É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão da causa.
Apelação Proc. 2317/09.0TBVLG.P1 Sumário I – Os art. 137º e 265º nº 1 do CPC são aplicação do princípio da economia processual, segundo o qual, cada processo deve resolver o máximo possível de litígios e deve comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades). II - É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiveram qualquer relevância para a decisão da causa. III – Por isso, nesse caso, não cabe proceder à reapreciação da prova, não devendo a Relação ouvir as gravações contendo os depoimentos das testemunhas.*1. B………. e C…… instauraram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra D….. pedindo: «deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência: A) Ser sentenciada a anulabilidade do contrato de trespasse celebrado. B) ser a Ré condenada a restituir aos Autores a quantia de € 20.000,00 que lhe foram entregues a título de pagamento, acrescido de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento, bem como a entrega dos dois cheques, no montante global de € 30.000,00 e melhor identificados no Art. 3º da presente PI; C) Ser a Ré condenada no pagamento da quantia de € 5.000,00 em sede de danos emergentes bem como lucros cessantes; D) Ser a Ré condenada no pagamento da quantia de € 3.000,00 em sede de danos não patrimoniais.» Alegaram, em síntese: - em 28/02/2009 os Autores, na qualidade de comprador e de fiador, respectivamente, celebraram com a Ré um contrato de trespasse de um estabelecimento comercial destinado à confecção de refeições para fora, propriedade da Ré; - aquando do contacto inicial bem como no momento da celebração do negócio, foi pela Autora comunicado à Ré que apenas tinha interesse num estabelecimento comercial que fosse detentor de alvará para confeccionar refeições para fora, por ser este tipo de negócio que lhe interessava; - pela Ré sempre foi dito que o estabelecimento tinha tal alvará para “Take away” e a própria Ré confeccionava refeições para fora; - a A. ficou convencida de que o estabelecimento tinha o alvará; - já depois da celebração do contrato, os Autores descobriram que a Ré não dispunha de alvará ou licença que habilitasse o estabelecimento para confecção de refeições para fora, apenas se encontrando licenciado para actividade de café; - tal situação impossibilitou a Autora do exercício legal da actividade de take away, reflectindo-se tal proibição no apuro mensal que se revela manifestamente diminuto, para além dos prejuízos causados por virtude das benfeitorias realizadas; - também veio a Autora a saber posteriormente que nem todos os bens que se encontravam no estabelecimento faziam parte do mesmo, mas sim eram do senhorio e que iria haver uma majoração da renda; - com a sua actuação, a Ré enganou e prejudicou a Autora, pretendendo esta anular o negócio, pois se tivesse conhecimento da falta de alvará e licenças, para a confecção de refeições para fora, bem como da majoração da renda nunca teria emitido a sua declaração negocial; - a Autora sofreu danos patrimoniais e danos não patrimoniais.*A e contestou, pugnando pela sua absolvição de todos os pedidos e deduziu reconvenção, tendo alegado, em resumo: - não é verdade que a Autora lhe tenha comunicado que apenas tinha interesse num estabelecimento comercial que fosse detentor de alvará para confeccionar refeições para fora; - além disso, na fase negocial a Ré informou que a alteração do alvará não estava concluída, tendo o processo de licenciamento dado entrada na Câmara com conhecimento do sr. E….. e do Autor, pessoas que negociaram com a Ré o contrato em causa, e que sempre estiveram a par de todo aquele processo de licenciamento; - não existiu por parte da Ré qualquer sugestão ou artifício com a intenção de induzir ou manter em erro os AA, pelo que o negócio não é anulável e consequentemente não existe obrigação de indemnizar por parte da R.; - mesmo que assim não fosse, nunca os Autores poderiam fechar o estabelecimento e entregar as chaves ao senhorio, o que se verificou em Junho do corrente ano. Em sede de reconvenção invocou, em suma que em caso de anulação do contrato os Autores teriam que entregar as chaves do estabelecimento à Ré e pediu a condenação dos Autores a pagarem-lhe a quantia de € 30.000,00, valor ainda em dívida decorrente da celebração do contrato de trespasse, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.*Os Autores apresentaram réplica reiterando tudo quanto alegaram na p.i..*Realizada a audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas à base instrutória, foi proferida sentença em que se decidiu: «Face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, declaro a nulidade do contrato de trespasse celebrado entre as partes (AA e R) e, em consequência condeno a R a a restituir aos AA a quantia de € 20.000,00 que lhe foi entregue a título de pagamento, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento, bem como a entrega dos dois cheques no montante global de € 30.000,00 e identificados no art. 3º da p.i. No mais, absolvo a R dos restantes pedidos. B) - Da reconvenção: Pelo exposto, julgo a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo os AA/reconvindos do pedido reconvencional.».*Inconformada, apelou a Ré, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1. Os Autores intentaram a presente acção solicitando que fosse declarado anulado o contrato de trespasse celebrado entre as partes com base em dolo da Ré. 2. A Ré impugnou toda a matéria de facto e alegou que informou os Autores, na fase negocial que a alteração do alvará não estava concluída. 3. Em sede de reconvenção, a Ré alegou que por força do contrato de trespasse os Autores teriam que entregar as chaves do estabelecimento a esta, e não ao senhorio. 4. Por via disso, os mesmos deveriam ser condenados a pagarem à Ré a quantia de €30.000,00, valor ainda em dívida e respeitante ao restante pagamento em falta decorrente do contrato de trespasse. 5. O Tribunal “a quo” em relação à base instrutória considerou provados os quesitos 2º, 3º, 4º, 10º e 11º, ou seja que: . Que a Ré sabia que os Autores apenas fechariam o negócio se existisse o alvará que lhe permitia confeccionar refeições para fora. . Pela ré sempre foi dito aos Autores que o seu estabelecimento era detentor de tal alvará e licenças afins. . Por essa razão e face ao texto do “contrato de trespasse”, no momento da celebração do mesmo os Autores estavam convencidos que o estabelecimento, tinha alvará e licenças para confeccionar refeições para fora. . A Autora tomou conhecimento através do senhorio que a Ré havia convencionado com este uma majoração do montante a pagar de renda, a partir de Abril de 2009. . Majoração esta de que a Autora não tinha sido informada pela Ré na altura da celebração do acordo indicado em a) da matéria assente. 6. O Tribunal “a quo” atendendo ao que foi dado como provado considerou existir uma nulidade absoluta, cujo vício afectou, geneticamente, o negócio jurídico de trespasse. 7. O Mmo. Juiz de primeira instância, ao abrigo do disposto no art. 286º do Código Civil, declarou nulo o contrato de trespasse entre as partes. 8. Quanto à reconvenção, o Tribunal “a quo” não se pronunciou, apenas julgou a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência absolveu os Autores reconvindos do pedido reconvencional. 9. Sucede que a Ré/Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal “ a quo”, desde logo porque a testemunha arrolada pelos Autores E……, que prestou depoimento na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 31 de Janeiro de 2011, e ficou registado no sistema de gravação digital, nomeadamente no CD n.º 1, minutos 10:04:32 a 11:05:47 disse que tratou de todo o negócio com a Ré e o seu companheiro, o Sr. F….., e antes de o irmão celebrar o contrato a única coisa que estava lá no café era um alvará para cafetaria. 10. A testemunha referiu ainda que sabia que lá não dizia take away e a conclusão que tirou por não estar nenhum alvará de take away lá fixado é que porque não tinha. 11. A testemunha E….. referiu ainda que em Abril, os Autores já sabiam da não existência de alvará de take away e mesmo assim contrataram um novo empregado. 12. A testemunha arrolada pelos Autores G……, que prestou depoimento na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 21 de Fevereiro de 2011, e ficou registado no sistema de gravação digital, nomeadamente no CD n.º 1, minutos 14:39:04 a 15:35:24 disse que o Sr. F….. andava a tratar da obtenção da licença e que na altura foi com o Sr. F….. e pagou €50,00. 13. Assim, atentos aos depoimentos destas duas testemunhas que foram arroladas pelos Autores, não resultaram provados os quesitos 2º, 3º e 4º da base instrutória. 14. No depoimento da testemunha G….. que prestou depoimento na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 21 de Fevereiro de 2011, e ficou registado no sistema de gravação digital, nomeadamente no CD n.º 1, minutos 14:39:04 a 15:35:24 esta disse que os Autores se apresentaram como novos inquilinos e na altura vieram com um contrato que fizeram. 15. Daqui resulta que os Autores tinham conhecimento do contrato de arrendamento celebrado entre a Ré e a Senhoria do estabelecimento. 16. Assim também não resultaram provados os quesitos 10º e 11º da base instrutória. 17. Não sendo dados como provados os quesitos 2º, 3, 4º 10º e 11º da base instrutória, o Tribunal “ a quo” não poderia considerar que da matéria dada como provada resultou que a Ré usou de sugestão ou artifício. 18. Com efeito os Autores não lograram provar que existiu vício na formação da vontade, e a Ré usou de sugestão ou artifício. 19. O contrato não poderia ser considerado nulo ou anulável, pois não resultaram provados os quesitos 2º, 3º, 4º, 10 e 11º da base instrutória. 