I - A partir do momento em que a ré obtém o registo da marca a seu favor, já não faz sentido falar em concorrência desleal da sua parte, atendendo a que o registo lhe concedeu a propriedade e o uso exclusivo da dita marca. II - Sempre será de haver como inválido o registo de uma marca efectuado de má fé, em circunstâncias particularmente graves e chocantes reveladoras de uma actuação consciente e intencional do titular da marca em prejudicar terceiros ou obstaculizar a concorrência. III - Tal situação de má fé constituiria fundamento autónomo de invalidade do registo, diferente da concorrência desleal. IV - Os pressupostos de censura de um agente com base na má fé são mais exigentes do que os pressupostos de censura por simples deslealdade. V - O propósito de invalidar o registo de uma marca efectuado de má fé não é o de prejudicar o sistema de aquisição do direito baseado no registo mas o de garantir que a actuação do registante seja pautada pelas regras da boa fé.
Proc. nº 424/05.7 TYVNG.P1 Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – 2º Juízo Apelação Recorrente: “B…, SRL” Recorrida: “C…, SA” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora “B…, SRL”, registada em Itália, com sede em …, nº .., …, …, Itália, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a ré “C…, SA”, com sede na Rua …, nº …, …, …, Maia, tendo pedido a reversão total, a seu favor, da marca concedida à ré em 5.2.2001, sob o nº 350.442, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 226º e 34º, nº 2 do C.P.I.. Caso assim não se entenda, pede que seja anulada a marca concedida à ré, com base nas disposições conjugadas dos arts. 226º e 34º, nº 1, al. b), 266º, nº 1, al. a) e 239º, al. f), 317, als. a) e c) e 266º, nº 1, al. b), todos do C.P.I. e ainda art. 8º da C.U.P. Deve ainda a ré ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar em execução de sentença, acrescida dos respectivos juros de mora, desde a citação até integral pagamento e, em qualquer caso, deve ser condenada a abster-se de utilizar o sinal distintivo “Foinox” nos seus produtos, papel timbrado, facturação ou em quaisquer outros elementos utilizados na sua actividade comercial, bem como a abster-se de proceder ao pedido de registo como marca de sinal distintivo de qualquer outra forma semelhante ou confundível com o sinal distintivo “Foinox”. Alegou para tanto e, em síntese, que tal registo visou o aproveitamento do prestígio e fama da autora e contribuiu para a diminuição da sua credibilidade comercial ao instalar no consumidor a confusão relativamente à origem dos produtos por aquela marca denominados, dado que a referida marca se encontra registada em Itália a seu favor. Citada, a ré apresentou contestação, na qual alegou, no essencial, que a autora não beneficiava, aquando do registo pela ré da marca em causa, de qualquer direito ou prioridade de registo sobre aquela, sustentando ainda que o uso de um sinal não registado não pode consubstanciar facto gerador de concorrência desleal já que a lei a qualifica como marca livre. Concluiu, pronunciando-se pela improcedência da acção. No despacho saneador conheceu-se do mérito da causa, tendo a acção sido julgada improcedente. A autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão recorrida. Novamente inconformada, a autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual anulou o acórdão recorrido e determinou a ampliação da matéria de facto. Regressados os autos à 1ª Instância, foi fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória. Procedeu-se depois a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal respondido à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 1136/8, que não teve qualquer reclamação. Seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, tendo absolvido a ré dos pedidos formulados. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, vindo a finalizar as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A recorrente arguiu a invalidade do registo da marca nacional nº 350.442, “FOINOX”, por a recorrida o ter obtido, sem autorização da autora, da qual foi agente ou representante – cf. art. 169º do CPI/95 e art. 6º - septies da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20/03/1883. 2. Essas normas permitem que o agente ou representante do titular de uma marca num dos países da referida União de Paris peça o seu registo mediante autorização do seu titular. 3. Se tal autorização não existir, o registo deve ser recusado, nos termos do art. 188º, nº 1, c) do CPI/95 e, se o registo for concedido, é anulável, como determina o art. 214º, nº 1, b) do CPI/95. 4. O art. 33º, nº 2 do CPI/95 prevê que, se reunir as condições legais, pode o interessado pedir, em vez da anulação, a reversão total ou parcial do título em seu favor. 5. Na douta sentença recorrida faz-se uma tal interpretação do mencionado preceito legal que leva a concluir ser inaplicável ao caso dos autos, com a qual, com o devido respeito, e sem acrimónia, tem de se discordar. 6. A expressão «titular de uma marca num dos países da União» no art. 169º do CPI/95 sofre uma interpretação injustificadamente restritiva na sentença recorrida. 7. No âmbito da Propriedade Industrial o princípio da prioridade registal é pedra basilar da aquisição de direitos. Esse verdadeiro direito pertence a quem, em primeiro lugar, apresentar regularmente o pedido de registo com os respectivos documentos – cf. art. 11º, nº 1 do CPI/95. 8. À data em que a recorrida apresentou o pedido de registo da marca “FOINOX” em Portugal (12/10/2000) já a recorrente havia pedido o registo da mesma marca em Itália (19/04/1999). 9. Sendo aplicáveis as regras de prioridade portuguesas (art. 11º, nº 1 do CPI/95), não se suscita qualquer dúvida de que o pedido de registo de marca da recorrente goza de prioridade em face do pedido de registo de marca da recorrida. 10. No douto aresto recorrido entendeu-se que essa regra de prioridade não releva, por o art. 169º do CPI/95 apenas se aplicar ao «titular de uma marca num dos países da União», e já não ao requerente de um registo de marca com prioridade. 11. O legislador utiliza no art. 169º do CPI/95 a expressão «titular de uma marca num dos países da União», quando é óbvio que o objecto da titularidade incide sobre o registo e não sobre uma marca. 12. A expressão mais rigorosa seria, então, «titular de um registo de marca» - vd. esta formulação, mais rigorosa, é utilizada no art. 196º, nº 1 do CPI/95. 13. O legislador utilizou a expressão «titular de uma marca» ao invés de «titular de um registo de marca», precisamente, para abranger (ou não excluir) os titulares dos países da União de Paris em que o registo não é constitutivo do direito. 14. Se se aceitasse a interpretação de que apenas os «titulares de marcas» registadas podem gozar da protecção conferida pelo art. 6º - septies da Convenção da União de Paris e do art. 196º, nº 1 do CPI/95, tal significaria excluir dessa protecção os «titulares de marcas» de todos os países em que esse direito não se adquire pelo registo, mas pela simples prioridade do uso (internacionalmente designada por “first to use”) ou pela notoriedade que a marca haja alcançado. 15. A (co)existência, a nível mundial, de diversos sistemas de aquisição de direitos de marca – inclusivamente através do uso -, não admite a interpretação do art. 6º - septies da Convenção da União de Paris e do art. 196º, nº 1 do CPI/95 que faz depender a protecção aí consagrada da existência prévia de um registo de marca. 16. Se assim fosse, seria negada “ab initio” a protecção a todos os «titulares de marcas» dos países-membros da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial em que o direito de marca se adquire por outros meios que não o registo – pelo uso, pela inscrição, pelo depósito, pela notoriedade, por diversos sistemas mistos, etc. 17. A interpretação que subjaz à sentença apelada afasta-se do sentido razoável que o legislador pretendeu conferir ao art. 196º, nº 1 do CPI/95, e que não foi, decerto, o de excluir a protecção dos «titulares de marcas» dos (muitos) países-membros da União de Paris que não têm um sistema de aquisição de direitos de marca igual ao português. 18. A expressão «titulares de marcas» do art. 196º, nº 1 do CPI/95 - não pode significar titulares de registos de marcas concedidos anteriormente, - devendo ser interpretada em sentido amplo, de modo a não prejudicar minimamente os cidadãos dos países-membros da União de Paris – como a Itália – que tenham adquirido direitos de marca pelo uso anterior ou a outro título, nos termos da lei nacional dos mesmos. 19. “Mutatis mutandis”, se no conflito entre duas marcas em Portugal prevalece a que goza de prioridade, não se vislumbra nenhuma razão para que no conflito com marcas provenientes de outros países (às quais a lei pretende conferir protecção em situações especiais), seja postergado o princípio da prioridade. 20. Conclui-se que a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 196º, nº 1 e 214º, nº 1, b) do CPI/95, devendo por isso ser anulada, e, por consequência, ser a acção julgada procedente por provada. 21. A recorrente invocou na petição inicial que o registo da marca “FOINOX”, pela ré, infringe o direito ao nome comercial “B…, S.R.L.”, previamente constituído em Itália. 22. Os factos provados 1, 5 e 8 são suficientes para provocar a invalidade do registo da marca nacional nº 350.442, “FOINOX”, nos termos do art. 33º, nº 1, al. b) do CPI/95 – referido ao art. 189º, nº 1, al. f) -, e no art. 8º da já referida CUP. 23. Na douta sentença recorrida faz-se uma interpretação do disposto no art. 8º da CUP, que colide com o próprio texto da norma, reduzindo a quase nada o seu efeito útil. 24. Por via do art. 8º da CUP, todos os países-membros da União de Paris obrigaram-se a dar um tratamento mais favorável aos nomes comerciais dos outros países-membros, que beneficiam de uma isenção de registo ou de depósito em todos os restantes países da União. 25. Uma denominação social portuguesa será protegida na Itália, independentemente de registo nesse país (mesmo [se] esse registo for exigido às sociedades italianas), e, segundo a referida regra de reciprocidade, uma denominação social italiana gozará de protecção em Portugal, independentemente de registo no nosso país. 26. É por força desse espírito “unionista” que os países-membros (incluindo Portugal e a Itália) decidiram perfilhar a regra de protecção nacional dos nomes comerciais estrangeiros, que serão protegidos num dado país-membro sem terem de cumprir as exigências de registo do mesmo. 27. No acórdão desta Relação de Lisboa de 15/01/2007 (apelação nº 4599/06-2) conclui-se que «A protecção do nome comercial ao abrigo do art. 8º, da Convenção da União de Paris, impõe o uso ou o facto do referido nome ser notoriamente conhecido no país onde se pretenda a referida protecção». 28. Tendo sido dado como provado que a denominação social “B…, S.R.L.”, da recorrente, está protegida na Itália (desde 19/01/1989), e que é conhecida em Portugal (por ter sido utilizada nas suas relações comerciais com vários representantes em Portugal, nomeadamente a recorrida), desde data anterior à do pedido de registo em Portugal da marca “FOINOX”, apresentado pela recorrida em 12/10/2000, deve aquela beneficiar da protecção consagrada [no] artigo 8º da CUP, para o efeito de impedir o registo dessa marca. 29. Razões por que se conclui que a sentença recorrida violou o art. 33º, nº 1, al. b) do CPI/95 – referido ao art. 189º, nº 1, al. f) -, e o art. 8º da CUP. 30. Na petição inicial invocou-se que a conduta da ré – de registar em nome próprio uma marca igual à denominação social e marca da empresa que representava, ora recorrente – consubstancia um comportamento de concorrência desleal e, por consequência, que o registo daquela marca deve ser revertido para a recorrente ou, subsidiariamente, invalidado. 31. Na sentença recorrida considerou-se que a concorrência desleal, no domínio do CPI/95 era um fundamento de recusa de registo, mas já não de invalidade do mesmo. 32. Contudo, haverá a considerar que o art. 25º, nº 1, al. d) do CPI/95 estabelecia como fundamento geral de recusa da patente, modelo, desenho ou registo «O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.» 33. Tem-se defendido que a concorrência desleal seria, então, fundamento de recusa do registo de marca, mas já não fundamento de invalidação do mesmo. Essa solução não tem qualquer lógica! 