Sendo revogada a suspensão da execução da pena de prisão, não pode aplicar-se outra pena de substituição, por força do disposto no art. 56º, nº 2, do Código Penal.
Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos. Processo n.º 87/01.9TBPRG.P1 4ª Secção Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No Círculo Judicial de Lamego, no âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 87/01.9TBPRG (anterior n.º 52/01), do Tribunal Judicial de Peso da Régua, por acórdão proferido a 10/7/2001, devidamente transitado em julgado, foi o arguido B………., com os demais sinais dos autos, condenado, além do mais, nas seguintes penas parcelares: - 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 6º n.º 1, 7º n.ºs 1 e 3 e 105º n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, e 30º n.º 2, do Cód. Penal; - 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de fraude fiscal, sob a forma continuada, previsto e punível pelos artigos 6º n.º 1, 7º n.ºs 1 e 3 e 103º n.º 1 a) e b), do RGIT, e 30º n.º 2, do Código Penal. Efectuado o cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 15 (quinze) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, sob a condição de, no prazo de 3 anos, pagar ao Estado a totalidade da dívida fiscal e acréscimos legais, com excepção das prestações que deixaram de constituir crime. Por decisão proferida a 19 de Maio de 2010 a aludida suspensão da pena fixada ao arguido veio a ser revogada, de harmonia com o disposto no art. 56º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Penal, e, concomitantemente, determinado o perdão de um ano de prisão, ao abrigo do preceituado no art. 1º n.º 1, da lei n.º 29/99, de 12/5, determinando-se o cumprimento dos três meses da prisão restante.*O arguido, inconformado com esta decisão, interpôs recurso, finalizando a sua douta motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) 1ª Com o devido respeito e toda a consideração, não assiste razão ao Ilustre Dr. Juiz do Tribunal Judicial de Peso da Régua, porquanto se considera que ocorreu uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar. 2ª Tendo transitado em julgado, no dia 04.03.2002., o Acórdão que condenou o arguido na pena de suspensão da execução da prisão, o decurso do prazo de prescrição desta só se iniciou no dia 04.03.2006., data em que se completou o período de suspensão. 3ª Tendo-se iniciado o prazo de prescrição em 04.03.2006 e, sendo também de 4 anos, completou-se em 04.03.2010, uma vez que no seu decurso se não mostra ter ocorrido qualquer causa suspensiva ou interruptiva dessa mesma prescrição (arts. 125º e 126º do C. Penal). 4ª A prescrição da pena constitui excepção peremptória que, tornando legalmente inadmissível a sua execução, obsta ao conhecimento do mérito do recurso e põe termo ao processo (art. 493º, n.ºs l e 3 e 496º do C.P.C., aplicáveis "ex vi" do art. 4º do C.P.P.). 5ª Desta maneira, será de declarar extinta, por prescrição, a pena suspensa aplicada ao arguido em substituição da pena de prisão aplicada. Sem prescindir, mais se alega o que segue: 6ª O arguido não cumpriu porque não pôde. 7ª E, durante o período de 2002 a 2010, o arguido não cometeu qualquer crime, estando devidamente inserido. 8ª Ora, quando decorrido o período de suspensão da execução da pena, não existam motivos possam determinar a sua revogação, a pena é declarada extinta (artigo 57º, n.º l do C.P.). 9ª O recorrente entende que a pena de prisão em que foi condenado se encontra prescrita pelo decurso do prazo de 4 anos previsto no artigo 122º, n.º l do C.P. 10ª Pois a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão. 11ª Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra) não existem penas imprescritíveis. 12ª Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25 de Novembro de 2003 (proc. 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56º e 57º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição. 13ª Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122º, n.º l d), do C.P. 14ª No caso em apreço, a decisão final condenatória foi proferida no dia 22 de Fevereiro de 2002 e transitou em Março de 2002. 15ª A execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do artigo 50º, n.º 5 do C.P. 16ª Verificando-se o não cumprimento da obrigação condicionante da suspensão, o tribunal decidiu, por despacho de 19 de Outubro de 2005, prorrogar por um ano o prazo de suspensão, alargando até Março de 2006 o prazo para o cumprimento daquela obrigação. 17ª E, desde então, decorreu o prazo prescricional de 4 anos, pelo que deve ser considerada prescrita a pena aplicada. 18ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 40º, 50º a 57º, 50º, n.º 5, 57º, n.ºs l e 2, 122º, n.ºs l d) e 2 do C. P., 492º a 495º do C.P.P., artigos 493º, n.ºs l e 3 e 496º do C.P.C., aplicáveis ex vi do artigo 4º do C.P.P. Sem prescindir, caso assim não se entenda e se mantenha a decisão recorrida: 19ª Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44º do Código Penal, a pena de prisão aplicada de 3 meses pode e deve ser substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade. 20ª E, mesmo que assim não se entenda, sempre será de admitir que o arguido cumpra a pena de prisão no domicílio com recurso a vigilância electrónica. 21ª Ou, em alternativa, a aplicação do regime de prisão por dias livres, conforme se encontra previsto no art. 45º C.P. Termina pedindo a revogação da decisão recorrida.*Houve resposta do Ministério Público, pugnando pela manutenção do decidido, extraindo das doutas alegações as seguintes conclusões: (transcrição) 1. O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, por douto acórdão proferido em 10.07.2001 e transitado em julgado em 11.03.2002, na pena de 15 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de quatro anos, sob a condição de, no prazo de três anos, pagar ao Estado a totalidade da dívida fiscal e acréscimos legais, demonstrando-o nos autos. 2. Em 19 de Outubro de 2005 foram tomadas declarações ao arguido, na sequência de um requerimento apresentado pelo mesmo em 03.06.2005. 3. Por douto despacho proferido em 2 de Novembro de 2005, foi prorrogada a suspensão da pena por mais um ano. 4. O prazo de prescrição da pena é de 4 anos (artigo 122º do Código Penal). Todavia só poderá ser contado decorrido o prazo de prorrogação da suspensão da pena, ocorrida por despacho de 02.11.2005. 5. Assim, sendo o prazo de prescrição da pena de 4 anos, e tendo sido, em 02.11.2006, prorrogada a suspensão da execução da pena por mais um ano, entendemos que a pena não se encontra prescrita. 6. Em 08.02.2010, o arguido foi novamente ouvido, acabando por lhe ser dado novo prazo para proceder ao pagamento da quantia em dívida nos autos, concretamente, para entregar a quantia que tinha a receber da C………., o que foi deferido, dado ter alegado que o pagamento ocorreria no mês de Março do corrente ano. 7. Decorrido esse prazo e até ao presente, o arguido nada pagou. 8. Ao longo do processo, o arguido declarou trabalhar uns dias na agricultura, auferindo por cada dia de trabalho entre € 20,00 e € 25,00. 9. Todavia, dos documentos juntos aos autos e das declarações prestadas pelo arguido em 08.02.2010, resulta que trabalha na agricultura, mas por conta própria, nos prédios de seus irmãos, com 8ha, tendo o usufruto da exploração do azeite e vinho com benefício, que vem vendendo às D………. e C……….. e não obstante os pagamentos serem efectuados em nome de seus irmãos, é o arguido quem vem recebendo todas as quantias, pelo menos a partir do ano de 2006. 10. Decorrido o aludido prazo concedido pelo Tribunal, o arguido vem dizer que, afinal, já tinha recebido essas quantias, mentindo deliberadamente, mais uma vez ao Tribunal. 11. Na verdade, o único montante obtido resultou de cobrança coerciva. 12. Na verdade, e tal como resulta das suas declarações, o arguido trabalha por conta própria, teve dinheiro para continuar a pagar os estudos da sua filha maior e as dívidas que tinha a particulares e apenas não teve sequer um cêntimo para pagar o imposto em dívida ao Estado. 13. O arguido não cumpriu, não porque não pode, mas porque não quis, tendo dinheiro para pagar a todos menos ao Estado. 14. O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de quinze meses de prisão. Esta é a pena em que o arguido foi condenado, a qual não admite substituição por multa - cf. art. 43º, n.º l, do C. Penal. 15. A pena que tem a cumprir (três meses) resulta de ter sido perdoado ao arguido um ano de prisão, pelo que entendemos que não pode ser substituída esta pena por multa, face ao disposto no mencionado normativo. 16. Igualmente, entendemos que não pode ser substituída por prisão por dias livres - cf. art. 45º, do C. Penal. Ademais, ainda que assim se entendesse, sempre se dirá que essa forma de cumprimento não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o mesmo se dizendo para o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. 17. Em nosso entender, só o cumprimento pelo arguido da pena de prisão, realiza de forma suficiente as finalidades da punição, pelo que não merece qualquer reparo a douta decisão recorrida.*Admitido o recurso, por despacho de fls. 798, subiram os autos e este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer pronunciando-se pela improcedência do recurso, essencialmente com base no seguinte: - Entre 11-03-2002, data do trânsito em julgado da decisão, e 2-11-2006, data do termo do período da suspensão, já resultante da prorrogação, decorreu a suspensão da execução da pena. - Durante tal período a pena em causa esteve em execução e isso, face ao prevenido no art. 126º, n.º 1, al. a), do Código Penal acarretaria a interrupção da prescrição, projectando, naturalmente os seus efeitos enquanto perdurou, ou seja, até 04-11-2006, data em que cessou a execução da dita pena de substituição; - Quando muito, só a partir daquele momento é que seria lícito considerar iniciado o prazo de prescrição e, assim sendo, importa concluir que ainda não decorreu o prazo de quatro anos; - Se se pretender olhar a problemática na perspectiva da pena principal de prisão, que foi substituída, não pode também acolher-se a efectividade da sua prescrição, pois, não só se trata de uma pena inaplicada, na acepção do art. 122º n.