I- A vinculação temática da instrução é fixada pelo requerimento para a abertura da instrução [RAI]: a investigação do juiz de instrução criminal é autónoma, mas no quadro do tema factual delimitado pelo referido requerimento. II- Na instrução não podem realizar-se diligências a pedido de quem não foi o requerente, a menos que, por razões específicas, se revelem úteis para a descoberta de verdade. III- A falta da narração dos factos no despacho de pronúncia constitui, à semelhança do previsto para a acusação (art. 311.º, n.º 3, do CPP), uma nulidade insanável e de conhecimento oficioso. IV- Já a falta de narração dos factos no despacho de não pronúncia constitui uma nulidade dependente de arguição (art. 120.º e ss., do CPP).
Recurso n.º 102/08.5PUPRT.P1 Tribunal de Instrução Criminal do Porto – 2.º juízo Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. No processo n.º102/08.5PUPRT, não se conformando com a acusação particular contra si deduzida pelo assistente B…….., veio a arguida C……….. requerer a abertura de instrução. Realizada a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia da arguida pelo crime de injúrias que lhe havia sido imputado. 2. Inconformado, o assistente recorre do despacho de não pronúncia, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 31. O indeferimento da requerida prova suplementar, com fundamentado no facto de o nº 914161…., não poder ser, considerado objecto em discussão nos presentes autos, esquecendo, todavia, que a mesma prova documental se reportava também a SMS enviadas dos outros telemóveis da arguida, nomeadamente com os nºs 919863… e 931841…, que, pelo menos o primeiro, está provado ser da arguida, é, no mínimo, sem fundamento, arbitrário e discricionário. 32. Perante a prova já existente nesta fase de instrução impunha-se uma decisão diversa da recorrida. 33. O despacho de não pronúncia, ainda que sumariamente, não fez qualquer referência à factualidade indiciada existente nos autos. 34. No despacho recorrido, apenas foi referido a que conclusão chegou da prova que analisou, mas sem referir ou dar por assente qualquer facto, nem mesmo por remissão para o requerimento de abertura de instrução a que se deveria reportar. 35. O despacho de pronúncia ou de não pronúncia há-de conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária. 36. O despacho de não pronúncia, tem de conter os elementos referentes no art. 283º, nºs.2, 3, sem prejuízo da 2.ª parte do nº1 do art. 307.º do CPP. 37. A não narração dos factos, ainda que sintética, dos factos que constituem fundamento da decisão de pronúncia ou não pronúncia, acarreta a nulidade do despacho – art. 308.ºn.º2 com referência ao art.283.º, n.º3 b)- do CPP. 38. O assistente no requerimento de acusação particular imputa à arguida os factos susceptíveis de configurarem a prática do crime de difamação; 39. O despacho posto em crise não faz qualquer alusão ao crime de difamação, pelo que, mais uma vez, não foi fundamentada a razão pela qual a arguida não era pronunciada pelo crime de difamação. NESTES TERMOS e nos melhores de direito que Vossas Excelências douta mente suprirão, deve: a) - ser revogado o douto despacho recorrido e ser proferido despacho de pronúncia da arguida; ou, caso assim não se entenda, b) - ser ordenada a reabertura da instrução e serem deferidas as diligências requeridas pelo recorrente, em especial, deve ser ordenada a admissão da prova suplementar documental, nomeadamente aquela que se reporta a SMS enviadas dos outros telemóveis da arguida, nomeadamente com os nºs 919863… e 931841…. 2. Respondeu o Ministério Público, defendendo que o recurso não merece provimento, como resulta de fls.289 a 291. 3. Respondeu igualmente a arguida, sustentando a improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1.º No requerimento de interposição do recurso, e que antecede a respectiva motivação, o Recorrente reporta-se ao "despacho dos presentes autos ( ... ) na parte do arquivamento do crime de injúria p.p. pelo artigo 181º, do Código Penal". 2.º NO ENTANTO, na argumentação recursiva (motivação), o Recorrente reporta-se ao despacho que indeferiu a produção de prova suplementar (despacho este insindicável, conforme infra se alegará), e que antecedeu a decisão instrutória e o despacho de não pronúncia da aqui Recorrida. 3.º POR OUTRO LADO, o Recorrente reporta-se ainda, ao "despacho posto em crise", e que, segundo alega "não faz qualquer alusão ao crime de difamação, pelo que, mais uma vez, não foi fundamentada a razão pela qual a arguida não era pronunciada pelo crime de difamação". 4.º O Recorrente menciona, pelo menos, dois despachos (sendo um deles irrecorrível, conforme infra se alegará), não se sabendo ao certo, de qual deles recorre, visto que, menciona "o despacho dos presentes autos" e, "o despacho posto em crise". 5.º O Recorrente, na parte que antecede a motivação, reporta-se ao "arquivamento do crime de injúria, p.p. pelo artigo 181º, do Código Penal", para depois, na argumentação recursiva, se reportar ao "despacho posto em crise" que "não faz qualquer alusão ao crime de difamação". 6.º O Recorrente invoca, em relação ao "despacho dos presentes autos" e/ou "despacho posto em crise" (não se sabe qual deles), a "falta de fundamentação" e a "nulidade". 7.º ENFIM, vejamos quais os fundamentos, pelos quais, não assiste qualquer razão ao Recorrente, quer este se reporte ao despacho interlocutório, que "indeferiu a produção de prova suplementar" (despacho este irrecorrível, conforme infra se alegará), quer ao douto despacho, que veio a não pronunciar a aqui Recorrida, pelos crimes que constam da Acusação Particular, visto que, o Ministério Público apenas acompanhou esta, na parte em que naquela se imputam à aqui Recorrida, factos subsumíveis ao "crime de injúria", e SÓMENTE QUANTO A ESTE (cfr. despacho de fls. 204 e 205, dos presentes autos). 8.º “A queixa delimita o procedimento criminal quer relativamente aos factos quer relativamente à autoria na mesma indicados (...)” - Acórdão da Relação do Porto, de 28/10/2009 - in www.dgsi.pt/jtrp. 9.º Em 25/06/2008, o aqui Recorrente deu entrada no D.I.A.P. do Porto, de queixa-crime contra a aqui Recorrida, que deu lugar ao inquérito nº 8971/08. 2 TDPRT, que posteriormente, veio a ser incorporado nos presentes autos (cfr. determinado a fls. 90, dos presentes autos). 10.º Na queixa-crime apresentada pelo aqui Recorrente (fls. 93 a 108, dos presentes autos), e por si subscrita, sem o patrocínio de Advogado, aquele, para além da profusa e confusa argumentação técnico-jurídica (sem que, para tal, se mostrasse habilitado), o aqui Recorrente imputa à aqui Recorrida, uma panóplia de "crimes" (fls. 105 a 108 dos presentes autos). 11.ºOs factos por si invocados, naquela queixa-crime, mais não são, do que um "delírio" persecutório (a aqui Recorrida, havia apresentado queixa-crime contra o aqui Recorrente, em 05/02/2008 - fls. 2 dos presentes autos -, e, posteriormente, aditamento àquela - fls. 17 dos presentes autos). 12.º DE QUALQUER SORTE, naquela queixa-crime, é mencionado pelo aqui Recorrente, que os SMS, supostamente enviados pela aqui Recorrida, o foram do telemóvel desta, com o nº 914 161 … (n.º 2, da queixa-crime), tendo como destino os telemóveis do aqui Recorrente, com os números 914 387… e 966 555… (nos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 14, 15, 20, 23, 30, 32, 34, 35, 36, 37, 43 e 44, da queixa-crime). 13.º OU SEJA, de acordo com a queixa-crime, no tráfego de SMS,s, supostamente enviados pela aqui Recorrida, apenas foi utilizado o seu n.º de telemóvel 914 161 …, tendo como destino, os telemóveis do aqui Recorrente, com os n.º 914 387… e 966 555…. 14.º Com a queixa-crime, não foi apresentado qualquer meio de prova (nomeadamente, documental e/ou testemunhal). 15.ºApenas com o requerimento, constante de fls. 163 dos presentes autos, foi indicada como testemunha, pelo aqui Recorrente, o "Engº D…….", com domicílio na Escola Secundária ………. 16.º Inquirida a referida testemunha (fls. 163, dos presentes autos), a mesma em nada confirmou, o teor da queixa-crime, apresentada pelo aqui Recorrente. 17.ºDurante o inquérito, e para alem da referida testemunha, não foi produzida qualquer outro tipo de prova, que atestasse ou confirmasse, o teor da queixa-crime apresentada pelo aqui Recorrente, COM O QUE, findo o inquérito, nada mais existia nos autos, do que a "versão" e a "palavra" do aqui Recorrente, e constante da sua queixa-crime. 18.º Acontece que, INEXPLlCÁVELMENTE, o Ministério Público, a fls. 182, ordena a notificação do aqui Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º 1, do C.P.P. 19.ºA fls 197 e segs., consta a Acusação Particular do aqui Recorrente, com a qual, foi igualmente deduzido pedido de indemnização cível. 20.º Ao arrepio daquilo que consta da queixa-crime, apresentada pelo aqui Recorrente, e da inexistência de prova, produzida durante o inquérito, a Acusação Particular, passou a fazer constar da mesma, que os telemóveis de onde foram supostamente enviados os SMS,s, por parte da aqui Recorrida, tinham os n.º 919 863 … e 931 841 … (quando na queixa-crime, apenas consta o telemóvel n.º 914 161 …, que não é nenhum daqueles), apesar de se reconhecer, que o telemóvel 919 863 …, é propriedade da aqui Recorrida, ao contrário do n.º 931 841 …, que nunca foi propriedade daquela. 21.ºPOR OUTRO LADO, fez-se constar da Acusação Particular, os factos relatados sob n.º 2 a 5, e as conclusões de n.º 6 a 9, SEM QUE, aqueles e estas, se mostrem alicerçados, em qualquer prova, que haja sido produzida durante o inquérito. 22º POR ÚLTIMO, na Acusação Particular, e sem qualquer fundamento (de facto e/ou de direito), são imputados à aqui Recorrida, os crimes de "difamação e injúria". 23.ºMais uma vez, INEXPLlCÁVELMENTE, o Ministério Público, a fls. 204 e 205, dos presentes autos, veio acompanhar a Acusação Particular, deduzida pelo aqui Recorrente, mas apenas, no que tange à factualidade, subsumível ao "crime de injúria", 24.ºTendo em conta, tudo quanto supra se deixou alegado, e, bem assim, o teor da Acusação Particular, a aqui Recorrida, apresentou requerimento para a abertura de instrução. 