Processo:599/07.0TAOAZ.P1
Data do Acordão: 04/01/2011Relator: JOAQUIM GOMESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - O despacho de não pronúncia exige apenas a fundamentação prevista no nº 4 do art. 97º do Código de Processo Penal, não tendo, designadamente, que conter a descrição de quaisquer factos. II - A ausência ou insuficiência de fundamentação desse despacho constitui somente uma irregularidade, a arguir perante o tribunal que proferiu a decisão.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
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Relator
JOAQUIM GOMES
Descritores
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA FUNDAMENTAÇÃO
No do documento
Data do Acordão
01/05/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
REC PENAL.
Decisão
NEGADO PROVIMENTO.
Sumário
I - O despacho de não pronúncia exige apenas a fundamentação prevista no nº 4 do art. 97º do Código de Processo Penal, não tendo, designadamente, que conter a descrição de quaisquer factos. II - A ausência ou insuficiência de fundamentação desse despacho constitui somente uma irregularidade, a arguir perante o tribunal que proferiu a decisão.
Decisão integral
Recurso n.º 599/07.0TAOAZ.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. Na Instrução n.º 599/07.0TAOAZ do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Oliveira de Azeméis, em que são:

Recorrente/Assistente: B……….

Recorrido/Arguido: C……….
Recorrido: Ministério Público

foi proferida decisão instrutória em 2009/Dez./12, a fls. 971-975 que não pronunciou o arguido, na sequência da acusação particular formulada em 2008/Fev./15, a fls. 157-153 pela prática, como autor material, de um crime de difamação agravada da previsão dos art. 180.º, 183.º, n.º 1, al. a) e b) do Código Penal.
2. O assistente interpôs recurso por faz expedido em 2010/Jun./23 a fls. 983 e ss., mais concretamente fls. 1039, atento a repetição dessa expedição, pugnando pela revogação dessa decisão e sua substituição por outra que pronuncie o arguido pelo mencionado crime de difamação, tal como consta da acusação particular, apresentando 42 conclusões, mas que se podem resumir no seguinte:
1.º) O Assistente não se pode conformar com a decisão agora em crise, pois entende que o Arguido, com as afirmações que profere e correspondentes factos que imputa ao primeiro tinha apenas a intenção de ofender e denegrir moral e profissionalmente o mesmo e não denunciar uma prática que quando muito seria imputável apenas à sociedade comercial e respectivos representantes legais, partindo do pressuposto que o segundo era gerente da sociedade comercial, quando era apenas seu trabalhador [A-I];
2.º) A decisão de não pronúncia é nula por não se encontrar motivada, já que não tem uma enumeração dos factos provados e não provados, não tendo ainda a análise crítica dos meios de prova produzidos, conforme impõe o art. 308.º, n.º 2, que remete para o art. 283.º, n.º 3, al. b), que é uma concretização do art. 97.º, n.º 5, todos do C. P. Penal e que é exigido pelo art. 205.º, n.º 1 da c. Rep. [J-W];
3.º) Não obstante a nulidade arguida supra, importa ainda, à cautela e por dever de patrocínio, sindicar a decisão do Juiz de Instrução Criminal, na sua Douta Decisão Instrutória, em proferir Despacho de Não Pronúncia, quer por razões de facto, quer por razões de direito [X-Z]
4.º) Em síntese, são atribuídas (imputadas) ao Recorrente, pelo Arguido, a prática de duas acções (factos imputados): a venda de caixas de plástico para fruta sem facturação e lançamento na contabilidade da empresa; e a apropriação do produto daquelas vendas para si [AA]
5.º) Em relação a esta segunda conduta, a única prova produzida sobre a mesma em todo o processo e que vai no sentido da sua imputação pelo Arguido ao Recorrente é a que resulta do conteúdo da nota de culpa junta como documento n.º 1 com a Denúncia Criminal por este último apresentada [BB-EE]
6.º) Em relação à primeira das condutas referidas no ponto CC. das presentes conclusões, não obstante o Tribunal de 1.ª Instância considerar verificados os elementos/pressupostos de que depende a prática de um crime de difamação, previstos no artigo 180°, n.° 1 do Código Penal, o certo é que decide a final não pronunciar o Arguido pela prática do mesmo, ordenando o arquivamento dos autos, decisão que justifica pela aplicação do disposto no n.° 2 do mesmo preceito legal (cujos requisitos constantes das alíneas a) e b) são cumulativos). [FF-HH];
7.º) No entanto, a mera recolha (arbitrária e sustentada apenas em suspeitas) por parte do Arguido C………. de fotocópias de documentos, não cumpre por si só o dever de informação ou esclarecimento, com base no qual se consubstancia a boa fé exigida no previsto no artigo 180°, n.º 2, alínea b) do Código Penal, uma vez que, atendendo à gravidade das acusações que são feitas ao Assistente no âmbito de um processo disciplinar que visava o seu despedimento (e, que note-se foi arquivado), seria necessário que o Arguido tivesse procedido ao procedimento prévio de inquérito (previsto no artigo 352° do Código do Trabalho) [II];
8.º) Não exercendo o arguido funções de gerente, sendo apenas trabalhador da sociedade [JJ-MM];
9.º) O que, consequentemente, impõe concluir que, na verdade, o Arguido não tinha fundamento sério para reputar por verdadeiros os factos que imputou ao ora Recorrente, independentemente de o ter ou não em relação à sociedade comercial ‘D……….”, pelo menos de boa fé, como o exige a alínea b), do n.° 2, do artigo 180.º do Código Penal, não sendo esta disposição aplicável e impondo-se a pronúncia do arguido [NN-PP]
2. O Ministério Público respondeu em 2010/Jul./06 a fls. 1228-1236 concluindo muito resumidamente que:
1.º) No caso dos autos a conduta do arguido, por estarem verificados cumulativamente, os pressupostos previstos no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal, não é punível [I-III];
2.º) Analisada a decisão instrutória, verificamos que o tribunal recorrido valorou toda a prova produzida em sede de inquérito e instrução, não se verificando qualquer nulidade que cumpra sanar [IV].
