I – No contrato de trabalho a termo, a justificação do termo deverá constar do contrato escrito - formalidade ad substantiam - e deve enunciar os factos concretos que a integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo. II – Sendo o motivo indicado apenas a afirmação segundo a qual a estipulação do prazo “justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade”, forçoso é concluir que o contrato não respeita as formalidades exigidas pela lei. III – A inobservância da formalidade ad substantiam afecta a validade da declaração, atento o disposto no Art.º 220.º do Cód. Civil, a qual dita a invalidade do termo, sem que a prova possa ser efectuada por outro meio e/ou em outro lugar, no processo e em julgamento. IV – Daí que a pretensão de anular o julgamento com vista à produção de prova com o objectivo de suprir as omissões constantes do documento - contrato de trabalho -, não possa ser atendida. V – Sendo o contrato de trabalho dos autos considerado como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, dada a nulidade do termo aposto, a carta enviada pela entidade empregadora à trabalhadora a informar que não pretendia renovar o contrato, invocando embora a caducidade do contrato de trabalho a termo, equivale a um despedimento ilícito, com as legais consequências: a reintegração na empresa e o pagamento das retribuições vencidas, com as legais deduções. VI – Não sendo imputável à trabalhadora a inobservância de forma, que se limitou a assinar o contrato que lhe foi enviado pela entidade empregadora, a invocação, por aquela, da nulidade do termo e suas consequências, não traduz o exercício anormal do seu direito ao trabalho, pelo que ela não agiu de má fé, nem com abuso do direito.
Reg. N.º 693 Proc. N.º 289/09.0TTGDM.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B.......... instaurou em 2009-06-17 acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C........., S.A. pedindo que seja reconhecida a nulidade da cláusula de estipulação do termo e que se condene a R. a: a. Reconhecer que era por tempo indeterminado o contrato de trabalho que celebrou com a A.; b. Reintegrar a A. no seu posto de trabalho com todos os direitos, incluindo os inerentes à sua categoria profissional e à sua antiguidade; c. Pagar à A. as retribuições que deixou de receber desde o seu despedimento até à decisão final e d. Pagar os juros moratórios à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações pedidas, desde o respectivo vencimento até ao pagamento. Alega, para tanto, que foi admitida ao serviço da R. em 2007-06-11, passando a trabalhar no seu balcão da Rua ....., no Porto, com a categoria profissional de “administrativa” e a retribuição que descreve, sendo certo que mais tarde, por correio interno, foi solicitada pela R. a assinar um “contrato de trabalho a termo certo”, com início na data da referida admissão e termo em 2008-06-10, constando da sua cláusula 7.ª, como fundamento, que “o prazo estabelecido justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade”. Mais alega que por carta de 2009-05-05 a R. informou a A. que “não pretendia renovar o contrato estrabelecido”, não lhe tendo dado trabalho desde 2009-06-11, nem pago as retribuições correspondentes, pelo que a despediu ilicitamente. A R. contestou, alegando que o motivo justificativo do termo é verdadeiro, correspondendo à satisfação de necessidades temporárias da empresa, que admitiu a A. em regime de primeiro emprego, que o recurso ao trabalho a termo não foi abusivo nem visou iludir as disposições que regulam a matéria, pelo que a declaração de extinção do contrato corresponde à figura da caducidade. Na audiência de julgamento, o Tribunal a quo dispensou a produção da prova, deu a palavra para alegações aos Mandatários das partes e proferiu sentença na qual condenou a R. a reconhecer que o contrato de trabalho com a A. era por tempo indeterminado, a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, a pagar à A. as retribuições vencidas e vincendas, deduzidas das quantias legalmente previstas, bem como juros de mora. Inconformada com o assim decidido, a R. interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1.ª - A sentença padece de erro na decisão fazendo uma errónea aplicação do direito ao vertente caso, contrariando assim a Lei, o Direito e a Justiça. 2.ª - O Recorrente defende que existiu um défice instrutório, devendo a sentença ser anulada por insuficiência da matéria de facto provada para a boa decisão da causa, devendo os autos baixar à 1ª instância para completar a pertinente instrução com a inquirição das testemunhas arroladas. 3.ª - Embora a validade da cláusula do contrato a termo seja questão de direito, haveria aspectos que a A. teria de demonstrar em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente, o do uso abusivo e fraudulento do seu contrato de trabalho a termo, que manifestamente não demonstrou, tendo o aqui Recorrente sido impedido de inquirir as suas testemunhas que comprovavam claramente que não existiu qualquer uso fraudulento do contrato a termo. 4.ª - De facto, a A./Recorrida era trabalhadora à procura de primeiro emprego o que motivou o uso do contrato a termo. 5.ª - Bem como existia efectivamente uma situação excepcional de acréscimo da sua actividade que motivava e justificava a utilização da contratação a termo certo, porquanto, desconhecia o Recorrente se tal situação iria perdurar no tempo. 6.ª - Com o devido respeito, o Tribunal a quo não deveria ter decidido a questão de direito como fez, pois em nossa opinião a concretização do termo constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantiam, o Recorrente provaria que se tratava de uma trabalhadora em regime de primeiro emprego e a sua necessidade temporária e a reestruturação invocada na cláusula do contrato de trabalho a termo certo celebrado com a Recorrida. 7.ª - Como supra-alegado inexistiu qualquer despedimento ilícito ou ad nutum. A causa de cessação do contrato de trabalho entre A./Recorrida e o R./Recorrente foi a caducidade do contrato a termo certo, que era justificado. 8.ª - A estipulação do prazo não foi abusiva nem teve como fim iludir as disposições do regime de celebração de contratos a termo. 9.ª - Entendendo-se que a referência à relação entre a justificação invocada e o termo pode ser feita nos termos em que o Recorrente o fez, não se exigindo uma clareza de redacção e o rigor na concretização de factos e circunstâncias, nos mesmos termos anteriormente previstos na Lei n.º 38/96 de 31 de Agosto que foi expressamente revogada com a entrada do Código do Trabalho, conforme dispõe o art. 21.º, n.º 1, alínea u) da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto que aprovou o CT. 10.ª - A Recorrida alegando que tinha um vínculo duradouro, quando sabia perfeitamente que tinha um vínculo precário age com abuso de direito e má fé. 11.ª - Não se justifica qualquer pedido de indemnização ou reintegração. 12.ª - Em suma, no caso sub judice, a sentença é errónea, porque conflitua com os valores da segurança, certeza jurídica, imanentes à exigência da forma escrita dos contratos a termo que foi verificada; com a verificação da relação de facto existente entre as partes e com o princípio de justiça, ou ideia de direito, por causa do abuso de direito com que a A./Recorrida alegou. 