I- A excessiva onerosidade da indemnização específica não afasta nem limita o seu valor: apenas converte a obrigação de restauração natural em obrigação pecuniária; II- O parâmetro adequado de aferição da excessiva onerosidade é o do valor patrimonial do bem atingido pela lesão, no contexto do património do lesado, o do seu valor de uso e das utilidades que aquele extraia desse mesmo bem; III- Frustrada, a composição, por via negociada, através dos parâmetros da proposta razoável, da controvérsia relativamente a obrigação de indemnização, no âmbito do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, e pedida, em juízo, a resolução do litígio, aqueles critérios, deixam de ser aplicáveis, passando a determinação da espécie e do quantuni da indemnização a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam os princípios da reparação in natura e da reparação integral do dano;
Proc. nº 2247/08.2TBMTS.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório. B……….. Lda. apelou da sentença do Sra. Juíza de Direito do 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que propôs contra C……… SPA, condenou a esta a pagar-lhe a quantia de 9 275,34€. A recorrente pede, no recurso, a revogação da sentença impugnada e a sua substituição por outra que condene a recorrida a pagar-lhe a quantia de 35 134,91€, respeitante à despesa que pagou ao seu funcionário a título de custo dos km percorridos, ao preço de 00,37€/km, desde Setembro de 2007 a Maio de 2009, ou em alternativa, a pagar-lhe a quantia 16 369,43€, correspondente ao valor que liquidou ao seu funcionário, desde Setembro de 2007, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença, ou, alternativamente, a pagar-lhe a quantia de 14 192,00€, respeitante ao custo/km percorridos por aquele funcionário e que liquidou a este, respeitante ao lapso temporal de Setembro de 2007, até à entrada da acção, remetendo as partes no restante dano, para execução de sentença. Ordenada pelo propósito de mostrar a falta de bondade da decisão recorrida, a apelante extraiu da sua alegação estas conclusões: 1. As respostas aos quesitos 5º, 6º 7º e 8º e a resposta considerada como provada na sentença final nas al.s N), O) e T), não têm sustentação na prova testemunhal, nem no teor dos docts junto aos autos -nomeadamente no doc. 9 (com 45 fls.) junto aos autos com a PI da A., com os Docs. juntos pela A. no seu requerimento de Prova e nos três documentos juntos aos autos em 06/01/2009 e ainda com os docts de fls. 99 e 100, respectivamente Docs 3 e 4 juntos pela Ré na Contestação. 2. A decisão de matéria de facto quanto aos quesitos referidos, deve ser alterada no sentido de uma resposta positiva e tendo em conta os depoimentos das testemunhas arroladas pela A., conjugados com os Docts citados em 1. 3. O que o A: não aceitou foi que no tocante à danificação da viatura - e conforme refere na sentença em recurso a Ré invocando que o valor da reparação era superior ao valor venal da mesma, e pretendeu indemnizar a A. com base na Perda Total do veículo sinistrado partindo do orçamento por ela elaborado e sem que o veículo fosse desmontado, como omitiu o teor da afirmação da Ré na carta de 14/08/2007 enviada à A., (junta aos autos como doc 7 com seu requerimento de prova e que refere entre outras coisas no 2º parágrafo e no tocante à viatura sinistrada, que “ a reconstituição natural não é possível”. E a sentença tem que considerar que foi este pressuposto, que enfermou desde inicio a consideração de “perda total”. 4. A lei defende o princípio da Reconstituição Natural (art. 562 do CC) podendo a indemnização ser fixada em dinheiro sempre que tal reconstituição seja excessivamente onerosa à devora (aqui Ré) – pelo que foi violado na sentença recorrida tal preceito legal. 5. A Jurisprudência do Tribunal Superior em geral impõe um critério apertado quanto ao entendimento da demonstração da excessiva onerosidade da reparação (reconstituição natural) exigindo-se a exigência da manifesta desproporção entre o custo da reparação e o valor venal atribuído à viatura. 6. A Ré não fez demonstração de tal desproporção até porque não a poderia fazer uma vez que se veio a provar e constatar na sentença final, que o valor venal da viatura sinistrada era pelo menos de 12.000,00€, atingindo o custo da reparação da mesma viatura sinistrada o valor de 11.557,33€. 7. Pelo que o valor da reparação era inferior ao valor venal da viatura. 8. E mesmo que ao valor venal seja deduzido o valor do salvado, não se verifica in casu, a excessiva onerosidade para a devedora aqui Ré. 9. A contrario, optando-se (como pretendeu a Ré) pela perda total, jamais a A. poderá recolocar a sua situação patrimonial (respeitante à sua viatura) na situação anterior ao acidente: o valor recebido não dá para liquidar o valor residual de leasing (vide doct. 1 junto com o seu requerimento de prova), teria que adquirir uma nova viatura que com as mesmas características custava ao tempo 17.980,00€ - doc. 3 junto pela A. com o seu requerimento de prova. 10. A sentença recorrida, deveria ter condenado a Ré a liquidar) neste âmbito da reparação da viatura sinistrada,) à A. o valor de 11.557,33€ a título de reparação dos danos da viatura sinistrada (reconstituição natural) ex vi artº 562 do CC e jurisprudência unânime do Tribunal Superior. 11. Quanto ao dano de substituição da viatura sinistrada deve ser considerada provada a existência do dano. 12. Em consequência deve ser condenada a Ré a indemnizar a A. e neste âmbito (substituição de viatura) o montante de 35.134,91€ respeitante a despesa paga pela A. ao seu funcionário a título de custo dos km percorridos ao preço de 37 cêntimos/km, desde Setembro de 2007 a Maio de 2009. Caso assim se não entenda, o que não se concede, em alternativa, Deve ser a Ré condenada – no âmbito do dano de substituição da viatura, a liquidar a quantia de 16.369,43€ correspondente ao valor liquidado pela A. ao seu funcionário desde Setembro de 2007 a Outubro de 2008, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença. Ou caso ainda assim se não entenda, o que não se concede e alternativamente, Deve sempre condenar-se a Ré a liquidar à A. a quantia de 14.192,00€ respeitante ao custo/km percorridos pelo funcionário e liquidados a este pela A. respeitante ao lapso temporal de Setembro 07 até à entrada da acção, remetendo as partes no restante dano, para execução de sentença. Na resposta a recorrida concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso. 2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso. 2.1. Foram seleccionados para a base instrutória, entre outros, os enunciados de facto seguintes: 5º A autora pediu tal peritagem porque a ré omitiu a avaliação e cálculo do valor venal da viatura sinistrada, apesar de este lhe ter sido solicitado pela autora? 6º Mais omitindo a ré os valores de valorização da viatura sinistrada respeitantes aos extras que essa viatura detinha, extras esses que se avaliam no mínimo em 1 204,00€? 7º Desde a altura do embate até à data da propositura da acção a autora teve necessidade de requerer ao seu funcionário D………. que utilizasse na sua actividade profissional do dia-a-dia a sua viatura particular, comprometendo-se a liquidar ao quilómetro essa despesa? 8º Desde 10 de Setembro de 2007 até 29 de Setembro de 2008, a autora liquidou ao referido funcionário a quantia global de 14 192,00€, conforme relatório semanal de quilometragem percorrida? 2.2. O Tribunal da audiência decidiu os pontos de facto referidos em 2.1., nestes exactos termos: Quesito 5º: não provado; Quesito 6º: provado que para o cálculo do valor venal da viatura, à data do embate, a ré não contabilizou os extras que a mesma tinha no valor de € 1 204; Quesitos 7º e 8º: provado apenas que a autora pediu ao seu funcionário D………….. que utilizasse a sua viatura particular na sua actividade profissional do dia-a-dia, a partir da altura do embate, comprometendo-se a compensá-lo de tal despesa, o que veio a fazer, num montante não concretamente apurado. 2.3. O Tribunal da audiência motivou o julgamento referido em 2.2., nestes precisos termos. A convicção para as aludidas respostas de conteúdo positivo, restritivo e negativo formou-se com base na análise crítica de toda a prova produzida, à luz das regras retiradas da experiência comum e da lógica e em especial: A obtida pelo quesito 1°, imediatamente, do teor do documento de fls. 11 e 12, o qual se refere à questionada orçamentação, e sua autoria, dos estragos causados na viatura. A obtida pelo quesitos 2°, 3°, 6° e 10°, dos depoimentos de E………. - técnico de vendas que, nessa qualidade, vendeu a viatura em questão -, de F……… - mediador de seguros que interveio no seguro da dita viatura -, os quais, tendo em conta o estado e características do veículo, confirmaram o valor a que alude a resposta, e, essencialmente, de G…………., subscritor do parecer técnico de fls. 25-29, do qual, na sequência do respectivo desenvolvimento e concretização, depois de precisado o inicial alcance desse parecer, acabou por resultar com segurança o teor de tal resposta. O depoimento de H………, funcionário da ré, foi proeminente, especificamente, quanto ao facto contemplado na resposta ao quesito 6° por ter confirmado, expressamente, que a ré não atendeu ao valor dos extras da viatura. A obtida pelo quesito 4° resulta, imediatamente, do teor do documento de fls. 34. A convicção atinente à resposta obtida pelos quesitos 7° e 8° baseou-se no teor dos depoimentos entre si conjugados do próprio D………, o funcionário da autora, referenciado na resposta, e I…….., que presta serviços de contabilista para a mesma autora, aos quais foi conferida credibilidade apenas quanto aos factos consistentes na utilização da viatura particular daquele D……… na sua actividade ao serviço da autora e no compromisso desta de o compensar da correspondente despesa. Com efeito, tais depoimentos foram inconsistentes e desconformes às regras da experiência comum e da lógica quanto à concretização desse compromisso e montante efectivamente pago pela autora, desde logo, porque não foi exibido qualquer suporte contabilístico dessa alegada despesa, depois, porque tal montante sempre seria claramente desproporcionado para um trabalhador que auferia apenas o parco salário mínimo nacional - como, concomitantemente, foi afirmado pelas mesmas testemunhas - e, por fim, porque o dito D……… começou por afirmar que exercia as suas funções no armazém, onde preparava as encomendas para serem entregues aos clientes, num segundo momento, disse que saía em serviço alguns dias e acabou a pretender verbalizar que, afinal, saía em serviço todos os dias. Do teor do documento de fls. 96 e 97 resulta o oposto da realidade que era afirmada no quesito 5° e não foi desenvolvido qualquer meio de prova que confirmasse a alegação que constava do quesito 9° e daí as respostas negativas obtidas pelos mesmos. 2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provada, no seu conjunto, a factualidade seguinte: A) A autora é dona do veículo automóvel marca Opel Combo, com a matrícula ..-BT-.. . B) Por contrato de seguro titulado pela apólice 908410000476000, a ré assumiu a responsabilidade pelos danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo automóvel marca Peugeot matrícula ..-..-ZU, pertencente a Multirent –J…………, SA. C) No dia 6/08/07 pelas 11.45 horas, K………., condutor da viatura com a matrícula ..-BT-.., encontrava-se parado numa fila de trânsito dentro do veículo da sua empresa aqui autora, em Matosinhos. D) Em plena Auto-Estrada A28 concretamente, em cima da ponte de Leça em Matosinhos, circulando na direcção Viana - Porto, ou seja, sentido Norte-Sul, no interesse da empresa aqui autora. E) Inserido numa fila de trânsito que, naquele momento, devido à intensidade do tráfego se encontrava parada. F) O veículo de matrícula ..-BT-.. encontrando-se parado numa das filas de trânsito da A28, foi embatido na sua traseira pelo veículo de matrícula ..-..-ZU, sendo em consequência projectado contra um terceiro veículo, parado à sua frente, embatendo-o e consequentemente provocando-lhe danos, bem como na parte frontal da sua viatura. G) O embate ocorreu assim porque o condutor do veículo de matrícula ..-..-ZU não conseguiu parar e imobilizar a sua viatura no espaço livre da via visível à sua frente, provocando o choque em cadeia. H) A ré reconheceu a total responsabilidade do seu segurado – veículo de matrícula ..-..-ZU – na produção do acidente. I) Pelo facto de a viatura da autora (matrícula ..-BT-.) ter sido embatida por trás e projectada para a frente (o que a levou a embater na viatura que estava à sua frente também parada), ficou com danos visíveis em toda a parte traseira e na parte frontal. J) Pela ré foi orçamentado, sem que o veículo fosse desmontado, para o conserto dos danos frontais o valor global de € 981.06 (IVA incluído), e para o conserto dos danos sofridos na parte de trás o valor global de € 7.897,27. L) Conforme referido no orçamento emitido pelo NAP - Gabinete Técnica de Reg. e Averiguação de Pintura de Automóveis a viatura da autora era tecnicamente reparável (doc. 4). M) A ré pretendeu indemnizar pela perda total, conforme carta enviada à autora, entregando-lhe o salvado pelo valor de € 2.767,00 e indemnizando-a, em dinheiro, no valor global de € 7.186,00 (doc. de fls. 32). N) A ré enviou à autora, datado de 14/08/2007, o fax junto a fls. 99, relativamente ao assunto “Viatura de Substituição”. O) E no dia 4 de Setembro de 2007, propôs-se assumir a “a responsabilidade …e a viatura de substituição”, nos termos da carta de fls. 100, o que a autora não aceitou. P) Os danos supra referidos em J) foram agora orçamentados pela garagem Stand L………., (onde a viatura se encontra desde a altura do sinistro), a pedido da autora, pelo valor global de € 11.557,33 (sendo € 10 385,09 de danos na traseira e € 1 722,24 de danos frontais). Q) À data do embate, o valor venal da viatura era de € 12.000, tendo em conta as características, os extras e o estado de conservação que a mesma tinha. R) Para o cálculo do valor venal da viatura, à data do embate, a ré não contabilizou os extras que a mesma tinha, com o valor de € 1.204. S) A autora pagou pelo parecer pedido à empresa de Peritagem Autónoma M………. a quantia de € 42,35. T) A autora pediu ao seu funcionário D………. que utilizasse na sua actividade profissional do dia-a-dia a sua viatura particular, a partir da altura do embate, comprometendo-se a compensá-lo de tal despesa, o que veio a fazer, num montante não concretamente apurado. U) A autora recebeu o preço de € 2.767 como contrapartida da venda do salvado da viatura sinistrada (cf. venda a dinheiro de fls. 288). 3. Fundamentos. 3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso. Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC). Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1]. Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida. No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2]. No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados em 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – pode afirmar-se que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente reapreciar o pedido formulado na instância imediatamente anterior (artº 272 do CPC). Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3]. Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4]. Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância. A função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. Assim, por exemplo, se na instância recorrida se reivindica não é lícito pedir, na instância de recurso, que se demarque. Do mesmo modo, se na 1ª instância se pede o reconhecimento da titularidade do real de propriedade não é admissível pedir, mesmo que só subsidiariamente, na segunda, que se reconheça a titularidade de um direito real menor ou limitado de servidão de passagem. A recorrente pediu na petição inicial, apresentada na secretaria judicial no dia 26 de Março de 2008, a condenação da recorrida, a pagar-lhe a quantia de 27 333,03€, correspondente ao valor venal da viatura sinistrada à data do acidente (13 300,00€ deduzido de 2 767,00€ do salvado = 10 533,00€), mais 14 192, 00€ respeitantes aos valores do Km pagos pelo Réu ao seu funcionário atento o facto de não ter podido usufruir da viatura (…) ou, em alternativa, a pagar-lhe a quantia de 28 357,38€, correspondente ao valor do conserto da viatura – 11 557,35€ - mais 14 192,00€ pagos pela Ré ao seu funcionário, atendo o facto de não ter podido usufruir da sua viatura. Abstraindo do ostensivo erro de escrita no tocante à entidade que pagou ao funcionário da autora, exacto é que a recorrente pediu, na petição inicial, a condenação da recorrida a pagar-lhe, a esse título, a quantia de 14 192,00€. Todavia, no recurso, a recorrente modificou, para mais essa pretensão, pedindo a esta Relação que condene a recorrida a pagar-lhe, por aquele motivo, a quantia de 35 134,91€, respeitante à despesa paga pela A., ao seu funcionário, a título de custo dos km percorridos ao preço de 37 cêntimos/km, desde Setembro de 2007 a Maio de 2009, ou em alternativa, no âmbito do dano da substituição da viatura, a liquidar a quantia de 16 369,43€, correspondente ao valor liquidado pela A. ao seu funcionário desde Setembro de 2007 a Outubro de 2008, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença, ou em alternativa, a quantia de 14 192,00€, respeitante ao custo/km percorridos pelo funcionário e liquidados a este pela A. respeitante ao lapso temporal de Setembro 07 até à entrada da acção, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença. Portanto, a recorrente modificou, no recurso, um dos elementos objectivos da instância: o pedido. Mas vale a pena perder uma palavra para explicar que tal ampliação do pedido é, de todo, inadmissível e, portanto, esta Relação não pode ser chamada a pronunciar-se sobre tal modificação. O único pedido que este Tribunal reapreciará é aquele que foi formulado na 1ª instância: o pagamento, para ressarcir o dano apontado, da quantia de 14 192,00€ – e desta quantia em singelo dado que, por razões que a recorrente melhor conhecerá, nem sequer foi deduzido o pedido de condenação na obrigação acessória de juros moratórios. E mesmo que quanto a este dano se deva remeter a liquidação do seu quantum para momento ulterior - e não para execução de sentença – aquele será o valor máximo do dano liquidável. De tudo isto pode retirar-se, quando ao problema da delimitação objectiva do âmbito do recurso, que este tem por único objecto o error in iudicando da matéria de facto alegada e, correspondentemente, que a questão concreta controversa que o acórdão deve resolver consiste em saber se a decisão da matéria de facto deve ou não ser modificada - por o tribunal da audiência ter incorrido, por erro na apreciação da prova, num erro de julgamento - e se, face a essa modificação, deve revogar-se a sentença apelada e condenar-se a recorrida a pagar à recorrente as quantias de 11 557,33€, correspondente ao dano de reparação da sua viatura automóvel e de 14 192,00€, relativa à despesa suportada pela recorrente com o pagamento ao seu funcionário dos km percorridos pelo último com a sua viatura. A resolução deste problema exige naturalmente, naturalmente, a aferição dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei reconhece à Relação, a ponderação dos fundamentos finais da responsabilidade civil e, finalmente, os parâmetros de determinação da indemnização do dano patrimonial. 