Processo:544/08.6TTOAZ.P1
Data do Acordão: 06/02/2011Relator: EDUARDO PETERSEN SILVATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - Provando-se o início de funções quase dois anos antes da celebração de contrato de trabalho a termo, o contrato considera-se celebrado desde o início como contrato por tempo indeterminado. II - No domínio do DL 427/89, de 07.12 era proibida a celebração, pelo Estado, de contrato de trabalho por tempo indeterminado, o que produz a nulidade do contrato celebrado entre as partes, nos termos do artº 294º do Código Civil. III - Não se verifica a convalidação da nulidade por força da superveniência da Lei 23/04, de 22.06 que veio admitir, no seio da administração Pública, o contrato de trabalho sem termo, uma vez que não foram observados, no caso, os diversos requisitos a que tal contratação está sujeita, designadamente a observância de prévio processo de selecção. IV - Como consequência do despedimento ilícito, o trabalhador tem direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao momento em que a nulidade do contrato é declarada oficiosamente pelo tribunal. V - A nulidade do contrato de trabalho inviabiliza que o Tribunal determine a reintegração, mas o trabalhador tem direito a indemnização por antiguidade, se por ela tiver optado – não cabendo ao Tribunal substituir-se-lhe se o não tiver feito.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTRATO A TERMO CONVALIDAÇÃO REINTEGRAÇÃO
No do documento
Data do Acordão
02/07/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
PROVIDO.
Sumário
I - Provando-se o início de funções quase dois anos antes da celebração de contrato de trabalho a termo, o contrato considera-se celebrado desde o início como contrato por tempo indeterminado. II - No domínio do DL 427/89, de 07.12 era proibida a celebração, pelo Estado, de contrato de trabalho por tempo indeterminado, o que produz a nulidade do contrato celebrado entre as partes, nos termos do artº 294º do Código Civil. III - Não se verifica a convalidação da nulidade por força da superveniência da Lei 23/04, de 22.06 que veio admitir, no seio da administração Pública, o contrato de trabalho sem termo, uma vez que não foram observados, no caso, os diversos requisitos a que tal contratação está sujeita, designadamente a observância de prévio processo de selecção. IV - Como consequência do despedimento ilícito, o trabalhador tem direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao momento em que a nulidade do contrato é declarada oficiosamente pelo tribunal. V - A nulidade do contrato de trabalho inviabiliza que o Tribunal determine a reintegração, mas o trabalhador tem direito a indemnização por antiguidade, se por ela tiver optado – não cabendo ao Tribunal substituir-se-lhe se o não tiver feito.
Decisão integral
Processo nº 544/08.6TTOAZ.P1
Apelação – 1ª 

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 14)
Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1487)
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 

I. Relatório: 
B…, economista, residente em …, interpôs a presente acção declarativa de condenação contra o Estado Português, Secretário de Estado da Juventude e Desporto, pedindo a declaração de nulidade do seu despedimento, por força da rescisão ilícita do seu contrato de trabalho a tempo indeterminado, e a condenação dos RR. a reintegrarem-no no seu posto de trabalho ou a pagarem-lhe uma indemnização por antiguidade, se por ela vier a optar, bem assim a respectiva condenação no pagamento de todas as prestações vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, acrescidas de juros, e ainda o pagamento de €25.000,00 de danos morais decorrentes do despedimento. 
Subsidiariamente, pediu que seja declarado nulo e de nenhum efeito o seu despedimento por rescisão ilícita do seu contrato de trabalho a termo incerto, e que sejam os RR. condenados a pagar ao A. todas as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão, se o termo ocorrer posteriormente, e neste caso ainda, na sua reintegração. Mais pediu que sejam os RR. condenados a pagar compensação pela caducidade do contrato, cuja liquidação relega para a execução de sentença, com dedução dos valores já transferidos à ordem do A. pelos RR. 
Pede ainda que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €1.361,28 devida pelo atraso na emissão de declaração de pedido de subsídio de desemprego, e que sejam condenados a pagar €25.000,00 de danos morais decorrentes do despedimento ilícito. 

Alegou, em síntese, que por contrato de trabalho a termo certo foi admitido ao serviço pelos RR. em 1 de Janeiro de 2001, para exercer funções de apoio técnico ao Administrador do C… – e à respectiva comissão técnica, com a categoria de Técnico Especialista Principal, sendo certo que iniciou funções em Março de 1998, a título de prestação de serviços vulgo “recibos verdes”. 
O contrato nunca foi objecto de comunicação de não renovação por parte dos RR., tendo-se mantido ininterruptamente até 14.5.2008.
Os RR. violaram o disposto na lei de trabalho, nomeadamente no artº 139º do CT, ao celebrar um contrato a termo certo, sem o justificativo previsto para a celebração do mesmo constante do artº 129º do CT. 
Por outro lado, não fora o decurso excessivo do prazo para a admissibilidade do contrato a termo, sempre se poderia dizer que o mesmo é nulo na medida em que não é a exacta designação do nome ou demominação da entidade patronal – o “Estado” ou “Ministério ou Secretaria de Estado” – pois o “D…” não tem personalidade jurídica nem judiciária, o que obriga à consideração do contrato como por tempo indeterminado. 
Em 14.5.2008 o A. foi notificado da intenção dos RR., através do Secretário de Estado da Juventude e Desporto, por delegação na Presidente do Instituto Português da Juventude, de proceder ao seu despedimento, invocando a cessação por caducidade do contrato, com efeitos desde 11.4.2008.
Tal cessação por caducidade foi fundamentada na extinção do D1…, delegação do Instituto Português de Juventude, aqui RR. 
Esta caducidade não se verifica uma vez que se encontra previsto na cláusula 3ª do contrato que o mesmo vigorará pelo período de vigência do III quadro comunitário de apoio, incluindo o período necessária à apresentação do relatório final, que não foi ainda apresentado. 
Os RR. deduziram valores na remuneração de Abril e Maio sendo devedores deles, bem como de proporcionais de subsídio de férias e de Natal, e de férias. 
Em virtude da demora na emissão da declaração para efeitos de atribuição de subsídio de desemprego, os RR. lesaram o A. no valor de perda de subsídio de desemprego em virtude da sua não apresentação imediata.

Contestou o Estado, impugnando os factos de que não tem conhecimento, admitindo que o A. tenha colaborado com o Instituto Português da Juventude, como consultor, em regime de prestação de serviços durante dois meses em 1998, defendendo a validade do contrato de trabalho celebrado e a sua cessação por caducidade.

O A. respondeu à contestação, pronunciando-se sobre a caducidade invocada pelo R.

Foi proferido despacho saneador em que se considerou que se encontra apenas demandado o Estado, e em que se dispensou a fixação de base instrutória. 

Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova produzida, no final do qual foi proferido o despacho sobre a matéria de facto provada e foi então proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, condenando o R. a pagar ao A. a quantia de €2.494,84 e absolvendo-o dos demais pedidos. 
O A. veio requerer a anulação do julgamento por terem ficado inaudíveis nos registos áudio as perguntas da sua mandatária a duas testemunhas, requerendo ainda a suspensão do prazo para a apresentação das alegações de recurso. Foi proferido despacho a considerar que se tratava duma nulidade sanável e que para a sua sanação bastava repetir os depoimentos, o que foi efectivamente feito, tendo no final da sessão sido proferido despacho a considerar sanada a nulidade e a determinar que se reiniciasse a partir de então o prazo para o recurso da sentença.

Inconformado com a sentença, o A. interpõe recurso formulando a final as seguintes conclusões: 
A) Salvo melhor entendimento, e com o devido respeito que a douta sentença recorrida nos merece, entende o A./Recorrente que a sentença em análise faz uma errónea apreciação da matéria de facto o que determinou um incorrecto enquadramento da matéria de direito. 
B) A douta sentença proferida ao dar como provado que: “… Em Março de 1998 o A. passou a prestar serviços ao IPJ – Instituto Português da Juventude…” ignorou a prova testemunhal efectuada, já que a este respeito foram unânimes os depoimentos prestados quer pelas testemunhas arroladas pelo A./Recorrente, quer ainda as arroladas pelo R./Recorrido. 
C) Resulta claro de tais depoimentos, que o IPJ tinha como função apenas proceder ao pagamento dos salários do A. e dos demais colegas de trabalho. Nunca o A. teve com esta entidade qualquer vínculo laboral ou nela prestou serviços a qualquer título. 
D) Além de que não restam dúvidas de que a prestação de trabalho do A., não pode deixar de ser considerada como uma verdadeira relação de trabalho subordinado com o R., a qual teve início em Março 1998. 
E) Atesta para este último efeito, a prova documental que o A. junta aos autos (doc.2 junto à p.i.) que prova que a data de início da sua contratação foi efectivamente Março de 1998, e que o A. era pago através de recibos verdes emitidos ao IPJ, sem que houvesse correspondência entre a natureza da prestação de trabalho neles declarada e a efectiva natureza da sua prestação de trabalho subordinado. 
F) Tal prestação de trabalho subordinado do A. decorreu a coberto de uma estrutura/projecto criado no âmbito do II quadro Comunitário (1993-2000) denominada “C…” a qual remetia os encargos inerentes ao seu funcionamento para o IPJ, nomeadamente os pagamentos relativos às remunerações dos seus trabalhadores. 
H) (o recorrente saltou a alínea G) Facto este admitido pelo R. e constante de documento carreado por este para os autos reportado a Fevereiro de 2007, denominado “Inventário e Cadastro” (doc.4, fls. 4). 
I) Em face do exposto, ficou inquestionavelmente provado que a prestação de trabalho in casu constituía uma autêntica relação de trabalho subordinado, levada a cabo no período compreendido entre Março de 1998 e Maio de 2008. 
J) E contrariamente ao que se defende na douta sentença, ao contrato do A. não poderá ser aplicado o regime especial previsto no DL 54-A/2000, nomeadamente o disposto no seu artº 46º nº 3, onde se prevê que a caducidade do mesmo fica dependente da extinção da respectiva estrutura, porque é posterior ao início da relação laboral do A. com o R.
L) A decisão in casu, baseada no tratamento jurídico de excepção aplicado ao R./Estado Português, muito se distancia dos normativos nacionais consagrados na Lei Geral do Trabalho em vigor para as demais relações laborais privadas e ainda dos princípios estabelecidos na Directiva 1990/70/CE já transporta para o ordenamento jurídico português. 
M) Na medida em que quer o DL 427/89 de 7 de Dezembro, quer a Lei 23/2004 de 22 de Junho, não consagram medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso de celebração de contratos de trabalho a termo, e como tal não cumprem os objectivos impostos por aquela Directiva. 
N) Neste mesmo sentido, pronunciou-se favoravelmente o douto Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 3.12.2007, pelas razões aí aduzidas entre as quais o entendimento vertido no acórdão de 4.72006 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (vide http://www.dgsi.pt).
O) Sem prescindir, e na hipótese do entendimento supra perfilhado não colher provimento, sempre se teria de considerar que relativamente à matéria controvertida que aqui releva, ou seja, se ocorreu despedimento ilícito do contrato a termo celebrado entre as partes, em face do teor do respectivo termo aposto, parece-nos inegável que a sentença recorrida interpreta de forma incorrecta o seu conteúdo.
P) A declaração constante de fls. 16 e 17 junto aos autos, a comunicar a caducidade do contrato de trabalho a termo com efeitos a 11 de Abril de 2008, só foi notificada ao A. em 14 de Maio de 2008, pelo que sendo esta uma declaração receptícia só produz efeitos jurídicos a partir desta última data, ou seja, só produz efeitos no momento em que o A. tomou efectivo conhecimento da decisão do R. 
Q) Ora esta decisão do R. constituiu um verdadeiro despedimento ilícito, na medida em que o A. ficou impedido de continuar a exercer a sua actividade, por acto unilateral de vontade e sem se ter verificado o facto do qual dependia o direito daquele, Estado Português, de fazer caducar o contrato de trabalho a termo. 
R) Esta situação corresponde a um despedimento de facto, consequentemente o despedimento em causa terá de considerar-se ilícito, por não ter sido precedido de um processo disciplinar, nos termos do artº 429º alínea a) do CT. 
S) Ainda, a douta sentença proferida omitiu o preceituado nos art. 342º nº 3 do C.C. relativamente à produção da prova a realizar e à incumbência de tal ónus. 
T) Entendeu o tribunal a quo que no clausulado em análise, a menção efectuada ao “relatório final” teria de se entender como o relatório final a apresentar pela respectiva estrutura e não o relatório final a apresentar pelo Estado Português junto das competentes autoridades europeias, contrariamente ao alegado pelo A.
U) Mais entendeu, que o termo do contrato em causa a verificar-se com a apresentação do relatório final da estrutura, teria de o ser na estrita medida da necessidade de colaboração do A. na respectiva elaboração. 
V) Resulta inequívoco dos autos que o R. não logrou provar documental ou testemunhalmente que procedeu à elaboração ou apresentação de um “qualquer relatório”. 
X) Assim terá forçosamente de concluir-se que não se verificou a condição resolutiva de que dependia o termo do contrato de trabalho outorgado entre as partes. 
Z) Concluindo a sentença recorrida traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei, dando provimento ao presente recurso. 