34. Com o devido respeito por opinião contrária, só uma esforçada doutrina pode tentar colmatar algumas insuficiências da lei. 35. Entre as causas de nulidade dos títulos de propriedade industrial previstas no art. 33º, nº 1 do CPI/95 não se prevê, expressamente, a concorrência desleal, mas sendo a formulação desse preceito legal genérica, também não exclui a concorrência desleal. 36. Aliás, a concorrência desleal pode ser enquadrada no art. 33º, nº 1, al. a) do CPI/95, por o seu objecto ser insusceptível de protecção. 37. E, o art. 133º, nº 1, c) do Código do Procedimento Administrativo fulmina com a nulidade o acto cujo objecto constitua um crime. 38. Na vigência do CPI/95 a concorrência desleal é um ilícito criminal, custando por isso admitir que não possa ser invalidado o registo de uma marca que serve ou pode servir para praticar esse crime! 39. Na interpretação da lei não deve perder-se de vista que, no domínio do CPI/2005, a concorrência desleal era uma das infracções contra a propriedade industrial (art. 257º), tipificada como ilícito criminal (art. 260º). 40. Se um registo de marca deveria ser recusado quando o INPI reconhecesse que poderia servir para fazer concorrência desleal (isto é, para praticar um crime), também não pode ser mantido em vigor, nas mesmas circunstâncias, se o uso da marca pode servir ou serve para praticar esse mesmo crime. 41. Um marca que é adoptada como meio para conseguir ludibriar os consumidores (a começar pelos que adquiriram ao representante os produtos da representada) sobre a origem empresarial e fabricante dos produtos de um concorrente, para tirar benefício ilegítimo do crédito anteriormente grangeado pelos seus produtos, não constitui um sinal adequado a distinguir os produtos de uma empresa dos da outra empresa (cfr. art. 165º, nº 1, parte final). 42. O objecto dessa marca é precisamente o oposto ao que a lei consagrou: essa marca, nas mãos do ex-representante da recorrente, serve apenas para confundir os consumidores, não para distinguir os produtos. 43. A matéria de facto provada evidencia que o registo da marca “FOINOX” pela recorrida (em Portugal e noutros países) foi um estratagema para induzir os consumidores em confusão, pois desse modo poderia “prolongar” a possibilidade de fazer uso dos sinais distintivos “FOINOX”, mesmo após o termo da representação da “B…, S.R.L.” e dos seus produtos “FOINOX”. 44. Cumpre referir que a recorrente pretende fazer concorrência desleal não apenas através de actos de confusão com os produtos “FOINOX” da recorrente que representou em Portugal, mas também em relação ao próprio nome comercial “B…, S.R.L.”, da recorrente. 45. Pelo exposto, e caso não [seja] julgado procedente o pedido de reversão do título a favor da recorrente, ou, subsidiariamente, o pedido de anulação do mesmo, 46. deverá, então, ainda subsidiariamente, ser declarada a nulidade do registo e a proibição do uso da marca “FOINOX”, nos termos do art. 32º, nº 1, al. a) do CPI/95 e do art. 133º, nº 1, al. c) do CPA – que era aplicável subsidiariamente ao procedimento especial previsto no CPI/95, nos termos do nº 1 do art. 2º do CPA. Pretende assim a recorrente que sentença recorrida seja revogada e a acção julgada totalmente procedente. A autora/recorrida apresentou contra-alegações nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido em 1ª Instância. Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.*FUNDAMENTAÇÃO Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8.*O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.*As questões a decidir são as seguintes: A) Apurar se no caso “sub judice” ocorreu violação do disposto no art. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 em virtude da ré ter registado a marca sem autorização da autora; B) Apurar se ocorreu violação da protecção concedida ao nome comercial pelo art. 8º da Convenção da União de Paris; C) Apurar se ocorreu concorrência desleal por parte da ré.*OS FACTOS A matéria fáctica fixada pela 1ª Instância é a seguinte: 1. A autora “B…, SRL” foi constituída em 19 de Janeiro de 1989 com a denominação social “B…, S.R.L.” denominação social esta que usa, até à presente data na sua actividade comercial tendo por objecto: projecto-produção-comércio de equipamentos de electricidade e gás para uso doméstico, profissional, industrial, além de abatedores de temperatura, instalação e aparelhos para refrigeração (alínea A) dos factos assentes). 2. A ré “C…, SA” foi constituída em 30 de Janeiro de 1990 e tem por objecto a importação e representação de máquinas e comércio por grosso e a indústria de construção civil, a compra, venda e revenda de propriedades e revenda de adquiridos (alínea B) dos factos assentes). 3. No decurso da sua actividade, a autora requereu o registo da marca “Foinox” em Itália, em 19 de Abril de 1999, para assinalar os seguintes produtos: fornos (com excepção de fornos utilizados em experiências), sistemas de arrefecimento para fornos, congeladores, equipamento de produção de calor, de vapor, de cozedura e congelação, bem como equipamento de ventilação, de distribuição de água e para instalações sanitárias, tendo a mesma sido concedida sob o nº 867 983, em 23 de Maio de 2002 (alíneas C) e D) dos factos assentes). 4. A autora é titular dos seguintes sinais distintivos: denominação social “B…, S.R.L.” desde 19 de Janeiro de 1989: marca italiana nº 867983 “Foinox” requerida em 19 de Abril de 1999 e concedida em 23 de Maio de 2002 e nomes de domínio “B….it” e “B….com” desde 31 de Julho de 1997 e 7 de Novembro de 2000, respectivamente (alínea D` dos factos assentes). 5. Em Portugal, a autora recorreu, entre outras sociedades, à ré como distribuidora e vendedora dos produtos Foinox no mercado português, desde 1994 (alínea E) dos factos assentes). 6. A autora requereu em Julho de 1997 e Novembro de 2000, respectivamente, os nomes de domínio de Internet B….it e B….com (alínea F) dos factos assentes). 7. A autora requereu o registo da marca comunitária nº 6043775 “Foinox” – nominativa – em 11 de Fevereiro de 2003 para assinalar fornos, aparelhos, instrumentos, dispositivos e recipientes de refrigeração e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de calor, de cozedura e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de vapor, de cozedura, de refrigeração, de secagem, de ventilação, de distribuição de água (alínea G) dos factos assentes). 8. A ré, sem que em momento algum informasse a autora, requereu, para si, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo da marca nacional “Foinox” em 12 de Outubro de 2000, destinando-se a assinalar os seguintes produtos: fornos eléctricos e a gás, incluindo fornos mistos, fornos de padaria e pastelaria, fornos de convecção e abatedores de temperatura (aparelhos de arrefecimento), tendo-lhe o mesmo sido concedido em 5 de Fevereiro de 2001, sob o nº 350.442 (alínea H) dos factos assentes). 9. Com base no pedido de registo português, a ré apresentou igualmente pedido de registo de marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, indicando a data do pedido português como data de prioridade e fundamento para a marca internacional, que veio a ser concedida em 5.3.2001, sob o nº 753.314 (alínea I) dos factos assentes). 10. A autora foi contactada por alguns distribuidores (resposta ao nº 4 da base instrutória).*O DIREITO A) A autora, com a presente acção, pede a reversão a seu favor da marca “Foinox” concedida à ré, sua distribuidora em Portugal, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o nº 350.442 e, subsidiariamente, para o caso da reversão não ser deferida, pede a anulação da respectiva marca. Peticiona ainda a condenação da ré no pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais. A posição da autora funda-se no regime da propriedade industrial que permite a oposição do titular do registo de uma marca não registada em Portugal ao pedido de registo feito pelo seu agente ou representante em Portugal sem a sua autorização, sustentando igualmente que a conduta da ré consubstancia um comportamento de concorrência desleal. A ré opõe-se a tal pretensão por entender que a autora não beneficiava, aquando do registo da marca “Foinox”, de qualquer direito ou prioridade relativamente a essa mesma marca, considerando ainda não haver da sua parte qualquer facto gerador de concorrência desleal, uma vez que aquela se tratava de marca livre. A 1ª Instância não acolheu a pretensão da autora, vindo a julgar a acção totalmente improcedente, com o que esta não se conformou, interpondo o presente recurso de apelação. Da análise das suas alegações a primeira questão que se coloca é a de apurar se ocorre violação do disposto no art. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 em virtude da ré ter registado a marca sem autorização da autora.[1] A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos, entre os quais se encontram as marcas – cfr. art. 1º do Cód da Propriedade Industrial de 1995. A marca é o sinal que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor e, por isso, se integra nos sinais distintivos do comércio. Pode ser definida, em termos gerais, como o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de um dado empresário em face dos produtos e serviços dos demais. Ou, por outras palavras, é o sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias, ou serviços, e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.[2] A lei portuguesa consagra o sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade das marcas. Assim, no caso de registos nacionais, a propriedade de uma marca adquire-se através do respectivo registo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que ela se destina, conforme resulta do art. 167º, nº 1 do Cód. da Propriedade Industrial de 1995. Em idêntico sentido, o art. 207 do mesmo diploma estabelece que «o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.» O direito à marca é, pois, um direito que decorre do registo de um dado sinal distintivo que é a marca. Por conseguinte, não haverá direito exclusivo sobre um determinado sinal se este não estiver registado; o bem imaterial que é objecto desse direito apenas se reconduz em termos directos e imediatos ao seu titular desde que tal conste do registo[3], o que se trata de aplicação do princípio geral segundo o qual os direitos privativos da propriedade industrial estão sujeitos a um sistema de registo constitutivo ou atributivo.[4] Deste modo, na sequência do que se vem expondo, há que concluir que no sistema português a propriedade da marca não resulta do seu uso, mas do seu registo, de tal forma que prevalecerá o direito de quem primeiro registou a marca e não daquele que primeiro a usou.[5] No caso dos autos, face à matéria fáctica dada como assente, verifica-se que aquando do registo da marca “Foinox” por parte da ré, a autora não era titular do registo dessa marca. Com efeito, a autora requereu o registo da marca “Foinox”, em seu nome, junto das competentes entidades italianas, em 19.4.1999, vindo o seu licenciamento a ocorrer apenas em 23.5.2002 (cfr. nº 3). Acontece que a ré entretanto requereu para si, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o registo da marca nacional “Foinox” em 12.10.2000, tendo-lhe o mesmo sido concedido em 5.2.2001 e depois requereu o registo da marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, o que lhe foi igualmente concedido em 5.3.2001 (cfr. nºs 8 e 9). Assim, tendo o registo da marca em nome da autora, em Itália, ocorrido apenas em 23.5.2002, só a partir desta data pode esta reivindicar a protecção do seus direitos de autor. Dispõe o art. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 que «o agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União pode pedir o seu registo mediante autorização do mesmo titular.» Reporta-se esta norma à União Internacional para a Protecção Industrial criada pela Convenção de Paris de 20.3.1883. Daqui flui que a aplicação do disposto no citado art. 169º pressupõe a existência de um direito sobre uma marca validamente adquirido, de tal forma que se um sinal não se acha registado como marca em Portugal ou em qualquer outro país da União se trata de uma marca livre. Ora, no caso dos autos o que se verifica é que na data em que a ré requereu o registo da marca “Foinox” em Portugal (12.10.2000) a autora, apesar de já ter pedido o respectivo registo em Itália, ainda não era titular desta marca, pelo que não estava obrigada a obter a sua autorização nos termos daquele art. 169º. Conforme se afirma na sentença recorrida, se o principal, em contrato de agência ou distribuição, não for titular da marca, no país de origem, pode o agente ou distribuidor proceder ao registo da mesma, independentemente de qualquer autorização, sendo-lhe inaplicável o preceituado no art. 169º.