Assume natureza pública o crime de ameaça do artigo 153º do CP qualificado pela alínea a) do nº1 do art. 155º do mesmo diploma.
Processo n.º 162/08.9GDGDM.P1 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal (4.ª Secção Judicial) do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. No processo comum (tribunal singular) n.º 162/08.9GDGDM do ..º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Gondomar, o Ministério Público veio recorrer do despacho da Sr.ª Juíza, proferido em 17 de Março de 2010, que julgou juridicamente válida a desistência de queixa formulada pelos ofendidos contra o arguido B………., já identificado nos autos, em relação ao crime de ameaças, já que a ela não se opunha o arguido, nos termos dos art.ºs 113.º, 116.º n.º 2 e 153.º n.º 3 do Código Penal e de harmonia com o disposto nos art.ºs 51.º n.º 2, do CPP, homologou a referida desistência de queixa relativamente ao crime mencionado, por entender que o tipo de crime de ameaças encontra-se previsto no art.º 153.º do CP e o art.º 155.º do mesmo código apenas se reporta a uma agravação das penas referidas no art.º 153.º, quando se preencherem alguma das alíneas a que alude o art.º 155.º n.º 1, als. a) a d) ou o n.º 2 e que ainda que exista agravação da pena o crime de ameaças admite desistência de queixa por parte do titular ofendido. 2. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: - A Ex.ma Senhora Juiz a quo homologou a desistência de queixa quando em causa estava a prática do crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.° n.° 1 e 155.° n.° 1 al. a) do Código Penal. - Todavia, não o podia ter feito porquanto o crime tem natureza pública e não admite desistência de queixa. - Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. - Se o princípio da oficialidade é o regime regra, a norma que o excepciona terá de vir expressa no texto da lei. - Quando a lei nada diz, o crime tem natureza pública, por esse ser o regime regra. - Se a agravação surge no texto legal em lugar posterior àquela que considera o crime semi-público, e se no lugar legal da agravação nada se diz, é porque o crime tem natureza pública. -É esta única conclusão a extrair pela aplicação da melhor hermenêutica. - Assim, a Exma. Senhora Juiz a quo interpretou mal a lei e o artigo 155.° n.° 1 al. a) ao entender que este crime tem natureza semi-pública - Porque tal crime tem natureza pública e não admite desistência de queixa. - Violou, pelo exposto, a lei e o artigo 155.° n.° 1 al. a) do Código Penal e o artigo 48.° do Código de Processo Penal. - Deve, pois, o douto despacho recorrido ser revogado, ordenando-se a sua substituição por outro que não homologue a desistência de queixa. 3. O arguido e a assistente foram notificados e nada disseram. 4. O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs apenas o seu visto, pelo que não houve necessidade de cumprir o art.º 417.º n.º 2 do CPP. 5. Efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso, o qual foi bem admitido e no efeito adequado 6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1]. Mediante o recurso apresentado, o Ministério Público pretende que se submeta à apreciação deste Tribunal Superior, em síntese, a seguinte questão: Apurar se a assistente e o ofendido podem validamente desistir da queixa que apresentaram quanto a factos de que o arguido está acusado, susceptíveis de preencher o tipo legal de crime de ameaças previsto no art.º 153.º do Código Penal, quando acompanhado da ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, que agrava a pena de prisão até dois anos e a de multa até 240 dias (art.º 155.º n.º 1 al. a) do CP). 2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Na acusação deduzida pelo Ministério Público de fls. 123 a 125 dos autos, consta, além do mais que para a decisão do recurso não interessa, que o arguido dirigiu-se a C………. e disse-lhe: “quando te apanhar levas um tiro”, não vais ganhar mais dinheiro para dar de comer aos teus filhos”. À míngua de outros elementos e tendo sempre presente que estamos em presença de factos imputados ao arguido na acusação, mas ainda não provados, afigura-se-nos que o crime prometido cometer seria, pelo menos, o previsto no art.º 144.º al. b) do CP, o qual refere que: quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, é punido com pena de dois a dez anos de prisão. Tenho em conta a objectividade das ameaças, parece-nos que o arguido estava a ameaçar o ofendido com a prática de um crime que lhe retirasse a capacidade de trabalhar de modo a que não pudesse sustentar os filhos, o que é grave e representa um grande desvalor ético acrescido ao pressuposto pela incriminação do tipo de ilícito previsto no artº. 153.º do CP. *** Prescreve o art.º 153.º n.º 1 do Código Penal (CP) que, além do mais que ao caso não interessa, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física e a liberdade pessoal de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. O bem jurídico protegido pela incriminação das condutas previstas no artigo 153.º n.