3. O arguido não respondeu a este recurso, muito embora tenha apresentado um requerimento anómalo a fls. 1240-1241 onde chega a dizer que “muito embora não pretendendo contra-alegar, por entender que não se justifica o pagamento da taxa que a isso obrigaria, vem contudo dizer o seguinte”, que não mereceu qualquer sancionamento tributário em 1.ª instância, o que fez caso julgado formal.
4. Nesta Relação o Ministério Público apôs o seu visto em 2010/Nov./18, a fls. 1249.*O objecto deste recurso passa pela apreciação da nulidade da decisão instrutória [a)] e pela existência de indícios da prática pelo arguido do crime de difamação [b)].*
*          *II. FUNDAMENTAÇÃO
1.- O despacho de não pronúncia
Na parte que aqui releva transcrevem-se as seguintes passagens:
“Ora da análise comparada de toda a prova produzida quer documental quer testemunhal e declarações produzidas resultaram unanimemente indiciada a conflitualidade latente entre o arguido e os assistentes irmã e cunhado do arguido-, sócios gerentes da sociedade “D………., Ldª”, relacionada com divergências de gerência que culminaram, no que a este processo respeita e delineado que está o objecto do mesmo em referencia à acusação particular e requerimento de abertura de instrução, com a nota de culpa, cuja cópia se mostra junta a fls. 528ss e factualidade se reproduz naquela acusação.
Do mesmo modo das declarações produzidas pelos assistes ressalta à evidencia estar indiciada uma gerência comprometida e pouco esclarecedora no que respeita aos factos levados àquela nota de culpa.
Com efeito confrontados com toda a documentação junta e valores neles inscrita se reconhecem as assinaturas apostas, não conseguem lograr explicar as quantidades apostas nas notas de transporte e distancias percorridas que não justificam os gastos e deslocações com a alegada entrega de uma alegada “amostragem”, que contrariam outras notas de encomendas datadas da mesma data mas com quantidades substancialmente superiores.
Das mesmas declarações resulta ainda confirmada a permanência e preocupação do arguido em tirar fotocópias e recolher todos os elementos documentais juntos aos autos.
Mais resulta de toda a prova analisada ter sido denunciada aos serviços fiscais a factualidade agora imputada ao arguido em sede criminal e que o relatório da inspecção tributária, cuja cópia junta no decurso da fase de instrução a fls. 734 ss, vem, relativamente aos exercícios de 2005 a 2007, da análise documental apreendida judicialmente, descrever a inexistência de documentos tributários –“ não emissão de facturas”; “existência de contas correntes extra-contabilisticas” “esquema evasivo, deturpando as quantidades do triplicado ou quadruplicado”; “identificaram-se vários casos de evidentes omissões de proveitos por vendas `a margem da contabilidade da empresa”- no procedimento da gerência denunciada pelo arguido , 
Ora, se objectivamente tal comportamento – factualidade denunciada e levada à nota de culpa - poderia  afectar o bom nome da sociedade e assistentes na qualidade de sócio gerentes e a quem era imputada a autoria daquela factualidade denunciada, o certo é que é, da análise crítica e comparada de toda a prova assim carreada aos autos, não resulta indiciada a actuação  do arguido com a intenção que lhe vem imputada.
Com efeito, vertendo o caso sub judice impõe-se concluir que os factos levados à nota de culpa e agora imputados como difamatórios aos assistente, se deixam pressuposto um juízo negativo sobre a personalidade daqueles no que respeita à gerência da sociedade, ao projectar social e comercialmente a ideia de que se trata de pessoas desleais ou pouco transparentes no exercício dos destinos daquela sociedade, também não é menos verdade que, resulta à evidencia fortemente indiciado os fundamentos sérios, por parte do arguido, de, em boa fé, reputar por verdadeiros os aludidos factos e desencadear o processo disciplinar assente nos mesmos e na convicção de os factos que imputava eram verdadeiros. 
Assim, da análise comparada de tais elementos de prova não se vislumbra a intenção do arguido, conforme vem imputada pelos assistentes, em denegrir a imagem dos mesmos.
Em síntese, a ponderação de todos os elementos precedentemente discriminados aponta para que o juízo de probabilidade de condenação do arguido C………. seja muitíssimo ténue, sendo altamente improvável a sua futura condenação, ou melhor, sendo a sua absolvição muitíssimo mais provável do que a sua condenação. 
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, por não terem sido recolhidos indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ao arguido, decido, nos termos do disposto no art.º 308º n.º 1, parte final, do C. P. Penal não pronunciar o arguido e em consequência ordeno arquivamento dos autos.”*2. Os fundamentos do recurso
a) Nulidade da decisão instrutória.
O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da C. Rep., segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei”.
No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa, expressas no art. 32.º, n.º 1, da C. Rep..
Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a se aferir se a mesma está fundada na lei.
É isso que decorre expressamente do disposto no art. 97.º, n.º 4 do Código Processo Penal(1), ao estabelecer que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Por isso essa exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a se aferir da sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias(2).
Daí que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que no caso de uma sentença deve obedecer ainda aos requisitos formais enunciados no citado art. 374.º, n.º 2.
Mas essa mesma exigência legal de fundamentação de uma sentença, não se encontra transponível para outras decisões judiciais, salvo para os acórdãos a proferir pelos tribunais superiores, mas aqui também com especificidades [425.º, n.º 4].
Tudo isto para se conhecer, ao fim e ao cabo, qual foi o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente sentenciamento, designadamente os factos acolhidos e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela.
Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados.
Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser.
O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido.
