I - Apesar da diferenciação que existe entre as actividades de transitário e de transportador, nada impede que o transitário possa actuar também como transportador, ajustando contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros. II - Não obsta à qualificação do contrato como de transporte internacional de mercadorias, o facto do pagamento do transporte ter ficado a cargo do destinatário/comprador. III - Qualificado o contrato dos autos como de transporte internacional de mercadorias, o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização, pese embora o transportador tenha a qualidade de agente transitário, é o previsto no art. 32 da Convenção C.M.R. e não o do art. 16 do Dec. Lei n° 255/99, de 7.7.
Proc. nº 3124/07.0 TBVCD.P1 Tribunal Judicial de Vila do Conde – 2º Juízo Cível Apelação Recorrente: “B…, SA” Recorrida: “C…, Lda” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora “C…, Lda.” instaurou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra a ré “D…, S.A.”, que actualmente usa a firma “B…, S.A.”, na sequência de fusão de sociedade, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €8.280,48, acrescida de juros vencidos no montante de €1.409,02 e juros vincendos à taxa legal para as transacções comerciais até integral pagamento. Para tal alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade vendeu à sua cliente “E…” e esta comprou-lhe 156 casacos, pelo preço total de €8.280,48; em 27.1.2006 entregou à ré a mercadoria acondicionada em caixas de cartão, os originais das facturas e as listas de empacotamento respectivas, e incumbiu-a de as transportar e entregar na Alemanha contra o pagamento da quantia correspondente ou a apresentação pelo destinatário do original do FCR. Em 27.1.2007 comunicou à ré que a mercadoria deveria ser entregue CAD. Mais alegou que a ré aceitou a mercadoria e as condições impostas por si, mas a mercadoria foi entregue ao seu cliente sem que estivesse assegurado o pagamento do preço respectivo, o qual nunca mais foi pago. Citada a ré, veio contestar, invocando a prescrição do direito de indemnização a que a autora se arroga e impugnando ter celebrado com esta qualquer contrato de transporte de mercadoria, já que este foi celebrado entre o cliente da autora e a transportadora alemã F…, da qual a ré era representante em Portugal. No seu articulado deduziu ainda a ré o incidente de intervenção acessória da Companhia de Seguros G…, S.A., e a intervenção principal da transportadora alemã F… e da cliente da autora E… como suas associadas. A autora respondeu, insurgindo-se contra a prescrição invocada pela ré. Por despacho de fls. 69 e 70 foi admitida a intervenção das sociedades supra referidas, nos termos requeridos pela ré. Chamadas aquelas sociedades, veio apresentar contestação a sociedade G…, S.A., alegando que a situação descrita na petição inicial está excluída da cobertura do contrato de seguro que a ré havia celebrado consigo. Contestou também a sociedade F… invocando a prescrição do direito a que a autora se arroga e afirmando ter apenas cumprido as instruções da ré na entrega da mercadoria. Foi depois proferido despacho saneador, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto assente e à organização da base instrutória. Seguidamente, realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal respondido à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 631/4, que não teve qualquer reclamação. Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de €8.280,01, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde 30.3.2006 e até efectivo pagamento, à taxa legal para as transacções comerciais. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, cujas alegações findou com as seguintes conclusões: A. A douta sentença, ora posta em crise, tendo em conta o teor dos factos 23 e 24, dados como provados, concluiu que entre a recorrente e a recorrida foi celebrado um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, considerando que o facto de ter sido o cliente da recorrida, e não esta, a assumir a obrigação de efectuar o pagamento do transporte não desvirtua a natureza do contrato como de transporte internacional; todavia esta conclusão revela que o Tribunal “a quo” fez uma insuficiente interpretação da matéria provada, aplicando incorrectamente o direito aos factos, que revelam que a recorrente não foi parte do contrato de transporte cujo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso constitui causa de pedir. B. Vem provado para o que aqui interessa que: “10. Em 27.1.2006, a autora entregou à ré as mercadorias vendidas à E…, acondicionadas em caixas de cartão de 60x40x40, com peso total aproximado de 165 kg”; “11. Essa mercadoria foi acompanhada da guia de transporte nº 56, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, entrega C.A.D. [Cash Against Documents] /F.O.B [Free on B]”; 12. Essa mercadoria foi acompanhada da factura nº 194, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, entrega C.A.D. e todas as despesas pagas pelo cliente” e 18. Em 30.1.2006, a ré emitiu a factura nº ……./2006, que remeteu à autora, no valor de €85,08, nela se referindo, designadamente, ... e) descrição: controlo de cobrança/recepção; manuseamento de carga/exportação; F.C.R. document; N/Intervenção/Exportação; f) condições de venda: F.O.T [free on truck] Porto.” C. Assim, resulta da factualidade provada que as condições de venda foram FOB, melhor descrito nos Incoterms 2000 e que regula as obrigações das partes, não só quanto ao risco e repartição de custos, mas também quanto às formalidades e contratos de transporte e seguro, bem como entrega e levantamento de mercadoria, segundo o qual compete à compradora (cliente da recorrida) contratar e pagar o transporte e à vendedora, a recorrida, entregar a mercadoria no armazém do transitário e suportar apenas os custos das formalidades inerentes à expedição da mercadoria. D. Ora, a matéria provada sob os nºs 11 e 12 é perfeitamente coerente com o facto provado sob o nº 18, nos termos do qual a recorrente apenas emitiu à recorrida uma factura pela emissão de documentação, despesas, manuseamento e intervenção à exportação, não lhe tendo debitado qualquer valor a título de frete de transporte, tendo sido a compradora quem procedeu ao pagamento do frete que, como é sabido, constitui contrapartida pecuniária do transporte, suportada por quem procede à sua contratação. E. Com efeito, na própria fundamentação de direito da sentença recorrida pode ler-se que “... o contrato internacional de transporte de mercadorias por estrada é aquele através do qual uma pessoa se obriga perante outra, mediante um preço, denominado frete, a realizar, por si ou por terceiros, a deslocação de uma determinada mercadoria desde um ponto de partida situado num dado país até outro ponto de destino localizado noutro país.” Portanto, o frete de transporte (preço) é um elemento essencial do contrato de transporte oneroso e que permite qualificar a relação estabelecida entre as partes como tal. Ora, faltando esse elemento essencial, o contrato entre a recorrente e recorrida, desde logo, se descaracteriza como de transporte. F. Ora, resultando dos factos assentes sob os pontos 11 e 12 que, face às condições FOB, a recorrida não tinha qualquer obrigação relativamente ao contrato de transporte, cabendo sim à compradora contratar e pagar o mesmo, e do facto sob o ponto 18 que a recorrente não emitiu à recorrida qualquer factura a título de frete, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a recorrida praticou os factos provados sob os nºs 23 e 24 em nome e por conta da compradora, ou seja, em representação desta. G. Nada obsta a que a compradora, responsável pela contratação do transporte, solicite à vendedora que seja esta a contactar o transitário, em seu lugar, uma vez que, por se encontrar na origem, terá mais facilidades em fazê-lo, sendo evidente que apenas existiu contacto e não contrato, pois, como se demonstrou, a obrigação de contratar o transporte cabia ao comprador, a cliente da recorrida e não a esta. H. Face a todo o exposto, o contrato de transporte produziu os seus efeitos na esfera jurídica do comprador, nos termos dos arts. 1178, nº 1 e 258 do Código Civil, o que retira legitimidade substantiva à recorrida para responsabilizar o recorrente pelo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo. I. A sentença recorrida desconsiderou, em absoluto, essa factualidade e violou o disposto nos arts. 1178, nº 1 e 258 do Código Civil. J. Mesmo que se entenda, por dever de patrocínio, que a recorrente assumiu, directamente e perante a recorrida, a obrigação de assegurar a deslocação das mercadorias e a sua entrega ao destinatário, ainda assim, o contrato entre elas não poderá ser considerado de transporte, tal como o qualificou a sentença em apreço, partindo da ideia, totalmente errada e não pretendida pelo legislador, de que, nessa situação, o transitário deixa de actuar como tal, extravasando as suas obrigações de empresa transitária e assumindo a qualidade de transportador. K. Resultou provado que “a ré é uma sociedade anónima, que se apresenta como um agente transitário ...” (facto 3.) e o Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, que regula o exercício da actividade transitária e a define, consagra no seu art. 1, nº 2, de forma expressa, como acto próprio e inerente à actividade transitária a celebração de contratos de transporte. L. Ora, mesmo quando o transitário assume perante o cliente a obrigação de colocar a mercadoria no destino e, para cumprir essa obrigação, tem necessariamente de subcontratar o transporte a terceiros, continua a agir no âmbito específico da sua actividade transitária, ou seja, como verdadeiro transitário e nunca como transportador. M. Isto porque, de facto não faz parte do objecto da actividade do transitário ser transportador de mercadorias, na medida em que está impossibilitado de executar materialmente o transporte, não só porque