Contra-alegou o Ministério Público pronunciando-se no sentido do recurso não merecer provimento e concluindo que tinha sido feita correcta apreciação da prova e do direito, que o contrato de prestação de serviços celebrado entre o A. e o Estado tinha sido validamente outorgado e que da sua execução e cessação não decorria qualquer obrigação de pagamento de qualquer crédito; que a entender-se que esse contrato tinha em vista a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica o mesmo seria nulo, por força dos artigos 294º do C.C. e 10º nº 6 do DL 184/89, porque celebrado fora dos casos imperativamente previstos neste último preceito; o contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 1.1.2001 foi validamente outorgado e em consonância com o preceituado no artº 46º nº 2 al. c) do DL 54-A/2000 de 7.4; tal contrato cessou em 14.5.2008 por caducidade com a notificação ao A. de que o D1…. foi extinto pelo DL 202/2006 de 27.10 e que por via disso, se procederam às necessárias diligências para liquidação do serviço e seu encerramento, as quais foram consideradas findas pelo Despacho nº 10696/2008 de 31.3. 

O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação não emitiu parecer. 

Corridos os vistos legais cumpre decidir. 

II. Matéria de facto
A matéria de facto que vem provada da 1ª instância é a seguinte: 
1) O Secretário de Estado da Juventude e Desporto tem a seu cargo a concretização das políticas governamentais na área da juventude, tutelando e superintendendo, desta forma o Instituto Português da Juventude.
2) Tais políticas consubstanciam-se no apoio e dinamização do empreendedorismo jovem. 
3) Foi com esse objectivo que foi criado o E…, bem como depois, foram constituídas as respectivas comissões técnicas, definidas como estruturas de apoio técnico. 
4) Com o objectivo de dar continuidade à prossecução desse apoio a jovens empresários surgiu o E…. 
5) Em Março de 1998 o Autor passou a prestar serviços no IPJ.
6) O Autor e F… a outorgar em representação do D1…, subscreveram, em 01.01.2001 o contrato cujo teor é de fls. 12 a 14 e, por economia, aqui se dá por integralmente reproduzido, para vigorar pelo período de duração do III Quadro Comunitário de Apoio, incluindo o período necessário à apresentação do relatório final. 
7) Em 14 de Maio de 2008 o Autor recebeu a “notificação” cujo teor é o de fls. 16 e 17 e, por economia, aqui se dá por integralmente reproduzido. 
8) Desde a outorga do contrato referido em 6) e até à data referida em 7), o Autor deu apoio técnico ao Administrador do D1… e à respectiva comissão técnica, analisando processos e projectos de candidatura ao sistema, apoio aos promotores e promoção de entrevistas e esclarecimentos. 
9) O que fez na G…, sita na “…l”, Rua …, Porto, e posteriormente, a partir de data não concretamente apurada, nas instalações da Delegação Regional do Norte do IPJ. 
10) O contrato referido em 6) nunca foi objecto de comunicação de não renovação. 

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
a) saber se a matéria de facto deve ser alterada; 
b) saber se o contrato do A. deve ser considerado um contrato de trabalho por tempo indeterminado: 1) porque se iniciou sob a capa duma prestação de serviços; 2) porque a entidade que figura como entidade patronal no contrato de trabalho não se encontra correctamente identificada; 3) porque o contrato se renovou durante 7 anos;
c) saber se, considerado o contrato de trabalho como a termo incerto, não se verificara a condição de que dependia o termo à data em que foi comunicada a cessação do mesmo por caducidade.

a) O recorrente cumpriu o disposto no artigo 685º-B do CPC, nada obstando ao conhecimento da impugnação da matéria de facto. 
A reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova. 
Muitos são os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante imediação. Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao tribunal da Relação se reporta, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova, deverá ela ter em conta que  dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível   (reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que apenas são, ou melhor são, perceptíveis pela 1ª instância. À Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns e, bem assim, ponderando embora as referidas limitações, formar também a sua convicção, não bastando, porém, para eventual alteração, diferente convicção do Recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Embora o recorrente alegue que provou que não tinha sido entregue o relatório a que aludia a cláusula 3ª do contrato que constitui o documento nº 1 com a petição inicial, esta alegação vem inserta, no recurso, na impugnação da decisão de direito, subordinada ao tema de que a 1ª instância não valorou devidamente o ónus da prova, que no caso era do recorrido e que a sentença entendeu ser do recorrente. O recorrente transcreve parte de depoimento testemunhal para referir que provou a não entrega. 
Ouvidos os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, não se vê razão para, neste particular, alterar a decisão da matéria de facto (que é omissa quanto ao ponto) uma vez que apesar dos depoimentos das testemunhas do A. referirem a impossibilidade do relatório ser elaborado sem o contributo delas, os depoimentos das testemunhas do R. lançam dúvida sobre se o relatório foi entregue. Não vemos erro particular de apreciação da 1ª instância, pelo que se mantém a decisão de facto como se encontra, isto é, sem que esteja provado que o relatório foi ou não foi entregue. 
Relativamente ao ponto 5º da matéria de facto, cabe notar antes de mais que a matéria aí constante – “Em Março de 1998 o Autor passou a prestar serviços no IPJ” – é conclusiva e de Direito, pelo que, se não fosse alterada, como veremos, teria de ser eliminada, nos termos do artº 646º nº 4 do CPC.  
Com efeito, estando este assunto em discussão nos autos, sem a descrição dos concretos serviços prestados e das características pelas quais se pauta a prestação, a afirmação “passou a prestar serviço” é uma conclusão jurídica resultante da submissão dos factos alegados às normas que definem quer o contrato de prestação de serviços quer o contrato de trabalho. 
Ouvidos os depoimentos testemunhais de H…, assessora, I… e de J…, coordenadores de Porto e Lisboa, colegas, superiores, do A. e que têm processos idênticos contra o Estado, todos eles tendo iniciado funções em estruturas anteriores ao D1… em data anterior à do A., todos eles, com sinceridade, espontaneidade e sem qualquer dúvida nem hesitação depuseram no sentido de que o A. foi começou a desempenhar funções antes do contrato assinado com o D1… que constitui o documento nº 1 com a p.i., e que as funções que executou antes e depois da assinatura desse contrato foram iguais. O depoimento de tais testemunhas permite também saber que essas funções foram conformadas do mesmo modo, com subordinação a um coordenador, com horário, com regime de faltas, com pagamento de subsídio de férias e de Natal. 
Os depoimentos de K…, Presidente do Instituto Português da Juventude, e de L…, consultora, testemunhas do Réu, nada adiantaram sobre a contratação inicial do A. e sobre o modo como as suas funções foram desempenhadas antes e depois da assinatura do contrato de trabalho que constitui o documento nº 1 com a p.i. e portanto nada contrariaram do depoimento das testemunhas do A., as quais, apesar de terem processos idênticos, demonstraram amplo conhecimento dos factos e apresentaram uma versão inteiramente credível. 
Não percebemos assim porque razão foi dado como provado que em Março de 1998 o recorrente passou a prestar serviços no IPJ, tanto mais quanto resultou também do depoimento de K… que o IPJ era apenas a entidade pagadora, como aliás resultava também do documento nº 4 junto com a contestação, intitulado inventário e cadastro do D1…, em cujo ponto 1.2 e) se refere “O orçamento da estrutura é suportado pelo IPJ (…)” e em cujo ponto 2.1 “Recursos Humanos”, “Listagem dos Recursos Humanos afectos ao D1…, com indicação da data de início de relação laboral, tendo em consideração o disposto na … e no que ao DL 22/97 concerne:” em tal listagem estando incluído o nome do A. e a data de 1.3.1998, como sendo a data do início da relação laboral. E não percebemos porque a motivação da fundamentação, muito concisa, revela que o tribunal se baseou no depoimento unânime de todas as testemunhas e por isso seguro, relativamente ao local de trabalho e às funções desempenhadas pelo recorrente, e se baseou na prova documental quanto aos demais factos provados: “foi relevante a prova documental junta aos autos que foi contraditoriamente analisada em audiência e faz fé do seu teor que foi, por tal, dado por reproduzido”. Supomos pois que o tribunal se está a referir aos factos sub 6) e 7) e portanto não vemos fundamento, testemunhal nem documental, para ser dado como provado o que consta do ponto 5. 
Entendemos pois ser caso de alterar a decisão da matéria de facto nesta parte, passando o nº 5 a ter a seguinte redacção: “Em Março de 1998 o A. iniciou o desempenho, integrado em equipa de trabalho, no local desta, cumprindo horário, das funções de apoio técnico ao Administrador do C… e à respectiva comissão técnica, analisando processos e projectos de candidatura ao sistema, apoio aos promotores e promoção de entrevistas e esclarecimentos, tendo sido pago pelo IPJ, até à celebração do contrato referido no nº 6, mediante “recibos verdes”.  