3.2. Poderes de controlo da Relação sobre a decisão da 1ª instância relativa à matéria de facto. Durante largos anos prevaleceu entre nós uma errónea parificação entre a oralidade e proibição do registo do acto levado a cabo oralmente. O equívoco é manifesto: mesmo quando os actos de produção de prova pessoal são objecto de registo, o juiz a quo não deixa de os receber oralmente e é nessa base que os valora, sendo o seu registo mera formalidade complementar. Oralidade não é, portanto, sinónimo de exclusão de registo, no sentido de proibição de todos os actos que tenham lugar oralmente fiquem registos, a servir, por exemplo, fins de controlo de assunção da prova, maxime em matéria de recursos. Isto foi esquecido pelo legislador do nosso CPC de 1939, ao tomar o princípio da oralidade como base justificativa da impossibilidade de se fazer registo da prova prestada em julgamento[5]. A combinação desta circunstância com o facto de, por um lado, o sistema de recursos ser o da escrita, com absoluta exclusão da oralidade, e, por outro, haver tribunais de recurso – por exemplo, a Relação – que conhecem também da questão de facto, tornava o sistema absurdo, por dar como uma mão – possibilidade de recurso da decisão da matéria de facto – aquilo que tirava com a outra – proibição de registo da produção oral da prova. A Relação é normalmente um tribunal de 2ª instância. Pela sua própria índole, a Relação tem competência para apreciar e conhecer tanto de questões de direito como de questões de facto. O recurso de apelação é precisamente aquele que, segundo a sua natureza de recurso amplo, deveria ter eficácia e alcance para submeter à consideração da Relação toda a matéria da causa. Todavia a verdade é que, até há relativamente pouco tempo, o recurso que se interpusesse da sentença final da causa, incidia, em regra, unicamente sobre questões de direito, funcionando, por isso, a Relação também como tribunal de revista (artº 712 do CPC de 1939). Absurdo ou não o sistema foi com ele que viveu, durante décadas, o direito processual português. A atribuição ao recurso de apelação da natureza de recurso verdadeiramente global e, correspondentemente, a possibilidade de a Relação conhecer da matéria de facto, pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que são asseguradas ao tribunal recorrido. O sistema actual de recursos procurou conciliar as garantias da oralidade e da imediação – que contribuem decisivamente para o bom julgamento da causa, em especial, no que se refere à apreciação da matéria de facto – com algumas exigências práticas. Estas exigências conduzem, por exemplo, a que o controlo sobre um decisão relativa ao julgamento de um facto supostamente provado pelo depoimento de uma testemunha, não requeira a presença dessa testemunha perante o tribunal ad quem. É suficiente, na lógica da lei, que seja disponibilizado a este tribunal o registo ou a gravação desse depoimento (artº 690-A nºs 1 b) e 2 e 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC). O registo dos actos de produção da prova é feito por gravação, em regra, por meios sonoros (artºs 522-B e 522 C) nºs 1 e 2 do CPC). Essa gravação é efectuada, também em regra, por equipamentos existentes no tribunal e por funcionário de justiça (artºs 3 nº 1 e 4 do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro). O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC). Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando[6]. Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[7]. Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação. De um aspecto, porque esse controlo e a reponderação correspondente da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos, ou da leitura fria e inexpressiva da sua transcrição. Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[8]. Existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora, e muito menos a transcrição, não tem a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[9]. Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, o registo – sonoro ou escrito - comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem. A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[10] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. A dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais. Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[11]. Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente. O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza. Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa menor é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede[12]. Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[13]. O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta. Por último, deve ter-se presente que de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa[14]. Se o facto ou factos cujo julgamento – ou falta dele - é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição ou, no caso de deficiência, com o suprimento da decisão daquela instância, a solução e o enquadramento jurídicos do objecto da causa permanecerem inalterados, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação. 3.2.1. Reponderação da decisão relativa à matéria de facto da 1ª instância. Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, no sentido já apontado. É o caso da prova testemunhal e da prova por inspecção judicial (artºs 396 e 391 do Código Civil). Essa apreciação baseia-se – já se notou – na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, quer dizer, em regras de ciência e de raciocínio e em máximas de experiência (artº 655 nº 1 do CPC). Neste contexto, nada impede, por exemplo, que a convicção do juiz se funde no depoimento de uma única testemunha[15]. Constitui património comum dos operadores judiciários a extraordinária cautela com que deve ser manejada a prova testemunhal, dado o perigo da sua infidelidade, seja ela involuntária – v.g., por erro de percepção ou de retenção do facto – ou voluntária – por vício de parcialidade. Dadas todas as possíveis causas de erro que actuam sobre a prova testemunhal, é natural um atitude de desconfiança e desânimo por parte de quem se vê forçado a decidir sobre a base de semelhante prova e uma atitude de desconforto por banda de quem tem de controlar uma decisão assente numa prova a que se associa uma tão larga falibilidade. O desencanto é tanto mais lamentável quanto é certo que na prática dos tribunais a prova por testemunhas vem à cabeça de todas as outras, é a prova de uso mais frequente porque é, na maioria dos casos, a única que se pode produzir. Considerada a enorme variedade de causas que podem dar lugar a que a testemunha não possa ou não queria dizer a verdade, deve usar-se de grande cautela em relação a esta prova e só a sua valoração sob o signo estrito da oralidade e da imediação permite estabelecer, adequadamente, o efeito persuasivo que, em cada caso, lhe deve ser assinalado. De resto, aquele princípio e este seu corolário são comprovadamente adequados a extirpar um dos maiores males da prova testemunhal: a mentira. Como já se reparou, o resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática. No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal[16]. A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto[17]. O juiz deve, portanto, decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta. As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida. Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela. O primeiro error in iudicando da matéria de facto de que a recorrente se queixa diz respeito ao enunciado de facto incluso na base da prova sob o nº 5, no qual se perguntava se perguntava se a recorrente tinha pedido a peritagem ao – então - seu veículo porque a recorrida, apesar de solicitada, tinha omitido, a avaliação e o cálculo do valor venal dele. Este quesito estava directamente vinculado ao anterior que tinha por objecto o custo dessa peritagem. A sentença apelada – depois de larga reflexão sobre o problema do nexo de causalidade – concluiu que a recorrente tinha o direito de ser ressarcida desse dano e, em estrita coerência, condenou a recorrida no pagamento do valor correspondente – embora, por nítido descuido, não tenha atentado que o valor provado desse dano era de 42,35€ e não de 42,34€, erro que, por último, se repercutiu no valor da condenação. Seja como for, desde que sentença apelada vinculou a ré a reparar aquele dano, não há qualquer utilidade em reponderar o julgamento do ponto de facto inserto na base instrutória sob o nº 5, dado que fosse qual fosse a resposta que lhe devesse ser dada, ela em nada concorreria para o julgamento do recurso. De resto, a falta de realidade desse facto – como, aliás, foi prontamente observado pelo tribunal da audiência – é desmentida pelo conteúdo dos documentos inclusos a fls. 96 e 97 – que corporizam a proposta de indemnização dirigida pela recorrida à recorrente - que inculcam que a última procedeu, bem ou mal, à avaliação do valor venal do veículo sinistrado. Também não é patente o motivo pelo qual a recorrente impugna o julgamento do ponto de facto contido no ponto 6º da base instrutória, em que se perguntava se a recorrida omitiu os valores de valorização da viatura sinistrada respeitantes aos extras que essa viatura detinha, extras esses que se avaliam no mínimo em € 1 204,00€. Segundo a recorrente este enunciado de facto deve declarar-se provado. Mas foi essa justamente a resposta que o tribunal da audiência lhe deu ao julgar demonstrado que para o cálculo do valor venal da viatura, à data do embate, a ré não contabilizou os extras que a mesma tinha, com o valor de € 1 204. A recorrente discorda também do julgamento dos pontos de facto identificados na sentença pelas letras N) e O) com o seguinte conteúdo: N) A ré enviou à autora, datado de 14/08/2007, o fax junto a fls. 99, relativamente ao assunto “Viatura de Substituição”; 0) E no dia 4 de Setembro de 2007, propôs-se assumir a “a responsabilidade …e a viatura de substituição”, nos termos da carta de fls. 100, o que a autora não aceitou. Quanto a estes pontos de facto, o erro de julgamento não resulta decerto de erro na valoração ou apreciação da prova. É que tais factos não foram submetidos à instrução – e, correspondentemente, a julgamento - dado que foram, logo no despacho que procedeu à selecção da matéria de facto, considerados assentes, e, como tal não controvertidos e carecidos de prova. Como linearmente decorre da sua redacção, o conteúdo daqueles alíneas da matéria de facto só é apreensível através da leitura dos documentos para os quais remetem. É verdade que isso não corresponde à melhor técnica de selecção da matéria de facto nem de especificação, na sentença final, dos fundamentos de facto relevantes. Abstraindo desta imperfeição técnica, a verdade é que a sentença final poderá, porventura, ter-se equivocado quanto ao sentido ou á relevância de tais factos. Mas o que não pode, em boa e sã doutrina, sustentar-se é que eles, no momento crucial e espinhoso, da decisão da questão de facto, tenham sido erroneamente julgados. Nestas condições, o ponto vivo da impugnação da matéria de facto tem por objecto os enunciados dessa natureza, contidos pontos 7º e 8º da base instrutória e parcialmente insertos na al. T) da motivação de facto da sentença recorrida. Quesitava-se, nesses pontos, se desde a altura do embate até à data da propositura da acção a autora teve necessidade de requerer ao seu funcionário D………. que utilizasse na sua actividade profissional do dia-a-dia a sua viatura particular, comprometendo-se a liquidar ao quilómetro essa despesa e se desde 10 de Setembro de 2007 até 29 de Setembro de 2008, a autora liquidou ao referido funcionário a quantia global de 14 192,00€, conforme relatório semanal de quilometragem percorrida. O tribunal da audiência deu-lhes esta resposta conjunta: provado apenas que a autora pediu ao seu funcionário D………. que utilizasse a sua viatura particular na sua actividade profissional do dia-a-dia, a partir da altura do embate, comprometendo-se a compensá-lo de tal despesa, o que veio a fazer, num montante não concretamente apurado. Em face desta resposta, torna-se patente o desacerto da sentença impugnada quando declara que, no tocante à quantia de € 14 192, alegadamente paga ao seu funcionário para suprir a falta da viatura entre 10/09/07 e 29/02/2008, desde logo autora não demonstrou ter sofrido o invocado dano. Nada de menos exacto. Em face daquela resposta a única coisa que deve ter-se por não demonstrado é o valor preciso da despesa suportada pela recorrente para compensar o seu funcionário pelo uso da viatura particular na prossecução da sua actividade social da recorrente. Uma leitura, ainda que meramente oblíqua daquela resposta, mostra que o facto relativo á realização dessa despesa, esse, deve ter-se, irrefragavelmente, por provado. Nestas condições, o erro de julgamento da matéria de facto que importa, eventualmente, suprir, a decisão dessa matéria que deve ser reponderada é, portanto, a relativa ao valor daquela despesa. E que provas tornam evidente, segundo a recorrente, aquele erro? Duas: a prova documental, representada pelas declarações das despesas com deslocações da autoria – parece – do funcionário da recorrente – D…….., dos extractos da conta de conferência do POC, relativos aos dias 30.09.07 a 31.14.07 (?) e da declaração fiscal de IRC relativa ao exercício de 2007; a prova testemunhal, traduzida nos depoimentos daquele e de I…………, prestador de serviços de contabilidade à recorrente. Os documentos têm uma característica comum: são todos particulares e alguns deles nem sequer são da autoria de qualquer das partes – mas de terceiro. Os documentos particulares, uma vez estabelecida a autoria da letra e da assinatura, fazem prova plena de que a pessoa emitiu as declarações nele documentadas (artº 376 nº 1 do Código Civil). Essas declarações surtirão o devido efeito contra o seu autor – mas apenas na medida em que forem contrárias aos seus interesses: não valem a favor dessa pessoa, porque tratando-se de declarações de ciência, ninguém pode ser testemunha em causa própria, e, tratando-se de declarações de vontade, de declarações negociais, ninguém pode constituir um título a seu favor (artº 376 nº 1 do Código Civil). Se as declarações documentadas só em parte forem desfavoráveis ao seu autor, a contraparte, caso queira aproveitar-se da parte favorável, terá de aceitar também a parte desfavorável, ou de provar que essa parte não corresponde à verdade: as declarações são, neste sentido, indivisíveis (artº 376 nº 2 do Código Civil). Se a veracidade da letra e da assinatura for validamente impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado e o apresentante não demonstrar a sua veracidade, é claro que o documento não faz prova plena das declarações documentadas. Mas daí não decorre o nenhum valor do documento – mas simplesmente a sua sujeição à livre convicção do tribunal, que aprecia livremente a sua força probatória (artº 655 nº 1 do CPC). No tocante aos documentos produzidos pela própria recorrente, porque contém declarações favoráveis àquela, é claro que não fazem prova plena dos factos documentados[18]. A submissão deles à livre – mas não discricionária – valoração do tribunal é, portanto, meramente consequencial. O mesmo sucede, de resto, com os produzidos por terceiro, para mais vinculado por uma relação de subordinação jurídica à apelante. Seja como for, aqueles documentos se sugerem a realidade do facto relativo à realização da despesa são contudo insuficientes para inculcar, para além de qualquer dúvida razoável, o seu exacto quantum. Resta-nos, por isso, em última extremidade, para determinar essa quantidade, os depoimentos das testemunhas mencionadas. A testemunha I………., depois de asseverar que a recorrida, para pagar ao seu funcionário, o uso por este da sua viatura, optou por liquidar ao km, a 37,00€ o km, perguntado pela Sra. Juíza de Direito sobre os valores que a apelante pagou àquele trabalhador limitou-se a responder que até final de 2008 está tudo pago. Instada a concretizar o respectivo valor, a testemunha começou por declarar que de cabeça não sei. Mais à frente adiantou, porém, que eu recordo mais ou menos em 2007 eram 9 000,00€, em 2008 era 17 000 e agora em 2009 são 5 000 e picos. A testemunha reiterou, depois, a pergunta do Exmo. Mandatário da recorrente que está tudo liquidado até Dezembro de 2008 e interrogado, deveras sugestivamente, por aquele mesmo Mandatário, se seriam 9 600,00 mais 17 980,00€ respondeu: exactamente. Todavia, mais adiante, a mesma testemunha assegurou que o estava liquidado não sei precisar, e, enfim, interrogado de novo pela Sra. Juíza reiterou que eu de cabeça não sei exactamente quanto é foram todos os meses, não é. Quanto a este ponto a recorrente convirá, decerto, que o que melhor prova da realização de um pagamento é a contabilidade e os respectivos documentos de suporte – não o contabilista. Todavia, a recorrente limitou-se a produzir um elemento parcial da sua contabilidade sem o suporte documental do pagamento e propôs-se fazer a prova deste facto com as declarações da pessoa que lhe presta serviços de contabilidade. Ficou, por isso, sujeita à falibilidade da prova testemunhal, em geral, e às inconsistências do depoimento daquela testemunha em particular. Por seu lado, a testemunha D………., a pergunta da Sra. Juíza de Direito sobre o valor acordado por km, afiançou que isso andava á volta de 00.37€, setenta escudos, por aí, e que conforme a empresa ia podendo iam-me pagando, tendo ainda reiterado, que a recorrente só pagava quando podia. Questionado pelo Exmo. Advogada da recorrente, a testemunha confirmou que até Dezembro de 2008 já tinha recebido, mas admitiu, todavia, que não sabe especificar a quantia total que recebeu, por não ter feito as contas. A testemunha, a instância do Exmo. Mandatário Advogado da recorrida, declarou que o pagamento era feito por cheque. Estes depoimentos – apesar das testemunhas se encontrarem ambas num ponto privilegiado de observação que tornaria as suas declarações particularmente qualificadas – são pois insuficientes para se estabelecer o valor exacto das quantias que a recorrente pagou ao seu funcionário pelo uso, por este, da sua viatura. De resto, a recorrente poderia ter evitado todos estes embaraços quanto à realidade daquele facto, produzindo os documentos idóneos a demonstrar aquele valor, como por exemplo, a cópia dos cheques ou o extracto da sua conta corrente bancária sacada. Sendo isto assim, então, apesar da refracção provocada pela distância entre este Tribunal e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – através da audição do registo sonoro e a transcrição que dele foi feita pela recorrente - não há, realmente, motivo para que se conclua que a decisão da matéria de facto contém um error in judicando – por ter incorrido em erro lógico, em uma contradição material ou ter violado regras da vida e da experiência - e, portanto, para modificar esse julgamento. Um tal julgamento dos factos provados, considerado, ao menos a posteriori, à luz das regras da lógica, da experiência e de critérios sociais, não é desrazoável. A matéria de facto sobre a qual deve ser declarado o direito do caso é, portanto, aquela que o decisor da 1ª instância declarou provada. 3.3. Fundamento final da responsabilidade civil. Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar á responsabilidade civil[19], é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito[20]. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial[21]. É o lesado que cumpre a prova do dano (artº 342 nº 1 do Código Civil). Caso não consiga libertar-se do encargo dessa prova, intervém a regra de julgamento representada pelas normas sobre a distribuição do ónus da prova: a questão de facto correspondente é resolvida contra o lesado (artº 516 do CPC). A obrigação de indemnização visa a remoção do dano imputado ao respectivo sujeito (artº 562 do Código Civil). A medida da indemnização é, simplesmente, a do dano. O respectivo montante pode, todavia, variar consoante a imputação delitual opere por ilícito doloso ou por ilícito negligente (artº 494 do Código Civil). A indemnização pode ser específica ou pecuniária. A lei civil fundamental portuguesa revela uma nítida preferência pela indemnização específica, considerada mais perfeita do ponto de vista da reparação do dano. Este deve ser reparado mediante a reconstituição, restauração ou reposição natural meio mais eficaz de obter o escopo visado com a obrigação de indemnização: a remoção do dano real (artº 566 nº 1 do Código Civil)[22]. Se, porém, a reconstituição natural não foi possível, se mostrar insuficiente para reparar a totalidade do dano ou for excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização deve ser fixada em dinheiro (artº 566 nº 1 do Código Civil)[23]. Com o escopo de facilitar a determinação da indemnização pecuniária, a lei estatui que esta se mede pela diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existisse o dano (artº 566 nº 2 do Código Civil). A finalidade conspícua é sempre a remoção do dano, resultado que se atinge se o lesado receber uma soma com a qual possa agora conseguir as mesmas vantagens e utilidades que o facto constitutivo da responsabilidade lhe fez perder. Computando-se o dano como uma diferença no património, segue-se que se trata de uma grandeza que evolui a todo o momento e, portanto, para se conseguir um resultado quanto possível perfeito, deve tomar-se por base o último momento possível[24]. O lesado pode optar entre a restauração natural e a indemnização em dinheiro, não tendo o devedor o direito de indemnizar mediante reposição natural. Se o lesado optar pela indemnização em dinheiro, poderá recusar a indemnização por reconstituição natural que o responsável queira prestar-lhe, a não ser que a recusa seja contrária à boa fé. Optando o lesado pela reconstituição natural, a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, sempre que, v.g., a restauração natural se mostrar excessivamente gravosa para o obrigado[25]. Pode, na verdade, acontecer que a reconstituição in natura, sendo possível, acarrete para o obrigado a indemnizar um esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem adveniente para o lesado. Nessa eventualidade, deve afastar-se a indemnização específica e recorrer-se á indemnização pecuniária. Não declara a lei o que deve entender-se por excessiva onerosidade para o devedor. Dir-se-á, porém, que a reconstituição específica é excessivamente onerosa quanto a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa fé (artº 762 do Código Civil)[26]. Deve, porém, assentar-se nisto: A excessiva onerosidade da indemnização específica não afasta nem limita o seu valor: apenas converte a obrigação de restauração natural em obrigação pecuniária[27]. Por último, a onerosidade deve ser medida não apenas objectivamente, mas também em função da situação concreta do devedor. A reconstituição in natura pode ser excessivamente gravosa para um obrigado a indemnizar mas não para outro. A situação concreta do devedor constitui, de resto, um critério a que a lei manda atender na fixação da indemnização fundada em culpa negligente (artº 494 do Código Civil). À luz destes parâmetros deve ter-se por indiscutível que é ao lesante - rectius ao responsável pela indemnização - e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos suportados pelo último em consequência do facto danoso[28]. É importante que o lesante – ou – ou quem responda por ele - interiorize este ponto, porque a violação do dever de prontamente proceder ou mandar proceder à reparação legitima a sua responsabilização e, correspondentemente, a sua constituição no dever de reparar todos os danos causalmente conexionados com a infracção desse dever. Portanto, era à recorrida que cumpria promover, diligentemente, a reparação do veículo da autora. A recorrida, porém, recusou a realização desta prestação com fundamento na superioridade do valor da reparação relativamente ao valor venal do veículo, que desaconselhava, economicamente, a sua reparação, propondo a consequente regularização do sinistro com base no conceito de perda total, e, portanto, o cumprimento da obrigação de indemnização não in natura mas em dinheiro. A diferença entre o valor venal do veículo da recorrente e o valor da sua reparação é de apenas 443,33€. Todavia, não é exacto, à luz da teoria da diferença, equacionar o problema da excessiva onerosidade da reconstituição natural usando como termo o valor venal ou de mercado do veículo; o parâmetro adequado é, antes, o do seu valor patrimonial, no contexto do património do lesado, o do seu valor de uso e das utilidades que aquele extraía desse bem[29]. Antes da verificação do facto danoso, a recorrida dispunha de um veículo que, embora usado e de reduzido valor comercial, satisfazia, por inteiro, as necessidades relativas à prossecução do seu objecto social. Depois da verificação daquele facto, o veículo ficou inapto para satisfazer tais necessidades. Só a reparação do veículo da apelante - que se mostrava tecnicamente possível - a restituirá à situação em que se encontraria na ausência do facto causador do dano. Note-se que a reparação do veículo da recorrente não equivale a entregar a esta um veículo novo, caso em que daria um aumento patrimonial da sua esfera jurídico-patrimonial que contrariaria abertamente o escopo fundamental da indemnização. Trata-se, isso sim, de restituir a recorrente á situação em que se encontraria não fora o evento danoso. Repare-se também que a imposição à recorrente da obrigação de proceder ao pagamento do custo da reparação não conduzirá a uma sobrevalorização do dano. Nada garante que o veículo da recorrente depois de reparado teria um valor mais elevado do que aquele que tinha à data da colisão. Mesmo reparado, não deixaria de ser um carro com o mesmo uso, do mesmo ano de fabrico e com as mesmas características; não seria nunca um carro novo - mas um carro reparado, e o seu valor venal tenderá sempre a diminuir, quanto mais não seja pelo mero decurso do tempo e o que é mais, por se tratar de veículo sujeito a reparação, na sequência de um acidente rodoviário. Nem vale argumentar com a manifesta desproporção entre o interesse da recorrente e o custo da reposição natural. Como já se sublinhou é juridicamente incorrecto procurar resolver o problema da indemnização a partir da consideração do valor venal actual do veículo. Do que se trata sempre e só é de saber qual o dano suportado pelo lesado e de reconstituir o status quo que existiria, caso se não tivesse verificado o evento que determinou a reparação (artº 562 nº 1 do Código Civil). Entendimento diverso conduziria a solução juridicamente inaceitável: a atribuição de uma indemnização irrisória ao lesado, que não o restitui á situação anterior à lesão, com injusto benefício para o responsável. A exigência, no caso, da indemnização específica, não contrariava a boa fé; a atribuição ao lesado da indemnização correspondente ao reduzido valor venal do veículo é que com ela contrastaria abertamente. A reparação do veículo da apelante não se mostrava, pois, onerosa para a ré, muito menos excessivamente. A fixação da indemnização em montante correspondente ao valor venal do veículo só seria de admitir se estivesse demonstrado que, com tal valor, a recorrente poderia adquirir um veículo idêntico ao seu, ficando assim restituída ao status quo ante. De harmonia com regras de experiência e critérios sociais – e apesar da instabilidade dos mercados financeiros criar alguma incerteza sobre a saúde económica das empresas - a recorrida, dada a sua natureza, dispõe, reconhecidamente, de solvabilidade económica que, sem qualquer sacrifício desrazoável, lhe permite satisfazer a indemnização pecuniária traduzida no custo da reparação do veículo da recorrente. A condenação da recorrida no pagamento do custo da reparação do veículo da recorrente que esta não é, pois, excessivamente onerosa para a apelada. A condenação da ré nessa prestação indemnizatória é, assim, meramente consequencial[30]. Simplesmente, por mais impecável que esta argumentação se mostre, ela deve considerar-se irremediavelmente prejudicada, se ao caso for aplicável – como sustenta a sentença apelada - um critério legal definidor do conceito de perda total do bem, que concretizando a excessiva onerosidade da indemnização, imponha, em seu definitivo detrimento, um parâmetro inteiramente diverso do cálculo do seu quantum. E para a resolução deste problema que se dirigem as considerações subsequentes. 3.4. Determinação do âmbito temporal e material das normas definidoras dos critérios para o procedimento de proposta razoável. Tanto os factos invocados como causa petendi como a factualidade alegada a título de defesa ocorreram no dia 6 de Agosto de 2007, portanto, no domínio de vigência do regime jurídico do seguro automóvel de responsabilidade civil construído pelo DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, de resto, objecto, já naquela data, de sucessivas alterações através dos DL nºs 122-A/86, de 30 de Maio, 436/86, de 31 de Dezembro, 81/87, de 20 de Fevereiro, 394/87, de 31 de Dezembro, 415/89 de 30 de Novembro, 122/92, de 2 de Julho, 18/93, de 23 de Janeiro, 358/93, de 14 de Outubro, 130/94, de 19 de Maio, 3/96, de 25 de Janeiro, 68/97, de 3 de Abril, 368/97, de 23 de Dezembro, 301/201, de 23 de Novembro, 72-A/2003, de 14 de Abril, 44/2005, de 23 de Fevereiro, 122/2005, de 29 de Julho e, por último, do DL nº 83/2006, de 29 de Julho. O DL nº 522/85, de 31 de Dezembro foi, entretanto, objecto de revogação expressa pelo DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, que entrou em vigor 60 dias após a sua publicação (artºs 94 nº 1 a) e 95 deste último diploma legal). O DL nº 83/2006, de 29 de Julho introduziu, no regime jurídico do seguro de responsabilidade civil resultante da circulação automóvel, vinculações das empresas de seguros a deveres de diligência e prontidão na regularização de sinistros e organizou um procedimento obrigatório de proposta razoável para a regularização do dano material (artºs 20-F) e 20-G) do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro). O diploma que recodificou aquele regime jurídico do seguro de responsabilidade civil resultante da circulação automóvel manteve a vinculação das empresas de seguros àqueles deveres de diligência e prontidão na regularização de sinistros, ao mesmo tempo que alargou o procedimento obrigatório de proposta razoável aos sinistros que envolvam danos corporais (artºs 37 e 39 do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto). O regime relativo aos prazos e regras da proposta razoável – cujo incumprimento dá lugar ao agravamento da indemnização moratória devida pelo retardamento da obrigação primária de indemnização – exige, naturalmente, sob pena de ser meramente semântico, o estabelecimento dos respectivos critérios, designadamente no tocante à espécie a ao quantum da indemnização devida para reparar o dano patrimonial. É neste contexto que deve ser lida a definição do conceito de perda total de veículo interveniente em acidente de viação a que se liga, desde logo, esta consequência relevante: o afastamento da obrigação de reparação do veículo e a satisfação da obrigação de indemnização em dinheiro (artº 20-I nº 1 a) a c) do DL nº 522/85, de 21 de Dezembro e 41 nº 1 a) a c) do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto). Um veículo interveniente num acidente considera-se totalmente perdido quando tenha desaparecido ou totalmente destruído, quando a sua reparação seja materialmente impossível ou tecnicamente desaconselhável por as suas condições de segurança terem sido gravemente afectadas e, por último, quando o valor da sua reparação, somado ao valor do salvado, ultrapasse 100% do seu valor venal, no momento imediatamente anterior ao do sinistro (artº 20-I nº a) a c) do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro). A indemnização por perda total do veículo corresponde ao valor venal do veículo - que, por sua vez, equivale ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente – deduzido ou aumentado do valor do salvado, consoante este fique na posse do proprietário ou do responsável pela indemnização (artº 41 nºs 2 e 3 do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto). Na contestação, a recorrida sustentou a aplicabilidade ao caso do regime jurídico decorrente do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto; a sentença apelada, porém, concluiu que lhe é aplicável a lei revogada por aquele diploma: o DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, com a modificação decorrente do DL nº 83/2000, de 3 de Maio. Por força do princípio lex posterior derrogat legi priori, a sucessão de leis no tempo não chega a gerar um conflito intra-sistemático, i.e., um conflito real de normas aplicáveis (artº 7 do Código Civil). Mas isso não significa que se não possa configurar um conflito extra-sistemático, quer dizer, um conflito de leis no tempo, a resolver necessariamente antes de se proceder à aplicação da lei aos factos da causa. Isto é assim dado que à descontinuidade da lei não corresponde, naturalmente, um corte, mais ou menos radical, na continuidade da vida social. Importa, portanto, esclarecer convenientemente o âmbito de aplicação no tempo de qualquer daqueles actos normativos. O princípio geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo é, sabidamente, o da aplicação prospectiva, que assume duas faces, distintas mas complementares (artº 12 nºs 1 e 2 do Código Civil)[31]. A primeira é que contempla os simples factos: quanto a estes, na falta de disposição em contrário, a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma (artº 12 nº 1 do Código Civil). Portanto, os factos e os seus efeitos são regulados pela lei revogada ou pela lei revogatória conforme os factos tenham ocorrido na vigência da primeira ou da segunda. A segunda face do princípio é a que se refere às relações jurídicas que emergem desses factos. Neste domínio, o princípio da aplicação prospectiva da lei é já diferente: a lei nova aplica-se não só às relações jurídicas constituídas na sua vigência - mas também às relações que, constituídas antes, protelem a sua vida para além da entrada em vigor da norma nova (artº 12 nº 2 do Código Civil). Fala-se, neste caso, de retrospectividade ou de retroactividade imprópria ou inautêntica: uma norma retrospectiva não é uma norma retroactiva, mas antes uma norma que prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantém nessa data[32]. Da submissão às regras expostas exceptua-se, evidentemente, o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma transitória. Assim, de harmonia com o princípio, já explanado, da aplicação prospectiva, a solução exacta do problema da aplicação da lei no tempo no tocante ao caso é esta: a lei aplicável aos factos dos quais a autora faz derivar o direito de crédito de indemnização que pela acção se propõe fazer declarar e valer contra a ré, e à determinação da espécie e do valor dessa indemnização, é a vigente ao tempo da sua ocorrência[33]. Em absoluto remate: o facto lesivo passado, e os seus efeitos, são regulados pela lei vigente à data da sua ocorrência. Tempus regit factum. Assim, os pressupostos da constituição da recorrida no dever de reparar o dano patrimonial suportado pela recorrente com o facto lesivo e os parâmetros de determinação da espécie e do valor da reparação e correspondentes, são regulados pela lei do tempo da sua verificação – o DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, na versão que foi impressa pelo DL nº 83/2006, de 3 Maio – e não o diploma que recodificou o regime jurídico da responsabilidade civil. Todavia, se razões de direito intertemporal inculcam a aplicabilidade daquele diploma à espécie vertente, uma razão de índole material exclui a sua submissão ao regime jurídico nele definido. Os critérios para o procedimento obrigatório de proposta razoável têm nitidamente por escopo a obtenção de uma decisão negociada extrajudicial, ou a composição, contratualizada, não judicial, do litígio relativo à natureza e extensão do dever de indemnizar (artº 1248 nº 1 do Código Civil). O seu escopo é, em definitivo, a agilização do acertamento extrajudicial da responsabilidade, de modo a poupar o lesado, às demoras, despesas, riscos e incertezas inerentes a um litígio judicial. Por essa razão, esses critérios esgotam-se na formulação da proposta razoável. Frustrada, a composição, por via negociada, da controvérsia relativamente a obrigação de indemnização e pedida, em juízo, a resolução do litígio, esses critérios, deixam, naturalmente, de ter aplicação, passando a determinação da espécie e do quantum da indemnização a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano[34]. Entendimento oposto levaria precisamente à consequência contrária àquela, que aberta e declaradamente, foi visada pelo legislador com a adopção do procedimento de proposta razoável: a defesa dos interesses das vítimas de acidentes de viação. De tudo isto, pode, pois retirar-se esta proposição conclusiva: à determinação da espécie e do quantum da indemnização de que a apelante é credora são aplicáveis e as regras e princípios gerais dessa obrigação de valor; em face daquelas regras e destes princípios é meramente consequencial – pelas razões já adiantadas – a procedência do pedido de condenação da apelada no pagamento do custo da reparação do veículo automóvel suportado pela recorrente. 3.5. Reparabilidade do dano da privação do uso. A recorrente pediu a condenação da recorrida a pagar-lhe a quantia de 14 192,00€ correspondente, de harmonia com a sua alegação, ao valor que, com a finalidade de assegurar a substituição do veiculo sinistrado, pagou ao seu funcionário pela utilização, por este, na sua actividade profissional, da sua viatura particular. A sentença apelada, porém, recusou-lhe a vinculação da ré ao dever de reparar este dano. E adiantou, para justificar esta recusa, duas razões: a falta de demonstração daquele dano; a mora da recorrente, por não ter aceitado a viatura de substituição que lhe foi proposta pela recorrida. Já sabemos que o primeiro argumento não colhe: a decisão da matéria de facto julgou demonstrado aquele dano, embora não o seu exacto valor. E a segunda razão também não procede. Em primeiro lugar, porque a recorrida, na lógica da sua proposta razoável, apenas se dispôs a assegurar à recorrente um veículo de substituição, até ao momento em que colocou à disposição da recorrente o pagamento da indemnização em dinheiro computada a partir do pressuposto da perda total do veículo sinistrado. Todavia, como já se observou, este parâmetro de determinação do dever de indemnizar não é aplicável ao caso. Depois, a recusa da recorrente na aceitação do veículo de substituição, deve ser perspectiva a partir da chamada culpa do lesado. Um dos factores que é apontado como limitativo da indemnização é o concurso com a eventual culpa do lesado (artºs 570 e 572 do Código Civil). Assim, quando um facto culposo do lesado tiver contribuído para a produção ou agravamento dos danos, o tribunal pode, face ao caso concreto, decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída (artº 570 do Código Civil). Para a exacta compreensão deste regime deve ter-se presente, de um aspecto, que a expressão culpa deve ser amplamente entendida – no sentido de que a indemnização deve ser excluída ou reduzida sempre que os danos sejam provocados, e na medida em que o sejam, ainda que não voluntariamente ou ainda que licitamente, e de, outro, que não há verdadeiramente, uma limitação da indemnização – mas apenas um delimitação dos danos que, ao lesante, devem ser imputados. A recorrente só concorreria culposamente para o agravamento do dano, com a recusa da proposta negociada de indemnização, se esta proposta, no momento em que foi formulada, reparasse na íntegra o dano já verificado nesse mesmo momento. Pelas razões apontadas não é esse, decerto, o nosso caso. Mas ainda que se devesse concluir que, ao recusar a proposta de substituição do veículo sinistrado, formulada pela ré, a recorrente contribuiu, culposamente para o agravamento do dano, é irrecusável que sempre lhe assistiria o direito de ser indemnizado do dano resultante da privação da sua viatura desde o momento do sinistro até ao momento da recusa. Quer dizer: a recusa da proposta do veículo de substituição não excluiria a indemnização do dano resultante da privação do uso do veículo sinistrado – apenas a limitaria. Por último, de harmonia com a doutrina que se tem por preferível, a mera privação do uso de um veículo automóvel, independentemente de qualquer repercussão autónoma no património do lesado, constitui o lesante no dever de indemnizar. O problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial acorde. Desde logo quanto à exacta natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial[35], outras concluem pela sua patrimonialidade[36]. A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado. É, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais. A indemnização visa reparar danos não patrimoniais quando tem por objecto um interesse não patrimonial, i.e., um interesse não avaliável em dinheiro[37]. Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. Por isso, melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação[38]. Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade. A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas[39]. No tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade, imprestável[40]. Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano. A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano. Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso. Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido[41] – e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial[42]. A privação do uso de um veículo automóvel constitui, por si, dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade correspondente, traduzida na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário é lícito gozar: a de uso e fruição da coisa (artº 1305 do Código Civil). O uso de um bem constitui uma situação favorável que o direito amplamente tutela: a supressão dessa faculdade constitui, juridicamente, um dano. Para satisfazer as exigências de mobilidade, reclamadas pela via económica e social, as pessoas e as empresas sujeitam-se ao sacrifício económico grave que a aquisição e a manutenção de um veículo automóvel sempre representam. O acto de terceiro que torne materialmente indisponíveis as utilidades que é possível extrair desse bem – que têm, naturalmente, uma expressão pecuniária - deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (artº 483 nº 1 do Código Civil). Decerto, que muitas vezes será difícil, por recurso à teoria da diferença, mensurar esse e dano e a indemnização que lhe deve corresponder. Mas esta dificuldade não é intransponível: nesta conjuntura sempre restará a tribunal a ultima ratio de julgamento representada pela apreciação equitativa do valor do dano (artº 566 nº 3 do Código Civil)[43]. Mas nem é esse o caso do recurso, dado que a matéria de facto disponibilizada, além da privação do uso da viatura sinistrada, um dano concreto resultante dessa privação. A recorrente em consequência da colisão, ficou impossibilitada de usar o seu veículo automóvel, tendo recorrido, para satisfazer as necessidades de mobilidade reclamadas pelo seu giro comercial, à utilização, pelo seu funcionário, da viatura deste, compensando-o da despesa correspondente. Ela deve, por isso, ser ressarcida de um tal dano; a determinação do quantum dessa indemnização deve fazer-se, em última extremidade, segundo um juízo de equidade[44]. É verdade, que se for largo o tempo por que perdurar a privação do uso do veículo, a reparação do dano correspondente pesará substancialmente no valor da indemnização a cuja satisfação a recorrida se encontra adstrita. Mas a apelada não deve queixar-se senão - de si mesma: a consequência assinalada decorre da violação do dever de prontamente promover a reparação do veículo a que indubitavelmente estava vinculada. O devedor da indemnização que queira pagar menos – deve pagar mais cedo. O facto de se desconhecer o valor exacto da despesa suportada pela recorrente com a compensação ao seu funcionário pela utilização, por este da sua viatura, não obsta à condenação da recorrida na reparação do dano correspondente: apenas obstacula à condenação num valor de indemnização quantitativamente líquida. Constitui ocorrência ordinária, o juiz chegar à sentença e verificar que, devendo condenar o demandado, o processo não lhe fornece, porém, os elementos necessários para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face desses factos, só lhe resta uma solução jurídica: proferir uma condenação genérica, quer dizer, condenar o réu no que se vier a liquidar (artº 661 nº 2 do CPC)[45]. A condenação genérica no cumprimento de uma prestação pode, assim, dar lugar à incerteza ou à iliquidez da obrigação. A obrigação é incerta quando a respectiva prestação não se encontra determinada ou individualizada; é ilíquida quando a sua quantidade não se encontra determinada. A iliquidez pode referir-se quer a prestações pecuniárias quer a prestações de dare. É axiomático que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas de forma coactiva, pela razão evidente de que não se pode executar o património do devedor antes de determinar a quantia devida ou pedir a entrega de uma coisa antes de saber a quantidade que deve ser prestada (artº 47 nº 5 do CPC). Assim, tem de ser liquidada a condenação em quantia ilíquida (artº 661 nº 2 do CPC). A regra é esta: a liquidação há-de fazer-se no processo de declaração que tenha por objecto o direito à prestação e, portanto, só pode reservar-se para momento ulterior, em última extremidade, quando não seja possível fazê-lo naquele processo (artº 378 nº 1 do CPC). No caso, não oferece dúvida a existência do dano; desconhece-se, porém, o respectivo quantum. A única solução admissível é a condenação do responsável na obrigação de os indemnizar – e a remessa da fixação dessa indemnização para momento posterior (artº 564 nº 2 do Código Civil)[46]. Portanto, diversamente da solução normal para as situações de non liquet – que é o proferimento de uma decisão onerada com a prova – a incerteza sobre a quantia devida justifica apenas que se relegue para momento ulterior a sua quantificação (artº 516 do CPC). Esta solução parece decorrer da circunstância de, na determinação do quantum da obrigação, não se poder ficcionar o facto contrário àquele que devia ser provado como fundamento da decisão do tribunal[47]. Este pensamento transparece nitidamente na solução disposta na lei para o caso de, mesmo no incidente ulterior específico da liquidação, a prova produzida pelas partes se mostrar insuficiente para fixar a quantia devida: quando isso sucede, incumbe-se o juiz de a completar, mediante indagação oficiosa e, nomeadamente, através da produção de prova pericial (artº 380 nº 4 do CPC). Mesmo aqui, a persistência do non liquet sobre a quantidade da obrigação não dá lugar à intervenção da regra de julgamento representada pelo ónus da prova e ao consequente desfavorecimento da pretensão do lesado, antes se impõe ao tribunal o dever de ultrapassar a deficiência, mediante iniciativa própria. No caso sabe-se que a apelante suportou uma despesa com a compensação, ao seu funcionário, pela utilização por este da sua viatura; deve condenar-se o responsável na indemnização que se vier a liquidar. O recurso deve, pois, nestes termos proceder. Resta para dar cumprimento ao ingrato e insólito dever de sumariar o acórdão que a lei impõe ao juiz relator (artº 713 nº 7 do CPC)[48]. A retórica argumentativa do acórdão, de que se extrai a solução de improcedência do recurso, pode sintetizar-se nestas proposições: A excessiva onerosidade da indemnização específica não afasta nem limita o seu valor: apenas converte a obrigação de restauração natural em obrigação pecuniária; o parâmetro adequado de aferição da excessiva onerosidade é o do valor patrimonial do bem atingido pela lesão, no contexto do património do lesado, o do seu valor de uso e das utilidades que aquele extraía desse mesmo bem; frustrada, a composição, por via negociada, através dos parâmetros da proposta razoável, da controvérsia relativamente a obrigação de indemnização, no âmbito do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, e pedida, em juízo, a resolução do litígio, aqueles critérios, deixam de ser aplicáveis, passando a determinação da espécie e do quantum da indemnização a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam os princípios da reparação in natura e da reparação integral do dano; na ausência dos elementos necessários para determinar o objecto ou a quantidade da condenação, deve proferir-se uma condenação genérica, condenando-se o devedor no que se vier a liquidar. A apelada deverá suportar, porque sucumbe no recurso, as respectivas custas (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC). Na parte, porém, em que a liquidação do quantum da indemnização é relegado para momento ulterior, as custas serão suportadas, em partes iguais, provisoriamente, pela recorrente e pela recorrida. 4. Decisão. Pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso, revoga-se, correspondentemente, a sentença apelada e consequentemente, condena-se a recorrida, C……… SA, a pagar à recorrente, B……….. Lda.: a) A quantia de € 11 599,68€. b) A quantia que se vier a liquidar, relativa à despesa suportada com a recorrente com a compensação ao seu funcionário pela utilização por este da sua viatura, não excedente a 14 192,00€. Custas pela recorrida, no tocante à parte liquida da condenação, e pela recorrente e pela recorrida, em partes iguais, provisoriamente, relativamente à condenação genérica. 10.06.14 Henrique Ataíde Rosa Antunes Ana Lucinda Mendes Cabral Maria do Carmo Domingues _____________________ [1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24. [2] Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, págs. 138 e ss. Freitas do Amaral, Conceito e natureza do recurso hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss. Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação aproxima-se, numa situação específica, do modelo de recurso de reexame. Trata-se da possibilidade de a Relação determinar a renovação dos meios de prova produzidos na 1ª instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade (artº 712 nº 3 do CPC). Nesta hipótese, o tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida. [3] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62 e RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98. [4] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86. [5] Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. IV, pág. 468. [6] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271. [7] Ac. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150. [8] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221. [9] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274. [10] Ac. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt. [11] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt. [12] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45. [13] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43. [14] Ac. da RE de 09.06.94., BMJ nº 438, pág. 571. [15] Ac. da RC de 18.05.94, BMJ nº 437, pág. 598. [16] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª ed., 1974, reimpressão, Coimbra Editora, pág. 204. [17] Neste sentido, Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 330. [18] Note-se que esta conclusão vale mesmo para as declarações fiscais: estas apenas provam a declaração, do rendimento ou da despesa do sujeito passivo do imposto, mas mão que este tenha, efectivamente, auferido aquele rendimento ou suportado esta despesa. Cfr., Acs. da RC de 31.10.00 e 23.02.10, www.dgsi.pt. [19] Cfr. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 228 a 293. [20] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. 2º Vol., pág. 283. [21] Pereira Coelho, o nexo de causalidade na responsabilidade civil, Boletim da Faculdade de Direito, suplemento IX, Coimbra, 1951, pág. 107 e ss. Tratando-se de danos não patrimoniais, só são atendíveis os que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496 nº 1 do Código Civil). À luz desta exigência, a jurisprudência sustenta que não compensáveis dos danos não patrimoniais que se traduzam em meros incómodos. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 2.10.73, BMJ nº 230, pág. 107, de 26.6.91, BMJ nº 408, pág. 438 e de 10.11.03, CJ, STJ, I, III, pág. 132. [22] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., vol. I, pág. 862 e P. de Lima e A. Varela, CC Anot., vol. I, pág. 576 e Ac. do STJ de 05.06.08, www.dgsi.pt. [23] Cfr. a disposição paralela do artº 829 nº 2 CC. [24] Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Coimbra, 1955, pág. 274. [25] Pereira Coelho, Direito das Obrigações, pág. 174. [26] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, cit., pág. 401. [27] P. de Lima e A. Varela, cit., pág. 582. [28] Trata-se de jurisprudência e doutrina firmes. Acs. RL 21.12.73, BMJ 232/178, STJ 31.1.7 e 12.10.73 e 17.5.74, BMJ 229/172, 230/107 e 237/208 e V. Serra, RLJ ano 105, pág. 168. [29] Acs. do STJ de 22.06.05, 05.07.07 e 04.12.07, www.dgsi.pt. [30] Acs. da RC 08.07.96, CJ, IV, pág. 66 e da RL 04.06.98, CJ, III, pág. 123. [31] Antunes Varela, RLJ, Ano 120, pág. 150. {[32] Acs. do TC nºs 156/95, 745/96, 486/97 e 467/03, www.tc.pt. [33] João Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, págs. 99 e 100. [34] Ac. da RC de 11.03.08, www.dgsi.pt. [35] Ac. da RE de 23.06.80, CJ, V, II, pág. 96. [36] Na doutrina, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, António dos Santos Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 30 e ss., págs. 316 e 317, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2ª edição, vol. I, Almedina, Coimbra, págs. 316 e 317 e nota (657) e Júlio Gomes, RDE, nº 12, 1986, págs. 169 e ss. [37] Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, págs. 65 e ss. [38] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 1986, pág. 566. [39] Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11. [40] Ac. do STJ de 26.02.04, www.dgsi.pt. [41] Acs. do STJ de 05.07.07, da RL de 04.10.07 e 18.09.07 e da RC de 20.03.07 e 12.02.08 www.dgsi.pt. [42] Acs. do STJ de 22.06.05, 12.01.06 e 04.10.07, da RL de 22.06.06 e da RC de 13.03.07. [43] Ac. do STJ de 29.11.95, CJ, STJ, XIII, III, pág. 151. [44] Os acórdãos da RC de 12.02.08 e de 20.03.07 e da RL de 18.09.07 – www.dgsi.pt - computaram este dano, por recurso a juízos de equidade, em € 30.00 e € 20.00 diários, respectivamente; o Ac. do STJ de 05.07.07 – www.dgsi.pt – ponderando que valor do dano não podia, no caso, ser reportado ao valor diário do aluguer de um veículo automóvel, por o lesado não ter provado que utilizava diariamente o veículo nas suas deslocações nem que reclamara da seguradora a disponibilização de veículo alternativo e, perante a inércia desta, que teve de alugar veículos alternativos, confirmou o acórdão da Relação de Guimarães que fixara em € 10.00 diários o valor do dano da privação do uso. [45] De harmonia com o artº 21 nº 3 do DL nº 38/03, de 8 de Março, o novo regime da condenação genérica aplica-se às sentenças proferidas em processo pendentes em 15 de Setembro de 2003. Portanto, o regime anterior só é aplicável às sentenças proferidas antes daquela data. [46] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, Almedina Coimbra, 1986, págs. 869 e 870 e nota (1) e Vaz Serra, RLJ, Ano 113, pág. 322. [47] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 110. [48] Cfr. para um apreciação crítica – fundada – desta solução da lei, Lopes do Rego, A Reforma dos Recursos em Processo Civil, in As Exigências do Processo Civil, Associação Jurídica do Porto, pág. 248 e António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 300 e 301. De resto, esta exigência pode revelar-se uma fonte de embaraços, como sucederá, por exemplo, no caso de haver contradição entre o sumário e o conteúdo do acórdão. Regra geral, a solução do problema não oferece dificuldades, mas poderá mostrar-se espinhosa, tratando-se de acórdão de uniformização de jurisprudência, tirado no recurso ordinário ampliado de revista ou no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, dado o seu carácter de recurso de normativo (artºs 732-A, 732-B nº 5 e 770 nº 1 do CPC). Problema de solução difícil é também o saber se o relator se encontra adstrito do dever se sumariar no caso de julgar sumariamente o recurso e no julgamento da reclamação contra o despacho de indeferimento de interposição do recurso.
Proc. nº 2247/08.2TBMTS.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório. B……….. Lda. apelou da sentença do Sra. Juíza de Direito do 6º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos que, julgando parcialmente procedente a acção declarativa de condenação, com processo comum, sumário pelo valor, que propôs contra C……… SPA, condenou a esta a pagar-lhe a quantia de 9 275,34€. A recorrente pede, no recurso, a revogação da sentença impugnada e a sua substituição por outra que condene a recorrida a pagar-lhe a quantia de 35 134,91€, respeitante à despesa que pagou ao seu funcionário a título de custo dos km percorridos, ao preço de 00,37€/km, desde Setembro de 2007 a Maio de 2009, ou em alternativa, a pagar-lhe a quantia 16 369,43€, correspondente ao valor que liquidou ao seu funcionário, desde Setembro de 2007, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença, ou, alternativamente, a pagar-lhe a quantia de 14 192,00€, respeitante ao custo/km percorridos por aquele funcionário e que liquidou a este, respeitante ao lapso temporal de Setembro de 2007, até à entrada da acção, remetendo as partes no restante dano, para execução de sentença. Ordenada pelo propósito de mostrar a falta de bondade da decisão recorrida, a apelante extraiu da sua alegação estas conclusões: 1. As respostas aos quesitos 5º, 6º 7º e 8º e a resposta considerada como provada na sentença final nas al.s N), O) e T), não têm sustentação na prova testemunhal, nem no teor dos docts junto aos autos -nomeadamente no doc. 9 (com 45 fls.) junto aos autos com a PI da A., com os Docs. juntos pela A. no seu requerimento de Prova e nos três documentos juntos aos autos em 06/01/2009 e ainda com os docts de fls. 99 e 100, respectivamente Docs 3 e 4 juntos pela Ré na Contestação. 2. A decisão de matéria de facto quanto aos quesitos referidos, deve ser alterada no sentido de uma resposta positiva e tendo em conta os depoimentos das testemunhas arroladas pela A., conjugados com os Docts citados em 1. 3. O que o A: não aceitou foi que no tocante à danificação da viatura - e conforme refere na sentença em recurso a Ré invocando que o valor da reparação era superior ao valor venal da mesma, e pretendeu indemnizar a A. com base na Perda Total do veículo sinistrado partindo do orçamento por ela elaborado e sem que o veículo fosse desmontado, como omitiu o teor da afirmação da Ré na carta de 14/08/2007 enviada à A., (junta aos autos como doc 7 com seu requerimento de prova e que refere entre outras coisas no 2º parágrafo e no tocante à viatura sinistrada, que “ a reconstituição natural não é possível”. E a sentença tem que considerar que foi este pressuposto, que enfermou desde inicio a consideração de “perda total”. 4. A lei defende o princípio da Reconstituição Natural (art. 562 do CC) podendo a indemnização ser fixada em dinheiro sempre que tal reconstituição seja excessivamente onerosa à devora (aqui Ré) – pelo que foi violado na sentença recorrida tal preceito legal. 5. A Jurisprudência do Tribunal Superior em geral impõe um critério apertado quanto ao entendimento da demonstração da excessiva onerosidade da reparação (reconstituição natural) exigindo-se a exigência da manifesta desproporção entre o custo da reparação e o valor venal atribuído à viatura. 6. A Ré não fez demonstração de tal desproporção até porque não a poderia fazer uma vez que se veio a provar e constatar na sentença final, que o valor venal da viatura sinistrada era pelo menos de 12.000,00€, atingindo o custo da reparação da mesma viatura sinistrada o valor de 11.557,33€. 7. Pelo que o valor da reparação era inferior ao valor venal da viatura. 