º 2 do Código Penal, mas também há que ter presente que, quanto a ela, operaria a suspensão da prescrição, de harmonia com o prevenido no art. 125º, n.º 1, al. a), do Código Penal. - No que tange à revogação da suspensão, o recorrente não a impugna em sede substancial, limitando-se a aduzir que não cumpriu a condição porque não pôde, que decorreu o prazo da suspensão sem que tenha cometido qualquer crime, o que deveria determinar a extinção da pena - art. 57º, n.º 1, do Código Penal, questionando a decisão recorrida apenas com base em aspectos que delimitam negativamente a punição num plano estritamente formal; - Quanto à substância do incumprimento da condição, apesar dos vários considerandos fácticos da decisão recorrida, em que é posta em evidência a irrelevância a que o recorrente votou a condição de que dependia a suspensão da execução da pena, assim perfectibilizando os pressupostos da alínea a), do n.º 1, do art. 56º, do Código Penal, este nada impugna a esse nível, pelo que, à míngua da procedência da demais motivação, designadamente a referente à extinção da pena, se nos afigura dever ter-se por definitiva a revogação da suspensão. - Restando as vertentes recursórias relacionadas com a substituição da pena sobrante pela: pena de multa - art. 43º do CP -; pelo cumprimento em regime de permanência na habitação - art. 44º -; por prisão por dias livres - art. 45º do CP -; ou por outra pena não privativa da liberdade, verifica-se que obsta à sua aplicabilidade, desde logo, a circunstância de tais penas serem verdadeiras penas de substituição, a aplicar na decisão condenatória e não penas destinadas a substituir a que não foi cumprida; - Mesmo o regime de permanência na habitação é uma pena de substituição da prisão e não um modo de execução da pena de prisão; - E, assim sendo, incumbe ao tribunal de julgamento, na altura da condenação, ponderar a sua aplicação; - Estando em equação uma pena de 15 meses de prisão e sendo a essa que se deverá ater o julgador para a ponderação de penas substitutivas - o perdão aplicado nem sequer é incondicional - art. 4.° da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio -, facilmente se vê, como nota a Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, a incompatibilidade entre a sua medida máxima e as exigências formais dos normativos que o recorrente convoca; - À data da prolação da decisão recorrida - 19-05-2010 - já vigorava a redacção introduzida no art. 58º do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que procedeu ao alargamento da admissibilidade da substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade, estabelecendo como limite da prisão susceptível de substituição os 2 anos; - Visto o novo regime penal da prestação de trabalho a favor da comunidade, temos que, face à pena primitivamente aplicada - 15 meses de prisão - o mesmo envolve a superveniência de um regime penal que pode configurar-se como concretamente mais favorável ao agente, em consonância com a previsão do art. 2º, n.º 4, do Código Penal, na redacção da Lei acima referida; - E, sendo assim, a decisão revogatória da suspensão da execução da pena, ora recorrida, comportava a ponderação da aplicabilidade de um regime penal de conteúdo mais favorável, baseado na admissibilidade da aplicação de uma pena de substituição que no momento da decisão não era consentida? - Ou será imperioso o recurso ao mecanismo processual previsto no art. 371º-A, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, isto é, à reabertura da audiência, a desencadear pelo arguido? - A decisão que apreciou, ao abrigo do disposto nos arts. 492.° a 495.°, os termos em que foi, ou não foi, cumprida a pena de substituição concretamente aplicada, apenas dispunha, quanto à pena principal, de poderes de cognição estritamente balizados pelo disposto no art. 56º, n.º 2, do Código Penal, não lhe sendo, a nosso ver, lícito modificar a pena fixada na sentença, sem prejuízo de, como é fácil de ver, poder aplicar o perdão que, no caso, se impunha; - Tudo o mais é matéria que ficou consumada na primitiva decisão, apenas sendo lícita a ponderação da aplicação de um novo regime penal, eventualmente mais favorável, através do recurso ao mecanismo previsto no art. 371 .°-A; - Com a sucessão de leis, ditada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, não só foi modificada a vertente do prazo de duração da suspensão - cfr. art. 50.°, n.° 5, do Código Penal - que ficou a conviver com esse outro prazo previsto no art. 14.° do RGIT -, como também se modificaram as penas de substituição quanto a vários aspectos formais, como sucedeu a propósito da já referida pena de prestação de trabalho a favor da comunidade; - Embora com outro enfoque mas com considerandos que podem contribuir para o esclarecimento do caso que nos ocupa, o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 15/2009, publicado no DR n.° 227-Série l, de 23 de Novembro de 2009, fez jus ao ensinamento de que o confronto/aplicabilidade dos regimes penais concorrentes há-de ser feito através do mecanismo previsto no art. 371º-A; - Como ali se diz: "Só o pedido do condenado e a garantia de que a declaração do direito será feita com a sua participação e a dos demais sujeitos processuais, sob contraditório pleno, asseguram, em absoluto, por um lado, o direito do arguido ao julgamento único, a não modificação arbitrária da sentença e a certeza de que a lei posterior só será aplicada se lhe for indiscutivelmente mais favorável, por outro lado, o direito dos demais sujeitos processuais e da comunidade à estabilidade do decidido em sentença com trânsito em julgado, enquanto meio de tutela dos bens jurídicos e de defesa da ordem jurídica, através da garantia de participação na decisão de aplicação da lei nova de conteúdo mais favorável ao condenado."; - Pelo exposto, a questão da eventual aplicabilidade ao caso dos regimes penais em confronto, nomeadamente o que consente a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos sobreditos, haverá de ser deixada ao impulso processual do arguido, com recurso ao dito mecanismo.*Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, nada obstando à decisão.***II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica (cf., entre outros, Acórdão do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt), as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. In casu, são suscitadas no recurso do arguido as seguintes questões: • Prescrição da pena aplicada ao arguido; • Extinção da pena aplicada nos termos do art. 57º n.º 1, do Cód. Penal; e, • Substituição da pena remanescente de três meses por multa ou outra pena não privativa da liberdade ou cumprimento da pena em prisão domiciliária com vigilância electrónica ou em prisão por dias livres.***2. Apreciando e decidindo 2.1 A tramitação processual relevante a) Por acórdão proferido nestes autos, a 10/7/2001, foi o arguido ora recorrente, B………., condenado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal e de um crime de fraude fiscal, ambos na forma continuada, por factos ocorridos entre os anos de 1994 e 1996, na pena única de 15 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 4 anos, mediante condição de pagamento da dívida fiscal e acréscimos legais, com excepção das prestações que deixaram de constituir crime, no prazo de 3 anos (fls. 542 e segs.); b)Inconformado, interpôs recurso para o STJ, o qual veio a ser rejeitado por manifesta improcedência, por acórdão de 20 de Fevereiro de 2002, transitado em julgado a 11 de Março de 2002 (fls. 578 e segs. e 587); c) Decorrido o prazo para cumprimento da condição, foi o arguido notificado para comprovar o pagamento imposto ou esclarecer a razão de não o ter realizado, por via postal com registo de 9/5/2005 e dirigida ao respectivo defensor, vindo a invocar manifesta impossibilidade de meios económicos ou financeiros para o satisfazer (fls. 619, 620, 621 e 622); d) Ouvido em declarações, no dia 19/10/2005, requereu a prorrogação do prazo de pagamento por mais 1 ano, na sequência do que, por despacho datado de 2/11/2005, foi prorrogado por mais 1 ano o prazo de suspensão, ao abrigo do disposto no art. 55º d), do Cód. Penal, o qual veio a ser notificado ao arguido e seu defensor, por via postal, enviada a 4/11/2005 (fls. 630, 631, 633, 635 e 636); e) Integralmente decorrido o prazo legal da suspensão foi o arguido novamente notificado para comprovar o cumprimento da condição, vindo este indicar a existência de um pagamento coercivo (execução fiscal) e insistir na falta de meios para cumprir voluntariamente (fls. 638 a 648); f) Efectuadas as diligências tidas por pertinentes com vista ao esclarecimento da real situação do arguido e ouvido este, novamente, em declarações, no dia 8/2/2010, foi-lhe ainda concedido o prazo de 45 dias, como requereu, para proceder ao depósito de valores que, segundo disse, iria receber da C………. (fls. 649 e segs., 698 e 699); g) Por requerimento de 29/4/2010, o arguido suscitou a questão da prescrição da pena e, subsidiariamente, invocou, uma vez mais, a impossibilidade de cumprimento da condição por falta de meios, sustentando que, por isso, a pena devia ser extinta (fls. 706 e segs.); h) Requisitado o CRC do arguido foi, então, proferida a decisão recorrida, com data de 19/5/2010 (fls. 747 a 749). ***2.2 A decisão recorrida Assente a tramitação relevante que antecedeu a revogação de suspensão da execução da pena, importa agora ponderar o teor da decisão recorrida que é o seguinte: (transcrição) Em 10 de Julho de 2001, o arguido B………. foi condenado, nestes autos, pela prática de um crime de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, na pena de 10 meses de prisão e pela prática de um crime continuado de fraude fiscal, na pena de 10 meses de prisão. Operado o cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 15 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de quatro anos, sob a condição de, no prazo de três anos