não dispõe, nem pode legalmente dispor de veículos destinados a esse fim (vulgarmente designados de camiões TIR), mas também porque não possui alvará para o efeito, nem o seu alvará de agente transitário lho permite. N. Assim, as empresas transitárias podem agir como intermediários entre os expedidores e os destinatários ou mesmo assumir perante os expedidores a obrigação de assegurar o transporte, contratando necessariamente o mesmo a um terceiro, transportador que seja dotado de respectivo alvará de transportador e tenha os respectivos veículos para efectuar esse transporte, sem que tal lhe faça perder a sua qualidade de empresa transitária e a transforme num transportador e o art. 13, do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, confere legitimidade a qualquer um destes tipos de intervenção do transitário no comércio jurídico: “As empresas transitárias podem praticar todos os actos necessários ou convenientes à prestação de serviços ...” e “... podem ainda celebrar contratos com terceiros, em nome próprio, por conta do expedidor ou do dono da mercadoria...” O. Face ao acervo do art. 1 e 13 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, a actividade transitária caracteriza-se como sendo uma actividade diversificada e complexa, no âmbito das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias e que não se estreita nos limites da obrigação de assegurar a deslocação das mercadorias, podendo, no entanto, incluir essa obrigação. P. Para a qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre a recorrente e a recorrida é determinante analisar o conteúdo das obrigações assumidas por aquela, ou seja, se as mesmas se reconduzem apenas a essa obrigação de transporte ou se abrangem também outras típicas e inerentes ao exercício da actividade transitária. Q. Da matéria provada, factos 13, 14, 18, 28 e 29, resulta claramente que a recorrente assumiu um vasto leque de obrigações, relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação da mercadoria da recorrida, todas elas típicas e inerentes à sua actividade de transitária, tais como: cumprimento de várias formalidades e emissão de documentação; realização das operações materiais de recepção, manuseamento, carregamento da mercadoria; recepção de informação e a sua retransmissão aos diversos operadores na cadeia de transporte; contratação do transportador efectivo, a H…, etc, o que consubstancia a prestação de um serviço complexo, que convoca a realização de actos jurídicos que não cabem no esquema estrutural do contrato típico (mercantil) de transporte e que integram e absorvem a eventual obrigação de assegurar esse transporte, fazendo desta um mero elemento do negócio jurídico. R. A sentença, ora posta em crise, qualificou o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida como de transporte, baseando-se nos factos provados sob os pontos 23 e 24, desconsiderando, uma vez mais e em absoluto, a demais factualidade provada, nomeadamente sob os pontos 13, 14, 18, 28 e 29 e, consequentemente, qualificou, erradamente, a actuação da recorrente não a considerando como de prestação de serviços no âmbito da actividade transitária. S. Ao decidir como decidiu o tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 1 e 13 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7. T. Na sentença em apreço entende-se que, face à qualificação do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida como de transporte, ficava prejudicado o conhecimento da excepção de prescrição invocada ao abrigo do art. 16 daquele diploma, sendo aplicável, nesse caso, a prescrição prevista no art. 32 da Convenção CMR. U. Como vem alegado, o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida consubstancia-se num contrato de prestação de serviços de transitário, pelo que, e assim sendo, dúvidas não subsistirão que o prazo prescricional aplicável é o de 10 meses constante do art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7 – Estatuto Regulamentar da Actividade Transitária. V. No entanto, mesmo considerando que o contrato celebrado incluía a obrigação da recorrente de assegurar o transporte internacional de mercadorias por estrada da mercadoria da recorrida, o que só por mera e remota hipótese académica se admite, ainda assim, o prazo prescricional aplicável seria o constante do art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, na medida em que o regime jurídico deste diploma, que regula o exercício da actividade transitária, aplica-se, como se demonstrou supra, aos contratos celebrados pelo transitário mesmo quando este assume essa obrigação de assegurar o transporte e entrega, pois aquela é também considerada inerente ao exercício da actividade transitária. W. Nos termos do art. 15 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, quando o transitário, perante o seu cliente, se obriga a assegurar o transporte e necessariamente tem de subcontratar um transportador, em caso de incumprimento ou cumprimento deficiente do contrato de transporte, a responsabilidade do transitário perante o cliente beneficia dos limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material desse transporte. X. Assim, as convenções internacionais que regulam os diferentes modos de transporte só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os seus clientes, na parte relativa à limitação da responsabilidade. Se, como defende o Tribunal “a quo”, a convenção CMR se aplicasse à relação contratual entre transitário e cliente, sempre que aquele assumisse perante este a obrigação de assegurar o transporte, o art. 15 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7 seria totalmente desnecessário, pois o transitário beneficiaria automática e directamente desses limites de responsabilidade. Y. Diversamente do art. 15, que remete a regulação dos limites da responsabilidade do transitário perante o cliente para as disposições da Convenção CMR, a prescrição aplicável à responsabilidade do transitário é tratada no art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, de forma autónoma e distinta da Convenção CMR e constituindo uma norma especial, aplicando-se a todo e qualquer direito de indemnização que se pretenda exercer contra o transitário, independentemente do tipo de obrigações assumidas perante o seu cliente. Z. Note-se que a prescrição prevista neste art. 16, de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada, tem especial justificação precisamente nos casos em que o transitário assume a obrigação junto do cliente de assegurar o transporte; é que o transportador efectivo, a quem é confiada a execução material do transporte, beneficia da prescrição de 1 ano prevista na Convenção CMR, e no sentido de salvaguardar o direito de regresso do transitário contra esse transportador efectivo, houve necessidade de estabelecer um prazo prescricional um pouco inferior, pois mesmo que o cliente exerça o seu direito de indemnização perto do fim do prazo de 10 meses, o transitário dispõe de mais tempo para exercer o direito de regresso contra o transportador efectivo. AA. Na sentença recorrida, quer na factualidade provada, quer na fundamentação de direito, consta que a mercadoria foi entregue ao destinatário a 1.2.2006, data da conclusão do serviço (se se considerar que a recorrente assumiu a obrigação de colocar a mercadoria no destino), o que significa que a recorrida deveria ter exercido o direito de indemnização de que julga ser titular até ás 24 horas do dia 2.1.2007; assim quando a recorrente foi citada a 17.10.2007 já o pretenso direito da recorrida se havia extinguido por força da prescrição, tanto mais que, nos termos do disposto nos arts. 318 e segs. do Código Civil, os factos provados sob os pontos 20 e 21 não suspendem, nem interrompem a prescrição prevista no art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99. BB. Ao conhecer a questão da prescrição com base no art. 32, nº 1 da Convenção CMR, desaplicando o art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, o Tribunal “a quo” desconsiderou o pensamento legislativo e errou na determinação da norma aplicável, o que condicionou o sentido da sua decisão, razão pela qual esta decisão deve ser revogada e substituída por outra, que aplicando o art. 16 do Decreto-lei nº 255/99, de 7.7, julgue procedente a excepção de prescrição invocada pela recorrente ao abrigo desse normativo. A autora apresentou contra-alegações pronunciando-se pela confirmação do decidido em 1ª Instância. Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.*FUNDAMENTAÇÃO Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8. *O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.*As questões a decidir são as seguintes: 1. Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a autora e a ré; 2. Prazo de prescrição aplicável.*OS FACTOS A matéria fáctica dada como provada pela 1ª Instância é a seguinte: 1. A autora é uma sociedade por quotas, que se dedica à confecção e distribuição de têxteis e vestuário, destinando grande parte dos produtos que fabrica à exportação para os mercados europeus. (alínea A. dos factos assentes) 2. No exercício da sua actividade, a autora celebrou um contrato com a interveniente E… (uma empresa alemã), através do qual aquela vendeu a esta 156 casacos, do modelo …, pelo preço total de €8.280,48, a que corresponde a factura n.º …, de 26.01.2006. (alínea B. dos factos assentes) 3. A ré é uma sociedade anónima, que se apresenta como agente transitário e se dedica à expedição e transporte internacional de mercadorias. (alínea C. dos factos assentes) 4. A ré transferiu para a interveniente G… – Companhia de Seguros, S.A., a responsabilidade civil decorrente do exercício da actividade de transitário, através do contrato de seguro com a apólice n.º …………/00000. (alínea D. dos factos assentes) 5. Na alínea j) do n.º 1 do artigo 5.