25º Nesse requerimento (que delimita o âmbito da instrução), a aqui Recorrida apenas se reportou ao que se mostrava carreado para os autos, durante a fase de inquérito, quer no que tange à queixa-crime, por si apresentada contra o aqui Recorrente, quer à queixa-crime que este apresentou contra aquela, e o carácter persecutório que presidiu à apresentação desta última, E, BEM ASSIM, reportou-se às Acusações (Pública e Particular) deduzidas contra o aqui Recorrente, e prova que as fundamenta (recolhida durante o inquérito), e, por último, reportou-se à Acusação Particular, deduzida pelo aqui Recorrente e INEXISTÊNCIA DE QUALQUER PROVA QUE A FUNDAMENTA (recolhida durante o inquérito). 26.ºA aqui Recorrida, com o seu requerimento para a abertura da instrução, não requereu a realização de quaisquer actos de instrução (nomeadamente, audição de prova testemunhal e/ou obtenção de prova documental). 27.º ORA, tendo sido a aqui Recorrida, a requerer a abertura de instrução, é através do seu requerimento, que se delimita o âmbito da instrução. 28.ºPOR OUTRO LADO, não tendo a aqui Recorrida, requerido a realização de quaisquer actos de instrução, apenas se circunscrevendo à produção de prova, realizada na fase de inquérito, não poderia ser objecto, da discussão oral e contraditória, que constitui o cerne do debate instrutório, o resultado de qualquer produção de prova, realizada na fase de instrução, uma vez que, prova alguma foi requerida pela aqui Recorrida. 29.º Conforme anteriormente se alegou, os n.º de telemóveis atribuídos à aqui Recorrida, e constantes da Acusação Particular, divergem do que consta da queixa-crime. 30.º NO ENTANTO, o requerimento para a abertura da instrução, teve em conta a Acusação Particular, e o que da mesma consta, nomeadamente, os n.º de telemóveis atribuídos à aqui Recorrida. 31.º DAÍ QUE, préviamente à realização do debate instrutório, e por douto despacho de fls. 229, do Meritíssimo J.I.C., este tenha ordenado à Vodafone, TMN e Optimus, o envio da listagem de tráfego (no período temporal referido na Acusação Particular) e o nome dos titulares dos telemóveis, propriedade do aqui Recorrente e da aqui Recorrida, e que constam da Acusação Particular (onde não se menciona o n.º 914 161…, o qual, não obstante é, como supra se alegou, propriedade da aqui Recorrida, e para o qual, aliás, foram enviadas as mensagens do aqui Recorrente, e que constam da Acusação Particular da aqui Recorrida). 32.º DE QUALQUER SORTE, A PROVA SUPLEMENTAR REQUERIDA PELO AQUI RECORRENTE, DURANTE O DEBATE INSTRUTÓRIO, NÃO VISOU NENHUMA QUESTÃO CONCRETA CONTROVERSA (CFR. ARTIGO 302.º, N.º 2, DO C.P.P.), DADA A INEXISTÊNCIA DE PROVA, DURANTE O INQUÉRITO (E DURANTE A INSTRUÇÃO), NO QUE TANGE AO TEOR DA ACUSAÇÃO PARTICULAR. 33.º DESTA FORMA, bem andou o Meritíssimo J.I.C., ao indeferir a requerida produção de prova suplementar. 34.ºEm face da inexistência de prova indiciária, realizada durante o inquérito (e durante a instrução), que prove e comprove, o que consta da Acusação Particular, não poderia a aqui Recorrida, deixar de ser não pronunciada, pelos crimes que naquela lhe são imputados. 35.º ADEMAIS, e mesmo que, se provasse que a aqui Recorrida teria enviado as mensagens constantes da Acusação Particular, o que não se concede, por ser falso, MESMO ASSIM, e tendo em conta o teor das mensagens, por si recebidas do aqui Recorrente (essas sim, profusamente documentadas e provadas, nos presentes autos), era plenamente legítima e justificada, a retorsão da aqui Recorrida (cfr. Acordãos da Relação do Porto, de 15/01/1991 e 05/11/1997 - in www.dgsi.pt/jtrp. e o disposto no artigo 186.º, n.º 2, do Código Penal). 36.º O douto despacho que indeferiu a realização de prova suplementar, mostra-se devidamente fundamentado e não enferma de arbitrariedade e/ou discricionariedade. 37.º De qualquer sorte, e mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, aquele despacho apenas seria passível de reclamação, sendo irrecorrível o despacho que decidisse esta (cfr. artigo 291.º, n.º 2, do C.P.P.). 38.ºORA, o aqui Recorrente não reclamou daquele despacho, pelo que, não é este despacho, sindicável perante este Venerando Tribunal, o que, aliás, sempre ocorreria, mesmo que tivesse havido reclamação (que não houve). 39.ºO despacho de fls. 171 a 181 (do Ministério Público), não constitui, por si só, qualquer indício de prova, da prática de qualquer ilícito penal. 40.º O despacho de não pronúncia, proferido nos presentes autos, mostra-se devidamente fundamentado, conforme determina o artigo 283.º, n.º 2 e 3, aplicável ex vi do artigo 308.º, n.º 2, ambos do C.P.P., pelo que, não padece aquele douto despacho, da nulidade, invocada pelo aqui Recorrente. 41.º Nos presentes autos, prova indiciária alguma existe, produzida durante o inquérito (e durante a instrução), através da qual, se possa concluir, ainda que indiciariamente, que a aqui Recorrida praticou qualquer tipo de ilícito penal, mormente aqueles, que lhe são imputados na Acusação Particular. 42.º EM SUMA, o douto despacho de não pronúncia da aqui Recorrida, mostra-se superiormente fundamentado, de facto e de direito, não merecendo qualquer censura, COM O QUE, e conforme se mostra determinado em 1.ª instância, deverão os presentes autos ser remetidos para julgamento, atentas as acusações deduzidas, quer pelo Ministério Público quer pela aqui Recorrida, contra o aqui Recorrente. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, que doutamente serão supridos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, e, nessa medida, deverá manter-se o douto despacho de não pronúncia da aqui Recorrida, devendo os autos ser remetidos para julgamento, atentas as acusações deduzidas quer pelo Ministério Público quer pela aqui Recorrida, contra o aqui Recorrente, com o que se fará inteira e sã JUSTIÇA. 3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. 4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, a questão a decidir consiste em saber se o despacho recorrido enferma de algum vício, designadamente por falta de fundamentação, pelo qual deva ser revogado. Questiona-se, igualmente, o indeferimento da produção de prova indiciária suplementar requerida pelo recorrente. 2. Elementos relevantes 2.1. A decisão instrutória tem o seguinte teor: «Inexistem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Não se conformando com a acusação particular contra si deduzida pelo assistente B………., veio a arguida C………… requerer a abertura de instrução, alegando fatos atinentes à sua não pronúncia. Encontra-se a arguida acusada por um crime de injúrias, previsto e punido, pelo artigo 181.º, do Código Penal. Como já referido, o objecto da instrução encontra-se delimitado pela matéria da acusação e do respectivo requerimento de instrução - princípio da vinculação temática. Ora, a acusação particular do assistente assenta no envio pela arguida de mensagens através dos telemóveis 919 863 … e 931841…. Solicitadas as respectivas facturações detalhadas, como a identificação dos respectivos titulares, fls. 238 e segs., não só se constata que o n.º de telemóvel 931841… não tem titular identificado, como da comparação do tráfego dos respectivos registos de transmissões de mensagens há uma correspondência mínima. Não há correspondência entre os registos do teor das mensagens indicadas na acusação com os sobreditos indicados como telemóveis da arguida. Da prova produzida nos autos relativa à matéria em questão há apenas a palavra do assistente, mesmo quanto ao teor das ditas mensagens. E como já se disse, da prova documental se infere pela não existência das respectivas mensagens quanto aos respectivos telemóveis ali atribuídos à arguida. Tão pouco a testemunha arrolada pelo arguido infirma a acusação. Em suma: com a prova constante dos autos, apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção, art. 127.º do CPP, a conduta da arguida não merece ser posta em causa. Não há prova indiciária para submeter a julgamento a arguida C……… pelo crime de injúrias, pelo que não a pronuncio e ordeno o arquivamento dos autos nesta parte. Custas pelo assistente B……… pelo decaimento, fixando a taxa de justiça em três (3) UC's. Remetam-se os autos para julgamento atentas as acusações deduzidas quer pelo M.ºP.º quer pela assistente C………. contra o arguido B………..» 2.2. Na acta do debate instrutório consta, além do mais: «De seguida, o M.mo Juiz de Direito concedeu, sucessivamente, a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público e aos ilustres mandatários presentes, para que estes requeiram, querendo, a produção de provas indiciárias suplementares que se proponham apresentar durante o debate, sobre questões concretas controversas, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 302.º, do citado diploma legal. Seguidamente foi dada a palavra ao Dr. E……., mandatário do arguido/assistente, B………, como prova suplementar requereu o seguinte: Tal como consta da listagem do tráfego remetida pela TMN aos presentes autos alguns dos SMS enviados para o n.º 966 555 …, propriedade do ofendido foram remetidas do telemóvel com o n.º 914 161 …, também este propriedade da ofendida. Assim requer a V. Exa., para prova dos factos constantes da acusação, notificação da Vodafone para informar quem é o titular do telemóvel com o n.º 914 161 …. Requer ainda a junção aos autos de um (1) CD com a gravação do teor das SMS enviadas dos n.º 914 161 …, 919 863 … e 931 841 …, todos eles propriedade da arguida para os n.º 966 555… e 914 387 …. Mais requer a realização de uma peritagem aos telemóveis do ofendido, aparelhos onde se encontram gravados todos os dados ora juntos, quer no CD quer em papel por cópia, dos ficheiros aí gravados tendo em vista comprovar a matéria da acusação, nomeadamente a constantes das alíneas do ponto 1 da acusação particular. De seguida foi dada a palavra ao Ministério Público, no uso dela disse: Embora não considere decisivos os elementos de prova requeridos, não se opõe a que sejam realizados. Após foi dada a palavra ao Dr. F………, mandatário da arguida/assistente, C………, no uso dela disse: Em relação aos meios de prova suplementar requeridos pelo assistente e apesar de, como o Ministério Público referiu, não serem decisivos para a matéria dos autos, no entanto desde já informa os autos que à data dos factos a arguida apenas era titular de dois (2) telemóveis da rede Vodaone, um com o n.º 919 863 … e outro com o n.º 914 161 …. Mais refere que a arguida nunca foi titular, à data dos factos, do telemóvel da rede Optimus com o n.