Processo:233/08.1TBARC.P2
Data do Acordão: 28/05/2012Relator: ANTÓNIO MARTINSTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

A servidão por destinação do pai de família pressupõe a existência de dois prédios do mesmo dono ou duas fracções de um só prédio, a existência de sinal ou sinais visíveis, postos em um ou em ambos os prédios, que revelem serventia de um para com o outro e, quando houver separação dos ditos prédios ou fracções, nada se declarar em contrário à constituição desse encargo.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANTÓNIO MARTINS
Descritores
SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA REQUISITOS
No do documento
Data do Acordão
05/29/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA.
Sumário
A servidão por destinação do pai de família pressupõe a existência de dois prédios do mesmo dono ou duas fracções de um só prédio, a existência de sinal ou sinais visíveis, postos em um ou em ambos os prédios, que revelem serventia de um para com o outro e, quando houver separação dos ditos prédios ou fracções, nada se declarar em contrário à constituição desse encargo.
Decisão integral
Recurso nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/142746" target="_blank">233/08.1TBARC.P1</a>
Apelação
AA: B……. e mulher
C…… 
RR: D…….e mulher
E…….*
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO
1. Os AA instauraram contra os RR a presente acção declarativa sob a forma de processo comum sumário[1] pedindo a condenação dos RR a reconhecerem, a favor do seu prédio, descrito na p. i., o direito à água do furo artesiano existente no prédio do R, para rega e consumo doméstico; a reporem, no prazo de 10 dias, a ligação da referida água, sob pena de, não o fazendo, serem condenados no pagamento da quantia de € 10,00 por cada dia de atraso e a pagarem o custo total do consumo de água, desde Junho de 2006 até à data em que for reposta a ligação da água do furo artesiano para o seu prédio.
Alegam, para tanto, que AA e RR adquiriram em 1991, em comum e partes iguais, dois lotes de terreno para construção urbana, tendo procedido à abertura de um furo artesiano no lote 1, que se destinava ao abastecimento de água para consumo doméstico e rega de jardim das casas de habitação que AA e RR projectavam construir, como construíram, nos referidos lotes. Em 1995, na fase de acabamento daquelas construções, outorgaram escritura por via da qual os AA passaram a ser donos e legítimos proprietários do lote 1 e os RR do lote 2. Desde 1998, altura em que os AA foram habitar a casa construída no lote 2, sempre utilizaram a água do furo artesiano existente no lote 1, a qual era retirada do furo e conduzida através de um cano para a sua casa, para rega do jardim e consumo doméstico, utilização essa que sempre foi feita continuamente, aos olhos de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na plena convicção de exercerem um direito próprio.
Concluem assim que se constituiu a favor do prédio propriedade dos AA uma servidão por destinação do pai de família, que foi colocada em causa pelo R. quando, em Junho de 2006, cortou o cano que conduzia a água do furo artesiano para o quadro de comando instalado no prédio dos AA, tendo estes ficado sem água do furo para rega e consumo doméstico, tendo passado a consumir água da rede pública, que tiveram de passar a pagar.
Contestaram os RR pedindo a absolvição dos pedidos.
Baseiam a sua defesa invocando que foi ele R quem procedeu, no lote que lhe iria pertencer e onde pretendia edificar a sua casa de habitação, à abertura do furo artesiano. Após a conclusão das moradias, em 1998, e até à data em que A e R se desentenderam (em 2006), o R foi consentindo que o A fizesse utilização da água daquele seu poço, o que apenas tinha esteio nas especiais relações de familiaridade entre ambos, pois são irmãos. Nessa altura, porque a alimentação do motor que bombeava a água do furo deixou de ser feita com a electricidade da F….., Lda.” de que ambos eram sócios, por imposição do A, entendeu o R que, nessas circunstâncias, não tinha obrigação de continuar a fazer o favor ao irmão.
Concluem que não foi constituída qualquer servidão por destinação de pai de família, pois ao tempo da separação dos dois prédios não existiam sinais visíveis, com carácter de permanência, reveladores da serventia.
Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, pela inexistência de nulidades, excepções dilatórias ou peremptórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso.
Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação, mas com rectificação de erro material.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR dos pedidos. 
3. É desta decisão que, inconformados, os AA vêm apelar, pretendendo o provimento do recurso.
Alegando, concluem:
1ª - Para a constituição de servidão por destinação do pai de família prevista no art. 1549º do C. Civil, o que relevam são os sinais visíveis e permanentes reveladores da serventia, e não tanto a fruição das utilidades da serventia ao tempo da separação do domínio ou quem construiu ou colocou tais sinais. 
2ª - Da factualidade apurada decorre que aquando da separação do domínio já existiam sinais visíveis reveladores de serventia de um para o outro prédio; 
3ª - Ao chamar à colação o disposto no art. 1408º do C. P. Civil, o Tribunal “a quo” fez um errado enquadramento jurídico da questão; 
4ª – Impõe-se assim a revogação da douta sentença em recurso, decidindo-se pela total procedência da acção;
Sem conceder e por mera cautela:
5ª - Mesmo que se entenda não estarem verificados os pressupostos do direito alegado pelos AA., o julgador deve ponderar a decisão da causa segundo as diversas soluções plausíveis de direito; 
6ª - A conduta do R ao cortar o cano condutor da água para o prédio dos AA, de forma inesperada, sem outro propósito que não o de vingança, não se quadra nos ditames da boa fé, constituindo uma afronta às legítimas expectativas criadas pelos AA na base do princípio da confiança. 
7ª - Impõe-se, por isso, a condenação do R no pagamento da indemnização peticionada pelos AA.
8ª – Foi violado o disposto no art. 1548º do C. Civil.
4. Nas contra-alegações os RR. pugnaram pela manutenção do julgado.   
5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.*II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Da factualidade assente e do despacho que decidiu a matéria de facto e do qual não houve reclamações, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada (indicando-se entre parêntesis a sua origem):
1. Por escritura pública, designada por «Compra e Venda» celebrada a 10.10.1991, no primeiro cartório notarial de Santa Maria da Feira, autor e réu declararam comprar, em comum e em partes iguais, a G…… e H….., que declararam vender, os seguintes prédios: 
a) Uma parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 540 m2, sita no lugar …., freguesia de Escariz, inscrita na matriz como parte do artigo 1506 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 321 da freguesia de Escariz; 
b) Uma parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 590 m2, sita no lugar …., freguesia de Escariz, a destacar do prédio inscrito na matriz sob o artigo 1506 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 320 da freguesia de Escariz [al. A) dos Factos Assentes]. 