º 1 do CP é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa. Trata-se de um crime de perigo abstracto e de acção[2]. O crime consuma-se quando a ameaça (ou ameaças) seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, não sendo necessário que se produza o resultado, nem que o agente tenha essa intencionalidade. O que importa é que a conduta do agente reúna certas características, de tal modo que, de acordo com as regras da experiência comum, possa ser tomada a sério pelo destinatário, independentemente deste ficar com medo ou inquietação ou prejudicado na sua liberdade de determinação[3]. De igual modo, é irrelevante a intenção do agente, bastando que a ameaça seja adequada a produzir, em abstracto, medo ou inquietação[4]. As expressões proferidas pelo arguido não têm todas o mesmo desvalor ético-jurídico. As frases “quando te apanhar levas um tiro”, “não vais ganhar mais dinheiro para dar de comer aos teus filhos”, constituem ameaças com potencial para provocar qualquer receio ou inquietação, sendo geralmente reconhecidas como tal, tendo em conta as circunstâncias do caso, e tendo como referência um homem médio, colocado naquela situação e conhecedor de todo o enredo. Estas palavras têm objectivamente potencialidade para gerar o perigo pressuposto pela incriminação. Para a consumação do crime, não interessa distinguir se o perigo é iminente ou futuro. O futuro poderá ser um futuro imediato ou remoto. O presente verifica-se quando as expressões são proferidas e é nesse momento coetâneo com o presente que se verifica se são ou não adequadas a produzir o efeito intimidatório e a preencher o tipo legal de crime de ameaça. A ameaça prenuncia o cometimento de um crime que pode ser concretizado de imediato ou no futuro. É o anúncio de que se vai praticar um crime contra a vida ou a integridade física, liberdade pessoal ou autodeterminação sexual que constitui o quid da incriminação prevista no art.º 153.º n.º 1 do CP. Essa declaração e as circunstâncias concretas em que ocorre é que podem ser a causa adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade do destinatário. O crime consuma-se neste preciso momento[5]. Verificada a adequação, o crime consuma-se, independentemente de virem a ser concretizados os tipos de ilícito que os factos pronunciados preenchem. Não devemos confundir a ameaça da prática do crime com a prática do crime blasfemado. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a circunstância agravante prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 155.º do CP constitui um crime qualificado ao nível do tipo de ilícito, de funcionamento automático e constitui um elemento taxativo[6]. Deste modo, enquanto nos quedamos no crime de ameaça (dito simples) previsto no art.º 153.º do CP, o procedimento criminal depende de queixa, pelo que o titular deste direito pode fazer cessar o prosseguimento criminal, desde que a desistência seja tempestiva e o arguido não se oponha à desistência. Porém, no caso dos autos, a ameaça do arguido consubstancia-se na prática de um crime qualificado de ameaça, para o qual a lei não prevê a necessidade de queixa. Donde resulta que o Ministério Público, nesta hipótese, se tiver conhecimento dos factos, pode instaurar oficiosamente o procedimento criminal, nos termos do art.º 48.º do CPP. O crime de ameaça do art.º 153.º do CP, qualificado pela alínea a) do n.º 1 do art.º 155.º do mesmo diploma legal, torna-o de natureza pública, pelo que não é necessária a queixa de quem tem legitimidade para o fazer. Neste contexto, a assistente e o ofendido não têm legitimidade para desistir da queixa que apresentaram, sendo a mesma ineficaz. A decisão recorrida interpretou incorrectamente os artigos 153.º e 155.º n.º 1 al. a) do Código Penal, pelo que dá-se provimento ao recurso e ordena-se o prosseguimento dos autos para julgamento do crime de ameaça qualificado de que está acusado o arguido. III – Decisão Por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em dar provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento do processo para julgamento do crime de ameaça qualificado. Sem custas. Notifique nos termos legais. (Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art.° 94.° n.° 2 do CPP) Porto, 29 de Setembro de 2010. Moisés Pereira da Silva Maria Dolores da Silva e Sousa ______________________ [1] Acs. STJ, de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451°, p. 279 e 453°, p. 338, e CJ/STJ, t, I, p. 247, e ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP. [2] Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, Lisboa, 2008, pp. 412 e Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código Penal Português Anotado – Legislação Complementar, 18.ª edição, Coimbra, 2007, p. 595. [3] Ac. STJ, de 02.05.2002, processo n.º 611/02, 3.ª, SASTJ, n.º 61, p. 67. [4] Ac. STJ, de 26.04.2001, processo n.º 467/01, 5.ª, SASTJ, n.º 50, p. 55. [5] Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, …, 2008, p. 413, anotação 9. [6] Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, …, 2008, pp. 419 e 420.