13.ª - Na verdade, é incongruente um direito seguro, mas injusto. Daí que a cláusula geral de abuso de direito, tenha a função de colmatar estas situações de injustiça, fazendo prevalecer a ideia de justiça, mesmo sacrificando o valor da segurança, devendo ser este o sentido com que, no entender do Recorrente, a decisão devia ter sido interpretada e aplicada. 14.ª - Concluindo, a sentença traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei e julgando procedente a presente apelação. A A. apresentou a sua contra-alegação, que concluiu pela confirmação do julgado O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, manifestando o seu entendimento no sentido de que a apelação não merece provimento. As partes não se pronunciaram acerca do teor de tal parecer. Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1° A autora foi admi tida ao serviço da ré em 11 Junho de 2007, por contrato escrito a termo certo, pelo período de 1 ano. 2° Consta desse contrato, na cláusula 7.ª, que a estipulação do prazo “justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade". 3° Com data de 5 de Maio de 2009, a ré enviou à autora por registo uma carta a informar que não pretendia renovar o contrato estabelecido, pelo que, a partir de 11 de Junho de 2009, a ré não mais deu trabalho à autora, considerando extinto o contrato de trabalho. 4° A ré pagava ultimamente à autora o salário mensal de € 718,71, acrescido de € 8,81 por dia de trabalho efectivo, de subsídio de refeição, e de € 131,33 por mês de acréscimo a título de falhas. Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota(1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são quatro as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Insuficiência da matéria de facto. II – Regularidade do termo. III – Indemnização e reintegração. IV – Abuso do direito. A 1.ª questão. Trata-se de saber se se verifica a insuficiência da matéria de facto. Alega a R. que existiu um défice instrutório, devendo a sentença ser anulada por insuficiência da matéria de facto provada para a boa decisão da causa, devendo os autos baixar à 1ª instância para completar a pertinente instrução com a inquirição das testemunhas arroladas, pois a concretização do termo constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantiam, pretendendo ela provar que a A. era uma trabalhadora em regime de primeiro emprego, que a sua necessidade era temporária e que ocorreu a reestruturação invocada na cláusula do contrato de trabalho a termo certo celebrado com a A. Vejamos. O contrato de trabalho a termo certo está sujeito a forma escrita, atento o disposto no Art.º 103.º, n.º 1, alínea c) do Cód. do Trabalho de 2003 [de ora em diante, apenas, CT2003] e deverá conter a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, como decorre do disposto na alínea e) do n.º 1 do Art.º 131.º do mesmo diploma. Por outro lado, para este efeito, segundo consigna o n.º 3 do mesmo Art.º 131.º, “… a indicação do motivo justificativo da aposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”. Daí que se considere contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, bem como as referências exigidas na alínea e) do n.º 1, como estipula o n.º 4 do [mesmo] artigo 131.º do CT2003. E, como é sabido, o contrato a termo tem, por oposição ao contrato de trabalho por tempo indeterminado, natureza excepcional[3], só podendo ser celebrado nas hipóteses previstas nas várias alíneas do n.º 2 e nas hipóteses que se consiga subsumir nas normas dos n.ºs 1 e 3, todos do Art.º 129.º do CT2003, que instituiu um sistema misto de cláusula geral e enumeração exemplificativa, fazendo a síntese dos dois diplomas – Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, cláusula geral e LCCT, enumeração taxativa – que o precederam, na matéria. Há, assim, que justificar sempre o recurso a tal tipo de contratação, cabendo tal ónus à entidade empregadora, como decorre do disposto no Art.º 142.º, n.º 1 do Cód. Civil[4], sob pena de ter de suportar a desvantagem de ver o contrato a termo convertido em contrato por tempo indeterminado. Por outro lado, como já genericamente se referiu, a justificação deverá constar do contrato escrito - formalidade ad substantiam - e deve enunciar os factos concretos que a integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, como sempre foi entendido, ainda que inicialmente apenas por um sector da jurisprudência e hoje consta do CT2003 [e anteriormente constava do Art.º 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto]. Acresce que a falta de concretização do motivo justificativo, seja pelo recurso às fórmulas legais contidas nas várias alíneas do n.º 2 do Art.º 129.º do Cód. do Trabalho, seja pelo recurso a expressões vagas, genérias ou imprecisas, não pode - como se tem entendido - ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da acção em que a questão se suscite ou pela junção de documentos apenas no curso dos autos, maxime, em audiência de discussão e julgamento, o que constitui mais uma manifestação do carácter ad substantiam da formalidade. Por outro lado, é de destacar que já a Lei n.° 18/2001, de 3 de Julho, acrescentava ao n.º 1 do Art.º 3.º da Lei 38/96, de 31 de Agosto, a seguinte expressão: devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. Ora, está hoje completamente claro e já se vinha assim entendendo desde 1989, que na estipulação do termo se deve indicar concretamente os factos que o integram, o respectivo prazo e o nexo de causalidade entre uns e outro, pois só assim se poderá verificar se está ou não justificado o recurso ao contrato de trabalho a termo, que é excepcional. Daí que in casu importasse que se tivesse feito constar da cláusula do termo do contrato de trabalho escrito os concretos factos e circunstâncias relativos à reestruturação da R. e ao aumento temporário de actividade, por forma a que se pudesse verificar se se justificava ou não o recurso ao contrato de trabalho a termo e com a duração indicada, pois tal tipo de contratação, na definição da lei, é excepcional[5]. Ora, sendo o motivo indicado o constante da cláusula 7.ª, que a estipulação do prazo “justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade", n.º 2 dos factos dados como provados, temos de concluir que a R. não cumpriu o seu ónus. Na verdade, é genérico o motivo justificativo apontado no contrato de trabalho, não descrevendo os factos concretos. Nem se diga que a menção do motivo, por escrito, no contrato de trabalho, traduz mera formalidade ad probationem, destinada apenas a facilitar a prova dos factos correspondentes. Na verdade, estabelecendo a lei que o contrato a termo está sujeito a forma escrita e que a sua falta ou a omissão ou a insuficiência das menções relativas ao termo e ao motivo justificativo determina que se considere sem termo o contrato de trabalho, como decorre do disposto nos Art.ºs 103., n.º 1, alínea c) e 131.º, n.