[6] É certo que o art. 11º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 consagra a prioridade do primeiro pedido apresentado regularmente. Porém, esta norma refere-se somente aos registos efectuados em Portugal, não sendo de aplicar a registos requeridos noutros países. Assim, a autora para poder beneficiar de um direito de prioridade semelhante ao direito de prioridade de apresentação de um pedido feito em Portugal teria que proceder, dentro dos limites legalmente estabelecidos, ao pedido de registo da marca em território nacional. Solução esta que resulta, aliás, da conjugação dos arts. 11º, 12º e 170º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 com o disposto no art. 4º da Convenção da União de Paris. Diz-se nesta norma que aquele que tiver devidamente apresentado pedido de registo de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do direito de prioridade durante o prazo de seis meses - A.(1) e C.(1). Reconhece-se como dando origem ao direito de prioridade qualquer pedido com valor de pedido nacional regular, em virtude da legislação nacional de cada país da União ou de tratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre países da União – A.(2). Deve entender-se por pedido nacional regular qualquer pedido efectuado em condições de estabelecer a data em que o mesmo foi apresentado no país em causa, independentemente do resultado ulterior do pedido – A.(3). Consequentemente, a autora para poder beneficiar do direito de prioridade concedido pelo art. 11º do Cód. da Propriedade Industrial, teria, nos termos do art. 4º da Convenção da União de Paris, que no período de seis meses após o pedido de registo da marca por si feito em Itália, vir requerer o registo dessa mesma marca em Portugal, o que, como já se assinalou, não ocorreu. Sucede, todavia, que a autora nas suas alegações de recurso veio sustentar que à face da lei italiana o direito à marca se adquire independentemente do registo, pelo que a interpretação defendida na sentença recorrida entraria em conflito com a legislação em vigor em Itália. Na sua perspectiva, a expressão “titulares de marcas” utilizada pelo art. 6º - septies[7] da Convenção da União de Paris não pode ser interpretada no sentido de abranger apenas os titulares de marcas registadas, pois tal significaria excluir de protecção todos os agentes económicos que adquiriram a marca por outros meios, que não o registo (pelo uso, pela inscrição, pelo depósito, pela notoriedade, etc.). Não podemos olvidar, contudo, o que se acha estabelecido na mesma Convenção da União de Paris, no seu art. 2º (1), onde se diz o seguinte: «Os nacionais de cada um dos países da União gozarão em todos os outros países da União, no que se refere à proteção da propriedade industrial, das vantagens que as leis respectivas concedem actualmente ou venham a conceder no futuro aos nacionais, sem prejuízo dos direitos especialmente previstos na presente Convenção. Em consequência, terão a mesma proteção que estes e os mesmos recursos legais contra qualquer atentado dos seus direitos, desde que observem as condições e formalidades impostas aos nacionais.» Tal significa que as protecções que são concedidas pela Convenção da União de Paris ficam sempre dependentes da observância das condições e formalidades previstas na legislação nacional aplicável. Tanto basta para que a argumentação explanada pela autora/recorrente nas suas alegações não possa ser acolhida. Porém, constata-se igualmente que esta questão – a da autora ser titular da marca “Foinox”, em Itália, antes de ter procedido ao seu registo, em virtude de no sistema italiano o registo não ser constitutivo – se trata de questão nova, que apenas em sede de recurso de apelação foi suscitada. Acontece que os recursos visam tão somente a reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos. Com efeito, o regime dos recursos é o da revisão ou reponderação, daí decorrendo que o tribunal “ad quem” não se pode pronunciar sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal “a quo”. Por isso, a regra, que, aliás, decorre do estatuído, designadamente, nos arts. 676º, nº 1 e 684º nº 3 do Cód. do Proc. Civil, é a de que os recursos não podem ter por objecto questões que as partes não tenham colocado à apreciação do tribunal recorrido nos articulados da causa e que por ele não foram, naturalmente, apreciadas. Esta regra, porém, comporta duas excepções: a) situações em que a lei expressamente determina o contrário; b) situações em que em causa está matéria de conhecimento oficioso. Sucede que a questão agora colocada pela autora em sede de recurso não se enquadra em nenhuma destas excepções, motivo pelo qual se encontra vedado a este Tribunal o seu conhecimento.[8] Mas mesmo abstraindo de estarmos perante uma questão nova, ainda por outros motivos, não poderá a posição defendida pela autora ser aceite. É certo que a legislação italiana, apesar do princípio geral de que o direito exclusivo de marca se adquire com o registo, consagra soluções que tutelam as marcas usadas não registadas, de notoriedade não local e de notoriedade local[9], o que implicaria que, para o sucesso da tese da autora, se apurassem elementos factuais donde decorresse que a marca “Foinox” dispunha dessa notoriedade em Itália. Só que a autora na sua petição inicial não alegou factualidade da qual resultasse que, em virtude de um uso notório, fosse titular de uma marca não registada em Itália. Limitou-se tão só a alegar que podia fazer prevalecer da prioridade do seu pedido de registo em Itália, de modo a desencadear a aplicação do preceituado nos arts. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 e 6º da Convenção da União de Paris. Sucede que tal linha argumentativa já foi por nós afastada, atendendo a que a autora à data do registo da marca “Foinox” em nome da ré não era titular desta marca, pelo que a ré não lhe estava obrigada a solicitar autorização nos termos das duas disposições atrás referidas.*B) O art. 8º da Convenção da União de Paris estabelece que «o nome comercial está protegido em todos os países da União sem obrigação de depósito ou de registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou comércio.» Esta norma, porém, terá que ser conjugada com o art. 2º da mesma Convenção já atrás citado, no qual se estabelece o que se designará como princípio da assimilação ou do tratamento nacional. Dessa conjugação resulta que a regra do art. 8º se deverá subordinar à da assimilação, de forma a impedir que os direitos dos estrangeiros se possam sobrepor aos direitos dos nacionais. Este art. 8º não visa, em caso de conflito com nomes existentes no país de destino, ainda quando nestes países o nome é objecto de direito privativo e de registo, estabelecer qualquer prioridade. A essência da tutela conferida pelo art. 8º consiste na atribuição de um direito à identidade da designação da empresa, que não é um direito exclusivo, nem se funda no registo ou na prioridade de uso. O efeito do art. 8º, para os países que conhecem um direito privativo ao nome comercial, por intermédio de um registo, é assim o de limitar o exclusivo que a lei interna atribui. Há que admitir a coexistência com direitos não registados. Mas paralelamente, também os titulares convencionais não poderão impedir que os direitos titulados pelo registo continuem a ser usados. Para que se assegure que o nome regularmente adquirido possa ser usado transfronteiras tem de se admitir que esse nome comercial coexista com outros nomes regularmente adquiridos nos países de destino: e que não seja um direito exclusivo.[10] Daqui resulta, no âmbito da concorrência, uma situação algo anómala, mas de leal concorrência, que é a utilização no mesmo espaço territorial – país de destino – de dois nomes comerciais ou firmas, caracterizadas por elementos distintivos análogos, o que se trata de uma consequência da aplicação do dito art. 8º.[11] Alude a autora/recorrente, nas suas alegações, ao Acórdão da Relação de Lisboa de 15.1.2007, que diz ter sido proferido na Apelação nº 4599/06 –2, onde se concluiu que a protecção de nome comercial de acordo com o art. 8º da Convenção de Paris impõe o uso ou o facto do referido nome ser notoriamente conhecido no país onde se pretenda a referida protecção.[12] Nesta linha, para poder beneficiar da protecção do dito art. 8º sempre se imporia à autora que alegasse e consequentemente provasse que a sua designação comercial goza de notoriedade que justifica a sua sobreposição face aos interesses da ré, enquanto empresa nacional. Acontece que a factualidade dada como assente (nomeadamente os nºs 1, 5 e 8) é insuficiente para permitir concluir no sentido dessa notoriedade, sendo ainda de sublinhar que a autora não possui em Portugal qualquer estabelecimento, filial ou sucursal que possa justificar a aplicação do regime do art. 8º da Convenção de Paris. Deste modo, o art. 189º, nº 1, al. f) do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 não era fundamento para recusa do registo da marca (mesmo que a designação “Foinox” contivesse firma que não pertencesse ao requerente do registo e fosse susceptível de induzir em erro o consumidor), porquanto nenhuma disposição nacional impunha tal recusa.*C) O art. 260º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 diz-nos que comete o crime de concorrência desleal «quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente: a) os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; (...).» A liberdade de concorrência, de um ponto de vista subjectivo, representa a possibilidade teórica de todo e qualquer agente económico aceder, como fornecedor de produtos e serviços, a um dado mercado, e de aí desenvolver a sua actividade – é a faculdade de qualquer empresário competir com os demais. Já numa perspectiva objectiva, a liberdade de concorrência significa a situação objectiva de mercado no qual todos os intervenientes se encontram em situação de igualdade – é a competição em si mesma considerada. De entre as normas que visam facilitar ou salvaguardar a existência de competição, pode-se distinguir conforme tais normas têm em vista a concorrência em sentido subjectivo, isto é, a liberdade de cada um poder criar e expandir os seus negócios, ou a concorrência em sentido objectivo, isto é, a existência de um mercado efectivamente concorrencial. A repressão da concorrência desleal integra-se na primeira destas perspectivas, consistindo na proibição de determinadas práticas ou, por outras palavras, na imposição de determinados deveres no sentido de os empresários que actuam no mercado procederem honestamente.[13] Acto de concorrência é aquele acto que é susceptível de, no desenvolvimento de uma actividade económica, prejudicar outro agente económico, prejuízo esse que se consubstancia num desvio da respectiva clientela, efectiva ou potencial. Quando tal se verifica em termos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, dá-se um acto de concorrência desleal. Constituem assim concorrência desleal os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela. Assenta pois a concorrência desleal na idoneidade para reduzir, ou mesmo suprimir, a clientela alheia, real ou possível, com vista à criação e expansão, directa ou indirecta, de uma clientela própria.[14] Há então que indagar se a conduta da ré é susceptível de configurar uma situação de concorrência desleal, de modo a que, por este meio, possa a pretensão da autora com vista à reversão/anulação da marca ser acolhida.[15] De tudo o que já se expôs, resulta que à data em que à ré foram concedidos os registos nacional e internacional da marca “Foinox” a autora não era titular de nenhum registo em seu nome daquela mesma marca, sucedendo ainda que não foi alegado nem provado que a autora fosse titular de tal marca em Itália, por via não registal, em virtude de uso notório. Para que a actuação da ré pudesse ser havida como concorrência desleal, seria imprescindível que se provasse factualidade da qual resultasse que o uso da marca “Foinox” por parte desta configurava acto contrário às normas e usos honestos. Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão que nestes autos foi proferido em 22.1.2008, determinou a baixa dos autos precisamente para que a 1ª Instância ampliasse a matéria de facto, de modo a apurar se ocorreram – ou não - factos susceptíveis de consubstanciar concorrência desleal, o que na sua perspectiva levaria à procedência do pedido de anulação da marca da ré e também do pedido indemnizatório formulado, ou, pelo menos, à procedência deste último. Só que regressando os autos à 1ª Instância com esse objectivo, nada ficou provado donde pudesse resultar a prática de actos de concorrência desleal por parte da ré. Sublinhe-se, de resto, que dos nove números que compuseram a base instrutória, apenas um - o 4º, que corresponde ao nº 10 da matéria de facto - mereceu resposta restritiva, a qual, pelo seu conteúdo, se nos afigura inócua. Mas, para além disso, não seria compreensível que a lei, num primeiro momento, facultasse o uso de um sinal não registado como marca livre e que depois, num segundo momento, inviabilizasse esse uso por constituir concorrência desleal. Antes do registo a concorrência desleal não é convocada em sentido próprio e directo, como um instituto repressivo de actos desleais concretos e actuais. A concorrência desleal actua, de modo impróprio e indirecto, como um instrumento excepcional destinado a evitar registos que possam pôr em causa posições de concorrência conquistadas no mercado por terceiros de boa fé. Mas uma coisa é atenuar o sistema e outra, bem diferente, é perverter o sistema. Ora é disso que se trata na hipótese de ser possível invalidar o registo de uma marca com o fundamento único em concorrência desleal objectiva e não numa prestação desleal particularmente qualificada. Nesta perspectiva, o titular de uma marca de facto acaba por ter um direito tão forte ou mesmo, na medida em que o possa vir a anular, um direito mais forte que o do titular de uma marca registada. Por esta janela, entretanto aberta, acabaria por cair todo o sistema de aquisição do direito baseado no registo.[16] A defesa de posição, que levaria, independentemente de registo, a conceder-se protecção jurídica a todos os sinais distintivos que pudessem qualificar-se como marcas, não é assim sustentável face àquela que é a tradição do direito português. No nosso sistema o utente de marca não registada está sujeito à contigência de ver o seu direito de uso prejudicado pelo registo de marca idêntica ou semelhante que um terceiro venha a fazer. Feito o registo, não só o primeiro ocupante da marca fica impedido de a registar em seu nome, mas pode mesmo vir a ser proibido para o futuro de continuar a usá-la.[17] O que se compagina com a natureza constitutiva do registo, já atrás salientada e que se traduz na aquisição da propriedade da marca pelo registo. Por isso, a partir do momento em que a ré obtém o registo da marca a seu favor, já não faz sentido falar em concorrência desleal da sua parte, atendendo a que o registo lhe concedeu a propriedade e o uso exclusivo da dita marca.[18] Seguindo a decisão recorrida e o anterior Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nestes autos em 26.6.2007, dir-se-à que alguma doutrina [Oliveira Ascensão, “Concorrência Desleal”, § 225] se pronunciou no sentido de se considerar tal orientação bastante restritiva. Porém, sempre será muito difícil contornar o princípio da liberdade – tudo é livre antes do registo não estar organizado, sem prejuízo de situações muito particulares poderem conduzir à violação de normas e usos honestos, apresentando-se como exemplo as hipóteses previstas para a tutela da invenção não patenteada, em caso de confusão. É de entender, contudo, que sempre seria de haver como inválido o registo de uma marca efectuado de má fé, em circunstâncias particularmente graves e chocantes reveladoras de uma actuação consciente e intencional do titular da marca em prejudicar terceiros ou obstaculizar a concorrência, o que constituiria, assim, fundamento autónomo de invalidade do registo, diferente da concorrência desleal. É que os pressupostos de censura de um agente com base na má fé são mais exigentes do que os pressupostos de censura por simples deslealdade. Por conseguinte, o perigo de subversão do sistema, atrás referido, já não procede do mesmo modo na hipótese de invalidade com fundamento em má fé. Com efeito, o propósito de invalidar o registo de uma marca efectuado de má fé não é o de prejudicar o sistema de aquisição do direito baseado no registo. O propósito é o de garantir que a actuação do registante seja pautada pelas regras da boa fé. Se essa actuação for de manifesta e intencional deslealdade, em relação a outro concorrente, a deslealdade não actua como causa autónoma de invalidade, mas sim como expressão e prova de má fé do titular da marca.[19] Todavia, regressando à factualidade apurada nos autos, que não se mostra impugnada pela autora/recorrente e no seguimento do que já atrás se expôs, o que se constata é que não se provaram factos susceptíveis de consubstanciar tal má fé. Recuperando a argumentação da sentença recorrida, o que estará em causa é a possibilidade de confusão entre as actividades económicas desenvolvidas pela autora e pela ré, face ao objecto da primeira (cfr. nº 1) e ao alcance da marca registada pela segunda (cfr. nº 8). A confusão não será aqui entre os sinais distintivos, mas sim entre os elementos em que as actividades económicas de ambas se concretizam (identidade dos empresários; estabelecimentos; produtos ou serviços). Ora, para que haja um acto desleal de confusão entre produtos não basta a confusão entre sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário que à usurpação do sinal se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos, a relação de concorrência e a contraditoriedade de normas ou usos honestos comerciais, bastando, porém, a susceptibilidade de confusão ou confundibilidade, não a efectiva confusão. Neste caso, verifica-se que a susceptibilidade de confusão surge entre a marca da ré e a denominação social da autora. Se é certo que a ré distribuía em Portugal, desde 1994, produtos da autora (cfr. nº 5), o que é verdade é que esta não alega que os seus produtos, vendidos em Portugal, fossem apresentados com a indicação da marca “Foinox”. Isto é, da factualidade dada como assente não resulta que até ao pedido de registo da marca pela ré, os produtos da autora que a ré vendia como distribuidora fossem assinalados pela aposição da marca “Foinox”. Marca de que a autora só passaria a beneficiar em Itália a partir de 2002, já depois de a ré ter concretizado o seu registo em Portugal. Poderá, em qualquer caso, sustentar-se, perante a concreta factualidade apurada, que a ré se aproveitou da denominação social da autora para obter o registo da marca “Foinox”, Porém, tal é insuficiente para concluir pela existência de concorrência desleal, uma vez que não se alegou que os produtos vendidos em Portugal fossem identificados com a marca “Foinox” ou que a ré soubesse, em virtude das relações comerciais que mantinha com a autora, que esta pretendia desde 1999 obter o registo de uma marca com esta denominação. E, para além de tudo isto, não se poderá deixar de realçar que todos os factos incluídos na base instrutória donde decorreria, neste caso, um comportamento desonesto e desleal por parte da ré não se provaram. Mais concretamente, não se provou que a ré, ao registar a marca “Foinox”, teve por objectivo introduzir produtos no mercado beneficiando da reputação e garantia de qualidade que os produtos da autora representam, do prestígio e fama da autora, da sua denominação social e sua marca, sabendo que o cidadão especializado seria levado a acreditar estar na presença de produtos da autora (cfr. respostas negativas aos nºs 5 a 7). Tal como não se provou que a ré tenha obtido ganhos à custa da confusão que cria entre os seus produtos e a empresa e os produtos da autora (cfr. respostas negativas aos nºs 8 e 9). Em suma, da matéria fáctica dada como assente pela 1ª Instância, não é possível extrair a conclusão de que a conduta da ré, ao requerer o registo da marca “Foinox” em seu nome, se caracterizou pela má fé, configurando ainda uma situação de concorrência desleal. Acontece que a argumentação explanada pela autora nas suas alegações se centra, neste segmento do seu recurso, em larga medida, na eventual prática de actos, por parte da ré, que configurariam um caso de concorrência desleal, a qual, constituindo um ilícito criminal, determinaria a nulidade do registo da marca, por força do disposto no art. 133º, nº 1, al. c) do Cód. do Procedimento Administrativo. Com efeito, estatui-se nesta norma que são actos nulos aqueles «cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime». Só que inexistindo, como já se viu, factualidade suficiente para que se possa subsumir a conduta desenvolvida pela ré à figura da concorrência desleal, não há lugar à aplicação da disposição legal acima referida, pelo que cai pela base – e sem necessidade de outras considerações – a argumentação da autora/recorrente. Consequentemente, naufragará “in totum” o recurso de apelação interposto, impondo-se a confirmação da sentença proferida pela 1ª Instância.*DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora “B…, SRL”, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da autora/recorrente. Porto, 13.9.2011 Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires Manuel Pinto dos Santos João Manuel Araújo Ramos Lopes _________________ [1] A questão da aplicação ao presente caso do Cód. de Propriedade Industrial de 1995 e não do de 2003 não oferece dúvidas, face ao que se escreveu no anterior Acórdão desta Relação de 26.6.2007 – a apreciação da validade dos títulos de propriedade industrial, designadamente das marcas, deve ser feita com base na legislação em vigor à data da concessão do registo da marca. [2] Cfr. Carlos Olavo, “Propriedade Industrial”, vol. I, 2ª ed., pág. 71 e Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, vol. I, pág. 312. [3] Cfr. Carlos Olavo, ob. cit., págs. 120/1 e Ac. STJ de 22.7.1986, BMJ nº 359, pág. 751. [4] Nem todas as legislações consagram o sistema do registo constitutivo ou atributivo. Com efeito, há legislações em que o direito à marca decorre, não do registo, mas sim da sua utilização (por ex. Grã-Bretanha e Suiça) e outras ainda que consagram um sistema misto (por ex. Itália). – cfr. Carlos Olavo, ob. cit., pág. 121. [5] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 23.11.1993, BMJ, nº 431, pág. 570. [6] Tal como inaplicável ao caso dos autos, pelo que já atrás se referiu na nota (1), será o preceituado no art. 226 do Cód. da Propriedade Industrial de 2003. [7] Estabelece-se nesta norma (1) que «se o agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União pedir, sem autorização deste titular, o registo dessa marca em seu próprio nome, num ou em vários desses países, o titular terá o direito de se opor ao registo pedido ou de requerer o cancelamento ou, se a lei do país o permitir, a transferência a seu favor do referido registo, a menos que este agente ou representante justifique o seu procedimento. [8] Sobre esta questão cfr., por ex., Ac. STJ de 7.1.1993, BMJ nº 423, págs. 539 e segs., Ac. STJ de 1.7.2004, p. 04B2214 in www.dgsi.pt. e Ac. STJ de 7.4.2005, p. 05B175 também in www.dgsi.pt. [9] Cfr. Luís Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial”, 2ª ed., págs. 203/4. [10] Cfr. Oliveira Ascensão, “A aplicação do art. 8º da Convenção da União de Paris nos países que sujeitam a registo o nome comercial” in “Revista da Ordem dos Advogados”, ano 56, Agosto de 1996, pág. 469, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.10.2002, CJ STJ, ano X, tomo III, págs. 80/3 e também no Acórdão da Relação do Porto de 26.6.2007, antes proferido nos presentes autos e disponível in www.dgsi.pt. (p. 0722734). [11] Cfr. o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.10.2002. [12] Em idêntico sentido irão igualmente os acórdãos da Relação do Porto de 4.7.1975 e do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.1979, mencionados pela ré nas suas contra-alegações. [13] Cfr. Carlos Olavo, ob. cit., págs. 247/8. [14] Cfr. Carlos Olavo, ob. cit., pág. 252. [15] Anote-se, desde logo, que a concorrência desleal, no âmbito do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 (arts. 253º, al. e) e 260º), não é fundamento de anulação do registo, mas sim da sua recusa. O elenco das causas de anulação, constante do art. 33º deste diploma, se bem que não exaustivo, não contempla a concorrência desleal. [16] Cfr. Luís Couto Gonçalves, ob. cit., pág. 300. [17] Cfr. Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, I, pág. 356 citado no Acórdão da Relação do Porto de 21.1.1993, CJ, ano XVIII, tomo I, págs. 209/212. [18] Cfr. o já referido Acórdão da Relação do Porto de 21.1.1993 e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.2.2000, CJ STJ, ano VIII, tomo I, págs. 56/9. [19] Cfr. Luís Couto Gonçalves, ob. cit., págs. 300/1.