Por outro lado, resultando provado por acordo tácito nos articulados, adita-se à matéria de facto dois factos: 
- um facto nº 11 com o seguinte teor: “Em Maio de 1998 a retribuição base do A. era de €1.701,41”; 
- um facto nº 12 com o seguinte teor: “O R. não pagou a retribuição de 19 dias de trabalho por este prestados em Abril de 2008 e de 14 dias de trabalho por este prestados em Maio de 2008, no valor de €1.871,43”.

b) 
Este facto nº 5, assim conjugado com o facto nº 8, bem como com os nºs 6, e 4, explica uma sucessão de sistemas de incentivo a jovens empresários, com as respectivas estruturas, designadamente comissões técnicas de apoio, e demonstra que o recorrente se integrou nelas, desenvolvendo quer antes quer depois da celebração do contrato a que alude o nº 6, as mesmas funções, em cumprimento de local e de horário. A conjugação dos pontos 5 e 8 da matéria de facto permite assim dar razão ao que o recorrente alegou na petição inicial sobre ter sido contratado por contrato escrito em 2001 (ao abrigo do D1…) mas já ter começado a exercer as funções (de apoio técnico ao Administrador e à comissão técnica) desde Março de 1998 (ao abrigo do C…).
Se as funções exercidas após a celebração do contrato de trabalho são as mesmas e se nenhuma dúvida existe que após a celebração do contrato o recorrente estava juridicamente subordinado ao recorrido, o exercício das mesmas funções anteriormente à celebração do contrato de trabalho escrito, integrado numa equipa, exercendo as funções no lugar onde a equipa funciona e cumprindo horário, isto é, disponibilizando afinal o seu tempo de trabalho, a sua força de trabalho por um período de tempo, permite perceber também a subordinação jurídica ao recorrido no quadro do início das funções, anteriores à celebração do contrato de trabalho escrito. A circunstância do recorrente ser pago através de recibos verdes não altera a natureza do contrato. 
Consideramos portanto que nos termos do artº 1152º do Código Civil e do artº 1º do Código do Trabalho aprovado pelo DL 49.408 de 24.11.1969, aplicável ao tempo do início de funções do recorrente (que aliás a Lei 99/2003 veio confirmar e reforçar através dos indícios constantes do seu artº 12º, e designadamente das alíneas a) b) e e)) recorrente e recorrido celebraram um contrato de trabalho. 
Este contrato tem de considerar-se celebrado por tempo indeterminado, não se tendo provado que tivesse revestido forma escrita, precisamente porque esta forma era exigida, ao tempo, pelo artº 42º do DL 64-A/89 de 27.2, sob pena de ser o contrato considerado como celebrado por tempo indeterminado, conforme nº 3 da versão original deste artigo.

Contrariamente ao que defende o Ministério Público nos autos, o contrato inicialmente celebrado entre as partes não é um contrato de prestação de serviços a que se devesse aplicar a regra da nulidade. É a execução do contrato, e não o seu nomem juris, quer esse nome resulte dalgum documento escrito quer da designação que as partes lhe dão nos seus articulados, que determina a natureza jurídica do contrato. 
Deste modo, não há que falar em nulidade do contrato de prestação de serviços por ter sido celebrado fora dos casos legalmente permitidos. Veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 10.12.2009, no processo 6/08.1TTPTG.S1 que se pode consultar em www.dgsi.pt do qual transcrevemos o seguinte trecho: “
“3.3. É certo que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, determina que «[s]ão nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução» (n.º 6) e prevê um regime específico destinado a sancionar a celebração de contratos de prestação de serviços fora do regime legalmente instituído, fazendo recair sobre os dirigentes que os celebrem ou autorizem, a responsabilidade civil e disciplinar pela prática de actos ilícitos, bem como a responsabilidade financeira, que se efectiva através da entrega nos cofres do Estado do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado (n.ºs 7 e 8).
Acresce que o acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Novembro de 2006, proferido no Processo n.º 1544/06, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, como documento n.º SJ200611080015444, decidiu que, em consequência da declaração de nulidade do contrato de prestação de serviço firmado por parte da Administração, «o trabalhador não pode reclamar quaisquer diferenças salariais ou direitos estatutários que se não compreendam no quadro jurídico do contrato efectivamente celebrado, do mesmo modo que não pode exigir quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato, que pudessem derivar da diversa qualificação jurídica atribuível à relação contratual», sendo que «[a] única sanção estabelecida para a indevida celebração de contratos de prestação de serviços, por parte da Administração, é a prevista nos nºs 6 e 7 do citado artigo 10.º, que faz recair sobre os dirigentes que celebrem ou autorizem a celebração desses contratos a responsabilidade civil e disciplinar pela prática dos actos ilícitos, com a consequente cessação da respectiva comissão de serviço, bem como a correspondente responsabilidade financeira, efectivada através da entrega nos cofres do Estado do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado».
Todavia, esta orientação jurisprudencial foi, entretanto, abandonada.
Conforme é afirmado no recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Setembro de 2009, Processo n.º 4646/06.5TTLSB.L1.S., da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, «não se afigura que deva ser objecto de cobrança de aplicação ao caso o dispositivo constante do n.º 6 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, em termos de ser interpretado no sentido de os efeitos do contrato celebrado entre as partes, uma vez declarado ele nulo, se haverem de ter como válidos relativamente ao tempo em que esse contrato esteve em execução, mas reportados à espécie contratual que deflui do nomen nele aposto, pois que, em verdade, o que se passou foi a celebração, desde o início, de um contrato de trabalho entre a autora e o réu».
De facto, tendo-se concluído que a relação contratual estabelecida entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho, não tem aplicação, no caso sujeito, o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, pelo que improcedem as conclusões IV) a VI) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.”

A celebração em 2001 do contrato que constitui o documento nº 1 com a p.i., intitulado contrato de trabalho a termo certo, não teve, perante a pendência dum contrato de trabalho indeterminado, a virtualidade de o revogar tacitamente, uma vez que a revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo estava então sujeita ao condicionalismo previsto no artº 8º do DL 64-A/89 de 27.2, ou seja, a declaração negocial de cessação por mútuo acordo do contrato de trabalho tinha de constar expressamente de documento escrito, escrito que só ele podia assegurar a consciência e a esclarecida vontade de ambas as partes nos efeitos de tal declaração decorrentes. 
Deste modo, há que considerar as partes vinculadas ab initio por um contrato de trabalho por tempo indeterminado e tirar daí as consequências necessárias, o que prejudica as outras questões do recurso, designadamente saber se o contrato a termo se tem de considerar celebrado por tempo indeterminado devido à incorrecta identificação da entidade patronal ou devido a ter durado 7 anos, e fica ainda prejudicada a questão de saber se não se verificou a condição de que dependia o termo do contrato. 

Porém, ao tempo da contratação por tempo indeterminado, em Março de 2008, em matéria de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública vigorava a disciplina estabelecida pelos DL 184/89, de 2 de Junho, posteriormente alterado pela Lei 25/98, de 26 de Maio, e pelo DL 427/89, de 7 de Dezembro, diploma este posteriormente alterado pelo DL 218/98, de 17 de Junho, que não era admitia a contratação sem termo na Administração Pública, quer fosse uma contratação tácita, a contratação originária ou a contratação por conversão.
Deste modo, o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre as partes, é nulo, por força do disposto no artº 294º do Código Civil. 
Com a entrada em vigor da Lei 23/2004, de 22.6, coloca-se a questão de saber – face ao disposto no artº 118º, nº 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, vigente ao tempo da entrada em vigor da Lei 23/2004, seguindo aliás a disciplina que já constava do artº 17º da LCT, que dispõe “Cessando a causa da invalidade durante a execução do contrato, este considera-se convalidado desde o início”, se esta nulidade se convalidou. 
Sufragando as suas razões, transcrevemos o Acórdão desta Relação proferido em 22-02-2010, que se pode consultar sob o nº RP20100222385/08.0TTOAZ.P1 em www.dgsi.pt: “A contratação da A., à luz da Lei 23/2004, continua a não obedecer aos requisitos legais exigidos, quer porque, enquanto contratação por tempo indeterminado, não foi reduzida a escrito e não observando, ou não resultando dos autos que haja observado (sendo que, nos termos do art. 342º, nº 1, do Cód. Civil, à A. competia o ónus de alegação e prova dos factos correspondentes), o prévio processo concursório e a existência e limites do quadro de pessoal (cfr. art. 7º, nºs 1 e 4) (…)
E, não fosse o réu o Estado, mas sim uma entidade privada, dúvidas não restariam de que o contrato de trabalho existente entre as partes deveria ser considerado como sendo por tempo indeterminado, nada obstando a que, em caso de ilicitude do despedimento, a A. fosse reintegrada.
Em nossa e salvo melhor opinião, tal não é, contudo, possível no caso em apreço, ainda que no âmbito do citado diploma.
Vejamos porquê.
Para além do art. 8º, nº 3, e 10º, nº 2, da Lei 23/2004 determinarem, respectivamente, a nulidade do contrato de trabalho não reduzido a escrito e a não conversão do contrato a termo em contrato de trabalho sem termo, entendemos que um outro impedimento existe.
Com efeito, (…) o art. 5º do citado diploma sujeita a contratação por tempo indeterminado a um processo prévio de selecção subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos, exigência essa que mais não visa do que dar cumprimento ao comando constitucional constante do art. 47º, nº 2, da CRP, nos termos do qual “2 – Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, na interpretação constante que dele tem sido feita pelo Tribunal Constitucional.
Como é sabido, sobre a querela jurídica relativa à questão da convertibilidade do contrato de trabalho a termo em sem termo no seio da Administração Pública, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão, com força obrigatória geral, nº 368/2000, (DR I Série-A, de 30.11.00), pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade do art. 14º, nº 3, do então DL 427/89 (na redacção anterior ao DL 218/98), “na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no nº 2 do artigo 47º da Constituição”. E, no que concerne aos institutos públicos, também o referido Tribunal, no Acórdão nº 61/2004 (DR, 1ª Série-A, de 27.02.04), declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do art. 22º do DL 342/99, de 25 de Agosto, que cria o Instituto Português de Conservação e Restauro, “na medida em que admite a possibilidade de contratação do pessoal técnico superior e do pessoal técnico especializado em conservação e restauro mediante contrato individual de trabalho, sem que preveja qualquer procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade, (…)”, também por violação do nº 2 do art. 47º da Constituição.
No mesmo sentido aponta, igualmente o Acórdão do STJ de 26.11.08, in www.dgsi.pt (Processo 08S1982) que, transcrevendo o acórdão do TC nº 683/99 (cfr., de modo idêntico, o Acórdão do TC 61/2004), refere o seguinte:
“(…) 
Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (…).
É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47.º, n.º 2, não proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente em valores com relevância constitucional – como exemplos pode referir-se a preferência no recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto do outro (assim G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). Poderá discutir-se se do princípio consagrado no artigo 47.º, n.º 2, resulta, como concretização dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de acesso (em regra, de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente meritocráticos, ou se pode conceder-se preferência a candidatos devido a características diversas das suas capacidades ou mérito, desde que não importem qualquer preferência arbitrária ou discriminatória – assim, por exemplo, o facto de serem oriundos de uma determinada região, ou de terem outra característica (por exemplo, uma deficiência) reputada relevante para os fins prosseguidos pelo Estado.
Seja como for, pode dizer-se que a previsão da regra do concurso, associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função pública, funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à capacidade dos candidatos (…).
E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, um direito de acesso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits., anotação XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e seguintes). 
Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.; Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153-4).».
E, sobre o conceito de função pública para efeitos do art. 47º, nº 2, da CRP discorre o Acórdão do TC 61/2004, nos seguintes termos:
“Seguindo, uma vez mais, a argumentação desenvolvida no Acórdão nº 406/2003, recordar-se-á que uma solução intermédia parece ser defendida por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a ed., Coimbra, 1993, p. 264, n. VIII ao artigo 47º): «A definição constitucional do conceito de função pública suscita alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis ordinárias utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais) defendidos para a sua caracterização material.
Todavia, não há razões para contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo da expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, Região Autónoma, autarquia local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório.»
No entanto, Vital Moreira, mais tarde, viria a pronunciar-se em sentido mais amplo («Projecto de lei quadro dos institutos públicos — Relatório final e proposta de lei quadro», grupo de trabalho para os institutos públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, Fevereiro de 2001, nº 4, p. 50, nota ao artigo 45º), adoptando uma posição que tem também sido defendida pelo Tribunal Constitucional, ao ponderar que:
«No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de trabalho, nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.
No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de ‘gestão privada’, ou seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266º, nº 2, da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do pessoal.
Além disso, estabelecendo a Constituição que ‘todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso’ (CRP, artigo 47º, nº 2), seria naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade.»
Estas últimas considerações afiguram-se inteiramente procedentes, principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato individual de trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um serviço público personalizado.
Com efeito, a exigência constitucional de «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso» apresenta duas vertentes.
Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por outro lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que «os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público» (nº 1 do artigo 269º da CRP). Na verdade, procedimentos selecção e recrutamento que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a necessidade de actuação «com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» (nº 2 do artigo 266º da CRP).
Esta perspectiva é particularmente importante quando se trate de recrutamento e selecção de pessoal para entidades que exerçam materialmente funções públicas, como acontece com o IPCR (cf., supra, nº 4.1).
(…)
Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de acesso.”.
Tais considerações, tecidas no âmbito de uma entidade que tinha a natureza de instituto público, têm inteira aplicação, até por maioria de razão, no domínio da administração directa do Estado.
Ou seja, e pese embora, desde a Lei 23/04, seja possível, no seio da Administração Pública, o contrato individual de trabalho sem termo, da conjugação da doutrina constante dos dois citados acórdãos (cfr., também no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processo nº 1846/06.1YRCBR.S1) é, em nossa e salvo melhor opinião, possível concluir-se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do artº 47º, nº 2, da CRP, da interpretação segundo a qual seria permitida, no seio da Administração Pública, a contratação sem termo, seja tácita, originária ou por conversão, sem prévio processo de recrutamento de candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade.
(…)
Embora a propósito da Lei 23/04, mas cujas considerações são transponíveis para o caso, nas conclusões IV, V e VI do sumário do Acórdão do STJ de 26.11.08, já citado, refere-se que:
IV – A contratação nos termos da Lei n.º 23/2004, exige que a celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado observe a forma escrita, sob pena de nulidade (artigo 8.º), que exista, para o efeito, por parte das pessoas colectivas públicas que contratam, um quadro de pessoal próprio e a contratação seja feita nos limites desse quadro (artigo 7.º), e que exista um processo prévio de selecção, de que se destaca a publicitação da oferta de trabalho e a decisão de contratação fundada em critérios objectivos de selecção (artigo 5.º).
V – Cabe ao trabalhador, como facto constitutivo do direito a ser considerado trabalhador por tempo indeterminado, a alegação e prova de que o acordo de vontades fonte da relação laboral que vigorou entre as partes foi reduzido a escrito, que houve o processo prévio de recrutamento e selecção com vista à sua contratação e que no organismo público que o contratou existia o referido quadro de pessoal próprio.
VI – Não tendo sido feita a prova desses factos, não pode o contrato de trabalho por tempo indeterminado, nulo, convalidar-se por força da entrada em vigor da Lei n.º 23/2004.
Assim sendo, entendemos que, no caso e sob pena de violação do disposto nos artºs 47º, nº 2, da CRP, a conversão da contratação a termo em contrato de trabalho sem termo (ou a convalidação de eventual nulidade da contratação da A.) não é possível”.