ºs 1, alínea e) e 4 do CT2003, a observância da forma é essencial à validade da declaração negocial e não se destina apenas a facilitar a prova. Isto é, se não for observada a forma escrita ou se dela não constar os elementos mencionados na lei, é o próprio termo que é nulo, sem que haja possibilidade de provar os elementos em falta por qualquer outro meio de prova, fora do documento e/ou em momento posterior, nomeadamente, na contestação ou em audiência de julgamento. Assim, não constando da cláusula 7.ª do contrato de trabalho que a A. era uma trabalhadora em regime de primeiro emprego, bem como aí não constando os concretos factos e circunstâncias que integram o termo e o motivo justificativo do contrato, dado o carácter genérido do indicado, a inobservância da formalidade ad substantiam afecta a validade da declaração, atento o disposto no Art.º 220.º do Cód. Civil, dita a invalidade do termo, sem que a prova possa ser efectuada por outro meio e/ou em outro lugar, no processo e em julgamento, como pretende a apelante. Na verdade, mesmo que a formalidade fosse ad probationem, certo é que a falta de forma só poderia ser suprida por confissão, mas constante de documento de igual ou superior força probatória, estando afastada a prova por testemunhas e por presunção judicial, como inequivocamente dispõe o Cód. Civil nos seus Art.ºs, respectivamente, 364.º, n.º 2, 393.º, n.º 1 e 351.º [6]. Daí que a pretensão de anular o julgamento com vista à produção de prova com o objectivo de suprir as omissões constantes do documento - contrato de trabalho - não possa ser atendida, mesmo que estivéssemos perante a omissão de uma formalidade ad probationem. No entanto, tratando-se de uma formalidade ad substantiam, por identidade, se não por maioria de razão, toda a prova que se produzisse fora do documento - contrato de trabalho - e por qualquer outro meio, que não o próprio documento, redundaria em acto inútil, pois não poderia ser legalmente atendida, quando é certo que a lei proíbe os actos inúteis, atento o disposto no Art.º 137.º do Cód. Proc. Civil. Refira-se, por último, que mesmo o acordo das partes nos articulados acerca dos factos omitidos no documento, se existisse in casu, o que não se verifica, seria juridicamente irrelevante, pois a lei excepciona os factos que só podem ser provados por documento escrito, como prevê o Art.º 490.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil. De qualquer modo e noutra perspectiva, não se verifica a invocada insuficiência da matéria de facto para que se possa conhecer de meritis; o que se verifica é que a apelante não provou o termo e o respectivo motivo justificativo, dado o constante [rectius, o que não consta] da cláusula 7.ª do contrato de trabalho, o que é bem diferente. Em síntese, não podendo os factos em falta no contrato de trabalho a termo ser provados fora do documento e por outro meio de prova e não existindo insuficiência de matéria de facto, não se pode anular o julgamento, uma vez que este não seria meio idóneo para suprir a falta de uma formalidade ad substantiam. Tanto basta para que devam improceder as primeiras conclusões da apelação. A 2.ª questão. Trata-se de saber se se verifica a regularidade do termo. Para decidir a questão anterior foi necessário verificar a regularidade do termo, tendo-se aí concluído pela sua nulidade, face às expressões genéricas utilizadas na cláusula 7.ª do contrato de trabalho, pelo que aqui nos limitamos a dar como reproduzida a fundamentação expendida e a concluir que o contrato dos autos se considera um contrato de trabalho sem termo, atento o disposto no Art.º 131º, n.º 4 do CT2003. Improcedem, também, as correspondentes conclusões da apelação. A 3.ª questão. Trata-se de saber se não se justifica qualquer pedido de indemnização ou reintegração, como a apelante refere na conclusão 11.ª do recurso. Ora, sendo o contrato de trabalho dos autos considerado como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, dada a nulidade do termo aposto, a carta enviada pela R. à A., com data de 5 de Maio de 2009, a informar que não pretendia renovar o contrato estabelecido, a partir de 11 de Junho de 2009, invocando a caducidade do contrato de trabalho, equivale a um despedimento ilícito; daí que o Tribunal a quo tenha extraído, com acerto, as legais consequências: a reintegração na empresa e o pagamento das retribuições vencidas, com as legais deduções. Improcedem, destarte, as respectivas conclusões do recurso, nomeadamente, a conclusão 11.ª. A 4.ª questão. Trata-se de saber se a A. agiu de má fá e com abuso de direito. Entende a apelante que a apelada, tendo invocado a falta de forma do motivo constante do contrato de trabalho para se considerar sujeito de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, quando sabia que tinha sido contratada a termo certo, agiu com abuso de direito e de má fé. Vejamos. Dispõe o Cód. Civil:ARTIGO 334º (Abuso do direito) É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Como se tem entendido, a figura do abuso do direito visa impedir actuações não razoáveis, imponderadas e, na responsabilidade contratual, exige que as partes, na execução do contrato, se conduzam pelo princípio da boa fé, cumprindo e estimulando o cumprimento por banda da parte contrária. O abuso do direito visa também funcionar como válvula de escape do sistema, de forma que naquelas situações em que a aplicação de uma norma conduza a resultados não razoáveis relativamente aos valores vigentes na ordem juríridica, se possa impedir o seu funcionamento: na verdade, nestes casos, se o legislador tivesse previsto o resultado a que a norma conduziu, ter-se-ia abstido de a editar, dados os clamorosos resultados em que a sua aplicação desaguou. De igual modo, são abarcados também pela figura do abuso do direito aqueles casos em que um sujeito adopta determinada conduta baseada no direito, mas simultaneamente adopta outra conduta, contraditória com a primeira, reveladora de que a invocação e aplicação da lei visou valores não condizentes com os estabelecidos pela ordem jurídica, vulgarmente designado como venire contra factum proprium[7]. Ora, uma das concretizações do abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium ocorre nas situações de inalegabilidade formal quando, como se tem dentendido, “…num primeiro tempo o agente daria azo a uma nulidade formal, prevalecendo-se do negócio (nulo) assim mantido enquanto lhe conviesse; na melhor (ou pior) altura, invocaria a nulidade, recuperando a sua liberdade. Haveria uma grosseira violação da confiança com a qual o sistema não poderia pactuar.”