20. O ónus da prova caberia seguramente aos autores, desaproveitando-lhe a não prova, conforme o disposto no art. 342º/2 do Código civil e 516º do Código de Processo Civil. 21. Mais, mesmo que se considerasse que o contrato era nulo ou anulável, o que só se admite por mera hipótese académica, os Autores nunca poderiam entregar a chaves do estabelecimento à senhoria, teriam que entregar as chaves à Ré. 22. O ponto 5º alínea j) da matéria assente refere que em Junho de 2009, os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio. 23. Em caso de anulação do contrato, os autores, por força do contrato de trespasse teriam que entregar as chaves do estabelecimento à ré e não ao Senhorio., 24. Ou seja, a aceitar-se a nulidade do contrato "ab inicio" então os AA. tinham de devolver à R. o Estabelecimento, facto este que a Mma. Juiz omite na sentença; 25. A ser decretada uma nulidade “ab inicio” mais não é do que declarar a inexistência do contrato e consequentemente os AA. tinham de devolver o Estabelecimento à R. e esta o que recebeu e os cheques que tem em seu poder aos AA., ora a Mma. Juiz de Tribunal “a quo” nada diz quanto à devolução do Estabelecimento, existindo neste aspecto uma nulidade da sentença; 26. O contrato de trespasse, dado que os AA. não devolveram, nem foram condenados a devolver, por força da nulidade decretada o Estabelecimento à R, continua assim em vigor, pois as chaves não foram devolvidas à Ré. 27. Até à data de hoje, a Ré não tem acesso ao estabelecimento comercial nem aos seus bens que estão dentro deste. 28. A conduta dos Autores impediu a Ré de continuar a explorar o estabelecimento comercial. 29. Além disso os Autores entregaram as chaves porque quiseram, pois que nenhuma autoridade fiscalizou o estabelecimento e/ou solicitou a estes o que quer que fosse. 30. Na verdade entregaram as chaves por sua livre vontade, nunca tendo sido interpelados por qualquer autoridade. 31. O Juiz “ a quo” não se pronunciou sequer sobre esta questão, apesar de ser mencionada em sede de reconvenção pela Ré. 32. Atendendo ao que foi dado como assente, ou seja, que em Junho de 2009, os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio e ao que foi alegado em sede de reconvenção, os Autores são responsáveis pelo pagamento de €30.000,00 respeitante ao remanescente do preço do trespasse. 33. Como esta questão, apesar de alegada em sede de reconvenção, não foi apreciada pelo Tribunal “ a quo” na sentença, a mesma padece de nulidade ao abrigo do art. 688º alínea d) do Código do Processo Civil. 34. Ao decidir conforme decidiu, violou assim a Mma. Juíza “a quo” entre outros os arts. 342º do Código civil e os arts. 516º e 688 alínea d) do Código de Processo Civil. Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com mui douto suprimento de Vas. Exas., deve a decisão de primeira instância ser declarada nula, ao abrigo do art. 688º alínea d) do Código do Processo Civil ou caso assim se não entenda ser a mesma revogada e em consequência ser proferida outra que absolva a Ré do pedido e condene os Autores no pagamento da quantia de €30.000,00 respeitante ao restante pagamento em falta decorrente do contrato de trespasse. Assim decidindo Vas. Exas., farão como sempre, sã, serena e objectiva Justiça.*Os Autores contra-alegaram defendendo a confirmação da sentença.*Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. (art. 684º nº 3, 685º-A nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que as questões a decidir são estas: - se deve ser analisada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto - se a sentença é nula - se deve a acção ser julgada totalmente improcedente e os apelantes absolvidos do que é pedido e se deve a reconvenção ser julgada procedente e devem os apelados ser condenados no pagamento da quantia de 30.000 € respeitante ao restante pagamento decorrente do contrato de trespasse*III – Fundamentação A) Na sentença vem dado como provado: Da matéria assente A) Em 28 de Fevereiro de 2009, a Ré e os Autores celebram um acordo escrito, denominado «contrato de trespasse» (vertido no doc. junto a fls. 24 e 25 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido), no qual a R. figura como 1ª contraente, a Autora como 2ª contraente e o Autor como 3º contraente, mediante o qual declararam o seguinte: « (…) a 1ª contraente é proprietária e legitima possuidora do estabelecimento comercial denominado “H…..”, destinado à confecção de refeições para fora, propriedade da Ré, sito na Rua …., nº …. em Ermesinde, concelho de Valongo. E que o local acima indicado se encontra tomado de arrendamento a I….., residente na Rua ….., n.º ….. 4445, Ermesinde. É celebrado o presente contrato que se rege pelas seguintes cláusulas: 1º O 1º contraente vende ao 2º contraente, que lhe compra, o direito ao trespasse do estabelecimento comercial acima identificado, que inclui, designadamente, os respectivos móveis, utensílios, mercadorias, alvarás e outras licenças, bem como o correspondente direito de arrendamento, livre de qualquer passivo. 2º Fazem parte do estabelecimento, nomeadamente, todos os móveis, máquinas, mercadorias, matérias-primas e demais equipamentos necessários para a sua actividade que à data de hoje se encontra no interior do estabelecimento». 3º O referido trespasse efectua-se pelo valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) quantia que será paga da seguinte forma: 1 – Com a assinatura do presente contrato será pago o montante de € 20.000,00. 2 – Até ao dia 30 de Junho de 2009 será pago o montante de € 15.000,00. 3 - Até ao dia 30 de Dezembro de 2009 será pago o remanescente de € 15.000,00, dando o primeiro contraente, nesta data, a correspondente quitação. 4º O terceiro contraente constitui-se fiador e principal devedor do valor em dívida do trespasse que a segunda contraente possa ter para com o primeiro contraente. 5º A 1ª contraente reserva para si a propriedade do estabelecimento até total e integral pagamento do valor acordado para o trespasse”» B) Após a assinatura do “contrato de trespasse”, e na mesma data deste, foi paga pela A. à R. a quantia de € 20.000,00, através do cheque nº 5502150037, sacado sob o Deutsche Bank (Portugal), S.A.. C) Foi convencionado pelas partes, que os restantes € 30.000,00 seriam pagos através de 2 cheques pós – datados, tendo sido entregues à Ré o cheque nº 5636303804, tendo como emitente o banco Millennium BCP, no montante de € 15.000,00 com a data de 30/06/2009, bem como o cheque nº 5636303998, tendo também como emitente o banco Millennium BCP, no montante de € 15.000,00, com a data de 30/12/2009, ambos assinados pelo Autor. D) Cheques esses que foram cancelados perante o referido Banco por “Vício na Formação da Vontade”. E) A Ré confeccionava refeições para fora. F) Os AA. assistiram à venda de refeições para fora no estabelecimento quando este era explorado pela R. G) Na data do acordo o estabelecimento apenas estava licenciado para o exercício comercial da actividade de Café, não tendo licença/alvará para comercializar refeições para fora. H) Na cláusula sétima do contrato de arrendamento que tem por objecto o imóvel indicado em A) são referidos os bens que se encontram no estabelecimento que pertencem ao senhorio. I) Na cláusula quarta desse contrato de arrendamento consta que no início da segunda anuidade e/ou primeira renovação do contrato, a renda subirá de € 6.000,00, a pagar em prestações mensais de €500,00 para €6.600,00, a pagar em prestações mensais de €550,00. J) Em Junho de 2009 os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio Da Base Instrutória - Aquando do contacto inicial estabelecido entre a Autora e a Ré, bem como, no momento da celebração do acordo referido em A), a Autora comunicou à Ré que apenas tinha interesse num estabelecimento comercial que fosse detentor de Alvará para confeccionar refeições para fora - “Take away” (resposta ao quesito 1º). - … pelo que A Ré sabia que os Autores apenas fechariam o negócio se existisse o o Alvará que lhe permitia confeccionar refeições para fora (resposta ao quesito 2º). - Pela Ré sempre foi dito aos AA. que o seu estabelecimento era detentor de tal Alvará e Licenças afins (resposta ao quesito 3º). - Por essa razão e face ao texto do “contrato de trespasse”, no momento da celebração do mesmo os AA. estavam convencidos que o estabelecimento tinha alvará e licenças para confeccionar refeições para fora (resposta ao quesito 4º). - Na data do acordo indicado em A), a Autora solicitou à Ré, a entrega de toda a documentação referente ao estabelecimento, incluindo o respectivo Alvará e Licenças (resposta ao quesito 5º). - A Ré disse à Autora que lhe entregaria tais documentos no dia seguinte (resposta ao quesito 6º). - … mas foi protelando a entrega de tais documentos quando a mesma lhe era solicitada pela Autora (resposta ao quesito 7º). - Os AA. procederam do modo indicado em D) após saberem que o estabelecimento não tinha o Alvará e licenças afins ( resposta ao quesito 8º). - Após o acordo indicado em A), a Autora foi informada pela senhoria que alguns dos bens que se encontravam no interior do estabelecimento pertenciam aquela (resposta ao quesito 9º). - A Autora tomou conhecimento através do senhorio que a Ré havia convencionado com este uma majoração do montante a pagar de renda, a partir de Abril de 2009 (resposta ao quesito 10º). - Majoração esta de que a A. não tinha sido informada pela Ré na altura da celebração do acordo indicado em A) (resposta ao quesito 11º). - A Autora contratou pelo menos um cozinheiro e um ajudante de cozinha, pagando-lhes a título de salários quantia não apurada (resposta ao quesito 13º). - Quando a Autora se viu confrontada com o negócio que na realidade celebrara, sofreu angústia e preocupação (resposta ao quesito 14º).