Temos pois, em conclusão, que o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre as partes é nulo, nulidade que, nos termos do artº 286º do Código Civil ora se declara. 
Em 14 de Maio de 2008 o Autor recebeu a notificação da cessação do contrato de trabalho por caducidade, nos termos do documento nº 3 com a p.i., a fls 16 e 17.
Tal notificação consubstancia, nos termos do artº 429º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, um despedimento ilícito, porque não precedido de processo disciplinar ou de extinção do posto de trabalho nos termos legalmente previstos, e mesmo que se entendesse que se tratava de caducidade por extinção ou encerramento (discutível do ponto de vista do recorrente por não sido ainda apresentado o relatório final a que se refere a cláusula 3ª do contrato de trabalho celebrado em 2001) sempre não teria sido observado o processo previsto nos artigos 390 nº 3 e 419 e seguintes do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, aplicável ao caso dada a data da notificação referida.
Dispunham os artigos 15º da LCT e 115º, nº 1, e 116º, nº 1, do CT que o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução e que aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato. 
Sobre os efeitos da cessação ilícita do contrato, voltamos a sufragar as razões expressas no Acórdão desta Relação acima transcrito: “Estamos, assim, perante um caso em que, no âmbito de uma relação laboral nula e antes de ter ocorrido a declaração dessa nulidade, foi perpetrado um despedimento ilícito (…).
Como se refere no Acórdão desta Relação de 18.06.07, proferido na Apelação 1040/06.4., «os arts. 115º, nº 1, e 116º, nº 1, do CT correspondem ao preceituado no art.15º, n.ºs 1 e 3, da LCT, no âmbito dos quais, e no que concerne à articulação entre a invalidade do contrato de trabalho e as normas que disciplinam a extinção do mesmo, mormente em caso de despedimento ilícito ocorrido antes de ser declarada a nulidade, se vinha entendendo que se não poderia ordenar a reintegração do trabalhador, consequência natural desse tipo de despedimento, e simultaneamente declarar a invalidade do contrato. 
E, por isso, a questão colocava-se somente no que diz respeito à determinação do termo da indemnização e outros efeitos decorrentes do despedimento ilícito, como é o caso dos salários intercalares, que seriam assim de manter.»
Nesse sentido se pronunciou Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 2002, pág. 424, segundo o qual “Se, não obstante a invalidade do contrato, uma das partes tiver posto termo ao negócio jurídico com base noutra causa que não a invalidade, por exemplo despedimento, encontram aplicação as regras de cessação do contrato de trabalho. Assim, se num determinado contrato de trabalho nulo, o empregador não invocar a invalidade e despedir o trabalhador, há o dever de pagar uma indemnização, nos termos gerais do art. 13 da LCCT. Por outras palavras, aplicam-se as regras do despedimento como se o contrato fosse válido, sendo devida indemnização no termos gerais”. 
E, na mesma linha, se pronunciou, também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.09.2002, in www.dgsi.pt (Proc. nº 02S1366), o qual analisa, aprofundamente, as consequências da ilicitude de despedimento levado a cabo antes da declaração da nulidade do contrato de trabalho, aresto esse em que, para além do mais que dele consta, se entendeu, conforme nele sumariado, que:
I - Tendo a sentença, que declarou a ilicitude do despedimento do autor, simultaneamente declarado a nulidade do contrato de trabalho, por considerar que o seu objecto era contrário à lei, mas tendo, por aplicação do disposto no n. 3 do artigo 15. do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), condenado a ré a pagar a indemnização de antiguidade e os salários intercalares, se a ré interpõe recurso de apelação sustentando que, por força da declarada nulidade do contrato, não são devidos nem aquela indemnização nem estes salários, forma-se caso julgado sobre a decisão que declarou a nulidade do contrato se o autor não a impugna, quer através de recurso subordinado, quer nas contra-alegações relativas à apelação da ré, ao abrigo do n. 1 do artigo 684-A do Código de Processo Civil.
II - A remissão do citado n. 3 do artigo 15 para o regime da cessação do contrato de trabalho constante da LCT vale actualmente como remissão para o Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que é, assim, aplicável aos actos extintivos (no caso, despedimento) de contratos inválidos, ocorridos antes da declaração de nulidade ou da anulação, com as necessárias adaptações.
III - Uma dessas adaptações resulta da inviabilidade de o tribunal determinar a reintegração do trabalhador despedido, pois o tribunal não pode impor a manutenção de um contrato declarado nulo; porém, esta inviabilidade da reintegração não afecta o direito à indemnização de antiguidade (desde que por esta o trabalhador tenha optado) e aos salários intercalares, entendendo-se que o período de tempo em que o trabalhador esteve impedido de prestar a sua actividade por facto imputável à entidade patronal (despedimento ilícito) deve ser considerado como período de execução do contrato.
IV - O termo final a considerar para efeitos do cálculo da indemnização de antiguidade e dos salários intercalares, quando a entidade patronal haja invocado a nulidade do contrato antes da prolação da decisão judicial que decretou a ilicitude do despedimento e essa invocação haja sido julgada procedente pela mesma decisão, é, não a data desta decisão, mas a data em que aquela invocação foi notificada ao trabalhador”.

No caso presente, não sendo possível a reintegração e não tendo o recorrente optado pela indemnização de antiguidade, uma vez que na petição inicial pediu a reintegração ou a indemnização se por ela viesse a optar, o que não fez, considerando o principio do dispositivo e o disposto no artº 661º, nº 1, do CPC, não pode o Tribunal condenar o R. a pagar a indemnização de antiguidade, sendo certo que, por via da cessação da relação laboral, cessou a natureza indisponível dos créditos laborais, e não se pode apelar aos poderes oficiosos do tribunal, uma vez que estes, em matéria que está na disponibilidade das partes, têm como limite o princípio do dispositivo.
Deste modo, e nos termos do artº 436º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, o recorrente apenas tem direito à compensação a que se refere o artº 437º do mesmo diploma. 
A presente acção deu entrada em 2.9.2008 pelo que o recorrente tem direito às retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores a esta data e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo. Até à prolação deste acórdão, decorreram 29 meses e 29 dias, sendo ainda devidos o subsídio de Natal de 2008, o subsídio de férias e o subsídio de Natal de 2009 e 2010, e a retribuição de férias e o subsídio de férias vencidos em 1.1.2011, acrescendo 1/12 avos de subsídio de Natal de 2011 (artigos 437º, 254º nº 1 e 2 al. b), 211º, 212º e 255º, todos do CT), o que perfaz, atendendo à retribuição à data da cessação do contrato, a quantia de €63.037,23 e à qual acrescem juros de mora desde a data do vencimento de cada retribuição e até integral pagamento, acrescendo ainda as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão final do processo. 
A esta quantia e também com juros de mora desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento, acresce a retribuição de 19 dias de trabalho em Abril de 2008 e de 14 dias de trabalho em Maio de 2008, não paga, no valor global de €1.871,43. 

IV. Decisão

Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão, em que decidem: 
1) Declarar a existência, entre o recorrente e o recorrido, de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, entre Março de 1998 e 14 de Maio de 2008;
2) Declarar a nulidade desse contrato de trabalho por tempo indeterminado.
3) Declarar ilícito o despedimento do recorrente.
4) Condenar o recorrido, Estado Português, a pagar ao recorrente: 
4.1) a quantia de €63.037,23 (sessenta e três mil e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos) relativa à compensação a que se refere o artº 437º do Código do Trabalho, e à qual acrescem juros de mora desde a data do vencimento de cada retribuição e até integral pagamento, acrescendo ainda as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão final do processo;
4.2) a quantia de €1.871,43 (mil oitocentos e setenta e um euros e quarenta e três cêntimos) relativa às retribuições não pagas dos dias de trabalho prestados em Abril e Maio de 2008, acrescida de juros de mora à taxa legal desde estas datas e até integral pagamento.