[8] Daí que também se venha entendendo que “…o abuso de direito é uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito"[9]. Acresce que constituindo o abuso do direito o exercício desproporcionado de um direito subjectivo, que arranca da previsão de uma norma jurídica, mas cujo exercício provoca um resultado não desejado pela ordem jurídica no seu todo, em termos clamorosos e desequilibrados, o abuso desemboca numa siruação não prevista pelo legislador, em termos tais que, se a tivesse previsto, não teria editado a norma. Daí que que a concepção adoptada entre nós para o abuso seja a objectiva, pelo que se torna desnecessário a invocação e prova da consciência e intenção de exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, embora seja de atender aos elementos subjectivos do comportamento do exercente aquando da formulação do juízo de valor global acerca da existência do abuso. Por último, cumpre referir que, sendo o abuso de direito uma válvula de escape do sistema para que da aplicação do direito não resultem injustiças clamorosas, desfasadas da realidade material subjacente, a matéria pode ser conhecida ex officio[10], tamanha é a preocupação com a prática da justiça material, tão cara ao direito laboral. Na verdade, se há ramo do direito onde o instituto cobra toda a sua razão de ser, parece que se pode afirmar que o direito do trabalho é daqueles em que a figura se assemelha à cereja no cimo do bolo. In casu, a R. invocou o abuso do direito apenas nas alegações de recurso, mas isso não impede o conhecimento da matéria, como se referiu. Dos factos provados resulta que a A. foi admitida ao serviço da R. para trabalhar com a categoria de “administrativa”, só mais tarde tendo sido solicitada por correio interno para assinalar o contrato de trabalho a termo e com a data do início da actividade. Ora, se assim é, parece claro que é da R. a autoria das cláusulas dele constante, nomeadamente, da cláusula 7.ª e seu teor, sendo a intervenção da A. limitada à assinatura do documento. Tal significa que, competindo o ónus da prova do motivo justificativo do termo ao empregador, é ele que deve, em princípio, tomar as especiais cautelas na descrição do mesmo, nomeadamente, elencando os factos concretos que o integram. Já para o trabalhador, não tendo interesse no termo, pois a sua existência e validade tornam precário o contrato que poderia ter sido celebrado por tempo indeterminado, a invocação da sua nulidade corresponde ao exercício normal do seu direito ao trabalho, não configurando abuso do direito. Abuso de direito existiria se quem deu azo à inobservância de forma, viesse amanhã a invocá-la para obter os efeitos jurídicos correspondentes, como nos casos de inalegabilidade formal de que nos fala Menezes Cordeiro ou de nulidade por vício de forma referida por Mota Pinto, citados. Porém, aqui, nestes casos citados, quem omite a forma é a mesma pessoa que invoca a sua falta, tendo a omissão de forma sido levada a cabo preordenadamente. Porém, na hipótese vertente dos autos, não sendo imputável à A., ora apelada, a inobservância de forma, a invocação da nulidade do termo e suas consequências não traduz o exercíco anormal do seu direito ao trabalho, pelo que a A. – a nosso ver e com o devido respeito por diferente opinião – não agiu de má fé, nem com abuso do seu direito. Improcedem, destarte, as restantes conclusões da apelação. Decisão. Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a douta sentença impugnada. Custas pela R. Porto, 2010-07-14 Manuel Joaquim Ferreira da Costa António José Fernandes Isidoro Albertina das Dores N. Aveiro Pereira ___________________ S U M Á R I O I – No contrato de trabalho a termo, a justificação do termo deverá constar do contrato escrito - formalidade ad substantiam - e deve enunciar os factos concretos que a integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo. II – Sendo o motivo indicado o constante da cláusula 7.ª, segundo a qual a estipulação do prazo “justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade", temos de concluir que a R. não cumpriu o seu ónus. III – A inobservância da formalidade ad substantiam afecta a validade da declaração, atento o disposto no Art.º 220.º do Cód. Civil, a qual dita a invalidade do termo, sem que a prova possa ser efectuada por outro meio e/ou em outro lugar, no processo e em julgamento. IV – Daí que a pretensão de anular o julgamento com vista à produção de prova com o objectivo de suprir as omissões constantes do documento - contrato de trabalho -, não possa ser atendida. V – Sendo o contrato de trabalho dos autos considerado como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, dada a nulidade do termo aposto, a carta enviada pela entidade empregadora à trabalhadora a informar que não pretendia renovar o contrato, invocando embora a caducidade do contrato de trabalho a termo, equivale a um despedimento ilícito, com as legais consequências: a reintegração na empresa e o pagamento das retribuições vencidas, com as legais deduções. VI – Não sendo imputável à trabalhadora a inobservância de forma, que se limitou a assinar o contrato que lhe foi enviado pela entidade empregadora, a invocação, por aquela, da nulidade do termo e suas consequências, não traduz o exercício anormal do seu direito ao trabalho, pelo que ela não agiu de má fé, nem com abuso do direito. ________________ [1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma. [2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532. [3] Daí o princípio da segurança no emprego, consagrado no Art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual É garantido aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. É por isso que constitui emanação deste princípio a necessidade de motivo justificativo para que se possa lançar mão da contratação a termo, por definição, precária ou temporária, como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, págs. 711. [4] Como foi consagrado no Art.º 41.º, n.º 4 do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, vulgo LCCT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho e consta actualmente do Art.º 130.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho. [5] Cfr. Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, in Código do Trabalho Anotado, 2003, págs. 235 e 236 e o Acórdão n.º 559/97 do Tribunal Constitucional de 1997-11-04, in DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, N.º 83, de 1998-04-08, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1994-10-26, 1995-01-18, 1999-10-20 e 2004-01-14, in, respectivamente, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II-1994, Tomo III, págs. 280, nomeadamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.ºs e págs., respectivamente, 443/257-262 e 490/148-152 e Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XII-2004, Tomo I, págs. 249 a 252. [6] Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1960 ou 1972, págs. 145 ss.,.Luís Cabral de Moncada, in Lições de Direito Civil, 4.ª edição, 1995, págs. 561 e 562, Carlos da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, lições ao ano lectivo de 1972-1973, 1973, págs. 510 ss., João de Castro Mendes, in Direito Civil, Teoria Geral, Vol. III, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1979, págs. 130 ss., Rui de Alarcão, in A Confirmação dos Negócios Anuláveis, Vol. I, 1971, pág. 188, nota 311, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 1982, págs. 210 e 320 a 322 e Heinrich Ewald Hörster, in A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, págs. 439 ss. [7] Cfr. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, in DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Almedina, 2.ª reimpressão, 2001, que citando Weber a págs. 742, refere: A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. [8] Cfr. António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, pág. 54 e in DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, cit. págs. 771 e ss. Cfr., para situação semelhante, Carlos da Mota Pinto, cit., págs. 514 ss. e João de Castro Mendes, cit., págs. 134 a 138. [9] Cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, Almedina, 2006, pág. 76. [10] Cfr. João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2.ª edição, volume I, 1973, págs. 422 a 424, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, in Código Civil anotado, 3.ª edição, volume I, 1982, págs. 296 a 298 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1978-03-02 e de 1980-03-26, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 275, págs. 214 a 219 e n.º 295, págs. 426 a 433.