*B) 1ª questão: se deve ser apreciada a pretensão da apelante de alteração da decisão sobre a matéria de facto A apelante impugna as respostas dadas aos art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória, sustentando que devem ser considerados não provados. Esses artigos, que mereceram na 1ª instância a resposta «Provados» têm o seguinte teor: Art. 2º: «… pelo que a Ré sabia que os Autores apenas fechariam o negócio se existisse o Alvará que lhe permitia confeccionar as refeições para fora?» Art. 3º «Pela Ré sempre foi dito aos AA. que o seu estabelecimento era detentor de Alvará e Licença afins?» Art. 4º: «Por essa razão e face ao texto do “contrato de trespasse”, no momento do mesmo os AA estavam convencidos que o estabelecimento tinha alvará e licenças para confeccionar para fora?» Art. 10º: «A Autora tomou conhecimento através do senhorio que a Ré havia convencionado com este uma majoração do montante a pagar de renda, a partir de Abril de 2009?» Art. 11: «Majoração esta de que a A. não tinha sido informada pela Ré na altura da celebração do acordo indicado em A?»*O art. 137º do CPC estabelece: «Não é lícito realizar no processo actos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem». Por sua vez, o art. 265º nº 1 prevê: «Iniciada a instância, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.». Estes normativos são aplicação do princípio da economia processual, segundo o qual, cada processo deve resolver o máximo possível de litígios e deve comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades) (cfr a este propósito, Manuel de Andrade, «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, pág. 387/388). O art. 511º nº 1 do CPC prescreve: «O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida». Este normativo, ao excluir da selecção da matéria de facto os factos irrelevantes para a decisão da causa, reflecte, também o princípio da economia processual. Os factos que nenhum interesse têm considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito, porque são impertinentes, não devem ser atendidos no despacho de condensação. «A selecção – quer dos factos assentes, quer dos controvertidos – é feita tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito. Quer isto dizer que o juiz não pode limitá-la aos factos essenciais, ou relevantes, para a solução daquelas questões que, no seu entendimento, são pertinentes: seja qual for a sua visão da que deva ser a decisão jurídica da causa e o caminho para a atingir, o juiz tem de seleccionar também os factos que interessem a outras vias de solução plausível do litígio, tidas em conta as posições assumidas pelas partes quanto à fundamentação jurídica das pretensões e excepções e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão que elas levantem. Assim, “desde que ambas as teses (jurídicas) sejam compreensivelmente defensáveis, [a base instrutória] deve abranger, entre os factos articulados, todos os que interessam às duas posições” (…)» (cfr José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil anotado», vol 2º, 2ª ed, pág. 411). No caso dos autos, pediu-se na petição inicial, além do mais, «Ser sentenciada a anulabilidade do contrato de trespasse celebrado» e a condenação da Ré a restituir aos Autores a quantia de 20.000 € que lhe foi entregue pela Autora a título de pagamento bem como a entrega dos dois cheques no montante global de 30.000 €. Para fundamentarem a anulabilidade do negócio e o direito à restituição do dinheiro e dos cheques invocaram os Autores que a Ré enganou e prejudicou a Autora, pois se esta tivesse conhecimento da falta de alvará e licenças para a confecção de refeições para fora, bem como da majoração da renda nunca teria emitido a sua declaração negocial. Em conformidade com tal alegação e pedidos, foram elaborados, entre outros, os art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória, cujas respostas dadas na 1ª instância veio a apelante impugnar neste recurso. Porém, a sentença recorrida declarou, oficiosamente, no dispositivo, a nulidade do contrato de trespasse e não a sua anulabilidade, e não foi com base em qualquer dos factos constantes das respostas aos art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória que assim se decidiu julgar nulo o contrato e se condenou a Ré a restituir a quantia de 20.000 € e os referidos cheques e bem assim se julgou improcedente a reconvenção. Na verdade, lê-se na fundamentação da sentença recorrida: «A questão objecto do processo consiste em saber qual a consequência jurídica para a celebração de um contrato de trespasse de estabelecimento comercial destinado à confecção de refeições para fora e realizado sem alvará para o efeito. Atenta a matéria de facto dada como provada, e nisto as partes estão de acordo, A e R celebraram um contrato de trespasse de estabelecimento comercial destinado à confecção de refeições para fora. E tal contrato foi realizado em 28.02.2009. Assim sendo, além do estipulado pelas partes, o referido contrato regula-se pelas disposições legais contidas no DL 168/97, de 04.07, com as alterações introduzidas pelo DL 57/2002, de 11.03. Além do mais, provou-se que pese embora o contrato de trespasse de estabelecimento comercial fosse destinado à confecção de refeições para fora, foi realizado sem alvará para o efeito (de refeições para fora, apenas tendo o estabelecimento alvará para bebidas). Ora, o art. 14º, nº1 e 2º do citado diploma legal DL 168/97, de 04.07, com as alterações introduzidas pelo DL 57/2002, de 11.03, comina tal falta com a sanção de nulidade. Por outro lado, a nulidade pode ser conhecida oficiosamente e a todo o tempo ( cfr. art. 286º do CC). (…) Nos termos do art. 294º do CC comina-se com nulidade o negócio jurídico que for celebrado contra disposição legal de carácter imperativo, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei. (…) Como resulta daquela disposição legal, a falta de tais elementos gera a sanção nulidade do contrato. Por outro lado e para se averiguar se estamos perante uma nulidade mista ou atípica ou não, analisemos as razões que lhe subjazem. No preâmbulo daquele DL nº 168/97, de 4 de Julho, fala-se da “salvaguarda das condições mínimas de funcionamento dos estabelecimentos, fazendo-se intervir, em simultâneo, no acto preparatório da emissão da «licença de utilização para serviços de restauração ou de bebidas», as autoridades de saúde, o Serviço Nacional de Bombeiros e a respectiva Federação, atribuindo-se aos presidentes das câmaras competência para os convocar” e fazendo-se “intervir também na classificação dos estabelecimentos representantes dos órgãos regionais e locais de turismo e da respectiva Federação”, sendo certo que “os requisitos mínimos exigidos correspondem aqueles elementos que se consideram básicos para o exercício das actividades”, em ordem a “salvaguardar os interesses dos particulares”, acrescentando-se, no preâmbulo do DL nº 57/2002, de 11 de Março, que se aproveita ainda “esta oportunidade para tornar obrigatória a menção à existência de alvará de licença de utilização aos contratos de transmissão, sob qualquer forma jurídica, relativos a estabelecimentos…onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, … sob pena de nulidade e recusa do registo dos mesmos”. No Ac do STJ de 01.02.2011 (colhido via internet www.dgsi.pt, relator: Dr. Helder Roque) explanam-se os argumentos e razões por detrás de tal disposição legal, nos seguintes termos: “ Com efeito, a lei, a par das proibições ao exercício do comércio, decorrentes de incapacidades ou de incompatibilidades, estabelece, igualmente, certos condicionamentos a esse exercício, reportados uns à própria actividade mercantil em si, e respeitando outros aos estabelecimentos postos ao serviço dessa actividade, e, designadamente, à instalação de estabelecimentos comerciais. É, nesta última área, que se insere o licenciamento dos estabelecimentos comerciais, que visa assegurar a higiene, a salubridade, a segurança, a comodidade e as condições técnico-funcionais na instalação e laboração dos mesmos. E a licença é o acto administrativo que permite a alguém a prática de um acto ou o exercício de uma actividade relativamente proibidos, sendo relativa a proibição quando a lei admite que a actividade proibida seja exercida, nos casos ou pelas pessoas a quem a administração o permita. Por seu turno, o alvará é a forma solene do acto administrativo, o título dos direitos conferidos aos particulares, por deliberação dos órgãos autárquicos ou decisão dos seus titulares, atento o estipulado pelo artigo 94º, do DL nº 169/99, de 18 de Setembro. O alvará é, assim, um simples título de licenciamento, um documento firmado pela autoridade competente, pela qual esta faz saber a quem dele tome conhecimento a existência de certo direito constituído, em proveito de determinada pessoa. Deste modo, o alvará de licença de utilização é uma formalidade habilitante da celebração do contrato que se destina a instruir. Assim sendo, a licença omissa assumia um carácter, predominantemente, administrativo, destinando-se a garantir “as condições mínimas de funcionamento dos estabelecimentos, que correspondem aqueles elementos que se consideram básicos para o exercício das actividades de restauração ou de bebidas, em ordem a salvaguardar os interesses dos particulares”. Mas, sendo a nulidade cominada pelo aludido diploma legal regulamentador do processo de licenciamento da utilização de estabelecimentos de restauração e bebidas, a sanção mais grave da categoria dogmática das invalidades, a mesma deve adaptar-se ao fim da regra violada, à «ratio legis» ou à finalidade da aludida formalidade, sem a exceder, sob pena de se tornar desproporcionada e ultrapassar a razão de ser da proibição legal. Trata-se, face às directrizes traçadas nos respectivos diplomas preambulares, de formalidades ditadas pela certeza e segurança do contrato e do comércio jurídico, pelos interesses de terceiros e da sociedade em geral, incluídas na ordem pública de