pagar ao Estado a totalidade da dívida fiscal e acréscimos legais, demonstrando-o nos autos. O acórdão transitou em julgado a 11 de Março de 2002. Como resulta dos autos, em 19 de Outubro de 2005 foram tomadas declarações ao arguido, na sequência de um requerimento do arguido que faz fls. 622. Nessas declarações, o arguido disse que "estava a diligenciar no sentido de obter um empréstimo bancário, por forma a proceder ao pagamento da aludida quantia, necessitando do prazo de um ano para pagamento". Em 2 de Novembro de 2005, foi prorrogada a suspensão da pena por mais um ano. Decorrido esse prazo, não pagou, voluntariamente, qualquer valor. Ora, desta súmula retira-se que o arguido não tem razão no que concerne à prescrição da pena. O prazo é de 4 anos (artigo 122° do Código Penal), mas, como nos parece evidente, só poderá ser contado decorrido o prazo de prorrogação da suspensão da pena, ocorrida por despacho de 02.11.2005. Logo, em 02.11.2006, acrescido de 4 anos, que não se completaram. O Ministério Público, a fls. 673 promoveu a revogação da suspensão da execução da pena. O arguido foi novamente ouvido, conforme consta de fls. 698-699, o qual, pelas razões que aí constam, acabou por requerer novo prazo para proceder ao pagamento de uma quantia que tinha a receber da C………., o que foi deferido. Decorrido esse prazo nada pagou e, na sequência de nova notificação, vem invocar a já aludida prescrição. E, no que concerne à falta de pagamento de qualquer quantia vem dizer que, afinal [um tanto despudoradamente, diga-se], já tinha recebido essas quantias, facto que omitiu ao Tribunal na esperança de obter um empréstimo (recorde-se, a mesmíssima justificação que havia apresentado para requerer a prorrogação da suspensão da pena) e que só cometendo um crime - furto ou assalto a Banco - poderia satisfazer o pagamento a que foi condenado!, pois não tem quaisquer possibilidades de pagar o montante em causa. Então, não se percebe a razão pela qual ao longo dos anos foi alegando que iria conseguir um empréstimo - pois só consegue obter empréstimos quem tem alguma solvabilidade. Talvez o arguido não tenha tido possibilidades de pagar na íntegra a quantia à qual foi condicionada a suspensão da execução da pena. Mas, volvidos 8 anos desde o trânsito do acórdão o que pagou o arguido, bem sabendo dessa condição e que o não cumprimento da pena estava dela dependente? Zero, nem um cêntimo, sendo certo que o próprio arguido reconhece que vem recebendo quantias em dinheiro, há vários anos. E, isso mesmo resulta das várias informações que o Tribunal teve o cuidado de recolher - vide relatório do IRS a fls. 670, fls. 685 e seguintes. Por seu turno, o arguido no requerimento que antecede, alega muito mas não demonstra nada. Ou seja, o Tribunal teria outro entendimento caso o arguido, dentro das suas possibilidades, fosse, ao longo dos anos, pagando alguns valores, dando provas que estava a tentar fazer o melhor que lhe era possível. Não o fez, nem da sua atitude resulta que o tivesse tentado fazer, pese embora esteja nos autos vertido que vem recebendo valores, que nunca resolveu entregar a estes autos, como demonstração, ao menos, de interiorização da condenação irrogada. O valor obtido – 26.009,98 euros, resultou de cobrança coerciva, como resultado de bens que lhe foram penhorados - vide fls. 662 e seguintes. O arguido trabalha nas propriedades dos seus irmãos, tem o usufruto da exploração de vinho e azeite e recebe os valores respectivos (em nome dos irmãos, uma vez que, evidentemente, nada tem em seu nome), o que reconheceu. O que sucede é que o arguido terá outras prioridades e sempre achou que, com a postura de vitimização, sairia impune: não iria pagar nada do imposto que reteve e não entregou ao Estado e não iria cumprir a pena a que foi condenado. É certo que desde a condenação até hoje decorreram já 8 anos. O condenado está inserido. Não cometeu outros crimes entretanto (o que é exigido a qualquer cidadão, de resto). Porém, estes vectores se pesam a favor do arguido, também militam em seu desfavor, já que tantos anos decorreram e o condenado não curou de entregar ao Estado quaisquer valores, pese embora o lapso de tempo e as oportunidades que lhe foram concedidas, que claramente, não soube aproveitar, acreditando no amolecimento do sistema. Dito de outro modo, a conduta do arguido, ao obliterar por completo a condenação revela que a razão subjacente à suspensão da execução da pena, mostrou-se inverificada. O arguido, de forma grosseira violou as condições irrogadas no acórdão para que fizesse sentido e se justificasse a suspensão da execução da pena. Isto posto e tudo ponderado à luz dos critérios plasmados no artigo 56º, n.º 1, al. a) e n.º 2, conjugado com o disposto nos artigos 50º, n.º l e 40º, todos do Código Penal, decido revogar a suspensão da pena aplicada ao arguido nestes autos. Assim, o arguido haveria de cumprir a pena de 15 meses de prisão. Porém, há que tomar em consideração a Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Refere o condenado, ainda, que no acórdão condenatório não foi considerada a Lei da Amnistia. Não foi, nem podia, posto que lhe foi aplicada pena suspensa, como expressamente resulta do artigo 6º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Estatui o aludido normativo relativamente a condenações em pena suspensa, o perdão a que se refere a presente lei e o disposto no artigo 3º só devem ser aplicados se houver lugar à revogação da suspensão. É o caso dos autos. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 1º, n.º l da mencionada Lei perdoa-se-lhe um ano de prisão. Destarte, o condenado B………. cumprirá a pena de três meses de prisão. Notifique e após trânsito, passe os competentes mandados.***2.3. Da prescrição Conforme se apura do exposto, embora havendo acordo de que o prazo de prescrição da pena aplicada é, in casu, de 4 anos, existem já interpretações divergentes sobre a verificação da prescrição e respectiva data. Vejamos. Invoca o recorrente que sendo de 4 anos o prazo prescricional da pena que lhe foi imposta o mesmo se completou no dia 4/3/2010, porquanto, embora o acórdão tivesse transitado em julgado no dia 4/3/2002, aquele prazo apenas se iniciou a 4/3/2006 por força do período de suspensão. Por seu turno, o tribunal a quo, sufraga que a prescrição ainda não operou porquanto, embora o acórdão tenha transitado em julgado a 11 de Março de 2002, foi proferido despacho de prorrogação da suspensão por mais um ano, no dia 2/11/2005, razão porque o prazo apenas se iniciou a 2/11/2006, não se tendo, pois, ainda completado os 4 anos. Finalmente, o Ex.mo PGA junto deste Tribunal da Relação compartilha, no essencial, este último entendimento mas reporta o início do prazo prescricional a 4/11/2006, porquanto o despacho de prorrogação da suspensão por mais um ano, proferido a 2/11/2005, só veio a ser notificado ao arguido por carta enviada a 4/11/2005, devendo reportar-se a esta data o início da prorrogação concedida, a qual só terminou, por isso mesmo, a 4/11/2006, aí se iniciando o prazo prescricional. Quid juris? Estando em causa pena de prisão inferior a 2 (dois) anos é incontestável que o respectivo prazo prescricional é de 4 (quatro) anos, de harmonia com o preceituado no art. 122º n.º 1 d), do Cód. Penal. Por outro lado, o prazo da prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (n.º 2, do citado normativo). Na hipótese sub judicio, tendo presente a certidão de trânsito em julgado do douto Acórdão do STJ, constante de fls. 587 dos autos, é manifesto que a razão está do lado do tribunal a quo, desconhecendo-se qual o fundamento para o arguido invocar que o trânsito se verificou a 4/3/2002 e não a 11/3/2002, como efectivamente aconteceu. No entanto e para correcta ponderação do caso, importa ainda atentar que, nos termos do art. 125º n.º 1 a), do Cód. Penal, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar. Ora, o período de suspensão de execução da pena começa a correr com o trânsito em julgado da decisão, como decorre do disposto no art. 50º n.º 5, do Cód. Penal, pelo que durante a sua vigência não é possível iniciar-se o prazo de prescrição da pena substituída, ou seja a pena de prisão. Nesta conformidade e tendo ainda presentes os elementos que se colhem dos autos e já supra mencionados, afigura-se-nos que, salvo o devido respeito, são perfeitamente irrelevantes para o caso as datas em que foi proferido o despacho a prorrogar o prazo de suspensão da execução da pena ou a da notificação do mesmo ao arguido e seu defensor. Prorrogar significa prolongar, ampliar, estender. E só pode ser dilatado um prazo que ainda decorre. De outro modo, já não haveria prorrogação mas antes a concessão de novo prazo. Em consequência, a falada prorrogação da suspensão da execução da pena por mais um ano, levada e efeito por despacho de 2/11/2005, teve como consequência o alargamento do prazo inicial da suspensão de 4 para 5 anos [não confundir com o prazo de cumprimento da condição que era apenas de três anos e que não foi expressamente referido em tal decisão embora esteja implícito, até pelo ulterior processado, que foi igualmente prolongado]. E assim sendo, é manifesto que a prescrição da pena teve o seu início somente a 11/3/2007 e apenas se completará a 11/3/2011. Explicitando: A decisão transitou em julgado a 11/3/2002. Nessa data iniciou-se o período de 4 anos de suspensão da execução da pena aplicada, obstando, assim, ao início do prazo prescricional. Tal prazo de suspensão, inicialmente determinado no acórdão condenatório, só terminou a 11/3/2006. Porém, tendo tal prazo sido, entretanto, prorrogado por mais um ano, em virtude do já referido despacho proferido a 2/11/2005, facilmente se conclui que continuou a correr completando-se apenas um ano depois, ou seja a 11/3/2007. Só assim pode configurar-se uma prorrogação de prazo, já que, de outro modo, parte do prazo inicialmente concedido e ainda não decorrido seria eliminado e substituído pelo novo prazo, vendo-se reduzido em detrimento deste. Concluiu-se, pois, pela inexistência da excepcionada prescrição da pena aplicada.