º das condições gerais desse contrato de seguro refere-se que o mesmo “não cobre a responsabilidade decorrente da actividade do segurado como transportador de mercadorias” (alínea E. dos factos assentes) 6. Na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º das condições gerais desse contrato de seguro refere-se que o mesmo, “salvo convenção expressa em contrário nas condições particulares, não garante os danos consequentes da entrega indevida de mercadorias ou documento que as titule”. (alínea F. dos factos assentes) 7. Na condição especial n.º 30 desse contrato de seguro refere-se, designadamente, que “a franquia por sinistro em danos patrimoniais” é de “20.000$00”. (alínea G. dos factos assentes) 8. A ré é auxiliar transitário, em Portugal, da interveniente F…. (alínea H. dos factos assentes) 9. A interveniente F… é uma empresa transitária alemã. (alínea I. dos factos assentes) 10. Em 27.01.2006, a autora entregou à ré as mercadorias vendidas à E…, acondicionadas em caixas de cartão de 60X40X40, com peso total aproximado de 165 kg. (alínea J. dos factos assentes) 11. Essa mercadoria foi acompanhada da guia de transporte n.º 56, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, “entrega C.A.D. [Cash Against Documents] /F.O.B. [Free On Board]”. (alínea L. dos factos assentes) 12. Essa mercadoria foi acompanhada da factura n.º …, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, “entrega C.A.D.” e “todas as despesas pagas pelo cliente”. (alínea M. dos factos assentes) 13. Em 27.01.2006, a ré preencheu e emitiu um documento denominado “F.C.R.”, com o n.º 64, onde se refere, designadamente, o seguinte: a) remetente: C…, Lda.; b) destinatário: E…; c) 12 volumes com mercadoria têxtil, com o peso bruto de 165 kg; d) observações: “Delivery Against Original F.C.R.”, €8.280,48; e) agente: F… (alínea N. dos factos assentes) 14. Em 27.01.2006, a ré preencheu e emitiu um documento denominado “declaração de expedição internacional”, com o n.º 60, onde se refere, designadamente, o seguinte: a) “este transporte fica sujeito, não obstante qualquer cláusula em contrário, à Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR)”; b) expedidor: “D…, S.A.”; c) destinatário: “F…”; d) lugar de entrega da mercadoria: “Hamburg”; e) lugar e data do carregamento da mercadoria: “…, 27.01.2006”; f) 12 volumes com mercadoria têxtil, com o peso bruto de 165 kg; g) transportador: “H…”. (alínea O. dos factos assentes) 15. A interveniente F… apôs o seu carimbo a essa “declaração de expedição internacional”, no campo relativo à “recepção da mercadoria”, com a data 01.02.2006. (alínea P. dos factos assentes) 16. A interveniente F… enviou à ré, em 01.02.2006, uma mensagem de correio electrónico, perguntando se a mercadoria podia ser entregue à interveniente E… sem esta apresentar “F.C.R.”. (alínea Q. dos factos assentes) 17. Pela mesma via e na mesma data, a ré respondeu que a mercadoria deveria ser entregue de acordo com os carregamentos do ano anterior (2005). (alínea R. dos factos assentes) 18. Em 30.01.2006, a ré emitiu a factura n.º 653.361/2006, que remeteu à autora, no valor total de €85,08, nela se referindo, designadamente, o seguinte: a) remetente: C…, Lda.; b) destinatário: E…; c) 12 volumes com mercadoria têxtil, com o peso bruto de 165 kg; d) meio de transporte: L……; e) descrição: controlo de cobrança-recepção, manuseamento de carga-exportação, F.C.R. document; N/Intervenção/Exportação; f) condições de venda: F.O.T. [free on truck] Porto. (alínea S. dos factos assentes) 19. Em 22.02.2006, a autora enviou à ré um fax, onde se refere designadamente, que “a mercadoria enviada para a E… foi entregue nas vossas instalações para ser enviada C.A.D.”, “como sabem, não poderiam ter entregue ao cliente a mercadoria livre sem a nossa autorização”, “o cliente, até à data, não procedeu ao pagamento”, “caso o cliente não efectue o pagamento até à semana 10, terão que proceder a esse pagamento”, “agradecemos os vossos comentários a este assunto o mais breve possível”. (alínea T. dos factos assentes) 20. Posteriormente, em 27.03.2006, pela mesma via, a autora enviou à ré outro fax, onde se refere, designadamente, que “o cliente ainda não procedeu ao pagamento da mercadoria até hoje”, “a responsabilidade é da vossa empresa”, “precisamos que nos informem até à próxima quarta-feira de que forma vão efectuar o pagamento”, “aguardamos a vossa resposta o mais breve possível”. (alínea U. dos factos assentes) 21. Por carta remetida por correio registado, em 09.05.2007, a autora solicitou à ré o pagamento de uma indemnização, no valor de €8.280,48 acrescidos de juros de mora, por incumprimento parcial do contrato de transporte internacional. (alínea V. dos factos assentes) 22. A ré respondeu em 21.05.2007, recusando o pagamento dessa indemnização, afirmando que a autora “nunca contratou” com a ré “o transporte e a entrega de quaisquer mercadorias”, devolvendo toda a documentação remetida pela autora e informando que iria avançar com a cobrança dos serviços referidos na factura n.º ……./2006. (alínea X. dos factos assentes) 23. A autora incumbiu a ré de transportar as mercadorias e entregá-las à interveniente E…, em …, …, Alemanha, contra o pagamento da quantia correspondente ou a apresentação pelo destinatário do original do F.C.R. (quesito 1º da base instrutória) 24. Por força do contrato celebrado entre autora e ré, esta obrigou-se ao transporte internacional por estrada e à entrega das mercadorias no destinatário, de acordo com as instruções recebidas da autora (quesito 2º da base instrutória) 25. A chamada E… não procedeu ao pagamento do preço na instituição bancária e, por isso, não tinha em seu poder as facturas e o original do documento de expedição, comprovativos do pagamento, quando as mercadorias chegaram às suas instalações. (quesito 4º da base instrutória) 26. As mercadorias enviadas pela autora à interveniente E… foram-lhe entregues “free” (livre). (quesito 5º da base instrutória). 27. A autora contactou por mais de uma vez a chamada E… no sentido de obter o pagamento do preço das mercadorias, mas sem sucesso (resposta ao quesito 6º da base instrutória). 28. Entre o mais, à ré competia receber a mercadoria, emitir a documentação, retransmitir toda a informação recebida e carregar a mercadoria no camião com destino à Alemanha. (resposta ao quesito 10º da base instrutória). 29. Em 2005, a autora enviou dois carregamentos de mercadoria à interveniente E…, também através da ré e da interveniente F… (quesito 12º da base instrutória) 30. A documentação das mercadorias enviadas em 2005 referia que a entrega era contra “F.C.R.” (quesito 13º da base instrutória) 31. Contudo, por indicação escrita da ré, as mercadorias enviadas em 2005 foram entregues “free” (livre), pela interveniente F… (quesito 14º da base instrutória).*O DIREITO 1. Na sentença recorrida considerou-se que a autora e a ré celebraram um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, entendimento contra o qual se insurge a ré, nas suas alegações de recurso, sustentando que o mesmo deverá ser qualificado como de prestação de serviços no âmbito da actividade transitária. O contrato de transporte, que não se encontra definido pela nossa lei, trata-se da convenção através da qual alguém se obriga perante outrem, mediante um preço, a realizar, por si ou por terceiro, a mudança de pessoas ou coisas de uma para outra localidade.[1] Embora não seja expressamente qualificado como tal, enquadra-se este contrato na mais ampla categoria dos contratos de prestação de serviços.[2] Se a convenção envolve a deslocação de uma determinada mercadoria desde um ponto de partida situado num dado país até um ponto de destino situado em país diferente, estaremos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias. Supõe este contrato três entidades: o expedidor, o transportador e o destinatário. Ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada aplica-se a Convenção C.M.R., assinada em Genebra em 19.5.1956, introduzida no direito português pelo Dec. Lei nº 46235, de 18.3.1965, modificada pelo Protocolo de Genebra de 5.7.1978, aprovado, para adesão, pelo Decreto nº 28/88, de 6.9. Trata-se de um contrato de formação consensual, que fica perfeito logo que as partes cheguem a acordo, sem necessidade de redução a escrito.[3] Há, porém, que distinguir a actividade própria do transporte daquela a que se dedicam as empresas transitárias, a qual consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) gestão de fluxos de bens e mercadorias; b) mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal (cfr. art. 1 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7.). É, assim, patente a diferenciação entre as actividades de transitário (prestação de serviços a terceiro, no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias) e de transportador (realização das operações necessárias para transferir uma coisa de um local para outro). Todavia, apesar dessa diferenciação, nada impede que o transitário possa actuar também como transportador, ajustando contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros.[4] Trata-se, aliás, de situação que ocorre com frequência no circuito comercial, em que algumas empresas assumem a dupla actividade de transportadora e transitária. Neste contexto, será então de qualificar o contrato celebrado entre a autora e a ré como de transporte internacional de mercadorias, à semelhança do que o fez a 1ª Instância? Da matéria fáctica dada como assente resulta o seguinte: - a ré é uma sociedade anónima, que se apresenta como agente transitário e se dedica à expedição e transporte internacional de mercadorias (nº 3); - a autora incumbiu a ré de transportar as mercadorias e entregá-las à interveniente E…, em …, …, Alemanha, contra o pagamento da quantia correspondente ou a apresentação pelo destinatário do original do F.C.R (nº 23); - por força do contrato celebrado entre autora e ré, esta obrigou-se ao transporte internacional por estrada e à entrega das mercadorias no destinatário, de acordo com as instruções recebidas da autora (nº 24). Provou-se ainda que entre o mais, à ré competia receber a mercadoria, emitir a documentação, retransmitir toda a informação recebida e carregar a mercadoria no camião com destino à Alemanha (nº 28). Ora, desta factualidade decorre que a ré não assumiu somente a obrigação de planificar e coordenar as operações necessárias à expedição das mercadorias para o seu destino, actuando como mero intermediário na celebração do contrato de transporte necessário para o efeito, o que se ajustaria à sua actividade de transitário. Assumiu igualmente a obrigação de ela própria transportar a mercadoria por estrada e de a entregar no seu destino, o que configurará então um característico contrato de transporte. Por isso, no presente caso, terá que se concluir que a ré extravasou as obrigações de transitária, assumindo patentemente os riscos e obrigações do transportador. Por conseguinte, estamos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias, como foi entendido pela 1ª Instância. É certo que, tal como flui da factualidade dada como provada, na documentação emitida pela autora e pela ré constam as inscrições F.O.B. (“free on board”) e F.O.T. (“free on truck”), mas este tipo de cláusulas, conforme assinala a autora nas suas contra-alegações, tem apenas o significado de que as despesas do transporte são pagas pelo comprador, daí não se podendo concluir que era ao comprador que cabia celebrar, por sua conta, o contrato para o transporte da mercadoria desde o local de embarque convencionado. Aliás, em casos, como o presente, de “venda documentária” em que a entrega deveria ser feita C.A.D. (“cash against documents”), é usual que o transporte seja contratado pelo vendedor, sendo os respectivos custos suportados pelo comprador (cfr. nº 12 da matéria de facto). Sucede que o facto do pagamento do transporte ter ficado a cargo do destinatário/comprador em nada desvirtua a natureza deste contrato como de transporte internacional de mercadorias, tal como não obsta a tal qualificação, conforme já se assinalou, a circunstância da ré se tratar de uma empresa transitária.[5] De resto, a possibilidade do pagamento do preço poder ser feito tanto pelo devedor, como por um terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação, flui do preceituado no art. 767, nº 1 do Cód. Civil, sendo que a concreta possibilidade de, neste caso, o pagamento do preço ser exigido pelo transportador directamente ao comprador das mercadorias sempre seria de acolher face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405 do mesmo diploma legal. Em resumo: tendo ficado provado nos nºs 23 e 24 da matéria de facto, que correspondem aos pontos 1º e 2º da base instrutória, que a autora incumbiu a ré de transportar as mercadorias e entregá-las à destinatária E… contra o pagamento da quantia correspondente ou à apresentação por esta do original do F.C.R e que, por força do contrato celebrado entre autora e ré, esta se obrigou ao transporte internacional por estrada e à entrega das mercadorias no destinatário, de acordo com as instruções recebidas da autora, factualidade que não foi impugnada pela ré/recorrente, não nos resta senão concluir pelo acerto do decidido pela 1ª Instância que qualificou tal contrato como de transporte internacional de mercadorias por estrada.*2. Sustenta a ré/recorrente que o prazo de prescrição do direito que a autora invoca é o que resulta do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7., onde se regula o exercício da actividade de transitário e no qual, no seu art. 16, se estabelece o seguinte: «O direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.» Porém, tendo sido o contrato celebrado entre a autora e a ré qualificado como de transporte internacional de mercadorias – e não de prestação de serviços de transitário – é-lhe inaplicável a norma acima citada. Com efeito, o Dec. Lei nº 255/99, de 7.7. disciplina tão só o exercício da actividade transitária, não sendo de aplicar aos casos, como o presente, em que uma empresa transitária assume obrigações inerentes ao contrato de transporte. Consequentemente, o prazo prescricional aplicável à situação “sub judice” é o que decorre da Convenção C.M.R., onde no seu art. 32 se diz o seguinte: «1. As acções que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano. No entanto, a prescrição é de três anos no caso de dolo, ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. O prazo de prescrição é contado: a) A partir do dia em que a mercadoria foi entregue, no caso de perda parcial, avaria ou demora; b) No caso de perda total, a partir do 30º dia após a expiração do prazo convencionado, ou, se não tiver sido convencionado prazo, a partir do 60º dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador; c) Em todos os outros casos, a partir do termo de um prazo de três meses, a contar da conclusão do contrato de transporte. O dia indicado acima como ponto de partida da prescrição não é compreendido no prazo. 2. Uma reclamação escrita suspende a prescrição até ao dia em que o transportador rejeitar a reclamação por escrito e restituir os documentos que a esta se juntaram. No caso de aceitação parcial da reclamação, a prescrição só retoma o seu curso para a parte da reclamação que continuar litigiosa. A prova da recepção da reclamação ou da resposta e restituição dos documentos compete à parte que invoca este facto. As reclamações ulteriores com a mesma finalidade não suspendem a prescrição. 3. Salvas as disposições do parágrafo 2 acima, a suspensão da prescrição regula-se pela lei da jurisdição a que se recorreu. O mesmo acontece quanto à interrupção da prescrição. 4. A acção que prescreveu não pode mais ser exercida, mesmo sob a forma de reconvenção ou excepção.”. Acontece que sendo, neste caso, o prazo prescricional de um ano, uma vez que não está em causa qualquer actuação dolosa por parte da ré, terá que se concluir, à semelhança do que se fez na sentença recorrida e pelas razões que aí vêm explanadas, que não foram postas em crise no recurso interposto, que não prescreveu o direito de indemnização que a autora invoca. É que a discordância da ré em relação ao decidido não se prende com a forma como foi contado, pela 1ª Instância, o prazo de prescrição previsto no art. 32 da Convenção C.M.R. Situa-se num momento anterior – o da aplicação “in casu” não deste prazo, mas sim do que vem previsto no art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7., questão que, como já se viu, entronca directamente na qualificação jurídica do contrato celebrado entre a autora e a ré. Decidida tal questão no sentido de estarmos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias, torna-se, a nosso ver, inevitável a aplicação do prazo prescricional do art. 32 da Convenção C.M.R, atendendo a que a ré, pese embora a sua qualidade de agente transitário, actuou no caso dos autos como transportadora. Todavia, a ré/recorrente nas suas alegações, como forma de tentar justificar a aplicação do prazo de dez meses referido no art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7, invoca ainda o regime previsto no art. 15 do mesmo diploma[6], sustentando que as convenções internacionais que regulam os diferentes modos de transporte só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os seus clientes, na parte relativa à limitação da responsabilidade. Assim, o regime prescricional do art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7., sendo este preceito posterior à Convenção C.M.R. e tratando-se de norma especial, aplicar-se-ia a todo e qualquer direito que se pretenda exercer contra o transitário, independentemente do tipo de obrigações assumidas por este perante o seu cliente. Só que esta argumentação, por tudo o que se tem vindo a expor, não pode ser acolhida, atendendo a que a ré/recorrente agiu, neste caso, não como agente transitário, mas sim como transportadora, donde decorre que lhe é aplicável, na situação dos autos, o regime jurídico que se aplica a todos os transportadores e não aquele que se acha previsto em especial para a actividade transitária. Deste modo, não se tendo ainda esgotado à data da propositura da acção o prazo prescricional consagrado no art. 32 da Convenção C.M.R., como bem se assinalou na sentença recorrida, impõe-se, sem necessidade de mais considerações, a improcedência do recurso interposto pela ré.*Sintetizando: - Apesar da diferenciação que existe entre as actividades de transitário e de transportador, nada impede que o transitário possa actuar também como transportador, ajustando contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros. - Não obsta à qualificação do contrato como de transporte internacional de mercadorias, o facto do pagamento do transporte ter ficado a cargo do destinatário/comprador. - Qualificado o contrato dos autos como de transporte internacional de mercadorias, o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização, pese embora o transportador tenha a qualidade de agente transitário, é o previsto no art. 32 da Convenção C.M.R. e não o do art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7.*DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré “B…, SA”, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da ré/recorrente. Porto, 17.5.2011 Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires Manuel Pinto dos Santos João Manuel Araújo Ramos Lopes ________________ [1] Cfr. Cunha Gonçalves, “Comentário ao Código Comercial Português”, vol. II, pág. 394. [2] Cfr. Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Comercial”, vol. I, pág. 527 e segs. [3] Cfr. Ac. STJ de 20.5.1997, CJ STJ, ano V, tomo II, págs. 84/6. [4] Cfr., em sentido idêntico, por ex. Ac. STJ de 8.7.2003, CJ STJ, ano XI, tomo II, págs. 147/151, Ac. Rel. Porto de 7.12.2004, p. 0424272, disponível in www.dgsi.pt. [5] Cfr. Ac. Rel. Porto de 23.11.2009, p. 6089/05.9 TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt. [6] Esta norma tem a seguinte redacção: «1. As empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso. 2. À responsabilidade emergente dos contratos celebrados no âmbito deste diploma aplicam-se os limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se outro limite for convencionado pelas partes.»