º 931 841 …, e que consta da acusação particular. Em relação à transcrição, que se supõe ser fidedigna daquela que foi junta aos autos, só após a sua análise a arguida se poderá pronunciar. Por último refere-se que a prova suplementar ora requerida apenas deveria ter o seu cabimento na fase de inquérito e não nesta fase, uma vez que o requerimento de abertura da instrução apresentado pela arguida, apenas teve em conta, como era óbvio, a prova produzida durante o inquérito, pelo que e em suma deverá ser rejeitada a prova suplementar requerida. Seguidamente o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho: É sabido que o Juiz de Instrução Criminal está vinculado à matéria constante do requerimento de abertura da instrução e da acusação que o mesmo requerimento de abertura da instrução versará. Ora, compulsados os autos à matéria assim delimitada, temos que na acusação particular do assistente B………, os factos alegados e imputados reportam-se a mensagens transmitidas através dos telemóveis atribuídos à arguida com os n.º 919863… e 931841…. Consequentemente a matéria de que o assistente ora quer trazer como prova suplementar, e que é referente a ao número de telemóvel 914 161 … que atribui à arguida C……… não é, nem pode ser, considerado objecto em discussão nos presentes autos, pelo que se indefere a requerida prova suplementar. Por isso também tal número de telemóvel não constar do despacho de fls. 229 deste Tribunal a solicitar a facturação detalhada dos registos de mensagens efectuadas. Notifique.» 3. Apreciando 3.1. O ora recorrente requereu, durante o debate instrutório, a produção de prova suplementar, que o M.mo Juiz de Instrução indeferiu por ter considerado que haveria violação do princípio da vinculação temática do Juiz de Instrução. Insurge-se o recorrente contra tal despacho, mas sem razão. Nos termos do disposto no artigo 286.º, n.º1, do C.P.P., a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. A vinculação temática da instrução é fixada pelo requerimento de abertura de instrução, que no caso vertente foi formulado pela arguida C………, pois foi ela que requereu a abertura desta fase processual, que tem natureza facultativa face ao disposto no artigo 286.º, n.º 2, do C.P.P. O requerimento de abertura de instrução constitui, por conseguinte, o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do Juiz na instrução: investigação que é autónoma, mas autónoma no quadro do tema factual que lhe é delimitado através, precisamente, do requerimento de abertura de instrução. Não se vê, pois, que possam efectuar-se diligências de instrução a pedido de quem não foi requerente desta fase processual, a não ser que por razões concretas e muito específicas as mesmas sejam úteis para a descoberta da verdade material. No caso vertente, não foi o recorrente a requerer a fase de instrução, sendo certo que a arguida que requereu a realização dessa fase, com o respectivo requerimento de abertura de instrução, não requereu a realização de quaisquer actos de instrução, nomeadamente, a inquirição de testemunhas ou a obtenção de prova documental. Tal significa que a requerente da instrução circunscreveu a discussão da matéria probatória às provas recolhidas na fase de inquérito. Neste quadro, carece de razão de ser a pretensão do recorrente de que fosse produzida prova suplementar por si requerida. Acresce que o M.mo Juiz de Instrução, por despacho proferido a fls. 229, solicitou às operadoras de telecomunicações a identificação e facturação detalhada de todos os registos de mensagens recebidas respeitantes aos telemóveis que identifica, vindo a referir na sua decisão de não pronúncia da arguida inexistir correspondência entre os registos das mensagens indicados na acusação, com os indicados como telemóveis da arguida. Este particular deve ser salientado: o recorrente, através da requerida “prova suplementar”, pretendia extravasar o objecto do processo, pois, como bem refere M.mo Juiz: «(…) temos que na acusação particular do assistente B………, os factos alegados e imputados reportam-se a mensagens transmitidas através dos telemóveis atribuídos à arguida com os n.º 919863 … e 931841…. Consequentemente a matéria de que o assistente ora quer trazer como prova suplementar, e que é referente a ao número de telemóvel 914 161 … que atribui à arguida C……… não é, nem pode ser, considerado objecto em discussão nos presentes autos, pelo que se indefere a requerida prova suplementar. Por isso também tal número de telemóvel não constar do despacho de fls. 229 deste Tribunal a solicitar a facturação detalhada dos registos de mensagens efectuadas.» Quer isto dizer que o recorrente, para além de pretender a produção de prova indiciária suplementar numa instrução que não requereu e que se destinava a discutir a suficiência ou insuficiência dos indícios face à prova recolhida no inquérito (pois outra não foi requerida pela arguida – requerente da instrução), ainda pretendia que essa prova suplementar incidisse sobre factos que não integravam o objecto do processo por não fazerem parte da acusação particular que havia deduzido. Evidencia-se, assim, a falta de razão do recorrente, a que acresce, finalmente, a constatação de que, quanto aos actos de instrução, o juiz pode indeferir os que entenda não servirem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo, despacho de que cabe apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a decidir, como proclama o n.º2 do artigo 291.º do C.P.P. Sobre esta irrecorribilidade já se pronunciou o Tribunal Constitucional, repetidamente, no sentido da sua não inconstitucionalidade. Conclui-se, sem mais considerações, que o recurso, nesta parte, não merece provimento. 3.2. Aqui chegados, afigura-se-nos conveniente fazer uma panorâmica, ainda que breve, dos autos. Em 25 de Junho de 2008, o ora recorrente deu entrada no D.I.A.P. do Porto, de queixa-crime contra C…….., que deu lugar ao inquérito n.º 8971/08. 2 TDPRT, que posteriormente veio a ser incorporado nos presentes autos em que já se investigava uma queixa desta contra aquele. Na referida queixa-crime apresentada pelo aqui recorrente (cfr. fls. 93 a 108, dos presentes autos), imputavam-se à aqui Recorrida uma diversidade de crimes: exposição ou abandono, ameaça, coacção agravada, difamação, injúria, um designado «crime de equiparação» (?), de ofensa a organismo ou pessoa colectiva, de introdução em lugar vedado ao público e de devassa da vida privada, tudo de uma forma muito confusa na indicação dos factos e das correspondentes subsunções legais. Na ocasião, o ora recorrente não indicou quaisquer provas. No ponto 2 da referida queixa-crime, referia-se o ora recorrente a «tentativas de sedução, de toda a índole, por parte da aqui ré [reportando-se à ora recorrida], quer pessoalmente, quer através do seu telemóvel 914161…, tendo como destino os telemóveis do recorrente com os números 914387… e 966555… (cfr. a referida queixa-crime). Compulsados esses autos, verifica-se que o recorrente foi admitido a intervir como assistente, por despacho de 30 de Setembro de 2008, apenas tendo indicado uma testemunha em 3 Fevereiro de 2009 (ver fls. 163), a saber, o Eng.º D………, com domicílio profissional na Escola Secundária …….. A testemunha indicada foi inquirida no dia 6 de Março de 2009 e, de relevante, nada adiantou quanto ao teor da queixa-crime apresentada pelo aqui recorrente, como se infere do auto de inquirição que consta a fls. 169. Esta a prova, findo o inquérito, relativa à matéria da referida queixa-crime, sendo certo que a arguida, no auto de interrogatório de fls. 138 e 139, disse não pretender prestar declarações, ou seja, temos apenas o teor da própria queixa e um depoimento que revela desconhecimento da matéria em causa. Por despacho de 10 de Março de 2009 (fls. 171 e seguintes), o Ministério Público, além de ter determinado o arquivamento dos autos (relativos às queixas cruzadas de recorrente e recorrida) em parte, deduziu acusação contra o ora recorrente pela autoria material e na forma continuada de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º1, do Código Penal. Além disso, a fls. 182, ordenou a notificação dos aqui recorrente e recorrida, nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º 1, do C.P.P., quanto aos factos denunciados que, em abstracto, integrariam a prática de crimes de injúria e de difamação. Na sequência, o recorrente deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil, como consta de fls. 197 e seguintes. Note-se que esta acusação particular, no seu teor, não tem correspondência com a queixa-crime que havia sido apresentada, integrando factos que não tinham sido objecto da queixa e indicando outros telemóveis de onde alegadamente teriam sido enviados SMS ofensivos para o recorrente. Ainda assim, por despacho de 2 de Abril de 2009, o Ministério Público acompanhou a referida acusação particular (cfr. fls. 204 e 205). Pela descrição até aqui feita logo se alcança, com clareza, que o inquérito não continha, aquando da dedução da referida acusação particular, quaisquer elementos de prova indiciária que a pudessem suportar. É para contrariar a referida acusação particular, que o Ministério Público acompanhou (embora agora reconheça a inexistência de prova indiciária), que a ora recorrida requereu a realização da fase de instrução, que veio a culminar no despacho recorrido. Veja-se, ainda, o seguinte: A queixa tinha sido apresentada no dia 25 de Junho de 2008. A quase totalidade dos factos que vieram a ser incluídos na acusação particular não constavam da referida queixa-crime. Ora, reportando-se tais factos ao período entre 28 de Janeiro e 16 de Fevereiro de 2008, teremos de concluir que, quanto a muitos deles, por que não constantes da queixa-crime, já se havia extinto o direito de queixa aquando da dedução da acusação particular, face ao disposto no artigo 115.º do Código Penal. 3.3. Esta descrição, que pretendemos breve, elucida, nosso ver, os caminhos heterodoxos que o processo tomou e conduzem a uma inultrapassável conclusão: os autos de inquérito não continham prova indiciária que pudesse suportar, em termos de indícios suficientes, a acusação em causa. Em face da inexistência de prova indiciária, realizada durante o inquérito (e durante a instrução), que suporte o que consta da acusação particular, a aqui recorrida não poderia deixar de não ser pronunciada pelos crimes que naquela lhe são imputados. Dispõe o artigo 308.