Muitas vezes confunde-se motivação com prolixidade da fundamentação e esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela.*Vejamos no entanto se a falta de descrição factual, poderá configurar a invocada nulidade, reconhecendo-se, desde já, que a jurisprudência não tem sido uniforme quanto à integração do vício da deficiência da motivação da decisão instrutória, porquanto a propósito se tem sido alinhadas as seguintes posições:
– a decisão instrutória deverá conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitem chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária, acarretando essa falta de descrição factual a nulidade da decisão instrutória [308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3, al. b), do C. P. Penal; Ac. R. E. de 2005/Mar./01, Recurso n.º 1481/04-1]; 
 – a omissão da descrição e especificação dos factos do requerimento instrutório que se devam considerar suficientemente indiciados ou não, constitui uma irregularidade que influi no conhecimento da causa, que pode ser conhecida oficiosamente [123.º, n.º 2 do C. P. Penal; Ac. R. G. 2007/Fev./12, Recurso n.º 2335/06-1, 2005/Jul./04, CJ IV/300, 2004/Dez./06, Recurso n.º 1823/04-1, 2004/Set./27, Recurso n.º 1008/04-2, 2004/Jan./01, Recurso n.º 293/04-1];
- O despacho de não pronúncia não está sujeito às exigências de fundamentação das sentenças, estabelecidas no art. 374.º, n.º 2, mas apenas ao dever genérico previsto no art. 97.º, n.º 4, ambos do C. P. P., consistindo a falta de fundamentação numa irregularidade, sujeita ao regime geral do art. 123.º, devendo para o efeito ser atempadamente suscitada perante o juiz, sob pena de se considerar sanada [Ac. R. L. de 2004/Jan./15, CJ I/125, 2004/Out./14, CJ IV/145, Ac. R. C. de 2006/Jun./14, Recurso n.º 823/06, Ac. R. P 2007/Set./01, Recurso n.º 5119/07-1, 2008/Fev./27, Recurso n.º 4121/07-1](3).
Diga-se, desde já, que seguimos esta última posição por ser aquela que é mais consentânea com o princípio da legalidade dos actos, tal como está actualmente consagrado no art. 118.º.
Ai se estabelece no seu n.º 1 que “A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”, consagrando-se um apertado princípio da taxatividade ou de “numerus clausus” das nulidades.
Todos os demais vícios que não sejam expressamente atingidos pela nulidade, são irregularidades, tal como decorre da regra subsidiária do seu n.º 2 – aqui se alude que “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular”.
Ora a deficiência de fundamentação das decisões jurisdicionais, não surge no catálogo das nulidades absolutas e como tal insanáveis do art. 119.º, nem no quadro das nulidades relativas do subsequente art. 120.º, nem expressamente em qualquer disposição legal.
É um facto que existe a injunção constitucional de fundamentação das decisões judiciais, imposta pelo art. 205.º, da C. Rep., e legal decorrente do art. 97.º, n.º 4.
Mas o legislador apenas quis acometer de nulidade da decisão instrutória aquela que represente uma alteração substancial dos factos descritos na acusação pública ou no requerimento para abertura da instrução conducente à pronúncia, face ao previsto no art. 309.º, assim como aquela que, pronunciando, não respeite o registo legal descritivo da acusação, enunciado no art. 283.º, n.º 3, mediante remissão do art. 308.º, n.º 2.
Não podemos é estender o rigor descritivo da pronúncia ao despacho de não pronúncia, porquanto o segmento normativo do art. 283.º, n.º 3 é privativo da regulação daquele libelo, já que o seu proémio apenas menciona que “A acusação contém, sob pena de nulidade:”, não estando o despacho de arquivamento, previsto no art. 277.º, sujeito aos mesmos rigores descritivos.
Aliás, caso se sustente essa interpretação extensiva do art. 283.º, n.º 3 ao despacho de não pronúncia, estaria formalmente ausente do mesmo um juízo crítico da prova, tal como se impõe para a fundamentação da sentença, como resulta do art. 374.º, n.º 2.
De resto, se o legislador quisesse ferir de nulidade a deficiência de fundamentação da decisão instrutória teria consagrado uma disposição idêntica ao do art. 379.º, n.º 1 que comina com esse preciso vício as circunstâncias aí enunciadas, que correspondem à preterição das menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3, b) [a)], à condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições dos artigos 358.º e 359.º [b)] e à omissão ou excesso de pronúncia [c)].
Aliás, tendo-se alinhado, a nível do direito comparado, com o sistema processual penal italiano, não veio o nosso correspondente Código consagrar um preceito semelhante ao do art. 125.º, do C. P. Penal Italiano, relativo à “Forme dei provvedimenti del giudice” que para a deficiência de motivação das decisões jurisdicionais, cataloga as mesmas de nulidade – aí se preceitua que “Le sentenze e le ordinanze sono motivate, a pena di nullitá [177, 604, 606 lette]. I decreti sono motivati, a pena di nulllitá [181], nei casi in cui la motivazione é espressamente prescrita dalla legge [127, 132, 244, 247, 253, 267, 321, 409, 414]”.
Por isso e em suma, concluiremos que, como já referimos, o despacho de não pronúncia não está sujeito às exigências de fundamentação das sentenças, estabelecidas no art. 374.º, n.º 2, mas apenas ao dever genérico previsto no art. 97.º, n.º 4, ambos do C. P. P., consistindo a deficiência da sua fundamentação numa irregularidade, sujeita ao regime geral do art. 123.º.
A tratar-se de uma irregularidade ou mesmo de uma nulidade sanável, deveria a mesma ter sido atempadamente suscitada perante o juiz de instrução, sob pena de se considerar sanada, não podendo desde logo e sem essa arguição prévia ser fundamento de recurso, o que só sucede quando se impugna uma sentença [379.º, n.º 2].
Não tendo assim procedido o recorrente, não pode agora o mesmo, com este preciso fundamento, vir impugnar o despacho de não pronúncia.