direcção, através da qual os poderes públicos realizam certos objectivos de interesse geral e dirigem a economia nacional, a justificar a supremacia dos interesses gerais sobre os interesses das partes contratantes.” Assim sendo e aderindo à fundamentação explanada em tal Acórdão, concluímos sem grande esforço que a formalidade analisada não integra a ordem pública de protecção ou a ordem pública social, a invalidade correspondente à sua omissão não constitui uma nulidade atípica, mas antes uma nulidade absoluta, cujo vício afectou, geneticamente, o negócio jurídico de trespasse, tornando-o inapto para a produção dos efeitos jurídicos a que se destina, em regra, desde o início, e de modo absoluto e insanável. Nesta conformidade, enquanto nulidade simples, e porque não assimilável à sub-espécie da nulidade atípica ou mista, pode ser conhecida, oficiosamente, pelo Tribunal, nos termos do estipulado pelo artigo 286º, do CC, o que se faz. Por tudo o exposto, declaro nulo o contrato de trespasse realizado entre as partes.». Portanto, a nulidade de contrato de trespasse foi declarada na sentença recorrida com base, tão só, nos factos descritos nas alíneas A) – que reproduz o teor do contrato de trespasse e onde se lê, designadamente, que «(…) a 1ª contraente é proprietária e legítima possuidora do estabelecimento comercial denominado “H…..”, destinado à confecção de refeições para fora (…)» - e G) «Na data do acordo o estabelecimento apenas estava licenciado para o exercício comercial da actividade de Café, não tendo licença para comercializar refeições para fora». Ora, tais factos não foram impugnados neste recurso. É certo que na fundamentação da sentença recorrida foram também ponderados os factos constantes das respostas aos art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória. Mas esses factos foram considerados apenas no âmbito da argumentação subsidiária no sentido de que o negócio sempre seria anulável e sempre haveria lugar à restituição da quantia de 20.000 € e dos cheques, nos termos do art. 289º do CC, pela declaração de anulação do negócio. Com efeito, discreteia-se na sentença recorrida: «2. Ainda que assim se não entendesse, sempre diremos que os AA estruturaram a acção na base da alegação da existência de vício da vontade que inquinaria o contrato em causa e que teria como consequência a anulabilidade do contrato. Posto nestes termos a questão, a controvérsia radica na questão de saber se a vontade dos autores, em relação ao contrato de trespasse realizado, se formou de modo livre e esclarecido, no âmbito do referido negócio jurídico. Com efeito, a presente acção foi proposta com base em dolo gerador da anulabilidade do contrato celebrado entre as partes, mais propriamente numa actuação de carácter doloso por banda da R, com alegada cobertura legal nos artºs 253º e 254º do C. Civil. (…) Volvendo ao caso sub judicio: Da matéria dada como provada resultou que a R usou de sugestão ou artifício quando sempre foi dizendo aos AA que o seu estabelecimento tinha alvará e licenças para confeccionar refeições para fora (resp. ao quesito 3º) e na data do acordo apenas estava o estabelecimento licenciado para café (alínea G)), pelo que apenas se poderá concluir que a R ao consignar tal realidade que não existia e que a mesma sabia não existir, fê-lo com intenção ou a consciência de induzir ou manter os AA em erro ou de dissimular o seu erro, pelo que provaram os AA que a R agiu com dolo nos termos do art. 253º e 254º do CC, sendo assim o negócio anulável. Sem embargo, os AA. além do mais, ainda lograram provar o erro sobre o objecto, e cognoscibilidade da R sobre essas qualidades e essencialidade das mesmas para os AA (cfr. respostas aos quesitos 1º, 2º, 4º), pelo que o negócio seria sempre anulável com base em erro sobre o objecto do negócio ( cfr. art. 247º do CC). 3. Em consequência (seja pela declaração de nulidade, seja pela declaração da anulabilidade do negócio), nos termos do artigo 289º do Código Civil, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. No caso vertente, deverá a R restituir o pagamento que já havia sido feito pelos AA, ou seja, os € 20.000,00 e ainda os dois cheques que haviam sido entregues para efeito de pagamento.». Mas, sublinhe-se, no dispositivo da sentença decidiu-se julgar nulo o negócio e para a declaração de nulidade são, como se disse, irrelevantes os factos constantes das respostas aos art. 2º, 3º, 4º e 10º da base instrutória. Em consequência, é um acto manifestamente inútil proceder à análise da impugnação das respostas dadas na 1ª instância a esses artigos e à reapreciação da prova, pelo que se decide não ouvir as gravações contendo os depoimentos das testemunhas.*C) 2ª questão: se a sentença é nula Sustenta a apelante que a sentença é nula nos termos do art. 668º nº 1 al d) porque em caso de anulação ou nulidade do contrato os apelados nunca poderiam entregar as chaves do estabelecimento ao senhorio e na sentença o contrato é declarado nulo e condenada a apelante a devolver a importância recebida e os cheques mas não são os apelados condenados a entregar o estabelecimento por força da nulidade do contrato. E prosseguindo, diz a apelante, não pode o tribunal obrigar a apelante a cumprir uma decisão de nulidade sem que a outra parte também seja obrigada a cumprir a sua obrigação de devolução do estabelecimento e por isso, o contrato de trespasse continua em vigor pois as chaves do estabelecimento não lhe foram devolvidas, não tendo acesso ao estabelecimento. Mais diz que o juiz “a quo” não se pronunciou sobre esta questão, apesar de mencionada na reconvenção. Vejamos. O art. 668º nº 1 al d) do CPC estabelece que é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Na reconvenção a Ré/apelante pediu a condenação dos ora apelados a pagar-lhe a quantia de 30.000 € referente ao valor em dívida decorrente da celebração do contrato de trespasse acrescida de juros de mora. Na reconvenção foi alegado, na parte que ora interessa: «Sucede que não existiu, conforme se verifica de tudo quanto foi exposto na contestação, qualquer vício na formação da vontade dos Autores/Reconvindos.» (45º) «Sendo assim, e ao contrário do que referem os Autores/Reconvindos, o contrato de trespasse não é anulável e por este motivo têm que pagar a quantia, ainda em dívida, referente ao contrato de trespasse celebrado.» (48º) «Mesmo que assim não fosse, em caso de anulação do contrato, os Autores, por força deste contrato de trespasse teriam que entregar as chaves do estabelecimento à Ré, e não ao senhorio.» (art. 49º) «Assim sendo, a Ré/Reconvinte, tem direito a receber a quantia de € 30.000,00 pois o contrato de trespasse não é anulável e por via disso continua em vigor, tendo os Autores que o cumprir integralmente». (50º)*Na sentença recorrida lê-se: «5. Da reconvenção: Atenta a decisão supra que declara nulo o negócio jurídico entre as partes e a destruição do mesmo ex nunc, a reconvenção é julgada improcedente por não provada. (…) Pelo exposto, julgo a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo os AA/reconvindos do pedido reconvencional.». O art. 289º do Código Civil prescreve: «Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento. 3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes». E o art. 290º do mesmo Código prevê: «As obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato». Portanto, o facto de estar provado que em Junho de 2009 os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio (al J) da matéria de facto) não impede tanto a declaração de nulidade como a anulação do contrato. Significa que tal facto não constitui uma questão que o juiz tenha de apreciar para decidir sobre a nulidade do contrato. Por outro lado, na reconvenção não foi pedida a condenação dos Autores a entregar o estabelecimento apesar de na petição inicial ter sido pedida a anulação do contrato, o que até se compreende pois o estabelecimento foi entregue ao senhorio e poderá colocar-se a questão da impossibilidade da restituição em espécie por parte dos Autores. Por quanto se disse, ao não condenar os Autores a entregar o estabelecimento à Ré, a sentença não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, pelo que não padece da apontada nulidade.*D) 3ª questão: se deve a acção ser julgada totalmente improcedente e os apelantes absolvidos do que é pedido e se deve a reconvenção ser julgada procedente e devem os apelados ser condenados no pagamento da quantia de 30.000 € respeitante ao restante pagamento decorrente do contrato de trespasse Como já se explanou, a recorrente não impugnou os factos com base nos quais foi declarada a nulidade do contrato de trespasse. Além disso, a recorrente apenas invoca como fundamento para a sua alegação de que o contrato de trespasse continua em vigor o facto de os apelados não terem devolvido nem terem sido condenados a devolver-lhe o estabelecimento. Ora, resulta do disposto dos art. 289º e 290º do Código Civil que o facto de o estabelecimento ter sido entregue ao senhorio não é impeditivo da declaração de nulidade do contrato. Na verdade, a obrigação de restituição de tudo o que tiver sido prestado é uma consequência de declaração de nulidade e, se a restituição em espécie não for possível, dispõe a apelante dos meios legais que lhe são facultados na última parte do nº 1 e no nº 2 do art. 289º, bem como no art. 290º. Não tem, pois, razão a apelante ao sustentar que se mantém em vigor o contrato de trespasse. Em consequência, improcede necessariamente a reconvenção. Concluindo, merece confirmação a sentença recorrida.*IV – Decisão Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Porto, 07 de Maio de 2012 Anabela Calafate José Eusébio de Almeida Maria Adelaide Domingos