Proc. nº 3124/07.0 TBVCD.P1 Tribunal Judicial de Vila do Conde – 2º Juízo Cível Apelação Recorrente: “B…, SA” Recorrida: “C…, Lda” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora “C…, Lda.” instaurou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra a ré “D…, S.A.”, que actualmente usa a firma “B…, S.A.”, na sequência de fusão de sociedade, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €8.280,48, acrescida de juros vencidos no montante de €1.409,02 e juros vincendos à taxa legal para as transacções comerciais até integral pagamento. Para tal alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade vendeu à sua cliente “E…” e esta comprou-lhe 156 casacos, pelo preço total de €8.280,48; em 27.1.2006 entregou à ré a mercadoria acondicionada em caixas de cartão, os originais das facturas e as listas de empacotamento respectivas, e incumbiu-a de as transportar e entregar na Alemanha contra o pagamento da quantia correspondente ou a apresentação pelo destinatário do original do FCR. Em 27.1.2007 comunicou à ré que a mercadoria deveria ser entregue CAD. Mais alegou que a ré aceitou a mercadoria e as condições impostas por si, mas a mercadoria foi entregue ao seu cliente sem que estivesse assegurado o pagamento do preço respectivo, o qual nunca mais foi pago. Citada a ré, veio contestar, invocando a prescrição do direito de indemnização a que a autora se arroga e impugnando ter celebrado com esta qualquer contrato de transporte de mercadoria, já que este foi celebrado entre o cliente da autora e a transportadora alemã F…, da qual a ré era representante em Portugal. No seu articulado deduziu ainda a ré o incidente de intervenção acessória da Companhia de Seguros G…, S.A., e a intervenção principal da transportadora alemã F… e da cliente da autora E… como suas associadas. A autora respondeu, insurgindo-se contra a prescrição invocada pela ré. Por despacho de fls. 69 e 70 foi admitida a intervenção das sociedades supra referidas, nos termos requeridos pela ré. Chamadas aquelas sociedades, veio apresentar contestação a sociedade G…, S.A., alegando que a situação descrita na petição inicial está excluída da cobertura do contrato de seguro que a ré havia celebrado consigo. Contestou também a sociedade F… invocando a prescrição do direito a que a autora se arroga e afirmando ter apenas cumprido as instruções da ré na entrega da mercadoria. Foi depois proferido despacho saneador, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto assente e à organização da base instrutória. Seguidamente, realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal respondido à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 631/4, que não teve qualquer reclamação. Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de €8.280,01, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde 30.3.2006 e até efectivo pagamento, à taxa legal para as transacções comerciais. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação, cujas alegações findou com as seguintes conclusões: A. A douta sentença, ora posta em crise, tendo em conta o teor dos factos 23 e 24, dados como provados, concluiu que entre a recorrente e a recorrida foi celebrado um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, considerando que o facto de ter sido o cliente da recorrida, e não esta, a assumir a obrigação de efectuar o pagamento do transporte não desvirtua a natureza do contrato como de transporte internacional; todavia esta conclusão revela que o Tribunal “a quo” fez uma insuficiente interpretação da matéria provada, aplicando incorrectamente o direito aos factos, que revelam que a recorrente não foi parte do contrato de transporte cujo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso constitui causa de pedir. B. Vem provado para o que aqui interessa que: “10. Em 27.1.2006, a autora entregou à ré as mercadorias vendidas à E…, acondicionadas em caixas de cartão de 60x40x40, com peso total aproximado de 165 kg”; “11. Essa mercadoria foi acompanhada da guia de transporte nº 56, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, entrega C.A.D. [Cash Against Documents] /F.O.B [Free on B]”; 12. Essa mercadoria foi acompanhada da factura nº 194, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, entrega C.A.D. e todas as despesas pagas pelo cliente” e 18. Em 30.1.2006, a ré emitiu a factura nº ……./2006, que remeteu à autora, no valor de €85,08, nela se referindo, designadamente, ... e) descrição: controlo de cobrança/recepção; manuseamento de carga/exportação; F.C.R. document; N/Intervenção/Exportação; f) condições de venda: F.O.T [free on truck] Porto.” C. Assim, resulta da factualidade provada que as condições de venda foram FOB, melhor descrito nos Incoterms 2000 e que regula as obrigações das partes, não só quanto ao risco e repartição de custos, mas também quanto às formalidades e contratos de transporte e seguro, bem como entrega e levantamento de mercadoria, segundo o qual compete à compradora (cliente da recorrida) contratar e pagar o transporte e à vendedora, a recorrida, entregar a mercadoria no armazém do transitário e suportar apenas os custos das formalidades inerentes à expedição da mercadoria. D. Ora, a matéria provada sob os nºs 11 e 12 é perfeitamente coerente com o facto provado sob o nº 18, nos termos do qual a recorrente apenas emitiu à recorrida uma factura pela emissão de documentação, despesas, manuseamento e intervenção à exportação, não lhe tendo debitado qualquer valor a título de frete de transporte, tendo sido a compradora quem procedeu ao pagamento do frete que, como é sabido, constitui contrapartida pecuniária do transporte, suportada por quem procede à sua contratação. E. Com efeito, na própria fundamentação de direito da sentença recorrida pode ler-se que “... o contrato internacional de transporte de mercadorias por estrada é aquele através do qual uma pessoa se obriga perante outra, mediante um preço, denominado frete, a realizar, por si ou por terceiros, a deslocação de uma determinada mercadoria desde um ponto de partida situado num dado país até outro ponto de destino localizado noutro país.” Portanto, o frete de transporte (preço) é um elemento essencial do contrato de transporte oneroso e que permite qualificar a relação estabelecida entre as partes como tal. Ora, faltando esse elemento essencial, o contrato entre a recorrente e recorrida, desde logo, se descaracteriza como de transporte. F. Ora, resultando dos factos assentes sob os pontos 11 e 12 que, face às condições FOB, a recorrida não tinha qualquer obrigação relativamente ao contrato de transporte, cabendo sim à compradora contratar e pagar o mesmo, e do facto sob o ponto 18 que a recorrente não emitiu à recorrida qualquer factura a título de frete, outra conclusão não se pode extrair que não seja a de que a recorrida praticou os factos provados sob os nºs 23 e 24 em nome e por conta da compradora, ou seja, em representação desta. G. Nada obsta a que a compradora, responsável pela contratação do transporte, solicite à vendedora que seja esta a contactar o transitário, em seu lugar, uma vez que, por se encontrar na origem, terá mais facilidades em fazê-lo, sendo evidente que apenas existiu contacto e não contrato, pois, como se demonstrou, a obrigação de contratar o transporte cabia ao comprador, a cliente da recorrida e não a esta. H. Face a todo o exposto, o contrato de transporte produziu os seus efeitos na esfera jurídica do comprador, nos termos dos arts. 1178, nº 1 e 258 do Código Civil, o que retira legitimidade substantiva à recorrida para responsabilizar o recorrente pelo suposto incumprimento ou cumprimento defeituoso do mesmo. I. A sentença recorrida desconsiderou, em absoluto, essa factualidade e violou o disposto nos arts. 1178, nº 1 e 258 do Código Civil. J. Mesmo que se entenda, por dever de patrocínio, que a recorrente assumiu, directamente e perante a recorrida, a obrigação de assegurar a deslocação das mercadorias e a sua entrega ao destinatário, ainda assim, o contrato entre elas não poderá ser considerado de transporte, tal como o qualificou a sentença em apreço, partindo da ideia, totalmente errada e não pretendida pelo legislador, de que, nessa situação, o transitário deixa de actuar como tal, extravasando as suas obrigações de empresa transitária e assumindo a qualidade de transportador. K. Resultou provado que “a ré é uma sociedade anónima, que se apresenta como um agente transitário ...” (facto 3.) e o Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, que regula o exercício da actividade transitária e a define, consagra no seu art. 1, nº 2, de forma expressa, como acto próprio e inerente à actividade transitária a celebração de contratos de transporte. L. Ora, mesmo quando o transitário assume perante o cliente a obrigação de colocar a mercadoria no destino e, para cumprir essa obrigação, tem necessariamente de subcontratar o transporte a terceiros, continua a agir no âmbito específico da sua actividade transitária, ou seja, como verdadeiro transitário e nunca como transportador. M. Isto porque, de facto não faz parte do objecto da actividade do transitário ser transportador de mercadorias, na medida em que está impossibilitado de executar materialmente o transporte, não só porque não dispõe, nem pode legalmente dispor de veículos destinados a esse fim (vulgarmente designados de camiões TIR), mas também porque não possui alvará para o efeito, nem o seu alvará de agente transitário lho permite. N. Assim, as empresas transitárias podem agir como intermediários entre os expedidores e os destinatários ou mesmo assumir perante os expedidores a obrigação de assegurar o transporte, contratando necessariamente o mesmo a um terceiro, transportador que seja dotado de