***2.4 Da extinção da pena Invoca o recorrente que não cumpriu a condição porque não pôde e que não incorreu na prática de outras infracções durante o período de suspensão, circunstância que deveria determinar a declaração de extinção da pena, de harmonia com o disposto no art. 57º n.º 1, do Cód. Penal. Este normativo estatui que a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. Ora, consoante se apura da decisão recorrida, o tribunal a quo, considerou ter havido infracção grosseira e repetida do dever imposto e nunca cumprido, concluindo pela revogação da suspensão, ao abrigo do preceituado no art. 56º n.º 1 a), do Cód. Penal. E, o arguido ora recorrente, invocando que não cumpriu o dever imposto – pagamento da dívida fiscal e demais acréscimos - porque não conseguiu, nenhum argumento apresentou em benefício da sua tese, subsistindo, assim, perfeitamente incólumes os fundamentos vertidos na decisão recorrida que não só contrariam irreversivelmente tal afirmação como são claramente demonstrativos da firme intenção daquele em não acatar o comando imposto na decisão condenatória. Aliás, tal como concluiu o tribunal recorrido, evidencia-se da conduta do arguido, ao longo do decurso do tempo, uma vontade de entorpecer e obstar à acção da justiça, solicitando várias prorrogações de prazo para proceder ao pagamento em falta, sob falsos pretextos e na mira da prescrição da pena que logo veio invocar quando se convenceu que lograra atingir o seu desiderato. Nesta conformidade e ponderando os elementos exaustivamente colhidos pelo tribunal a quo sobre a condição pessoal, familiar, profissional e económica do recorrente, é manifesto que a conclusão extraída a propósito do incumprimento culposo do dever imposto é inatacável, não merecendo qualquer reparo, afigurando-se, em consequência, infundada a pretensão de extinção da pena formulada por aquele.***2.5 Da substituição da pena remanescente de três meses Pretende o arguido que a pena remanescente de 3 meses de prisão, resultante da aplicação do perdão de 1 ano, nos termos do art. 1º, da Lei n.º 29/99, aos 15 meses aplicados, seja substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade ou cumprimento da pena em prisão domiciliária com vigilância electrónica ou em prisão por dias livres. Dispõe o citado normativo que: “1 - Nas infracções praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, é perdoado um ano de todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até oito anos, ou um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou mais anos, consoante resulte mais favorável ao condenado. 2 - O disposto no número anterior é aplicável às penas de prisão maior, de prisão militar e de presídio militar. 3 - O perdão referido no n.º 1 é aplicável às penas de prisão fixadas em alternativa a penas de multa. 4 - Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º”. (…) O perdão de penas dá corpo e sustentação ao exercício do direito de graça, de competência reservada da Assembleia da República - artigo 161°, alínea f), da Constituição -, criando um obstáculo à efectivação da punição, podendo qualificar-se como a contraface do ius puniendi estadual.[1] Esta medida de clemência reveste natureza genérica e é aplicável a todos os arguidos que tenham praticado uma infracção no período de tempo abrangido pela amnistia e de harmonia com as condições aí fixadas, de uma forma obrigatória e automática, estando vedado ao tribunal qualquer juízo se oportunidade da sua aplicação ao caso concreto. Todavia, como é bom de ver, a aplicação do perdão é necessariamente precedido pela escolha e fixação da pena concreta e não o contrário. Na verdade, incidindo o perdão unicamente sobre penas de prisão, só depois de realizada a operação de determinação da pena é possível verificar se esta é privativa da liberdade, caso em que sobre ela incidirá o respectivo perdão. Nesta conformidade, evidencia-se a falta de fundamento legal da pretensão do arguido de ver substituído o remanescente da pena que tem a cumprir depois de beneficiar do perdão de 1 ano, visto que se a pena de prisão tivesse sido substituída nem sequer haveria lugar à aplicação deste. E, tendo-o sido, já não é possível retroceder ao momento da escolha de pena. É certo que a Lei n.º 29/99, de 12/5, estabeleceu no seu art. 3º, a obrigatoriedade das penas de prisão aplicadas em medida não superior a 3 anos serem sempre substituídas por multa na parte não perdoada. No entanto, tal substituição, além de admitir as excepções aí consignadas, tem o seu campo de aplicação limitado a delinquentes com menos de 21 anos, à data da prática do crime, ou com 70 ou mais anos, em 25 de Março de 1999, o que obviamente não é o caso do arguido aqui recorrente. Assim, a questão poderia unicamente colocar-se quanto à possibilidade de substituição da pena de 15 meses de prisão efectiva resultante da revogação da suspensão. No entanto, a isso se opõe, desde logo, o art. 56º n.º 2, do Cód. Penal, que estatui que a revogação da suspensão da execução da pena determina “o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”, o que manifestamente exclui a aplicação subsequente de qualquer outra pena de substituição. Por outro lado e ainda que assim não fosse, sabendo-se que a revogação da suspensão resulta do incumprimento culposo do condenado, não se vislumbra como seria possível emitir um novo juízo de prognose positiva sobre a desnecessidade de cumprimento da pena fixada. Finalmente, o próprio regime das penas de substituição, que são verdadeiras penas autónomas,[2] não o admite uma vez que estas têm que ser aplicadas pelo tribunal de julgamento, não podendo ser aplicadas em momento posterior à condenação transitada em julgado. É certo que, com o evidenciado estigma que o cumprimento das penas curtas de prisão pode representar para o condenado, especialmente quando primário, se foi afirmando o movimento contra a pena de prisão que veio a culminar no reconhecimento da necessidade de ampliação não só da panóplia de penas de substituição como também das hipóteses em que estas podem ser aplicadas. E, conforme doutrina e jurisprudência dominantes, nestas penas de substituição se incluem os pretendidos regime de permanência na habitação e prisão por dias livres – v., neste sentido, Acs. desta Relação de 1/10/2008 e 14/6/2010, Proc. n.ºs 0844029 e 51/10.7GAVLP, dos quais são relatores Pinto Monteiro e o aqui adjunto Moreira Ramos, respectivamente, e ainda Figueiredo Dias, Paulo Pinto de Albuquerque e Germano Marques da Silva, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 337 e segs., especialmente 390 e segs., “Comentário do Código Penal”, págs. 182, nota 1, e 185, nota 1, e “Direito Penal Português”, Parte Geral, III, 1999, pág. 84 e segs. Em consequência, não estando em causa, também nesta sede, questão atinente ao cumprimento da pena mas antes de aplicação de verdadeiras penas de substituição, é impossível atender a pretensão do arguido. Acresce ainda que, pese embora com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4/9, o Código Penal tenha sofrido alterações na amplitude das penas de substituição e respectivos regimes, verificando-se que, actualmente e ao contrário do que acontecia no momento da condenação, seria admissível substituir a pena privativa da liberdade aplicada ao ora recorrente por prestação de trabalho a favor da comunidade [na altura admissível unicamente quanto a penas de prisão não superiores a um ano, nos termos do art. 58º n.º 1, do Cód. Penal, na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15/3, mas agora possível relativamente a penas aplicadas em medida não superior a 2 anos] ou por regime de permanência na habitação [pena aditada na última revisão do Código Penal], nem sequer se coloca a questão da aplicação da lei mais favorável. É que, a ponderação da sucessão de leis no tempo para aplicação daquela que se mostre concretamente mais favorável tem que reportar-se ao momento da condenação. E, assim, quando o julgador pondera a questão tem que aferir se o condenado poderia ter sido contemplado com a aplicação de uma pena menos gravosa se, na ocasião da condenação, já vigorasse a nova lei, não podendo reportar-se ao momento presente na hipótese de anterior condenação com trânsito em julgado – v., a este propósito e entre muitos outros, Ac. desta Relação do Porto, de 7/1/2009, Proc. 0845164, rel. Álvaro Melo, disponível in dgsi.pt. Ora, sendo certo que a lei não estabelece qualquer precedência para aplicação das penas de substituição, tem sido pacificamente aceite que a ordem de substituição, da menos para a mais gravosa, é a seguinte: - Multa; - Suspensão da execução; - Prestação de trabalho a favor da comunidade; - Regime de permanência na habitação; - Prisão por dias livre; e, - Regime de semidetenção,[3] sendo estas três últimas já de natureza detentiva. Nesta conformidade, tendo a pena de prisão aplicada ao arguido sido suspensa na sua execução e não admitindo a medida daquela (15 meses), ainda hoje, a substituição por multa (v. art. 43º n.º 1, do Cód. Penal), facilmente se conclui que não ocorreu modificação legislativa que o pudesse beneficiar, não estando sequer em causa o disposto no art. 2º n.º 4, do Cód. Penal que, de todo o modo e ainda que assim não se entendesse, sempre ficaria dependente do cumprimento do preceituado no art. 371º-A, do Cód. Proc. Penal. Termos em que se conclui pela total improcedência do recurso.***III – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso, mantendo nos seus precisos termos a decisão recorrida. Custas pelo recorrente com 4 (quatro) UC de taxa de justiça – art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.*[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP] Porto, 20 de Outubro de 2010 Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio António José Moreira Ramos _____________________ [1] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 691. [2] Idem, pág. 329 e segs. [3] Neste sentido, pode ver-se Ac. RP, de 20/4/2009, Proc. 0817395, rel. Luís Teixeira, in dgsi.pt.
Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos. Processo n.º 87/01.9TBPRG.P1 4ª Secção Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No Círculo Judicial de Lamego, no âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 87/01.9TBPRG (anterior n.º 52/01), do Tribunal Judicial de Peso da Régua, por acórdão proferido a 10/7/2001, devidamente transitado em julgado, foi o arguido B………., com os demais sinais dos autos, condenado, além do mais, nas seguintes penas parcelares: - 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, previsto e punível pelos arts. 6º n.º 1, 7º n.ºs 1 e 3 e 105º n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, e 30º n.º 2, do Cód. Penal; - 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de fraude fiscal, sob a forma continuada, previsto e punível pelos artigos 6º n.º 1, 7º n.ºs 1 e 3 e 103º n.º 1 a) e b), do RGIT, e 30º n.º 2, do Código Penal. Efectuado o cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 15 (quinze) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 4 (quatro) anos, sob a condição de, no prazo de 3 anos, pagar ao Estado a totalidade da dívida fiscal e acréscimos legais, com excepção das prestações que deixaram de constituir crime. Por decisão proferida a 19 de Maio de 2010 a aludida suspensão da pena fixada ao arguido veio a ser revogada, de harmonia com o disposto no art. 56º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Penal, e, concomitantemente, determinado o perdão de um ano de prisão, ao abrigo do preceituado no art. 1º n.º 1, da lei n.º 29/99, de 12/5, determinando-se o cumprimento dos três meses da prisão restante.*O arguido, inconformado com esta decisão, interpôs recurso, finalizando a sua douta motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) 1ª Com o devido respeito e toda a consideração, não assiste razão ao Ilustre Dr. Juiz do Tribunal Judicial de Peso da Régua, porquanto se considera que ocorreu uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar. 2ª Tendo transitado em julgado, no dia 04.03.2002., o Acórdão que condenou o arguido na pena de suspensão da execução da prisão, o decurso do prazo de prescrição desta só se iniciou no dia 04.03.2006., data em que se completou o período de suspensão. 3ª Tendo-se iniciado o prazo de prescrição em 04.03.2006 e, sendo também de 4 anos, completou-se em 04.03.2010, uma vez que no seu decurso se não mostra ter ocorrido qualquer causa suspensiva ou interruptiva dessa mesma prescrição (arts. 125º e 126º do C. Penal). 4ª A prescrição da pena constitui excepção peremptória que, tornando legalmente inadmissível a sua execução, obsta ao conhecimento do mérito do recurso e põe termo ao processo (art. 493º, n.ºs l e 3 e 496º do C.P.C., aplicáveis "ex vi" do art. 4º do C.P.P.). 5ª Desta maneira, será de declarar extinta, por prescrição, a pena suspensa aplicada ao arguido em substituição da pena de prisão aplicada. Sem prescindir, mais se alega o que segue: 6ª O arguido não cumpriu porque não pôde. 7ª E, durante o período de 2002 a 2010, o arguido não cometeu qualquer crime, estando devidamente inserido. 8ª Ora, quando decorrido o período de suspensão da execução da pena, não existam motivos possam determinar a sua revogação, a pena é declarada extinta (artigo 57º, n.º l do C.P.). 9ª O recorrente entende que a pena de prisão em que foi condenado se encontra prescrita pelo decurso do prazo de 4 anos previsto no artigo 122º, n.º l do C.P. 10ª Pois a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão. 11ª Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra) não existem penas imprescritíveis. 12ª Como salientou a Relação de Évora, em Acórdão de 25 de Novembro de 2003 (proc. 2281/03-1, www.dgsi.pt), em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, designadamente nos artigos 56º e 57º do C.P., a não ser o eventual decurso do prazo de prescrição da pena, pois estas (as penas) estão sujeitas a prazos de prescrição. 13ª Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122º, n.º l d), do C.P. 14ª No caso em apreço, a decisão final condenatória foi proferida no dia 22 de Fevereiro de 2002 e transitou em Março de 2002. 15ª A execução da pena suspensa e o respectivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme resulta do artigo 50º, n.º 5 do C.P. 16ª Verificando-se o não cumprimento da obrigação condicionante da suspensão, o tribunal decidiu, por despacho de 19 de Outubro de 2005, prorrogar por um ano o prazo de suspensão, alargando até Março de 2006 o prazo para o cumprimento daquela obrigação. 17ª E, desde então, decorreu o prazo prescricional de 4 anos, pelo que deve ser considerada prescrita a pena aplicada. 18ª O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 40º, 50º a 57º, 50º, n.º 5, 57º, n.ºs l e 2, 122º, n.ºs l d) e 2 do C. P., 492º a 495º do C.P.P., artigos 493º, n.ºs l e 3 e 496º do C.P.C., aplicáveis ex vi do artigo 4º do C.P.P. Sem prescindir, caso assim não se entenda e se mantenha a decisão recorrida: 19ª Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44º do Código Penal, a pena de prisão aplicada de 3 meses pode e deve ser substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade. 20ª E, mesmo que assim não se entenda, sempre será de admitir que o arguido cumpra a pena de prisão no domicílio com recurso a vigilância electrónica. 21ª Ou, em alternativa, a aplicação do regime de prisão por dias livres, conforme se encontra previsto no art. 45º C.P. Termina pedindo a revogação da decisão recorrida.*Houve resposta do Ministério Público, pugnando pela manutenção do decidido, extraindo das doutas alegações as seguintes conclusões: (transcrição) 1. O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, por douto acórdão proferido em 10.07.2001 e transitado em julgado em 11.03.2002, na pena de 15 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de quatro anos, sob a condição de, no prazo de três anos, pagar ao Estado a totalidade da dívida fiscal e acréscimos legais, demonstrando-o nos autos. 2. Em 19 de Outubro de 2005 foram tomadas declarações ao arguido, na sequência de um requerimento apresentado pelo mesmo em 03.06.2005. 3. Por douto despacho proferido em 2 de Novembro de 2005, foi prorrogada a suspensão da pena por mais um ano. 4. O prazo de prescrição da pena é de 4 anos (artigo 122º do Código Penal). Todavia só poderá ser contado decorrido o prazo de prorrogação da suspensão da pena, ocorrida por despacho de 02.11.2005. 5. Assim, sendo o prazo de prescrição da pena de 4 anos, e tendo sido, em 02.11.2006, prorrogada a suspensão da execução da pena por mais um ano, entendemos que a pena não se encontra prescrita. 6. Em 08.02.2010, o arguido foi novamente ouvido, acabando por lhe ser dado novo prazo para proceder ao pagamento da quantia em dívida nos autos, concretamente, para entregar a quantia que tinha a receber da C………., o que foi deferido, dado ter alegado que o pagamento ocorreria no mês de Março do corrente ano. 7. Decorrido esse prazo e até ao presente, o arguido nada pagou. 8. Ao longo do processo, o arguido declarou trabalhar uns dias na agricultura, auferindo por cada dia de trabalho entre € 20,00 e € 25,00. 9. Todavia, dos documentos juntos aos autos e das declarações prestadas pelo arguido em 08.02.2010, resulta que trabalha na agricultura, mas por conta própria, nos prédios de seus irmãos, com 8ha, tendo o usufruto da exploração do azeite e vinho com benefício, que vem vendendo às D………. e C……….. e não obstante os pagamentos serem efectuados em nome de seus irmãos, é o arguido quem vem recebendo todas as quantias, pelo menos a partir do ano de 2006. 10. Decorrido o aludido prazo concedido pelo Tribunal, o arguido vem dizer que, afinal, já tinha recebido essas quantias, mentindo deliberadamente, mais uma vez ao Tribunal. 11. Na verdade, o único montante obtido resultou de cobrança coerciva. 12. Na verdade, e tal como resulta das suas declarações, o arguido trabalha por conta própria, teve dinheiro para continuar a pagar os estudos da sua filha maior e as dívidas que tinha a particulares e apenas não teve sequer um cêntimo para pagar o imposto em dívida ao Estado. 13. O arguido não cumpriu, não porque não pode, mas porque não quis, tendo dinheiro para pagar a todos menos ao Estado. 14. O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de quinze meses de prisão. Esta é a pena em que o arguido foi condenado, a qual não admite substituição por multa - cf. art. 43º, n.º l, do C. Penal. 15. A pena que tem a cumprir (três meses) resulta de ter sido perdoado ao arguido um ano de prisão, pelo que entendemos que não pode ser substituída esta pena por multa, face ao disposto no mencionado normativo. 16. Igualmente, entendemos que não pode ser substituída por prisão por dias livres - cf. art. 45º, do C. Penal. Ademais, ainda que assim se entendesse, sempre se dirá que essa forma de cumprimento não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o mesmo se dizendo para o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. 17. Em nosso entender, só o cumprimento pelo arguido da pena de prisão, realiza de forma suficiente as finalidades da punição, pelo que não merece qualquer reparo a douta decisão recorrida.*Admitido o recurso, por despacho de fls. 798, subiram os autos e este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer pronunciando-se pela improcedência do recurso, essencialmente com base no seguinte: - Entre 11-03-2002, data do trânsito em julgado da decisão, e 2-11-2006, data do termo do período da suspensão, já resultante da prorrogação, decorreu a suspensão da execução da pena. - Durante tal período a pena em causa esteve em execução e isso, face ao prevenido no art. 126º, n.º 1, al. a), do Código Penal acarretaria a interrupção da prescrição, projectando, naturalmente os seus efeitos enquanto perdurou, ou seja, até 04-11-2006, data em que cessou a execução da dita pena de substituição; - Quando muito, só a partir daquele momento é que seria lícito considerar iniciado o prazo de prescrição e, assim sendo, importa concluir que ainda não decorreu o prazo de quatro anos; - Se se pretender olhar a problemática na perspectiva da pena principal de prisão, que foi substituída, não pode também acolher-se a efectividade da sua prescrição, pois, não só se trata de uma pena inaplicada, na acepção do art. 122º n.