Processo n.º 162/08.9GDGDM.P1 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal (4.ª Secção Judicial) do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. No processo comum (tribunal singular) n.º 162/08.9GDGDM do ..º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Gondomar, o Ministério Público veio recorrer do despacho da Sr.ª Juíza, proferido em 17 de Março de 2010, que julgou juridicamente válida a desistência de queixa formulada pelos ofendidos contra o arguido B………., já identificado nos autos, em relação ao crime de ameaças, já que a ela não se opunha o arguido, nos termos dos art.ºs 113.º, 116.º n.º 2 e 153.º n.º 3 do Código Penal e de harmonia com o disposto nos art.ºs 51.º n.º 2, do CPP, homologou a referida desistência de queixa relativamente ao crime mencionado, por entender que o tipo de crime de ameaças encontra-se previsto no art.º 153.º do CP e o art.º 155.º do mesmo código apenas se reporta a uma agravação das penas referidas no art.º 153.º, quando se preencherem alguma das alíneas a que alude o art.º 155.º n.º 1, als. a) a d) ou o n.º 2 e que ainda que exista agravação da pena o crime de ameaças admite desistência de queixa por parte do titular ofendido. 2. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: - A Ex.ma Senhora Juiz a quo homologou a desistência de queixa quando em causa estava a prática do crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artigo 153.° n.° 1 e 155.° n.° 1 al. a) do Código Penal. - Todavia, não o podia ter feito porquanto o crime tem natureza pública e não admite desistência de queixa. - Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. - Se o princípio da oficialidade é o regime regra, a norma que o excepciona terá de vir expressa no texto da lei. - Quando a lei nada diz, o crime tem natureza pública, por esse ser o regime regra. - Se a agravação surge no texto legal em lugar posterior àquela que considera o crime semi-público, e se no lugar legal da agravação nada se diz, é porque o crime tem natureza pública. -É esta única conclusão a extrair pela aplicação da melhor hermenêutica. - Assim, a Exma. Senhora Juiz a quo interpretou mal a lei e o artigo 155.° n.° 1 al. a) ao entender que este crime tem natureza semi-pública - Porque tal crime tem natureza pública e não admite desistência de queixa. - Violou, pelo exposto, a lei e o artigo 155.° n.° 1 al. a) do Código Penal e o artigo 48.° do Código de Processo Penal. - Deve, pois, o douto despacho recorrido ser revogado, ordenando-se a sua substituição por outro que não homologue a desistência de queixa. 3. O arguido e a assistente foram notificados e nada disseram. 4. O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs apenas o seu visto, pelo que não houve necessidade de cumprir o art.º 417.º n.º 2 do CPP. 5. Efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso, o qual foi bem admitido e no efeito adequado 6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1]. Mediante o recurso apresentado, o Ministério Público pretende que se submeta à apreciação deste Tribunal Superior, em síntese, a seguinte questão: Apurar se a assistente e o ofendido podem validamente desistir da queixa que apresentaram quanto a factos de que o arguido está acusado, susceptíveis de preencher o tipo legal de crime de ameaças previsto no art.º 153.º do Código Penal, quando acompanhado da ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos, que agrava a pena de prisão até dois anos e a de multa até 240 dias (art.º 155.º n.º 1 al. a) do CP). 2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Na acusação deduzida pelo Ministério Público de fls. 123 a 125 dos autos, consta, além do mais que para a decisão do recurso não interessa, que o arguido dirigiu-se a C………. e disse-lhe: “quando te apanhar levas um tiro”, não vais ganhar mais dinheiro para dar de comer aos teus filhos”. À míngua de outros elementos e tendo sempre presente que estamos em presença de factos imputados ao arguido na acusação, mas ainda não provados, afigura-se-nos que o crime prometido cometer seria, pelo menos, o previsto no art.º 144.º al. b) do CP, o qual refere que: quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, é punido com pena de dois a dez anos de prisão. Tenho em conta a objectividade das ameaças, parece-nos que o arguido estava a ameaçar o ofendido com a prática de um crime que lhe retirasse a capacidade de trabalhar de modo a que não pudesse sustentar os filhos, o que é grave e representa um grande desvalor ético acrescido ao pressuposto pela incriminação do tipo de ilícito previsto no artº. 153.º do CP. *** Prescreve o art.º 153.º n.º 1 do Código Penal (CP) que, além do mais que ao caso não interessa, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física e a liberdade pessoal de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação. O bem jurídico protegido pela incriminação das condutas previstas no artigo 153.º n.