Custas pelo recorrido. 

Porto, 7.2.2011
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares (votei a decisão)
_______________
Sumário: 
I. Provando-se o início de funções quase dois anos antes da celebração de contrato de trabalho a termo, o contrato considera-se celebrado desde o início como contrato por tempo indeterminado. 
II. No domínio do DL 427/89, de 07.12 era proibida a celebração, pelo Estado, de contrato de trabalho por tempo indeterminado, o que produz a nulidade do contrato celebrado entre as partes, nos termos do artº 294º do Código Civil. 
III. Não se verifica a convalidação da nulidade por força da superveniência da Lei 23/04, de 22.06 que veio admitir, no seio da administração Pública, o contrato de trabalho sem termo, uma vez que não foram observados, no caso, os diversos requisitos a que tal contratação está sujeita, designadamente a observância de prévio processo de selecção. 
IV. Como consequência do despedimento ilícito, o trabalhador tem direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao momento em que a nulidade do contrato é declarada oficiosamente pelo tribunal.
V. A nulidade do contrato de trabalho impede a reintegração e o trabalhador tem direito a indemnização de antiguidade se por ela tiver optado efectivamente, não cabendo ao Tribunal substituir-se-lhe se o não tiver feito.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil). 

Eduardo Petersen Silva

Processo nº 544/08.6TTOAZ.P1 Apelação – 1ª Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 14) Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1487) Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, economista, residente em …, interpôs a presente acção declarativa de condenação contra o Estado Português, Secretário de Estado da Juventude e Desporto, pedindo a declaração de nulidade do seu despedimento, por força da rescisão ilícita do seu contrato de trabalho a tempo indeterminado, e a condenação dos RR. a reintegrarem-no no seu posto de trabalho ou a pagarem-lhe uma indemnização por antiguidade, se por ela vier a optar, bem assim a respectiva condenação no pagamento de todas as prestações vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, acrescidas de juros, e ainda o pagamento de €25.000,00 de danos morais decorrentes do despedimento. Subsidiariamente, pediu que seja declarado nulo e de nenhum efeito o seu despedimento por rescisão ilícita do seu contrato de trabalho a termo incerto, e que sejam os RR. condenados a pagar ao A. todas as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão, se o termo ocorrer posteriormente, e neste caso ainda, na sua reintegração. Mais pediu que sejam os RR. condenados a pagar compensação pela caducidade do contrato, cuja liquidação relega para a execução de sentença, com dedução dos valores já transferidos à ordem do A. pelos RR. Pede ainda que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €1.361,28 devida pelo atraso na emissão de declaração de pedido de subsídio de desemprego, e que sejam condenados a pagar €25.000,00 de danos morais decorrentes do despedimento ilícito. Alegou, em síntese, que por contrato de trabalho a termo certo foi admitido ao serviço pelos RR. em 1 de Janeiro de 2001, para exercer funções de apoio técnico ao Administrador do C… – e à respectiva comissão técnica, com a categoria de Técnico Especialista Principal, sendo certo que iniciou funções em Março de 1998, a título de prestação de serviços vulgo “recibos verdes”. O contrato nunca foi objecto de comunicação de não renovação por parte dos RR., tendo-se mantido ininterruptamente até 14.5.2008. Os RR. violaram o disposto na lei de trabalho, nomeadamente no artº 139º do CT, ao celebrar um contrato a termo certo, sem o justificativo previsto para a celebração do mesmo constante do artº 129º do CT. Por outro lado, não fora o decurso excessivo do prazo para a admissibilidade do contrato a termo, sempre se poderia dizer que o mesmo é nulo na medida em que não é a exacta designação do nome ou demominação da entidade patronal – o “Estado” ou “Ministério ou Secretaria de Estado” – pois o “D…” não tem personalidade jurídica nem judiciária, o que obriga à consideração do contrato como por tempo indeterminado. Em 14.5.2008 o A. foi notificado da intenção dos RR., através do Secretário de Estado da Juventude e Desporto, por delegação na Presidente do Instituto Português da Juventude, de proceder ao seu despedimento, invocando a cessação por caducidade do contrato, com efeitos desde 11.4.2008. Tal cessação por caducidade foi fundamentada na extinção do D1…, delegação do Instituto Português de Juventude, aqui RR. Esta caducidade não se verifica uma vez que se encontra previsto na cláusula 3ª do contrato que o mesmo vigorará pelo período de vigência do III quadro comunitário de apoio, incluindo o período necessária à apresentação do relatório final, que não foi ainda apresentado. Os RR. deduziram valores na remuneração de Abril e Maio sendo devedores deles, bem como de proporcionais de subsídio de férias e de Natal, e de férias. Em virtude da demora na emissão da declaração para efeitos de atribuição de subsídio de desemprego, os RR. lesaram o A. no valor de perda de subsídio de desemprego em virtude da sua não apresentação imediata. Contestou o Estado, impugnando os factos de que não tem conhecimento, admitindo que o A. tenha colaborado com o Instituto Português da Juventude, como consultor, em regime de prestação de serviços durante dois meses em 1998, defendendo a validade do contrato de trabalho celebrado e a sua cessação por caducidade. O A. respondeu à contestação, pronunciando-se sobre a caducidade invocada pelo R. Foi proferido despacho saneador em que se considerou que se encontra apenas demandado o Estado, e em que se dispensou a fixação de base instrutória. Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova produzida, no final do qual foi proferido o despacho sobre a matéria de facto provada e foi então proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, condenando o R. a pagar ao A. a quantia de €2.494,84 e absolvendo-o dos demais pedidos. O A. veio requerer a anulação do julgamento por terem ficado inaudíveis nos registos áudio as perguntas da sua mandatária a duas testemunhas, requerendo ainda a suspensão do prazo para a apresentação das alegações de recurso. Foi proferido despacho a considerar que se tratava duma nulidade sanável e que para a sua sanação bastava repetir os depoimentos, o que foi efectivamente feito, tendo no final da sessão sido proferido despacho a considerar sanada a nulidade e a determinar que se reiniciasse a partir de então o prazo para o recurso da sentença. Inconformado com a sentença, o A. interpõe recurso formulando a final as seguintes conclusões: A) Salvo melhor entendimento, e com o devido respeito que a douta sentença recorrida nos merece, entende o A./Recorrente que a sentença em análise faz uma errónea apreciação da matéria de facto o que determinou um incorrecto enquadramento da matéria de direito. B) A douta sentença proferida ao dar como provado que: “… Em Março de 1998 o A. passou a prestar serviços ao IPJ – Instituto Português da Juventude…” ignorou a prova testemunhal efectuada, já que a este respeito foram unânimes os depoimentos prestados quer pelas testemunhas arroladas pelo A./Recorrente, quer ainda as arroladas pelo R./Recorrido. C) Resulta claro de tais depoimentos, que o IPJ tinha como função apenas proceder ao pagamento dos salários do A. e dos demais colegas de trabalho. Nunca o A. teve com esta entidade qualquer vínculo laboral ou nela prestou serviços a qualquer título. D) Além de que não restam dúvidas de que a prestação de trabalho do A., não pode deixar de ser considerada como uma verdadeira relação de trabalho subordinado com o R., a qual teve início em Março 1998. E) Atesta para este último efeito, a prova documental que o A. junta aos autos (doc.2 junto à p.i.) que prova que a data de início da sua contratação foi efectivamente Março de 1998, e que o A. era pago através de recibos verdes emitidos ao IPJ, sem que houvesse correspondência entre a natureza da prestação de trabalho neles declarada e a efectiva natureza da sua prestação de trabalho subordinado. F) Tal prestação de trabalho subordinado do A. decorreu a coberto de uma estrutura/projecto criado no âmbito do II quadro Comunitário (1993-2000) denominada “C…” a qual remetia os encargos inerentes ao seu funcionamento para o IPJ, nomeadamente os pagamentos relativos às remunerações dos seus trabalhadores. H) (o recorrente saltou a alínea G) Facto este admitido pelo R. e constante de documento carreado por este para os autos reportado a Fevereiro de 2007, denominado “Inventário e Cadastro” (doc.4, fls. 4). I) Em face do exposto, ficou inquestionavelmente provado que a prestação de trabalho in casu constituía uma autêntica relação de trabalho subordinado, levada a cabo no período compreendido entre Março de 1998 e Maio de 2008. J) E contrariamente ao que se defende na douta sentença, ao contrato do A. não poderá ser aplicado o regime especial previsto no DL 54-A/2000, nomeadamente o disposto no seu artº 46º nº 3, onde se prevê que a caducidade do mesmo fica dependente da extinção da respectiva estrutura, porque é posterior ao início da relação laboral do A. com o R. L) A decisão in casu, baseada no tratamento jurídico de excepção aplicado ao R./Estado Português, muito se distancia dos normativos nacionais consagrados na Lei Geral do Trabalho em vigor para as demais relações laborais privadas e ainda dos princípios estabelecidos na Directiva 1990/70/CE já transporta para o ordenamento jurídico português. M) Na medida em que quer o DL 427/89 de 7 de Dezembro, quer a Lei 23/2004 de 22 de Junho, não consagram medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso de celebração de contratos de trabalho a termo, e como tal não cumprem os objectivos impostos por aquela Directiva. N) Neste mesmo sentido, pronunciou-se favoravelmente o douto Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 3.12.2007, pelas razões aí aduzidas entre as quais o entendimento vertido no acórdão de 4.72006 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (vide http://www.dgsi.pt). O) Sem prescindir, e na hipótese do entendimento supra perfilhado não colher provimento, sempre se teria de considerar que relativamente à matéria controvertida que aqui releva, ou seja, se ocorreu despedimento ilícito do contrato a termo celebrado entre as partes, em face do teor do respectivo termo aposto, parece-nos inegável que a sentença recorrida interpreta de forma incorrecta o seu conteúdo. P) A declaração constante de fls. 16 e 17 junto aos autos, a comunicar a caducidade do contrato de trabalho a termo com efeitos a 11 de Abril de 2008, só foi notificada ao A. em 14 de Maio de 2008, pelo que sendo esta uma declaração receptícia só produz efeitos jurídicos a partir desta última data, ou seja, só produz efeitos no momento em que o A. tomou efectivo conhecimento da decisão do R. Q) Ora esta decisão do R. constituiu um verdadeiro despedimento ilícito, na medida em que o A. ficou impedido de continuar a exercer a sua actividade, por acto unilateral de vontade e sem se ter verificado o facto do qual dependia o direito daquele, Estado Português, de fazer caducar o contrato de trabalho a termo. R) Esta situação corresponde a um despedimento de facto, consequentemente o despedimento em causa terá de considerar-se ilícito, por não ter sido precedido de um processo disciplinar, nos termos do artº 429º alínea a) do CT. S) Ainda, a douta sentença proferida omitiu o preceituado nos art. 342º nº 3 do C.C. relativamente à produção da prova a realizar e à incumbência de tal ónus. T) Entendeu o tribunal a quo que no clausulado em análise, a menção efectuada ao “relatório final” teria de se entender como o relatório final a apresentar pela respectiva estrutura e não o relatório final a apresentar pelo Estado Português junto das competentes autoridades europeias, contrariamente ao alegado pelo A. U) Mais entendeu, que o termo do contrato em causa a verificar-se com a apresentação do relatório final da estrutura, teria de o ser na estrita medida da necessidade de colaboração do A. na respectiva elaboração. V) Resulta inequívoco dos autos que o R. não logrou provar documental ou testemunhalmente que procedeu à elaboração ou apresentação de um “qualquer relatório”. X) Assim terá forçosamente de concluir-se que não se verificou a condição resolutiva de que dependia o termo do contrato de trabalho outorgado entre as partes. Z) Concluindo a sentença recorrida traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei, dando provimento ao presente recurso. Contra-alegou o Ministério Público pronunciando-se no sentido do recurso não merecer provimento e concluindo que tinha sido feita correcta apreciação da prova e do direito, que o contrato de prestação de serviços celebrado entre o A. e o Estado tinha sido validamente outorgado e que da sua execução e cessação não decorria qualquer obrigação de pagamento de qualquer crédito; que a entender-se que esse contrato tinha em vista a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica o mesmo seria nulo, por força dos artigos 294º do C.C. e 10º nº 6 do DL 184/89, porque celebrado fora dos casos imperativamente previstos neste último preceito; o contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 1.1.2001 foi validamente outorgado e em consonância com o preceituado no artº 46º nº 2 al. c) do DL 54-A/2000 de 7.4; tal contrato cessou em 14.5.2008 por caducidade com a notificação ao A. de que o D1…. foi extinto pelo DL 202/2006 de 27.10 e que por via disso, se procederam às necessárias diligências para liquidação do serviço e seu encerramento, as quais foram consideradas findas pelo Despacho nº 10696/2008 de 31.3. O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação não emitiu parecer. Corridos os vistos legais cumpre decidir. II. Matéria de facto A matéria de facto que vem provada da 1ª instância é a seguinte: 1) O Secretário de Estado da Juventude e Desporto tem a seu cargo a concretização das políticas governamentais na área da juventude, tutelando e superintendendo, desta forma o Instituto Português da Juventude. 