º 2 do Código Penal, mas também há que ter presente que, quanto a ela, operaria a suspensão da prescrição, de harmonia com o prevenido no art. 125º, n.º 1, al. a), do Código Penal. - No que tange à revogação da suspensão, o recorrente não a impugna em sede substancial, limitando-se a aduzir que não cumpriu a condição porque não pôde, que decorreu o prazo da suspensão sem que tenha cometido qualquer crime, o que deveria determinar a extinção da pena - art. 57º, n.º 1, do Código Penal, questionando a decisão recorrida apenas com base em aspectos que delimitam negativamente a punição num plano estritamente formal; - Quanto à substância do incumprimento da condição, apesar dos vários considerandos fácticos da decisão recorrida, em que é posta em evidência a irrelevância a que o recorrente votou a condição de que dependia a suspensão da execução da pena, assim perfectibilizando os pressupostos da alínea a), do n.º 1, do art. 56º, do Código Penal, este nada impugna a esse nível, pelo que, à míngua da procedência da demais motivação, designadamente a referente à extinção da pena, se nos afigura dever ter-se por definitiva a revogação da suspensão. - Restando as vertentes recursórias relacionadas com a substituição da pena sobrante pela: pena de multa - art. 43º do CP -; pelo cumprimento em regime de permanência na habitação - art. 44º -; por prisão por dias livres - art. 45º do CP -; ou por outra pena não privativa da liberdade, verifica-se que obsta à sua aplicabilidade, desde logo, a circunstância de tais penas serem verdadeiras penas de substituição, a aplicar na decisão condenatória e não penas destinadas a substituir a que não foi cumprida; - Mesmo o regime de permanência na habitação é uma pena de substituição da prisão e não um modo de execução da pena de prisão; - E, assim sendo, incumbe ao tribunal de julgamento, na altura da condenação, ponderar a sua aplicação; - Estando em equação uma pena de 15 meses de prisão e sendo a essa que se deverá ater o julgador para a ponderação de penas substitutivas - o perdão aplicado nem sequer é incondicional - art. 4.° da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio -, facilmente se vê, como nota a Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, a incompatibilidade entre a sua medida máxima e as exigências formais dos normativos que o recorrente convoca; - À data da prolação da decisão recorrida - 19-05-2010 - já vigorava a redacção introduzida no art. 58º do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, que procedeu ao alargamento da admissibilidade da substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade, estabelecendo como limite da prisão susceptível de substituição os 2 anos; - Visto o novo regime penal da prestação de trabalho a favor da comunidade, temos que, face à pena primitivamente aplicada - 15 meses de prisão - o mesmo envolve a superveniência de um regime penal que pode configurar-se como concretamente mais favorável ao agente, em consonância com a previsão do art. 2º, n.º 4, do Código Penal, na redacção da Lei acima referida; - E, sendo assim, a decisão revogatória da suspensão da execução da pena, ora recorrida, comportava a ponderação da aplicabilidade de um regime penal de conteúdo mais favorável, baseado na admissibilidade da aplicação de uma pena de substituição que no momento da decisão não era consentida? - Ou será imperioso o recurso ao mecanismo processual previsto no art. 371º-A, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, isto é, à reabertura da audiência, a desencadear pelo arguido? - A decisão que apreciou, ao abrigo do disposto nos arts. 492.° a 495.°, os termos em que foi, ou não foi, cumprida a pena de substituição concretamente aplicada, apenas dispunha, quanto à pena principal, de poderes de cognição estritamente balizados pelo disposto no art. 56º, n.º 2, do Código Penal, não lhe sendo, a nosso ver, lícito modificar a pena fixada na sentença, sem prejuízo de, como é fácil de ver, poder aplicar o perdão que, no caso, se impunha; - Tudo o mais é matéria que ficou consumada na primitiva decisão, apenas sendo lícita a ponderação da aplicação de um novo regime penal, eventualmente mais favorável, através do recurso ao mecanismo previsto no art. 371 .°-A; - Com a sucessão de leis, ditada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, não só foi modificada a vertente do prazo de duração da suspensão - cfr. art. 50.°, n.° 5, do Código Penal - que ficou a conviver com esse outro prazo previsto no art. 14.° do RGIT -, como também se modificaram as penas de substituição quanto a vários aspectos formais, como sucedeu a propósito da já referida pena de prestação de trabalho a favor da comunidade; - Embora com outro enfoque mas com considerandos que podem contribuir para o esclarecimento do caso que nos ocupa, o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 15/2009, publicado no DR n.° 227-Série l, de 23 de Novembro de 2009, fez jus ao ensinamento de que o confronto/aplicabilidade dos regimes penais concorrentes há-de ser feito através do mecanismo previsto no art. 371º-A; - Como ali se diz: "Só o pedido do condenado e a garantia de que a declaração do direito será feita com a sua participação e a dos demais sujeitos processuais, sob contraditório pleno, asseguram, em absoluto, por um lado, o direito do arguido ao julgamento único, a não modificação arbitrária da sentença e a certeza de que a lei posterior só será aplicada se lhe for indiscutivelmente mais favorável, por outro lado, o direito dos demais sujeitos processuais e da comunidade à estabilidade do decidido em sentença com trânsito em julgado, enquanto meio de tutela dos bens jurídicos e de defesa da ordem jurídica, através da garantia de participação na decisão de aplicação da lei nova de conteúdo mais favorável ao condenado."; - Pelo exposto, a questão da eventual aplicabilidade ao caso dos regimes penais em confronto, nomeadamente o que consente a substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos sobreditos, haverá de ser deixada ao impulso processual do arguido, com recurso ao dito mecanismo.*Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência, nada obstando à decisão.***II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica (cf., entre outros, Acórdão do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt), as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. In casu, são suscitadas no recurso do arguido as seguintes questões: • Prescrição da pena aplicada ao arguido; • Extinção da pena aplicada nos termos do art. 57º n.º 1, do Cód. Penal; e, • Substituição da pena remanescente de três meses por multa ou outra pena não privativa da liberdade ou cumprimento da pena em prisão domiciliária com vigilância electrónica ou em prisão por dias livres.***2. Apreciando e decidindo 2.1 A tramitação processual relevante a) Por acórdão proferido nestes autos, a 10/7/2001, foi o arguido ora recorrente, B………., condenado, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal e de um crime de fraude fiscal, ambos na forma continuada, por factos ocorridos entre os anos de 1994 e 1996, na pena única de 15 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 4 anos, mediante condição de pagamento da dívida fiscal e acréscimos legais, com excepção das prestações que deixaram de constituir crime, no prazo de 3 anos (fls. 542 e segs.); b)Inconformado, interpôs recurso para o STJ, o qual veio a ser rejeitado por manifesta improcedência, por acórdão de 20 de Fevereiro de 2002, transitado em julgado a 11 de Março de 2002 (fls. 578 e segs. e 587); c) Decorrido o prazo para cumprimento da condição, foi o arguido notificado para comprovar o pagamento imposto ou esclarecer a razão de não o ter realizado, por via postal com registo de 9/5/2005 e dirigida ao respectivo defensor, vindo a invocar manifesta impossibilidade de meios económicos ou financeiros para o satisfazer (fls. 619, 620, 621 e 622); d) Ouvido em declarações, no dia 19/10/2005, requereu a prorrogação do prazo de pagamento por mais 1 ano, na sequência do que, por despacho datado de 2/11/2005, foi prorrogado por mais 1 ano o prazo de suspensão, ao abrigo do disposto no art. 55º d), do Cód. Penal, o qual veio a ser notificado ao arguido e seu defensor, por via postal, enviada a 4/11/2005 (fls. 630, 631, 633, 635 e 636); e) Integralmente decorrido o prazo legal da suspensão foi o arguido novamente notificado para comprovar o cumprimento da condição, vindo este indicar a existência de um pagamento coercivo (execução fiscal) e insistir na falta de meios para cumprir voluntariamente (fls. 638 a 648); f) Efectuadas as diligências tidas por pertinentes com vista ao esclarecimento da real situação do arguido e ouvido este, novamente, em declarações, no dia 8/2/2010, foi-lhe ainda concedido o prazo de 45 dias, como requereu, para proceder ao depósito de valores que, segundo disse, iria receber da C………. (fls. 649 e segs., 698 e 699); g) Por requerimento de 29/4/2010, o arguido suscitou a questão da prescrição da pena e, subsidiariamente, invocou, uma vez mais, a impossibilidade de cumprimento da condição por falta de meios, sustentando que, por isso, a pena devia ser extinta (fls. 706 e segs.); h) Requisitado o CRC do arguido foi, então, proferida a decisão recorrida, com data de 19/5/2010 (fls. 747 a 749). ***2.2 A decisão recorrida Assente a tramitação relevante que antecedeu a revogação de suspensão da execução da pena, importa agora ponderar o teor da decisão recorrida que é o seguinte: (transcrição) Em 10 de Julho de 2001, o arguido B………. foi condenado, nestes autos, pela prática de um crime de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, na pena de 10 meses de prisão e pela prática de um crime continuado de fraude fiscal, na pena de 10 meses de prisão. Operado o cúmulo jurídico, o arguido foi condenado na pena única de 15 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de quatro anos, sob a condição de, no