º, n.º1, do C.P. Penal: Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Esclarece o legislador, no artigo 283.º, n.º2, do mesmo diploma, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Está em causa, neste preceito, a apreciação de todos os elementos de prova produzidos no inquérito e na instrução e a respectiva integração e enquadramento jurídico, em ordem a aferir da sua suficiência ou não para fundamentar a sujeição a julgamento. E nessa aferição o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (artigo 127.º, do Código de Processo Penal). Figueiredo Dias ensina que «(...) os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.» E adianta: «tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação.» (Direito Processual Penal, 1.º vol., 1974, pág. 133). Como escreve Carlos Adérito Teixeira, no conceito de indícios suficientes «liga-se o referente retrospectivo da prova indiciária coligida ao referente prospectivo da condenação, no ponto de convergência da “possibilidade razoável” desta, por força daqueles indícios e não de outros» (“Indícios suficientes”: parâmetros de racionalidade e “instância de legitimação”(…), Revista do CEJ, 2.º semestre 2004, n.º1, p. 189). Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; e isso acontece quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável. É sabido que existem algumas diferenças de entendimento sobre o juízo de indiciação suficiente. Há quem se baste com a bitola da probabilidade predominante - os indícios são suficientes quando a possibilidade de futura condenação for mais provável (mais de 50% de possibilidades) do que a possibilidade de absolvição, tese que, de forma explícita ou implícita, colhe o apoio de grande parte da jurisprudência. Por outro lado, uma orientação mais exigente (porventura mais compatível com o princípio da presunção de inocência e outros princípios do processo penal) afirma o critério da possibilidade particularmente qualificada, em que os diversos elementos de prova, relacionados e conjugados, fazem nascer uma convicção de alta probabilidade de que o arguido, em julgamento, será condenado. Em todo o caso, o referente da condenação respeita ao crime que é imputado e em relação ao qual o juízo de indiciação suficiente se reporta. Ora, face ao supra exposto, a falta de indícios que suportassem a acusação deduzida é manifesta. 3.4. Refere-se o recorrente às exigências de fundamentação das decisões instrutórias de pronúncia e não pronúncia. Concede-se que o despacho recorrido não é modelar na sua fundamentação. Sobre esta matéria, conhecem-se diversas posições jurisprudenciais. Há quem entenda que a falta de fundamentação da decisão instrutória não vem enumerada no catálogo das nulidades absolutas (art. 119.º do C.P.P.), nem relativas (art. 120.º do C.P.P.), nem é como tal expressamente qualificada em qualquer disposição legal, pelo que configura uma mera irregularidade, sujeita ao regime geral (de arguição e sanação) do artigo 123º do C.P. Penal. Nesta perspectiva, o legislador apenas quis acometer de nulidade a decisão instrutória que represente uma alteração substancial dos factos descritos na acusação pública ou no requerimento para abertura da instrução conducente à pronúncia, face ao previsto no art. 309.º, assim como aquela que, pronunciando, não respeite o registo legal descritivo da acusação, enunciado no art. 283.º, n.º 3, mediante remissão do art. 308.º, n.º 2 e nada mais. Assim, considerando-se existir deficiência na fundamentação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, que consistiria numa irregularidade, sujeita ao regime geral do art. 123.º, deveria a mesma ser atempadamente suscitada perante o juiz de instrução, sob pena de se considerar sanada (neste sentido, entre outros, o Acórdão desta Relação, de 10.09.2008, Nº Convencional: JTRP00041618, www.dgsi.pt). Mais concretamente sobre o despacho de não pronúncia (que é a hipótese que nos importa, no caso vertente) o Acórdão desta Relação, de 23.04.2008 (Processo: 0810048, www.dgsi.pt), disse: «Quanto à inobservância do dever de fundamentação, há que atentar no regime estabelecido nos nºs 1 (“A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”) e 2 (“Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular) do art. 118º. Assim, e porque inexiste norma que, de forma genérica, comine a nulidade dos actos decisórios não fundamentados, eles só serão nulos nos casos em que a lei o determine expressamente; inexistindo tal cominação, a falta de fundamentação constitui mera irregularidade, sujeita à disciplina do art. 123º do mesmo diploma. A decisão recorrida assume, inequivocamente, a natureza de acto decisório, pois como tal são definidos os despachos dos juízes, quando, não se tratando de sentenças, puserem termo ao processo (cfr. al. b) do nº 1 do art. 97º do C.P.P.). Sendo-lhe aplicável, por força do disposto no nº 2 do art. 308º, o estabelecido nos nºs 2, 3 e 4 do art. 283º, o despacho de não pronúncia (à semelhança do que sucede com o de pronúncia) deve conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência da prova indiciária, imprescindível para decidir se existe ou não uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. O dever de fundamentação a que está sujeito pode ser cumprido “por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução” (cfr. arts. 308º nº 2 e 307º nº 1 do C.P.P.). Lendo o despacho recorrido, verificamos que o mesmo se limita a tecer considerações gerais e, quanto à apreciação da prova recolhida nos autos, a salientar a inexistência de elementos “que determinem o fim ou o destino do dinheiro”, no mais se atrelando ao despacho de arquivamento proferido pelo MºPº (que já de si continha uma apreciação muito incompleta e redutora da prova indiciária até então recolhida nos autos, como adiante se verá) para concluir não haver prova indiciária suficiente para submeter o arguido a julgamento pelos crimes de abuso de confiança e de burla qualificada. Pensamos que uma apreciação tão ligeira, mais do que constituir fundamentação deficiente, pode ser equiparada a falta de fundamentação. E que o despacho recorrido padece, efectivamente, da nulidade que lhe aponta a recorrente. Sucede, porém, que tal vício não vem cominado na lei como nulidade insanável, nem se enquadra entre aqueles que vêm enumerados nas alíneas do art. 119º. Assim sendo, porque não se trata de questão de conhecimento oficioso e, obviamente, estamos fora do âmbito de aplicação do nº 2 do art. 379º, deveria ter sido previamente arguida perante o tribunal recorrido, sendo então, nesse caso, admissível recurso da decisão que este viesse a proferir. Não o tendo sido, não pode ser conhecida em primeira linha pela instância de recurso, pois, como é sabido, os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas, e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas. Terá, pois, de se concluir pela sanação, por falta de arguição no local próprio, da nulidade de que o despacho recorrido em nosso entender padece.» Seguindo estes entendimentos, analisado o despacho recorrido, retira-se que a existir irregularidade (primeira posição) ou nulidade sanável (segunda posição), sempre o vício teria que ser suscitado previamente, no prazo legal, perante o tribunal recorrido. Diversamente, outra posição sustenta que o despacho de pronúncia ou de não pronúncia deve conter, ainda que de forma sintética, os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária. A não descrição dos factos acarretará a nulidade da decisão instrutória (artigos 308.º, n.º2, com referência ao artigo 283.º, n.º3, b), do C.P.P.), por ausência de fundamentação de facto da mesma, nulidade cognoscível em sede de recurso da decisão instrutória (neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 1.03.2005, Processo: 1481/04-1; o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10.07.2007, Processo: 1075/07-5, em www.dgsi.pt). Conhecendo a controvérsia, entendemos existirem razões para distinguir os casos de despacho de pronúncia com falta de narração dos factos indiciados dos casos de despacho de não pronúncia deficientemente fundamentado por não conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária. É certo que o artigo 308.º, n.º2, do C.P.P., prescreve ser «correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.º2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º1 do artigo anterior». O «despacho referido no número anterior» é o despacho de pronúncia ou de não pronúncia. A não descrição dos factos acarreta a nulidade do despacho, tendo em vista o disposto no artigo 283.º, n.º3, alínea b). Esta nulidade não faz parte do elenco de nulidades descritas nas alíneas a) a f) do artigo 119.º do C.P. Penal. Ainda assim, admitimos que, quando referida a uma acusação ou ao despacho de pronúncia, tal nulidade – por omissão dos factos imputados ao arguido, pelos quais deverá responder em julgamento - seja considerada insanável, tendo em vista a lógica do sistema. Realmente, se a falta de narração dos factos na acusação pode ser conhecida oficiosamente, levando à rejeição desta como manifestamente infundada [artigo 311.º, n.º3, alínea b)], não faria sentido que a falta de factos no despacho de pronúncia não pudesse ser objecto do mesmo tipo de conhecimento em sede de recurso. Por outras palavras: os casos referidos no n.º 3 do artigo 311.º que se contêm nas previsões das alíneas do n.º 3 do artigo 283.º reconduzem-se a uma forma de nulidade “sui generis”, insanável e de conhecimento oficioso. Os demais casos do n.º3 do artigo 283.º, não subsumíveis à previsão da acusação manifestamente infundada, reconduzem-se ao regime geral das nulidades sanáveis e dependentes de arguição. Daí que, tratando-se, no caso, não de um despacho de pronúncia, mas antes de um despacho de não pronúncia, a falta de fundamentação (e omissão de pronúncia) se traduza numa nulidade que é sanável e dependente de arguição. E, como tal, deveria ter sido arguida, em local e tempo próprio e não em recurso. Por todas as apontadas razões, conclui-se, sem dificuldade, que o recurso não merece provimento. III – Dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs. Porto, 7de Julho de 2010 (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.) Jorge Manuel Baptista Gonçalves Adelina da Conceição Cardoso Barradas de Oliveira