Proc. nº 424/05.7 TYVNG.P1 Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – 2º Juízo Apelação Recorrente: “B…, SRL” Recorrida: “C…, SA” Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Pinto dos Santos e Ramos Lopes Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora “B…, SRL”, registada em Itália, com sede em …, nº .., …, …, Itália, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a ré “C…, SA”, com sede na Rua …, nº …, …, …, Maia, tendo pedido a reversão total, a seu favor, da marca concedida à ré em 5.2.2001, sob o nº 350.442, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 226º e 34º, nº 2 do C.P.I.. Caso assim não se entenda, pede que seja anulada a marca concedida à ré, com base nas disposições conjugadas dos arts. 226º e 34º, nº 1, al. b), 266º, nº 1, al. a) e 239º, al. f), 317, als. a) e c) e 266º, nº 1, al. b), todos do C.P.I. e ainda art. 8º da C.U.P. Deve ainda a ré ser condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar em execução de sentença, acrescida dos respectivos juros de mora, desde a citação até integral pagamento e, em qualquer caso, deve ser condenada a abster-se de utilizar o sinal distintivo “Foinox” nos seus produtos, papel timbrado, facturação ou em quaisquer outros elementos utilizados na sua actividade comercial, bem como a abster-se de proceder ao pedido de registo como marca de sinal distintivo de qualquer outra forma semelhante ou confundível com o sinal distintivo “Foinox”. Alegou para tanto e, em síntese, que tal registo visou o aproveitamento do prestígio e fama da autora e contribuiu para a diminuição da sua credibilidade comercial ao instalar no consumidor a confusão relativamente à origem dos produtos por aquela marca denominados, dado que a referida marca se encontra registada em Itália a seu favor. Citada, a ré apresentou contestação, na qual alegou, no essencial, que a autora não beneficiava, aquando do registo pela ré da marca em causa, de qualquer direito ou prioridade de registo sobre aquela, sustentando ainda que o uso de um sinal não registado não pode consubstanciar facto gerador de concorrência desleal já que a lei a qualifica como marca livre. Concluiu, pronunciando-se pela improcedência da acção. No despacho saneador conheceu-se do mérito da causa, tendo a acção sido julgada improcedente. A autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou a decisão recorrida. Novamente inconformada, a autora interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual anulou o acórdão recorrido e determinou a ampliação da matéria de facto. Regressados os autos à 1ª Instância, foi fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória. Procedeu-se depois a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal respondido à matéria da base instrutória através do despacho de fls. 1136/8, que não teve qualquer reclamação. Seguidamente foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, tendo absolvido a ré dos pedidos formulados. Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, vindo a finalizar as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A recorrente arguiu a invalidade do registo da marca nacional nº 350.442, “FOINOX”, por a recorrida o ter obtido, sem autorização da autora, da qual foi agente ou representante – cf. art. 169º do CPI/95 e art. 6º - septies da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20/03/1883. 2. Essas normas permitem que o agente ou representante do titular de uma marca num dos países da referida União de Paris peça o seu registo mediante autorização do seu titular. 3. Se tal autorização não existir, o registo deve ser recusado, nos termos do art. 188º, nº 1, c) do CPI/95 e, se o registo for concedido, é anulável, como determina o art. 214º, nº 1, b) do CPI/95. 4. O art. 33º, nº 2 do CPI/95 prevê que, se reunir as condições legais, pode o interessado pedir, em vez da anulação, a reversão total ou parcial do título em seu favor. 5. Na douta sentença recorrida faz-se uma tal interpretação do mencionado preceito legal que leva a concluir ser inaplicável ao caso dos autos, com a qual, com o devido respeito, e sem acrimónia, tem de se discordar. 6. A expressão «titular de uma marca num dos países da União» no art. 169º do CPI/95 sofre uma interpretação injustificadamente restritiva na sentença recorrida. 7. No âmbito da Propriedade Industrial o princípio da prioridade registal é pedra basilar da aquisição de direitos. Esse verdadeiro direito pertence a quem, em primeiro lugar, apresentar regularmente o pedido de registo com os respectivos documentos – cf. art. 11º, nº 1 do CPI/95. 8. À data em que a recorrida apresentou o pedido de registo da marca “FOINOX” em Portugal (12/10/2000) já a recorrente havia pedido o registo da mesma marca em Itália (19/04/1999). 9. Sendo aplicáveis as regras de prioridade portuguesas (art. 11º, nº 1 do CPI/95), não se suscita qualquer dúvida de que o pedido de registo de marca da recorrente goza de prioridade em face do pedido de registo de marca da recorrida. 10. No douto aresto recorrido entendeu-se que essa regra de prioridade não releva, por o art. 169º do CPI/95 apenas se aplicar ao «titular de uma marca num dos países da União», e já não ao requerente de um registo de marca com prioridade. 11. O legislador utiliza no art. 169º do CPI/95 a expressão «titular de uma marca num dos países da União», quando é óbvio que o objecto da titularidade incide sobre o registo e não sobre uma marca. 12. A expressão mais rigorosa seria, então, «titular de um registo de marca» - vd. esta formulação, mais rigorosa, é utilizada no art. 196º, nº 1 do CPI/95. 13. O legislador utilizou a expressão «titular de uma marca» ao invés de «titular de um registo de marca», precisamente, para abranger (ou não excluir) os titulares dos países da União de Paris em que o registo não é constitutivo do direito. 14. Se se aceitasse a interpretação de que apenas os «titulares de marcas» registadas podem gozar da protecção conferida pelo art. 6º - septies da Convenção da União de Paris e do art. 196º, nº 1 do CPI/95, tal significaria excluir dessa protecção os «titulares de marcas» de todos os países em que esse direito não se adquire pelo registo, mas pela simples prioridade do uso (internacionalmente designada por “first to use”) ou pela notoriedade que a marca haja alcançado. 15. A (co)existência, a nível mundial, de diversos sistemas de aquisição de direitos de marca – inclusivamente através do uso -, não admite a interpretação do art. 6º - septies da Convenção da União de Paris e do art. 196º, nº 1 do CPI/95 que faz depender a protecção aí consagrada da existência prévia de um registo de marca. 16. Se assim fosse, seria negada “ab initio” a protecção a todos os «titulares de marcas» dos países-membros da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial em que o direito de marca se adquire por outros meios que não o registo – pelo uso, pela inscrição, pelo depósito, pela notoriedade, por diversos sistemas mistos, etc. 17. A interpretação que subjaz à sentença apelada afasta-se do sentido razoável que o legislador pretendeu conferir ao art. 196º, nº 1 do CPI/95, e que não foi, decerto, o de excluir a protecção dos «titulares de marcas» dos (muitos) países-membros da União de Paris que não têm um sistema de aquisição de direitos de marca igual ao português. 18. A expressão «titulares de marcas» do art. 196º, nº 1 do CPI/95 - não pode significar titulares de registos de marcas concedidos anteriormente, - devendo ser interpretada em sentido amplo, de modo a não prejudicar minimamente os cidadãos dos países-membros da União de Paris – como a Itália – que tenham adquirido direitos de marca pelo uso anterior ou a outro título, nos termos da lei nacional dos mesmos. 19. “Mutatis mutandis”, se no conflito entre duas marcas em Portugal prevalece a que goza de prioridade, não se vislumbra nenhuma razão para que no conflito com marcas provenientes de outros países (às quais a lei pretende conferir protecção em situações especiais), seja postergado o princípio da prioridade. 20. Conclui-se que a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 196º, nº 1 e 214º, nº 1, b) do CPI/95, devendo por isso ser anulada, e, por consequência, ser a acção julgada procedente por provada. 21. A recorrente invocou na petição inicial que o registo da marca “FOINOX”, pela ré, infringe o direito ao nome comercial “B…, S.R.L.”, previamente constituído em Itália. 22. Os factos provados 1, 5 e 8 são suficientes para provocar a invalidade do registo da marca nacional nº 350.442, “FOINOX”, nos termos do art. 33º, nº 1, al. b) do CPI/95 – referido ao art. 189º, nº 1, al. f) -, e no art. 8º da já referida CUP. 23. Na douta sentença recorrida faz-se uma interpretação do disposto no art. 8º da CUP, que colide com o próprio texto da norma, reduzindo a quase nada o seu efeito útil. 24. Por via do art. 8º da CUP, todos os países-membros da União de Paris obrigaram-se a dar um tratamento mais favorável aos nomes comerciais dos outros países-membros, que beneficiam de uma isenção de registo ou de depósito em todos os restantes países da União. 25. Uma denominação social portuguesa será protegida na Itália, independentemente de registo nesse país (mesmo [se] esse registo for exigido às sociedades italianas), e, segundo a referida regra de reciprocidade, uma denominação social italiana gozará de protecção em Portugal, independentemente de registo no nosso país. 26. É por força desse espírito “unionista” que os países-membros (incluindo Portugal e a Itália) decidiram perfilhar a regra de protecção nacional dos nomes comerciais estrangeiros, que serão protegidos num dado país-membro sem terem de cumprir as exigências de registo do mesmo. 27. No acórdão desta Relação de Lisboa de 15/01/2007 (apelação nº 4599/06-2) conclui-se que «A protecção do nome comercial ao abrigo do art. 8º, da Convenção da União de Paris, impõe o uso ou o facto do referido nome ser notoriamente conhecido no país onde se pretenda a referida protecção». 28. Tendo sido dado como provado que a denominação social “B…, S.R.L.”, da recorrente, está protegida na Itália (desde 19/01/1989), e que é conhecida em Portugal (por ter sido utilizada nas suas relações comerciais com vários representantes em Portugal, nomeadamente a recorrida), desde data anterior à do pedido de registo em Portugal da marca “FOINOX”, apresentado pela recorrida em 12/10/2000, deve aquela beneficiar da protecção consagrada [no] artigo 8º da CUP, para o efeito de impedir o registo dessa marca. 29. Razões por que se conclui que a sentença recorrida violou o art. 33º, nº 1, al. b) do CPI/95 – referido ao art. 189º, nº 1, al. f) -, e o art. 8º da CUP. 30. Na petição inicial invocou-se que a conduta da ré – de registar em nome próprio uma marca igual à denominação social e marca da empresa que representava, ora recorrente – consubstancia um comportamento de concorrência desleal e, por consequência, que o registo daquela marca deve ser revertido para a recorrente ou, subsidiariamente, invalidado. 31. Na sentença recorrida considerou-se que a concorrência desleal, no domínio do CPI/95 era um fundamento de recusa de registo, mas já não de invalidade do mesmo. 32. Contudo, haverá a considerar que o art. 25º, nº 1, al. d) do CPI/95 estabelecia como fundamento geral de recusa da patente, modelo, desenho ou registo «O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.» 33. Tem-se defendido que a concorrência desleal seria, então, fundamento de recusa do registo de marca, mas já não fundamento de invalidação do mesmo. Essa solução não tem qualquer lógica! 34. Com o devido respeito por opinião contrária, só uma esforçada doutrina pode tentar colmatar algumas insuficiências da lei. 35. Entre as causas de nulidade dos títulos de propriedade industrial previstas no art. 33º, nº 1 do CPI/95 não se prevê, expressamente, a concorrência desleal, mas sendo a formulação desse preceito legal genérica, também não exclui a concorrência desleal. 36. Aliás, a concorrência desleal pode ser enquadrada no art. 33º, nº 1, al. a) do CPI/95, por o seu objecto ser insusceptível de protecção. 