Apelação Proc. 2317/09.0TBVLG.P1 Sumário I – Os art. 137º e 265º nº 1 do CPC são aplicação do princípio da economia processual, segundo o qual, cada processo deve resolver o máximo possível de litígios e deve comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades). II - É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiveram qualquer relevância para a decisão da causa. III – Por isso, nesse caso, não cabe proceder à reapreciação da prova, não devendo a Relação ouvir as gravações contendo os depoimentos das testemunhas.*1. B………. e C…… instauraram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra D….. pedindo: «deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência: A) Ser sentenciada a anulabilidade do contrato de trespasse celebrado. B) ser a Ré condenada a restituir aos Autores a quantia de € 20.000,00 que lhe foram entregues a título de pagamento, acrescido de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento, bem como a entrega dos dois cheques, no montante global de € 30.000,00 e melhor identificados no Art. 3º da presente PI; C) Ser a Ré condenada no pagamento da quantia de € 5.000,00 em sede de danos emergentes bem como lucros cessantes; D) Ser a Ré condenada no pagamento da quantia de € 3.000,00 em sede de danos não patrimoniais.» Alegaram, em síntese: - em 28/02/2009 os Autores, na qualidade de comprador e de fiador, respectivamente, celebraram com a Ré um contrato de trespasse de um estabelecimento comercial destinado à confecção de refeições para fora, propriedade da Ré; - aquando do contacto inicial bem como no momento da celebração do negócio, foi pela Autora comunicado à Ré que apenas tinha interesse num estabelecimento comercial que fosse detentor de alvará para confeccionar refeições para fora, por ser este tipo de negócio que lhe interessava; - pela Ré sempre foi dito que o estabelecimento tinha tal alvará para “Take away” e a própria Ré confeccionava refeições para fora; - a A. ficou convencida de que o estabelecimento tinha o alvará; - já depois da celebração do contrato, os Autores descobriram que a Ré não dispunha de alvará ou licença que habilitasse o estabelecimento para confecção de refeições para fora, apenas se encontrando licenciado para actividade de café; - tal situação impossibilitou a Autora do exercício legal da actividade de take away, reflectindo-se tal proibição no apuro mensal que se revela manifestamente diminuto, para além dos prejuízos causados por virtude das benfeitorias realizadas; - também veio a Autora a saber posteriormente que nem todos os bens que se encontravam no estabelecimento faziam parte do mesmo, mas sim eram do senhorio e que iria haver uma majoração da renda; - com a sua actuação, a Ré enganou e prejudicou a Autora, pretendendo esta anular o negócio, pois se tivesse conhecimento da falta de alvará e licenças, para a confecção de refeições para fora, bem como da majoração da renda nunca teria emitido a sua declaração negocial; - a Autora sofreu danos patrimoniais e danos não patrimoniais.*A e contestou, pugnando pela sua absolvição de todos os pedidos e deduziu reconvenção, tendo alegado, em resumo: - não é verdade que a Autora lhe tenha comunicado que apenas tinha interesse num estabelecimento comercial que fosse detentor de alvará para confeccionar refeições para fora; - além disso, na fase negocial a Ré informou que a alteração do alvará não estava concluída, tendo o processo de licenciamento dado entrada na Câmara com conhecimento do sr. E….. e do Autor, pessoas que negociaram com a Ré o contrato em causa, e que sempre estiveram a par de todo aquele processo de licenciamento; - não existiu por parte da Ré qualquer sugestão ou artifício com a intenção de induzir ou manter em erro os AA, pelo que o negócio não é anulável e consequentemente não existe obrigação de indemnizar por parte da R.; - mesmo que assim não fosse, nunca os Autores poderiam fechar o estabelecimento e entregar as chaves ao senhorio, o que se verificou em Junho do corrente ano. Em sede de reconvenção invocou, em suma que em caso de anulação do contrato os Autores teriam que entregar as chaves do estabelecimento à Ré e pediu a condenação dos Autores a pagarem-lhe a quantia de € 30.000,00, valor ainda em dívida decorrente da celebração do contrato de trespasse, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento.*Os Autores apresentaram réplica reiterando tudo quanto alegaram na p.i..*Realizada a audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas à base instrutória, foi proferida sentença em que se decidiu: «Face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, declaro a nulidade do contrato de trespasse celebrado entre as partes (AA e R) e, em consequência condeno a R a a restituir aos AA a quantia de € 20.000,00 que lhe foi entregue a título de pagamento, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento, bem como a entrega dos dois cheques no montante global de € 30.000,00 e identificados no art. 3º da p.i. No mais, absolvo a R dos restantes pedidos. B) - Da reconvenção: Pelo exposto, julgo a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo os AA/reconvindos do pedido reconvencional.».*Inconformada, apelou a Ré, e tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1. Os Autores intentaram a presente acção solicitando que fosse declarado anulado o contrato de trespasse celebrado entre as partes com base em dolo da Ré. 2. A Ré impugnou toda a matéria de facto e alegou que informou os Autores, na fase negocial que a alteração do alvará não estava concluída. 3. Em sede de reconvenção, a Ré alegou que por força do contrato de trespasse os Autores teriam que entregar as chaves do estabelecimento a esta, e não ao senhorio. 4. Por via disso, os mesmos deveriam ser condenados a pagarem à Ré a quantia de €30.000,00, valor ainda em dívida e respeitante ao restante pagamento em falta decorrente do contrato de trespasse. 5. O Tribunal “a quo” em relação à base instrutória considerou provados os quesitos 2º, 3º, 4º, 10º e 11º, ou seja que: . Que a Ré sabia que os Autores apenas fechariam o negócio se existisse o alvará que lhe permitia confeccionar refeições para fora. . Pela ré sempre foi dito aos Autores que o seu estabelecimento era detentor de tal alvará e licenças afins. . Por essa razão e face ao texto do “contrato de trespasse”, no momento da celebração do mesmo os Autores estavam convencidos que o estabelecimento, tinha alvará e licenças para confeccionar refeições para fora. . A Autora tomou conhecimento através do senhorio que a Ré havia convencionado com este uma majoração do montante a pagar de renda, a partir de Abril de 2009. . Majoração esta de que a Autora não tinha sido informada pela Ré na altura da celebração do acordo indicado em a) da matéria assente. 6. O Tribunal “a quo” atendendo ao que foi dado como provado considerou existir uma nulidade absoluta, cujo vício afectou, geneticamente, o negócio jurídico de trespasse. 7. O Mmo. Juiz de primeira instância, ao abrigo do disposto no art. 286º do Código Civil, declarou nulo o contrato de trespasse entre as partes. 8. Quanto à reconvenção, o Tribunal “a quo” não se pronunciou, apenas julgou a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência absolveu os Autores reconvindos do pedido reconvencional. 9. Sucede que a Ré/Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal “ a quo”, desde logo porque a testemunha arrolada pelos Autores E……, que prestou depoimento na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 31 de Janeiro de 2011, e ficou registado no sistema de gravação digital, nomeadamente no CD n.º 1, minutos 10:04:32 a 11:05:47 disse que tratou de todo o negócio com a Ré e o seu companheiro, o Sr. F….., e antes de o irmão celebrar o contrato a única coisa que estava lá no café era um alvará para cafetaria. 10. A testemunha referiu ainda que sabia que lá não dizia take away e a conclusão que tirou por não estar nenhum alvará de take away lá fixado é que porque não tinha. 11. A testemunha E….. referiu ainda que em Abril, os Autores já sabiam da não existência de alvará de take away e mesmo assim contrataram um novo empregado. 12. A testemunha arrolada pelos Autores G……, que prestou depoimento na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 21 de Fevereiro de 2011, e ficou registado no sistema de gravação digital, nomeadamente no CD n.º 1, minutos 14:39:04 a 15:35:24 disse que o Sr. F….. andava a tratar da obtenção da licença e que na altura foi com o Sr. F….. e pagou €50,00. 13. Assim, atentos aos depoimentos destas duas testemunhas que foram arroladas pelos Autores, não resultaram provados os quesitos 2º, 3º e 4º da base instrutória. 14. No depoimento da testemunha G….. que prestou depoimento na sessão de audiência de julgamento realizada no dia 21 de Fevereiro de 2011, e ficou registado no sistema de gravação digital, nomeadamente no CD n.º 1, minutos 14:39:04 a 15:35:24 esta disse que os Autores se apresentaram como novos inquilinos e na altura vieram com um contrato que fizeram. 15. Daqui resulta que os Autores tinham conhecimento do contrato de arrendamento celebrado entre a Ré e a Senhoria do estabelecimento. 16. Assim também não resultaram provados os quesitos 10º e 11º da base instrutória. 17. Não sendo dados como provados os quesitos 2º, 3, 4º 10º e 11º da base instrutória, o Tribunal “ a quo” não poderia considerar que da matéria dada como provada resultou que a Ré usou de sugestão ou artifício. 18. Com efeito os Autores não lograram provar que existiu vício na formação da vontade, e a Ré usou de sugestão ou artifício. 19. O contrato não poderia ser considerado nulo ou anulável, pois não resultaram provados os quesitos 2º, 3º, 4º, 10 e 11º da base instrutória. 20. O ónus da prova caberia seguramente aos autores, desaproveitando-lhe a não prova, conforme o disposto no art. 342º/2 do Código civil e 516º do Código de Processo Civil. 