prazo de três anos pagar ao Estado a totalidade da dívida fiscal e acréscimos legais, demonstrando-o nos autos. O acórdão transitou em julgado a 11 de Março de 2002. Como resulta dos autos, em 19 de Outubro de 2005 foram tomadas declarações ao arguido, na sequência de um requerimento do arguido que faz fls. 622. Nessas declarações, o arguido disse que "estava a diligenciar no sentido de obter um empréstimo bancário, por forma a proceder ao pagamento da aludida quantia, necessitando do prazo de um ano para pagamento". Em 2 de Novembro de 2005, foi prorrogada a suspensão da pena por mais um ano. Decorrido esse prazo, não pagou, voluntariamente, qualquer valor. Ora, desta súmula retira-se que o arguido não tem razão no que concerne à prescrição da pena. O prazo é de 4 anos (artigo 122° do Código Penal), mas, como nos parece evidente, só poderá ser contado decorrido o prazo de prorrogação da suspensão da pena, ocorrida por despacho de 02.11.2005. Logo, em 02.11.2006, acrescido de 4 anos, que não se completaram. O Ministério Público, a fls. 673 promoveu a revogação da suspensão da execução da pena. O arguido foi novamente ouvido, conforme consta de fls. 698-699, o qual, pelas razões que aí constam, acabou por requerer novo prazo para proceder ao pagamento de uma quantia que tinha a receber da C………., o que foi deferido. Decorrido esse prazo nada pagou e, na sequência de nova notificação, vem invocar a já aludida prescrição. E, no que concerne à falta de pagamento de qualquer quantia vem dizer que, afinal [um tanto despudoradamente, diga-se], já tinha recebido essas quantias, facto que omitiu ao Tribunal na esperança de obter um empréstimo (recorde-se, a mesmíssima justificação que havia apresentado para requerer a prorrogação da suspensão da pena) e que só cometendo um crime - furto ou assalto a Banco - poderia satisfazer o pagamento a que foi condenado!, pois não tem quaisquer possibilidades de pagar o montante em causa. Então, não se percebe a razão pela qual ao longo dos anos foi alegando que iria conseguir um empréstimo - pois só consegue obter empréstimos quem tem alguma solvabilidade. Talvez o arguido não tenha tido possibilidades de pagar na íntegra a quantia à qual foi condicionada a suspensão da execução da pena. Mas, volvidos 8 anos desde o trânsito do acórdão o que pagou o arguido, bem sabendo dessa condição e que o não cumprimento da pena estava dela dependente? Zero, nem um cêntimo, sendo certo que o próprio arguido reconhece que vem recebendo quantias em dinheiro, há vários anos. E, isso mesmo resulta das várias informações que o Tribunal teve o cuidado de recolher - vide relatório do IRS a fls. 670, fls. 685 e seguintes. Por seu turno, o arguido no requerimento que antecede, alega muito mas não demonstra nada. Ou seja, o Tribunal teria outro entendimento caso o arguido, dentro das suas possibilidades, fosse, ao longo dos anos, pagando alguns valores, dando provas que estava a tentar fazer o melhor que lhe era possível. Não o fez, nem da sua atitude resulta que o tivesse tentado fazer, pese embora esteja nos autos vertido que vem recebendo valores, que nunca resolveu entregar a estes autos, como demonstração, ao menos, de interiorização da condenação irrogada. O valor obtido – 26.009,98 euros, resultou de cobrança coerciva, como resultado de bens que lhe foram penhorados - vide fls. 662 e seguintes. O arguido trabalha nas propriedades dos seus irmãos, tem o usufruto da exploração de vinho e azeite e recebe os valores respectivos (em nome dos irmãos, uma vez que, evidentemente, nada tem em seu nome), o que reconheceu. O que sucede é que o arguido terá outras prioridades e sempre achou que, com a postura de vitimização, sairia impune: não iria pagar nada do imposto que reteve e não entregou ao Estado e não iria cumprir a pena a que foi condenado. É certo que desde a condenação até hoje decorreram já 8 anos. O condenado está inserido. Não cometeu outros crimes entretanto (o que é exigido a qualquer cidadão, de resto). Porém, estes vectores se pesam a favor do arguido, também militam em seu desfavor, já que tantos anos decorreram e o condenado não curou de entregar ao Estado quaisquer valores, pese embora o lapso de tempo e as oportunidades que lhe foram concedidas, que claramente, não soube aproveitar, acreditando no amolecimento do sistema. Dito de outro modo, a conduta do arguido, ao obliterar por completo a condenação revela que a razão subjacente à suspensão da execução da pena, mostrou-se inverificada. O arguido, de forma grosseira violou as condições irrogadas no acórdão para que fizesse sentido e se justificasse a suspensão da execução da pena. Isto posto e tudo ponderado à luz dos critérios plasmados no artigo 56º, n.º 1, al. a) e n.º 2, conjugado com o disposto nos artigos 50º, n.º l e 40º, todos do Código Penal, decido revogar a suspensão da pena aplicada ao arguido nestes autos. Assim, o arguido haveria de cumprir a pena de 15 meses de prisão. Porém, há que tomar em consideração a Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Refere o condenado, ainda, que no acórdão condenatório não foi considerada a Lei da Amnistia. Não foi, nem podia, posto que lhe foi aplicada pena suspensa, como expressamente resulta do artigo 6º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio. Estatui o aludido normativo relativamente a condenações em pena suspensa, o perdão a que se refere a presente lei e o disposto no artigo 3º só devem ser aplicados se houver lugar à revogação da suspensão. É o caso dos autos. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 1º, n.º l da mencionada Lei perdoa-se-lhe um ano de prisão. Destarte, o condenado B………. cumprirá a pena de três meses de prisão. Notifique e após trânsito, passe os competentes mandados.***2.3. Da prescrição Conforme se apura do exposto, embora havendo acordo de que o prazo de prescrição da pena aplicada é, in casu, de 4 anos, existem já interpretações divergentes sobre a verificação da prescrição e respectiva data. Vejamos. Invoca o recorrente que sendo de 4 anos o prazo prescricional da pena que lhe foi imposta o mesmo se completou no dia 4/3/2010, porquanto, embora o acórdão tivesse transitado em julgado no dia 4/3/2002, aquele prazo apenas se iniciou a 4/3/2006 por força do período de suspensão. Por seu turno, o tribunal a quo, sufraga que a prescrição ainda não operou porquanto, embora o acórdão tenha transitado em julgado a 11 de Março de 2002, foi proferido despacho de prorrogação da suspensão por mais um ano, no dia 2/11/2005, razão porque o prazo apenas se iniciou a 2/11/2006, não se tendo, pois, ainda completado os 4 anos. Finalmente, o Ex.mo PGA junto deste Tribunal da Relação compartilha, no essencial, este último entendimento mas reporta o início do prazo prescricional a 4/11/2006, porquanto o despacho de prorrogação da suspensão por mais um ano, proferido a 2/11/2005, só veio a ser notificado ao arguido por carta enviada a 4/11/2005, devendo reportar-se a esta data o início da prorrogação concedida, a qual só terminou, por isso mesmo, a 4/11/2006, aí se iniciando o prazo prescricional. Quid juris? Estando em causa pena de prisão inferior a 2 (dois) anos é incontestável que o respectivo prazo prescricional é de 4 (quatro) anos, de harmonia com o preceituado no art. 122º n.º 1 d), do Cód. Penal. Por outro lado, o prazo da prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena (n.º 2, do citado normativo). Na hipótese sub judicio, tendo presente a certidão de trânsito em julgado do douto Acórdão do STJ, constante de fls. 587 dos autos, é manifesto que a razão está do lado do tribunal a quo, desconhecendo-se qual o fundamento para o arguido invocar que o trânsito se verificou a 4/3/2002 e não a 11/3/2002, como efectivamente aconteceu. No entanto e para correcta ponderação do caso, importa ainda atentar que, nos termos do art. 125º n.º 1 a), do Cód. Penal, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar. Ora, o período de suspensão de execução da pena começa a correr com o trânsito em julgado da decisão, como decorre do disposto no art. 50º n.º 5, do Cód. Penal, pelo que durante a sua vigência não é possível iniciar-se o prazo de prescrição da pena substituída, ou seja a pena de prisão. Nesta conformidade e tendo ainda presentes os elementos que se colhem dos autos e já supra mencionados, afigura-se-nos que, salvo o devido respeito, são perfeitamente irrelevantes para o caso as datas em que foi proferido o despacho a prorrogar o prazo de suspensão da execução da pena ou a da notificação do mesmo ao arguido e seu defensor. Prorrogar significa prolongar, ampliar, estender. E só pode ser dilatado um prazo que ainda decorre. De outro modo, já não haveria prorrogação mas antes a concessão de novo prazo. Em consequência, a falada prorrogação da suspensão da execução da pena por mais um ano, levada e efeito por despacho de 2/11/2005, teve como consequência o alargamento do prazo inicial da suspensão de 4 para 5 anos [não confundir com o prazo de cumprimento da condição que era apenas de três anos e que não foi expressamente referido em tal decisão embora esteja implícito, até pelo ulterior processado, que foi igualmente prolongado]. E assim sendo, é manifesto que a prescrição da pena teve o seu início somente a 11/3/2007 e apenas se completará a 11/3/2011. Explicitando: A decisão transitou em julgado a 11/3/2002. Nessa data iniciou-se o período de 4 anos de suspensão da execução da pena aplicada, obstando, assim, ao início do prazo prescricional. Tal prazo de suspensão, inicialmente determinado no acórdão condenatório, só terminou a 11/3/2006. Porém, tendo tal prazo sido, entretanto, prorrogado por mais um ano, em virtude do já referido despacho proferido a 2/11/2005, facilmente se conclui que continuou a correr completando-se apenas um ano depois, ou seja a 11/3/2007. Só assim pode configurar-se uma prorrogação de prazo, já que, de outro modo, parte do prazo inicialmente concedido e ainda não decorrido seria eliminado e substituído pelo novo prazo, vendo-se reduzido em detrimento deste. Concluiu-se, pois, pela inexistência da excepcionada prescrição da pena aplicada.