Processo:1579/10.4TBMCN.P1
Data do Acordão: 10/07/2012Relator: ANA PAULA CARVALHOTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - A realização, na pendência do casamento, de uma construção no prédio doado a um dos ex-cônjuges, em que o casamento fora celebrado segundo a comunhão de adquiridos, haverá que ser qualificada como benfeitoria que se integra na comunhão, por efeito do regime de bens de casamento. II - A presunção juris et de jure de comunhão decorrente do artº 1723º, c) do Código Civil visa primordialmente acautelar interesses de terceiros e do comércio jurídico em geral, não impedindo que na relação entre os cônjuges seja arredada, por qualquer meio de prova .

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANA PAULA CARVALHO
Descritores
REGIME DE BENS DO CASAMENTO BENFEITORIAS BENS COMUNS DO CASAL MEIOS DE PROVA
No do documento
Data do Acordão
07/11/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
REVOGADA A DECISÃO
Sumário
I - A realização, na pendência do casamento, de uma construção no prédio doado a um dos ex-cônjuges, em que o casamento fora celebrado segundo a comunhão de adquiridos, haverá que ser qualificada como benfeitoria que se integra na comunhão, por efeito do regime de bens de casamento. II - A presunção juris et de jure de comunhão decorrente do artº 1723º, c) do Código Civil visa primordialmente acautelar interesses de terceiros e do comércio jurídico em geral, não impedindo que na relação entre os cônjuges seja arredada, por qualquer meio de prova .
Decisão integral
Processo nº 1579/10.4tbmcn.p1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório

B… intentou inventário para partilha de bens subsequente a divórcio contra o seu ex-cônjuge, C….
A requerida, na qualidade de cabeça de casal, alegou não existirem quaisquer bens comuns.
O requerente apresentou reclamação, invocando que, no imóvel que foi doado à cabeça de casal, ambos construíram uma casa, na pendência do casamento, a expensas dos dois e com recurso a crédito bancário.
Invoca que devem ser relacionadas essas benfeitorias e os móveis adquiridos na pendência do casamento.
Observado o disposto no art. 1349 nº 1 do CPC, a cabeça de casal reiterou a inexistência de bens comuns.
O requerente juntou documento comprovativo da doação do imóvel à cabeça de casal, da constituição de hipoteca e do alvará de licença para a realização de obras.
Foi proferida decisão a julgar totalmente improcedente, por não provada, a reclamação apresentada pelo interessado B…, e, em consequência, na ausência de bens a partilhar, a determinar o oportuno arquivamento dos presentes autos de inventário.*Inconformado, o requerente interpõe o presente recurso, alegando, em síntese, que a edificação construída na pendência do casamento constitui benfeitoria, devendo ser relacionada como credito ilíquido.
Conclui as doutas alegações:
1. Os ex-conjuges foram casados no regime da comunhão de adquiridos.
2. O douto despacho recorrido dá como provado que na constância do casamento de ambos foi levada a cabo no prédio rústico supra mencionado doado à recorrida pela escritura de 09.08.1999 a edificação de uma casa de dois pavimentos.
3. A recorrida não provou, como lhe competia, aliás, tão pouco alegou que a citada edificação foi construída com dinheiro próprio seu, nem juntou documento de que conste a referida proveniência das quantias pecuniárias a ela afectas.
4. Dos arts. 1723º c) e 1724º b) do C.C. resulta a presunção iure et de jure de que os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro cuja proveniência própria de qualquer dos cônjuges não conste de documento com intervenção de ambos é bem comum do casal.
5ª - A edificação referida constitui benfeitoria – art. 216º do C.C. – insusceptível de ser destacada do prédio em que foi incorporada, facto notório que tão pouco carece de alegação,
6ª - Não cabe no instituto da acessão imobiliária industrial, uma vez que o imóvel em que foi construída não é alheio.
7ª - É o inventário o processo próprio para se proceder às compensações devidas entre o património comum do casal e os patrimónios próprios dos ex-conjuges e vice-versa que hão-de fazer-se no momento da partilha que a não haver acordo só em inventário pode ser efectuada.
8ª – Face ao exposto deve a benfeitoria em causa ser levada à relação de bens como um direito de crédito, descrita na sua materialidade e não pelo seu valor que, não sendo nesta fase determinável, conduz a que aquele figure como crédito ilíquido – art. 1346º nº 3 alínea a) do C.P.C..