37. E, o art. 133º, nº 1, c) do Código do Procedimento Administrativo fulmina com a nulidade o acto cujo objecto constitua um crime. 38. Na vigência do CPI/95 a concorrência desleal é um ilícito criminal, custando por isso admitir que não possa ser invalidado o registo de uma marca que serve ou pode servir para praticar esse crime! 39. Na interpretação da lei não deve perder-se de vista que, no domínio do CPI/2005, a concorrência desleal era uma das infracções contra a propriedade industrial (art. 257º), tipificada como ilícito criminal (art. 260º). 40. Se um registo de marca deveria ser recusado quando o INPI reconhecesse que poderia servir para fazer concorrência desleal (isto é, para praticar um crime), também não pode ser mantido em vigor, nas mesmas circunstâncias, se o uso da marca pode servir ou serve para praticar esse mesmo crime. 41. Um marca que é adoptada como meio para conseguir ludibriar os consumidores (a começar pelos que adquiriram ao representante os produtos da representada) sobre a origem empresarial e fabricante dos produtos de um concorrente, para tirar benefício ilegítimo do crédito anteriormente grangeado pelos seus produtos, não constitui um sinal adequado a distinguir os produtos de uma empresa dos da outra empresa (cfr. art. 165º, nº 1, parte final). 42. O objecto dessa marca é precisamente o oposto ao que a lei consagrou: essa marca, nas mãos do ex-representante da recorrente, serve apenas para confundir os consumidores, não para distinguir os produtos. 43. A matéria de facto provada evidencia que o registo da marca “FOINOX” pela recorrida (em Portugal e noutros países) foi um estratagema para induzir os consumidores em confusão, pois desse modo poderia “prolongar” a possibilidade de fazer uso dos sinais distintivos “FOINOX”, mesmo após o termo da representação da “B…, S.R.L.” e dos seus produtos “FOINOX”. 44. Cumpre referir que a recorrente pretende fazer concorrência desleal não apenas através de actos de confusão com os produtos “FOINOX” da recorrente que representou em Portugal, mas também em relação ao próprio nome comercial “B…, S.R.L.”, da recorrente. 45. Pelo exposto, e caso não [seja] julgado procedente o pedido de reversão do título a favor da recorrente, ou, subsidiariamente, o pedido de anulação do mesmo, 46. deverá, então, ainda subsidiariamente, ser declarada a nulidade do registo e a proibição do uso da marca “FOINOX”, nos termos do art. 32º, nº 1, al. a) do CPI/95 e do art. 133º, nº 1, al. c) do CPA – que era aplicável subsidiariamente ao procedimento especial previsto no CPI/95, nos termos do nº 1 do art. 2º do CPA. Pretende assim a recorrente que sentença recorrida seja revogada e a acção julgada totalmente procedente. A autora/recorrida apresentou contra-alegações nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido em 1ª Instância. Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.*FUNDAMENTAÇÃO Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8.*O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.*As questões a decidir são as seguintes: A) Apurar se no caso “sub judice” ocorreu violação do disposto no art. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 em virtude da ré ter registado a marca sem autorização da autora; B) Apurar se ocorreu violação da protecção concedida ao nome comercial pelo art. 8º da Convenção da União de Paris; C) Apurar se ocorreu concorrência desleal por parte da ré.*OS FACTOS A matéria fáctica fixada pela 1ª Instância é a seguinte: 1. A autora “B…, SRL” foi constituída em 19 de Janeiro de 1989 com a denominação social “B…, S.R.L.” denominação social esta que usa, até à presente data na sua actividade comercial tendo por objecto: projecto-produção-comércio de equipamentos de electricidade e gás para uso doméstico, profissional, industrial, além de abatedores de temperatura, instalação e aparelhos para refrigeração (alínea A) dos factos assentes). 2. A ré “C…, SA” foi constituída em 30 de Janeiro de 1990 e tem por objecto a importação e representação de máquinas e comércio por grosso e a indústria de construção civil, a compra, venda e revenda de propriedades e revenda de adquiridos (alínea B) dos factos assentes). 3. No decurso da sua actividade, a autora requereu o registo da marca “Foinox” em Itália, em 19 de Abril de 1999, para assinalar os seguintes produtos: fornos (com excepção de fornos utilizados em experiências), sistemas de arrefecimento para fornos, congeladores, equipamento de produção de calor, de vapor, de cozedura e congelação, bem como equipamento de ventilação, de distribuição de água e para instalações sanitárias, tendo a mesma sido concedida sob o nº 867 983, em 23 de Maio de 2002 (alíneas C) e D) dos factos assentes). 4. A autora é titular dos seguintes sinais distintivos: denominação social “B…, S.R.L.” desde 19 de Janeiro de 1989: marca italiana nº 867983 “Foinox” requerida em 19 de Abril de 1999 e concedida em 23 de Maio de 2002 e nomes de domínio “B….it” e “B….com” desde 31 de Julho de 1997 e 7 de Novembro de 2000, respectivamente (alínea D` dos factos assentes). 5. Em Portugal, a autora recorreu, entre outras sociedades, à ré como distribuidora e vendedora dos produtos Foinox no mercado português, desde 1994 (alínea E) dos factos assentes). 6. A autora requereu em Julho de 1997 e Novembro de 2000, respectivamente, os nomes de domínio de Internet B….it e B….com (alínea F) dos factos assentes). 7. A autora requereu o registo da marca comunitária nº 6043775 “Foinox” – nominativa – em 11 de Fevereiro de 2003 para assinalar fornos, aparelhos, instrumentos, dispositivos e recipientes de refrigeração e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de calor, de cozedura e de congelação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de produção de vapor, de cozedura, de refrigeração, de secagem, de ventilação, de distribuição de água (alínea G) dos factos assentes). 8. A ré, sem que em momento algum informasse a autora, requereu, para si, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo da marca nacional “Foinox” em 12 de Outubro de 2000, destinando-se a assinalar os seguintes produtos: fornos eléctricos e a gás, incluindo fornos mistos, fornos de padaria e pastelaria, fornos de convecção e abatedores de temperatura (aparelhos de arrefecimento), tendo-lhe o mesmo sido concedido em 5 de Fevereiro de 2001, sob o nº 350.442 (alínea H) dos factos assentes). 9. Com base no pedido de registo português, a ré apresentou igualmente pedido de registo de marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, indicando a data do pedido português como data de prioridade e fundamento para a marca internacional, que veio a ser concedida em 5.3.2001, sob o nº 753.314 (alínea I) dos factos assentes). 10. A autora foi contactada por alguns distribuidores (resposta ao nº 4 da base instrutória).*O DIREITO A) A autora, com a presente acção, pede a reversão a seu favor da marca “Foinox” concedida à ré, sua distribuidora em Portugal, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o nº 350.442 e, subsidiariamente, para o caso da reversão não ser deferida, pede a anulação da respectiva marca. Peticiona ainda a condenação da ré no pagamento de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais. A posição da autora funda-se no regime da propriedade industrial que permite a oposição do titular do registo de uma marca não registada em Portugal ao pedido de registo feito pelo seu agente ou representante em Portugal sem a sua autorização, sustentando igualmente que a conduta da ré consubstancia um comportamento de concorrência desleal. A ré opõe-se a tal pretensão por entender que a autora não beneficiava, aquando do registo da marca “Foinox”, de qualquer direito ou prioridade relativamente a essa mesma marca, considerando ainda não haver da sua parte qualquer facto gerador de concorrência desleal, uma vez que aquela se tratava de marca livre. A 1ª Instância não acolheu a pretensão da autora, vindo a julgar a acção totalmente improcedente, com o que esta não se conformou, interpondo o presente recurso de apelação. Da análise das suas alegações a primeira questão que se coloca é a de apurar se ocorre violação do disposto no art. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 em virtude da ré ter registado a marca sem autorização da autora.[1] A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos, entre os quais se encontram as marcas – cfr. art. 1º do Cód da Propriedade Industrial de 1995. A marca é o sinal que serve para diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor e, por isso, se integra nos sinais distintivos do comércio. Pode ser definida, em termos gerais, como o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de um dado empresário em face dos produtos e serviços dos demais. Ou, por outras palavras, é o sinal destinado a individualizar produtos ou mercadorias, ou serviços, e a permitir a sua diferenciação de outros da mesma espécie.[2] A lei portuguesa consagra o sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade das marcas. Assim, no caso de registos nacionais, a propriedade de uma marca adquire-se através do respectivo registo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que ela se destina, conforme resulta do art. 167º, nº 1 do Cód. da Propriedade Industrial de 1995. Em idêntico sentido, o art. 207 do mesmo diploma estabelece que «o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o uso, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.» O direito à marca é, pois, um direito que decorre do registo de um dado sinal distintivo que é a marca. Por conseguinte, não haverá direito exclusivo sobre um determinado sinal se este não estiver registado; o bem imaterial que é objecto desse direito apenas se reconduz em termos directos e imediatos ao seu titular desde que tal conste do registo[3], o que se trata de aplicação do princípio geral segundo o qual os direitos privativos da propriedade industrial estão sujeitos a um sistema de registo constitutivo ou atributivo.[4] Deste modo, na sequência do que se vem expondo, há que concluir que no sistema português a propriedade da marca não resulta do seu uso, mas do seu registo, de tal forma que prevalecerá o direito de quem primeiro registou a marca e não daquele que primeiro a usou.[5] No caso dos autos, face à matéria fáctica dada como assente, verifica-se que aquando do registo da marca “Foinox” por parte da ré, a autora não era titular do registo dessa marca. Com efeito, a autora requereu o registo da marca “Foinox”, em seu nome, junto das competentes entidades italianas, em 19.4.1999, vindo o seu licenciamento a ocorrer apenas em 23.5.2002 (cfr. nº 3). Acontece que a ré entretanto requereu para si, junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, o registo da marca nacional “Foinox” em 12.10.2000, tendo-lhe o mesmo sido concedido em 5.2.2001 e depois requereu o registo da marca internacional em Espanha, França e Inglaterra, o que lhe foi igualmente concedido em 5.3.2001 (cfr. nºs 8 e 9). Assim, tendo o registo da marca em nome da autora, em Itália, ocorrido apenas em 23.5.2002, só a partir desta data pode esta reivindicar a protecção do seus direitos de autor. Dispõe o art. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 que «o agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União pode pedir o seu registo mediante autorização do mesmo titular.» Reporta-se esta norma à União Internacional para a Protecção Industrial criada pela Convenção de Paris de 20.3.1883. Daqui flui que a aplicação do disposto no citado art. 169º pressupõe a existência de um direito sobre uma marca validamente adquirido, de tal forma que se um sinal não se acha registado como marca em Portugal ou em qualquer outro país da União se trata de uma marca livre. Ora, no caso dos autos o que se verifica é que na data em que a ré requereu o registo da marca “Foinox” em Portugal (12.10.2000) a autora, apesar de já ter pedido o respectivo registo em Itália, ainda não era titular desta marca, pelo que não estava obrigada a obter a sua autorização nos termos daquele art. 169º. Conforme se afirma na sentença recorrida, se o principal, em contrato de agência ou distribuição, não for titular da marca, no país de origem, pode o agente ou distribuidor proceder ao registo da mesma, independentemente de qualquer autorização, sendo-lhe inaplicável o preceituado no art. 169º.