Aliás e relendo a decisão instrutória, teremos necessariamente de constatar que a mesma não indica os factos que considera ou não indiciados, muito embora faça uma análise dos elementos objectivos e subjectivos do apontado crime de difamação, cotejando a propósito a prova documental e testemunhal, bem como as declarações do arguido prestadas nos autos.*b) Indícios suficientes para a pronúncia pelo crime de difamação agravado
No culminar da fase de instrução, como se refere no Ac. de 2006/Jan./04(4), o juízo de pronúncia deve, em regra, passar por três fases.
Em primeiro lugar um juízo de indiciação da prática de um crime, mediante a indagação de todos os elementos probatórios produzidos, quer na fase de inquérito, quer na de instrução, que conduzam ou não à verificação de uma conduta criminalmente tipificada.
Por sua vez e caso se opere essa adequação, proceder-se-á em segundo lugar, a um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido, de modo que os meios de prova legalmente admissíveis e que foram até então produzidos, ao conjugarem-se entre si, conduzam à imputação desse(s) facto(s) criminoso(s) ao arguido.
Por último efectuar-se-á um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir, que predomina uma razoável possibilidade do arguido vir a ser condenado por esses factos e vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo indiciador semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.*O crime de difamação do art. 180.º, n.º 1, do Código Penal pune “Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”.
Uma circunstância agravativa seria, “Tratando-se de imputação factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação”.
Neste ilícito tutela-se a honra, abarcando tanto o valor pessoal ou interior que cada pessoa tem por si, como a reputação ou consideração que a comunidade tem por essa mesma pessoa.
A acção típica deste crime consistirá na divulgação de factos (acontecimentos da realidade), incluindo a suspeição, ou então de considerações (palavras ou expressões) injuriosas, tanto na sua dimensão pessoal, como social.
Por sua vez e segundo o art. 182.º, do mesmo Código “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”.
No entanto, tanto os conceitos de honra como de desconsideração não devem estar dependentes da perspectiva ou compreensão que cada um tem dos seus valores “morais” ou “ético-sociais”.
Daí que os mesmos devam ser insuflados por aqueles valores que emergem do nosso quadro constitucional (art. 26.º, n.º 1 C. Rep.), que alude ao “bom nome e reputação, à imagem”, como legislativo (v. g. 70.º, n.º 1 Código Civil), nomeadamente aquela que diz respeito à tutela geral da personalidade (“personalidade física ou moral”).
Como se sabe o direito penal tem carácter subsidiário ou fragmentário, como decorre expressamente do art. 18.º, n.º 2 da C. Rep., ao preceituar que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Assim e muito embora, tanto a descrição típica do crime legal de difamação, como de injúria, não exijam que a correspondente ofensa da honra ou consideração tenham, pela sua natureza, efeitos ou circunstâncias, que ser consideradas como graves, como sucede com o Código Penal Espanhol [art. 208.º, § 2.º](5), somos de crer que a vinculação constitucional ao citado art. 18.º, n.º 2, estabelece um efectivo critério limitador.
Tanto assim é, que a jurisprudência desta Relação, tem vindo paulatinamente a considerar, como sucedeu com o Ac. de 2002/Jun./12(6), que “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente prejudicada por outra, por exemplo, pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função”.
Para o efeito já se considerou que em certos circunstancialismos, designadamente no decurso de uma discussão, que a alusão “não era padre; não era nada”(7), apelidar um outro de “maluco”(8) ou então alguém dirigir-se a outrem dizendo-lhe “que ele lhe devia dinheiro, pedindo-lhe o pagamento”(9) não seriam expressões criminalmente atípicas e, como tal, destituídas de qualquer carga injuriosa.
Estamos, nestes casos, naquela margem do nosso relacionamento social, que se deve ter como jurídico-penalmente aceitável, por não revestir, naqueles concretos circunstancialismos, qualquer imputação objectivamente ofensiva da honra ou consideração do assistente.
No caso dos autos e aquilo que o assistente considera integrar um crime de difamação parte de desinteligência na gerência da sociedade “D……….”, que motivaram um processo disciplinar contra si, movido pelo arguido, com base essencialmente, numa imputada de falta de facturação de encomendas efectuadas por essa sociedade e de registo dos correspondente pagamentos que foram efectuados, o que pode consubstanciar, pelo menos, um crime de fraude fiscal da previsão do art. 103.º, n.º 1 do RGIT.
Tudo isto consta no Relatório de inspecção tributária de fls. 734 e ss., como se alude no despacho recorrido.
Nesta conformidade era por demais aceitável que fosse averiguado a nível interno da empresa as causas dessas condutas, havendo, por parte do arguido, fundadas suspeitas que o assistente fosse o autor e responsável por essas mesmas condutas.
Nesta conformidade, nem sequer podemos considerar objectivamente difamatório para o assistente a instauração desse procedimento disciplinar, sendo essa factualidade criminalmente atípica e quanto muito não punível, já que se verificam cumulativamente os requisitos enunciados no art. 180.º, n.º 2, do Código Penal, como transparece do despacho recorrido, para onde se remete, ao abrigo do art. 425.º, n.º 5, por interpretação extensiva.*
*          *III.- DECISÃO.
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo assistente B………., e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido.

Mais se condena o assistente na taxa de justiça de quatro (4) Ucs. [515.º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal]

Notifique.

Porto, 05 de Janeiro de 2011
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro
_______________________
(1) Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência, sem indicação expressa da sua origem.
(2) MORENO, Cordon em “Las Garantias Constitucionales del Processo Penal, Aranzadi, Navarra, 1999, p. 178 e ss.
(3) Sendo este último inédito e por nós relatado, que será seguido de perto, enquanto os demais e que não se encontram publicados na CJ acessíveis em www.dgsi.pt.
(4) Divulgado em www.dgsi.pt e que o signatário foi relator, donde se transcrevem as passagens indicadas.
(5) “Solamente serán constitutivas de delito las injurias que, por su naturaleza, efectos y circunstancias, sean tenidas en el concepto público por graves”.
(6) Relatado pelo Des. Manuel Braz, no Recurso n.º 332/02.