9ª – O douto despacho recorrido ao decidir de forma diferente, fez incorrecta interpretação dos factos e do Direito e incorrecta aplicação e violou todos os supra citados normativos.*Não foram apresentadas contra-alegações.*Fundamentação.
1 - Os factos a considerar são aqueles que o tribunal atendeu no despacho sob recurso e que são os seguintes:
1 – B… e C… contraíram casamento católico, sem celebração de convenção antenupcial, no dia 29 de Julho de 1995, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 23 de Novembro de 2009.
2 - Por escritura pública de doação, outorgada em 9 de Agosto de 1999, D…, viúva, declarou doar, por força da sua quota disponível, a sua filha, C…, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com B…, que declarou aceitar, o prédio rústico denominado “…”, cultura, pastagem, videiras, pinhal e mato, sito no …, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, pela ficha zero mil quatrocentos e setenta e dois, de vinte e seis de Julho de mil novecentos e noventa e nove, freguesia de …, registado a seu favor pela inscrição G-um, inscrito na matriz sob o art. 2.133.
3 – Sob o n.º 01472/260799, freguesia de …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Marco de Canaveses:
- prédio rústico – … – cultura, pastagem, videiras, pinhal e mato – … – 3.000 m2, Norte: E…, Sul e Nascente: F…, Poente: caminho – VP 2.700,00 – artigo: 2133. Desanexado do nº. 00570/150191.
- urbano, situado no …, com área total de 3000m2, área coberta de 150 m2 e área descoberta de 2850m2, valor tributável 22.248,00 Euros, matriz 1869, composto por casa com dois pavimentos e logradouro. Norte: E…; Sul e Nascente: F…; Poente: caminho; Ap. 34 de 1999/08/12 – Aquisição, causa: doação”.
4 - Da descrição referida em 3 constam os seguintes averbamentos: “Av2 – Ap. 8/22082002 – Urbano – Parcela de terreno para construção urbana – V.V.5.000,00 euros – Artigo: omisso; Av3 – Ap.01/20070322 – Casa de dois pavimentos e logradouro – S.C:150m2 S.D:2.850m2 – V.P:22.248,00€ - Artigo 1.869”;
5 – O prédio referido em 3 tem as seguintes inscrições, em vigor: “G-2, Ap.34/120899 – Aquisição a favor de C…, casada em comunhão de adquiridos com B…, residente no …, freguesia de …, concelho de Marco de Canaveses – por doação; C-1, Ap. 11/09082002 – PROVISÓRIA POR NATUREZA (alínea i) do n.º1) – HIPOTECA VOLUNTÁRIA – a favor do G…, S.A., com sede no Porto, na …, n.º .. – GARANTIA DE EMPRÉSTIMO – Valor: Capital: 89.783,61 Euros – Juro anual:6,21%, acrescido de 4%, em caso de mora, a título de cláusula penal – Despesas: 3.591,34 Euros – Montante máximo:120.875,67 Euros”.
6 – No ano de 2000, a Câmara Municipal … emitiu a declaração constante de fls. 42 e 43, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual consta, nomeadamente, “Alvará de licença de obras n.º …, …, H…, presidente da Câmara Municipal supra: Faz saber que, por despacho de 19.02.2000, foi concedido a B……licença para a realização da seguinte obra que incide sobre o prédio descrito na C.R.P. de Marco de Canaveses…: construção de uma habitação…, sita em …, … …”.
7 - A casa de dois pavimentos indicada em 3 foi construída durante a constância do casamento entre Requerente e Cabeça de Casal.
Factos não provados
Não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, que:
a) O casal composto por Requerente e Cabeça de Casal comprou bens móveis na constância do casamento;
b) a casa de dois pavimentos indicada em 3 foi construída, por Requerente e Cabeça de Casal, com dinheiro proveniente do trabalho destes e com o dinheiro proveniente do empréstimo que contraíram junto do G….

2 O Direito
Delimitado o objecto do recurso em conformidade com as doutas conclusões, nos termos dos arts. 685 nº A 1 e 2, 685 B nº 1 e 2 CPC, a recorrente insurge-se contra o facto de o tribunal indeferir a sua pretensão de relacionar a benfeitoria que reclama.