8. E mesmo que ao valor venal seja deduzido o valor do salvado, não se verifica in casu, a excessiva onerosidade para a devedora aqui Ré. 9. A contrario, optando-se (como pretendeu a Ré) pela perda total, jamais a A. poderá recolocar a sua situação patrimonial (respeitante à sua viatura) na situação anterior ao acidente: o valor recebido não dá para liquidar o valor residual de leasing (vide doct. 1 junto com o seu requerimento de prova), teria que adquirir uma nova viatura que com as mesmas características custava ao tempo 17.980,00€ - doc. 3 junto pela A. com o seu requerimento de prova. 10. A sentença recorrida, deveria ter condenado a Ré a liquidar) neste âmbito da reparação da viatura sinistrada,) à A. o valor de 11.557,33€ a título de reparação dos danos da viatura sinistrada (reconstituição natural) ex vi artº 562 do CC e jurisprudência unânime do Tribunal Superior. 11. Quanto ao dano de substituição da viatura sinistrada deve ser considerada provada a existência do dano. 12. Em consequência deve ser condenada a Ré a indemnizar a A. e neste âmbito (substituição de viatura) o montante de 35.134,91€ respeitante a despesa paga pela A. ao seu funcionário a título de custo dos km percorridos ao preço de 37 cêntimos/km, desde Setembro de 2007 a Maio de 2009. Caso assim se não entenda, o que não se concede, em alternativa, Deve ser a Ré condenada – no âmbito do dano de substituição da viatura, a liquidar a quantia de 16.369,43€ correspondente ao valor liquidado pela A. ao seu funcionário desde Setembro de 2007 a Outubro de 2008, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença. Ou caso ainda assim se não entenda, o que não se concede e alternativamente, Deve sempre condenar-se a Ré a liquidar à A. a quantia de 14.192,00€ respeitante ao custo/km percorridos pelo funcionário e liquidados a este pela A. respeitante ao lapso temporal de Setembro 07 até à entrada da acção, remetendo as partes no restante dano, para execução de sentença. Na resposta a recorrida concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso. 2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso. 2.1. Foram seleccionados para a base instrutória, entre outros, os enunciados de facto seguintes: 5º A autora pediu tal peritagem porque a ré omitiu a avaliação e cálculo do valor venal da viatura sinistrada, apesar de este lhe ter sido solicitado pela autora? 6º Mais omitindo a ré os valores de valorização da viatura sinistrada respeitantes aos extras que essa viatura detinha, extras esses que se avaliam no mínimo em 1 204,00€? 7º Desde a altura do embate até à data da propositura da acção a autora teve necessidade de requerer ao seu funcionário D………. que utilizasse na sua actividade profissional do dia-a-dia a sua viatura particular, comprometendo-se a liquidar ao quilómetro essa despesa? 8º Desde 10 de Setembro de 2007 até 29 de Setembro de 2008, a autora liquidou ao referido funcionário a quantia global de 14 192,00€, conforme relatório semanal de quilometragem percorrida? 2.2. O Tribunal da audiência decidiu os pontos de facto referidos em 2.1., nestes exactos termos: Quesito 5º: não provado; Quesito 6º: provado que para o cálculo do valor venal da viatura, à data do embate, a ré não contabilizou os extras que a mesma tinha no valor de € 1 204; Quesitos 7º e 8º: provado apenas que a autora pediu ao seu funcionário D………….. que utilizasse a sua viatura particular na sua actividade profissional do dia-a-dia, a partir da altura do embate, comprometendo-se a compensá-lo de tal despesa, o que veio a fazer, num montante não concretamente apurado. 2.3. O Tribunal da audiência motivou o julgamento referido em 2.2., nestes precisos termos. A convicção para as aludidas respostas de conteúdo positivo, restritivo e negativo formou-se com base na análise crítica de toda a prova produzida, à luz das regras retiradas da experiência comum e da lógica e em especial: A obtida pelo quesito 1°, imediatamente, do teor do documento de fls. 11 e 12, o qual se refere à questionada orçamentação, e sua autoria, dos estragos causados na viatura. A obtida pelo quesitos 2°, 3°, 6° e 10°, dos depoimentos de E………. - técnico de vendas que, nessa qualidade, vendeu a viatura em questão -, de F……… - mediador de seguros que interveio no seguro da dita viatura -, os quais, tendo em conta o estado e características do veículo, confirmaram o valor a que alude a resposta, e, essencialmente, de G…………., subscritor do parecer técnico de fls. 25-29, do qual, na sequência do respectivo desenvolvimento e concretização, depois de precisado o inicial alcance desse parecer, acabou por resultar com segurança o teor de tal resposta. O depoimento de H………, funcionário da ré, foi proeminente, especificamente, quanto ao facto contemplado na resposta ao quesito 6° por ter confirmado, expressamente, que a ré não atendeu ao valor dos extras da viatura. A obtida pelo quesito 4° resulta, imediatamente, do teor do documento de fls. 34. A convicção atinente à resposta obtida pelos quesitos 7° e 8° baseou-se no teor dos depoimentos entre si conjugados do próprio D………, o funcionário da autora, referenciado na resposta, e I…….., que presta serviços de contabilista para a mesma autora, aos quais foi conferida credibilidade apenas quanto aos factos consistentes na utilização da viatura particular daquele D……… na sua actividade ao serviço da autora e no compromisso desta de o compensar da correspondente despesa. Com efeito, tais depoimentos foram inconsistentes e desconformes às regras da experiência comum e da lógica quanto à concretização desse compromisso e montante efectivamente pago pela autora, desde logo, porque não foi exibido qualquer suporte contabilístico dessa alegada despesa, depois, porque tal montante sempre seria claramente desproporcionado para um trabalhador que auferia apenas o parco salário mínimo nacional - como, concomitantemente, foi afirmado pelas mesmas testemunhas - e, por fim, porque o dito D……… começou por afirmar que exercia as suas funções no armazém, onde preparava as encomendas para serem entregues aos clientes, num segundo momento, disse que saía em serviço alguns dias e acabou a pretender verbalizar que, afinal, saía em serviço todos os dias. Do teor do documento de fls. 96 e 97 resulta o oposto da realidade que era afirmada no quesito 5° e não foi desenvolvido qualquer meio de prova que confirmasse a alegação que constava do quesito 9° e daí as respostas negativas obtidas pelos mesmos. 2.4. O Tribunal de que provém o recurso julgou provada, no seu conjunto, a factualidade seguinte: A) A autora é dona do veículo automóvel marca Opel Combo, com a matrícula ..-BT-.. . B) Por contrato de seguro titulado pela apólice 908410000476000, a ré assumiu a responsabilidade pelos danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo automóvel marca Peugeot matrícula ..-..-ZU, pertencente a Multirent –J…………, SA. C) No dia 6/08/07 pelas 11.45 horas, K………., condutor da viatura com a matrícula ..-BT-.., encontrava-se parado numa fila de trânsito dentro do veículo da sua empresa aqui autora, em Matosinhos. D) Em plena Auto-Estrada A28 concretamente, em cima da ponte de Leça em Matosinhos, circulando na direcção Viana - Porto, ou seja, sentido Norte-Sul, no interesse da empresa aqui autora. E) Inserido numa fila de trânsito que, naquele momento, devido à intensidade do tráfego se encontrava parada. F) O veículo de matrícula ..-BT-.. encontrando-se parado numa das filas de trânsito da A28, foi embatido na sua traseira pelo veículo de matrícula ..-..-ZU, sendo em consequência projectado contra um terceiro veículo, parado à sua frente, embatendo-o e consequentemente provocando-lhe danos, bem como na parte frontal da sua viatura. G) O embate ocorreu assim porque o condutor do veículo de matrícula ..-..-ZU não conseguiu parar e imobilizar a sua viatura no espaço livre da via visível à sua frente, provocando o choque em cadeia. H) A ré reconheceu a total responsabilidade do seu segurado – veículo de matrícula ..-..-ZU – na produção do acidente. I) Pelo facto de a viatura da autora (matrícula ..-BT-.) ter sido embatida por trás e projectada para a frente (o que a levou a embater na viatura que estava à sua frente também parada), ficou com danos visíveis em toda a parte traseira e na parte frontal. J) Pela ré foi orçamentado, sem que o veículo fosse desmontado, para o conserto dos danos frontais o valor global de € 981.06 (IVA incluído), e para o conserto dos danos sofridos na parte de trás o valor global de € 7.897,27. L) Conforme referido no orçamento emitido pelo NAP - Gabinete Técnica de Reg. e Averiguação de Pintura de Automóveis a viatura da autora era tecnicamente reparável (doc. 4). M) A ré pretendeu indemnizar pela perda total, conforme carta enviada à autora, entregando-lhe o salvado pelo valor de € 2.767,00 e indemnizando-a, em dinheiro, no valor global de € 7.186,00 (doc. de fls. 32). N) A ré enviou à autora, datado de 14/08/2007, o fax junto a fls. 99, relativamente ao assunto “Viatura de Substituição”. O) E no dia 4 de Setembro de 2007, propôs-se assumir a “a responsabilidade …e a viatura de substituição”, nos termos da carta de fls. 100, o que a autora não aceitou. P) Os danos supra referidos em J) foram agora orçamentados pela garagem Stand L………., (onde a viatura se encontra desde a altura do sinistro), a pedido da autora, pelo valor global de € 11.557,33 (sendo € 10 385,09 de danos na traseira e € 1 722,24 de danos frontais). Q) À data do embate, o valor venal da viatura era de € 12.000, tendo em conta as características, os extras e o estado de conservação que a mesma tinha. R) Para o cálculo do valor venal da viatura, à data do embate, a ré não contabilizou os extras que a mesma tinha, com o valor de € 1.204. S) A autora pagou pelo parecer pedido à empresa de Peritagem Autónoma M………. a quantia de € 42,35. T) A autora pediu ao seu funcionário D………. que utilizasse na sua actividade profissional do dia-a-dia a sua viatura particular, a partir da altura do embate, comprometendo-se a compensá-lo de tal despesa, o que veio a fazer, num montante não concretamente apurado. U) A autora recebeu o preço de € 2.767 como contrapartida da venda do salvado da viatura sinistrada (cf. venda a dinheiro de fls. 288). 3. Fundamentos. 3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso. Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC). Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1]. Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida. No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2]. No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados em 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – pode afirmar-se que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente reapreciar o pedido formulado na instância imediatamente anterior (artº 272 do CPC). Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3]. Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4]. Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância. A função do recurso ordinário é a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. Assim, por exemplo, se na instância recorrida se reivindica não é lícito pedir, na instância de recurso, que se demarque. Do mesmo modo, se na 1ª instância se pede o reconhecimento da titularidade do real de propriedade não é admissível pedir, mesmo que só subsidiariamente, na segunda, que se reconheça a titularidade de um direito real menor ou limitado de servidão de passagem. A recorrente pediu na petição inicial, apresentada na secretaria judicial no dia 26 de Março de 2008, a condenação da recorrida, a pagar-lhe a quantia de 27 333,03€, correspondente ao valor venal da viatura sinistrada à data do acidente (13 300,00€ deduzido de 2 767,00€ do salvado = 10 533,00€), mais 14 192, 00€ respeitantes aos valores do Km pagos pelo Réu ao seu funcionário atento o facto de não ter podido usufruir da viatura (…) ou, em alternativa, a pagar-lhe a quantia de 28 357,38€, correspondente ao valor do conserto da viatura – 11 557,35€ - mais 14 192,00€ pagos pela Ré ao seu funcionário, atendo o facto de não ter podido usufruir da sua viatura. Abstraindo do ostensivo erro de escrita no tocante à entidade que pagou ao funcionário da autora, exacto é que a recorrente pediu, na petição inicial, a condenação da recorrida a pagar-lhe, a esse título, a quantia de 14 192,00€. Todavia, no recurso, a recorrente modificou, para mais essa pretensão, pedindo a esta Relação que condene a recorrida a pagar-lhe, por aquele motivo, a quantia de 35 134,91€, respeitante à despesa paga pela A., ao seu funcionário, a título de custo dos km percorridos ao preço de 37 cêntimos/km, desde Setembro de 2007 a Maio de 2009, ou em alternativa, no âmbito do dano da substituição da viatura, a liquidar a quantia de 16 369,43€, correspondente ao valor liquidado pela A. ao seu funcionário desde Setembro de 2007 a Outubro de 2008, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença, ou em alternativa, a quantia de 14 192,00€, respeitante ao custo/km percorridos pelo funcionário e liquidados a este pela A. respeitante ao lapso temporal de Setembro 07 até à entrada da acção, remetendo as partes no restante dano para execução de sentença. Portanto, a recorrente modificou, no recurso, um dos elementos objectivos da instância: o pedido. Mas vale a pena perder uma palavra para explicar que tal ampliação do pedido é, de todo, inadmissível e, portanto, esta Relação não pode ser chamada a pronunciar-se sobre tal modificação. O único pedido que este Tribunal reapreciará é aquele que foi formulado na 1ª instância: o pagamento, para ressarcir o dano apontado, da quantia de 14 192,00€ – e desta quantia em singelo dado que, por razões que a recorrente melhor conhecerá, nem sequer foi deduzido o pedido de condenação na obrigação acessória de juros moratórios. E mesmo que quanto a este dano se deva remeter a liquidação do seu quantum para momento ulterior - e não para execução de sentença – aquele será o valor máximo do dano liquidável. De tudo isto pode retirar-se, quando ao problema da delimitação objectiva do âmbito do recurso, que este tem por único objecto o error in iudicando da matéria de facto alegada e, correspondentemente, que a questão concreta controversa que o acórdão deve resolver consiste em saber se a decisão da matéria de facto deve ou não ser modificada - por o tribunal da audiência ter incorrido, por erro na apreciação da prova, num erro de julgamento - e se, face a essa modificação, deve revogar-se a sentença apelada e condenar-se a recorrida a pagar à recorrente as quantias de 11 557,33€, correspondente ao dano de reparação da sua viatura automóvel e de 14 192,00€, relativa à despesa suportada pela recorrente com o pagamento ao seu funcionário dos km percorridos pelo último com a sua viatura. A resolução deste problema exige naturalmente, naturalmente, a aferição dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei reconhece à Relação, a ponderação dos fundamentos finais da responsabilidade civil e, finalmente, os parâmetros de determinação da indemnização do dano patrimonial. 3.2. Poderes de controlo da Relação sobre a decisão da 1ª instância relativa à matéria de facto. Durante largos anos prevaleceu entre nós uma errónea parificação entre a oralidade e proibição do registo do acto levado a cabo oralmente. O equívoco é manifesto: mesmo quando os actos de produção de prova pessoal são objecto de registo, o juiz a quo não deixa de os receber oralmente e é nessa base que os valora, sendo o seu registo mera formalidade complementar. Oralidade não é, portanto, sinónimo de exclusão de registo, no sentido de proibição de todos os actos que tenham lugar oralmente fiquem registos, a servir, por exemplo, fins de controlo de assunção da prova, maxime em matéria de recursos. Isto foi esquecido pelo legislador do nosso CPC de 1939, ao tomar o princípio da oralidade como base justificativa da impossibilidade de se fazer registo da prova prestada em julgamento[5]. A combinação desta circunstância com o facto de, por um lado, o sistema de recursos ser o da escrita, com absoluta exclusão da oralidade, e, por outro, haver tribunais de recurso – por exemplo, a Relação – que conhecem também da questão de facto, tornava o sistema absurdo, por dar como uma mão – possibilidade de recurso da decisão da matéria de facto – aquilo que tirava com a outra – proibição de registo da produção oral da prova. A Relação é normalmente um tribunal de 2ª instância. Pela sua própria índole, a Relação tem competência para apreciar e conhecer tanto de questões de direito como de questões de facto. O recurso de apelação é precisamente aquele que, segundo a sua natureza de recurso amplo, deveria ter eficácia e alcance para submeter à consideração da Relação toda a matéria da causa. Todavia a verdade é que, até há relativamente pouco tempo, o recurso que se interpusesse da sentença final da causa, incidia, em regra, unicamente sobre questões de direito, funcionando, por isso, a Relação também como tribunal de revista (artº 712 do CPC de 1939). Absurdo ou não o sistema foi com ele que viveu, durante décadas, o direito processual português. A atribuição ao recurso de apelação da natureza de recurso verdadeiramente global e, correspondentemente, a possibilidade de a Relação conhecer da matéria de facto, pressupõe que a esse Tribunal são garantidas, pelo menos, as mesmas condições que são asseguradas ao tribunal recorrido. O sistema actual de recursos procurou conciliar as garantias da oralidade e da imediação – que contribuem decisivamente para o bom julgamento da causa, em especial, no que se refere à apreciação da matéria de facto – com algumas exigências práticas. Estas exigências conduzem, por exemplo, a que o controlo sobre um decisão relativa ao julgamento de um facto supostamente provado pelo depoimento de uma testemunha, não requeira a presença dessa testemunha perante o tribunal ad quem. É suficiente, na lógica da lei, que seja disponibilizado a este tribunal o registo ou a gravação desse depoimento (artº 690-A nºs 1 b) e 2 e 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC). O registo dos actos de produção da prova é feito por gravação, em regra, por meios sonoros (artºs 522-B e 522 C) nºs 1 e 2 do CPC). Essa gravação é efectuada, também em regra, por equipamentos existentes no tribunal e por funcionário de justiça (artºs 3 nº 1 e 4 do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro). O controlo efectuado pela Relação sobre o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal da 1ª instância, pode, entre outras finalidades, visar a reponderação da decisão proferida. A Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar – e, portanto, substituir - a decisão da 1ª instância se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto da matéria em causa ou se, tendo havido registo da prova pessoal, essa decisão tiver sido impugnada pelo recorrente ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712 nºs 1 a) e b) e 2 do CPC). Note-se, porém, que não se trata de julgar ex-novo a matéria de facto - mas de reponderar ou reapreciar o julgamento que dela foi feito na 1ª instância e, portanto, de aferir se aquela instância não cometeu, nessa decisão, um error in judicando[6]. Mas para que a Relação altere e, portanto, substitua, a decisão da matéria de facto da 1ª instância não é suficiente um qualquer erro. Este erro há-de ser manifesto, ostensivamente contrário às regras da ciência, da lógica e da experiência, que aponte, decisiva e inequivocamente, para, o julgamento do facto, um sentido diverso daquele que lhe imprimiu o decisor da 1ª instância - e não, simplesmente, que se limite a sugerir ou a tornar provável ou possível esse outro sentido[7]. Nem, aliás, é difícil explicar a exactidão de um tal entendimento dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto que a lei adjectiva actual reconhece à Relação. De um aspecto, porque esse controlo e a reponderação correspondente da matéria de facto é efectuado, em regra, a partir da reprodução de registos sonoros, rectior, gravações