21. Mais, mesmo que se considerasse que o contrato era nulo ou anulável, o que só se admite por mera hipótese académica, os Autores nunca poderiam entregar a chaves do estabelecimento à senhoria, teriam que entregar as chaves à Ré. 22. O ponto 5º alínea j) da matéria assente refere que em Junho de 2009, os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio. 23. Em caso de anulação do contrato, os autores, por força do contrato de trespasse teriam que entregar as chaves do estabelecimento à ré e não ao Senhorio., 24. Ou seja, a aceitar-se a nulidade do contrato "ab inicio" então os AA. tinham de devolver à R. o Estabelecimento, facto este que a Mma. Juiz omite na sentença; 25. A ser decretada uma nulidade “ab inicio” mais não é do que declarar a inexistência do contrato e consequentemente os AA. tinham de devolver o Estabelecimento à R. e esta o que recebeu e os cheques que tem em seu poder aos AA., ora a Mma. Juiz de Tribunal “a quo” nada diz quanto à devolução do Estabelecimento, existindo neste aspecto uma nulidade da sentença; 26. O contrato de trespasse, dado que os AA. não devolveram, nem foram condenados a devolver, por força da nulidade decretada o Estabelecimento à R, continua assim em vigor, pois as chaves não foram devolvidas à Ré. 27. Até à data de hoje, a Ré não tem acesso ao estabelecimento comercial nem aos seus bens que estão dentro deste. 28. A conduta dos Autores impediu a Ré de continuar a explorar o estabelecimento comercial. 29. Além disso os Autores entregaram as chaves porque quiseram, pois que nenhuma autoridade fiscalizou o estabelecimento e/ou solicitou a estes o que quer que fosse. 30. Na verdade entregaram as chaves por sua livre vontade, nunca tendo sido interpelados por qualquer autoridade. 31. O Juiz “ a quo” não se pronunciou sequer sobre esta questão, apesar de ser mencionada em sede de reconvenção pela Ré. 32. Atendendo ao que foi dado como assente, ou seja, que em Junho de 2009, os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio e ao que foi alegado em sede de reconvenção, os Autores são responsáveis pelo pagamento de €30.000,00 respeitante ao remanescente do preço do trespasse. 33. Como esta questão, apesar de alegada em sede de reconvenção, não foi apreciada pelo Tribunal “ a quo” na sentença, a mesma padece de nulidade ao abrigo do art. 688º alínea d) do Código do Processo Civil. 34. Ao decidir conforme decidiu, violou assim a Mma. Juíza “a quo” entre outros os arts. 342º do Código civil e os arts. 516º e 688 alínea d) do Código de Processo Civil. Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com mui douto suprimento de Vas. Exas., deve a decisão de primeira instância ser declarada nula, ao abrigo do art. 688º alínea d) do Código do Processo Civil ou caso assim se não entenda ser a mesma revogada e em consequência ser proferida outra que absolva a Ré do pedido e condene os Autores no pagamento da quantia de €30.000,00 respeitante ao restante pagamento em falta decorrente do contrato de trespasse. Assim decidindo Vas. Exas., farão como sempre, sã, serena e objectiva Justiça.*Os Autores contra-alegaram defendendo a confirmação da sentença.*Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. (art. 684º nº 3, 685º-A nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que as questões a decidir são estas: - se deve ser analisada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto - se a sentença é nula - se deve a acção ser julgada totalmente improcedente e os apelantes absolvidos do que é pedido e se deve a reconvenção ser julgada procedente e devem os apelados ser condenados no pagamento da quantia de 30.000 € respeitante ao restante pagamento decorrente do contrato de trespasse*III – Fundamentação A) Na sentença vem dado como provado: Da matéria assente A) Em 28 de Fevereiro de 2009, a Ré e os Autores celebram um acordo escrito, denominado «contrato de trespasse» (vertido no doc. junto a fls. 24 e 25 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido), no qual a R. figura como 1ª contraente, a Autora como 2ª contraente e o Autor como 3º contraente, mediante o qual declararam o seguinte: « (…) a 1ª contraente é proprietária e legitima possuidora do estabelecimento comercial denominado “H…..”, destinado à confecção de refeições para fora, propriedade da Ré, sito na Rua …., nº …. em Ermesinde, concelho de Valongo. E que o local acima indicado se encontra tomado de arrendamento a I….., residente na Rua ….., n.º ….. 4445, Ermesinde. É celebrado o presente contrato que se rege pelas seguintes cláusulas: 1º O 1º contraente vende ao 2º contraente, que lhe compra, o direito ao trespasse do estabelecimento comercial acima identificado, que inclui, designadamente, os respectivos móveis, utensílios, mercadorias, alvarás e outras licenças, bem como o correspondente direito de arrendamento, livre de qualquer passivo. 2º Fazem parte do estabelecimento, nomeadamente, todos os móveis, máquinas, mercadorias, matérias-primas e demais equipamentos necessários para a sua actividade que à data de hoje se encontra no interior do estabelecimento». 3º O referido trespasse efectua-se pelo valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) quantia que será paga da seguinte forma: 1 – Com a assinatura do presente contrato será pago o montante de € 20.000,00. 2 – Até ao dia 30 de Junho de 2009 será pago o montante de € 15.000,00. 3 - Até ao dia 30 de Dezembro de 2009 será pago o remanescente de € 15.000,00, dando o primeiro contraente, nesta data, a correspondente quitação. 4º O terceiro contraente constitui-se fiador e principal devedor do valor em dívida do trespasse que a segunda contraente possa ter para com o primeiro contraente. 5º A 1ª contraente reserva para si a propriedade do estabelecimento até total e integral pagamento do valor acordado para o trespasse”» B) Após a assinatura do “contrato de trespasse”, e na mesma data deste, foi paga pela A. à R. a quantia de € 20.000,00, através do cheque nº 5502150037, sacado sob o Deutsche Bank (Portugal), S.A.. C) Foi convencionado pelas partes, que os restantes € 30.000,00 seriam pagos através de 2 cheques pós – datados, tendo sido entregues à Ré o cheque nº 5636303804, tendo como emitente o banco Millennium BCP, no montante de € 15.000,00 com a data de 30/06/2009, bem como o cheque nº 5636303998, tendo também como emitente o banco Millennium BCP, no montante de € 15.000,00, com a data de 30/12/2009, ambos assinados pelo Autor. D) Cheques esses que foram cancelados perante o referido Banco por “Vício na Formação da Vontade”. E) A Ré confeccionava refeições para fora. F) Os AA. assistiram à venda de refeições para fora no estabelecimento quando este era explorado pela R. G) Na data do acordo o estabelecimento apenas estava licenciado para o exercício comercial da actividade de Café, não tendo licença/alvará para comercializar refeições para fora. H) Na cláusula sétima do contrato de arrendamento que tem por objecto o imóvel indicado em A) são referidos os bens que se encontram no estabelecimento que pertencem ao senhorio. I) Na cláusula quarta desse contrato de arrendamento consta que no início da segunda anuidade e/ou primeira renovação do contrato, a renda subirá de € 6.000,00, a pagar em prestações mensais de €500,00 para €6.600,00, a pagar em prestações mensais de €550,00. J) Em Junho de 2009 os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio Da Base Instrutória - Aquando do contacto inicial estabelecido entre a Autora e a Ré, bem como, no momento da celebração do acordo referido em A), a Autora comunicou à Ré que apenas tinha interesse num estabelecimento comercial que fosse detentor de Alvará para confeccionar refeições para fora - “Take away” (resposta ao quesito 1º). - … pelo que A Ré sabia que os Autores apenas fechariam o negócio se existisse o o Alvará que lhe permitia confeccionar refeições para fora (resposta ao quesito 2º). - Pela Ré sempre foi dito aos AA. que o seu estabelecimento era detentor de tal Alvará e Licenças afins (resposta ao quesito 3º). - Por essa razão e face ao texto do “contrato de trespasse”, no momento da celebração do mesmo os AA. estavam convencidos que o estabelecimento tinha alvará e licenças para confeccionar refeições para fora (resposta ao quesito 4º). - Na data do acordo indicado em A), a Autora solicitou à Ré, a entrega de toda a documentação referente ao estabelecimento, incluindo o respectivo Alvará e Licenças (resposta ao quesito 5º). - A Ré disse à Autora que lhe entregaria tais documentos no dia seguinte (resposta ao quesito 6º). - … mas foi protelando a entrega de tais documentos quando a mesma lhe era solicitada pela Autora (resposta ao quesito 7º). - Os AA. procederam do modo indicado em D) após saberem que o estabelecimento não tinha o Alvará e licenças afins ( resposta ao quesito 8º). - Após o acordo indicado em A), a Autora foi informada pela senhoria que alguns dos bens que se encontravam no interior do estabelecimento pertenciam aquela (resposta ao quesito 9º). - A Autora tomou conhecimento através do senhorio que a Ré havia convencionado com este uma majoração do montante a pagar de renda, a partir de Abril de 2009 (resposta ao quesito 10º). - Majoração esta de que a A. não tinha sido informada pela Ré na altura da celebração do acordo indicado em A) (resposta ao quesito 11º). - A Autora contratou pelo menos um cozinheiro e um ajudante de cozinha, pagando-lhes a título de salários quantia não apurada (resposta ao quesito 13º). - Quando a Autora se viu confrontada com o negócio que na realidade celebrara, sofreu angústia e preocupação (resposta ao quesito 14º).