2. Por escritura pública, designada por «Troca», celebrada a 29.03.1995, no primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, os autores declararam dar ao réu metade indivisa do prédio urbano, com a área de 590 m2, sito no lugar …., freguesia de Escariz, inscrito na matriz sob o artigo 837 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 320 da freguesia de Escariz; no mesmo acto, o réu declarou dar aos autores metade indivisa do prédio urbano com a área de 540 m2, sita no lugar de …., freguesia de Escariz, inscrita na matriz sob o artigo 836 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 321 da freguesia de Escariz [al. B) dos Factos Assentes].
3. Mais declararam autores e réus que depois de operada a troca, os autores ficam donos de todo o prédio inscrito na matriz sob o artigo 836 e o réu fica dono de todo o prédio inscrito na matriz sob o artigo 837 [al. C) dos Factos Assentes]. 
4. Mostra-se inscrita na conservatória do registo predial de Arouca sob a ficha n.º 320/19910508, em nome do réu, a aquisição do prédio omisso na matriz predial, ao qual correspondia o anterior artigo 837 [al. D) dos Factos Assentes].
5. Mostra-se inscrita na conservatória do registo predial de Arouca sob a ficha n.º 321/19910508, em nome do autor, a aquisição do prédio descrito na matriz predial da freguesia de Escariz sob o artigo 1285 [al. E) dos Factos Assentes]. 
6. Na parcela de terreno descrita na al. 1. – b) existe um furo artesiano [al. F) dos Factos Assentes].
7. De 1998 a Junho de 2006 os autores utilizaram, para rega do jardim e consumo doméstico, a água proveniente do furo acima referido [al. G) dos Factos Assentes]. 
8. Os autores e os réus requereram, em conjunto, na Câmara Municipal de Arouca, o licenciamento de duas casas de habitação a construir nas parcelas de terreno descritas em 1. – a) e b) [resposta ao quesito 1.º]. 
9. Em data não concretamente apurada, situada nos anos de 1991 a 1993, foi efectuado o furo referido em 6. [resposta ao quesito 2.º]. 
10. Tal furo permitiu, até Junho de 2006, o abastecimento de água para consumo doméstico e rega de jardim das casas de habitação referidas em 8. [resposta ao quesito 3.º]. 
11. Logo que se procedeu à abertura do furo referido em 6., foi colocada nele uma bomba eléctrica submersível [resposta ao quesito 4.º]. 
12. À referida bomba foi ligado um cano direccionado para a parcela de terreno descrita em 1. - a) [resposta ao quesito 5.º]. 
13. Após a aprovação do licenciamento autor e réu deram início à construção das referidas casas [resposta ao quesito 7.º]. 
14. Na parcela de terreno descrita em 1. – a), no local onde desembocava o cano referido em 12. foi instalado um quadro de comando [resposta ao quesito 9.º]. 
15. Na parede da casa construída na parcela descrita em 1. - b) foi deixada uma abertura para passagem dos canos condutores das águas para a parcela descrita em 1. - a) [resposta ao quesito 11.º].
16. Após a celebração da escritura referida em 2. e 3. autor e réu requereram na Câmara Municipal a alteração da titularidade dos processos de obras [resposta ao quesito 14.º]. 
17. Ficando o processo relativo à construção implantada no prédio descrito em 1. – a) em nome do autor e o processo relativo à construção implantada no prédio descrito em 1. – b) em nome do réu [resposta ao quesito 15.º]. 
18. Por volta do ano de 1997 os autores foram habitar a casa construída na parcela descrita em 1. - a) [resposta ao quesito 16.º]. 
19. Por volta do ano de 1997 os réus foram habitar a casa construída na parcela descrita em 1. - b) [resposta ao quesito 17.º]. 
20. A água referida em 7. era conduzida para o prédio dos autores através do cano referido em 12. [resposta ao quesito 18.º]. 
21. Os autores utilizaram tal água de forma contínua até Junho de 2006 [resposta ao quesito 19.º]. 
22. Os autores utilizavam essa água com o conhecimento e sem oposição dos réus [respostas aos quesitos 20.º e 21.º]. 
23. Em Junho de 2006, na sequência de desentendimentos ocorridos entre o autor e o réu, este cortou o cano que conduzia a água do furo artesiano para o quadro de comando referido em 14. [resposta ao quesito 23.º]. 
24. O réu tapou a abertura referida em 15. com uma parede de tijolos [resposta ao quesito 24.º]. 
25. Tendo os autores ficado sem água do furo na casa que utilizavam para os fins referidos em 10. [resposta ao quesito 25.º]. 
26. Na sequência do referido em 25. os autores passaram a consumir água da rede pública para uso doméstico, cujos custos passaram, desde então, a suportar [resposta aos quesitos 26.º e 27.º].
27. Para a reposição da ligação da água no estado em que se encontrava é suficiente o prazo de 10 dias [resposta ao quesito 28.º].*2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil[2].
Decorre daquelas conclusões que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
a) A factualidade apurada permite concluir pela existência de sinais reveladores de servidão de um para o outro prédio, pelo que deve reconhecer-se constituída a servidão por destinação do pai de família?
b) Mesmo que assim se não entenda, a conduta do R. viola as legítimas expectativas dos AA impondo-se por isso a condenação do R. no pagamento da indemnização peticionada?
Vejamos pois.*2.1. Constituição da servidão por destinação do pai de família
Os AA insurgem-se contra a argumentação da decisão recorrida desde logo porquanto entendem que o relevante não é tanto quem colocou ou construiu os sinais reveladores da serventia – embora dos elementos dos autos não poderá duvidar-se que tais sinais foram postos por AA e R. marido, na então qualidade de comproprietários de ambos os prédios – mas a existência dos sinais reveladores da serventia e, assim, o quadro factual apurado permite concluir por esses sinais e pela existência de uma servidão constituída ao abrigo do art. 1549º do Código Civil[3], tendo havido um errado enquadramento jurídico da questão ao chamar-se à colação o art. 1408º do CPC.