áudio, de depoimentos, ou da leitura fria e inexpressiva da sua transcrição. Ora, é irrecusável que depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode alguma vez ser medido pelo tom em que foram proferidos; a palavra é simultaneamente um meio de exprimir conteúdos de pensamento e de os ocultar; todas as formas de comunicação não verbal do depoente influem, quase tanto como a sua expressão oral, na força persuasiva do seu depoimento[8]. Existem aspectos e reacções dos depoentes que apenas podem ser apreendidos e apreciados por quem os constata presencialmente e que a gravação sonora, e muito menos a transcrição, não tem a virtualidade de registar e que, por isso, são irremissivelmente subtraídos à apreciação do último tribunal relativamente ao qual ainda seja lícito conhecer da questão correspondente[9]. Tratando-se de prova pessoal, rectius, testemunhal, o registo – sonoro ou escrito - comporta o risco de tornar formalmente equivalentes declarações substancialmente diferentes, de desvalorizar depoimentos só aparentemente imprecisos e de atribuir força persuasiva a outros que só na superfície dela dispõem. A decisão da matéria de facto, respeita, por definição, à averiguação de factos – i.e., a ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, a qualquer mudança do mundo exterior, ao estado, qualidade ou situação real das pessoas e coisas[10] – e o resultado dessa actividade pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Todavia, essa actividade não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção, não é uma operação pura e simplesmente lógico-dedutiva – mas uma formação lógico-intuitiva. A dificuldades que daqui decorrem para o controlo dessa actividade são meramente consequenciais. Por último, convém ter presente que o controlo da matéria de facto tem por objecto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada num audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa percepção própria do material que lhe serve de base (artºs 652 nº 3 e 655 nº 1 do CPC)[11]. Decerto que liberdade de apreciação da prova não é sinónimo de arbitrariedade ou discricionariedade e, portanto, que essa apreciação há-de ser reconduzível a critérios objectivos: a livre convicção do juiz, embora seja uma convicção pessoal, não deve ser uma convicção puramente voluntarista, subjectiva ou emocional – mas antes uma convicção formada para além de toda a dúvida tida por razoável e, portanto, capaz de se impor aos outros. Mas não deve desvalorizar-se a circunstância de essa convicção sobre a realidade ou a não veracidade do facto provir do tribunal mais bem colocado para decidir a questão correspondente. O procedimento desenvolvido para estabelecer os factos sobre os quais o tribunal deve construir a sua decisão não é puramente cognitivo, o que explica a inevitável relatividade da certeza histórica de um facto que a prova disponibiliza. Contudo, esse procedimento, na medida em que assenta num esquema lógico, permite estabelecer uma regra de valoração da prova que se analisa nas proposições seguintes: a valoração da prova é uma operação mental que resolve num silogismo em que a premissa menor é a fonte ou o meio de prova – o depoimento, o documento, etc. - a premissa menor é uma máxima de experiência e a conclusão é a afirmação da existência ou a inexistência do facto que se pretendia provar; as regras de experiência são juízos hipotéticos, de conteúdo geral, desligados dos factos concretos objecto do processo, procedentes da experiência mas independentes dos casos particulares de cuja observação foram deduzidos e que, para além desses casos, pretendem ter validade para casos novos. Deste ponto de vista, a única diferença entre um sistema de prova livre e um sistema de prova legal, consiste no facto de na última, a máxima de experiência, que constitui a premissa menor do silogismo, ser estabelecida ou objectivada pelo legislador, ao passo que, no primeiro, se deixa ao juiz a determinação da máxima de experiência que deve aplicar no caso. Em ambos os casos, o método de valoração da prova não deve ser contrário à lógica, devendo antes ser actuado de harmonia com um critério de normalidade jurídica, derivado do id quod plerumque accidit, daquilo que normalmente sucede[12]. Nestas condições, a apreciação da prova vincula a um conceito de probabilidade lógica – de evidence and inference. Os elementos de prova são assumidos como premissas a partir das quais é possível extrair inferências; as inferências seguem modelos lógicos; as diversas situações podem ser analisadas de acordo com padrões lógicos que representam os aspectos típicos de cada caso; a conclusão acerca de um facto é logicamente provável, como uma função dos elementos lógicos, baseada nos meios de prova disponíveis[13]. O juiz deve decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis – a realidade ou a inveracidade de um facto – tem menor probabilidade de não ser a correcta. Por último, deve ter-se presente que de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa[14]. Se o facto ou factos cujo julgamento – ou falta dele - é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição ou, no caso de deficiência, com o suprimento da decisão daquela instância, a solução e o enquadramento jurídicos do objecto da causa permanecerem inalterados, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação. 3.2.1. Reponderação da decisão relativa à matéria de facto da 1ª instância. Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação do tribunal, no sentido já apontado. É o caso da prova testemunhal e da prova por inspecção judicial (artºs 396 e 391 do Código Civil). Essa apreciação baseia-se – já se notou – na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, quer dizer, em regras de ciência e de raciocínio e em máximas de experiência (artº 655 nº 1 do CPC). Neste contexto, nada impede, por exemplo, que a convicção do juiz se funde no depoimento de uma única testemunha[15]. Constitui património comum dos operadores judiciários a extraordinária cautela com que deve ser manejada a prova testemunhal, dado o perigo da sua infidelidade, seja ela involuntária – v.g., por erro de percepção ou de retenção do facto – ou voluntária – por vício de parcialidade. Dadas todas as possíveis causas de erro que actuam sobre a prova testemunhal, é natural um atitude de desconfiança e desânimo por parte de quem se vê forçado a decidir sobre a base de semelhante prova e uma atitude de desconforto por banda de quem tem de controlar uma decisão assente numa prova a que se associa uma tão larga falibilidade. O desencanto é tanto mais lamentável quanto é certo que na prática dos tribunais a prova por testemunhas vem à cabeça de todas as outras, é a prova de uso mais frequente porque é, na maioria dos casos, a única que se pode produzir. Considerada a enorme variedade de causas que podem dar lugar a que a testemunha não possa ou não queria dizer a verdade, deve usar-se de grande cautela em relação a esta prova e só a sua valoração sob o signo estrito da oralidade e da imediação permite estabelecer, adequadamente, o efeito persuasivo que, em cada caso, lhe deve ser assinalado. De resto, aquele princípio e este seu corolário são comprovadamente adequados a extirpar um dos maiores males da prova testemunhal: a mentira. Como já se reparou, o resultado da actividade de julgamento da matéria de facto pode exprimir-se numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa. Contudo, essa verdade não é uma verdade absoluta ou ontológica, sendo antes uma verdade judicial, jurídico-prática. No julgamento da matéria de facto não se visa o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, tanto mais que intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes possíveis de erro, quer porque se trata de conhecimento de factos situados no passado, quer porque assenta, as mais das vezes, em meios de prova que, pela sua natureza, se revelam particularmente falíveis. Está nestas condições, notoriamente, a prova testemunhal[16]. A prova de um facto não visa, pois, obter a certeza absoluta, irremovível, da verificação desse facto. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas, para convencer o decisor, conhecer das realidades do mundo e das regras de experiência que nele se colhem, da verificação da realidade do facto[17]. O juiz deve, portanto, decidir segundo um critério de minimização do erro, i.e., segundo a ponderação de qual das decisões possíveis tem menor probabilidade de não ser a correcta. As provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma certeza absoluta acerca do facto a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida. Nestas condições, uma prova, considerada de per se ou criticamente conjugada com outras, é suficiente para demonstrar a realidade – não ontológica mas jurídico-prática – de um facto quando, em face dela seja de considerar altamente provável a sua veracidade ou, ao menos, quando essa realidade seja mais provável que a ausência dela. O primeiro error in iudicando da matéria de facto de que a recorrente se queixa diz respeito ao enunciado de facto incluso na base da prova sob o nº 5, no qual se perguntava se perguntava se a recorrente tinha pedido a peritagem ao – então - seu veículo porque a recorrida, apesar de solicitada, tinha omitido, a avaliação e o cálculo do valor venal dele. Este quesito estava directamente vinculado ao anterior que tinha por objecto o custo dessa peritagem. A sentença apelada – depois de larga reflexão sobre o problema do nexo de causalidade – concluiu que a recorrente tinha o direito de ser ressarcida desse dano e, em estrita coerência, condenou a recorrida no pagamento do valor correspondente – embora, por nítido descuido, não tenha atentado que o valor provado desse dano era de 42,35€ e não de 42,34€, erro que, por último, se repercutiu no valor da condenação. Seja como for, desde que sentença apelada vinculou a ré a reparar aquele dano, não há qualquer utilidade em reponderar o julgamento do ponto de facto inserto na base instrutória sob o nº 5, dado que fosse qual fosse a resposta que lhe devesse ser dada, ela em nada concorreria para o julgamento do recurso. De resto, a falta de realidade desse facto – como, aliás, foi prontamente observado pelo tribunal da audiência – é desmentida pelo conteúdo dos documentos inclusos a fls. 96 e 97 – que corporizam a proposta de indemnização dirigida pela recorrida à recorrente - que inculcam que a última procedeu, bem ou mal, à avaliação do valor venal do veículo sinistrado. Também não é patente o motivo pelo qual a recorrente impugna o julgamento do ponto de facto contido no ponto 6º da base instrutória, em que se perguntava se a recorrida omitiu os valores de valorização da viatura sinistrada respeitantes aos extras que essa viatura detinha, extras esses que se avaliam no mínimo em € 1 204,00€. Segundo a recorrente este enunciado de facto deve declarar-se provado. Mas foi essa justamente a resposta que o tribunal da audiência lhe deu ao julgar demonstrado que para o cálculo do valor venal da viatura, à data do embate, a ré não contabilizou os extras que a mesma tinha, com o valor de € 1 204. A recorrente discorda também do julgamento dos pontos de facto identificados na sentença pelas letras N) e O) com o seguinte conteúdo: N) A ré enviou à autora, datado de 14/08/2007, o fax junto a fls. 99, relativamente ao assunto “Viatura de Substituição”; 0) E no dia 4 de Setembro de 2007, propôs-se assumir a “a responsabilidade …e a viatura de substituição”, nos termos da carta de fls. 100, o que a autora não aceitou. Quanto a estes pontos de facto, o erro de julgamento não resulta decerto de erro na valoração ou apreciação da prova. É que tais factos não foram submetidos à instrução – e, correspondentemente, a julgamento - dado que foram, logo no despacho que procedeu à selecção da matéria de facto, considerados assentes, e, como tal não controvertidos e carecidos de prova. Como linearmente decorre da sua redacção, o conteúdo daqueles alíneas da matéria de facto só é apreensível através da leitura dos documentos para os quais remetem. É verdade que isso não corresponde à melhor técnica de selecção da matéria de facto nem de especificação, na sentença final, dos fundamentos de facto relevantes. Abstraindo desta imperfeição técnica, a verdade é que a sentença final poderá, porventura, ter-se equivocado quanto ao sentido ou á relevância de tais factos. Mas o que não pode, em boa e sã doutrina, sustentar-se é que eles, no momento crucial e espinhoso, da decisão da questão de facto, tenham sido erroneamente julgados. Nestas condições, o ponto vivo da impugnação da matéria de facto tem por objecto os enunciados dessa natureza, contidos pontos 7º e 8º da base instrutória e parcialmente insertos na al. T) da motivação de facto da sentença recorrida. Quesitava-se, nesses pontos, se desde a altura do embate até à data da propositura da acção a autora teve necessidade de requerer ao seu funcionário D………. que utilizasse na sua actividade profissional do dia-a-dia a sua viatura particular, comprometendo-se a liquidar ao quilómetro essa despesa e se desde 10 de Setembro de 2007 até 29 de Setembro de 2008, a autora liquidou ao referido funcionário a quantia global de 14 192,00€, conforme relatório semanal de quilometragem percorrida. O tribunal da audiência deu-lhes esta resposta conjunta: provado apenas que a autora pediu ao seu funcionário D………. que utilizasse a sua viatura particular na sua actividade profissional do dia-a-dia, a partir da altura do embate, comprometendo-se a compensá-lo de tal despesa, o que veio a fazer, num montante não concretamente apurado. Em face desta resposta, torna-se patente o desacerto da sentença impugnada quando declara que, no tocante à quantia de € 14 192, alegadamente paga ao seu funcionário para suprir a falta da viatura entre 10/09/07 e 29/02/2008, desde logo autora não demonstrou ter sofrido o invocado dano. Nada de menos exacto. Em face daquela resposta a única coisa que deve ter-se por não demonstrado é o valor preciso da despesa suportada pela recorrente para compensar o seu funcionário pelo uso da viatura particular na prossecução da sua actividade social da recorrente. Uma leitura, ainda que meramente oblíqua daquela resposta, mostra que o facto relativo á realização dessa despesa, esse, deve ter-se, irrefragavelmente, por provado. Nestas condições, o erro de julgamento da matéria de facto que importa, eventualmente, suprir, a decisão dessa matéria que deve ser reponderada é, portanto, a relativa ao valor daquela despesa. E que provas tornam evidente, segundo a recorrente, aquele erro? Duas: a prova documental, representada pelas declarações das despesas com deslocações da autoria – parece – do funcionário da recorrente – D…….., dos extractos da conta de conferência do POC, relativos aos dias 30.09.07 a 31.14.07 (?) e da declaração fiscal de IRC relativa ao exercício de 2007; a prova testemunhal, traduzida nos depoimentos daquele e de I…………, prestador de serviços de contabilidade à recorrente. Os documentos têm uma característica comum: são todos particulares e alguns deles nem sequer são da autoria de qualquer das partes – mas de terceiro. Os documentos particulares, uma vez estabelecida a autoria da letra e da assinatura, fazem prova plena de que a pessoa emitiu as declarações nele documentadas (artº 376 nº 1 do Código Civil). Essas declarações surtirão o devido efeito contra o seu autor – mas apenas na medida em que forem contrárias aos seus interesses: não valem a favor dessa pessoa, porque tratando-se de declarações de ciência, ninguém pode ser testemunha em causa própria, e, tratando-se de declarações de vontade, de declarações negociais, ninguém pode constituir um título a seu favor (artº 376 nº 1 do Código Civil). Se as declarações documentadas só em parte forem desfavoráveis ao seu autor, a contraparte, caso queira aproveitar-se da parte favorável, terá de aceitar também a parte desfavorável, ou de provar que essa parte não corresponde à verdade: as declarações são, neste sentido, indivisíveis (artº 376 nº 2 do Código Civil). Se a veracidade da letra e da assinatura for validamente impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado e o apresentante não demonstrar a sua veracidade, é claro que o documento não faz prova plena das declarações documentadas. Mas daí não decorre o nenhum valor do documento – mas simplesmente a sua sujeição à livre convicção do tribunal, que aprecia livremente a sua força probatória (artº 655 nº 1 do CPC). No tocante aos documentos produzidos pela própria recorrente, porque contém declarações favoráveis àquela, é claro que não fazem prova plena dos factos documentados[18]. A submissão deles à livre – mas não discricionária – valoração do tribunal é, portanto, meramente consequencial. O mesmo sucede, de resto, com os produzidos por terceiro, para mais vinculado por uma relação de subordinação jurídica à apelante. Seja como for, aqueles documentos se sugerem a realidade do facto relativo à realização da despesa são contudo insuficientes para inculcar, para além de qualquer dúvida razoável, o seu exacto quantum. Resta-nos, por isso, em última extremidade, para determinar essa quantidade, os depoimentos das testemunhas mencionadas. A testemunha I………., depois de asseverar que a recorrida, para pagar ao seu funcionário, o uso por este da sua viatura, optou por liquidar ao km, a 37,00€ o km, perguntado pela Sra. Juíza de Direito sobre os valores que a apelante pagou àquele trabalhador limitou-se a responder que até final de 2008 está tudo pago. Instada a concretizar o respectivo valor, a testemunha começou por declarar que de cabeça não sei. Mais à frente adiantou, porém, que eu recordo mais ou menos em 2007 eram 9 000,00€, em 2008 era 17 000 e agora em 2009 são 5 000 e picos. A testemunha reiterou, depois, a pergunta do Exmo. Mandatário da recorrente que está tudo liquidado até Dezembro de 2008 e interrogado, deveras sugestivamente, por aquele mesmo Mandatário, se seriam 9 600,00 mais 17 980,00€ respondeu: exactamente. Todavia, mais adiante, a mesma testemunha assegurou que o estava liquidado não sei precisar, e, enfim, interrogado de novo pela Sra. Juíza reiterou que eu de cabeça não sei exactamente quanto é foram todos os meses, não é. Quanto a este ponto a recorrente convirá, decerto, que o que melhor prova da realização de um pagamento é a contabilidade e os respectivos documentos de suporte – não o contabilista. Todavia, a recorrente limitou-se a produzir um elemento parcial da sua contabilidade sem o suporte documental do pagamento e propôs-se fazer a prova deste facto com as declarações da pessoa que lhe presta serviços de contabilidade. Ficou, por isso, sujeita à falibilidade da prova testemunhal, em geral, e às inconsistências do depoimento daquela testemunha em particular. Por seu lado, a testemunha D………., a pergunta da Sra. Juíza de Direito sobre o valor acordado por km, afiançou que isso andava á volta de 00.37€, setenta escudos, por aí, e que conforme a empresa ia podendo iam-me pagando, tendo ainda reiterado, que a recorrente só pagava quando podia. Questionado pelo Exmo. Advogada da recorrente, a testemunha confirmou que até Dezembro de 2008 já tinha recebido, mas admitiu, todavia, que não sabe especificar a quantia total que recebeu, por não ter feito as contas. A testemunha, a instância do Exmo. Mandatário Advogado da recorrida, declarou que o pagamento era feito por cheque. Estes depoimentos – apesar das testemunhas se encontrarem ambas num ponto privilegiado de observação que tornaria as suas declarações particularmente qualificadas – são pois insuficientes para se estabelecer o valor exacto das quantias que a recorrente pagou ao seu funcionário pelo uso, por este, da sua viatura. De resto, a recorrente poderia ter evitado todos estes embaraços quanto à realidade daquele facto, produzindo os documentos idóneos a demonstrar aquele valor, como por exemplo, a cópia dos cheques ou o extracto da sua conta corrente bancária sacada. Sendo isto assim, então, apesar da refracção provocada pela distância entre este Tribunal e as provas e o modo como conheceu de algumas delas – através da audição do registo sonoro e a transcrição que dele foi feita pela recorrente - não há, realmente, motivo para que se conclua que a decisão da matéria de facto contém um error in judicando – por ter incorrido em erro lógico, em uma contradição material ou ter violado regras da vida e da experiência - e, portanto, para modificar esse julgamento. Um tal julgamento dos factos provados, considerado, ao menos a posteriori, à luz das regras da lógica, da experiência e de critérios sociais, não é desrazoável. A matéria de facto sobre a qual deve ser declarado o direito do caso é, portanto, aquela que o decisor da 1ª instância declarou provada. 