Provou-se que na pendência do casamento foi doado um imóvel à cabeça de casal e que, na constância do casamento, foi construída uma casa de dois pavimentos nesse imóvel.
O recorrente reclama, precisamente, essa casa, invocando que foi construída a “expensas de ambos em parte com dinheiros provenientes do respectivo trabalho e em parte com o produto do empréstimo que contraíram junto do G…”, qualificando-a como benfeitoria, no pressuposto que constitui um bem integrante do património comum. 
Esta reclamação, no que aos factos concerne, apresenta-se linear e inequívoca, acrescida do fundamento da comunhão, pois que invoca a participação do dinheiro do requerente, e, na singeleza da matéria de facto, o tribunal acolheu-a.
Acrescentamos que não é ao reclamante que incumbe relacionar os bens e alicerçar essa relação através de meios de prova fidedignos. Essa é a incumbência do cabeça de casal, conforme o preceituado nos arts. 1345 e 1346 do CPC, assistindo ao outro interessado o direito de o contraditar.
O requerente apenas despoletou o processo, reclamando a existência de bens comuns, juntando documentos que demonstram os factos invocados, observando o disposto no art. 1344 nº 2 do CPC, e o tribunal aderiu parcialmente a essa reclamação, consignando o facto especifico relativamente às obras realizadas na pendência do casamento.
Se dúvidas surgissem, sempre se impunha que o tribunal, em homenagem ao principio genérico do dispositivo que congrega os deveres de cooperação e da procura da verdade, no alcance da justiça material, expressos no art. 265 nº 1 e 3 do CPC e, especificamente, nos limites do thema decidendum, no art. 1344 nº 2 do mesmo diploma legal, que impõe a realização das “diligencias probatórias necessárias”, ainda que complementares, sem postergar, por isso, que é aos interessados que incumbe a iniciativa processual e a apresentação das provas que alicercem os factos alegados nos respectivos articulados.
Aquela iniciativa oficiosa acentua a vertente graciosa que também integra o processo de inventário. 
In casu, o requerente ofereceu a prova suficiente para que o tribunal consignasse que a edificação ocorreu na pendência do casamento.
Nesta conjuntura processual, assente o regime de bens do casamento – comunhão de adquiridos – e a realização de uma construção no prédio doado a um dos ex cônjuges, essa edificação haverá que ser qualificada como benfeitoria, nos termos do art.216 nº 1 e 3 do CC, e, face a esse regime de bens, constitui coisa comum, integrando-se na comunhão, por efeito do regime de bens do casamento, face ao preceituado no art. 1723 c) do CPC.
A presunção estabelecida nesta norma visa, primordialmente, acautelar interesses de terceiros e do comércio jurídico em geral, estabelecendo, para este efeito, uma presunção júris et de jure, vocacionada para tutelar essa prerrogativa, alheia à relação conjugal (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, IV, 425 e o douto acórdão desta Relação de 29.10.2009, in www.dgsi.pt).
Já no que à estrita relação entre os cônjuges respeita, arredado aquele interesse de terceiros que enforma a vocação da norma, nada impede que seja produzido qualquer meio de prova, no sentido de infirmar a comunhão que o preceito estabelece, com aquela finalidade, podendo, nos limites do caso concreto, e concretizando, o cabeça de casal demonstrar a falta de intervenção do ex cônjuge na obra reclamada, arredando-a da comunhão.
Assente aquele regime e o facto demonstrado, tanto bastaria para que se impusesse relacionar a benfeitoria em causa. 
Aderimos, por isso, e no que a esta qualificação respeita, ao entendimento expresso por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, III, 162 e seguintes, na perspectiva da distinção entre benfeitoria e acessão, qualificando a benfeitoria como um “melhoramento feito por quem está ligado á coisa em consequência de uma relação ou vinculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela”.
Considerando a relação jurídica que o casamento, no plano patrimonial, enforma deve ser este o regime aplicável, qualificando-se a construção como uma benfeitoria, enquanto um beneficio do que já existe, pois é o que reflecte a sua natureza e o seu alcance. 
Os argumentos aduzidos no despacho recorrido não reflectem o regime jurídico que, por um lado, rege o regime de bens do casamento, repercutindo-se no dever de relacionar os bens efectivamente comuns, e o regime jurídico que disciplina a subsequente partilha, afirmando-se a prematuridade da decisão em face da controvérsia da questão.