Analisada a decisão recorrida e os argumentos aduzidos nas alegações, por recorrentes e recorridos, cremos que assiste razão aos AA., como a seguir se procurará evidenciar.
Em face do conceito legal de servidão, fornecido pelo art. 1543º, dúvidas não existem que a servidão predial é uma relação entre dois prédios, impondo um encargo num em benefício de outro, e a servidão nasce e subsiste em função dessa relação. Por outro lado, o conteúdo da servidão é definido pelo preceito seguinte, art. 1544º, nos termos do qual podem ser objecto de servidão “quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante” e isto mesmo que não lhe aumentem o seu valor.
Importa ainda considerar que a constituição das servidões prediais pode fazer-se pelas diversas formas previstas no nº 1 do art. 1547º, estando aqui em causa saber se foi, ou não, constituída a servidão aqui invocada pelos AA., por destinação do pai de família.
O art. 1549º prevê a forma de constituição dessa servidão nos seguintes termos:
“Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de uma para com outro, serão esses sinais havidos como prova de servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.
À luz deste preceito vem-se entendendo que são três os requisitos ou pressupostos para que se constitua uma servidão por destinação do pai de família: 
- estarmos perante dois prédios do mesmo dono ou duas fracções de um só prédio; 
- haver sinal ou sinais visíveis, postos em um ou em ambos os prédios, que revelem serventia de um para com o outro; 
- quando, em relação ao domínio, houver separação dos dois prédios ou das duas fracções do mesmo prédio, nada se declarar em contrário à constituição desse encargo.    
Perante a factualidade provada afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião em contrário, que tais pressupostos se mostram preenchidos in casu.
Com efeito é seguro que as duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana, descritas nas fichas nºs 320 e 321 da competente Conservatória do Registo Predial, eram propriedade do A e do R., em comum e partes iguais, desde 10.10.91 e que, na sequência da escritura de 29.03.95, foi operada troca das metades indivisas, ficando o A dono do prédio inscrito na matriz sob o art. 836º e descrito na ficha nº 321 e o R. dono do prédio inscrito na matriz sob o art. 837º e descrito na ficha nº 320 (v. nºs 1 a 5 da fundamentação de facto).
Temos assim por certo que os dois prédios em causa eram propriedade da mesma pessoa e que, em 29.03.95, houve separação do domínio, ficando os AA proprietários de um e os RR proprietários do outro.
Saber se, perante o facto de a propriedade das duas parcelas de terreno ser compropriedade do A e do R., ainda assim isso permite afirmar que estamos perante o mesmo dono, é questão expressamente abordada por Pires de Lima e Antunes Varela[4], concluindo estes autores que “nenhumas dúvidas se levantam quanto à possibilidade de constituição da servidão, quando os dois prédios ou as duas fracções do prédio tenham pertencido aos mesmos comproprietários”. Não vemos razões para não subscrever esta doutrina.
Por outro lado, não se nos afigura que seja fundada a razão que levou o tribunal a quo a considerar que falecia este requisito por não se ter provado “quem procedeu à abertura do furo e à colocação da bomba” e, assim, “à data em que foi realizado o furo, e em que foi instalada a bomba, os prédios tanto podiam pertencer ao antepossuidor dos prédios (G….. e esposa), como, em comum e em partes iguais, aos AA e ao R”.
Desde logo não é fundada, juridicamente, tal posição.
Dando conta da evolução histórica desta figura jurídica, Pires de Lima e Antunes Varela referem que a única diferença digna de registo entre o art. 2274º do Código Civil de 1867 e o art. 1549º actual “provém do facto de se ter agora prescindido do requisito de os sinais reveladores da serventia prestada por um prédio ao outro, ou por uma fracção a outra fracção do mesmo prédio, terem sido postos pelo antigo dono ou por algum dos seus antecessores. O facto de terem sido postos por um proprietário, por um usufrutuário, ou até por um arrendatário comum … não interessa, desde que o último proprietário tinha conhecimento da sua existência, e consentiu na sua manutenção, à data da separação ou da divisão do prédio”[5] (o sublinhado é nosso).
Ora, à face da factualidade provada, é seguro que o último proprietário de ambas aquelas parcelas de terreno, o A e o R. em compropriedade, tinham conhecimento daqueles sinais em 29.03.95, quando procederam à escritura de “troca”, através da qual cessaram a compropriedade e cada um ficou proprietário de uma das parcelas.
Mas também o argumento da decisão recorrida não é fundado, em termos de factualidade.
Na verdade, pese embora a resposta restritiva ao nº 2 da b.i.[6], constante do nº 9 da fundamentação de facto, a posição das partes não é de qualquer dúvida quanto ao facto de o furo ter sido feito pelo anterior proprietário ou ter sido feito quando A e R. já eram comproprietários da parcela em causa. A divergência das partes é se foram AA e R., conjuntamente, a procederem à abertura do furo (conforme alegado no art. 5º da p.i.) ou se foi apenas o R (v. art. 5º al. c) da contestação).
Considerando, por outro lado, que na parcela de terreno que veio depois a ser dos RR existia, em 29.03.95, um furo artesiano e nele tinha sido colocada uma bomba submersível, à qual foi ligado um cano direccionado para a parcela de terreno que veio a ser dos AA. e nesta, no local onde o cano desembocava, foi instalado um quadro de comando, tendo ainda sido deixada uma abertura na parede da casa entretanto construída na parcela de terreno que veio a ser dos RR., para passagem dos canos condutores das águas para a parcela dos AA. (v. nºs 6, 9, 11, 14 e 15 da fundamentação de facto), não pode deixar de se concluir pelo preenchimento do segundo requisito.
Estamos, com efeito, à data da separação do domínio, 29.03.1995, perante vários sinais visíveis e permanentes, postos em ambos os prédios, que revelavam serventia do prédio dos RR. para com o prédio dos AA., no sentido da possibilidade de uso, neste, da água do furo artesiano daquele. Ao falar de sinais visíveis e permanentes, Pires de Lima e Antunes Varela, falam no exemplo do “rego na serventia de aqueduto”[7]. Ora, os sinais, nos prédios dos autos, bomba, cano e sua passagem pela parede da casa, assim como instalação de quadro de comando da bomba, são tão visíveis e permanentes quanto o exemplo do rego apontado por aqueles autores.