3.3. Fundamento final da responsabilidade civil. Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar á responsabilidade civil[19], é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito[20]. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial[21]. É o lesado que cumpre a prova do dano (artº 342 nº 1 do Código Civil). Caso não consiga libertar-se do encargo dessa prova, intervém a regra de julgamento representada pelas normas sobre a distribuição do ónus da prova: a questão de facto correspondente é resolvida contra o lesado (artº 516 do CPC). A obrigação de indemnização visa a remoção do dano imputado ao respectivo sujeito (artº 562 do Código Civil). A medida da indemnização é, simplesmente, a do dano. O respectivo montante pode, todavia, variar consoante a imputação delitual opere por ilícito doloso ou por ilícito negligente (artº 494 do Código Civil). A indemnização pode ser específica ou pecuniária. A lei civil fundamental portuguesa revela uma nítida preferência pela indemnização específica, considerada mais perfeita do ponto de vista da reparação do dano. Este deve ser reparado mediante a reconstituição, restauração ou reposição natural meio mais eficaz de obter o escopo visado com a obrigação de indemnização: a remoção do dano real (artº 566 nº 1 do Código Civil)[22]. Se, porém, a reconstituição natural não foi possível, se mostrar insuficiente para reparar a totalidade do dano ou for excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização deve ser fixada em dinheiro (artº 566 nº 1 do Código Civil)[23]. Com o escopo de facilitar a determinação da indemnização pecuniária, a lei estatui que esta se mede pela diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existisse o dano (artº 566 nº 2 do Código Civil). A finalidade conspícua é sempre a remoção do dano, resultado que se atinge se o lesado receber uma soma com a qual possa agora conseguir as mesmas vantagens e utilidades que o facto constitutivo da responsabilidade lhe fez perder. Computando-se o dano como uma diferença no património, segue-se que se trata de uma grandeza que evolui a todo o momento e, portanto, para se conseguir um resultado quanto possível perfeito, deve tomar-se por base o último momento possível[24]. O lesado pode optar entre a restauração natural e a indemnização em dinheiro, não tendo o devedor o direito de indemnizar mediante reposição natural. Se o lesado optar pela indemnização em dinheiro, poderá recusar a indemnização por reconstituição natural que o responsável queira prestar-lhe, a não ser que a recusa seja contrária à boa fé. Optando o lesado pela reconstituição natural, a indemnização deverá ser fixada em dinheiro, sempre que, v.g., a restauração natural se mostrar excessivamente gravosa para o obrigado[25]. Pode, na verdade, acontecer que a reconstituição in natura, sendo possível, acarrete para o obrigado a indemnizar um esforço que não tenha qualquer equivalência com a vantagem adveniente para o lesado. Nessa eventualidade, deve afastar-se a indemnização específica e recorrer-se á indemnização pecuniária. Não declara a lei o que deve entender-se por excessiva onerosidade para o devedor. Dir-se-á, porém, que a reconstituição específica é excessivamente onerosa quanto a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa fé (artº 762 do Código Civil)[26]. Deve, porém, assentar-se nisto: A excessiva onerosidade da indemnização específica não afasta nem limita o seu valor: apenas converte a obrigação de restauração natural em obrigação pecuniária[27]. Por último, a onerosidade deve ser medida não apenas objectivamente, mas também em função da situação concreta do devedor. A reconstituição in natura pode ser excessivamente gravosa para um obrigado a indemnizar mas não para outro. A situação concreta do devedor constitui, de resto, um critério a que a lei manda atender na fixação da indemnização fundada em culpa negligente (artº 494 do Código Civil). À luz destes parâmetros deve ter-se por indiscutível que é ao lesante - rectius ao responsável pela indemnização - e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos suportados pelo último em consequência do facto danoso[28]. É importante que o lesante – ou – ou quem responda por ele - interiorize este ponto, porque a violação do dever de prontamente proceder ou mandar proceder à reparação legitima a sua responsabilização e, correspondentemente, a sua constituição no dever de reparar todos os danos causalmente conexionados com a infracção desse dever. Portanto, era à recorrida que cumpria promover, diligentemente, a reparação do veículo da autora. A recorrida, porém, recusou a realização desta prestação com fundamento na superioridade do valor da reparação relativamente ao valor venal do veículo, que desaconselhava, economicamente, a sua reparação, propondo a consequente regularização do sinistro com base no conceito de perda total, e, portanto, o cumprimento da obrigação de indemnização não in natura mas em dinheiro. A diferença entre o valor venal do veículo da recorrente e o valor da sua reparação é de apenas 443,33€. Todavia, não é exacto, à luz da teoria da diferença, equacionar o problema da excessiva onerosidade da reconstituição natural usando como termo o valor venal ou de mercado do veículo; o parâmetro adequado é, antes, o do seu valor patrimonial, no contexto do património do lesado, o do seu valor de uso e das utilidades que aquele extraía desse bem[29]. Antes da verificação do facto danoso, a recorrida dispunha de um veículo que, embora usado e de reduzido valor comercial, satisfazia, por inteiro, as necessidades relativas à prossecução do seu objecto social. Depois da verificação daquele facto, o veículo ficou inapto para satisfazer tais necessidades. Só a reparação do veículo da apelante - que se mostrava tecnicamente possível - a restituirá à situação em que se encontraria na ausência do facto causador do dano. Note-se que a reparação do veículo da recorrente não equivale a entregar a esta um veículo novo, caso em que daria um aumento patrimonial da sua esfera jurídico-patrimonial que contrariaria abertamente o escopo fundamental da indemnização. Trata-se, isso sim, de restituir a recorrente á situação em que se encontraria não fora o evento danoso. Repare-se também que a imposição à recorrente da obrigação de proceder ao pagamento do custo da reparação não conduzirá a uma sobrevalorização do dano. Nada garante que o veículo da recorrente depois de reparado teria um valor mais elevado do que aquele que tinha à data da colisão. Mesmo reparado, não deixaria de ser um carro com o mesmo uso, do mesmo ano de fabrico e com as mesmas características; não seria nunca um carro novo - mas um carro reparado, e o seu valor venal tenderá sempre a diminuir, quanto mais não seja pelo mero decurso do tempo e o que é mais, por se tratar de veículo sujeito a reparação, na sequência de um acidente rodoviário. Nem vale argumentar com a manifesta desproporção entre o interesse da recorrente e o custo da reposição natural. Como já se sublinhou é juridicamente incorrecto procurar resolver o problema da indemnização a partir da consideração do valor venal actual do veículo. Do que se trata sempre e só é de saber qual o dano suportado pelo lesado e de reconstituir o status quo que existiria, caso se não tivesse verificado o evento que determinou a reparação (artº 562 nº 1 do Código Civil). Entendimento diverso conduziria a solução juridicamente inaceitável: a atribuição de uma indemnização irrisória ao lesado, que não o restitui á situação anterior à lesão, com injusto benefício para o responsável. A exigência, no caso, da indemnização específica, não contrariava a boa fé; a atribuição ao lesado da indemnização correspondente ao reduzido valor venal do veículo é que com ela contrastaria abertamente. A reparação do veículo da apelante não se mostrava, pois, onerosa para a ré, muito menos excessivamente. A fixação da indemnização em montante correspondente ao valor venal do veículo só seria de admitir se estivesse demonstrado que, com tal valor, a recorrente poderia adquirir um veículo idêntico ao seu, ficando assim restituída ao status quo ante. De harmonia com regras de experiência e critérios sociais – e apesar da instabilidade dos mercados financeiros criar alguma incerteza sobre a saúde económica das empresas - a recorrida, dada a sua natureza, dispõe, reconhecidamente, de solvabilidade económica que, sem qualquer sacrifício desrazoável, lhe permite satisfazer a indemnização pecuniária traduzida no custo da reparação do veículo da recorrente. A condenação da recorrida no pagamento do custo da reparação do veículo da recorrente que esta não é, pois, excessivamente onerosa para a apelada. A condenação da ré nessa prestação indemnizatória é, assim, meramente consequencial[30]. Simplesmente, por mais impecável que esta argumentação se mostre, ela deve considerar-se irremediavelmente prejudicada, se ao caso for aplicável – como sustenta a sentença apelada - um critério legal definidor do conceito de perda total do bem, que concretizando a excessiva onerosidade da indemnização, imponha, em seu definitivo detrimento, um parâmetro inteiramente diverso do cálculo do seu quantum. E para a resolução deste problema que se dirigem as considerações subsequentes. 3.4. Determinação do âmbito temporal e material das normas definidoras dos critérios para o procedimento de proposta razoável. Tanto os factos invocados como causa petendi como a factualidade alegada a título de defesa ocorreram no dia 6 de Agosto de 2007, portanto, no domínio de vigência do regime jurídico do seguro automóvel de responsabilidade civil construído pelo DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, de resto, objecto, já naquela data, de sucessivas alterações através dos DL nºs 122-A/86, de 30 de Maio, 436/86, de 31 de Dezembro, 81/87, de 20 de Fevereiro, 394/87, de 31 de Dezembro, 415/89 de 30 de Novembro, 122/92, de 2 de Julho, 18/93, de 23 de Janeiro, 358/93, de 14 de Outubro, 130/94, de 19 de Maio, 3/96, de 25 de Janeiro, 68/97, de 3 de Abril, 368/97, de 23 de Dezembro, 301/201, de 23 de Novembro, 72-A/2003, de 14 de Abril, 44/2005, de 23 de Fevereiro, 122/2005, de 29 de Julho e, por último, do DL nº 83/2006, de 29 de Julho. O DL nº 522/85, de 31 de Dezembro foi, entretanto, objecto de revogação expressa pelo DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, que entrou em vigor 60 dias após a sua publicação (artºs 94 nº 1 a) e 95 deste último diploma legal). O DL nº 83/2006, de 29 de Julho introduziu, no regime jurídico do seguro de responsabilidade civil resultante da circulação automóvel, vinculações das empresas de seguros a deveres de diligência e prontidão na regularização de sinistros e organizou um procedimento obrigatório de proposta razoável para a regularização do dano material (artºs 20-F) e 20-G) do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro). O diploma que recodificou aquele regime jurídico do seguro de responsabilidade civil resultante da circulação automóvel manteve a vinculação das empresas de seguros àqueles deveres de diligência e prontidão na regularização de sinistros, ao mesmo tempo que alargou o procedimento obrigatório de proposta razoável aos sinistros que envolvam danos corporais (artºs 37 e 39 do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto). O regime relativo aos prazos e regras da proposta razoável – cujo incumprimento dá lugar ao agravamento da indemnização moratória devida pelo retardamento da obrigação primária de indemnização – exige, naturalmente, sob pena de ser meramente semântico, o estabelecimento dos respectivos critérios, designadamente no tocante à espécie a ao quantum da indemnização devida para reparar o dano patrimonial. É neste contexto que deve ser lida a definição do conceito de perda total de veículo interveniente em acidente de viação a que se liga, desde logo, esta consequência relevante: o afastamento da obrigação de reparação do veículo e a satisfação da obrigação de indemnização em dinheiro (artº 20-I nº 1 a) a c) do DL nº 522/85, de 21 de Dezembro e 41 nº 1 a) a c) do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto). Um veículo interveniente num acidente considera-se totalmente perdido quando tenha desaparecido ou totalmente destruído, quando a sua reparação seja materialmente impossível ou tecnicamente desaconselhável por as suas condições de segurança terem sido gravemente afectadas e, por último, quando o valor da sua reparação, somado ao valor do salvado, ultrapasse 100% do seu valor venal, no momento imediatamente anterior ao do sinistro (artº 20-I nº a) a c) do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro). A indemnização por perda total do veículo corresponde ao valor venal do veículo - que, por sua vez, equivale ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente – deduzido ou aumentado do valor do salvado, consoante este fique na posse do proprietário ou do responsável pela indemnização (artº 41 nºs 2 e 3 do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto). Na contestação, a recorrida sustentou a aplicabilidade ao caso do regime jurídico decorrente do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto; a sentença apelada, porém, concluiu que lhe é aplicável a lei revogada por aquele diploma: o DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, com a modificação decorrente do DL nº 83/2000, de 3 de Maio. Por força do princípio lex posterior derrogat legi priori, a sucessão de leis no tempo não chega a gerar um conflito intra-sistemático, i.e., um conflito real de normas aplicáveis (artº 7 do Código Civil). Mas isso não significa que se não possa configurar um conflito extra-sistemático, quer dizer, um conflito de leis no tempo, a resolver necessariamente antes de se proceder à aplicação da lei aos factos da causa. Isto é assim dado que à descontinuidade da lei não corresponde, naturalmente, um corte, mais ou menos radical, na continuidade da vida social. Importa, portanto, esclarecer convenientemente o âmbito de aplicação no tempo de qualquer daqueles actos normativos. O princípio geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo é, sabidamente, o da aplicação prospectiva, que assume duas faces, distintas mas complementares (artº 12 nºs 1 e 2 do Código Civil)[31]. A primeira é que contempla os simples factos: quanto a estes, na falta de disposição em contrário, a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma (artº 12 nº 1 do Código Civil). Portanto, os factos e os seus efeitos são regulados pela lei revogada ou pela lei revogatória conforme os factos tenham ocorrido na vigência da primeira ou da segunda. A segunda face do princípio é a que se refere às relações jurídicas que emergem desses factos. Neste domínio, o princípio da aplicação prospectiva da lei é já diferente: a lei nova aplica-se não só às relações jurídicas constituídas na sua vigência - mas também às relações que, constituídas antes, protelem a sua vida para além da entrada em vigor da norma nova (artº 12 nº 2 do Código Civil). Fala-se, neste caso, de retrospectividade ou de retroactividade imprópria ou inautêntica: uma norma retrospectiva não é uma norma retroactiva, mas antes uma norma que prevê consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantém nessa data[32]. Da submissão às regras expostas exceptua-se, evidentemente, o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma transitória. Assim, de harmonia com o princípio, já explanado, da aplicação prospectiva, a solução exacta do problema da aplicação da lei no tempo no tocante ao caso é esta: a lei aplicável aos factos dos quais a autora faz derivar o direito de crédito de indemnização que pela acção se propõe fazer declarar e valer contra a ré, e à determinação da espécie e do valor dessa indemnização, é a vigente ao tempo da sua ocorrência[33]. Em absoluto remate: o facto lesivo passado, e os seus efeitos, são regulados pela lei vigente à data da sua ocorrência. Tempus regit factum. Assim, os pressupostos da constituição da recorrida no dever de reparar o dano patrimonial suportado pela recorrente com o facto lesivo e os parâmetros de determinação da espécie e do valor da reparação e correspondentes, são regulados pela lei do tempo da sua verificação – o DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, na versão que foi impressa pelo DL nº 83/2006, de 3 Maio – e não o diploma que recodificou o regime jurídico da responsabilidade civil. Todavia, se razões de direito intertemporal inculcam a aplicabilidade daquele diploma à espécie vertente, uma razão de índole material exclui a sua submissão ao regime jurídico nele definido. Os critérios para o procedimento obrigatório de proposta razoável têm nitidamente por escopo a obtenção de uma decisão negociada extrajudicial, ou a composição, contratualizada, não judicial, do litígio relativo à natureza e extensão do dever de indemnizar (artº 1248 nº 1 do Código Civil). O seu escopo é, em definitivo, a agilização do acertamento extrajudicial da responsabilidade, de modo a poupar o lesado, às demoras, despesas, riscos e incertezas inerentes a um litígio judicial. Por essa razão, esses critérios esgotam-se na formulação da proposta razoável. Frustrada, a composição, por via negociada, da controvérsia relativamente a obrigação de indemnização e pedida, em juízo, a resolução do litígio, esses critérios, deixam, naturalmente, de ter aplicação, passando a determinação da espécie e do quantum da indemnização a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano[34]. Entendimento oposto levaria precisamente à consequência contrária àquela, que aberta e declaradamente, foi visada pelo legislador com a adopção do procedimento de proposta razoável: a defesa dos interesses das vítimas de acidentes de viação. De tudo isto, pode, pois retirar-se esta proposição conclusiva: à determinação da espécie e do quantum da indemnização de que a apelante é credora são aplicáveis e as regras e princípios gerais dessa obrigação de valor; em face daquelas regras e destes princípios é meramente consequencial – pelas razões já adiantadas – a procedência do pedido de condenação da apelada no pagamento do custo da reparação do veículo automóvel suportado pela recorrente. 