2) Tais políticas consubstanciam-se no apoio e dinamização do empreendedorismo jovem. 3) Foi com esse objectivo que foi criado o E…, bem como depois, foram constituídas as respectivas comissões técnicas, definidas como estruturas de apoio técnico. 4) Com o objectivo de dar continuidade à prossecução desse apoio a jovens empresários surgiu o E…. 5) Em Março de 1998 o Autor passou a prestar serviços no IPJ. 6) O Autor e F… a outorgar em representação do D1…, subscreveram, em 01.01.2001 o contrato cujo teor é de fls. 12 a 14 e, por economia, aqui se dá por integralmente reproduzido, para vigorar pelo período de duração do III Quadro Comunitário de Apoio, incluindo o período necessário à apresentação do relatório final. 7) Em 14 de Maio de 2008 o Autor recebeu a “notificação” cujo teor é o de fls. 16 e 17 e, por economia, aqui se dá por integralmente reproduzido. 8) Desde a outorga do contrato referido em 6) e até à data referida em 7), o Autor deu apoio técnico ao Administrador do D1… e à respectiva comissão técnica, analisando processos e projectos de candidatura ao sistema, apoio aos promotores e promoção de entrevistas e esclarecimentos. 9) O que fez na G…, sita na “…l”, Rua …, Porto, e posteriormente, a partir de data não concretamente apurada, nas instalações da Delegação Regional do Norte do IPJ. 10) O contrato referido em 6) nunca foi objecto de comunicação de não renovação. III. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são: a) saber se a matéria de facto deve ser alterada; b) saber se o contrato do A. deve ser considerado um contrato de trabalho por tempo indeterminado: 1) porque se iniciou sob a capa duma prestação de serviços; 2) porque a entidade que figura como entidade patronal no contrato de trabalho não se encontra correctamente identificada; 3) porque o contrato se renovou durante 7 anos; c) saber se, considerado o contrato de trabalho como a termo incerto, não se verificara a condição de que dependia o termo à data em que foi comunicada a cessação do mesmo por caducidade. a) O recorrente cumpriu o disposto no artigo 685º-B do CPC, nada obstando ao conhecimento da impugnação da matéria de facto. A reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova. Muitos são os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante imediação. Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao tribunal da Relação se reporta, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova, deverá ela ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível (reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que apenas são, ou melhor são, perceptíveis pela 1ª instância. À Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns e, bem assim, ponderando embora as referidas limitações, formar também a sua convicção, não bastando, porém, para eventual alteração, diferente convicção do Recorrente quanto à prova testemunhal produzida. Embora o recorrente alegue que provou que não tinha sido entregue o relatório a que aludia a cláusula 3ª do contrato que constitui o documento nº 1 com a petição inicial, esta alegação vem inserta, no recurso, na impugnação da decisão de direito, subordinada ao tema de que a 1ª instância não valorou devidamente o ónus da prova, que no caso era do recorrido e que a sentença entendeu ser do recorrente. O recorrente transcreve parte de depoimento testemunhal para referir que provou a não entrega. Ouvidos os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, não se vê razão para, neste particular, alterar a decisão da matéria de facto (que é omissa quanto ao ponto) uma vez que apesar dos depoimentos das testemunhas do A. referirem a impossibilidade do relatório ser elaborado sem o contributo delas, os depoimentos das testemunhas do R. lançam dúvida sobre se o relatório foi entregue. Não vemos erro particular de apreciação da 1ª instância, pelo que se mantém a decisão de facto como se encontra, isto é, sem que esteja provado que o relatório foi ou não foi entregue. Relativamente ao ponto 5º da matéria de facto, cabe notar antes de mais que a matéria aí constante – “Em Março de 1998 o Autor passou a prestar serviços no IPJ” – é conclusiva e de Direito, pelo que, se não fosse alterada, como veremos, teria de ser eliminada, nos termos do artº 646º nº 4 do CPC. Com efeito, estando este assunto em discussão nos autos, sem a descrição dos concretos serviços prestados e das características pelas quais se pauta a prestação, a afirmação “passou a prestar serviço” é uma conclusão jurídica resultante da submissão dos factos alegados às normas que definem quer o contrato de prestação de serviços quer o contrato de trabalho. Ouvidos os depoimentos testemunhais de H…, assessora, I… e de J…, coordenadores de Porto e Lisboa, colegas, superiores, do A. e que têm processos idênticos contra o Estado, todos eles tendo iniciado funções em estruturas anteriores ao D1… em data anterior à do A., todos eles, com sinceridade, espontaneidade e sem qualquer dúvida nem hesitação depuseram no sentido de que o A. foi começou a desempenhar funções antes do contrato assinado com o D1… que constitui o documento nº 1 com a p.i., e que as funções que executou antes e depois da assinatura desse contrato foram iguais. O depoimento de tais testemunhas permite também saber que essas funções foram conformadas do mesmo modo, com subordinação a um coordenador, com horário, com regime de faltas, com pagamento de subsídio de férias e de Natal. Os depoimentos de K…, Presidente do Instituto Português da Juventude, e de L…, consultora, testemunhas do Réu, nada adiantaram sobre a contratação inicial do A. e sobre o modo como as suas funções foram desempenhadas antes e depois da assinatura do contrato de trabalho que constitui o documento nº 1 com a p.i. e portanto nada contrariaram do depoimento das testemunhas do A., as quais, apesar de terem processos idênticos, demonstraram amplo conhecimento dos factos e apresentaram uma versão inteiramente credível. Não percebemos assim porque razão foi dado como provado que em Março de 1998 o recorrente passou a prestar serviços no IPJ, tanto mais quanto resultou também do depoimento de K… que o IPJ era apenas a entidade pagadora, como aliás resultava também do documento nº 4 junto com a contestação, intitulado inventário e cadastro do D1…, em cujo ponto 1.2 e) se refere “O orçamento da estrutura é suportado pelo IPJ (…)” e em cujo ponto 2.1 “Recursos Humanos”, “Listagem dos Recursos Humanos afectos ao D1…, com indicação da data de início de relação laboral, tendo em consideração o disposto na … e no que ao DL 22/97 concerne:” em tal listagem estando incluído o nome do A. e a data de 1.3.1998, como sendo a data do início da relação laboral. E não percebemos porque a motivação da fundamentação, muito concisa, revela que o tribunal se baseou no depoimento unânime de todas as testemunhas e por isso seguro, relativamente ao local de trabalho e às funções desempenhadas pelo recorrente, e se baseou na prova documental quanto aos demais factos provados: “foi relevante a prova documental junta aos autos que foi contraditoriamente analisada em audiência e faz fé do seu teor que foi, por tal, dado por reproduzido”. Supomos pois que o tribunal se está a referir aos factos sub 6) e 7) e portanto não vemos fundamento, testemunhal nem documental, para ser dado como provado o que consta do ponto 5. Entendemos pois ser caso de alterar a decisão da matéria de facto nesta parte, passando o nº 5 a ter a seguinte redacção: “Em Março de 1998 o A. iniciou o desempenho, integrado em equipa de trabalho, no local desta, cumprindo horário, das funções de apoio técnico ao Administrador do C… e à respectiva comissão técnica, analisando processos e projectos de candidatura ao sistema, apoio aos promotores e promoção de entrevistas e esclarecimentos, tendo sido pago pelo IPJ, até à celebração do contrato referido no nº 6, mediante “recibos verdes”. Por outro lado, resultando provado por acordo tácito nos articulados, adita-se à matéria de facto dois factos: - um facto nº 11 com o seguinte teor: “Em Maio de 1998 a retribuição base do A. era de €1.701,41”; - um facto nº 12 com o seguinte teor: “O R. não pagou a retribuição de 19 dias de trabalho por este prestados em Abril de 2008 e de 14 dias de trabalho por este prestados em Maio de 2008, no valor de €1.871,43”. b) Este facto nº 5, assim conjugado com o facto nº 8, bem como com os nºs 6, e 4, explica uma sucessão de sistemas de incentivo a jovens empresários, com as respectivas estruturas, designadamente comissões técnicas de apoio, e demonstra que o recorrente se integrou nelas, desenvolvendo quer antes quer depois da celebração do contrato a que alude o nº 6, as mesmas funções, em cumprimento de local e de horário. A conjugação dos pontos 5 e 8 da matéria de facto permite assim dar razão ao que o recorrente alegou na petição inicial sobre ter sido contratado por contrato escrito em 2001 (ao abrigo do D1…) mas já ter começado a exercer as funções (de apoio técnico ao Administrador e à comissão técnica) desde Março de 1998 (ao abrigo do C…). Se as funções exercidas após a celebração do contrato de trabalho são as mesmas e se nenhuma dúvida existe que após a celebração do contrato o recorrente estava juridicamente subordinado ao recorrido, o exercício das mesmas funções anteriormente à celebração do contrato de trabalho escrito, integrado numa equipa, exercendo as funções no lugar onde a equipa funciona e cumprindo horário, isto é, disponibilizando afinal o seu tempo de trabalho, a sua força de trabalho por um período de tempo, permite perceber também a subordinação jurídica ao recorrido no quadro do início das funções, anteriores à celebração do contrato de trabalho escrito. A circunstância do recorrente ser pago através de recibos verdes não altera a natureza do contrato. Consideramos portanto que nos termos do artº 1152º do Código Civil e do artº 1º do Código do Trabalho aprovado pelo DL 49.408 de 24.11.1969, aplicável ao tempo do início de funções do recorrente (que aliás a Lei 99/2003 veio confirmar e reforçar através dos indícios constantes do seu artº 12º, e designadamente das alíneas a) b) e e)) recorrente e recorrido celebraram um contrato de trabalho. Este contrato tem de considerar-se celebrado por tempo indeterminado, não se tendo provado que tivesse revestido forma escrita, precisamente porque esta forma era exigida, ao tempo, pelo artº 42º do DL 64-A/89 de 27.2, sob pena de ser o contrato considerado como celebrado por tempo indeterminado, conforme nº 3 da versão original deste artigo. Contrariamente ao que defende o Ministério Público nos autos, o contrato inicialmente celebrado entre as partes não é um contrato de prestação de serviços a que se devesse aplicar a regra da nulidade. É a execução do contrato, e não o seu nomem juris, quer esse nome resulte dalgum documento escrito quer da designação que as partes lhe dão nos seus articulados, que determina a natureza jurídica do contrato. Deste modo, não há que falar em nulidade do contrato de prestação de serviços por ter sido celebrado fora dos casos legalmente permitidos. Veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 10.12.2009, no processo 6/08.1TTPTG.S1 que se pode consultar em www.dgsi.pt do qual transcrevemos o seguinte trecho: “ “3.3. É certo que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, na redacção introduzida pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, determina que «[s]ão nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de actividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução» (n.