º 1 do CP é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa. Trata-se de um crime de perigo abstracto e de acção[2]. O crime consuma-se quando a ameaça (ou ameaças) seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, não sendo necessário que se produza o resultado, nem que o agente tenha essa intencionalidade. O que importa é que a conduta do agente reúna certas características, de tal modo que, de acordo com as regras da experiência comum, possa ser tomada a sério pelo destinatário, independentemente deste ficar com medo ou inquietação ou prejudicado na sua liberdade de determinação[3]. De igual modo, é irrelevante a intenção do agente, bastando que a ameaça seja adequada a produzir, em abstracto, medo ou inquietação[4]. As expressões proferidas pelo arguido não têm todas o mesmo desvalor ético-jurídico. As frases “quando te apanhar levas um tiro”, “não vais ganhar mais dinheiro para dar de comer aos teus filhos”, constituem ameaças com potencial para provocar qualquer receio ou inquietação, sendo geralmente reconhecidas como tal, tendo em conta as circunstâncias do caso, e tendo como referência um homem médio, colocado naquela situação e conhecedor de todo o enredo. Estas palavras têm objectivamente potencialidade para gerar o perigo pressuposto pela incriminação. Para a consumação do crime, não interessa distinguir se o perigo é iminente ou futuro. O futuro poderá ser um futuro imediato ou remoto. O presente verifica-se quando as expressões são proferidas e é nesse momento coetâneo com o presente que se verifica se são ou não adequadas a produzir o efeito intimidatório e a preencher o tipo legal de crime de ameaça. A ameaça prenuncia o cometimento de um crime que pode ser concretizado de imediato ou no futuro. É o anúncio de que se vai praticar um crime contra a vida ou a integridade física, liberdade pessoal ou autodeterminação sexual que constitui o quid da incriminação prevista no art.º 153.º n.º 1 do CP. Essa declaração e as circunstâncias concretas em que ocorre é que podem ser a causa adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade do destinatário. O crime consuma-se neste preciso momento[5]. Verificada a adequação, o crime consuma-se, independentemente de virem a ser concretizados os tipos de ilícito que os factos pronunciados preenchem. Não devemos confundir a ameaça da prática do crime com a prática do crime blasfemado. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a circunstância agravante prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 155.º do CP constitui um crime qualificado ao nível do tipo de ilícito, de funcionamento automático e constitui um elemento taxativo[6]. Deste modo, enquanto nos quedamos no crime de ameaça (dito simples) previsto no art.º 153.º do CP, o procedimento criminal depende de queixa, pelo que o titular deste direito pode fazer cessar o prosseguimento criminal, desde que a desistência seja tempestiva e o arguido não se oponha à desistência. Porém, no caso dos autos, a ameaça do arguido consubstancia-se na prática de um crime qualificado de ameaça, para o qual a lei não prevê a necessidade de queixa. Donde resulta que o Ministério Público, nesta hipótese, se tiver conhecimento dos factos, pode instaurar oficiosamente o procedimento criminal, nos termos do art.º 48.º do CPP. O crime de ameaça do art.º 153.º do CP, qualificado pela alínea a) do n.º 1 do art.º 155.º do mesmo diploma legal, torna-o de natureza pública, pelo que não é necessária a queixa de quem tem legitimidade para o fazer. Neste contexto, a assistente e o ofendido não têm legitimidade para desistir da queixa que apresentaram, sendo a mesma ineficaz. A decisão recorrida interpretou incorrectamente os artigos 153.º e 155.º n.º 1 al. a) do Código Penal, pelo que dá-se provimento ao recurso e ordena-se o prosseguimento dos autos para julgamento do crime de ameaça qualificado de que está acusado o arguido. III – Decisão Por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em dar provimento ao recurso e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento do processo para julgamento do crime de ameaça qualificado. Sem custas. Notifique nos termos legais. (Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art.° 94.° n.° 2 do CPP) Porto, 29 de Setembro de 2010. Moisés Pereira da Silva Maria Dolores da Silva e Sousa ______________________ [1] Acs. STJ, de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451°, p. 279 e 453°, p. 338, e CJ/STJ, t, I, p. 247, e ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP. [2] Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, Lisboa, 2008, pp. 412 e Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código Penal Português Anotado – Legislação Complementar, 18.ª edição, Coimbra, 2007, p. 595. [3] Ac. STJ, de 02.05.2002, processo n.º 611/02, 3.ª, SASTJ, n.º 61, p. 67. [4] Ac. STJ, de 26.04.2001, processo n.º 467/01, 5.ª, SASTJ, n.º 50, p. 55. [5] Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, …, 2008, p. 413, anotação 9. [6] Albuquerque, Paulo Pinto, Comentário do Código Penal, …, 2008, pp. 419 e 420.