[6] É certo que o art. 11º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 consagra a prioridade do primeiro pedido apresentado regularmente. Porém, esta norma refere-se somente aos registos efectuados em Portugal, não sendo de aplicar a registos requeridos noutros países. Assim, a autora para poder beneficiar de um direito de prioridade semelhante ao direito de prioridade de apresentação de um pedido feito em Portugal teria que proceder, dentro dos limites legalmente estabelecidos, ao pedido de registo da marca em território nacional. Solução esta que resulta, aliás, da conjugação dos arts. 11º, 12º e 170º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 com o disposto no art. 4º da Convenção da União de Paris. Diz-se nesta norma que aquele que tiver devidamente apresentado pedido de registo de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países, do direito de prioridade durante o prazo de seis meses - A.(1) e C.(1). Reconhece-se como dando origem ao direito de prioridade qualquer pedido com valor de pedido nacional regular, em virtude da legislação nacional de cada país da União ou de tratados bilaterais ou multilaterais celebrados entre países da União – A.(2). Deve entender-se por pedido nacional regular qualquer pedido efectuado em condições de estabelecer a data em que o mesmo foi apresentado no país em causa, independentemente do resultado ulterior do pedido – A.(3). Consequentemente, a autora para poder beneficiar do direito de prioridade concedido pelo art. 11º do Cód. da Propriedade Industrial, teria, nos termos do art. 4º da Convenção da União de Paris, que no período de seis meses após o pedido de registo da marca por si feito em Itália, vir requerer o registo dessa mesma marca em Portugal, o que, como já se assinalou, não ocorreu. Sucede, todavia, que a autora nas suas alegações de recurso veio sustentar que à face da lei italiana o direito à marca se adquire independentemente do registo, pelo que a interpretação defendida na sentença recorrida entraria em conflito com a legislação em vigor em Itália. Na sua perspectiva, a expressão “titulares de marcas” utilizada pelo art. 6º - septies[7] da Convenção da União de Paris não pode ser interpretada no sentido de abranger apenas os titulares de marcas registadas, pois tal significaria excluir de protecção todos os agentes económicos que adquiriram a marca por outros meios, que não o registo (pelo uso, pela inscrição, pelo depósito, pela notoriedade, etc.). Não podemos olvidar, contudo, o que se acha estabelecido na mesma Convenção da União de Paris, no seu art. 2º (1), onde se diz o seguinte: «Os nacionais de cada um dos países da União gozarão em todos os outros países da União, no que se refere à proteção da propriedade industrial, das vantagens que as leis respectivas concedem actualmente ou venham a conceder no futuro aos nacionais, sem prejuízo dos direitos especialmente previstos na presente Convenção. Em consequência, terão a mesma proteção que estes e os mesmos recursos legais contra qualquer atentado dos seus direitos, desde que observem as condições e formalidades impostas aos nacionais.» Tal significa que as protecções que são concedidas pela Convenção da União de Paris ficam sempre dependentes da observância das condições e formalidades previstas na legislação nacional aplicável. Tanto basta para que a argumentação explanada pela autora/recorrente nas suas alegações não possa ser acolhida. Porém, constata-se igualmente que esta questão – a da autora ser titular da marca “Foinox”, em Itália, antes de ter procedido ao seu registo, em virtude de no sistema italiano o registo não ser constitutivo – se trata de questão nova, que apenas em sede de recurso de apelação foi suscitada. Acontece que os recursos visam tão somente a reapreciação das decisões proferidas pelos tribunais recorridos. Com efeito, o regime dos recursos é o da revisão ou reponderação, daí decorrendo que o tribunal “ad quem” não se pode pronunciar sobre matéria não submetida à apreciação do tribunal “a quo”. Por isso, a regra, que, aliás, decorre do estatuído, designadamente, nos arts. 676º, nº 1 e 684º nº 3 do Cód. do Proc. Civil, é a de que os recursos não podem ter por objecto questões que as partes não tenham colocado à apreciação do tribunal recorrido nos articulados da causa e que por ele não foram, naturalmente, apreciadas. Esta regra, porém, comporta duas excepções: a) situações em que a lei expressamente determina o contrário; b) situações em que em causa está matéria de conhecimento oficioso. Sucede que a questão agora colocada pela autora em sede de recurso não se enquadra em nenhuma destas excepções, motivo pelo qual se encontra vedado a este Tribunal o seu conhecimento.[8] Mas mesmo abstraindo de estarmos perante uma questão nova, ainda por outros motivos, não poderá a posição defendida pela autora ser aceite. É certo que a legislação italiana, apesar do princípio geral de que o direito exclusivo de marca se adquire com o registo, consagra soluções que tutelam as marcas usadas não registadas, de notoriedade não local e de notoriedade local[9], o que implicaria que, para o sucesso da tese da autora, se apurassem elementos factuais donde decorresse que a marca “Foinox” dispunha dessa notoriedade em Itália. Só que a autora na sua petição inicial não alegou factualidade da qual resultasse que, em virtude de um uso notório, fosse titular de uma marca não registada em Itália. Limitou-se tão só a alegar que podia fazer prevalecer da prioridade do seu pedido de registo em Itália, de modo a desencadear a aplicação do preceituado nos arts. 169º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 e 6º da Convenção da União de Paris. Sucede que tal linha argumentativa já foi por nós afastada, atendendo a que a autora à data do registo da marca “Foinox” em nome da ré não era titular desta marca, pelo que a ré não lhe estava obrigada a solicitar autorização nos termos das duas disposições atrás referidas.*B) O art. 8º da Convenção da União de Paris estabelece que «o nome comercial está protegido em todos os países da União sem obrigação de depósito ou de registo, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou comércio.» Esta norma, porém, terá que ser conjugada com o art. 2º da mesma Convenção já atrás citado, no qual se estabelece o que se designará como princípio da assimilação ou do tratamento nacional. Dessa conjugação resulta que a regra do art. 8º se deverá subordinar à da assimilação, de forma a impedir que os direitos dos estrangeiros se possam sobrepor aos direitos dos nacionais. Este art. 8º não visa, em caso de conflito com nomes existentes no país de destino, ainda quando nestes países o nome é objecto de direito privativo e de registo, estabelecer qualquer prioridade. A essência da tutela conferida pelo art. 8º consiste na atribuição de um direito à identidade da designação da empresa, que não é um direito exclusivo, nem se funda no registo ou na prioridade de uso. O efeito do art. 8º, para os países que conhecem um direito privativo ao nome comercial, por intermédio de um registo, é assim o de limitar o exclusivo que a lei interna atribui. Há que admitir a coexistência com direitos não registados. Mas paralelamente, também os titulares convencionais não poderão impedir que os direitos titulados pelo registo continuem a ser usados. Para que se assegure que o nome regularmente adquirido possa ser usado transfronteiras tem de se admitir que esse nome comercial coexista com outros nomes regularmente adquiridos nos países de destino: e que não seja um direito exclusivo.[10] Daqui resulta, no âmbito da concorrência, uma situação algo anómala, mas de leal concorrência, que é a utilização no mesmo espaço territorial – país de destino – de dois nomes comerciais ou firmas, caracterizadas por elementos distintivos análogos, o que se trata de uma consequência da aplicação do dito art. 8º.[11] Alude a autora/recorrente, nas suas alegações, ao Acórdão da Relação de Lisboa de 15.1.2007, que diz ter sido proferido na Apelação nº 4599/06 –2, onde se concluiu que a protecção de nome comercial de acordo com o art. 8º da Convenção de Paris impõe o uso ou o facto do referido nome ser notoriamente conhecido no país onde se pretenda a referida protecção.[12] Nesta linha, para poder beneficiar da protecção do dito art. 8º sempre se imporia à autora que alegasse e consequentemente provasse que a sua designação comercial goza de notoriedade que justifica a sua sobreposição face aos interesses da ré, enquanto empresa nacional. Acontece que a factualidade dada como assente (nomeadamente os nºs 1, 5 e 8) é insuficiente para permitir concluir no sentido dessa notoriedade, sendo ainda de sublinhar que a autora não possui em Portugal qualquer estabelecimento, filial ou sucursal que possa justificar a aplicação do regime do art. 8º da Convenção de Paris. Deste modo, o art. 189º, nº 1, al. f) do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 não era fundamento para recusa do registo da marca (mesmo que a designação “Foinox” contivesse firma que não pertencesse ao requerente do registo e fosse susceptível de induzir em erro o consumidor), porquanto nenhuma disposição nacional impunha tal recusa.*C) O art. 260º do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 diz-nos que comete o crime de concorrência desleal «quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente: a) os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; (...).» A liberdade de concorrência, de um ponto de vista subjectivo, representa a possibilidade teórica de todo e qualquer agente económico aceder, como fornecedor de produtos e serviços, a um dado mercado, e de aí desenvolver a sua actividade – é a faculdade de qualquer empresário competir com os demais. Já numa perspectiva objectiva, a liberdade de concorrência significa a situação objectiva de mercado no qual todos os intervenientes se encontram em situação de igualdade – é a competição em si mesma considerada. De entre as normas que visam facilitar ou salvaguardar a existência de competição, pode-se distinguir conforme tais normas têm em vista a concorrência em sentido subjectivo, isto é, a liberdade de cada um poder criar e expandir os seus negócios, ou a concorrência em sentido objectivo, isto é, a existência de um mercado efectivamente concorrencial. A repressão da concorrência desleal integra-se na primeira destas perspectivas, consistindo na proibição de determinadas práticas ou, por outras palavras, na imposição de determinados deveres no sentido de os empresários que actuam no mercado procederem honestamente.[13] Acto de concorrência é aquele acto que é susceptível de, no desenvolvimento de uma actividade económica, prejudicar outro agente económico, prejuízo esse que se consubstancia num desvio da respectiva clientela, efectiva ou potencial. Quando tal se verifica em termos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, dá-se um acto de concorrência desleal. Constituem assim concorrência desleal os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela. Assenta pois a concorrência desleal na idoneidade para reduzir, ou mesmo suprimir, a clientela alheia, real ou possível, com vista à criação e expansão, directa ou indirecta, de uma clientela própria.[14] Há então que indagar se a conduta da ré é susceptível de configurar uma situação de concorrência desleal, de modo a que, por este meio, possa a pretensão da autora com vista à reversão/anulação da marca ser acolhida.