Nem se diga, como fazem os apelados nas contra-alegações[8], que só em 1998 os AA passaram a utilizar a água do furo para rega do jardim e consumo doméstico pelo que, não existindo qualquer prova de utilizarem tal água desde os anos de 1991/1993 até 29.03.1995 (altura em que ocorreu a autonomização dos prédios), não se mostra provada a utilização da água através de sinais visíveis e permanentes, na altura da separação do domínio.
Há aqui um equívoco dos apelados pois, como já foi salientado no anterior acórdão proferido por este Tribunal da Relação, “não é de utilização/fruição das utilidades da servidão que cuida o art. 1549º citado, mas apenas da existência de sinais visíveis e permanentes – destinação – postos pelo proprietário”[9].
Com efeito, os apelados estão a olvidar o estatuído no art. 1544º, nos termos do qual as utilidades proporcionadas pela servidão podem apenas ser “futuras” ou até “eventuais” e não é por isso que a servidão não se constitui. Claro que o seu “não uso” pode dar lugar à extinção da servidão [v. art. 1569º nº 1 al. b)], mas não é disso que aqui curamos.     
Finalmente, cabe justificar a verificação do terceiro requisito ou pressuposto acima enunciado.
Vindo provado que em 29.03.1995 houve separação do domínio de ambas as parcelas de terreno, tendo A e R. deixado de ser comproprietários de ambas e passando o A a ser proprietário de uma e o R proprietário de outra e não vindo alegado, nem provado que, aquando da separação do domínio, se tenha declarado algo em contrário à constituição da serventia do prédio dos RR para com o prédio dos AA, então é de concluir que está igualmente preenchido o terceiro e último requisito de constituição da servidão, por destinação do pai de família, supra enunciado.
Não tem pois fundamento o apelo que na decisão recorrida se faz ao disposto no art. 1408º, vendo aí um obstáculo à oneração, pelo comproprietário, de parte especificada da coisa comum sem o consentimento dos restantes consortes.
Com efeito, a partir do momento em que A e R são comproprietários de ambas as parcelas e decidem, na sequência da escritura de 29.03.95, fazer cessar a compropriedade e passam, cada um, a proprietário exclusivo de uma das parcelas, nada dizendo em contrário à constituição da serventia de um prédio para o outro, são eles próprios, enquanto comproprietários, os autores da destinação e não é nenhum deles, individualmente, a onerar qualquer parte especificada da coisa comum.     
Nestes termos, estando preenchidos os pressupostos ou requisitos de constituição da servidão, por destinação do pai de família, invocada pelos AA., impõe-se revogar a decisão recorrida e julgar procedente o pedido principal dos AA, de condenação dos RR a reconhecerem a favor do prédio dos AA o direito à água do furo artesiano existente no prédio dos RR., para rega e consumo doméstico.
Em face da procedência da questão principal que o recurso suscita, o conhecimento da questão subsidiária enunciada em 2.b) supra ficaria em princípio prejudicada, conforme resulta do estatuído nos artºs 660º nº 2 e 713º nº 3, ambos do CPC. E, como questão subsidiária, fica efectivamente prejudicada.
Importa, no entanto, face à procedência do pedido principal, averiguar se existe fundamento para a procedência dos demais pedidos formulados pelos AA.
Feita essa indagação, à luz da factualidade apurada e do enquadramento jurídico, cremos que a resposta tem de ser positiva.
Com efeito, a conduta do R de cortar, em Junho de 2006, o cano que conduzia a água do furo artesiano para o quadro de comando instalado no prédio dos AA, ficando estes sem possibilidade de utilizar a água para os fins que utilizavam e obrigando os AA a passarem a consumir água da rede pública, suportando os custos desse consumo (v. nºs 23, 25 e 26 da fundamentação de facto) violou o direito de propriedade dos AA. Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1305º, 1544º e 562º a 564º constituíram-se os RR na obrigação de reporem a ligação da água e pagarem o custo total do consumo de água desde a data do corte até à data em que for reposta a ligação da água.
Por outro lado, vindo dado como provado que o prazo de 10 dias é suficiente para se efectuar a reposição da água (v. nº 27 da fundamentação de facto), é de fixar nesse período a obrigação de os RR reporem a situação que estava antes da lesão do direito de propriedade dos AA.
Esta obrigação dos RR, de reporem a ligação da água do furo artesiano existente no seu prédio, para o prédio dos AA, é uma obrigação de prestação de facto, positivo, infungível.
Existe assim fundamento, ao abrigo do art. 829º-A, para deferir a pretensão dos AA de fixação de uma sanção pecuniária compulsória a cargo dos RR por cada dia de atraso no cumprimento daquela sua prestação de facto e o valor peticionado, € 10,00 diários, afigura-se-nos razoável, em função da sua “dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungível”[10] e, considerando, por outro lado, que tal sanção se destina “em partes iguais, ao credor e ao Estado” (v. nº 3 do citado art. 829º-A).*3. Tudo visto e ponderado, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso, afigura-se-nos que à luz do enquadramento normativo supra explanado e respectiva teleologia, não pode subsistir o entendimento sustentado pelo tribunal "a quo", procedendo as razões que enformam a reacção dos recorrentes, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida e julgar procedentes os pedidos formulados pelos AA.*III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que integram a 1ª Secção Cível deste Tribunal em revogar a decisão recorrida e, julgando a acção procedente, condenam os RR a:
a) reconhecerem, a favor do prédio dos AA, descrito na p. i., o direito à água do furo artesiano existente no prédio dos RR, para rega e consumo doméstico; 
b) reporem, no prazo de 10 dias, a ligação da referida água, sob pena de, não o fazendo, serem condenados no pagamento da quantia de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso;
c) pagarem o custo total do consumo de água efectuado pelos AA, desde Junho de 2006 até à data em que for reposta a ligação da água do furo artesiano para o prédio dos AA.
Custas da acção e do recurso a cargo dos RR.*Porto, 29/05/2012
António Martins
Anabela Dias da Silva
Maria do Carmo Domingues
_____________________
[1] Proc. nº 233/08.1TBARC do Tribunal Judicial de Arouca  
[2] Adiante designado abreviadamente de CPC.
[3] Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação.
[4] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1984, pág. 633.
[5] Idem, pág. 631/2.
[6] No qual se perguntava: “No ano referido em A) os AA e o R procederam à abertura do furo referido em F)?” 