Recurso n.º 102/08.5PUPRT.P1 Tribunal de Instrução Criminal do Porto – 2.º juízo Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. No processo n.º102/08.5PUPRT, não se conformando com a acusação particular contra si deduzida pelo assistente B…….., veio a arguida C……….. requerer a abertura de instrução. Realizada a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia da arguida pelo crime de injúrias que lhe havia sido imputado. 2. Inconformado, o assistente recorre do despacho de não pronúncia, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 31. O indeferimento da requerida prova suplementar, com fundamentado no facto de o nº 914161…., não poder ser, considerado objecto em discussão nos presentes autos, esquecendo, todavia, que a mesma prova documental se reportava também a SMS enviadas dos outros telemóveis da arguida, nomeadamente com os nºs 919863… e 931841…, que, pelo menos o primeiro, está provado ser da arguida, é, no mínimo, sem fundamento, arbitrário e discricionário. 32. Perante a prova já existente nesta fase de instrução impunha-se uma decisão diversa da recorrida. 33. O despacho de não pronúncia, ainda que sumariamente, não fez qualquer referência à factualidade indiciada existente nos autos. 34. No despacho recorrido, apenas foi referido a que conclusão chegou da prova que analisou, mas sem referir ou dar por assente qualquer facto, nem mesmo por remissão para o requerimento de abertura de instrução a que se deveria reportar. 35. O despacho de pronúncia ou de não pronúncia há-de conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária. 36. O despacho de não pronúncia, tem de conter os elementos referentes no art. 283º, nºs.2, 3, sem prejuízo da 2.ª parte do nº1 do art. 307.º do CPP. 37. A não narração dos factos, ainda que sintética, dos factos que constituem fundamento da decisão de pronúncia ou não pronúncia, acarreta a nulidade do despacho – art. 308.ºn.º2 com referência ao art.283.º, n.º3 b)- do CPP. 38. O assistente no requerimento de acusação particular imputa à arguida os factos susceptíveis de configurarem a prática do crime de difamação; 39. O despacho posto em crise não faz qualquer alusão ao crime de difamação, pelo que, mais uma vez, não foi fundamentada a razão pela qual a arguida não era pronunciada pelo crime de difamação. NESTES TERMOS e nos melhores de direito que Vossas Excelências douta mente suprirão, deve: a) - ser revogado o douto despacho recorrido e ser proferido despacho de pronúncia da arguida; ou, caso assim não se entenda, b) - ser ordenada a reabertura da instrução e serem deferidas as diligências requeridas pelo recorrente, em especial, deve ser ordenada a admissão da prova suplementar documental, nomeadamente aquela que se reporta a SMS enviadas dos outros telemóveis da arguida, nomeadamente com os nºs 919863… e 931841…. 2. Respondeu o Ministério Público, defendendo que o recurso não merece provimento, como resulta de fls.289 a 291. 3. Respondeu igualmente a arguida, sustentando a improcedência do recurso e concluindo nos seguintes termos (transcrição): 1.º No requerimento de interposição do recurso, e que antecede a respectiva motivação, o Recorrente reporta-se ao "despacho dos presentes autos ( ... ) na parte do arquivamento do crime de injúria p.p. pelo artigo 181º, do Código Penal". 2.º NO ENTANTO, na argumentação recursiva (motivação), o Recorrente reporta-se ao despacho que indeferiu a produção de prova suplementar (despacho este insindicável, conforme infra se alegará), e que antecedeu a decisão instrutória e o despacho de não pronúncia da aqui Recorrida. 3.º POR OUTRO LADO, o Recorrente reporta-se ainda, ao "despacho posto em crise", e que, segundo alega "não faz qualquer alusão ao crime de difamação, pelo que, mais uma vez, não foi fundamentada a razão pela qual a arguida não era pronunciada pelo crime de difamação". 4.º O Recorrente menciona, pelo menos, dois despachos (sendo um deles irrecorrível, conforme infra se alegará), não se sabendo ao certo, de qual deles recorre, visto que, menciona "o despacho dos presentes autos" e, "o despacho posto em crise". 5.º O Recorrente, na parte que antecede a motivação, reporta-se ao "arquivamento do crime de injúria, p.p. pelo artigo 181º, do Código Penal", para depois, na argumentação recursiva, se reportar ao "despacho posto em crise" que "não faz qualquer alusão ao crime de difamação". 6.º O Recorrente invoca, em relação ao "despacho dos presentes autos" e/ou "despacho posto em crise" (não se sabe qual deles), a "falta de fundamentação" e a "nulidade". 7.º ENFIM, vejamos quais os fundamentos, pelos quais, não assiste qualquer razão ao Recorrente, quer este se reporte ao despacho interlocutório, que "indeferiu a produção de prova suplementar" (despacho este irrecorrível, conforme infra se alegará), quer ao douto despacho, que veio a não pronunciar a aqui Recorrida, pelos crimes que constam da Acusação Particular, visto que, o Ministério Público apenas acompanhou esta, na parte em que naquela se imputam à aqui Recorrida, factos subsumíveis ao "crime de injúria", e SÓMENTE QUANTO A ESTE (cfr. despacho de fls. 204 e 205, dos presentes autos). 8.º “A queixa delimita o procedimento criminal quer relativamente aos factos quer relativamente à autoria na mesma indicados (...)” - Acórdão da Relação do Porto, de 28/10/2009 - in www.dgsi.pt/jtrp. 9.º Em 25/06/2008, o aqui Recorrente deu entrada no D.I.A.P. do Porto, de queixa-crime contra a aqui Recorrida, que deu lugar ao inquérito nº 8971/08. 2 TDPRT, que posteriormente, veio a ser incorporado nos presentes autos (cfr. determinado a fls. 90, dos presentes autos). 10.º Na queixa-crime apresentada pelo aqui Recorrente (fls. 93 a 108, dos presentes autos), e por si subscrita, sem o patrocínio de Advogado, aquele, para além da profusa e confusa argumentação técnico-jurídica (sem que, para tal, se mostrasse habilitado), o aqui Recorrente imputa à aqui Recorrida, uma panóplia de "crimes" (fls. 105 a 108 dos presentes autos). 11.ºOs factos por si invocados, naquela queixa-crime, mais não são, do que um "delírio" persecutório (a aqui Recorrida, havia apresentado queixa-crime contra o aqui Recorrente, em 05/02/2008 - fls. 2 dos presentes autos -, e, posteriormente, aditamento àquela - fls. 17 dos presentes autos). 12.º DE QUALQUER SORTE, naquela queixa-crime, é mencionado pelo aqui Recorrente, que os SMS, supostamente enviados pela aqui Recorrida, o foram do telemóvel desta, com o nº 914 161 … (n.º 2, da queixa-crime), tendo como destino os telemóveis do aqui Recorrente, com os números 914 387… e 966 555… (nos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 14, 15, 20, 23, 30, 32, 34, 35, 36, 37, 43 e 44, da queixa-crime). 13.º OU SEJA, de acordo com a queixa-crime, no tráfego de SMS,s, supostamente enviados pela aqui Recorrida, apenas foi utilizado o seu n.º de telemóvel 914 161 …, tendo como destino, os telemóveis do aqui Recorrente, com os n.º 914 387… e 966 555…. 14.º Com a queixa-crime, não foi apresentado qualquer meio de prova (nomeadamente, documental e/ou testemunhal). 15.ºApenas com o requerimento, constante de fls. 163 dos presentes autos, foi indicada como testemunha, pelo aqui Recorrente, o "Engº D…….", com domicílio na Escola Secundária ………. 16.º Inquirida a referida testemunha (fls. 163, dos presentes autos), a mesma em nada confirmou, o teor da queixa-crime, apresentada pelo aqui Recorrente. 17.ºDurante o inquérito, e para alem da referida testemunha, não foi produzida qualquer outro tipo de prova, que atestasse ou confirmasse, o teor da queixa-crime apresentada pelo aqui Recorrente, COM O QUE, findo o inquérito, nada mais existia nos autos, do que a "versão" e a "palavra" do aqui Recorrente, e constante da sua queixa-crime. 18.º Acontece que, INEXPLlCÁVELMENTE, o Ministério Público, a fls. 182, ordena a notificação do aqui Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º 1, do C.P.P. 19.ºA fls 197 e segs., consta a Acusação Particular do aqui Recorrente, com a qual, foi igualmente deduzido pedido de indemnização cível. 20.º Ao arrepio daquilo que consta da queixa-crime, apresentada pelo aqui Recorrente, e da inexistência de prova, produzida durante o inquérito, a Acusação Particular, passou a fazer constar da mesma, que os telemóveis de onde foram supostamente enviados os SMS,s, por parte da aqui Recorrida, tinham os n.º 919 863 … e 931 841 … (quando na queixa-crime, apenas consta o telemóvel n.º 914 161 …, que não é nenhum daqueles), apesar de se reconhecer, que o telemóvel 919 863 …, é propriedade da aqui Recorrida, ao contrário do n.º 931 841 …, que nunca foi propriedade daquela. 21.ºPOR OUTRO LADO, fez-se constar da Acusação Particular, os factos relatados sob n.º 2 a 5, e as conclusões de n.º 6 a 9, SEM QUE, aqueles e estas, se mostrem alicerçados, em qualquer prova, que haja sido produzida durante o inquérito. 22º POR ÚLTIMO, na Acusação Particular, e sem qualquer fundamento (de facto e/ou de direito), são imputados à aqui Recorrida, os crimes de "difamação e injúria". 23.ºMais uma vez, INEXPLlCÁVELMENTE, o Ministério Público, a fls. 204 e 205, dos presentes autos, veio acompanhar a Acusação Particular, deduzida pelo aqui Recorrente, mas apenas, no que tange à factualidade, subsumível ao "crime de injúria", 24.ºTendo em conta, tudo quanto supra se deixou alegado, e, bem assim, o teor da Acusação Particular, a aqui Recorrida, apresentou requerimento para a abertura de instrução. 25º Nesse requerimento (que delimita o âmbito da instrução), a aqui Recorrida apenas se reportou ao que se mostrava carreado para os autos, durante a fase de inquérito, quer no que tange à queixa-crime, por si apresentada contra o aqui Recorrente, quer à queixa-crime que este apresentou contra aquela, e o carácter persecutório que presidiu à apresentação desta última, E, BEM ASSIM, reportou-se às Acusações (Pública e Particular) deduzidas contra o aqui Recorrente, e prova que as fundamenta (recolhida durante o inquérito), e, por último, reportou-se à Acusação Particular, deduzida pelo aqui Recorrente e INEXISTÊNCIA DE QUALQUER PROVA QUE A FUNDAMENTA (recolhida durante o inquérito). 26.