Reg. N.º 693 Proc. N.º 289/09.0TTGDM.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B.......... instaurou em 2009-06-17 acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C........., S.A. pedindo que seja reconhecida a nulidade da cláusula de estipulação do termo e que se condene a R. a: a. Reconhecer que era por tempo indeterminado o contrato de trabalho que celebrou com a A.; b. Reintegrar a A. no seu posto de trabalho com todos os direitos, incluindo os inerentes à sua categoria profissional e à sua antiguidade; c. Pagar à A. as retribuições que deixou de receber desde o seu despedimento até à decisão final e d. Pagar os juros moratórios à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações pedidas, desde o respectivo vencimento até ao pagamento. Alega, para tanto, que foi admitida ao serviço da R. em 2007-06-11, passando a trabalhar no seu balcão da Rua ....., no Porto, com a categoria profissional de “administrativa” e a retribuição que descreve, sendo certo que mais tarde, por correio interno, foi solicitada pela R. a assinar um “contrato de trabalho a termo certo”, com início na data da referida admissão e termo em 2008-06-10, constando da sua cláusula 7.ª, como fundamento, que “o prazo estabelecido justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade”. Mais alega que por carta de 2009-05-05 a R. informou a A. que “não pretendia renovar o contrato estrabelecido”, não lhe tendo dado trabalho desde 2009-06-11, nem pago as retribuições correspondentes, pelo que a despediu ilicitamente. A R. contestou, alegando que o motivo justificativo do termo é verdadeiro, correspondendo à satisfação de necessidades temporárias da empresa, que admitiu a A. em regime de primeiro emprego, que o recurso ao trabalho a termo não foi abusivo nem visou iludir as disposições que regulam a matéria, pelo que a declaração de extinção do contrato corresponde à figura da caducidade. Na audiência de julgamento, o Tribunal a quo dispensou a produção da prova, deu a palavra para alegações aos Mandatários das partes e proferiu sentença na qual condenou a R. a reconhecer que o contrato de trabalho com a A. era por tempo indeterminado, a reintegrar a A. no seu posto de trabalho, a pagar à A. as retribuições vencidas e vincendas, deduzidas das quantias legalmente previstas, bem como juros de mora. Inconformada com o assim decidido, a R. interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1.ª - A sentença padece de erro na decisão fazendo uma errónea aplicação do direito ao vertente caso, contrariando assim a Lei, o Direito e a Justiça. 2.ª - O Recorrente defende que existiu um défice instrutório, devendo a sentença ser anulada por insuficiência da matéria de facto provada para a boa decisão da causa, devendo os autos baixar à 1ª instância para completar a pertinente instrução com a inquirição das testemunhas arroladas. 3.ª - Embora a validade da cláusula do contrato a termo seja questão de direito, haveria aspectos que a A. teria de demonstrar em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente, o do uso abusivo e fraudulento do seu contrato de trabalho a termo, que manifestamente não demonstrou, tendo o aqui Recorrente sido impedido de inquirir as suas testemunhas que comprovavam claramente que não existiu qualquer uso fraudulento do contrato a termo. 4.ª - De facto, a A./Recorrida era trabalhadora à procura de primeiro emprego o que motivou o uso do contrato a termo. 5.ª - Bem como existia efectivamente uma situação excepcional de acréscimo da sua actividade que motivava e justificava a utilização da contratação a termo certo, porquanto, desconhecia o Recorrente se tal situação iria perdurar no tempo. 6.ª - Com o devido respeito, o Tribunal a quo não deveria ter decidido a questão de direito como fez, pois em nossa opinião a concretização do termo constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantiam, o Recorrente provaria que se tratava de uma trabalhadora em regime de primeiro emprego e a sua necessidade temporária e a reestruturação invocada na cláusula do contrato de trabalho a termo certo celebrado com a Recorrida. 7.ª - Como supra-alegado inexistiu qualquer despedimento ilícito ou ad nutum. A causa de cessação do contrato de trabalho entre A./Recorrida e o R./Recorrente foi a caducidade do contrato a termo certo, que era justificado. 8.ª - A estipulação do prazo não foi abusiva nem teve como fim iludir as disposições do regime de celebração de contratos a termo. 9.ª - Entendendo-se que a referência à relação entre a justificação invocada e o termo pode ser feita nos termos em que o Recorrente o fez, não se exigindo uma clareza de redacção e o rigor na concretização de factos e circunstâncias, nos mesmos termos anteriormente previstos na Lei n.º 38/96 de 31 de Agosto que foi expressamente revogada com a entrada do Código do Trabalho, conforme dispõe o art. 21.º, n.º 1, alínea u) da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto que aprovou o CT. 10.ª - A Recorrida alegando que tinha um vínculo duradouro, quando sabia perfeitamente que tinha um vínculo precário age com abuso de direito e má fé. 11.ª - Não se justifica qualquer pedido de indemnização ou reintegração. 12.ª - Em suma, no caso sub judice, a sentença é errónea, porque conflitua com os valores da segurança, certeza jurídica, imanentes à exigência da forma escrita dos contratos a termo que foi verificada; com a verificação da relação de facto existente entre as partes e com o princípio de justiça, ou ideia de direito, por causa do abuso de direito com que a A./Recorrida alegou. 13.ª - Na verdade, é incongruente um direito seguro, mas injusto. Daí que a cláusula geral de abuso de direito, tenha a função de colmatar estas situações de injustiça, fazendo prevalecer a ideia de justiça, mesmo sacrificando o valor da segurança, devendo ser este o sentido com que, no entender do Recorrente, a decisão devia ter sido interpretada e aplicada. 14.ª - Concluindo, a sentença traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei e julgando procedente a presente apelação. A A. apresentou a sua contra-alegação, que concluiu pela confirmação do julgado O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, manifestando o seu entendimento no sentido de que a apelação não merece provimento. As partes não se pronunciaram acerca do teor de tal parecer. Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1° A autora foi admi tida ao serviço da ré em 11 Junho de 2007, por contrato escrito a termo certo, pelo período de 1 ano. 2° Consta desse contrato, na cláusula 7.ª, que a estipulação do prazo “justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade". 3° Com data de 5 de Maio de 2009, a ré enviou à autora por registo uma carta a informar que não pretendia renovar o contrato estabelecido, pelo que, a partir de 11 de Junho de 2009, a ré não mais deu trabalho à autora, considerando extinto o contrato de trabalho. 4° A ré pagava ultimamente à autora o salário mensal de € 718,71, acrescido de € 8,81 por dia de trabalho efectivo, de subsídio de refeição, e de € 131,33 por mês de acréscimo a título de falhas. Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota(1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são quatro as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Insuficiência da matéria de facto. II – Regularidade do termo. III – Indemnização e reintegração. IV – Abuso do direito. A 1.ª questão. Trata-se de saber se se verifica a insuficiência da matéria de facto. Alega a R. que existiu um défice instrutório, devendo a sentença ser anulada por insuficiência da matéria de facto provada para a boa decisão da causa, devendo os autos baixar à 1ª instância para completar a pertinente instrução com a inquirição das testemunhas arroladas, pois a concretização do termo constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantiam, pretendendo ela provar que a A. era uma trabalhadora em regime de primeiro emprego, que a sua necessidade era temporária e que ocorreu a reestruturação invocada na cláusula do contrato de trabalho a termo certo celebrado com a A. Vejamos. O contrato de trabalho a termo certo está sujeito a forma escrita, atento o disposto no Art.º 103.º, n.º 1, alínea c) do Cód. do Trabalho de 2003 [de ora em diante, apenas, CT2003] e deverá conter a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, como decorre do disposto na alínea e) do n.º 1 do Art.º 131.º do mesmo diploma. Por outro lado, para este efeito, segundo consigna o n.º 3 do mesmo Art.º 131.º, “… a indicação do motivo justificativo da aposição do termo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”. Daí que se considere contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, bem como as referências exigidas na alínea e) do n.º 1, como estipula o n.º 4 do [mesmo] artigo 131.º do CT2003. E, como é sabido, o contrato a termo tem, por oposição ao contrato de trabalho por tempo indeterminado, natureza excepcional[3], só podendo ser celebrado nas hipóteses previstas nas várias alíneas do n.º 2 e nas hipóteses que se consiga subsumir nas normas dos n.ºs 1 e 3, todos do Art.º 129.º do CT2003, que instituiu um sistema misto de cláusula geral e enumeração exemplificativa, fazendo a síntese dos dois diplomas – Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, cláusula geral e LCCT, enumeração taxativa – que o precederam, na matéria. Há, assim, que justificar sempre o recurso a tal tipo de contratação, cabendo tal ónus à entidade empregadora, como decorre do disposto no Art.º 142.º, n.º 1 do Cód. Civil[4], sob pena de ter de suportar a desvantagem de ver o contrato a termo convertido em contrato por tempo indeterminado. Por outro lado, como já genericamente se referiu, a justificação deverá constar do contrato escrito - formalidade ad substantiam - e deve enunciar os factos concretos que a integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, como sempre foi entendido, ainda que inicialmente apenas por um sector da jurisprudência e hoje consta do CT2003 [e anteriormente constava do Art.º 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto]. Acresce que a falta de concretização do motivo justificativo, seja pelo recurso às fórmulas legais contidas nas várias alíneas do n.º 2 do Art.º 129.º do Cód. do Trabalho, seja pelo recurso a expressões vagas, genérias ou imprecisas, não pode - como se tem entendido - ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da acção em que a questão se suscite ou pela junção de documentos apenas no curso dos autos, maxime, em audiência de discussão e julgamento, o que constitui mais uma manifestação do carácter ad substantiam da formalidade. Por outro lado, é de destacar que já a Lei n.° 18/2001, de 3 de Julho, acrescentava ao n.º 1 do Art.º 3.º da Lei 38/96, de 31 de Agosto, a seguinte expressão: devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. Ora, está hoje completamente claro e já se vinha assim entendendo desde 1989, que na estipulação do termo se deve indicar concretamente os factos que o integram, o respectivo prazo e o nexo de causalidade entre uns e outro, pois só assim se poderá verificar se está ou não justificado o recurso ao contrato de trabalho a termo, que é excepcional. Daí que in casu importasse que se tivesse feito constar da cláusula do termo do contrato de trabalho escrito os concretos factos e circunstâncias relativos à reestruturação da R. e ao aumento temporário de actividade, por forma a que se pudesse verificar se se justificava ou não o recurso ao contrato de trabalho a termo e com a duração indicada, pois tal tipo de contratação, na definição da lei, é excepcional[5]. Ora, sendo o motivo indicado o constante da cláusula 7.ª, que a estipulação do prazo “justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade", n.º 2 dos factos dados como provados, temos de concluir que a R. não cumpriu o seu ónus. Na verdade, é genérico o motivo justificativo apontado no contrato de trabalho, não descrevendo os factos concretos. Nem se diga que a menção do motivo, por escrito, no contrato de trabalho, traduz mera formalidade ad probationem, destinada apenas a facilitar a prova dos factos correspondentes. Na verdade, estabelecendo a lei que o contrato a termo está sujeito a forma escrita e que a sua falta ou a omissão ou a insuficiência das menções relativas ao termo e ao motivo justificativo determina que se considere sem termo o contrato de trabalho, como decorre do disposto nos Art.ºs 103., n.º 1, alínea c) e 131.º, n.ºs 1, alínea e) e 4 do CT2003, a observância da forma é essencial à validade da declaração negocial e não se destina apenas a facilitar a prova. Isto é, se não for observada a forma escrita ou se dela não constar os elementos mencionados na lei, é o próprio termo que é nulo, sem que haja possibilidade de provar os elementos em falta por qualquer outro meio de prova, fora do documento e/ou em momento posterior, nomeadamente, na contestação ou em audiência de julgamento. Assim, não constando da cláusula 7.ª do contrato de trabalho que a A. era uma trabalhadora em regime de primeiro emprego, bem como aí não constando os concretos factos e circunstâncias que integram o termo e o motivo justificativo do contrato, dado o carácter genérido do indicado, a inobservância da formalidade ad substantiam afecta a validade da declaração, atento o disposto no Art.º 220.