[7] Idem, pág. 633. 
[8] Aliás no seguimento da decisão inicial do tribunal a quo (v. fls. 160-174), que foi anulada pelo acórdão desta Relação de 14.06.2001 (v. fls. 209-216), anulando também a resposta ao quesito 4º e determinando novo julgamento para renovar a resposta a tal quesito.  
[9] V. fls. 214 destes autos.
[10] Citámos a justificação desta sanção inovatória, constante do relatório do DL 262/83 de 16.06 que a introduziu.

Recurso nº 233/08.1TBARC.P1 Apelação AA: B……. e mulher C…… RR: D…….e mulher E…….* Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1. Os AA instauraram contra os RR a presente acção declarativa sob a forma de processo comum sumário[1] pedindo a condenação dos RR a reconhecerem, a favor do seu prédio, descrito na p. i., o direito à água do furo artesiano existente no prédio do R, para rega e consumo doméstico; a reporem, no prazo de 10 dias, a ligação da referida água, sob pena de, não o fazendo, serem condenados no pagamento da quantia de € 10,00 por cada dia de atraso e a pagarem o custo total do consumo de água, desde Junho de 2006 até à data em que for reposta a ligação da água do furo artesiano para o seu prédio. Alegam, para tanto, que AA e RR adquiriram em 1991, em comum e partes iguais, dois lotes de terreno para construção urbana, tendo procedido à abertura de um furo artesiano no lote 1, que se destinava ao abastecimento de água para consumo doméstico e rega de jardim das casas de habitação que AA e RR projectavam construir, como construíram, nos referidos lotes. Em 1995, na fase de acabamento daquelas construções, outorgaram escritura por via da qual os AA passaram a ser donos e legítimos proprietários do lote 1 e os RR do lote 2. Desde 1998, altura em que os AA foram habitar a casa construída no lote 2, sempre utilizaram a água do furo artesiano existente no lote 1, a qual era retirada do furo e conduzida através de um cano para a sua casa, para rega do jardim e consumo doméstico, utilização essa que sempre foi feita continuamente, aos olhos de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, na plena convicção de exercerem um direito próprio. Concluem assim que se constituiu a favor do prédio propriedade dos AA uma servidão por destinação do pai de família, que foi colocada em causa pelo R. quando, em Junho de 2006, cortou o cano que conduzia a água do furo artesiano para o quadro de comando instalado no prédio dos AA, tendo estes ficado sem água do furo para rega e consumo doméstico, tendo passado a consumir água da rede pública, que tiveram de passar a pagar. Contestaram os RR pedindo a absolvição dos pedidos. Baseiam a sua defesa invocando que foi ele R quem procedeu, no lote que lhe iria pertencer e onde pretendia edificar a sua casa de habitação, à abertura do furo artesiano. Após a conclusão das moradias, em 1998, e até à data em que A e R se desentenderam (em 2006), o R foi consentindo que o A fizesse utilização da água daquele seu poço, o que apenas tinha esteio nas especiais relações de familiaridade entre ambos, pois são irmãos. Nessa altura, porque a alimentação do motor que bombeava a água do furo deixou de ser feita com a electricidade da F….., Lda.” de que ambos eram sócios, por imposição do A, entendeu o R que, nessas circunstâncias, não tinha obrigação de continuar a fazer o favor ao irmão. Concluem que não foi constituída qualquer servidão por destinação de pai de família, pois ao tempo da separação dos dois prédios não existiam sinais visíveis, com carácter de permanência, reveladores da serventia. Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, pela inexistência de nulidades, excepções dilatórias ou peremptórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso. Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação, mas com rectificação de erro material. 2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR dos pedidos. 3. É desta decisão que, inconformados, os AA vêm apelar, pretendendo o provimento do recurso. Alegando, concluem: 1ª - Para a constituição de servidão por destinação do pai de família prevista no art. 1549º do C. Civil, o que relevam são os sinais visíveis e permanentes reveladores da serventia, e não tanto a fruição das utilidades da serventia ao tempo da separação do domínio ou quem construiu ou colocou tais sinais. 2ª - Da factualidade apurada decorre que aquando da separação do domínio já existiam sinais visíveis reveladores de serventia de um para o outro prédio; 3ª - Ao chamar à colação o disposto no art. 1408º do C. P. Civil, o Tribunal “a quo” fez um errado enquadramento jurídico da questão; 4ª – Impõe-se assim a revogação da douta sentença em recurso, decidindo-se pela total procedência da acção; Sem conceder e por mera cautela: 5ª - Mesmo que se entenda não estarem verificados os pressupostos do direito alegado pelos AA., o julgador deve ponderar a decisão da causa segundo as diversas soluções plausíveis de direito; 6ª - A conduta do R ao cortar o cano condutor da água para o prédio dos AA, de forma inesperada, sem outro propósito que não o de vingança, não se quadra nos ditames da boa fé, constituindo uma afronta às legítimas expectativas criadas pelos AA na base do princípio da confiança. 7ª - Impõe-se, por isso, a condenação do R no pagamento da indemnização peticionada pelos AA. 8ª – Foi violado o disposto no art. 1548º do C. Civil. 4. Nas contra-alegações os RR. pugnaram pela manutenção do julgado. 5. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.*II- FUNDAMENTAÇÃO 1. De facto Da factualidade assente e do despacho que decidiu a matéria de facto e do qual não houve reclamações, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada (indicando-se entre parêntesis a sua origem): 1. Por escritura pública, designada por «Compra e Venda» celebrada a 10.10.1991, no primeiro cartório notarial de Santa Maria da Feira, autor e réu declararam comprar, em comum e em partes iguais, a G…… e H….., que declararam vender, os seguintes prédios: a) Uma parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 540 m2, sita no lugar …., freguesia de Escariz, inscrita na matriz como parte do artigo 1506 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 321 da freguesia de Escariz; b) Uma parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 590 m2, sita no lugar …., freguesia de Escariz, a destacar do prédio inscrito na matriz sob o artigo 1506 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 320 da freguesia de Escariz [al. A) dos Factos Assentes]. 