º 6) e prevê um regime específico destinado a sancionar a celebração de contratos de prestação de serviços fora do regime legalmente instituído, fazendo recair sobre os dirigentes que os celebrem ou autorizem, a responsabilidade civil e disciplinar pela prática de actos ilícitos, bem como a responsabilidade financeira, que se efectiva através da entrega nos cofres do Estado do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado (n.ºs 7 e 8). Acresce que o acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Novembro de 2006, proferido no Processo n.º 1544/06, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, como documento n.º SJ200611080015444, decidiu que, em consequência da declaração de nulidade do contrato de prestação de serviço firmado por parte da Administração, «o trabalhador não pode reclamar quaisquer diferenças salariais ou direitos estatutários que se não compreendam no quadro jurídico do contrato efectivamente celebrado, do mesmo modo que não pode exigir quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato, que pudessem derivar da diversa qualificação jurídica atribuível à relação contratual», sendo que «[a] única sanção estabelecida para a indevida celebração de contratos de prestação de serviços, por parte da Administração, é a prevista nos nºs 6 e 7 do citado artigo 10.º, que faz recair sobre os dirigentes que celebrem ou autorizem a celebração desses contratos a responsabilidade civil e disciplinar pela prática dos actos ilícitos, com a consequente cessação da respectiva comissão de serviço, bem como a correspondente responsabilidade financeira, efectivada através da entrega nos cofres do Estado do quantitativo igual ao que tiver sido abonado ao pessoal ilegalmente contratado». Todavia, esta orientação jurisprudencial foi, entretanto, abandonada. Conforme é afirmado no recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Setembro de 2009, Processo n.º 4646/06.5TTLSB.L1.S., da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, «não se afigura que deva ser objecto de cobrança de aplicação ao caso o dispositivo constante do n.º 6 do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, em termos de ser interpretado no sentido de os efeitos do contrato celebrado entre as partes, uma vez declarado ele nulo, se haverem de ter como válidos relativamente ao tempo em que esse contrato esteve em execução, mas reportados à espécie contratual que deflui do nomen nele aposto, pois que, em verdade, o que se passou foi a celebração, desde o início, de um contrato de trabalho entre a autora e o réu». De facto, tendo-se concluído que a relação contratual estabelecida entre as partes revestiu a natureza de contrato de trabalho, não tem aplicação, no caso sujeito, o disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 184/89, pelo que improcedem as conclusões IV) a VI) e VII), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.” A celebração em 2001 do contrato que constitui o documento nº 1 com a p.i., intitulado contrato de trabalho a termo certo, não teve, perante a pendência dum contrato de trabalho indeterminado, a virtualidade de o revogar tacitamente, uma vez que a revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo estava então sujeita ao condicionalismo previsto no artº 8º do DL 64-A/89 de 27.2, ou seja, a declaração negocial de cessação por mútuo acordo do contrato de trabalho tinha de constar expressamente de documento escrito, escrito que só ele podia assegurar a consciência e a esclarecida vontade de ambas as partes nos efeitos de tal declaração decorrentes. Deste modo, há que considerar as partes vinculadas ab initio por um contrato de trabalho por tempo indeterminado e tirar daí as consequências necessárias, o que prejudica as outras questões do recurso, designadamente saber se o contrato a termo se tem de considerar celebrado por tempo indeterminado devido à incorrecta identificação da entidade patronal ou devido a ter durado 7 anos, e fica ainda prejudicada a questão de saber se não se verificou a condição de que dependia o termo do contrato. Porém, ao tempo da contratação por tempo indeterminado, em Março de 2008, em matéria de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública vigorava a disciplina estabelecida pelos DL 184/89, de 2 de Junho, posteriormente alterado pela Lei 25/98, de 26 de Maio, e pelo DL 427/89, de 7 de Dezembro, diploma este posteriormente alterado pelo DL 218/98, de 17 de Junho, que não era admitia a contratação sem termo na Administração Pública, quer fosse uma contratação tácita, a contratação originária ou a contratação por conversão. Deste modo, o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre as partes, é nulo, por força do disposto no artº 294º do Código Civil. Com a entrada em vigor da Lei 23/2004, de 22.6, coloca-se a questão de saber – face ao disposto no artº 118º, nº 1, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, vigente ao tempo da entrada em vigor da Lei 23/2004, seguindo aliás a disciplina que já constava do artº 17º da LCT, que dispõe “Cessando a causa da invalidade durante a execução do contrato, este considera-se convalidado desde o início”, se esta nulidade se convalidou. Sufragando as suas razões, transcrevemos o Acórdão desta Relação proferido em 22-02-2010, que se pode consultar sob o nº RP20100222385/08.0TTOAZ.P1 em www.dgsi.pt: “A contratação da A., à luz da Lei 23/2004, continua a não obedecer aos requisitos legais exigidos, quer porque, enquanto contratação por tempo indeterminado, não foi reduzida a escrito e não observando, ou não resultando dos autos que haja observado (sendo que, nos termos do art. 342º, nº 1, do Cód. Civil, à A. competia o ónus de alegação e prova dos factos correspondentes), o prévio processo concursório e a existência e limites do quadro de pessoal (cfr. art. 7º, nºs 1 e 4) (…) E, não fosse o réu o Estado, mas sim uma entidade privada, dúvidas não restariam de que o contrato de trabalho existente entre as partes deveria ser considerado como sendo por tempo indeterminado, nada obstando a que, em caso de ilicitude do despedimento, a A. fosse reintegrada. Em nossa e salvo melhor opinião, tal não é, contudo, possível no caso em apreço, ainda que no âmbito do citado diploma. Vejamos porquê. Para além do art. 8º, nº 3, e 10º, nº 2, da Lei 23/2004 determinarem, respectivamente, a nulidade do contrato de trabalho não reduzido a escrito e a não conversão do contrato a termo em contrato de trabalho sem termo, entendemos que um outro impedimento existe. Com efeito, (…) o art. 5º do citado diploma sujeita a contratação por tempo indeterminado a um processo prévio de selecção subordinado aos princípios da publicitação da oferta de trabalho, da igualdade de condições e oportunidades e fundamentação da decisão de contratação em critérios objectivos, exigência essa que mais não visa do que dar cumprimento ao comando constitucional constante do art. 47º, nº 2, da CRP, nos termos do qual “2 – Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”, na interpretação constante que dele tem sido feita pelo Tribunal Constitucional. Como é sabido, sobre a querela jurídica relativa à questão da convertibilidade do contrato de trabalho a termo em sem termo no seio da Administração Pública, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão, com força obrigatória geral, nº 368/2000, (DR I Série-A, de 30.11.00), pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade do art. 14º, nº 3, do então DL 427/89 (na redacção anterior ao DL 218/98), “na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no nº 2 do artigo 47º da Constituição”. E, no que concerne aos institutos públicos, também o referido Tribunal, no Acórdão nº 61/2004 (DR, 1ª Série-A, de 27.02.04), declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do art. 22º do DL 342/99, de 25 de Agosto, que cria o Instituto Português de Conservação e Restauro, “na medida em que admite a possibilidade de contratação do pessoal técnico superior e do pessoal técnico especializado em conservação e restauro mediante contrato individual de trabalho, sem que preveja qualquer procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade, (…)”, também por violação do nº 2 do art. 47º da Constituição. No mesmo sentido aponta, igualmente o Acórdão do STJ de 26.11.08, in www.dgsi.pt (Processo 08S1982) que, transcrevendo o acórdão do TC nº 683/99 (cfr., de modo idêntico, o Acórdão do TC 61/2004), refere o seguinte: “(…) Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (…). É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47.º, n.º 2, não proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente em valores com relevância constitucional – como exemplos pode referir-se a preferência no recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto do outro (assim G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). Poderá discutir-se se do princípio consagrado no artigo 47.º, n.º 2, resulta, como concretização dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de acesso (em regra, de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente meritocráticos, ou se pode conceder-se preferência a candidatos devido a características diversas das suas capacidades ou mérito, desde que não importem qualquer preferência arbitrária ou discriminatória – assim, por exemplo, o facto de serem oriundos de uma determinada região, ou de terem outra característica (por exemplo, uma deficiência) reputada relevante para os fins prosseguidos pelo Estado. Seja como for, pode dizer-se que a previsão da regra do concurso, associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função pública, funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à capacidade dos candidatos (…). E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, um direito de acesso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits., anotação XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e seguintes). Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.; Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153-4).». E, sobre o conceito de função pública para efeitos do art. 47º, nº 2, da CRP discorre o Acórdão do TC 61/2004, nos seguintes termos: “Seguindo, uma vez mais, a argumentação desenvolvida no Acórdão nº 406/2003, recordar-se-á que uma solução intermédia parece ser defendida por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a ed., Coimbra, 1993, p. 264, n. VIII ao artigo 47º): «A definição constitucional do conceito de função pública suscita alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis ordinárias utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais) defendidos para a sua caracterização material. Todavia, não há razões para contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo da expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, Região Autónoma, autarquia local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório.» No entanto, Vital Moreira, mais tarde, viria a pronunciar-se em sentido mais amplo («Projecto de lei quadro dos institutos públicos — Relatório final e proposta de lei quadro», grupo de trabalho para os institutos públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, Fevereiro de 2001, nº 4, p. 50, nota ao artigo 45º), adoptando uma posição que tem também sido defendida pelo Tribunal Constitucional, ao ponderar que: «No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de trabalho, nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns. No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de ‘gestão privada’, ou seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266º, nº 2, da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do pessoal. Além disso, estabelecendo a Constituição que ‘todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso’ (CRP, artigo 47º, nº 2), seria naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade.» Estas últimas considerações afiguram-se inteiramente procedentes, principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato individual de trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um serviço público personalizado. Com efeito, a exigência constitucional de «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso» apresenta duas vertentes. Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por outro lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que «os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público» (nº 1 do artigo 269º da CRP). Na verdade, procedimentos selecção e recrutamento que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a necessidade de actuação «com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» (nº 2 do artigo 266º da CRP). Esta perspectiva é particularmente importante quando se trate de recrutamento e selecção de pessoal para entidades que exerçam materialmente funções públicas, como acontece com o IPCR (cf., supra, nº 4.1). (…) Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de acesso.”