Sendo seguro que a construção ocorreu no decurso do casamento, deve proceder-se à sua relação, enquanto bem comum do extinto casal, pelo menos a priori, aplicando-se, subsequentemente, as regras específicas e próprias que integram o regime jurídico que disciplina a partilha de bens subsequente ao divórcio. 
Em conclusão, tratando-se de bem comum, deve o mesmo ser relacionado, nos termos expostos, prosseguindo os autos os trâmites subsequentes.*Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente e, revogando a decisão recorrida, no que à construção respeita, determina-se o prosseguimento do processo de inventário, com a relação desse bem. 
Custas a cargo da parte que decair a final.*Porto, 11 de Julho de 2012
Ana Paula Vasques de Carvalho 
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues

Processo nº 1579/10.4tbmcn.p1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto Relatório B… intentou inventário para partilha de bens subsequente a divórcio contra o seu ex-cônjuge, C…. A requerida, na qualidade de cabeça de casal, alegou não existirem quaisquer bens comuns. O requerente apresentou reclamação, invocando que, no imóvel que foi doado à cabeça de casal, ambos construíram uma casa, na pendência do casamento, a expensas dos dois e com recurso a crédito bancário. Invoca que devem ser relacionadas essas benfeitorias e os móveis adquiridos na pendência do casamento. Observado o disposto no art. 1349 nº 1 do CPC, a cabeça de casal reiterou a inexistência de bens comuns. O requerente juntou documento comprovativo da doação do imóvel à cabeça de casal, da constituição de hipoteca e do alvará de licença para a realização de obras. Foi proferida decisão a julgar totalmente improcedente, por não provada, a reclamação apresentada pelo interessado B…, e, em consequência, na ausência de bens a partilhar, a determinar o oportuno arquivamento dos presentes autos de inventário.*Inconformado, o requerente interpõe o presente recurso, alegando, em síntese, que a edificação construída na pendência do casamento constitui benfeitoria, devendo ser relacionada como credito ilíquido. Conclui as doutas alegações: 1. Os ex-conjuges foram casados no regime da comunhão de adquiridos. 2. O douto despacho recorrido dá como provado que na constância do casamento de ambos foi levada a cabo no prédio rústico supra mencionado doado à recorrida pela escritura de 09.08.1999 a edificação de uma casa de dois pavimentos. 3. A recorrida não provou, como lhe competia, aliás, tão pouco alegou que a citada edificação foi construída com dinheiro próprio seu, nem juntou documento de que conste a referida proveniência das quantias pecuniárias a ela afectas. 4. Dos arts. 1723º c) e 1724º b) do C.C. resulta a presunção iure et de jure de que os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro cuja proveniência própria de qualquer dos cônjuges não conste de documento com intervenção de ambos é bem comum do casal. 5ª - A edificação referida constitui benfeitoria – art. 216º do C.C. – insusceptível de ser destacada do prédio em que foi incorporada, facto notório que tão pouco carece de alegação, 6ª - Não cabe no instituto da acessão imobiliária industrial, uma vez que o imóvel em que foi construída não é alheio. 7ª - É o inventário o processo próprio para se proceder às compensações devidas entre o património comum do casal e os patrimónios próprios dos ex-conjuges e vice-versa que hão-de fazer-se no momento da partilha que a não haver acordo só em inventário pode ser efectuada. 8ª – Face ao exposto deve a benfeitoria em causa ser levada à relação de bens como um direito de crédito, descrita na sua materialidade e não pelo seu valor que, não sendo nesta fase determinável, conduz a que aquele figure como crédito ilíquido – art. 1346º nº 3 alínea a) do C.P.C.. 9ª – O douto despacho recorrido ao decidir de forma diferente, fez incorrecta interpretação dos factos e do Direito e incorrecta aplicação e violou todos os supra citados normativos.*Não foram apresentadas contra-alegações.*Fundamentação. 1 - Os factos a considerar são aqueles que o tribunal atendeu no despacho sob recurso e que são os seguintes: 1 – B… e C… contraíram casamento católico, sem celebração de convenção antenupcial, no dia 29 de Julho de 1995, o qual foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 23 de Novembro de 2009. 