*B) 1ª questão: se deve ser apreciada a pretensão da apelante de alteração da decisão sobre a matéria de facto A apelante impugna as respostas dadas aos art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória, sustentando que devem ser considerados não provados. Esses artigos, que mereceram na 1ª instância a resposta «Provados» têm o seguinte teor: Art. 2º: «… pelo que a Ré sabia que os Autores apenas fechariam o negócio se existisse o Alvará que lhe permitia confeccionar as refeições para fora?» Art. 3º «Pela Ré sempre foi dito aos AA. que o seu estabelecimento era detentor de Alvará e Licença afins?» Art. 4º: «Por essa razão e face ao texto do “contrato de trespasse”, no momento do mesmo os AA estavam convencidos que o estabelecimento tinha alvará e licenças para confeccionar para fora?» Art. 10º: «A Autora tomou conhecimento através do senhorio que a Ré havia convencionado com este uma majoração do montante a pagar de renda, a partir de Abril de 2009?» Art. 11: «Majoração esta de que a A. não tinha sido informada pela Ré na altura da celebração do acordo indicado em A?»*O art. 137º do CPC estabelece: «Não é lícito realizar no processo actos inúteis, incorrendo em responsabilidade disciplinar os funcionários que os pratiquem». Por sua vez, o art. 265º nº 1 prevê: «Iniciada a instância, cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, providenciar pelo andamento regular e célere do processo, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusando o que for impertinente ou meramente dilatório.». Estes normativos são aplicação do princípio da economia processual, segundo o qual, cada processo deve resolver o máximo possível de litígios e deve comportar só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis (economia de actos e economia de formalidades) (cfr a este propósito, Manuel de Andrade, «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, pág. 387/388). O art. 511º nº 1 do CPC prescreve: «O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida». Este normativo, ao excluir da selecção da matéria de facto os factos irrelevantes para a decisão da causa, reflecte, também o princípio da economia processual. Os factos que nenhum interesse têm considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito, porque são impertinentes, não devem ser atendidos no despacho de condensação. «A selecção – quer dos factos assentes, quer dos controvertidos – é feita tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito. Quer isto dizer que o juiz não pode limitá-la aos factos essenciais, ou relevantes, para a solução daquelas questões que, no seu entendimento, são pertinentes: seja qual for a sua visão da que deva ser a decisão jurídica da causa e o caminho para a atingir, o juiz tem de seleccionar também os factos que interessem a outras vias de solução plausível do litígio, tidas em conta as posições assumidas pelas partes quanto à fundamentação jurídica das pretensões e excepções e as correntes doutrinárias e jurisprudenciais formadas em torno dos tipos de questão que elas levantem. Assim, “desde que ambas as teses (jurídicas) sejam compreensivelmente defensáveis, [a base instrutória] deve abranger, entre os factos articulados, todos os que interessam às duas posições” (…)» (cfr José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil anotado», vol 2º, 2ª ed, pág. 411). No caso dos autos, pediu-se na petição inicial, além do mais, «Ser sentenciada a anulabilidade do contrato de trespasse celebrado» e a condenação da Ré a restituir aos Autores a quantia de 20.000 € que lhe foi entregue pela Autora a título de pagamento bem como a entrega dos dois cheques no montante global de 30.000 €. Para fundamentarem a anulabilidade do negócio e o direito à restituição do dinheiro e dos cheques invocaram os Autores que a Ré enganou e prejudicou a Autora, pois se esta tivesse conhecimento da falta de alvará e licenças para a confecção de refeições para fora, bem como da majoração da renda nunca teria emitido a sua declaração negocial. Em conformidade com tal alegação e pedidos, foram elaborados, entre outros, os art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória, cujas respostas dadas na 1ª instância veio a apelante impugnar neste recurso. Porém, a sentença recorrida declarou, oficiosamente, no dispositivo, a nulidade do contrato de trespasse e não a sua anulabilidade, e não foi com base em qualquer dos factos constantes das respostas aos art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória que assim se decidiu julgar nulo o contrato e se condenou a Ré a restituir a quantia de 20.000 € e os referidos cheques e bem assim se julgou improcedente a reconvenção. Na verdade, lê-se na fundamentação da sentença recorrida: «A questão objecto do processo consiste em saber qual a consequência jurídica para a celebração de um contrato de trespasse de estabelecimento comercial destinado à confecção de refeições para fora e realizado sem alvará para o efeito. Atenta a matéria de facto dada como provada, e nisto as partes estão de acordo, A e R celebraram um contrato de trespasse de estabelecimento comercial destinado à confecção de refeições para fora. E tal contrato foi realizado em 28.02.2009. Assim sendo, além do estipulado pelas partes, o referido contrato regula-se pelas disposições legais contidas no DL 168/97, de 04.07, com as alterações introduzidas pelo DL 57/2002, de 11.03. Além do mais, provou-se que pese embora o contrato de trespasse de estabelecimento comercial fosse destinado à confecção de refeições para fora, foi realizado sem alvará para o efeito (de refeições para fora, apenas tendo o estabelecimento alvará para bebidas). Ora, o art. 14º, nº1 e 2º do citado diploma legal DL 168/97, de 04.07, com as alterações introduzidas pelo DL 57/2002, de 11.03, comina tal falta com a sanção de nulidade. Por outro lado, a nulidade pode ser conhecida oficiosamente e a todo o tempo ( cfr. art. 286º do CC). (…) Nos termos do art. 294º do CC comina-se com nulidade o negócio jurídico que for celebrado contra disposição legal de carácter imperativo, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei. (…) Como resulta daquela disposição legal, a falta de tais elementos gera a sanção nulidade do contrato. Por outro lado e para se averiguar se estamos perante uma nulidade mista ou atípica ou não, analisemos as razões que lhe subjazem. No preâmbulo daquele DL nº 168/97, de 4 de Julho, fala-se da “salvaguarda das condições mínimas de funcionamento dos estabelecimentos, fazendo-se intervir, em simultâneo, no acto preparatório da emissão da «licença de utilização para serviços de restauração ou de bebidas», as autoridades de saúde, o Serviço Nacional de Bombeiros e a respectiva Federação, atribuindo-se aos presidentes das câmaras competência para os convocar” e fazendo-se “intervir também na classificação dos estabelecimentos representantes dos órgãos regionais e locais de turismo e da respectiva Federação”, sendo certo que “os requisitos mínimos exigidos correspondem aqueles elementos que se consideram básicos para o exercício das actividades”, em ordem a “salvaguardar os interesses dos particulares”, acrescentando-se, no preâmbulo do DL nº 57/2002, de 11 de Março, que se aproveita ainda “esta oportunidade para tornar obrigatória a menção à existência de alvará de licença de utilização aos contratos de transmissão, sob qualquer forma jurídica, relativos a estabelecimentos…onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, … sob pena de nulidade e recusa do registo dos mesmos”. No Ac do STJ de 01.02.2011 (colhido via internet www.dgsi.pt, relator: Dr. Helder Roque) explanam-se os argumentos e razões por detrás de tal disposição legal, nos seguintes termos: “ Com efeito, a lei, a par das proibições ao exercício do comércio, decorrentes de incapacidades ou de incompatibilidades, estabelece, igualmente, certos condicionamentos a esse exercício, reportados uns à própria actividade mercantil em si, e respeitando outros aos estabelecimentos postos ao serviço dessa actividade, e, designadamente, à instalação de estabelecimentos comerciais. É, nesta última área, que se insere o licenciamento dos estabelecimentos comerciais, que visa assegurar a higiene, a salubridade, a segurança, a comodidade e as condições técnico-funcionais na instalação e laboração dos mesmos. E a licença é o acto administrativo que permite a alguém a prática de um acto ou o exercício de uma actividade relativamente proibidos, sendo relativa a proibição quando a lei admite que a actividade proibida seja exercida, nos casos ou pelas pessoas a quem a administração o permita. Por seu turno, o alvará é a forma solene do acto administrativo, o título dos direitos conferidos aos particulares, por deliberação dos órgãos autárquicos ou decisão dos seus titulares, atento o estipulado pelo artigo 94º, do DL nº 169/99, de 18 de Setembro. O alvará é, assim, um simples título de licenciamento, um documento firmado pela autoridade competente, pela qual esta faz saber a quem dele tome conhecimento a existência de certo direito constituído, em proveito de determinada pessoa. Deste modo, o alvará de licença de utilização é uma formalidade habilitante da celebração do contrato que se destina a instruir. Assim sendo, a licença omissa assumia um carácter, predominantemente, administrativo, destinando-se a garantir “as condições mínimas de funcionamento dos estabelecimentos, que correspondem aqueles elementos que se consideram básicos para o exercício das actividades de restauração ou de bebidas, em ordem a salvaguardar os interesses dos particulares”. Mas, sendo a nulidade cominada pelo aludido diploma legal regulamentador do processo de licenciamento da utilização de estabelecimentos de restauração e bebidas, a sanção mais grave da categoria dogmática das invalidades, a mesma deve adaptar-se ao fim da regra violada, à «ratio legis» ou à finalidade da aludida formalidade, sem a exceder, sob pena de se tornar desproporcionada e ultrapassar a razão de ser da proibição legal. Trata-se, face às directrizes traçadas nos respectivos diplomas preambulares, de formalidades ditadas pela certeza e segurança do contrato e do comércio jurídico, pelos