invocado, se reconduzem á eventual validade ou não do contrato celebrado. Formulam-se por isso as seguintes conclusões: 1 – A contradição entre o pedido e a causa de pedir haverá de ser aferida através da indagação da concordância lógica entre a concreta pretensão jurídica formulada e os factos concretos com relevância jurídica alegados pela Autora na petição inicial, independentemente da qualificação jurídica que deles seja feita pelas partes. 2 – Nesse contexto irreleva a qualificação que as partes contratantes hajam feito do contrato entre si celebrado e que serve de fundamento à acção. TERMOS EM QUE ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E REVOGADO A DECISÃO RECORRIDA, JULGAM IMPROCEDENTE A INVOCADA EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL POR CONTRADIÇÃO ENTRE O PEDIDO E A CAUSA DE PEDIR, E DETERMINAM O CONSEQUENTE PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS COM VISTA À APRECIAÇÃO DAS DEMAIS QUESTÕES QUE NELE SÃO SUSCITADAS. CUSTAS PELO RECORRIDO. Porto, 27 de Maio de 2010 Evaristo José Freitas Vieira José da Cruz Pereira Manuel Lopes Madeira Pinto _____________ [1] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA , "Sobre a teoria de! Processo Declarativo ", 1980, págs. 158. [2] T>REVISTA DE LEGISLAÇÃO E DE JURISPRUDÊNCIA ANO 121º, Nº3769, PÁGS. 121 [3] Manual dos Contratos em Geral , págs. 254/255