ºA aqui Recorrida, com o seu requerimento para a abertura da instrução, não requereu a realização de quaisquer actos de instrução (nomeadamente, audição de prova testemunhal e/ou obtenção de prova documental). 27.º ORA, tendo sido a aqui Recorrida, a requerer a abertura de instrução, é através do seu requerimento, que se delimita o âmbito da instrução. 28.ºPOR OUTRO LADO, não tendo a aqui Recorrida, requerido a realização de quaisquer actos de instrução, apenas se circunscrevendo à produção de prova, realizada na fase de inquérito, não poderia ser objecto, da discussão oral e contraditória, que constitui o cerne do debate instrutório, o resultado de qualquer produção de prova, realizada na fase de instrução, uma vez que, prova alguma foi requerida pela aqui Recorrida. 29.º Conforme anteriormente se alegou, os n.º de telemóveis atribuídos à aqui Recorrida, e constantes da Acusação Particular, divergem do que consta da queixa-crime. 30.º NO ENTANTO, o requerimento para a abertura da instrução, teve em conta a Acusação Particular, e o que da mesma consta, nomeadamente, os n.º de telemóveis atribuídos à aqui Recorrida. 31.º DAÍ QUE, préviamente à realização do debate instrutório, e por douto despacho de fls. 229, do Meritíssimo J.I.C., este tenha ordenado à Vodafone, TMN e Optimus, o envio da listagem de tráfego (no período temporal referido na Acusação Particular) e o nome dos titulares dos telemóveis, propriedade do aqui Recorrente e da aqui Recorrida, e que constam da Acusação Particular (onde não se menciona o n.º 914 161…, o qual, não obstante é, como supra se alegou, propriedade da aqui Recorrida, e para o qual, aliás, foram enviadas as mensagens do aqui Recorrente, e que constam da Acusação Particular da aqui Recorrida). 32.º DE QUALQUER SORTE, A PROVA SUPLEMENTAR REQUERIDA PELO AQUI RECORRENTE, DURANTE O DEBATE INSTRUTÓRIO, NÃO VISOU NENHUMA QUESTÃO CONCRETA CONTROVERSA (CFR. ARTIGO 302.º, N.º 2, DO C.P.P.), DADA A INEXISTÊNCIA DE PROVA, DURANTE O INQUÉRITO (E DURANTE A INSTRUÇÃO), NO QUE TANGE AO TEOR DA ACUSAÇÃO PARTICULAR. 33.º DESTA FORMA, bem andou o Meritíssimo J.I.C., ao indeferir a requerida produção de prova suplementar. 34.ºEm face da inexistência de prova indiciária, realizada durante o inquérito (e durante a instrução), que prove e comprove, o que consta da Acusação Particular, não poderia a aqui Recorrida, deixar de ser não pronunciada, pelos crimes que naquela lhe são imputados. 35.º ADEMAIS, e mesmo que, se provasse que a aqui Recorrida teria enviado as mensagens constantes da Acusação Particular, o que não se concede, por ser falso, MESMO ASSIM, e tendo em conta o teor das mensagens, por si recebidas do aqui Recorrente (essas sim, profusamente documentadas e provadas, nos presentes autos), era plenamente legítima e justificada, a retorsão da aqui Recorrida (cfr. Acordãos da Relação do Porto, de 15/01/1991 e 05/11/1997 - in www.dgsi.pt/jtrp. e o disposto no artigo 186.º, n.º 2, do Código Penal). 36.º O douto despacho que indeferiu a realização de prova suplementar, mostra-se devidamente fundamentado e não enferma de arbitrariedade e/ou discricionariedade. 37.º De qualquer sorte, e mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, aquele despacho apenas seria passível de reclamação, sendo irrecorrível o despacho que decidisse esta (cfr. artigo 291.º, n.º 2, do C.P.P.). 38.ºORA, o aqui Recorrente não reclamou daquele despacho, pelo que, não é este despacho, sindicável perante este Venerando Tribunal, o que, aliás, sempre ocorreria, mesmo que tivesse havido reclamação (que não houve). 39.ºO despacho de fls. 171 a 181 (do Ministério Público), não constitui, por si só, qualquer indício de prova, da prática de qualquer ilícito penal. 40.º O despacho de não pronúncia, proferido nos presentes autos, mostra-se devidamente fundamentado, conforme determina o artigo 283.º, n.º 2 e 3, aplicável ex vi do artigo 308.º, n.º 2, ambos do C.P.P., pelo que, não padece aquele douto despacho, da nulidade, invocada pelo aqui Recorrente. 41.º Nos presentes autos, prova indiciária alguma existe, produzida durante o inquérito (e durante a instrução), através da qual, se possa concluir, ainda que indiciariamente, que a aqui Recorrida praticou qualquer tipo de ilícito penal, mormente aqueles, que lhe são imputados na Acusação Particular. 42.º EM SUMA, o douto despacho de não pronúncia da aqui Recorrida, mostra-se superiormente fundamentado, de facto e de direito, não merecendo qualquer censura, COM O QUE, e conforme se mostra determinado em 1.ª instância, deverão os presentes autos ser remetidos para julgamento, atentas as acusações deduzidas, quer pelo Ministério Público quer pela aqui Recorrida, contra o aqui Recorrente. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, que doutamente serão supridos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, e, nessa medida, deverá manter-se o douto despacho de não pronúncia da aqui Recorrida, devendo os autos ser remetidos para julgamento, atentas as acusações deduzidas quer pelo Ministério Público quer pela aqui Recorrida, contra o aqui Recorrente, com o que se fará inteira e sã JUSTIÇA. 3. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. 4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Conforme jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, a questão a decidir consiste em saber se o despacho recorrido enferma de algum vício, designadamente por falta de fundamentação, pelo qual deva ser revogado. Questiona-se, igualmente, o indeferimento da produção de prova indiciária suplementar requerida pelo recorrente. 2. Elementos relevantes 2.1. A decisão instrutória tem o seguinte teor: «Inexistem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Não se conformando com a acusação particular contra si deduzida pelo assistente B………., veio a arguida C………… requerer a abertura de instrução, alegando fatos atinentes à sua não pronúncia. Encontra-se a arguida acusada por um crime de injúrias, previsto e punido, pelo artigo 181.º, do Código Penal. Como já referido, o objecto da instrução encontra-se delimitado pela matéria da acusação e do respectivo requerimento de instrução - princípio da vinculação temática. Ora, a acusação particular do assistente assenta no envio pela arguida de mensagens através dos telemóveis 919 863 … e 931841…. Solicitadas as respectivas facturações detalhadas, como a identificação dos respectivos titulares, fls. 238 e segs., não só se constata que o n.º de telemóvel 931841… não tem titular identificado, como da comparação do tráfego dos respectivos registos de transmissões de mensagens há uma correspondência mínima. Não há correspondência entre os registos do teor das mensagens indicadas na acusação com os sobreditos indicados como telemóveis da arguida. Da prova produzida nos autos relativa à matéria em questão há apenas a palavra do assistente, mesmo quanto ao teor das ditas mensagens. E como já se disse, da prova documental se infere pela não existência das respectivas mensagens quanto aos respectivos telemóveis ali atribuídos à arguida. Tão pouco a testemunha arrolada pelo arguido infirma a acusação. Em suma: com a prova constante dos autos, apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção, art. 127.º do CPP, a conduta da arguida não merece ser posta em causa. Não há prova indiciária para submeter a julgamento a arguida C……… pelo crime de injúrias, pelo que não a pronuncio e ordeno o arquivamento dos autos nesta parte. Custas pelo assistente B……… pelo decaimento, fixando a taxa de justiça em três (3) UC's. Remetam-se os autos para julgamento atentas as acusações deduzidas quer pelo M.ºP.º quer pela assistente C………. contra o arguido B………..» 2.2. Na acta do debate instrutório consta, além do mais: «De seguida, o M.mo Juiz de Direito concedeu, sucessivamente, a palavra ao Digno Magistrado do Ministério Público e aos ilustres mandatários presentes, para que estes requeiram, querendo, a produção de provas indiciárias suplementares que se proponham apresentar durante o debate, sobre questões concretas controversas, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 302.º, do citado diploma legal. Seguidamente foi dada a palavra ao Dr. E……., mandatário do arguido/assistente, B………, como prova suplementar requereu o seguinte: Tal como consta da listagem do tráfego remetida pela TMN aos presentes autos alguns dos SMS enviados para o n.º 966 555 …, propriedade do ofendido foram remetidas do telemóvel com o n.º 914 161 …, também este propriedade da ofendida. Assim requer a V. Exa., para prova dos factos constantes da acusação, notificação da Vodafone para informar quem é o titular do telemóvel com o n.º 914 161 …. Requer ainda a junção aos autos de um (1) CD com a gravação do teor das SMS enviadas dos n.º 914 161 …, 919 863 … e 931 841 …, todos eles propriedade da arguida para os n.º 966 555… e 914 387 …. Mais requer a realização de uma peritagem aos telemóveis do ofendido, aparelhos onde se encontram gravados todos os dados ora juntos, quer no CD quer em papel por cópia, dos ficheiros aí gravados tendo em vista comprovar a matéria da acusação, nomeadamente a constantes das alíneas do ponto 1 da acusação particular. De seguida foi dada a palavra ao Ministério Público, no uso dela disse: Embora não considere decisivos os elementos de prova requeridos, não se opõe a que sejam realizados. Após foi dada a palavra ao Dr. F………, mandatário da arguida/assistente, C………, no uso dela disse: Em relação aos meios de prova suplementar requeridos pelo assistente e apesar de, como o Ministério Público referiu, não serem decisivos para a matéria dos autos, no entanto desde já informa os autos que à data dos factos a arguida apenas era titular de dois (2) telemóveis da rede Vodaone, um com o n.º 919 863 … e outro com o n.º 914 161 …. Mais refere que a arguida nunca foi titular, à data dos factos, do telemóvel da rede Optimus com o n.