(7) Ac. de 2006/Abr./19, relatado pela Des. Élia São Pedro [Rec. n.º 5927/05-1], divulgado em www.dgsi.pt 
(8) Ac. de 2005/Dez./07, relatado pelo Des. Borges Martins [Rec. n.º 5154/05-1], divulgado em www.dgsi.pt 
(9) Ac. 2007/Dez./19, por nós relatado e subscrito pelo mesmo Ajunto [Rec. n.º 5118/07-1], divulgado em www.dgsi.pt

Recurso n.º 599/07.0TAOAZ.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. Na Instrução n.º 599/07.0TAOAZ do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Oliveira de Azeméis, em que são: Recorrente/Assistente: B………. Recorrido/Arguido: C………. Recorrido: Ministério Público foi proferida decisão instrutória em 2009/Dez./12, a fls. 971-975 que não pronunciou o arguido, na sequência da acusação particular formulada em 2008/Fev./15, a fls. 157-153 pela prática, como autor material, de um crime de difamação agravada da previsão dos art. 180.º, 183.º, n.º 1, al. a) e b) do Código Penal. 2. O assistente interpôs recurso por faz expedido em 2010/Jun./23 a fls. 983 e ss., mais concretamente fls. 1039, atento a repetição dessa expedição, pugnando pela revogação dessa decisão e sua substituição por outra que pronuncie o arguido pelo mencionado crime de difamação, tal como consta da acusação particular, apresentando 42 conclusões, mas que se podem resumir no seguinte: 1.º) O Assistente não se pode conformar com a decisão agora em crise, pois entende que o Arguido, com as afirmações que profere e correspondentes factos que imputa ao primeiro tinha apenas a intenção de ofender e denegrir moral e profissionalmente o mesmo e não denunciar uma prática que quando muito seria imputável apenas à sociedade comercial e respectivos representantes legais, partindo do pressuposto que o segundo era gerente da sociedade comercial, quando era apenas seu trabalhador [A-I]; 2.º) A decisão de não pronúncia é nula por não se encontrar motivada, já que não tem uma enumeração dos factos provados e não provados, não tendo ainda a análise crítica dos meios de prova produzidos, conforme impõe o art. 308.º, n.º 2, que remete para o art. 283.º, n.º 3, al. b), que é uma concretização do art. 97.º, n.º 5, todos do C. P. Penal e que é exigido pelo art. 205.º, n.º 1 da c. Rep. [J-W]; 3.º) Não obstante a nulidade arguida supra, importa ainda, à cautela e por dever de patrocínio, sindicar a decisão do Juiz de Instrução Criminal, na sua Douta Decisão Instrutória, em proferir Despacho de Não Pronúncia, quer por razões de facto, quer por razões de direito [X-Z] 4.º) Em síntese, são atribuídas (imputadas) ao Recorrente, pelo Arguido, a prática de duas acções (factos imputados): a venda de caixas de plástico para fruta sem facturação e lançamento na contabilidade da empresa; e a apropriação do produto daquelas vendas para si [AA] 5.º) Em relação a esta segunda conduta, a única prova produzida sobre a mesma em todo o processo e que vai no sentido da sua imputação pelo Arguido ao Recorrente é a que resulta do conteúdo da nota de culpa junta como documento n.º 1 com a Denúncia Criminal por este último apresentada [BB-EE] 6.º) Em relação à primeira das condutas referidas no ponto CC. das presentes conclusões, não obstante o Tribunal de 1.ª Instância considerar verificados os elementos/pressupostos de que depende a prática de um crime de difamação, previstos no artigo 180°, n.° 1 do Código Penal, o certo é que decide a final não pronunciar o Arguido pela prática do mesmo, ordenando o arquivamento dos autos, decisão que justifica pela aplicação do disposto no n.° 2 do mesmo preceito legal (cujos requisitos constantes das alíneas a) e b) são cumulativos). [FF-HH]; 7.º) No entanto, a mera recolha (arbitrária e sustentada apenas em suspeitas) por parte do Arguido C………. de fotocópias de documentos, não cumpre por si só o dever de informação ou esclarecimento, com base no qual se consubstancia a boa fé exigida no previsto no artigo 180°, n.º 2, alínea b) do Código Penal, uma vez que, atendendo à gravidade das acusações que são feitas ao Assistente no âmbito de um processo disciplinar que visava o seu despedimento (e, que note-se foi arquivado), seria necessário que o Arguido tivesse procedido ao procedimento prévio de inquérito (previsto no artigo 352° do Código do Trabalho) [II]; 8.º) Não exercendo o arguido funções de gerente, sendo apenas trabalhador da sociedade [JJ-MM]; 9.º) O que, consequentemente, impõe concluir que, na verdade, o Arguido não tinha fundamento sério para reputar por verdadeiros os factos que imputou ao ora Recorrente, independentemente de o ter ou não em relação à sociedade comercial ‘D……….”, pelo menos de boa fé, como o exige a alínea b), do n.° 2, do artigo 180.º do Código Penal, não sendo esta disposição aplicável e impondo-se a pronúncia do arguido [NN-PP] 2. O Ministério Público respondeu em 2010/Jul./06 a fls. 1228-1236 concluindo muito resumidamente que: 1.º) No caso dos autos a conduta do arguido, por estarem verificados cumulativamente, os pressupostos previstos no art. 180.º, n.º 2 do Código Penal, não é punível [I-III]; 2.º) Analisada a decisão instrutória, verificamos que o tribunal recorrido valorou toda a prova produzida em sede de inquérito e instrução, não se verificando qualquer nulidade que cumpra sanar [IV]. 3. O arguido não respondeu a este recurso, muito embora tenha apresentado um requerimento anómalo a fls. 1240-1241 onde chega a dizer que “muito embora não pretendendo contra-alegar, por entender que não se justifica o pagamento da taxa que a isso obrigaria, vem contudo dizer o seguinte”, que não mereceu qualquer sancionamento tributário em 1.ª instância, o que fez caso julgado formal. 4. Nesta Relação o Ministério Público apôs o seu visto em 2010/Nov./18, a fls. 1249.*O objecto deste recurso passa pela apreciação da nulidade da decisão instrutória [a)] e pela existência de indícios da prática pelo arguido do crime de difamação [b)].* * *II. FUNDAMENTAÇÃO 1.