2 - Por escritura pública de doação, outorgada em 9 de Agosto de 1999, D…, viúva, declarou doar, por força da sua quota disponível, a sua filha, C…, casada sob o regime da comunhão de adquiridos com B…, que declarou aceitar, o prédio rústico denominado “…”, cultura, pastagem, videiras, pinhal e mato, sito no …, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, pela ficha zero mil quatrocentos e setenta e dois, de vinte e seis de Julho de mil novecentos e noventa e nove, freguesia de …, registado a seu favor pela inscrição G-um, inscrito na matriz sob o art. 2.133. 3 – Sob o n.º 01472/260799, freguesia de …, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do Marco de Canaveses: - prédio rústico – … – cultura, pastagem, videiras, pinhal e mato – … – 3.000 m2, Norte: E…, Sul e Nascente: F…, Poente: caminho – VP 2.700,00 – artigo: 2133. Desanexado do nº. 00570/150191. - urbano, situado no …, com área total de 3000m2, área coberta de 150 m2 e área descoberta de 2850m2, valor tributável 22.248,00 Euros, matriz 1869, composto por casa com dois pavimentos e logradouro. Norte: E…; Sul e Nascente: F…; Poente: caminho; Ap. 34 de 1999/08/12 – Aquisição, causa: doação”. 4 - Da descrição referida em 3 constam os seguintes averbamentos: “Av2 – Ap. 8/22082002 – Urbano – Parcela de terreno para construção urbana – V.V.5.000,00 euros – Artigo: omisso; Av3 – Ap.01/20070322 – Casa de dois pavimentos e logradouro – S.C:150m2 S.D:2.850m2 – V.P:22.248,00€ - Artigo 1.869”; 5 – O prédio referido em 3 tem as seguintes inscrições, em vigor: “G-2, Ap.34/120899 – Aquisição a favor de C…, casada em comunhão de adquiridos com B…, residente no …, freguesia de …, concelho de Marco de Canaveses – por doação; C-1, Ap. 11/09082002 – PROVISÓRIA POR NATUREZA (alínea i) do n.º1) – HIPOTECA VOLUNTÁRIA – a favor do G…, S.A., com sede no Porto, na …, n.º .. – GARANTIA DE EMPRÉSTIMO – Valor: Capital: 89.783,61 Euros – Juro anual:6,21%, acrescido de 4%, em caso de mora, a título de cláusula penal – Despesas: 3.591,34 Euros – Montante máximo:120.875,67 Euros”. 6 – No ano de 2000, a Câmara Municipal … emitiu a declaração constante de fls. 42 e 43, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual consta, nomeadamente, “Alvará de licença de obras n.º …, …, H…, presidente da Câmara Municipal supra: Faz saber que, por despacho de 19.02.2000, foi concedido a B……licença para a realização da seguinte obra que incide sobre o prédio descrito na C.R.P. de Marco de Canaveses…: construção de uma habitação…, sita em …, … …”. 7 - A casa de dois pavimentos indicada em 3 foi construída durante a constância do casamento entre Requerente e Cabeça de Casal. Factos não provados Não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, que: a) O casal composto por Requerente e Cabeça de Casal comprou bens móveis na constância do casamento; b) a casa de dois pavimentos indicada em 3 foi construída, por Requerente e Cabeça de Casal, com dinheiro proveniente do trabalho destes e com o dinheiro proveniente do empréstimo que contraíram junto do G…. 2 O Direito Delimitado o objecto do recurso em conformidade com as doutas conclusões, nos termos dos arts. 685 nº A 1 e 2, 685 B nº 1 e 2 CPC, a recorrente insurge-se contra o facto de o tribunal indeferir a sua pretensão de relacionar a benfeitoria que reclama. Provou-se que na pendência do casamento foi doado um imóvel à cabeça de casal e que, na constância do casamento, foi construída uma casa de dois pavimentos nesse imóvel. O recorrente reclama, precisamente, essa casa, invocando que foi construída a “expensas de ambos em parte com dinheiros provenientes do respectivo trabalho e em parte com o produto do empréstimo que contraíram junto do G…”, qualificando-a como benfeitoria, no pressuposto que constitui um bem integrante do património comum. Esta reclamação, no que aos factos concerne, apresenta-se linear e inequívoca, acrescida do fundamento da comunhão, pois que invoca a participação do dinheiro do requerente, e, na singeleza da matéria de facto, o tribunal acolheu-a. Acrescentamos que não é ao reclamante que incumbe relacionar os bens e alicerçar essa relação através de meios de prova fidedignos. Essa é a incumbência do cabeça de casal, conforme o preceituado nos arts. 1345 e 1346 do CPC, assistindo ao outro interessado o direito de o contraditar. O