º 931 841 …, e que consta da acusação particular. Em relação à transcrição, que se supõe ser fidedigna daquela que foi junta aos autos, só após a sua análise a arguida se poderá pronunciar. Por último refere-se que a prova suplementar ora requerida apenas deveria ter o seu cabimento na fase de inquérito e não nesta fase, uma vez que o requerimento de abertura da instrução apresentado pela arguida, apenas teve em conta, como era óbvio, a prova produzida durante o inquérito, pelo que e em suma deverá ser rejeitada a prova suplementar requerida. Seguidamente o Sr. Juiz proferiu o seguinte despacho: É sabido que o Juiz de Instrução Criminal está vinculado à matéria constante do requerimento de abertura da instrução e da acusação que o mesmo requerimento de abertura da instrução versará. Ora, compulsados os autos à matéria assim delimitada, temos que na acusação particular do assistente B………, os factos alegados e imputados reportam-se a mensagens transmitidas através dos telemóveis atribuídos à arguida com os n.º 919863… e 931841…. Consequentemente a matéria de que o assistente ora quer trazer como prova suplementar, e que é referente a ao número de telemóvel 914 161 … que atribui à arguida C……… não é, nem pode ser, considerado objecto em discussão nos presentes autos, pelo que se indefere a requerida prova suplementar. Por isso também tal número de telemóvel não constar do despacho de fls. 229 deste Tribunal a solicitar a facturação detalhada dos registos de mensagens efectuadas. Notifique.» 3. Apreciando 3.1. O ora recorrente requereu, durante o debate instrutório, a produção de prova suplementar, que o M.mo Juiz de Instrução indeferiu por ter considerado que haveria violação do princípio da vinculação temática do Juiz de Instrução. Insurge-se o recorrente contra tal despacho, mas sem razão. Nos termos do disposto no artigo 286.º, n.º1, do C.P.P., a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. A vinculação temática da instrução é fixada pelo requerimento de abertura de instrução, que no caso vertente foi formulado pela arguida C………, pois foi ela que requereu a abertura desta fase processual, que tem natureza facultativa face ao disposto no artigo 286.º, n.º 2, do C.P.P. O requerimento de abertura de instrução constitui, por conseguinte, o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do Juiz na instrução: investigação que é autónoma, mas autónoma no quadro do tema factual que lhe é delimitado através, precisamente, do requerimento de abertura de instrução. Não se vê, pois, que possam efectuar-se diligências de instrução a pedido de quem não foi requerente desta fase processual, a não ser que por razões concretas e muito específicas as mesmas sejam úteis para a descoberta da verdade material. No caso vertente, não foi o recorrente a requerer a fase de instrução, sendo certo que a arguida que requereu a realização dessa fase, com o respectivo requerimento de abertura de instrução, não requereu a realização de quaisquer actos de instrução, nomeadamente, a inquirição de testemunhas ou a obtenção de prova documental. Tal significa que a requerente da instrução circunscreveu a discussão da matéria probatória às provas recolhidas na fase de inquérito. Neste quadro, carece de razão de ser a pretensão do recorrente de que fosse produzida prova suplementar por si requerida. Acresce que o M.mo Juiz de Instrução, por despacho proferido a fls. 229, solicitou às operadoras de telecomunicações a identificação e facturação detalhada de todos os registos de mensagens recebidas respeitantes aos telemóveis que identifica, vindo a referir na sua decisão de não pronúncia da arguida inexistir correspondência entre os registos das mensagens indicados na acusação, com os indicados como telemóveis da arguida. Este particular deve ser salientado: o recorrente, através da requerida “prova suplementar”, pretendia extravasar o objecto do processo, pois, como bem refere M.mo Juiz: «(…) temos que na acusação particular do assistente B………, os factos alegados e imputados reportam-se a mensagens transmitidas através dos telemóveis atribuídos à arguida com os n.º 919863 … e 931841…. Consequentemente a matéria de que o assistente ora quer trazer como prova suplementar, e que é referente a ao número de telemóvel 914 161 … que atribui à arguida C……… não é, nem pode ser, considerado objecto em discussão nos presentes autos, pelo que se indefere a requerida prova suplementar. Por isso também tal número de telemóvel não constar do despacho de fls. 229 deste Tribunal a solicitar a facturação detalhada dos registos de mensagens efectuadas.» Quer isto dizer que o recorrente, para além de pretender a produção de prova indiciária suplementar numa instrução que não requereu e que se destinava a discutir a suficiência ou insuficiência dos indícios face à prova recolhida no inquérito (pois outra não foi requerida pela arguida – requerente da instrução), ainda pretendia que essa prova suplementar incidisse sobre factos que não integravam o objecto do processo por não fazerem parte da acusação particular que havia deduzido. Evidencia-se, assim, a falta de razão do recorrente, a que acresce, finalmente, a constatação de que, quanto aos actos de instrução, o juiz pode indeferir os que entenda não servirem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo, despacho de que cabe apenas reclamação, sendo irrecorrível o despacho que a decidir, como proclama o n.º2 do artigo 291.º do C.P.P. Sobre esta irrecorribilidade já se pronunciou o Tribunal Constitucional, repetidamente, no sentido da sua não inconstitucionalidade. Conclui-se, sem mais considerações, que o recurso, nesta parte, não merece provimento. 3.2. Aqui chegados, afigura-se-nos conveniente fazer uma panorâmica, ainda que breve, dos autos. Em 25 de Junho de 2008, o ora recorrente deu entrada no D.I.A.P. do Porto, de queixa-crime contra C…….., que deu lugar ao inquérito n.º 8971/08. 2 TDPRT, que posteriormente veio a ser incorporado nos presentes autos em que já se investigava uma queixa desta contra aquele. Na referida queixa-crime apresentada pelo aqui recorrente (cfr. fls. 93 a 108, dos presentes autos), imputavam-se à aqui Recorrida uma diversidade de crimes: exposição ou abandono, ameaça, coacção agravada, difamação, injúria, um designado «crime de equiparação» (?), de ofensa a organismo ou pessoa colectiva, de introdução em lugar vedado ao público e de devassa da vida privada, tudo de uma forma muito confusa na indicação dos factos e das correspondentes subsunções legais. Na ocasião, o ora recorrente não indicou quaisquer provas. No ponto 2 da referida queixa-crime, referia-se o ora recorrente a «tentativas de sedução, de toda a índole, por parte da aqui ré [reportando-se à ora recorrida], quer pessoalmente, quer através do seu telemóvel 914161…, tendo como destino os telemóveis do recorrente com os números 914387… e 966555… (cfr. a referida queixa-crime). Compulsados esses autos, verifica-se que o recorrente foi admitido a intervir como assistente, por despacho de 30 de Setembro de 2008, apenas tendo indicado uma testemunha em 3 Fevereiro de 2009 (ver fls. 163), a saber, o Eng.º D………, com domicílio profissional na Escola Secundária …….. A testemunha indicada foi inquirida no dia 6 de Março de 2009 e, de relevante, nada adiantou quanto ao teor da queixa-crime apresentada pelo aqui recorrente, como se infere do auto de inquirição que consta a fls. 169. Esta a prova, findo o inquérito, relativa à matéria da referida queixa-crime, sendo certo que a arguida, no auto de interrogatório de fls. 138 e 139, disse não pretender prestar declarações, ou seja, temos apenas o teor da própria queixa e um depoimento que revela desconhecimento da matéria em causa. Por despacho de 10 de Março de 2009 (fls. 171 e seguintes), o Ministério Público, além de ter determinado o arquivamento dos autos (relativos às queixas cruzadas de recorrente e recorrida) em parte, deduziu acusação contra o ora recorrente pela autoria material e na forma continuada de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º1, do Código Penal. Além disso, a fls. 182, ordenou a notificação dos aqui recorrente e recorrida, nos termos e para os efeitos do artigo 285.º, n.º 1, do C.P.P., quanto aos factos denunciados que, em abstracto, integrariam a prática de crimes de injúria e de difamação. Na sequência, o recorrente deduziu acusação particular e pedido de indemnização civil, como consta de fls. 197 e seguintes. Note-se que esta acusação particular, no seu teor, não tem correspondência com a queixa-crime que havia sido apresentada, integrando factos que não tinham sido objecto da queixa e indicando outros telemóveis de onde alegadamente teriam sido enviados SMS ofensivos para o recorrente. Ainda assim, por despacho de 2 de Abril de 2009, o Ministério Público acompanhou a referida acusação particular (cfr. fls. 204 e 205). Pela descrição até aqui feita logo se alcança, com clareza, que o inquérito não continha, aquando da dedução da referida acusação particular, quaisquer elementos de prova indiciária que a pudessem suportar. É para contrariar a referida acusação particular, que o Ministério Público acompanhou (embora agora reconheça a inexistência de prova indiciária), que a ora recorrida requereu a realização da fase de instrução, que veio a culminar no despacho recorrido. Veja-se, ainda, o seguinte: A queixa tinha sido apresentada no dia 25 de Junho de 2008. A quase totalidade dos factos que vieram a ser incluídos na acusação particular não constavam da referida queixa-crime. Ora, reportando-se tais factos ao período entre 28 de Janeiro e 16 de Fevereiro de 2008, teremos de concluir que, quanto a muitos deles, por que não constantes da queixa-crime, já se havia extinto o direito de queixa aquando da dedução da acusação particular, face ao disposto no artigo 115.º do Código Penal. 3.3. Esta descrição, que pretendemos breve, elucida, nosso ver, os caminhos heterodoxos que o processo tomou e conduzem a uma inultrapassável conclusão: os autos de inquérito não continham prova indiciária que pudesse suportar, em termos de indícios suficientes, a acusação em causa. Em face da inexistência de prova indiciária, realizada durante o inquérito (e durante a instrução), que suporte o que consta da acusação particular, a aqui recorrida não poderia deixar de não ser pronunciada pelos crimes que naquela lhe são imputados. Dispõe o artigo 308.º, n.º1, do C.P. Penal: Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Esclarece o legislador, no artigo 283.º, n.º2, do mesmo diploma, que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Está em causa, neste preceito, a apreciação de todos os elementos de prova produzidos no inquérito e na instrução e a respectiva integração e enquadramento jurídico, em ordem a aferir da sua suficiência ou não para fundamentar a sujeição a julgamento. E nessa aferição o tribunal aprecia a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (artigo 127.