2. Por escritura pública, designada por «Troca», celebrada a 29.03.1995, no primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, os autores declararam dar ao réu metade indivisa do prédio urbano, com a área de 590 m2, sito no lugar …., freguesia de Escariz, inscrito na matriz sob o artigo 837 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 320 da freguesia de Escariz; no mesmo acto, o réu declarou dar aos autores metade indivisa do prédio urbano com a área de 540 m2, sita no lugar de …., freguesia de Escariz, inscrita na matriz sob o artigo 836 e descrita na Conservatória do Registo Predial sob a ficha n.º 321 da freguesia de Escariz [al. B) dos Factos Assentes]. 3. Mais declararam autores e réus que depois de operada a troca, os autores ficam donos de todo o prédio inscrito na matriz sob o artigo 836 e o réu fica dono de todo o prédio inscrito na matriz sob o artigo 837 [al. C) dos Factos Assentes]. 4. Mostra-se inscrita na conservatória do registo predial de Arouca sob a ficha n.º 320/19910508, em nome do réu, a aquisição do prédio omisso na matriz predial, ao qual correspondia o anterior artigo 837 [al. D) dos Factos Assentes]. 5. Mostra-se inscrita na conservatória do registo predial de Arouca sob a ficha n.º 321/19910508, em nome do autor, a aquisição do prédio descrito na matriz predial da freguesia de Escariz sob o artigo 1285 [al. E) dos Factos Assentes]. 6. Na parcela de terreno descrita na al. 1. – b) existe um furo artesiano [al. F) dos Factos Assentes]. 7. De 1998 a Junho de 2006 os autores utilizaram, para rega do jardim e consumo doméstico, a água proveniente do furo acima referido [al. G) dos Factos Assentes]. 8. Os autores e os réus requereram, em conjunto, na Câmara Municipal de Arouca, o licenciamento de duas casas de habitação a construir nas parcelas de terreno descritas em 1. – a) e b) [resposta ao quesito 1.º]. 9. Em data não concretamente apurada, situada nos anos de 1991 a 1993, foi efectuado o furo referido em 6. [resposta ao quesito 2.º]. 10. Tal furo permitiu, até Junho de 2006, o abastecimento de água para consumo doméstico e rega de jardim das casas de habitação referidas em 8. [resposta ao quesito 3.º]. 11. Logo que se procedeu à abertura do furo referido em 6., foi colocada nele uma bomba eléctrica submersível [resposta ao quesito 4.º]. 12. À referida bomba foi ligado um cano direccionado para a parcela de terreno descrita em 1. - a) [resposta ao quesito 5.º]. 13. Após a aprovação do licenciamento autor e réu deram início à construção das referidas casas [resposta ao quesito 7.º]. 14. Na parcela de terreno descrita em 1. – a), no local onde desembocava o cano referido em 12. foi instalado um quadro de comando [resposta ao quesito 9.º]. 15. Na parede da casa construída na parcela descrita em 1. - b) foi deixada uma abertura para passagem dos canos condutores das águas para a parcela descrita em 1. - a) [resposta ao quesito 11.º]. 16. Após a celebração da escritura referida em 2. e 3. autor e réu requereram na Câmara Municipal a alteração da titularidade dos processos de obras [resposta ao quesito 14.º]. 17. Ficando o processo relativo à construção implantada no prédio descrito em 1. – a) em nome do autor e o processo relativo à construção implantada no prédio descrito em 1. – b) em nome do réu [resposta ao quesito 15.º]. 18. Por volta do ano de 1997 os autores foram habitar a casa construída na parcela descrita em 1. - a) [resposta ao quesito 16.º]. 19. Por volta do ano de 1997 os réus foram habitar a casa construída na parcela descrita em 1. - b) [resposta ao quesito 17.º]. 20. A água referida em 7. era conduzida para o prédio dos autores através do cano referido em 12. [resposta ao quesito 18.º]. 21. Os autores utilizaram tal água de forma contínua até Junho de 2006 [resposta ao quesito 19.º]. 22. Os autores utilizavam essa água com o conhecimento e sem oposição dos réus [respostas aos quesitos 20.º e 21.º]. 23. Em Junho de 2006, na sequência de desentendimentos ocorridos entre o autor e o réu, este cortou o cano que conduzia a água do furo artesiano para o quadro de comando referido em 14. [resposta ao quesito 23.º]. 24. O réu tapou a abertura referida em 15. com uma parede de tijolos [resposta ao quesito 24.º]. 25. Tendo os autores ficado sem água do furo na casa que utilizavam para os fins referidos em 10. [resposta ao quesito 25.º]. 26. Na sequência do referido em 25. os autores passaram a consumir água da rede pública para uso doméstico, cujos custos passaram, desde então, a suportar [resposta aos quesitos 26.º e 27.º]. 27. Para a reposição da ligação da água no estado em que se encontrava é suficiente o prazo de 10 dias [resposta ao quesito 28.º].*2. De direito Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil[2]. Decorre daquelas conclusões que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma: a) A factualidade apurada permite concluir pela existência de sinais reveladores de servidão de um para o outro prédio, pelo que deve reconhecer-se constituída a servidão por destinação do pai de família? b) Mesmo que assim se não entenda, a conduta do R. viola as legítimas expectativas dos AA impondo-se por isso a condenação do R. no pagamento da indemnização peticionada? Vejamos pois.*2.1. Constituição da servidão por destinação do pai de família Os AA insurgem-se contra a argumentação da decisão recorrida desde logo porquanto entendem que o relevante não é tanto quem colocou ou construiu os sinais reveladores da serventia – embora dos elementos dos autos não poderá duvidar-se que tais sinais foram postos por AA e R. marido, na então qualidade de comproprietários de ambos os prédios – mas a existência dos sinais reveladores da serventia e, assim, o quadro factual apurado permite concluir por esses sinais e pela existência de uma servidão constituída ao abrigo do art. 1549º do Código Civil[3], tendo havido um errado enquadramento jurídico da questão ao chamar-se à colação o art. 1408º do CPC. Analisada a decisão recorrida e os argumentos aduzidos nas alegações, por recorrentes e recorridos, cremos que assiste razão aos AA., como a seguir se procurará evidenciar. Em face do conceito legal de servidão, fornecido pelo art. 1543º, dúvidas não existem que a servidão predial é uma relação entre dois prédios, impondo um encargo num em benefício de outro, e a servidão nasce e subsiste em função dessa relação. Por outro lado, o conteúdo da servidão é definido pelo preceito seguinte, art. 1544º, nos termos do qual podem ser objecto de servidão “quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante” e