requerente apenas despoletou o processo, reclamando a existência de bens comuns, juntando documentos que demonstram os factos invocados, observando o disposto no art. 1344 nº 2 do CPC, e o tribunal aderiu parcialmente a essa reclamação, consignando o facto especifico relativamente às obras realizadas na pendência do casamento. Se dúvidas surgissem, sempre se impunha que o tribunal, em homenagem ao principio genérico do dispositivo que congrega os deveres de cooperação e da procura da verdade, no alcance da justiça material, expressos no art. 265 nº 1 e 3 do CPC e, especificamente, nos limites do thema decidendum, no art. 1344 nº 2 do mesmo diploma legal, que impõe a realização das “diligencias probatórias necessárias”, ainda que complementares, sem postergar, por isso, que é aos interessados que incumbe a iniciativa processual e a apresentação das provas que alicercem os factos alegados nos respectivos articulados. Aquela iniciativa oficiosa acentua a vertente graciosa que também integra o processo de inventário. In casu, o requerente ofereceu a prova suficiente para que o tribunal consignasse que a edificação ocorreu na pendência do casamento. Nesta conjuntura processual, assente o regime de bens do casamento – comunhão de adquiridos – e a realização de uma construção no prédio doado a um dos ex cônjuges, essa edificação haverá que ser qualificada como benfeitoria, nos termos do art.216 nº 1 e 3 do CC, e, face a esse regime de bens, constitui coisa comum, integrando-se na comunhão, por efeito do regime de bens do casamento, face ao preceituado no art. 1723 c) do CPC. A presunção estabelecida nesta norma visa, primordialmente, acautelar interesses de terceiros e do comércio jurídico em geral, estabelecendo, para este efeito, uma presunção júris et de jure, vocacionada para tutelar essa prerrogativa, alheia à relação conjugal (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, IV, 425 e o douto acórdão desta Relação de 29.10.2009, in www.dgsi.pt). Já no que à estrita relação entre os cônjuges respeita, arredado aquele interesse de terceiros que enforma a vocação da norma, nada impede que seja produzido qualquer meio de prova, no sentido de infirmar a comunhão que o preceito estabelece, com aquela finalidade, podendo, nos limites do caso concreto, e concretizando, o cabeça de casal demonstrar a falta de intervenção do ex cônjuge na obra reclamada, arredando-a da comunhão. Assente aquele regime e o facto demonstrado, tanto bastaria para que se impusesse relacionar a benfeitoria em causa. Aderimos, por isso, e no que a esta qualificação respeita, ao entendimento expresso por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, III, 162 e seguintes, na perspectiva da distinção entre benfeitoria e acessão, qualificando a benfeitoria como um “melhoramento feito por quem está ligado á coisa em consequência de uma relação ou vinculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela”. Considerando a relação jurídica que o casamento, no plano patrimonial, enforma deve ser este o regime aplicável, qualificando-se a construção como uma benfeitoria, enquanto um beneficio do que já existe, pois é o que reflecte a sua natureza e o seu alcance. Os argumentos aduzidos no despacho recorrido não reflectem o regime jurídico que, por um lado, rege o regime de bens do casamento, repercutindo-se no dever de relacionar os bens efectivamente comuns, e o regime jurídico que disciplina a subsequente partilha, afirmando-se a prematuridade da decisão em face da controvérsia da questão. Sendo seguro que a construção ocorreu no decurso do casamento, deve proceder-se à sua relação, enquanto bem comum do extinto casal, pelo menos a priori, aplicando-se, subsequentemente, as regras específicas e próprias que integram o regime jurídico que disciplina a partilha de bens subsequente ao divórcio. Em conclusão, tratando-se de bem comum, deve o mesmo ser relacionado, nos termos expostos, prosseguindo os autos os trâmites subsequentes.*Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente e, revogando a decisão recorrida, no que à construção respeita, determina-se o prosseguimento do processo de inventário, com a relação desse bem. Custas a cargo da parte que decair a final.*Porto, 11 de Julho de 2012 Ana Paula Vasques de Carvalho Manuel José Caimoto Jácome Carlos Alberto Macedo Domingues