respectivo alvará de transportador e tenha os respectivos veículos para efectuar esse transporte, sem que tal lhe faça perder a sua qualidade de empresa transitária e a transforme num transportador e o art. 13, do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, confere legitimidade a qualquer um destes tipos de intervenção do transitário no comércio jurídico: “As empresas transitárias podem praticar todos os actos necessários ou convenientes à prestação de serviços ...” e “... podem ainda celebrar contratos com terceiros, em nome próprio, por conta do expedidor ou do dono da mercadoria...” O. Face ao acervo do art. 1 e 13 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, a actividade transitária caracteriza-se como sendo uma actividade diversificada e complexa, no âmbito das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias e que não se estreita nos limites da obrigação de assegurar a deslocação das mercadorias, podendo, no entanto, incluir essa obrigação. P. Para a qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre a recorrente e a recorrida é determinante analisar o conteúdo das obrigações assumidas por aquela, ou seja, se as mesmas se reconduzem apenas a essa obrigação de transporte ou se abrangem também outras típicas e inerentes ao exercício da actividade transitária. Q. Da matéria provada, factos 13, 14, 18, 28 e 29, resulta claramente que a recorrente assumiu um vasto leque de obrigações, relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação da mercadoria da recorrida, todas elas típicas e inerentes à sua actividade de transitária, tais como: cumprimento de várias formalidades e emissão de documentação; realização das operações materiais de recepção, manuseamento, carregamento da mercadoria; recepção de informação e a sua retransmissão aos diversos operadores na cadeia de transporte; contratação do transportador efectivo, a H…, etc, o que consubstancia a prestação de um serviço complexo, que convoca a realização de actos jurídicos que não cabem no esquema estrutural do contrato típico (mercantil) de transporte e que integram e absorvem a eventual obrigação de assegurar esse transporte, fazendo desta um mero elemento do negócio jurídico. R. A sentença, ora posta em crise, qualificou o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida como de transporte, baseando-se nos factos provados sob os pontos 23 e 24, desconsiderando, uma vez mais e em absoluto, a demais factualidade provada, nomeadamente sob os pontos 13, 14, 18, 28 e 29 e, consequentemente, qualificou, erradamente, a actuação da recorrente não a considerando como de prestação de serviços no âmbito da actividade transitária. S. Ao decidir como decidiu o tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 1 e 13 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7. T. Na sentença em apreço entende-se que, face à qualificação do contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida como de transporte, ficava prejudicado o conhecimento da excepção de prescrição invocada ao abrigo do art. 16 daquele diploma, sendo aplicável, nesse caso, a prescrição prevista no art. 32 da Convenção CMR. U. Como vem alegado, o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida consubstancia-se num contrato de prestação de serviços de transitário, pelo que, e assim sendo, dúvidas não subsistirão que o prazo prescricional aplicável é o de 10 meses constante do art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7 – Estatuto Regulamentar da Actividade Transitária. V. No entanto, mesmo considerando que o contrato celebrado incluía a obrigação da recorrente de assegurar o transporte internacional de mercadorias por estrada da mercadoria da recorrida, o que só por mera e remota hipótese académica se admite, ainda assim, o prazo prescricional aplicável seria o constante do art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, na medida em que o regime jurídico deste diploma, que regula o exercício da actividade transitária, aplica-se, como se demonstrou supra, aos contratos celebrados pelo transitário mesmo quando este assume essa obrigação de assegurar o transporte e entrega, pois aquela é também considerada inerente ao exercício da actividade transitária. W. Nos termos do art. 15 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, quando o transitário, perante o seu cliente, se obriga a assegurar o transporte e necessariamente tem de subcontratar um transportador, em caso de incumprimento ou cumprimento deficiente do contrato de transporte, a responsabilidade do transitário perante o cliente beneficia dos limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material desse transporte. X. Assim, as convenções internacionais que regulam os diferentes modos de transporte só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os seus clientes, na parte relativa à limitação da responsabilidade. Se, como defende o Tribunal “a quo”, a convenção CMR se aplicasse à relação contratual entre transitário e cliente, sempre que aquele assumisse perante este a obrigação de assegurar o transporte, o art. 15 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7 seria totalmente desnecessário, pois o transitário beneficiaria automática e directamente desses limites de responsabilidade. Y. Diversamente do art. 15, que remete a regulação dos limites da responsabilidade do transitário perante o cliente para as disposições da Convenção CMR, a prescrição aplicável à responsabilidade do transitário é tratada no art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, de forma autónoma e distinta da Convenção CMR e constituindo uma norma especial, aplicando-se a todo e qualquer direito de indemnização que se pretenda exercer contra o transitário, independentemente do tipo de obrigações assumidas perante o seu cliente. Z. Note-se que a prescrição prevista neste art. 16, de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada, tem especial justificação precisamente nos casos em que o transitário assume a obrigação junto do cliente de assegurar o transporte; é que o transportador efectivo, a quem é confiada a execução material do transporte, beneficia da prescrição de 1 ano prevista na Convenção CMR, e no sentido de salvaguardar o direito de regresso do transitário contra esse transportador efectivo, houve necessidade de estabelecer um prazo prescricional um pouco inferior, pois mesmo que o cliente exerça o seu direito de indemnização perto do fim do prazo de 10 meses, o transitário dispõe de mais tempo para exercer o direito de regresso contra o transportador efectivo. AA. Na sentença recorrida, quer na factualidade provada, quer na fundamentação de direito, consta que a mercadoria foi entregue ao destinatário a 1.2.2006, data da conclusão do serviço (se se considerar que a recorrente assumiu a obrigação de colocar a mercadoria no destino), o que significa que a recorrida deveria ter exercido o direito de indemnização de que julga ser titular até ás 24 horas do dia 2.1.2007; assim quando a recorrente foi citada a 17.10.2007 já o pretenso direito da recorrida se havia extinguido por força da prescrição, tanto mais que, nos termos do disposto nos arts. 318 e segs. do Código Civil, os factos provados sob os pontos 20 e 21 não suspendem, nem interrompem a prescrição prevista no art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99. BB. Ao conhecer a questão da prescrição com base no art. 32, nº 1 da Convenção CMR, desaplicando o art. 16 do Decreto-Lei nº 255/99, de 7.7, o Tribunal “a quo” desconsiderou o pensamento legislativo e errou na determinação da norma aplicável, o que condicionou o sentido da sua decisão, razão pela qual esta decisão deve ser revogada e substituída por outra, que aplicando o art. 16 do Decreto-lei nº 255/99, de 7.7, julgue procedente a excepção de prescrição invocada pela recorrente ao abrigo desse normativo. A autora apresentou contra-alegações pronunciando-se pela confirmação do decidido em 1ª Instância. Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.*FUNDAMENTAÇÃO Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8. *O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684, nº 3 e 690, nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.*As questões a decidir são as seguintes: 1. Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a autora e a ré; 2. Prazo de prescrição aplicável.*OS FACTOS A matéria fáctica dada como provada pela 1ª Instância é a seguinte: 1. A autora é uma sociedade por quotas, que se dedica à confecção e distribuição de têxteis e vestuário, destinando grande parte dos produtos que fabrica à exportação para os mercados europeus. (alínea A. dos factos assentes) 2. No exercício da sua actividade, a autora celebrou um contrato com a interveniente E… (uma empresa alemã), através do qual aquela vendeu a esta 156 casacos, do modelo …, pelo preço total de €8.280,48, a que corresponde a factura n.º …, de 26.01.2006. (alínea B. dos factos assentes) 3. A ré é uma sociedade anónima, que se apresenta como agente transitário e se dedica à expedição e transporte internacional de mercadorias. (alínea C. dos factos assentes) 4. A ré transferiu para a interveniente G… – Companhia de Seguros, S.A., a responsabilidade civil decorrente do exercício da actividade de transitário, através do contrato de seguro com a apólice n.º …………/00000. (alínea D. dos factos assentes) 5. Na alínea j) do n.º 1 do artigo 5.º das condições gerais desse contrato de seguro refere-se que o mesmo “não cobre a responsabilidade decorrente da actividade do segurado como transportador de mercadorias” (alínea E. dos factos assentes) 6. Na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º das condições gerais desse contrato de seguro refere-se que o mesmo, “salvo convenção expressa em contrário nas condições particulares, não garante os danos consequentes da entrega indevida de mercadorias ou documento que as titule”. (alínea F. dos factos assentes) 7. Na condição especial n.