[15] De tudo o que já se expôs, resulta que à data em que à ré foram concedidos os registos nacional e internacional da marca “Foinox” a autora não era titular de nenhum registo em seu nome daquela mesma marca, sucedendo ainda que não foi alegado nem provado que a autora fosse titular de tal marca em Itália, por via não registal, em virtude de uso notório. Para que a actuação da ré pudesse ser havida como concorrência desleal, seria imprescindível que se provasse factualidade da qual resultasse que o uso da marca “Foinox” por parte desta configurava acto contrário às normas e usos honestos. Aliás, o Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão que nestes autos foi proferido em 22.1.2008, determinou a baixa dos autos precisamente para que a 1ª Instância ampliasse a matéria de facto, de modo a apurar se ocorreram – ou não - factos susceptíveis de consubstanciar concorrência desleal, o que na sua perspectiva levaria à procedência do pedido de anulação da marca da ré e também do pedido indemnizatório formulado, ou, pelo menos, à procedência deste último. Só que regressando os autos à 1ª Instância com esse objectivo, nada ficou provado donde pudesse resultar a prática de actos de concorrência desleal por parte da ré. Sublinhe-se, de resto, que dos nove números que compuseram a base instrutória, apenas um - o 4º, que corresponde ao nº 10 da matéria de facto - mereceu resposta restritiva, a qual, pelo seu conteúdo, se nos afigura inócua. Mas, para além disso, não seria compreensível que a lei, num primeiro momento, facultasse o uso de um sinal não registado como marca livre e que depois, num segundo momento, inviabilizasse esse uso por constituir concorrência desleal. Antes do registo a concorrência desleal não é convocada em sentido próprio e directo, como um instituto repressivo de actos desleais concretos e actuais. A concorrência desleal actua, de modo impróprio e indirecto, como um instrumento excepcional destinado a evitar registos que possam pôr em causa posições de concorrência conquistadas no mercado por terceiros de boa fé. Mas uma coisa é atenuar o sistema e outra, bem diferente, é perverter o sistema. Ora é disso que se trata na hipótese de ser possível invalidar o registo de uma marca com o fundamento único em concorrência desleal objectiva e não numa prestação desleal particularmente qualificada. Nesta perspectiva, o titular de uma marca de facto acaba por ter um direito tão forte ou mesmo, na medida em que o possa vir a anular, um direito mais forte que o do titular de uma marca registada. Por esta janela, entretanto aberta, acabaria por cair todo o sistema de aquisição do direito baseado no registo.[16] A defesa de posição, que levaria, independentemente de registo, a conceder-se protecção jurídica a todos os sinais distintivos que pudessem qualificar-se como marcas, não é assim sustentável face àquela que é a tradição do direito português. No nosso sistema o utente de marca não registada está sujeito à contigência de ver o seu direito de uso prejudicado pelo registo de marca idêntica ou semelhante que um terceiro venha a fazer. Feito o registo, não só o primeiro ocupante da marca fica impedido de a registar em seu nome, mas pode mesmo vir a ser proibido para o futuro de continuar a usá-la.[17] O que se compagina com a natureza constitutiva do registo, já atrás salientada e que se traduz na aquisição da propriedade da marca pelo registo. Por isso, a partir do momento em que a ré obtém o registo da marca a seu favor, já não faz sentido falar em concorrência desleal da sua parte, atendendo a que o registo lhe concedeu a propriedade e o uso exclusivo da dita marca.[18] Seguindo a decisão recorrida e o anterior Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nestes autos em 26.6.2007, dir-se-à que alguma doutrina [Oliveira Ascensão, “Concorrência Desleal”, § 225] se pronunciou no sentido de se considerar tal orientação bastante restritiva. Porém, sempre será muito difícil contornar o princípio da liberdade – tudo é livre antes do registo não estar organizado, sem prejuízo de situações muito particulares poderem conduzir à violação de normas e usos honestos, apresentando-se como exemplo as hipóteses previstas para a tutela da invenção não patenteada, em caso de confusão. É de entender, contudo, que sempre seria de haver como inválido o registo de uma marca efectuado de má fé, em circunstâncias particularmente graves e chocantes reveladoras de uma actuação consciente e intencional do titular da marca em prejudicar terceiros ou obstaculizar a concorrência, o que constituiria, assim, fundamento autónomo de invalidade do registo, diferente da concorrência desleal. É que os pressupostos de censura de um agente com base na má fé são mais exigentes do que os pressupostos de censura por simples deslealdade. Por conseguinte, o perigo de subversão do sistema, atrás referido, já não procede do mesmo modo na hipótese de invalidade com fundamento em má fé. Com efeito, o propósito de invalidar o registo de uma marca efectuado de má fé não é o de prejudicar o sistema de aquisição do direito baseado no registo. O propósito é o de garantir que a actuação do registante seja pautada pelas regras da boa fé. Se essa actuação for de manifesta e intencional deslealdade, em relação a outro concorrente, a deslealdade não actua como causa autónoma de invalidade, mas sim como expressão e prova de má fé do titular da marca.[19] Todavia, regressando à factualidade apurada nos autos, que não se mostra impugnada pela autora/recorrente e no seguimento do que já atrás se expôs, o que se constata é que não se provaram factos susceptíveis de consubstanciar tal má fé. Recuperando a argumentação da sentença recorrida, o que estará em causa é a possibilidade de confusão entre as actividades económicas desenvolvidas pela autora e pela ré, face ao objecto da primeira (cfr. nº 1) e ao alcance da marca registada pela segunda (cfr. nº 8). A confusão não será aqui entre os sinais distintivos, mas sim entre os elementos em que as actividades económicas de ambas se concretizam (identidade dos empresários; estabelecimentos; produtos ou serviços). Ora, para que haja um acto desleal de confusão entre produtos não basta a confusão entre sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário que à usurpação do sinal se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos, a relação de concorrência e a contraditoriedade de normas ou usos honestos comerciais, bastando, porém, a susceptibilidade de confusão ou confundibilidade, não a efectiva confusão. Neste caso, verifica-se que a susceptibilidade de confusão surge entre a marca da ré e a denominação social da autora. Se é certo que a ré distribuía em Portugal, desde 1994, produtos da autora (cfr. nº 5), o que é verdade é que esta não alega que os seus produtos, vendidos em Portugal, fossem apresentados com a indicação da marca “Foinox”. Isto é, da factualidade dada como assente não resulta que até ao pedido de registo da marca pela ré, os produtos da autora que a ré vendia como distribuidora fossem assinalados pela aposição da marca “Foinox”. Marca de que a autora só passaria a beneficiar em Itália a partir de 2002, já depois de a ré ter concretizado o seu registo em Portugal. Poderá, em qualquer caso, sustentar-se, perante a concreta factualidade apurada, que a ré se aproveitou da denominação social da autora para obter o registo da marca “Foinox”, Porém, tal é insuficiente para concluir pela existência de concorrência desleal, uma vez que não se alegou que os produtos vendidos em Portugal fossem identificados com a marca “Foinox” ou que a ré soubesse, em virtude das relações comerciais que mantinha com a autora, que esta pretendia desde 1999 obter o registo de uma marca com esta denominação. E, para além de tudo isto, não se poderá deixar de realçar que todos os factos incluídos na base instrutória donde decorreria, neste caso, um comportamento desonesto e desleal por parte da ré não se provaram. Mais concretamente, não se provou que a ré, ao registar a marca “Foinox”, teve por objectivo introduzir produtos no mercado beneficiando da reputação e garantia de qualidade que os produtos da autora representam, do prestígio e fama da autora, da sua denominação social e sua marca, sabendo que o cidadão especializado seria levado a acreditar estar na presença de produtos da autora (cfr. respostas negativas aos nºs 5 a 7). Tal como não se provou que a ré tenha obtido ganhos à custa da confusão que cria entre os seus produtos e a empresa e os produtos da autora (cfr. respostas negativas aos nºs 8 e 9). Em suma, da matéria fáctica dada como assente pela 1ª Instância, não é possível extrair a conclusão de que a conduta da ré, ao requerer o registo da marca “Foinox” em seu nome, se caracterizou pela má fé, configurando ainda uma situação de concorrência desleal. Acontece que a argumentação explanada pela autora nas suas alegações se centra, neste segmento do seu recurso, em larga medida, na eventual prática de actos, por parte da ré, que configurariam um caso de concorrência desleal, a qual, constituindo um ilícito criminal, determinaria a nulidade do registo da marca, por força do disposto no art. 133º, nº 1, al. c) do Cód. do Procedimento Administrativo. Com efeito, estatui-se nesta norma que são actos nulos aqueles «cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime». Só que inexistindo, como já se viu, factualidade suficiente para que se possa subsumir a conduta desenvolvida pela ré à figura da concorrência desleal, não há lugar à aplicação da disposição legal acima referida, pelo que cai pela base – e sem necessidade de outras considerações – a argumentação da autora/recorrente. Consequentemente, naufragará “in totum” o recurso de apelação interposto, impondo-se a confirmação da sentença proferida pela 1ª Instância.*DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora “B…, SRL”, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da autora/recorrente. Porto, 13.9.2011 Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires Manuel Pinto dos Santos João Manuel Araújo Ramos Lopes _________________ [1] A questão da aplicação ao presente caso do Cód. de Propriedade Industrial de 1995 e não do de 2003 não oferece dúvidas, face ao que se escreveu no anterior Acórdão desta Relação de 26.6.2007 – a apreciação da validade dos títulos de propriedade industrial, designadamente das marcas, deve ser feita com base na legislação em vigor à data da concessão do registo da marca. [2] Cfr. Carlos Olavo, “Propriedade Industrial”, vol. I, 2ª ed., pág. 71 e Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, vol. I, pág. 312. [3] Cfr. Carlos Olavo, ob. cit., págs. 120/1 e Ac. STJ de 22.7.1986, BMJ nº 359, pág. 751. [4] Nem todas as legislações consagram o sistema do registo constitutivo ou atributivo. Com efeito, há legislações em que o direito à marca decorre, não do registo, mas sim da sua utilização (por ex. Grã-Bretanha e Suiça) e outras ainda que consagram um sistema misto (por ex. Itália). – cfr. Carlos Olavo, ob. cit., pág. 121. [5] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 23.11.1993, BMJ, nº 431, pág. 570. [6] Tal como inaplicável ao caso dos autos, pelo que já atrás se referiu na nota (1), será o preceituado no art. 226 do Cód. da Propriedade Industrial de 2003. [7] Estabelece-se nesta norma (1) que «se o agente ou representante do titular de uma marca num dos países da União pedir, sem autorização deste titular, o registo dessa marca em seu próprio nome, num ou em vários desses países, o titular terá o direito de se opor ao registo pedido ou de requerer o cancelamento ou, se a lei do país o permitir, a transferência a seu favor do referido registo, a menos que este agente ou representante justifique o seu procedimento. [8] Sobre esta questão cfr., por ex., Ac. STJ de 7.1.1993, BMJ nº 423, págs. 539 e segs., Ac. STJ de 1.7.2004, p. 04B2214 in www.dgsi.pt. e Ac. STJ de 7.4.2005, p. 05B175 também in www.dgsi.pt. [9] Cfr. Luís Couto Gonçalves, “Manual de Direito Industrial”, 2ª ed., págs. 203/4. [10] Cfr. Oliveira Ascensão, “A aplicação do art. 8º da Convenção da União de Paris nos países que sujeitam a registo o nome comercial” in “Revista da Ordem dos Advogados”, ano 56, Agosto de 1996, pág. 469, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.10.2002, CJ STJ, ano X, tomo III, págs. 80/3 e também no Acórdão da Relação do Porto de 26.6.2007, antes proferido nos presentes autos e disponível in www.dgsi.pt. (p. 0722734). [11] Cfr. o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3.10.2002. [12] Em idêntico sentido irão igualmente os acórdãos da Relação do Porto de 4.7.1975 e do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.1979, mencionados pela ré nas suas contra-alegações. [13] Cfr. Carlos Olavo, ob. cit., págs. 247/8. [14] Cfr. Carlos Olavo, ob. cit., pág. 252. [15] Anote-se, desde logo, que a concorrência desleal, no âmbito do Cód. da Propriedade Industrial de 1995 (arts. 253º, al. e) e 260º), não é fundamento de anulação do registo, mas sim da sua recusa. O elenco das causas de anulação, constante do art. 33º deste diploma, se bem que não exaustivo, não contempla a concorrência desleal. [16] Cfr. Luís Couto Gonçalves, ob. cit., pág. 300. [17] Cfr. Ferrer Correia, “Lições de Direito Comercial”, I, pág. 356 citado no Acórdão da Relação do Porto de 21.1.1993, CJ, ano XVIII, tomo I, págs. 209/212. [18] Cfr. o já referido Acórdão da Relação do Porto de 21.1.1993 e também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.2.2000, CJ STJ, ano VIII, tomo I, págs. 56/9. [19] Cfr. Luís Couto Gonçalves, ob. cit., págs. 300/1.