º, do Código de Processo Penal). Figueiredo Dias ensina que «(...) os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.» E adianta: «tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação.» (Direito Processual Penal, 1.º vol., 1974, pág. 133). Como escreve Carlos Adérito Teixeira, no conceito de indícios suficientes «liga-se o referente retrospectivo da prova indiciária coligida ao referente prospectivo da condenação, no ponto de convergência da “possibilidade razoável” desta, por força daqueles indícios e não de outros» (“Indícios suficientes”: parâmetros de racionalidade e “instância de legitimação”(…), Revista do CEJ, 2.º semestre 2004, n.º1, p. 189). Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; e isso acontece quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável. É sabido que existem algumas diferenças de entendimento sobre o juízo de indiciação suficiente. Há quem se baste com a bitola da probabilidade predominante - os indícios são suficientes quando a possibilidade de futura condenação for mais provável (mais de 50% de possibilidades) do que a possibilidade de absolvição, tese que, de forma explícita ou implícita, colhe o apoio de grande parte da jurisprudência. Por outro lado, uma orientação mais exigente (porventura mais compatível com o princípio da presunção de inocência e outros princípios do processo penal) afirma o critério da possibilidade particularmente qualificada, em que os diversos elementos de prova, relacionados e conjugados, fazem nascer uma convicção de alta probabilidade de que o arguido, em julgamento, será condenado. Em todo o caso, o referente da condenação respeita ao crime que é imputado e em relação ao qual o juízo de indiciação suficiente se reporta. Ora, face ao supra exposto, a falta de indícios que suportassem a acusação deduzida é manifesta. 3.4. Refere-se o recorrente às exigências de fundamentação das decisões instrutórias de pronúncia e não pronúncia. Concede-se que o despacho recorrido não é modelar na sua fundamentação. Sobre esta matéria, conhecem-se diversas posições jurisprudenciais. Há quem entenda que a falta de fundamentação da decisão instrutória não vem enumerada no catálogo das nulidades absolutas (art. 119.º do C.P.P.), nem relativas (art. 120.º do C.P.P.), nem é como tal expressamente qualificada em qualquer disposição legal, pelo que configura uma mera irregularidade, sujeita ao regime geral (de arguição e sanação) do artigo 123º do C.P. Penal. Nesta perspectiva, o legislador apenas quis acometer de nulidade a decisão instrutória que represente uma alteração substancial dos factos descritos na acusação pública ou no requerimento para abertura da instrução conducente à pronúncia, face ao previsto no art. 309.º, assim como aquela que, pronunciando, não respeite o registo legal descritivo da acusação, enunciado no art. 283.º, n.º 3, mediante remissão do art. 308.º, n.º 2 e nada mais. Assim, considerando-se existir deficiência na fundamentação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, que consistiria numa irregularidade, sujeita ao regime geral do art. 123.º, deveria a mesma ser atempadamente suscitada perante o juiz de instrução, sob pena de se considerar sanada (neste sentido, entre outros, o Acórdão desta Relação, de 10.09.2008, Nº Convencional: JTRP00041618, www.dgsi.pt). Mais concretamente sobre o despacho de não pronúncia (que é a hipótese que nos importa, no caso vertente) o Acórdão desta Relação, de 23.04.2008 (Processo: 0810048, www.dgsi.pt), disse: «Quanto à inobservância do dever de fundamentação, há que atentar no regime estabelecido nos nºs 1 (“A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”) e 2 (“Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular) do art. 118º. Assim, e porque inexiste norma que, de forma genérica, comine a nulidade dos actos decisórios não fundamentados, eles só serão nulos nos casos em que a lei o determine expressamente; inexistindo tal cominação, a falta de fundamentação constitui mera irregularidade, sujeita à disciplina do art. 123º do mesmo diploma. A decisão recorrida assume, inequivocamente, a natureza de acto decisório, pois como tal são definidos os despachos dos juízes, quando, não se tratando de sentenças, puserem termo ao processo (cfr. al. b) do nº 1 do art. 97º do C.P.P.). Sendo-lhe aplicável, por força do disposto no nº 2 do art. 308º, o estabelecido nos nºs 2, 3 e 4 do art. 283º, o despacho de não pronúncia (à semelhança do que sucede com o de pronúncia) deve conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam o juízo de suficiência ou insuficiência da prova indiciária, imprescindível para decidir se existe ou não uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. O dever de fundamentação a que está sujeito pode ser cumprido “por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução” (cfr. arts. 308º nº 2 e 307º nº 1 do C.P.P.). Lendo o despacho recorrido, verificamos que o mesmo se limita a tecer considerações gerais e, quanto à apreciação da prova recolhida nos autos, a salientar a inexistência de elementos “que determinem o fim ou o destino do dinheiro”, no mais se atrelando ao despacho de arquivamento proferido pelo MºPº (que já de si continha uma apreciação muito incompleta e redutora da prova indiciária até então recolhida nos autos, como adiante se verá) para concluir não haver prova indiciária suficiente para submeter o arguido a julgamento pelos crimes de abuso de confiança e de burla qualificada. Pensamos que uma apreciação tão ligeira, mais do que constituir fundamentação deficiente, pode ser equiparada a falta de fundamentação. E que o despacho recorrido padece, efectivamente, da nulidade que lhe aponta a recorrente. Sucede, porém, que tal vício não vem cominado na lei como nulidade insanável, nem se enquadra entre aqueles que vêm enumerados nas alíneas do art. 119º. Assim sendo, porque não se trata de questão de conhecimento oficioso e, obviamente, estamos fora do âmbito de aplicação do nº 2 do art. 379º, deveria ter sido previamente arguida perante o tribunal recorrido, sendo então, nesse caso, admissível recurso da decisão que este viesse a proferir. Não o tendo sido, não pode ser conhecida em primeira linha pela instância de recurso, pois, como é sabido, os recursos têm por objecto a decisão recorrida e não a questão por ela julgada; são remédios jurídicos e, como tal, destinam-se a reexaminar decisões proferidas pelas instâncias inferiores, verificando a sua adequação e legalidade quanto às questões concretamente suscitadas, e não a decidir questões novas, que não tenham sido colocadas perante aquelas. Terá, pois, de se concluir pela sanação, por falta de arguição no local próprio, da nulidade de que o despacho recorrido em nosso entender padece.» Seguindo estes entendimentos, analisado o despacho recorrido, retira-se que a existir irregularidade (primeira posição) ou nulidade sanável (segunda posição), sempre o vício teria que ser suscitado previamente, no prazo legal, perante o tribunal recorrido. Diversamente, outra posição sustenta que o despacho de pronúncia ou de não pronúncia deve conter, ainda que de forma sintética, os factos que possibilitam chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária. A não descrição dos factos acarretará a nulidade da decisão instrutória (artigos 308.º, n.º2, com referência ao artigo 283.º, n.º3, b), do C.P.P.), por ausência de fundamentação de facto da mesma, nulidade cognoscível em sede de recurso da decisão instrutória (neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 1.03.2005, Processo: 1481/04-1; o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10.07.2007, Processo: 1075/07-5, em www.dgsi.pt). Conhecendo a controvérsia, entendemos existirem razões para distinguir os casos de despacho de pronúncia com falta de narração dos factos indiciados dos casos de despacho de não pronúncia deficientemente fundamentado por não conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária. É certo que o artigo 308.º, n.º2, do C.P.P., prescreve ser «correspondentemente aplicável ao despacho referido no número anterior o disposto no artigo 283.º, n.º2, 3 e 4, sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º1 do artigo anterior». O «despacho referido no número anterior» é o despacho de pronúncia ou de não pronúncia. A não descrição dos factos acarreta a nulidade do despacho, tendo em vista o disposto no artigo 283.º, n.º3, alínea b). Esta nulidade não faz parte do elenco de nulidades descritas nas alíneas a) a f) do artigo 119.º do C.P. Penal. Ainda assim, admitimos que, quando referida a uma acusação ou ao despacho de pronúncia, tal nulidade – por omissão dos factos imputados ao arguido, pelos quais deverá responder em julgamento - seja considerada insanável, tendo em vista a lógica do sistema. Realmente, se a falta de narração dos factos na acusação pode ser conhecida oficiosamente, levando à rejeição desta como manifestamente infundada [artigo 311.º, n.º3, alínea b)], não faria sentido que a falta de factos no despacho de pronúncia não pudesse ser objecto do mesmo tipo de conhecimento em sede de recurso. Por outras palavras: os casos referidos no n.º 3 do artigo 311.º que se contêm nas previsões das alíneas do n.º 3 do artigo 283.º reconduzem-se a uma forma de nulidade “sui generis”, insanável e de conhecimento oficioso. Os demais casos do n.º3 do artigo 283.º, não subsumíveis à previsão da acusação manifestamente infundada, reconduzem-se ao regime geral das nulidades sanáveis e dependentes de arguição. Daí que, tratando-se, no caso, não de um despacho de pronúncia, mas antes de um despacho de não pronúncia, a falta de fundamentação (e omissão de pronúncia) se traduza numa nulidade que é sanável e dependente de arguição. E, como tal, deveria ter sido arguida, em local e tempo próprio e não em recurso. Por todas as apontadas razões, conclui-se, sem dificuldade, que o recurso não merece provimento. III – Dispositivo Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs. Porto, 7de Julho de 2010 (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.) Jorge Manuel Baptista Gonçalves Adelina da Conceição Cardoso Barradas de Oliveira