- O despacho de não pronúncia Na parte que aqui releva transcrevem-se as seguintes passagens: “Ora da análise comparada de toda a prova produzida quer documental quer testemunhal e declarações produzidas resultaram unanimemente indiciada a conflitualidade latente entre o arguido e os assistentes irmã e cunhado do arguido-, sócios gerentes da sociedade “D………., Ldª”, relacionada com divergências de gerência que culminaram, no que a este processo respeita e delineado que está o objecto do mesmo em referencia à acusação particular e requerimento de abertura de instrução, com a nota de culpa, cuja cópia se mostra junta a fls. 528ss e factualidade se reproduz naquela acusação. Do mesmo modo das declarações produzidas pelos assistes ressalta à evidencia estar indiciada uma gerência comprometida e pouco esclarecedora no que respeita aos factos levados àquela nota de culpa. Com efeito confrontados com toda a documentação junta e valores neles inscrita se reconhecem as assinaturas apostas, não conseguem lograr explicar as quantidades apostas nas notas de transporte e distancias percorridas que não justificam os gastos e deslocações com a alegada entrega de uma alegada “amostragem”, que contrariam outras notas de encomendas datadas da mesma data mas com quantidades substancialmente superiores. Das mesmas declarações resulta ainda confirmada a permanência e preocupação do arguido em tirar fotocópias e recolher todos os elementos documentais juntos aos autos. Mais resulta de toda a prova analisada ter sido denunciada aos serviços fiscais a factualidade agora imputada ao arguido em sede criminal e que o relatório da inspecção tributária, cuja cópia junta no decurso da fase de instrução a fls. 734 ss, vem, relativamente aos exercícios de 2005 a 2007, da análise documental apreendida judicialmente, descrever a inexistência de documentos tributários –“ não emissão de facturas”; “existência de contas correntes extra-contabilisticas” “esquema evasivo, deturpando as quantidades do triplicado ou quadruplicado”; “identificaram-se vários casos de evidentes omissões de proveitos por vendas `a margem da contabilidade da empresa”- no procedimento da gerência denunciada pelo arguido , Ora, se objectivamente tal comportamento – factualidade denunciada e levada à nota de culpa - poderia afectar o bom nome da sociedade e assistentes na qualidade de sócio gerentes e a quem era imputada a autoria daquela factualidade denunciada, o certo é que é, da análise crítica e comparada de toda a prova assim carreada aos autos, não resulta indiciada a actuação do arguido com a intenção que lhe vem imputada. Com efeito, vertendo o caso sub judice impõe-se concluir que os factos levados à nota de culpa e agora imputados como difamatórios aos assistente, se deixam pressuposto um juízo negativo sobre a personalidade daqueles no que respeita à gerência da sociedade, ao projectar social e comercialmente a ideia de que se trata de pessoas desleais ou pouco transparentes no exercício dos destinos daquela sociedade, também não é menos verdade que, resulta à evidencia fortemente indiciado os fundamentos sérios, por parte do arguido, de, em boa fé, reputar por verdadeiros os aludidos factos e desencadear o processo disciplinar assente nos mesmos e na convicção de os factos que imputava eram verdadeiros. Assim, da análise comparada de tais elementos de prova não se vislumbra a intenção do arguido, conforme vem imputada pelos assistentes, em denegrir a imagem dos mesmos. Em síntese, a ponderação de todos os elementos precedentemente discriminados aponta para que o juízo de probabilidade de condenação do arguido C………. seja muitíssimo ténue, sendo altamente improvável a sua futura condenação, ou melhor, sendo a sua absolvição muitíssimo mais provável do que a sua condenação. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, por não terem sido recolhidos indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ao arguido, decido, nos termos do disposto no art.º 308º n.º 1, parte final, do C. P. Penal não pronunciar o arguido e em consequência ordeno arquivamento dos autos.”*2. Os fundamentos do recurso a) Nulidade da decisão instrutória. O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da C. Rep., segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei”. No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa, expressas no art. 32.º, n.º 1, da C. Rep.. Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a se aferir se a mesma está fundada na lei. É isso que decorre expressamente do disposto no art. 97.º, n.º 4 do Código Processo Penal(1), ao estabelecer que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Por isso essa exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a se aferir da sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias(2). Daí que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que no caso de uma sentença deve obedecer ainda aos requisitos formais enunciados no citado art. 374.º, n.º 2. Mas essa mesma exigência legal de fundamentação de uma sentença, não se encontra transponível para outras decisões judiciais, salvo para os acórdãos a proferir pelos tribunais superiores, mas aqui também com especificidades [425.º, n.º 4]. Tudo isto para se conhecer, ao fim e ao cabo, qual foi o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente sentenciamento, designadamente os factos acolhidos e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela. Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados. Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser. O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido. Muitas vezes confunde-se motivação com prolixidade da fundamentação e esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela.*Vejamos no entanto se a falta de descrição factual, poderá configurar a invocada nulidade, reconhecendo-se, desde já, que a jurisprudência não tem sido uniforme quanto à integração do vício da deficiência da motivação da decisão instrutória, porquanto a propósito se tem sido alinhadas as seguintes posições: – a decisão instrutória deverá conter, ainda que resumidamente, os factos que possibilitem chegar à conclusão da suficiência ou insuficiência da prova indiciária, acarretando essa falta de descrição factual a nulidade da decisão instrutória [308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3, al. b), do C. P. Penal; Ac. R. E. de 2005/Mar./01, Recurso n.