. Tais considerações, tecidas no âmbito de uma entidade que tinha a natureza de instituto público, têm inteira aplicação, até por maioria de razão, no domínio da administração directa do Estado. Ou seja, e pese embora, desde a Lei 23/04, seja possível, no seio da Administração Pública, o contrato individual de trabalho sem termo, da conjugação da doutrina constante dos dois citados acórdãos (cfr., também no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processo nº 1846/06.1YRCBR.S1) é, em nossa e salvo melhor opinião, possível concluir-se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do artº 47º, nº 2, da CRP, da interpretação segundo a qual seria permitida, no seio da Administração Pública, a contratação sem termo, seja tácita, originária ou por conversão, sem prévio processo de recrutamento de candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade. (…) Embora a propósito da Lei 23/04, mas cujas considerações são transponíveis para o caso, nas conclusões IV, V e VI do sumário do Acórdão do STJ de 26.11.08, já citado, refere-se que: IV – A contratação nos termos da Lei n.º 23/2004, exige que a celebração do contrato de trabalho por tempo indeterminado observe a forma escrita, sob pena de nulidade (artigo 8.º), que exista, para o efeito, por parte das pessoas colectivas públicas que contratam, um quadro de pessoal próprio e a contratação seja feita nos limites desse quadro (artigo 7.º), e que exista um processo prévio de selecção, de que se destaca a publicitação da oferta de trabalho e a decisão de contratação fundada em critérios objectivos de selecção (artigo 5.º). V – Cabe ao trabalhador, como facto constitutivo do direito a ser considerado trabalhador por tempo indeterminado, a alegação e prova de que o acordo de vontades fonte da relação laboral que vigorou entre as partes foi reduzido a escrito, que houve o processo prévio de recrutamento e selecção com vista à sua contratação e que no organismo público que o contratou existia o referido quadro de pessoal próprio. VI – Não tendo sido feita a prova desses factos, não pode o contrato de trabalho por tempo indeterminado, nulo, convalidar-se por força da entrada em vigor da Lei n.º 23/2004. Assim sendo, entendemos que, no caso e sob pena de violação do disposto nos artºs 47º, nº 2, da CRP, a conversão da contratação a termo em contrato de trabalho sem termo (ou a convalidação de eventual nulidade da contratação da A.) não é possível”. Temos pois, em conclusão, que o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre as partes é nulo, nulidade que, nos termos do artº 286º do Código Civil ora se declara. Em 14 de Maio de 2008 o Autor recebeu a notificação da cessação do contrato de trabalho por caducidade, nos termos do documento nº 3 com a p.i., a fls 16 e 17. Tal notificação consubstancia, nos termos do artº 429º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, um despedimento ilícito, porque não precedido de processo disciplinar ou de extinção do posto de trabalho nos termos legalmente previstos, e mesmo que se entendesse que se tratava de caducidade por extinção ou encerramento (discutível do ponto de vista do recorrente por não sido ainda apresentado o relatório final a que se refere a cláusula 3ª do contrato de trabalho celebrado em 2001) sempre não teria sido observado o processo previsto nos artigos 390 nº 3 e 419 e seguintes do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, aplicável ao caso dada a data da notificação referida. Dispunham os artigos 15º da LCT e 115º, nº 1, e 116º, nº 1, do CT que o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução e que aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato. Sobre os efeitos da cessação ilícita do contrato, voltamos a sufragar as razões expressas no Acórdão desta Relação acima transcrito: “Estamos, assim, perante um caso em que, no âmbito de uma relação laboral nula e antes de ter ocorrido a declaração dessa nulidade, foi perpetrado um despedimento ilícito (…). Como se refere no Acórdão desta Relação de 18.06.07, proferido na Apelação 1040/06.4., «os arts. 115º, nº 1, e 116º, nº 1, do CT correspondem ao preceituado no art.15º, n.ºs 1 e 3, da LCT, no âmbito dos quais, e no que concerne à articulação entre a invalidade do contrato de trabalho e as normas que disciplinam a extinção do mesmo, mormente em caso de despedimento ilícito ocorrido antes de ser declarada a nulidade, se vinha entendendo que se não poderia ordenar a reintegração do trabalhador, consequência natural desse tipo de despedimento, e simultaneamente declarar a invalidade do contrato. E, por isso, a questão colocava-se somente no que diz respeito à determinação do termo da indemnização e outros efeitos decorrentes do despedimento ilícito, como é o caso dos salários intercalares, que seriam assim de manter.» Nesse sentido se pronunciou Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 2002, pág. 424, segundo o qual “Se, não obstante a invalidade do contrato, uma das partes tiver posto termo ao negócio jurídico com base noutra causa que não a invalidade, por exemplo despedimento, encontram aplicação as regras de cessação do contrato de trabalho. Assim, se num determinado contrato de trabalho nulo, o empregador não invocar a invalidade e despedir o trabalhador, há o dever de pagar uma indemnização, nos termos gerais do art. 13 da LCCT. Por outras palavras, aplicam-se as regras do despedimento como se o contrato fosse válido, sendo devida indemnização no termos gerais”. E, na mesma linha, se pronunciou, também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.09.2002, in www.dgsi.pt (Proc. nº 02S1366), o qual analisa, aprofundamente, as consequências da ilicitude de despedimento levado a cabo antes da declaração da nulidade do contrato de trabalho, aresto esse em que, para além do mais que dele consta, se entendeu, conforme nele sumariado, que: I - Tendo a sentença, que declarou a ilicitude do despedimento do autor, simultaneamente declarado a nulidade do contrato de trabalho, por considerar que o seu objecto era contrário à lei, mas tendo, por aplicação do disposto no n. 3 do artigo 15. do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), condenado a ré a pagar a indemnização de antiguidade e os salários intercalares, se a ré interpõe recurso de apelação sustentando que, por força da declarada nulidade do contrato, não são devidos nem aquela indemnização nem estes salários, forma-se caso julgado sobre a decisão que declarou a nulidade do contrato se o autor não a impugna, quer através de recurso subordinado, quer nas contra-alegações relativas à apelação da ré, ao abrigo do n. 1 do artigo 684-A do Código de Processo Civil. II - A remissão do citado n. 3 do artigo 15 para o regime da cessação do contrato de trabalho constante da LCT vale actualmente como remissão para o Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que é, assim, aplicável aos actos extintivos (no caso, despedimento) de contratos inválidos, ocorridos antes da declaração de nulidade ou da anulação, com as necessárias adaptações. III - Uma dessas adaptações resulta da inviabilidade de o tribunal determinar a reintegração do trabalhador despedido, pois o tribunal não pode impor a manutenção de um contrato declarado nulo; porém, esta inviabilidade da reintegração não afecta o direito à indemnização de antiguidade (desde que por esta o trabalhador tenha optado) e aos salários intercalares, entendendo-se que o período de tempo em que o trabalhador esteve impedido de prestar a sua actividade por facto imputável à entidade patronal (despedimento ilícito) deve ser considerado como período de execução do contrato. IV - O termo final a considerar para efeitos do cálculo da indemnização de antiguidade e dos salários intercalares, quando a entidade patronal haja invocado a nulidade do contrato antes da prolação da decisão judicial que decretou a ilicitude do despedimento e essa invocação haja sido julgada procedente pela mesma decisão, é, não a data desta decisão, mas a data em que aquela invocação foi notificada ao trabalhador”. No caso presente, não sendo possível a reintegração e não tendo o recorrente optado pela indemnização de antiguidade, uma vez que na petição inicial pediu a reintegração ou a indemnização se por ela viesse a optar, o que não fez, considerando o principio do dispositivo e o disposto no artº 661º, nº 1, do CPC, não pode o Tribunal condenar o R. a pagar a indemnização de antiguidade, sendo certo que, por via da cessação da relação laboral, cessou a natureza indisponível dos créditos laborais, e não se pode apelar aos poderes oficiosos do tribunal, uma vez que estes, em matéria que está na disponibilidade das partes, têm como limite o princípio do dispositivo. Deste modo, e nos termos do artº 436º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, o recorrente apenas tem direito à compensação a que se refere o artº 437º do mesmo diploma. A presente acção deu entrada em 2.9.2008 pelo que o recorrente tem direito às retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores a esta data e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo. Até à prolação deste acórdão, decorreram 29 meses e 29 dias, sendo ainda devidos o subsídio de Natal de 2008, o subsídio de férias e o subsídio de Natal de 2009 e 2010, e a retribuição de férias e o subsídio de férias vencidos em 1.1.2011, acrescendo 1/12 avos de subsídio de Natal de 2011 (artigos 437º, 254º nº 1 e 2 al. b), 211º, 212º e 255º, todos do CT), o que perfaz, atendendo à retribuição à data da cessação do contrato, a quantia de €63.037,23 e à qual acrescem juros de mora desde a data do vencimento de cada retribuição e até integral pagamento, acrescendo ainda as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão final do processo. A esta quantia e também com juros de mora desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento, acresce a retribuição de 19 dias de trabalho em Abril de 2008 e de 14 dias de trabalho em Maio de 2008, não paga, no valor global de €1.871,43. IV. Decisão Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a decisão recorrida, substituindo-a pelo presente acórdão, em que decidem: 1) Declarar a existência, entre o recorrente e o recorrido, de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, entre Março de 1998 e 14 de Maio de 2008; 2) Declarar a nulidade desse contrato de trabalho por tempo indeterminado. 3) Declarar ilícito o despedimento do recorrente. 4) Condenar o recorrido, Estado Português, a pagar ao recorrente: 4.1) a quantia de €63.037,23 (sessenta e três mil e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos) relativa à compensação a que se refere o artº 437º do Código do Trabalho, e à qual acrescem juros de mora desde a data do vencimento de cada retribuição e até integral pagamento, acrescendo ainda as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão final do processo; 4.2) a quantia de €1.871,43 (mil oitocentos e setenta e um euros e quarenta e três cêntimos) relativa às retribuições não pagas dos dias de trabalho prestados em Abril e Maio de 2008, acrescida de juros de mora à taxa legal desde estas datas e até integral pagamento. Custas pelo recorrido. Porto, 7.2.2011 Eduardo Petersen Silva José Carlos Dinis Machado da Silva Maria Fernanda Pereira Soares (votei a decisão) _______________ Sumário: I. Provando-se o início de funções quase dois anos antes da celebração de contrato de trabalho a termo, o contrato considera-se celebrado desde o início como contrato por tempo indeterminado. II. No domínio do DL 427/89, de 07.12 era proibida a celebração, pelo Estado, de contrato de trabalho por tempo indeterminado, o que produz a nulidade do contrato celebrado entre as partes, nos termos do artº 294º do Código Civil. III. Não se verifica a convalidação da nulidade por força da superveniência da Lei 23/04, de 22.06 que veio admitir, no seio da administração Pública, o contrato de trabalho sem termo, uma vez que não foram observados, no caso, os diversos requisitos a que tal contratação está sujeita, designadamente a observância de prévio processo de selecção. IV. Como consequência do despedimento ilícito, o trabalhador tem direito às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao momento em que a nulidade do contrato é declarada oficiosamente pelo tribunal. V. A nulidade do contrato de trabalho impede a reintegração e o trabalhador tem direito a indemnização de antiguidade se por ela tiver optado efectivamente, não cabendo ao Tribunal substituir-se-lhe se o não tiver feito. (Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil). Eduardo Petersen Silva