***2.4 Da extinção da pena Invoca o recorrente que não cumpriu a condição porque não pôde e que não incorreu na prática de outras infracções durante o período de suspensão, circunstância que deveria determinar a declaração de extinção da pena, de harmonia com o disposto no art. 57º n.º 1, do Cód. Penal. Este normativo estatui que a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação. Ora, consoante se apura da decisão recorrida, o tribunal a quo, considerou ter havido infracção grosseira e repetida do dever imposto e nunca cumprido, concluindo pela revogação da suspensão, ao abrigo do preceituado no art. 56º n.º 1 a), do Cód. Penal. E, o arguido ora recorrente, invocando que não cumpriu o dever imposto – pagamento da dívida fiscal e demais acréscimos - porque não conseguiu, nenhum argumento apresentou em benefício da sua tese, subsistindo, assim, perfeitamente incólumes os fundamentos vertidos na decisão recorrida que não só contrariam irreversivelmente tal afirmação como são claramente demonstrativos da firme intenção daquele em não acatar o comando imposto na decisão condenatória. Aliás, tal como concluiu o tribunal recorrido, evidencia-se da conduta do arguido, ao longo do decurso do tempo, uma vontade de entorpecer e obstar à acção da justiça, solicitando várias prorrogações de prazo para proceder ao pagamento em falta, sob falsos pretextos e na mira da prescrição da pena que logo veio invocar quando se convenceu que lograra atingir o seu desiderato. Nesta conformidade e ponderando os elementos exaustivamente colhidos pelo tribunal a quo sobre a condição pessoal, familiar, profissional e económica do recorrente, é manifesto que a conclusão extraída a propósito do incumprimento culposo do dever imposto é inatacável, não merecendo qualquer reparo, afigurando-se, em consequência, infundada a pretensão de extinção da pena formulada por aquele.***2.5 Da substituição da pena remanescente de três meses Pretende o arguido que a pena remanescente de 3 meses de prisão, resultante da aplicação do perdão de 1 ano, nos termos do art. 1º, da Lei n.º 29/99, aos 15 meses aplicados, seja substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade ou cumprimento da pena em prisão domiciliária com vigilância electrónica ou em prisão por dias livres. Dispõe o citado normativo que: “1 - Nas infracções praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, é perdoado um ano de todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até oito anos, ou um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou mais anos, consoante resulte mais favorável ao condenado. 2 - O disposto no número anterior é aplicável às penas de prisão maior, de prisão militar e de presídio militar. 3 - O perdão referido no n.º 1 é aplicável às penas de prisão fixadas em alternativa a penas de multa. 4 - Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º”. (…) O perdão de penas dá corpo e sustentação ao exercício do direito de graça, de competência reservada da Assembleia da República - artigo 161°, alínea f), da Constituição -, criando um obstáculo à efectivação da punição, podendo qualificar-se como a contraface do ius puniendi estadual.[1] Esta medida de clemência reveste natureza genérica e é aplicável a todos os arguidos que tenham praticado uma infracção no período de tempo abrangido pela amnistia e de harmonia com as condições aí fixadas, de uma forma obrigatória e automática, estando vedado ao tribunal qualquer juízo se oportunidade da sua aplicação ao caso concreto. Todavia, como é bom de ver, a aplicação do perdão é necessariamente precedido pela escolha e fixação da pena concreta e não o contrário. Na verdade, incidindo o perdão unicamente sobre penas de prisão, só depois de realizada a operação de determinação da pena é possível verificar se esta é privativa da liberdade, caso em que sobre ela incidirá o respectivo perdão. Nesta conformidade, evidencia-se a falta de fundamento legal da pretensão do arguido de ver substituído o remanescente da pena que tem a cumprir depois de beneficiar do perdão de 1 ano, visto que se a pena de prisão tivesse sido substituída nem sequer haveria lugar à aplicação deste. E, tendo-o sido, já não é possível retroceder ao momento da escolha de pena. É certo que a Lei n.º 29/99, de 12/5, estabeleceu no seu art. 3º, a obrigatoriedade das penas de prisão aplicadas em medida não superior a 3 anos serem sempre substituídas por multa na parte não perdoada. No entanto, tal substituição, além de admitir as excepções aí consignadas, tem o seu campo de aplicação limitado a delinquentes com menos de 21 anos, à data da prática do crime, ou com 70 ou mais anos, em 25 de Março de 1999, o que obviamente não é o caso do arguido aqui recorrente. Assim, a questão poderia unicamente colocar-se quanto à possibilidade de substituição da pena de 15 meses de prisão efectiva resultante da revogação da suspensão. No entanto, a isso se opõe, desde logo, o art. 56º n.º 2, do Cód. Penal, que estatui que a revogação da suspensão da execução da pena determina “o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença”, o que manifestamente exclui a aplicação subsequente de qualquer outra pena de substituição. Por outro lado e ainda que assim não fosse, sabendo-se que a revogação da suspensão resulta do incumprimento culposo do condenado, não se vislumbra como seria possível emitir um novo juízo de prognose positiva sobre a desnecessidade de cumprimento da pena fixada. Finalmente, o próprio regime das penas de substituição, que são verdadeiras penas autónomas,[2] não o admite uma vez que estas têm que ser aplicadas pelo tribunal de julgamento, não podendo ser aplicadas em momento posterior à condenação transitada em julgado. É certo que, com o evidenciado estigma que o cumprimento das penas curtas de prisão pode representar para o condenado, especialmente quando primário, se foi afirmando o movimento contra a pena de prisão que veio a culminar no reconhecimento da necessidade de ampliação não só da panóplia de penas de substituição como também das hipóteses em que estas podem ser aplicadas. E, conforme doutrina e jurisprudência dominantes, nestas penas de substituição se incluem os pretendidos regime de permanência na habitação e prisão por dias livres – v., neste sentido, Acs. desta Relação de 1/10/2008 e 14/6/2010, Proc. n.ºs 0844029 e 51/10.7GAVLP, dos quais são relatores Pinto Monteiro e o aqui adjunto Moreira Ramos, respectivamente, e ainda Figueiredo Dias, Paulo Pinto de Albuquerque e Germano Marques da Silva, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 337 e segs., especialmente 390 e segs., “Comentário do Código Penal”, págs. 182, nota 1, e 185, nota 1, e “Direito Penal Português”, Parte Geral, III, 1999, pág. 84 e segs. Em consequência, não estando em causa, também nesta sede, questão atinente ao cumprimento da pena mas antes de aplicação de verdadeiras penas de substituição, é impossível atender a pretensão do arguido. Acresce ainda que, pese embora com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4/9, o Código Penal tenha sofrido alterações na amplitude das penas de substituição e respectivos regimes, verificando-se que, actualmente e ao contrário do que acontecia no momento da condenação, seria admissível substituir a pena privativa da liberdade aplicada ao ora recorrente por prestação de trabalho a favor da comunidade [na altura admissível unicamente quanto a penas de prisão não superiores a um ano, nos termos do art. 58º n.º 1, do Cód. Penal, na redacção do Dec. Lei n.º 48/95, de 15/3, mas agora possível relativamente a penas aplicadas em medida não superior a 2 anos] ou por regime de permanência na habitação [pena aditada na última revisão do Código Penal], nem sequer se coloca a questão da aplicação da lei mais favorável. É que, a ponderação da sucessão de leis no tempo para aplicação daquela que se mostre concretamente mais favorável tem que reportar-se ao momento da condenação. E, assim, quando o julgador pondera a questão tem que aferir se o condenado poderia ter sido contemplado com a aplicação de uma pena menos gravosa se, na ocasião da condenação, já vigorasse a nova lei, não podendo reportar-se ao momento presente na hipótese de anterior condenação com trânsito em julgado – v., a este propósito e entre muitos outros, Ac. desta Relação do Porto, de 7/1/2009, Proc. 0845164, rel. Álvaro Melo, disponível in dgsi.pt. Ora, sendo certo que a lei não estabelece qualquer precedência para aplicação das penas de substituição, tem sido pacificamente aceite que a ordem de substituição, da menos para a mais gravosa, é a seguinte: - Multa; - Suspensão da execução; - Prestação de trabalho a favor da comunidade; - Regime de permanência na habitação; - Prisão por dias livre; e, - Regime de semidetenção,[3] sendo estas três últimas já de natureza detentiva. Nesta conformidade, tendo a pena de prisão aplicada ao arguido sido suspensa na sua execução e não admitindo a medida daquela (15 meses), ainda hoje, a substituição por multa (v. art. 43º n.º 1, do Cód. Penal), facilmente se conclui que não ocorreu modificação legislativa que o pudesse beneficiar, não estando sequer em causa o disposto no art. 2º n.º 4, do Cód. Penal que, de todo o modo e ainda que assim não se entendesse, sempre ficaria dependente do cumprimento do preceituado no art. 371º-A, do Cód. Proc. Penal. Termos em que se conclui pela total improcedência do recurso.***III – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, em negar provimento ao recurso, mantendo nos seus precisos termos a decisão recorrida. Custas pelo recorrente com 4 (quatro) UC de taxa de justiça – art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal.*[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP] Porto, 20 de Outubro de 2010 Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio António José Moreira Ramos _____________________ [1] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 691. [2] Idem, pág. 329 e segs. [3] Neste sentido, pode ver-se Ac. RP, de 20/4/2009, Proc. 0817395, rel. Luís Teixeira, in dgsi.pt.