isto mesmo que não lhe aumentem o seu valor. Importa ainda considerar que a constituição das servidões prediais pode fazer-se pelas diversas formas previstas no nº 1 do art. 1547º, estando aqui em causa saber se foi, ou não, constituída a servidão aqui invocada pelos AA., por destinação do pai de família. O art. 1549º prevê a forma de constituição dessa servidão nos seguintes termos: “Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de uma para com outro, serão esses sinais havidos como prova de servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”. À luz deste preceito vem-se entendendo que são três os requisitos ou pressupostos para que se constitua uma servidão por destinação do pai de família: - estarmos perante dois prédios do mesmo dono ou duas fracções de um só prédio; - haver sinal ou sinais visíveis, postos em um ou em ambos os prédios, que revelem serventia de um para com o outro; - quando, em relação ao domínio, houver separação dos dois prédios ou das duas fracções do mesmo prédio, nada se declarar em contrário à constituição desse encargo. Perante a factualidade provada afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião em contrário, que tais pressupostos se mostram preenchidos in casu. Com efeito é seguro que as duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana, descritas nas fichas nºs 320 e 321 da competente Conservatória do Registo Predial, eram propriedade do A e do R., em comum e partes iguais, desde 10.10.91 e que, na sequência da escritura de 29.03.95, foi operada troca das metades indivisas, ficando o A dono do prédio inscrito na matriz sob o art. 836º e descrito na ficha nº 321 e o R. dono do prédio inscrito na matriz sob o art. 837º e descrito na ficha nº 320 (v. nºs 1 a 5 da fundamentação de facto). Temos assim por certo que os dois prédios em causa eram propriedade da mesma pessoa e que, em 29.03.95, houve separação do domínio, ficando os AA proprietários de um e os RR proprietários do outro. Saber se, perante o facto de a propriedade das duas parcelas de terreno ser compropriedade do A e do R., ainda assim isso permite afirmar que estamos perante o mesmo dono, é questão expressamente abordada por Pires de Lima e Antunes Varela[4], concluindo estes autores que “nenhumas dúvidas se levantam quanto à possibilidade de constituição da servidão, quando os dois prédios ou as duas fracções do prédio tenham pertencido aos mesmos comproprietários”. Não vemos razões para não subscrever esta doutrina. Por outro lado, não se nos afigura que seja fundada a razão que levou o tribunal a quo a considerar que falecia este requisito por não se ter provado “quem procedeu à abertura do furo e à colocação da bomba” e, assim, “à data em que foi realizado o furo, e em que foi instalada a bomba, os prédios tanto podiam pertencer ao antepossuidor dos prédios (G….. e esposa), como, em comum e em partes iguais, aos AA e ao R”. Desde logo não é fundada, juridicamente, tal posição. Dando conta da evolução histórica desta figura jurídica, Pires de Lima e Antunes Varela referem que a única diferença digna de registo entre o art. 2274º do Código Civil de 1867 e o art. 1549º actual “provém do facto de se ter agora prescindido do requisito de os sinais reveladores da serventia prestada por um prédio ao outro, ou por uma fracção a outra fracção do mesmo prédio, terem sido postos pelo antigo dono ou por algum dos seus antecessores. O facto de terem sido postos por um proprietário, por um usufrutuário, ou até por um arrendatário comum … não interessa, desde que o último proprietário tinha conhecimento da sua existência, e consentiu na sua manutenção, à data da separação ou da divisão do prédio”[5] (o sublinhado é nosso). Ora, à face da factualidade provada, é seguro que o último proprietário de ambas aquelas parcelas de terreno, o A e o R. em compropriedade, tinham conhecimento daqueles sinais em 29.03.95, quando procederam à escritura de “troca”, através da qual cessaram a compropriedade e cada um ficou proprietário de uma das parcelas. Mas também o argumento da decisão recorrida não é fundado, em termos de factualidade. Na verdade, pese embora a resposta restritiva ao nº 2 da b.i.[6], constante do nº 9 da fundamentação de facto, a posição das partes não é de qualquer dúvida quanto ao facto de o furo ter sido feito pelo anterior proprietário ou ter sido feito quando A e R. já eram comproprietários da parcela em causa. A divergência das partes é se foram AA e R., conjuntamente, a procederem à abertura do furo (conforme alegado no art. 5º da p.i.) ou se foi apenas o R (v. art. 5º al. c) da contestação). Considerando, por outro lado, que na parcela de terreno que veio depois a ser dos RR existia, em 29.03.95, um furo artesiano e nele tinha sido colocada uma bomba submersível, à qual foi ligado um cano direccionado para a parcela de terreno que veio a ser dos AA. e nesta, no local onde o cano desembocava, foi instalado um quadro de comando, tendo ainda sido deixada uma abertura na parede da casa entretanto construída na parcela de terreno que veio a ser dos RR., para passagem dos canos condutores das águas para a parcela dos AA. (v. nºs 6, 9, 11, 14 e 15 da fundamentação de facto), não pode deixar de se concluir pelo preenchimento do segundo requisito. Estamos, com efeito, à data da separação do domínio, 29.03.1995, perante vários sinais visíveis e permanentes, postos em ambos os prédios, que revelavam serventia do prédio dos RR. para com o prédio dos AA., no sentido da possibilidade de uso, neste, da água do furo artesiano daquele. Ao falar de sinais visíveis e permanentes, Pires de Lima e Antunes Varela, falam no exemplo do “rego na serventia de aqueduto”[7]. Ora, os sinais, nos prédios dos autos, bomba, cano e sua passagem pela parede da casa, assim como instalação de quadro de comando da bomba, são tão visíveis e permanentes quanto o exemplo do rego apontado por aqueles autores. Nem se diga, como fazem os apelados nas contra-alegações[8], que só em 1998 os AA passaram a utilizar a água do furo para rega do jardim e consumo doméstico pelo que, não existindo qualquer prova de utilizarem tal água desde os anos de 1991/1993 até 29.03.1995 (altura em que ocorreu a autonomização dos prédios), não se mostra provada a utilização da água através de sinais visíveis e permanentes, na altura da separação do domínio. Há aqui um equívoco dos apelados pois, como já foi salientado no anterior acórdão proferido por este Tribunal da Relação, “não é de utilização/fruição das utilidades