º 30 desse contrato de seguro refere-se, designadamente, que “a franquia por sinistro em danos patrimoniais” é de “20.000$00”. (alínea G. dos factos assentes) 8. A ré é auxiliar transitário, em Portugal, da interveniente F…. (alínea H. dos factos assentes) 9. A interveniente F… é uma empresa transitária alemã. (alínea I. dos factos assentes) 10. Em 27.01.2006, a autora entregou à ré as mercadorias vendidas à E…, acondicionadas em caixas de cartão de 60X40X40, com peso total aproximado de 165 kg. (alínea J. dos factos assentes) 11. Essa mercadoria foi acompanhada da guia de transporte n.º 56, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, “entrega C.A.D. [Cash Against Documents] /F.O.B. [Free On Board]”. (alínea L. dos factos assentes) 12. Essa mercadoria foi acompanhada da factura n.º …, emitida pela autora, onde se refere, designadamente, “entrega C.A.D.” e “todas as despesas pagas pelo cliente”. (alínea M. dos factos assentes) 13. Em 27.01.2006, a ré preencheu e emitiu um documento denominado “F.C.R.”, com o n.º 64, onde se refere, designadamente, o seguinte: a) remetente: C…, Lda.; b) destinatário: E…; c) 12 volumes com mercadoria têxtil, com o peso bruto de 165 kg; d) observações: “Delivery Against Original F.C.R.”, €8.280,48; e) agente: F… (alínea N. dos factos assentes) 14. Em 27.01.2006, a ré preencheu e emitiu um documento denominado “declaração de expedição internacional”, com o n.º 60, onde se refere, designadamente, o seguinte: a) “este transporte fica sujeito, não obstante qualquer cláusula em contrário, à Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR)”; b) expedidor: “D…, S.A.”; c) destinatário: “F…”; d) lugar de entrega da mercadoria: “Hamburg”; e) lugar e data do carregamento da mercadoria: “…, 27.01.2006”; f) 12 volumes com mercadoria têxtil, com o peso bruto de 165 kg; g) transportador: “H…”. (alínea O. dos factos assentes) 15. A interveniente F… apôs o seu carimbo a essa “declaração de expedição internacional”, no campo relativo à “recepção da mercadoria”, com a data 01.02.2006. (alínea P. dos factos assentes) 16. A interveniente F… enviou à ré, em 01.02.2006, uma mensagem de correio electrónico, perguntando se a mercadoria podia ser entregue à interveniente E… sem esta apresentar “F.C.R.”. (alínea Q. dos factos assentes) 17. Pela mesma via e na mesma data, a ré respondeu que a mercadoria deveria ser entregue de acordo com os carregamentos do ano anterior (2005). (alínea R. dos factos assentes) 18. Em 30.01.2006, a ré emitiu a factura n.º 653.361/2006, que remeteu à autora, no valor total de €85,08, nela se referindo, designadamente, o seguinte: a) remetente: C…, Lda.; b) destinatário: E…; c) 12 volumes com mercadoria têxtil, com o peso bruto de 165 kg; d) meio de transporte: L……; e) descrição: controlo de cobrança-recepção, manuseamento de carga-exportação, F.C.R. document; N/Intervenção/Exportação; f) condições de venda: F.O.T. [free on truck] Porto. (alínea S. dos factos assentes) 19. Em 22.02.2006, a autora enviou à ré um fax, onde se refere designadamente, que “a mercadoria enviada para a E… foi entregue nas vossas instalações para ser enviada C.A.D.”, “como sabem, não poderiam ter entregue ao cliente a mercadoria livre sem a nossa autorização”, “o cliente, até à data, não procedeu ao pagamento”, “caso o cliente não efectue o pagamento até à semana 10, terão que proceder a esse pagamento”, “agradecemos os vossos comentários a este assunto o mais breve possível”. (alínea T. dos factos assentes) 20. Posteriormente, em 27.03.2006, pela mesma via, a autora enviou à ré outro fax, onde se refere, designadamente, que “o cliente ainda não procedeu ao pagamento da mercadoria até hoje”, “a responsabilidade é da vossa empresa”, “precisamos que nos informem até à próxima quarta-feira de que forma vão efectuar o pagamento”, “aguardamos a vossa resposta o mais breve possível”. (alínea U. dos factos assentes) 21. Por carta remetida por correio registado, em 09.05.2007, a autora solicitou à ré o pagamento de uma indemnização, no valor de €8.280,48 acrescidos de juros de mora, por incumprimento parcial do contrato de transporte internacional. (alínea V. dos factos assentes) 22. A ré respondeu em 21.05.2007, recusando o pagamento dessa indemnização, afirmando que a autora “nunca contratou” com a ré “o transporte e a entrega de quaisquer mercadorias”, devolvendo toda a documentação remetida pela autora e informando que iria avançar com a cobrança dos serviços referidos na factura n.º ……./2006. (alínea X. dos factos assentes) 23. A autora incumbiu a ré de transportar as mercadorias e entregá-las à interveniente E…, em …, …, Alemanha, contra o pagamento da quantia correspondente ou a apresentação pelo destinatário do original do F.C.R. (quesito 1º da base instrutória) 24. Por força do contrato celebrado entre autora e ré, esta obrigou-se ao transporte internacional por estrada e à entrega das mercadorias no destinatário, de acordo com as instruções recebidas da autora (quesito 2º da base instrutória) 25. A chamada E… não procedeu ao pagamento do preço na instituição bancária e, por isso, não tinha em seu poder as facturas e o original do documento de expedição, comprovativos do pagamento, quando as mercadorias chegaram às suas instalações. (quesito 4º da base instrutória) 26. As mercadorias enviadas pela autora à interveniente E… foram-lhe entregues “free” (livre). (quesito 5º da base instrutória). 27. A autora contactou por mais de uma vez a chamada E… no sentido de obter o pagamento do preço das mercadorias, mas sem sucesso (resposta ao quesito 6º da base instrutória). 28. Entre o mais, à ré competia receber a mercadoria, emitir a documentação, retransmitir toda a informação recebida e carregar a mercadoria no camião com destino à Alemanha. (resposta ao quesito 10º da base instrutória). 29. Em 2005, a autora enviou dois carregamentos de mercadoria à interveniente E…, também através da ré e da interveniente F… (quesito 12º da base instrutória) 30. A documentação das mercadorias enviadas em 2005 referia que a entrega era contra “F.C.R.” (quesito 13º da base instrutória) 31. Contudo, por indicação escrita da ré, as mercadorias enviadas em 2005 foram entregues “free” (livre), pela interveniente F… (quesito 14º da base instrutória).*O DIREITO 1. Na sentença recorrida considerou-se que a autora e a ré celebraram um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, entendimento contra o qual se insurge a ré, nas suas alegações de recurso, sustentando que o mesmo deverá ser qualificado como de prestação de serviços no âmbito da actividade transitária. O contrato de transporte, que não se encontra definido pela nossa lei, trata-se da convenção através da qual alguém se obriga perante outrem, mediante um preço, a realizar, por si ou por terceiro, a mudança de pessoas ou coisas de uma para outra localidade.[1] Embora não seja expressamente qualificado como tal, enquadra-se este contrato na mais ampla categoria dos contratos de prestação de serviços.[2] Se a convenção envolve a deslocação de uma determinada mercadoria desde um ponto de partida situado num dado país até um ponto de destino situado em país diferente, estaremos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias. Supõe este contrato três entidades: o expedidor, o transportador e o destinatário. Ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada aplica-se a Convenção C.M.R., assinada em Genebra em 19.5.1956, introduzida no direito português pelo Dec. Lei nº 46235, de 18.3.1965, modificada pelo Protocolo de Genebra de 5.7.1978, aprovado, para adesão, pelo Decreto nº 28/88, de 6.9. Trata-se de um contrato de formação consensual, que fica perfeito logo que as partes cheguem a acordo, sem necessidade de redução a escrito.[3] Há, porém, que distinguir a actividade própria do transporte daquela a que se dedicam as empresas transitárias, a qual consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) gestão de fluxos de bens e mercadorias; b) mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal (cfr. art. 1 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7.). É, assim, patente a diferenciação entre as actividades de transitário (prestação de serviços a terceiro, no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias) e de transportador (realização das operações necessárias para transferir uma coisa de um local para outro). Todavia, apesar dessa diferenciação, nada impede que o transitário possa actuar também como transportador, ajustando contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros.[4] Trata-se, aliás, de situação que ocorre com frequência no circuito comercial, em que algumas empresas assumem a dupla actividade de transportadora e transitária. Neste contexto, será então de qualificar o contrato celebrado entre a autora e a ré como de transporte internacional de mercadorias, à semelhança do que o fez a 1ª Instância? Da matéria fáctica dada como assente resulta o seguinte: - a ré é uma sociedade anónima, que se apresenta como agente transitário e se dedica à expedição e transporte internacional de mercadorias (nº 3); - a autora incumbiu a ré de transportar as mercadorias e entregá-las à interveniente E…, em …, …, Alemanha, contra o pagamento da quantia correspondente ou a apresentação pelo destinatário do original do F.C.R (nº 23); - por força do contrato celebrado entre autora e ré, esta obrigou-se ao transporte internacional por estrada e à entrega das mercadorias no destinatário, de acordo com as instruções recebidas da autora (nº 24). Provou-se ainda que entre o mais, à ré competia receber a mercadoria, emitir a documentação, retransmitir toda a informação recebida e carregar a mercadoria no camião com destino à Alemanha (nº 28). Ora, desta factualidade decorre que a ré não assumiu somente a obrigação de planificar e coordenar as operações necessárias à expedição das mercadorias para o seu destino, actuando como mero intermediário na celebração do contrato de transporte necessário para o efeito, o que se ajustaria à sua actividade de transitário. Assumiu igualmente a obrigação de ela própria transportar a mercadoria por estrada e de a entregar no seu destino, o que configurará então um característico contrato de transporte. Por isso, no presente caso, terá que se concluir que a ré extravasou as obrigações de transitária, assumindo patentemente os riscos e obrigações do transportador. Por conseguinte, estamos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias, como foi entendido pela 1ª Instância. É certo que, tal como flui da factualidade dada como provada, na documentação emitida pela autora e pela ré constam as inscrições F.O.B. (“free on board”) e F.O.T. (“free on truck”), mas este tipo de cláusulas, conforme assinala a autora nas suas contra-alegações, tem apenas o significado de que as despesas do transporte são pagas pelo comprador, daí não se podendo concluir que era ao comprador que cabia celebrar, por sua conta, o contrato para o transporte da mercadoria desde o local de embarque convencionado. Aliás, em casos, como o presente, de “venda documentária” em que a entrega deveria ser feita C.A.D. (“cash against documents”), é usual que o transporte seja contratado pelo vendedor, sendo os respectivos custos suportados pelo comprador (cfr. nº 12 da matéria de facto). Sucede que o facto do pagamento do transporte ter ficado a cargo do destinatário/comprador em nada desvirtua a natureza deste contrato como de transporte internacional de mercadorias, tal como não obsta a tal qualificação, conforme já se assinalou, a circunstância da ré se tratar de uma empresa transitária.[5] De resto, a possibilidade do pagamento do preço poder ser feito tanto pelo devedor, como por um terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação, flui do preceituado no art. 767, nº 1 do Cód. Civil, sendo que a concreta possibilidade de, neste caso, o pagamento do preço ser exigido pelo transportador directamente ao comprador das mercadorias sempre seria de acolher face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405 do mesmo diploma legal. Em resumo: tendo ficado provado nos nºs 23 e 24 da matéria de facto, que correspondem aos pontos 1º e 2º da base instrutória, que a autora incumbiu a ré de transportar as mercadorias e entregá-las à destinatária E… contra o pagamento da quantia correspondente ou à apresentação por esta do original do F.C.R e que, por força do contrato celebrado entre autora e ré, esta se obrigou ao transporte internacional por estrada e à entrega das mercadorias no destinatário, de acordo com as instruções recebidas da autora, factualidade que não foi impugnada pela ré/recorrente, não nos resta senão concluir pelo acerto do decidido pela 1ª Instância que qualificou tal contrato como de transporte internacional de mercadorias por estrada.*2. Sustenta a ré/recorrente que o prazo de prescrição do direito que a autora invoca é o que resulta do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7., onde se regula o exercício da actividade de transitário e no qual, no seu art. 16, se estabelece o seguinte: «O direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário prescreve no prazo de 10 meses a contar da data da conclusão da prestação de serviço contratada.» Porém, tendo sido o contrato celebrado entre a autora e a ré qualificado como de transporte internacional de mercadorias – e não de prestação de serviços de transitário – é-lhe inaplicável a norma acima citada. Com efeito, o Dec. Lei nº 255/99, de 7.7. disciplina tão só o exercício da actividade transitária, não sendo de aplicar aos casos, como o presente, em que uma empresa transitária assume obrigações inerentes ao contrato de transporte. Consequentemente, o prazo prescricional aplicável à situação “sub judice” é o que decorre da Convenção C.M.R., onde no seu art. 32 se diz o seguinte: «1. As acções que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à presente Convenção prescrevem no prazo de um ano. No entanto, a prescrição é de três anos no caso de dolo, ou de falta que a lei da jurisdição a que se recorreu considere equivalente ao dolo. O prazo de prescrição é contado: a) A partir do dia em que a mercadoria foi entregue, no caso de perda parcial, avaria ou demora; b) No caso de perda total, a partir do 30º dia após a expiração do prazo convencionado, ou, se não tiver sido convencionado prazo, a partir do 60º dia após a entrega da mercadoria ao cuidado do transportador; c) Em todos os outros casos, a partir do termo de um prazo de três meses, a contar da conclusão do contrato de transporte. O dia indicado acima como ponto de partida da prescrição não é compreendido no prazo. 2. Uma reclamação escrita suspende a prescrição até ao dia em que o transportador rejeitar a reclamação por escrito e restituir os documentos que a esta se juntaram. No caso de aceitação parcial da reclamação, a prescrição só retoma o seu curso para a parte da reclamação que continuar litigiosa. A prova da recepção da reclamação ou da resposta e restituição dos documentos compete à parte que invoca este facto. As reclamações ulteriores com a mesma finalidade não suspendem a prescrição. 3. Salvas as disposições do parágrafo 2 acima, a suspensão da prescrição regula-se pela lei da jurisdição a que se recorreu. O mesmo acontece quanto à interrupção da prescrição. 4. A acção que prescreveu não pode mais ser exercida, mesmo sob a forma de reconvenção ou excepção.”. Acontece que sendo, neste caso, o prazo prescricional de um ano, uma vez que não está em causa qualquer actuação dolosa por parte da ré, terá que se concluir, à semelhança do que se fez na sentença recorrida e pelas razões que aí vêm explanadas, que não foram postas em crise no recurso interposto, que não prescreveu o direito de indemnização que a autora invoca. É que a discordância da ré em relação ao decidido não se prende com a forma como foi contado, pela 1ª Instância, o prazo de prescrição previsto no art. 32 da Convenção C.M.R. Situa-se num momento anterior – o da aplicação “in casu” não deste prazo, mas sim do que vem previsto no art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7., questão que, como já se viu, entronca directamente na qualificação jurídica do contrato celebrado entre a autora e a ré. Decidida tal questão no sentido de estarmos perante um contrato de transporte internacional de mercadorias, torna-se, a nosso ver, inevitável a aplicação do prazo prescricional do art. 32 da Convenção C.M.R, atendendo a que a ré, pese embora a sua qualidade de agente transitário, actuou no caso dos autos como transportadora. Todavia, a ré/recorrente nas suas alegações, como forma de tentar justificar a aplicação do prazo de dez meses referido no art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7, invoca ainda o regime previsto no art. 15 do mesmo diploma[6], sustentando que as convenções internacionais que regulam os diferentes modos de transporte só se aplicam aos contratos celebrados entre os transitários e os seus clientes, na parte relativa à limitação da responsabilidade. Assim, o regime prescricional do art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7., sendo este preceito posterior à Convenção C.M.R. e tratando-se de norma especial, aplicar-se-ia a todo e qualquer direito que se pretenda exercer contra o transitário, independentemente do tipo de obrigações assumidas por este perante o seu cliente. Só que esta argumentação, por tudo o que se tem vindo a expor, não pode ser acolhida, atendendo a que a ré/recorrente agiu, neste caso, não como agente transitário, mas sim como transportadora, donde decorre que lhe é aplicável, na situação dos autos, o regime jurídico que se aplica a todos os transportadores e não aquele que se acha previsto em especial para a actividade transitária. Deste modo, não se tendo ainda esgotado à data da propositura da acção o prazo prescricional consagrado no art. 32 da Convenção C.M.R., como bem se assinalou na sentença recorrida, impõe-se, sem necessidade de mais considerações, a improcedência do recurso interposto pela ré.*Sintetizando: - Apesar da diferenciação que existe entre as actividades de transitário e de transportador, nada impede que o transitário possa actuar também como transportador, ajustando contratos de transporte de mercadorias com os interessados, directamente ou com recurso a terceiros. - Não obsta à qualificação do contrato como de transporte internacional de mercadorias, o facto do pagamento do transporte ter ficado a cargo do destinatário/comprador. - Qualificado o contrato dos autos como de transporte internacional de mercadorias, o prazo prescricional aplicável ao direito de indemnização, pese embora o transportador tenha a qualidade de agente transitário, é o previsto no art. 32 da Convenção C.M.R. e não o do art. 16 do Dec. Lei nº 255/99, de 7.7.*DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré “B…, SA”, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da ré/recorrente. Porto, 17.5.2011 Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires Manuel Pinto dos Santos João Manuel Araújo Ramos Lopes ________________ [1] Cfr. Cunha Gonçalves, “Comentário ao Código Comercial Português”, vol. II, pág. 394. [2] Cfr. Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Comercial”, vol. I, pág. 527 e segs. [3] Cfr. Ac. STJ de 20.5.1997, CJ STJ, ano V, tomo II, págs. 84/6. [4] Cfr., em sentido idêntico, por ex. Ac. STJ de 8.7.2003, CJ STJ, ano XI, tomo II, págs. 147/151, Ac. Rel. Porto de 7.12.2004, p. 0424272, disponível in www.dgsi.pt. [5] Cfr. Ac. Rel. Porto de 23.11.2009, p. 6089/05.9 TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt. [6] Esta norma tem a seguinte redacção: «1. As empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso. 2. À responsabilidade emergente dos contratos celebrados no âmbito deste diploma aplicam-se os limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se outro limite for convencionado pelas partes.»