interesses de terceiros e da sociedade em geral, incluídas na ordem pública de direcção, através da qual os poderes públicos realizam certos objectivos de interesse geral e dirigem a economia nacional, a justificar a supremacia dos interesses gerais sobre os interesses das partes contratantes.” Assim sendo e aderindo à fundamentação explanada em tal Acórdão, concluímos sem grande esforço que a formalidade analisada não integra a ordem pública de protecção ou a ordem pública social, a invalidade correspondente à sua omissão não constitui uma nulidade atípica, mas antes uma nulidade absoluta, cujo vício afectou, geneticamente, o negócio jurídico de trespasse, tornando-o inapto para a produção dos efeitos jurídicos a que se destina, em regra, desde o início, e de modo absoluto e insanável. Nesta conformidade, enquanto nulidade simples, e porque não assimilável à sub-espécie da nulidade atípica ou mista, pode ser conhecida, oficiosamente, pelo Tribunal, nos termos do estipulado pelo artigo 286º, do CC, o que se faz. Por tudo o exposto, declaro nulo o contrato de trespasse realizado entre as partes.». Portanto, a nulidade de contrato de trespasse foi declarada na sentença recorrida com base, tão só, nos factos descritos nas alíneas A) – que reproduz o teor do contrato de trespasse e onde se lê, designadamente, que «(…) a 1ª contraente é proprietária e legítima possuidora do estabelecimento comercial denominado “H…..”, destinado à confecção de refeições para fora (…)» - e G) «Na data do acordo o estabelecimento apenas estava licenciado para o exercício comercial da actividade de Café, não tendo licença para comercializar refeições para fora». Ora, tais factos não foram impugnados neste recurso. É certo que na fundamentação da sentença recorrida foram também ponderados os factos constantes das respostas aos art. 2º, 3º, 4º, 10º e 11º da base instrutória. Mas esses factos foram considerados apenas no âmbito da argumentação subsidiária no sentido de que o negócio sempre seria anulável e sempre haveria lugar à restituição da quantia de 20.000 € e dos cheques, nos termos do art. 289º do CC, pela declaração de anulação do negócio. Com efeito, discreteia-se na sentença recorrida: «2. Ainda que assim se não entendesse, sempre diremos que os AA estruturaram a acção na base da alegação da existência de vício da vontade que inquinaria o contrato em causa e que teria como consequência a anulabilidade do contrato. Posto nestes termos a questão, a controvérsia radica na questão de saber se a vontade dos autores, em relação ao contrato de trespasse realizado, se formou de modo livre e esclarecido, no âmbito do referido negócio jurídico. Com efeito, a presente acção foi proposta com base em dolo gerador da anulabilidade do contrato celebrado entre as partes, mais propriamente numa actuação de carácter doloso por banda da R, com alegada cobertura legal nos artºs 253º e 254º do C. Civil. (…) Volvendo ao caso sub judicio: Da matéria dada como provada resultou que a R usou de sugestão ou artifício quando sempre foi dizendo aos AA que o seu estabelecimento tinha alvará e licenças para confeccionar refeições para fora (resp. ao quesito 3º) e na data do acordo apenas estava o estabelecimento licenciado para café (alínea G)), pelo que apenas se poderá concluir que a R ao consignar tal realidade que não existia e que a mesma sabia não existir, fê-lo com intenção ou a consciência de induzir ou manter os AA em erro ou de dissimular o seu erro, pelo que provaram os AA que a R agiu com dolo nos termos do art. 253º e 254º do CC, sendo assim o negócio anulável. Sem embargo, os AA. além do mais, ainda lograram provar o erro sobre o objecto, e cognoscibilidade da R sobre essas qualidades e essencialidade das mesmas para os AA (cfr. respostas aos quesitos 1º, 2º, 4º), pelo que o negócio seria sempre anulável com base em erro sobre o objecto do negócio ( cfr. art. 247º do CC). 3. Em consequência (seja pela declaração de nulidade, seja pela declaração da anulabilidade do negócio), nos termos do artigo 289º do Código Civil, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. No caso vertente, deverá a R restituir o pagamento que já havia sido feito pelos AA, ou seja, os € 20.000,00 e ainda os dois cheques que haviam sido entregues para efeito de pagamento.». Mas, sublinhe-se, no dispositivo da sentença decidiu-se julgar nulo o negócio e para a declaração de nulidade são, como se disse, irrelevantes os factos constantes das respostas aos art. 2º, 3º, 4º e 10º da base instrutória. Em consequência, é um acto manifestamente inútil proceder à análise da impugnação das respostas dadas na 1ª instância a esses artigos e à reapreciação da prova, pelo que se decide não ouvir as gravações contendo os depoimentos das testemunhas.*C) 2ª questão: se a sentença é nula Sustenta a apelante que a sentença é nula nos termos do art. 668º nº 1 al d) porque em caso de anulação ou nulidade do contrato os apelados nunca poderiam entregar as chaves do estabelecimento ao senhorio e na sentença o contrato é declarado nulo e condenada a apelante a devolver a importância recebida e os cheques mas não são os apelados condenados a entregar o estabelecimento por força da nulidade do contrato. E prosseguindo, diz a apelante, não pode o tribunal obrigar a apelante a cumprir uma decisão de nulidade sem que a outra parte também seja obrigada a cumprir a sua obrigação de devolução do estabelecimento e por isso, o contrato de trespasse continua em vigor pois as chaves do estabelecimento não lhe foram devolvidas, não tendo acesso ao estabelecimento. Mais diz que o juiz “a quo” não se pronunciou sobre esta questão, apesar de mencionada na reconvenção. Vejamos. O art. 668º nº 1 al d) do CPC estabelece que é nula a sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Na reconvenção a Ré/apelante pediu a condenação dos ora apelados a pagar-lhe a quantia de 30.000 € referente ao valor em dívida decorrente da celebração do contrato de trespasse acrescida de juros de mora. Na reconvenção foi alegado, na parte que ora interessa: «Sucede que não existiu, conforme se verifica de tudo quanto foi exposto na contestação, qualquer vício na formação da vontade dos Autores/Reconvindos.» (45º) «Sendo assim, e ao contrário do que referem os Autores/Reconvindos, o contrato de trespasse não é anulável e por este motivo têm que pagar a quantia, ainda em dívida, referente ao contrato de trespasse celebrado.» (48º) «Mesmo que assim não fosse, em caso de anulação do contrato, os Autores, por força deste contrato de trespasse teriam que entregar as chaves do estabelecimento à Ré, e não ao senhorio.» (art. 49º) «Assim sendo, a Ré/Reconvinte, tem direito a receber a quantia de € 30.000,00 pois o contrato de trespasse não é anulável e por via disso continua em vigor, tendo os Autores que o cumprir integralmente». (50º)*Na sentença recorrida lê-se: «5. Da reconvenção: Atenta a decisão supra que declara nulo o negócio jurídico entre as partes e a destruição do mesmo ex nunc, a reconvenção é julgada improcedente por não provada. (…) Pelo exposto, julgo a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência, absolvo os AA/reconvindos do pedido reconvencional.». O art. 289º do Código Civil prescreve: «Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento. 3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269º e seguintes». E o art. 290º do mesmo Código prevê: «As obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato». Portanto, o facto de estar provado que em Junho de 2009 os Autores fecharam o estabelecimento e entregaram as chaves ao senhorio (al J) da matéria de facto) não impede tanto a declaração de nulidade como a anulação do contrato. Significa que tal facto não constitui uma questão que o juiz tenha de apreciar para decidir sobre a nulidade do contrato. Por outro lado, na reconvenção não foi pedida a condenação dos Autores a entregar o estabelecimento apesar de na petição inicial ter sido pedida a anulação do contrato, o que até se compreende pois o estabelecimento foi entregue ao senhorio e poderá colocar-se a questão da impossibilidade da restituição em espécie por parte dos Autores. Por quanto se disse, ao não condenar os Autores a entregar o estabelecimento à Ré, a sentença não deixou de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar, pelo que não padece da apontada nulidade.*D) 3ª questão: se deve a acção ser julgada totalmente improcedente e os apelantes absolvidos do que é pedido e se deve a reconvenção ser julgada procedente e devem os apelados ser condenados no pagamento da quantia de 30.000 € respeitante ao restante pagamento decorrente do contrato de trespasse Como já se explanou, a recorrente não impugnou os factos com base nos quais foi declarada a nulidade do contrato de trespasse. Além disso, a recorrente apenas invoca como fundamento para a sua alegação de que o contrato de trespasse continua em vigor o facto de os apelados não terem devolvido nem terem sido condenados a devolver-lhe o estabelecimento. Ora, resulta do disposto dos art. 289º e 290º do Código Civil que o facto de o estabelecimento ter sido entregue ao senhorio não é impeditivo da declaração de nulidade do contrato. Na verdade, a obrigação de restituição de tudo o que tiver sido prestado é uma consequência de declaração de nulidade e, se a restituição em espécie não for possível, dispõe a apelante dos meios legais que lhe são facultados na última parte do nº 1 e no nº 2 do art. 289º, bem como no art. 290º. Não tem, pois, razão a apelante ao sustentar que se mantém em vigor o contrato de trespasse. Em consequência, improcede necessariamente a reconvenção. Concluindo, merece confirmação a sentença recorrida.*IV – Decisão Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Porto, 07 de Maio de 2012 Anabela Calafate José Eusébio de Almeida Maria Adelaide Domingos