3.5. Reparabilidade do dano da privação do uso. A recorrente pediu a condenação da recorrida a pagar-lhe a quantia de 14 192,00€ correspondente, de harmonia com a sua alegação, ao valor que, com a finalidade de assegurar a substituição do veiculo sinistrado, pagou ao seu funcionário pela utilização, por este, na sua actividade profissional, da sua viatura particular. A sentença apelada, porém, recusou-lhe a vinculação da ré ao dever de reparar este dano. E adiantou, para justificar esta recusa, duas razões: a falta de demonstração daquele dano; a mora da recorrente, por não ter aceitado a viatura de substituição que lhe foi proposta pela recorrida. Já sabemos que o primeiro argumento não colhe: a decisão da matéria de facto julgou demonstrado aquele dano, embora não o seu exacto valor. E a segunda razão também não procede. Em primeiro lugar, porque a recorrida, na lógica da sua proposta razoável, apenas se dispôs a assegurar à recorrente um veículo de substituição, até ao momento em que colocou à disposição da recorrente o pagamento da indemnização em dinheiro computada a partir do pressuposto da perda total do veículo sinistrado. Todavia, como já se observou, este parâmetro de determinação do dever de indemnizar não é aplicável ao caso. Depois, a recusa da recorrente na aceitação do veículo de substituição, deve ser perspectiva a partir da chamada culpa do lesado. Um dos factores que é apontado como limitativo da indemnização é o concurso com a eventual culpa do lesado (artºs 570 e 572 do Código Civil). Assim, quando um facto culposo do lesado tiver contribuído para a produção ou agravamento dos danos, o tribunal pode, face ao caso concreto, decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou excluída (artº 570 do Código Civil). Para a exacta compreensão deste regime deve ter-se presente, de um aspecto, que a expressão culpa deve ser amplamente entendida – no sentido de que a indemnização deve ser excluída ou reduzida sempre que os danos sejam provocados, e na medida em que o sejam, ainda que não voluntariamente ou ainda que licitamente, e de, outro, que não há verdadeiramente, uma limitação da indemnização – mas apenas um delimitação dos danos que, ao lesante, devem ser imputados. A recorrente só concorreria culposamente para o agravamento do dano, com a recusa da proposta negociada de indemnização, se esta proposta, no momento em que foi formulada, reparasse na íntegra o dano já verificado nesse mesmo momento. Pelas razões apontadas não é esse, decerto, o nosso caso. Mas ainda que se devesse concluir que, ao recusar a proposta de substituição do veículo sinistrado, formulada pela ré, a recorrente contribuiu, culposamente para o agravamento do dano, é irrecusável que sempre lhe assistiria o direito de ser indemnizado do dano resultante da privação da sua viatura desde o momento do sinistro até ao momento da recusa. Quer dizer: a recusa da proposta do veículo de substituição não excluiria a indemnização do dano resultante da privação do uso do veículo sinistrado – apenas a limitaria. Por último, de harmonia com a doutrina que se tem por preferível, a mera privação do uso de um veículo automóvel, independentemente de qualquer repercussão autónoma no património do lesado, constitui o lesante no dever de indemnizar. O problema da ressarcibilidade do dano da privação do uso está longe de merecer uma resposta jurisprudencial acorde. Desde logo quanto à exacta natureza desse dano: enquanto algumas decisões sustentam que se trata de um dano não patrimonial[35], outras concluem pela sua patrimonialidade[36]. A distinção entre o dano patrimonial e não patrimonial assenta na natureza do interesse afectado. É, por isso, possível que da violação de direitos patrimoniais resultem danos não patrimoniais, da mesma maneira que da violação de direitos ou bens de personalidade podem derivar danos patrimoniais. A indemnização visa reparar danos não patrimoniais quando tem por objecto um interesse não patrimonial, i.e., um interesse não avaliável em dinheiro[37]. Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. Por isso, melhor se lhe tem chamado satisfação ou compensação[38]. Trata-se, apenas de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo não patrimonial, não é susceptível de equivalente, e, por isso, possível é apenas uma espécie de reparação, na forma de uma indemnização pecuniária, a determinar, por indicação expressa da lei, segundo juízos de equidade. A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil). Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas. De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas[39]. No tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade, imprestável[40]. Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano. A privação de uso de um bem pode, portanto, dar origem tanto a um dano patrimonial como a um dano não patrimonial; quando ocorra esta última espécie de dano, ele será indemnizável de harmonia com os critérios específicos de valoração e mensurabilidade desse tipo de dano. Contudo, a clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso. Mesmo quando se aceita a sua patrimonialidade, verifica-se uma nítida fractura entre as decisões para as quais basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido[41] – e aquelas que julgam insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial[42]. A privação do uso de um veículo automóvel constitui, por si, dano patrimonial, visto que constitui lesão do direito real de propriedade correspondente, traduzida na exclusão de uma das faculdades de que ao proprietário é lícito gozar: a de uso e fruição da coisa (artº 1305 do Código Civil). O uso de um bem constitui uma situação favorável que o direito amplamente tutela: a supressão dessa faculdade constitui, juridicamente, um dano. Para satisfazer as exigências de mobilidade, reclamadas pela via económica e social, as pessoas e as empresas sujeitam-se ao sacrifício económico grave que a aquisição e a manutenção de um veículo automóvel sempre representam. O acto de terceiro que torne materialmente indisponíveis as utilidades que é possível extrair desse bem – que têm, naturalmente, uma expressão pecuniária - deve ser encarado como um dano que, como tal, deve ser objecto de reparação adequada (artº 483 nº 1 do Código Civil). Decerto, que muitas vezes será difícil, por recurso à teoria da diferença, mensurar esse e dano e a indemnização que lhe deve corresponder. Mas esta dificuldade não é intransponível: nesta conjuntura sempre restará a tribunal a ultima ratio de julgamento representada pela apreciação equitativa do valor do dano (artº 566 nº 3 do Código Civil)[43]. Mas nem é esse o caso do recurso, dado que a matéria de facto disponibilizada, além da privação do uso da viatura sinistrada, um dano concreto resultante dessa privação. A recorrente em consequência da colisão, ficou impossibilitada de usar o seu veículo automóvel, tendo recorrido, para satisfazer as necessidades de mobilidade reclamadas pelo seu giro comercial, à utilização, pelo seu funcionário, da viatura deste, compensando-o da despesa correspondente. Ela deve, por isso, ser ressarcida de um tal dano; a determinação do quantum dessa indemnização deve fazer-se, em última extremidade, segundo um juízo de equidade[44]. É verdade, que se for largo o tempo por que perdurar a privação do uso do veículo, a reparação do dano correspondente pesará substancialmente no valor da indemnização a cuja satisfação a recorrida se encontra adstrita. Mas a apelada não deve queixar-se senão - de si mesma: a consequência assinalada decorre da violação do dever de prontamente promover a reparação do veículo a que indubitavelmente estava vinculada. O devedor da indemnização que queira pagar menos – deve pagar mais cedo. O facto de se desconhecer o valor exacto da despesa suportada pela recorrente com a compensação ao seu funcionário pela utilização, por este da sua viatura, não obsta à condenação da recorrida na reparação do dano correspondente: apenas obstacula à condenação num valor de indemnização quantitativamente líquida. Constitui ocorrência ordinária, o juiz chegar à sentença e verificar que, devendo condenar o demandado, o processo não lhe fornece, porém, os elementos necessários para determinar o objecto ou a quantidade da condenação. Em face desses factos, só lhe resta uma solução jurídica: proferir uma condenação genérica, quer dizer, condenar o réu no que se vier a liquidar (artº 661 nº 2 do CPC)[45]. A condenação genérica no cumprimento de uma prestação pode, assim, dar lugar à incerteza ou à iliquidez da obrigação. A obrigação é incerta quando a respectiva prestação não se encontra determinada ou individualizada; é ilíquida quando a sua quantidade não se encontra determinada. A iliquidez pode referir-se quer a prestações pecuniárias quer a prestações de dare. É axiomático que as obrigações ilíquidas não podem ser realizadas de forma coactiva, pela razão evidente de que não se pode executar o património do devedor antes de determinar a quantia devida ou pedir a entrega de uma coisa antes de saber a quantidade que deve ser prestada (artº 47 nº 5 do CPC). Assim, tem de ser liquidada a condenação em quantia ilíquida (artº 661 nº 2 do CPC). A regra é esta: a liquidação há-de fazer-se no processo de declaração que tenha por objecto o direito à prestação e, portanto, só pode reservar-se para momento ulterior, em última extremidade, quando não seja possível fazê-lo naquele processo (artº 378 nº 1 do CPC). No caso, não oferece dúvida a existência do dano; desconhece-se, porém, o respectivo quantum. A única solução admissível é a condenação do responsável na obrigação de os indemnizar – e a remessa da fixação dessa indemnização para momento posterior (artº 564 nº 2 do Código Civil)[46]. Portanto, diversamente da solução normal para as situações de non liquet – que é o proferimento de uma decisão onerada com a prova – a incerteza sobre a quantia devida justifica apenas que se relegue para momento ulterior a sua quantificação (artº 516 do CPC). Esta solução parece decorrer da circunstância de, na determinação do quantum da obrigação, não se poder ficcionar o facto contrário àquele que devia ser provado como fundamento da decisão do tribunal[47]. Este pensamento transparece nitidamente na solução disposta na lei para o caso de, mesmo no incidente ulterior específico da liquidação, a prova produzida pelas partes se mostrar insuficiente para fixar a quantia devida: quando isso sucede, incumbe-se o juiz de a completar, mediante indagação oficiosa e, nomeadamente, através da produção de prova pericial (artº 380 nº 4 do CPC). Mesmo aqui, a persistência do non liquet sobre a quantidade da obrigação não dá lugar à intervenção da regra de julgamento representada pelo ónus da prova e ao consequente desfavorecimento da pretensão do lesado, antes se impõe ao tribunal o dever de ultrapassar a deficiência, mediante iniciativa própria. No caso sabe-se que a apelante suportou uma despesa com a compensação, ao seu funcionário, pela utilização por este da sua viatura; deve condenar-se o responsável na indemnização que se vier a liquidar. O recurso deve, pois, nestes termos proceder. Resta para dar cumprimento ao ingrato e insólito dever de sumariar o acórdão que a lei impõe ao juiz relator (artº 713 nº 7 do CPC)[48]. A retórica argumentativa do acórdão, de que se extrai a solução de improcedência do recurso, pode sintetizar-se nestas proposições: A excessiva onerosidade da indemnização específica não afasta nem limita o seu valor: apenas converte a obrigação de restauração natural em obrigação pecuniária; o parâmetro adequado de aferição da excessiva onerosidade é o do valor patrimonial do bem atingido pela lesão, no contexto do património do lesado, o do seu valor de uso e das utilidades que aquele extraía desse mesmo bem; frustrada, a composição, por via negociada, através dos parâmetros da proposta razoável, da controvérsia relativamente a obrigação de indemnização, no âmbito do regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, e pedida, em juízo, a resolução do litígio, aqueles critérios, deixam de ser aplicáveis, passando a determinação da espécie e do quantum da indemnização a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam os princípios da reparação in natura e da reparação integral do dano; na ausência dos elementos necessários para determinar o objecto ou a quantidade da condenação, deve proferir-se uma condenação genérica, condenando-se o devedor no que se vier a liquidar. A apelada deverá suportar, porque sucumbe no recurso, as respectivas custas (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC). Na parte, porém, em que a liquidação do quantum da indemnização é relegado para momento ulterior, as custas serão suportadas, em partes iguais, provisoriamente, pela recorrente e pela recorrida. 4. Decisão. Pelos fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente o recurso, revoga-se, correspondentemente, a sentença apelada e consequentemente, condena-se a recorrida, C……… SA, a pagar à recorrente, B……….. Lda.: a) A quantia de € 11 599,68€. b) A quantia que se vier a liquidar, relativa à despesa suportada com a recorrente com a compensação ao seu funcionário pela utilização por este da sua viatura, não excedente a 14 192,00€. Custas pela recorrida, no tocante à parte liquida da condenação, e pela recorrente e pela recorrida, em partes iguais, provisoriamente, relativamente à condenação genérica. 10.06.14 Henrique Ataíde Rosa Antunes Ana Lucinda Mendes Cabral Maria do Carmo Domingues _____________________ [1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24. [2] Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, Lisboa, 1994, págs. 138 e ss. Freitas do Amaral, Conceito e natureza do recurso hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss. Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação aproxima-se, numa situação específica, do modelo de recurso de reexame. Trata-se da possibilidade de a Relação determinar a renovação dos meios de prova produzidos na 1ª instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade (artº 712 nº 3 do CPC). Nesta hipótese, o tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida. [3] A afirmação de que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova constitui jurisprudência firme. Cfr., v.g., Acs. STJ de 14.05.93, CJ STJ, 93, II, pág. 62 e RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98. [4] Ac. STJ de 23.03.96, CJ, 96, II, pág. 86. [5] Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. IV, pág. 468. [6] Ac. STJ de 14.03.06, CJ, STJ, XIV, I, pág. 130 e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 271. [7] Ac. da RL de 10.11.05 e de 19.02.04, www.dgsi.pt. e Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 150. [8] Eurico Lopes Cardoso, BMJ nº 80, págs. 220 e 221. [9] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 3ª edição, Almedina, 2000, págs. 273 e 274. [10] Ac. do STJ 08.11.95, CJ, STJ, 95, III, pág. 293 e da RP de 20.02.01, www.dgsi.pt. [11] Ac. do STJ de 29.09.95, www.dgsi.pt. [12] Juan Montero Aroca, Valoración de la prueba, regras legales, Quaderni de “Il giusto processo civile”, 2, Stato di diritto e garanzie processualli, a cura di Franco Cipriani, Atti delle II Giornate internazionali de Diritto processualle civile, Edizione Scientifiche Italiene, 2008, págs. 44 e 45. [13] Michelle Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, págs. 42 e 43. [14] Ac. da RE de 09.06.94., BMJ nº 438, pág. 571. [15] Ac. da RC de 18.05.94, BMJ nº 437, pág. 598. [16] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª ed., 1974, reimpressão, Coimbra Editora, pág. 204. [17] Neste sentido, Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 330. [18] Note-se que esta conclusão vale mesmo para as declarações fiscais: estas apenas provam a declaração, do rendimento ou da despesa do sujeito passivo do imposto, mas mão que este tenha, efectivamente, auferido aquele rendimento ou suportado esta despesa. Cfr., Acs. da RC de 31.10.00 e 23.02.10, www.dgsi.pt. [19] Cfr. Paula Meira Lourenço, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 228 a 293. [20] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1980, vol. 2º Vol., pág. 283. [21] Pereira Coelho, o nexo de causalidade na responsabilidade civil, Boletim da Faculdade de Direito, suplemento IX, Coimbra, 1951, pág. 107 e ss. Tratando-se de danos não patrimoniais, só são atendíveis os que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496 nº 1 do Código Civil). À luz desta exigência, a jurisprudência sustenta que não compensáveis dos danos não patrimoniais que se traduzam em meros incómodos. Cfr., v.g., Acs. do STJ de 2.10.73, BMJ nº 230, pág. 107, de 26.6.91, BMJ nº 408, pág. 438 e de 10.11.03, CJ, STJ, I, III, pág. 132. [22] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., vol. I, pág. 862 e P. de Lima e A. Varela, CC Anot., vol. I, pág. 576 e Ac. do STJ de 05.06.08, www.dgsi.pt. [23] Cfr. a disposição paralela do artº 829 nº 2 CC. [24] Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Coimbra, 1955, pág. 274. [25] Pereira Coelho, Direito das Obrigações, pág. 174. [26] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, cit., pág. 401. [27] P. de Lima e A. Varela, cit., pág. 582. [28] Trata-se de jurisprudência e doutrina firmes. Acs. RL 21.12.73, BMJ 232/178, STJ 31.1.7 e 12.10.73 e 17.5.74, BMJ 229/172, 230/107 e 237/208 e V. Serra, RLJ ano 105, pág. 168. [29] Acs. do STJ de 22.06.05, 05.07.07 e 04.12.07, www.dgsi.pt. [30] Acs. da RC 08.07.96, CJ, IV, pág. 66 e da RL 04.06.98, CJ, III, pág. 123. [31] Antunes Varela, RLJ, Ano 120, pág. 150. {[32] Acs. do TC nºs 156/95, 745/96, 486/97 e 467/03, www.tc.pt. [33] João Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, págs. 99 e 100. [34] Ac. da RC de 11.03.08, www.dgsi.pt. [35] Ac. da RE de 23.06.80, CJ, V, II, pág. 96. [36] Na doutrina, sustentam a reparabilidade do dano de privação do uso, António dos Santos Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, Coimbra, 2001, págs. 30 e ss., págs. 316 e 317, Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2ª edição, vol. I, Almedina, Coimbra, págs. 316 e 317 e nota (657) e Júlio Gomes, RDE, nº 12, 1986, págs. 169 e ss. [37] Vaz Serra, Reparação do Dano Não Patrimonial, BMJ nº 83, págs. 65 e ss. [38] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 1986, pág. 566. [39] Jorge Sinde Monteiro, Reparação dos Danos Pessoais em Portugal, CJ, 86, IV, pág. 11. [40] Ac. do STJ de 26.02.04, www.dgsi.pt. [41] Acs. do STJ de 05.07.07, da RL de 04.10.07 e 18.09.07 e da RC de 20.03.07 e 12.02.08 www.dgsi.pt. [42] Acs. do STJ de 22.06.05, 12.01.06 e 04.10.07, da RL de 22.06.06 e da RC de 13.03.07. [43] Ac. do STJ de 29.11.95, CJ, STJ, XIII, III, pág. 151. [44] Os acórdãos da RC de 12.02.08 e de 20.03.07 e da RL de 18.09.07 – www.dgsi.pt - computaram este dano, por recurso a juízos de equidade, em € 30.00 e € 20.00 diários, respectivamente; o Ac. do STJ de 05.07.07 – www.dgsi.pt – ponderando que valor do dano não podia, no caso, ser reportado ao valor diário do aluguer de um veículo automóvel, por o lesado não ter provado que utilizava diariamente o veículo nas suas deslocações nem que reclamara da seguradora a disponibilização de veículo alternativo e, perante a inércia desta, que teve de alugar veículos alternativos, confirmou o acórdão da Relação de Guimarães que fixara em € 10.00 diários o valor do dano da privação do uso. [45] De harmonia com o artº 21 nº 3 do DL nº 38/03, de 8 de Março, o novo regime da condenação genérica aplica-se às sentenças proferidas em processo pendentes em 15 de Setembro de 2003. Portanto, o regime anterior só é aplicável às sentenças proferidas antes daquela data. [46] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, Almedina Coimbra, 1986, págs. 869 e 870 e nota (1) e Vaz Serra, RLJ, Ano 113, pág. 322. [47] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 110. [48] Cfr. para um apreciação crítica – fundada – desta solução da lei, Lopes do Rego, A Reforma dos Recursos em Processo Civil, in As Exigências do Processo Civil, Associação Jurídica do Porto, pág. 248 e António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 300 e 301. De resto, esta exigência pode revelar-se uma fonte de embaraços, como sucederá, por exemplo, no caso de haver contradição entre o sumário e o conteúdo do acórdão. Regra geral, a solução do problema não oferece dificuldades, mas poderá mostrar-se espinhosa, tratando-se de acórdão de uniformização de jurisprudência, tirado no recurso ordinário ampliado de revista ou no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, dado o seu carácter de recurso de normativo (artºs 732-A, 732-B nº 5 e 770 nº 1 do CPC). Problema de solução difícil é também o saber se o relator se encontra adstrito do dever se sumariar no caso de julgar sumariamente o recurso e no julgamento da reclamação contra o despacho de indeferimento de interposição do recurso.