º 1481/04-1]; – a omissão da descrição e especificação dos factos do requerimento instrutório que se devam considerar suficientemente indiciados ou não, constitui uma irregularidade que influi no conhecimento da causa, que pode ser conhecida oficiosamente [123.º, n.º 2 do C. P. Penal; Ac. R. G. 2007/Fev./12, Recurso n.º 2335/06-1, 2005/Jul./04, CJ IV/300, 2004/Dez./06, Recurso n.º 1823/04-1, 2004/Set./27, Recurso n.º 1008/04-2, 2004/Jan./01, Recurso n.º 293/04-1]; - O despacho de não pronúncia não está sujeito às exigências de fundamentação das sentenças, estabelecidas no art. 374.º, n.º 2, mas apenas ao dever genérico previsto no art. 97.º, n.º 4, ambos do C. P. P., consistindo a falta de fundamentação numa irregularidade, sujeita ao regime geral do art. 123.º, devendo para o efeito ser atempadamente suscitada perante o juiz, sob pena de se considerar sanada [Ac. R. L. de 2004/Jan./15, CJ I/125, 2004/Out./14, CJ IV/145, Ac. R. C. de 2006/Jun./14, Recurso n.º 823/06, Ac. R. P 2007/Set./01, Recurso n.º 5119/07-1, 2008/Fev./27, Recurso n.º 4121/07-1](3). Diga-se, desde já, que seguimos esta última posição por ser aquela que é mais consentânea com o princípio da legalidade dos actos, tal como está actualmente consagrado no art. 118.º. Ai se estabelece no seu n.º 1 que “A violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”, consagrando-se um apertado princípio da taxatividade ou de “numerus clausus” das nulidades. Todos os demais vícios que não sejam expressamente atingidos pela nulidade, são irregularidades, tal como decorre da regra subsidiária do seu n.º 2 – aqui se alude que “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular”. Ora a deficiência de fundamentação das decisões jurisdicionais, não surge no catálogo das nulidades absolutas e como tal insanáveis do art. 119.º, nem no quadro das nulidades relativas do subsequente art. 120.º, nem expressamente em qualquer disposição legal. É um facto que existe a injunção constitucional de fundamentação das decisões judiciais, imposta pelo art. 205.º, da C. Rep., e legal decorrente do art. 97.º, n.º 4. Mas o legislador apenas quis acometer de nulidade da decisão instrutória aquela que represente uma alteração substancial dos factos descritos na acusação pública ou no requerimento para abertura da instrução conducente à pronúncia, face ao previsto no art. 309.º, assim como aquela que, pronunciando, não respeite o registo legal descritivo da acusação, enunciado no art. 283.º, n.º 3, mediante remissão do art. 308.º, n.º 2. Não podemos é estender o rigor descritivo da pronúncia ao despacho de não pronúncia, porquanto o segmento normativo do art. 283.º, n.º 3 é privativo da regulação daquele libelo, já que o seu proémio apenas menciona que “A acusação contém, sob pena de nulidade:”, não estando o despacho de arquivamento, previsto no art. 277.º, sujeito aos mesmos rigores descritivos. Aliás, caso se sustente essa interpretação extensiva do art. 283.º, n.º 3 ao despacho de não pronúncia, estaria formalmente ausente do mesmo um juízo crítico da prova, tal como se impõe para a fundamentação da sentença, como resulta do art. 374.º, n.º 2. De resto, se o legislador quisesse ferir de nulidade a deficiência de fundamentação da decisão instrutória teria consagrado uma disposição idêntica ao do art. 379.º, n.º 1 que comina com esse preciso vício as circunstâncias aí enunciadas, que correspondem à preterição das menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3, b) [a)], à condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos e das condições dos artigos 358.º e 359.º [b)] e à omissão ou excesso de pronúncia [c)]. Aliás, tendo-se alinhado, a nível do direito comparado, com o sistema processual penal italiano, não veio o nosso correspondente Código consagrar um preceito semelhante ao do art. 125.º, do C. P. Penal Italiano, relativo à “Forme dei provvedimenti del giudice” que para a deficiência de motivação das decisões jurisdicionais, cataloga as mesmas de nulidade – aí se preceitua que “Le sentenze e le ordinanze sono motivate, a pena di nullitá [177, 604, 606 lette]. I decreti sono motivati, a pena di nulllitá [181], nei casi in cui la motivazione é espressamente prescrita dalla legge [127, 132, 244, 247, 253, 267, 321, 409, 414]”. Por isso e em suma, concluiremos que, como já referimos, o despacho de não pronúncia não está sujeito às exigências de fundamentação das sentenças, estabelecidas no art. 374.º, n.º 2, mas apenas ao dever genérico previsto no art. 97.º, n.º 4, ambos do C. P. P., consistindo a deficiência da sua fundamentação numa irregularidade, sujeita ao regime geral do art. 123.º. A tratar-se de uma irregularidade ou mesmo de uma nulidade sanável, deveria a mesma ter sido atempadamente suscitada perante o juiz de instrução, sob pena de se considerar sanada, não podendo desde logo e sem essa arguição prévia ser fundamento de recurso, o que só sucede quando se impugna uma sentença [379.º, n.º 2]. Não tendo assim procedido o recorrente, não pode agora o mesmo, com este preciso fundamento, vir impugnar o despacho de não pronúncia. Aliás e relendo a decisão instrutória, teremos necessariamente de constatar que a mesma não indica os factos que considera ou não indiciados, muito embora faça uma análise dos elementos objectivos e subjectivos do apontado crime de difamação, cotejando a propósito a prova documental e testemunhal, bem como as declarações do arguido prestadas nos autos.*b) Indícios suficientes para a pronúncia pelo crime de difamação agravado No culminar da fase de instrução, como se refere no Ac. de 2006/Jan./04(4), o juízo de pronúncia deve, em regra, passar por três fases. Em primeiro lugar um juízo de indiciação da prática de um crime, mediante a indagação de todos os elementos probatórios produzidos, quer na fase de inquérito, quer na de instrução, que conduzam ou não à verificação de uma conduta criminalmente tipificada. Por sua vez e caso se opere essa adequação, proceder-se-á em segundo lugar, a um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido, de modo que os meios de prova legalmente admissíveis e que foram até então produzidos, ao conjugarem-se entre si, conduzam à imputação desse(s) facto(s) criminoso(s) ao arguido. Por último efectuar-se-á um juízo de prognose condenatório, mediante o qual se possa concluir, que predomina uma razoável possibilidade do arguido vir a ser condenado por esses factos e vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo indiciador semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento.*O crime de difamação do art. 180.º, n.º 1, do Código Penal pune “Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”. Uma circunstância agravativa seria, “Tratando-se de imputação factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação”. Neste ilícito tutela-se a honra, abarcando tanto o valor pessoal ou interior que cada pessoa tem por si, como a reputação ou consideração que a comunidade tem por essa mesma pessoa. A acção típica deste crime consistirá na divulgação de factos (acontecimentos da realidade), incluindo a suspeição, ou então de considerações (palavras ou expressões) injuriosas, tanto na sua dimensão pessoal, como social. Por sua vez e segundo o art. 182.º, do mesmo Código “À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”. No entanto, tanto os conceitos de honra como de desconsideração não devem estar dependentes da perspectiva ou compreensão que cada um tem dos seus valores “morais” ou “ético-sociais”. Daí que os mesmos devam ser insuflados por aqueles valores que emergem do nosso quadro constitucional (art. 26.º, n.º 1 C. Rep.), que alude ao “bom nome e reputação, à imagem”, como legislativo (v. g. 70.º, n.º 1 Código Civil), nomeadamente aquela que diz respeito à tutela geral da personalidade (“personalidade física ou moral”). Como se sabe o direito penal tem carácter subsidiário ou fragmentário, como decorre expressamente do art. 18.º, n.º 2 da C. Rep., ao preceituar que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Assim e muito embora, tanto a descrição típica do crime legal de difamação, como de injúria, não exijam que a correspondente ofensa da honra ou consideração tenham, pela sua natureza, efeitos ou circunstâncias, que ser consideradas como graves, como sucede com o Código Penal Espanhol [art. 208.º, § 2.º](5), somos de crer que a vinculação constitucional ao citado art. 18.º, n.º 2, estabelece um efectivo critério limitador. Tanto assim é, que a jurisprudência desta Relação, tem vindo paulatinamente a considerar, como sucedeu com o Ac. de 2002/Jun./12(6), que “É próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, etc., que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente prejudicada por outra, por exemplo, pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função”. Para o efeito já se considerou que em certos circunstancialismos, designadamente no decurso de uma discussão, que a alusão “não era padre; não era nada”(7), apelidar um outro de “maluco”(8) ou então alguém dirigir-se a outrem dizendo-lhe “que ele lhe devia dinheiro, pedindo-lhe o pagamento”(9) não seriam expressões criminalmente atípicas e, como tal, destituídas de qualquer carga injuriosa. Estamos, nestes casos, naquela margem do nosso relacionamento social, que se deve ter como jurídico-penalmente aceitável, por não revestir, naqueles concretos circunstancialismos, qualquer imputação objectivamente ofensiva da honra ou consideração do assistente. No caso dos autos e aquilo que o assistente considera integrar um crime de difamação parte de desinteligência na gerência da sociedade “D……….”, que motivaram um processo disciplinar contra si, movido pelo arguido, com base essencialmente, numa imputada de falta de facturação de encomendas efectuadas por essa sociedade e de registo dos correspondente pagamentos que foram efectuados, o que pode consubstanciar, pelo menos, um crime de fraude fiscal da previsão do art. 103.º, n.º 1 do RGIT. Tudo isto consta no Relatório de inspecção tributária de fls. 734 e ss., como se alude no despacho recorrido. Nesta conformidade era por demais aceitável que fosse averiguado a nível interno da empresa as causas dessas condutas, havendo, por parte do arguido, fundadas suspeitas que o assistente fosse o autor e responsável por essas mesmas condutas. Nesta conformidade, nem sequer podemos considerar objectivamente difamatório para o assistente a instauração desse procedimento disciplinar, sendo essa factualidade criminalmente atípica e quanto muito não punível, já que se verificam cumulativamente os requisitos enunciados no art. 180.º, n.º 2, do Código Penal, como transparece do despacho recorrido, para onde se remete, ao abrigo do art. 425.º, n.º 5, por interpretação extensiva.* * *III.- DECISÃO. Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo assistente B………., e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido. Mais se condena o assistente na taxa de justiça de quatro (4) Ucs. [515.º, n.º 1, al. b), do C. P. Penal] Notifique. Porto, 05 de Janeiro de 2011 Joaquim Arménio Correia Gomes Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro _______________________ (1) Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência, sem indicação expressa da sua origem. (2) MORENO, Cordon em “Las Garantias Constitucionales del Processo Penal, Aranzadi, Navarra, 1999, p. 178 e ss. (3) Sendo este último inédito e por nós relatado, que será seguido de perto, enquanto os demais e que não se encontram publicados na CJ acessíveis em www.dgsi.pt. (4) Divulgado em www.dgsi.pt e que o signatário foi relator, donde se transcrevem as passagens indicadas. (5) “Solamente serán constitutivas de delito las injurias que, por su naturaleza, efectos y circunstancias, sean tenidas en el concepto público por graves”. (6) Relatado pelo Des. Manuel Braz, no Recurso n.º 332/02. (7) Ac. de 2006/Abr./19, relatado pela Des. Élia São Pedro [Rec. n.º 5927/05-1], divulgado em www.dgsi.pt (8) Ac. de 2005/Dez./07, relatado pelo Des. Borges Martins [Rec. n.º 5154/05-1], divulgado em www.dgsi.pt (9) Ac. 2007/Dez./19, por nós relatado e subscrito pelo mesmo Ajunto [Rec. n.º 5118/07-1], divulgado em www.dgsi.pt