º do Cód. Civil, dita a invalidade do termo, sem que a prova possa ser efectuada por outro meio e/ou em outro lugar, no processo e em julgamento, como pretende a apelante. Na verdade, mesmo que a formalidade fosse ad probationem, certo é que a falta de forma só poderia ser suprida por confissão, mas constante de documento de igual ou superior força probatória, estando afastada a prova por testemunhas e por presunção judicial, como inequivocamente dispõe o Cód. Civil nos seus Art.ºs, respectivamente, 364.º, n.º 2, 393.º, n.º 1 e 351.º [6]. Daí que a pretensão de anular o julgamento com vista à produção de prova com o objectivo de suprir as omissões constantes do documento - contrato de trabalho - não possa ser atendida, mesmo que estivéssemos perante a omissão de uma formalidade ad probationem. No entanto, tratando-se de uma formalidade ad substantiam, por identidade, se não por maioria de razão, toda a prova que se produzisse fora do documento - contrato de trabalho - e por qualquer outro meio, que não o próprio documento, redundaria em acto inútil, pois não poderia ser legalmente atendida, quando é certo que a lei proíbe os actos inúteis, atento o disposto no Art.º 137.º do Cód. Proc. Civil. Refira-se, por último, que mesmo o acordo das partes nos articulados acerca dos factos omitidos no documento, se existisse in casu, o que não se verifica, seria juridicamente irrelevante, pois a lei excepciona os factos que só podem ser provados por documento escrito, como prevê o Art.º 490.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil. De qualquer modo e noutra perspectiva, não se verifica a invocada insuficiência da matéria de facto para que se possa conhecer de meritis; o que se verifica é que a apelante não provou o termo e o respectivo motivo justificativo, dado o constante [rectius, o que não consta] da cláusula 7.ª do contrato de trabalho, o que é bem diferente. Em síntese, não podendo os factos em falta no contrato de trabalho a termo ser provados fora do documento e por outro meio de prova e não existindo insuficiência de matéria de facto, não se pode anular o julgamento, uma vez que este não seria meio idóneo para suprir a falta de uma formalidade ad substantiam. Tanto basta para que devam improceder as primeiras conclusões da apelação. A 2.ª questão. Trata-se de saber se se verifica a regularidade do termo. Para decidir a questão anterior foi necessário verificar a regularidade do termo, tendo-se aí concluído pela sua nulidade, face às expressões genéricas utilizadas na cláusula 7.ª do contrato de trabalho, pelo que aqui nos limitamos a dar como reproduzida a fundamentação expendida e a concluir que o contrato dos autos se considera um contrato de trabalho sem termo, atento o disposto no Art.º 131º, n.º 4 do CT2003. Improcedem, também, as correspondentes conclusões da apelação. A 3.ª questão. Trata-se de saber se não se justifica qualquer pedido de indemnização ou reintegração, como a apelante refere na conclusão 11.ª do recurso. Ora, sendo o contrato de trabalho dos autos considerado como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, dada a nulidade do termo aposto, a carta enviada pela R. à A., com data de 5 de Maio de 2009, a informar que não pretendia renovar o contrato estabelecido, a partir de 11 de Junho de 2009, invocando a caducidade do contrato de trabalho, equivale a um despedimento ilícito; daí que o Tribunal a quo tenha extraído, com acerto, as legais consequências: a reintegração na empresa e o pagamento das retribuições vencidas, com as legais deduções. Improcedem, destarte, as respectivas conclusões do recurso, nomeadamente, a conclusão 11.ª. A 4.ª questão. Trata-se de saber se a A. agiu de má fá e com abuso de direito. Entende a apelante que a apelada, tendo invocado a falta de forma do motivo constante do contrato de trabalho para se considerar sujeito de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, quando sabia que tinha sido contratada a termo certo, agiu com abuso de direito e de má fé. Vejamos. Dispõe o Cód. Civil:ARTIGO 334º (Abuso do direito) É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Como se tem entendido, a figura do abuso do direito visa impedir actuações não razoáveis, imponderadas e, na responsabilidade contratual, exige que as partes, na execução do contrato, se conduzam pelo princípio da boa fé, cumprindo e estimulando o cumprimento por banda da parte contrária. O abuso do direito visa também funcionar como válvula de escape do sistema, de forma que naquelas situações em que a aplicação de uma norma conduza a resultados não razoáveis relativamente aos valores vigentes na ordem juríridica, se possa impedir o seu funcionamento: na verdade, nestes casos, se o legislador tivesse previsto o resultado a que a norma conduziu, ter-se-ia abstido de a editar, dados os clamorosos resultados em que a sua aplicação desaguou. De igual modo, são abarcados também pela figura do abuso do direito aqueles casos em que um sujeito adopta determinada conduta baseada no direito, mas simultaneamente adopta outra conduta, contraditória com a primeira, reveladora de que a invocação e aplicação da lei visou valores não condizentes com os estabelecidos pela ordem jurídica, vulgarmente designado como venire contra factum proprium[7]. Ora, uma das concretizações do abuso do direito, na modalidade do venire contra factum proprium ocorre nas situações de inalegabilidade formal quando, como se tem dentendido, “…num primeiro tempo o agente daria azo a uma nulidade formal, prevalecendo-se do negócio (nulo) assim mantido enquanto lhe conviesse; na melhor (ou pior) altura, invocaria a nulidade, recuperando a sua liberdade. Haveria uma grosseira violação da confiança com a qual o sistema não poderia pactuar.”[8] Daí que também se venha entendendo que “…o abuso de direito é uma forma de antijuricidade ou ilicitude. As consequências, portanto, do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito"[9]. Acresce que constituindo o abuso do direito o exercício desproporcionado de um direito subjectivo, que arranca da previsão de uma norma jurídica, mas cujo exercício provoca um resultado não desejado pela ordem jurídica no seu todo, em termos clamorosos e desequilibrados, o abuso desemboca numa siruação não prevista pelo legislador, em termos tais que, se a tivesse previsto, não teria editado a norma. Daí que que a concepção adoptada entre nós para o abuso seja a objectiva, pelo que se torna desnecessário a invocação e prova da consciência e intenção de exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, embora seja de atender aos elementos subjectivos do comportamento do exercente aquando da formulação do juízo de valor global acerca da existência do abuso. Por último, cumpre referir que, sendo o abuso de direito uma válvula de escape do sistema para que da aplicação do direito não resultem injustiças clamorosas, desfasadas da realidade material subjacente, a matéria pode ser conhecida ex officio[10], tamanha é a preocupação com a prática da justiça material, tão cara ao direito laboral. Na verdade, se há ramo do direito onde o instituto cobra toda a sua razão de ser, parece que se pode afirmar que o direito do trabalho é daqueles em que a figura se assemelha à cereja no cimo do bolo. In casu, a R. invocou o abuso do direito apenas nas alegações de recurso, mas isso não impede o conhecimento da matéria, como se referiu. Dos factos provados resulta que a A. foi admitida ao serviço da R. para trabalhar com a categoria de “administrativa”, só mais tarde tendo sido solicitada por correio interno para assinalar o contrato de trabalho a termo e com a data do início da actividade. Ora, se assim é, parece claro que é da R. a autoria das cláusulas dele constante, nomeadamente, da cláusula 7.