da servidão que cuida o art. 1549º citado, mas apenas da existência de sinais visíveis e permanentes – destinação – postos pelo proprietário”[9]. Com efeito, os apelados estão a olvidar o estatuído no art. 1544º, nos termos do qual as utilidades proporcionadas pela servidão podem apenas ser “futuras” ou até “eventuais” e não é por isso que a servidão não se constitui. Claro que o seu “não uso” pode dar lugar à extinção da servidão [v. art. 1569º nº 1 al. b)], mas não é disso que aqui curamos. Finalmente, cabe justificar a verificação do terceiro requisito ou pressuposto acima enunciado. Vindo provado que em 29.03.1995 houve separação do domínio de ambas as parcelas de terreno, tendo A e R. deixado de ser comproprietários de ambas e passando o A a ser proprietário de uma e o R proprietário de outra e não vindo alegado, nem provado que, aquando da separação do domínio, se tenha declarado algo em contrário à constituição da serventia do prédio dos RR para com o prédio dos AA, então é de concluir que está igualmente preenchido o terceiro e último requisito de constituição da servidão, por destinação do pai de família, supra enunciado. Não tem pois fundamento o apelo que na decisão recorrida se faz ao disposto no art. 1408º, vendo aí um obstáculo à oneração, pelo comproprietário, de parte especificada da coisa comum sem o consentimento dos restantes consortes. Com efeito, a partir do momento em que A e R são comproprietários de ambas as parcelas e decidem, na sequência da escritura de 29.03.95, fazer cessar a compropriedade e passam, cada um, a proprietário exclusivo de uma das parcelas, nada dizendo em contrário à constituição da serventia de um prédio para o outro, são eles próprios, enquanto comproprietários, os autores da destinação e não é nenhum deles, individualmente, a onerar qualquer parte especificada da coisa comum. Nestes termos, estando preenchidos os pressupostos ou requisitos de constituição da servidão, por destinação do pai de família, invocada pelos AA., impõe-se revogar a decisão recorrida e julgar procedente o pedido principal dos AA, de condenação dos RR a reconhecerem a favor do prédio dos AA o direito à água do furo artesiano existente no prédio dos RR., para rega e consumo doméstico. Em face da procedência da questão principal que o recurso suscita, o conhecimento da questão subsidiária enunciada em 2.b) supra ficaria em princípio prejudicada, conforme resulta do estatuído nos artºs 660º nº 2 e 713º nº 3, ambos do CPC. E, como questão subsidiária, fica efectivamente prejudicada. Importa, no entanto, face à procedência do pedido principal, averiguar se existe fundamento para a procedência dos demais pedidos formulados pelos AA. Feita essa indagação, à luz da factualidade apurada e do enquadramento jurídico, cremos que a resposta tem de ser positiva. Com efeito, a conduta do R de cortar, em Junho de 2006, o cano que conduzia a água do furo artesiano para o quadro de comando instalado no prédio dos AA, ficando estes sem possibilidade de utilizar a água para os fins que utilizavam e obrigando os AA a passarem a consumir água da rede pública, suportando os custos desse consumo (v. nºs 23, 25 e 26 da fundamentação de facto) violou o direito de propriedade dos AA. Assim, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1305º, 1544º e 562º a 564º constituíram-se os RR na obrigação de reporem a ligação da água e pagarem o custo total do consumo de água desde a data do corte até à data em que for reposta a ligação da água. Por outro lado, vindo dado como provado que o prazo de 10 dias é suficiente para se efectuar a reposição da água (v. nº 27 da fundamentação de facto), é de fixar nesse período a obrigação de os RR reporem a situação que estava antes da lesão do direito de propriedade dos AA. Esta obrigação dos RR, de reporem a ligação da água do furo artesiano existente no seu prédio, para o prédio dos AA, é uma obrigação de prestação de facto, positivo, infungível. Existe assim fundamento, ao abrigo do art. 829º-A, para deferir a pretensão dos AA de fixação de uma sanção pecuniária compulsória a cargo dos RR por cada dia de atraso no cumprimento daquela sua prestação de facto e o valor peticionado, € 10,00 diários, afigura-se-nos razoável, em função da sua “dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungível”[10] e, considerando, por outro lado, que tal sanção se destina “em partes iguais, ao credor e ao Estado” (v. nº 3 do citado art. 829º-A).*3. Tudo visto e ponderado, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso, afigura-se-nos que à luz do enquadramento normativo supra explanado e respectiva teleologia, não pode subsistir o entendimento sustentado pelo tribunal "a quo", procedendo as razões que enformam a reacção dos recorrentes, pelo que se impõe revogar a decisão recorrida e julgar procedentes os pedidos formulados pelos AA.*III- DECISÃO Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que integram a 1ª Secção Cível deste Tribunal em revogar a decisão recorrida e, julgando a acção procedente, condenam os RR a: a) reconhecerem, a favor do prédio dos AA, descrito na p. i., o direito à água do furo artesiano existente no prédio dos RR, para rega e consumo doméstico; b) reporem, no prazo de 10 dias, a ligação da referida água, sob pena de, não o fazendo, serem condenados no pagamento da quantia de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso; c) pagarem o custo total do consumo de água efectuado pelos AA, desde Junho de 2006 até à data em que for reposta a ligação da água do furo artesiano para o prédio dos AA. Custas da acção e do recurso a cargo dos RR.*Porto, 29/05/2012 António Martins Anabela Dias da Silva Maria do Carmo Domingues _____________________ [1] Proc. nº 233/08.1TBARC do Tribunal Judicial de Arouca [2] Adiante designado abreviadamente de CPC. [3] Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação. [4] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1984, pág. 633. [5] Idem, pág. 631/2. [6] No qual se perguntava: “No ano referido em A) os AA e o R procederam à abertura do furo referido em F)?” [7] Idem, pág. 633. [8] Aliás no seguimento da decisão inicial do tribunal a quo (v. fls. 160-174), que foi anulada pelo acórdão desta Relação de 14.06.2001 (v. fls. 209-216), anulando também a resposta ao quesito 4º e determinando novo julgamento para renovar a resposta a tal quesito. [9] V. fls. 214 destes autos. [10] Citámos a justificação desta sanção inovatória, constante do relatório do DL 262/83 de 16.06 que a introduziu.