ª e seu teor, sendo a intervenção da A. limitada à assinatura do documento. Tal significa que, competindo o ónus da prova do motivo justificativo do termo ao empregador, é ele que deve, em princípio, tomar as especiais cautelas na descrição do mesmo, nomeadamente, elencando os factos concretos que o integram. Já para o trabalhador, não tendo interesse no termo, pois a sua existência e validade tornam precário o contrato que poderia ter sido celebrado por tempo indeterminado, a invocação da sua nulidade corresponde ao exercício normal do seu direito ao trabalho, não configurando abuso do direito. Abuso de direito existiria se quem deu azo à inobservância de forma, viesse amanhã a invocá-la para obter os efeitos jurídicos correspondentes, como nos casos de inalegabilidade formal de que nos fala Menezes Cordeiro ou de nulidade por vício de forma referida por Mota Pinto, citados. Porém, aqui, nestes casos citados, quem omite a forma é a mesma pessoa que invoca a sua falta, tendo a omissão de forma sido levada a cabo preordenadamente. Porém, na hipótese vertente dos autos, não sendo imputável à A., ora apelada, a inobservância de forma, a invocação da nulidade do termo e suas consequências não traduz o exercíco anormal do seu direito ao trabalho, pelo que a A. – a nosso ver e com o devido respeito por diferente opinião – não agiu de má fé, nem com abuso do seu direito. Improcedem, destarte, as restantes conclusões da apelação. Decisão. Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a douta sentença impugnada. Custas pela R. Porto, 2010-07-14 Manuel Joaquim Ferreira da Costa António José Fernandes Isidoro Albertina das Dores N. Aveiro Pereira ___________________ S U M Á R I O I – No contrato de trabalho a termo, a justificação do termo deverá constar do contrato escrito - formalidade ad substantiam - e deve enunciar os factos concretos que a integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo. II – Sendo o motivo indicado o constante da cláusula 7.ª, segundo a qual a estipulação do prazo “justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade", temos de concluir que a R. não cumpriu o seu ónus. III – A inobservância da formalidade ad substantiam afecta a validade da declaração, atento o disposto no Art.º 220.º do Cód. Civil, a qual dita a invalidade do termo, sem que a prova possa ser efectuada por outro meio e/ou em outro lugar, no processo e em julgamento. IV – Daí que a pretensão de anular o julgamento com vista à produção de prova com o objectivo de suprir as omissões constantes do documento - contrato de trabalho -, não possa ser atendida. V – Sendo o contrato de trabalho dos autos considerado como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, dada a nulidade do termo aposto, a carta enviada pela entidade empregadora à trabalhadora a informar que não pretendia renovar o contrato, invocando embora a caducidade do contrato de trabalho a termo, equivale a um despedimento ilícito, com as legais consequências: a reintegração na empresa e o pagamento das retribuições vencidas, com as legais deduções. VI – Não sendo imputável à trabalhadora a inobservância de forma, que se limitou a assinar o contrato que lhe foi enviado pela entidade empregadora, a invocação, por aquela, da nulidade do termo e suas consequências, não traduz o exercício anormal do seu direito ao trabalho, pelo que ela não agiu de má fé, nem com abuso do direito. ________________ [1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma. [2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532. [3] Daí o princípio da segurança no emprego, consagrado no Art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual É garantido aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. É por isso que constitui emanação deste princípio a necessidade de motivo justificativo para que se possa lançar mão da contratação a termo, por definição, precária ou temporária, como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição revista, págs. 711. [4] Como foi consagrado no Art.º 41.º, n.º 4 do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, vulgo LCCT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho e consta actualmente do Art.º 130.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho. [5] Cfr. Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray e Luís Gonçalves da Silva, in Código do Trabalho Anotado, 2003, págs. 235 e 236 e o Acórdão n.º 559/97 do Tribunal Constitucional de 1997-11-04, in DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, N.º 83, de 1998-04-08, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1994-10-26, 1995-01-18, 1999-10-20 e 2004-01-14, in, respectivamente, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II-1994, Tomo III, págs. 280, nomeadamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.ºs e págs., respectivamente, 443/257-262 e 490/148-152 e Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XII-2004, Tomo I, págs. 249 a 252. [6] Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1960 ou 1972, págs. 145 ss.,.Luís Cabral de Moncada, in Lições de Direito Civil, 4.ª edição, 1995, págs. 561 e 562, Carlos da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, lições ao ano lectivo de 1972-1973, 1973, págs. 510 ss., João de Castro Mendes, in Direito Civil, Teoria Geral, Vol. III, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1979, págs. 130 ss., Rui de Alarcão, in A Confirmação dos Negócios Anuláveis, Vol. I, 1971, pág. 188, nota 311, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 1982, págs. 210 e 320 a 322 e Heinrich Ewald Hörster, in A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, págs. 439 ss. [7] Cfr. António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, in DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Almedina, 2.ª reimpressão, 2001, que citando Weber a págs. 742, refere: A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. [8] Cfr. António Menezes Cordeiro, in Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2006, pág. 54 e in DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, cit. págs. 771 e ss. Cfr., para situação semelhante, Carlos da Mota Pinto, cit., págs. 514 ss. e João de Castro Mendes, cit., págs. 134 a 138. [9] Cfr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Ensaio de um Critério em Direito Civil e nas Deliberações Sociais, Almedina, 2006, pág. 76. [10] Cfr. João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2.ª edição, volume I, 1973, págs. 422 a 424, Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, in Código Civil anotado, 3.ª edição, volume I, 1982, págs. 296 a 298 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1978-03-02 e de 1980-03-26, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 275, págs. 214 a 219 e n.º 295, págs. 426 a 433.