Processo:2604/09.7TBPVZ.P1
Data do Acordão: 09/12/2012Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOSTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Se a lesão resultante de acidente de viação apenas determina um maior dispêndio de esforço e energia na realização das tarefas diárias, este dano deve ser ressarcido como dano biológico que é, segundo os parâmetros da avaliação do dano não patrimonial, pelo que, na determinação do valor da compensação, não pode ser abatido o valor do capital de remição pago à sinistrada, no âmbito do processo de acidente de trabalho.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO DANO BIOLÓGICO CAPITAL DE REMIÇÃO
No do documento
Data do Acordão
12/10/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
ALTERADA A DECISÃO
Sumário
Se a lesão resultante de acidente de viação apenas determina um maior dispêndio de esforço e energia na realização das tarefas diárias, este dano deve ser ressarcido como dano biológico que é, segundo os parâmetros da avaliação do dano não patrimonial, pelo que, na determinação do valor da compensação, não pode ser abatido o valor do capital de remição pago à sinistrada, no âmbito do processo de acidente de trabalho.
Decisão integral
Processo n.º 2604/09.7TBPVZ.P1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim (1.º Juízo Competência Cível)
Apelante: Companhia de Seguros B…, S.A.
Apelada: C…

Sumário:
Se a lesão resultante de acidente de viação apenas determina um maior dispêndio de esforço e energia na realização das tarefas diárias, este dano deve ser ressarcido como dano biológico que é, segundo os parâmetros da avaliação do dano não patrimonial, pelo que, na determinação do valor da compensação, não pode ser abatido o valor do capital de remição pago à sinistrada, no âmbito do processo de acidente de trabalho.


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
C… intentou a ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros B…, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €78.588,03, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, assim discriminada:
- a título de danos não patrimoniais €40.000,00 (correspondendo €25.000,00 pelo desfeiamento e €15.000,00 pelo quantum doloris);
- a título de danos patrimoniais - lucros cessantes –,  €19.391,78;
- pela incapacidade total temporária €3.395,75;
- pelo dano funcional ou biológico €15.000,00; e
- pelas despesas com tratamentos, consultas e exames €800,50.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em suma, que no dia 16/07/2008, quando se encontrava no meio da passadeira destinada a peões, a atravessar a Rua …, na EN .., Póvoa de Varzim, foi colhida pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-TQ, conduzido pelo seu proprietário, D… e cuja responsabilidade civil emergente de acidentes de viação havia sido transferida para a ré, através da celebração de contrato de seguro.
Em consequência a autora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos.
A ré contestou, por impugnação, alegando, em síntese, que o acidente foi considerado também acidente de trabalho, tendo no âmbito desse processo, pago à autora, na qualidade de seguradora também da responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, a quantia de €1.235,03, a título de perdas salariais, tendo a sua entidade patronal aceitado pagar-lhe, ao mesmo título, €412,61.
Concluiu pelo julgamento da ação de acordo com a prova a produzir.

Foi proferido despacho saneador. Selecionou-se a factualidade assente e elaborou-se a base instrutória, que foi objeto de reclamações, decididas conforme consta de fls. 133.
A fls. 111 veio a ré apresentar articulado superveniente, nos termos do artigo 506.º do Código de Processo Civil (CPC), alegando que correu termos no Tribunal do Trabalho de Barcelos, o processo nº 866/08.6TTBCL (acidente de trabalho) no qual foi proferida sentença que condenou a ré (bem como e entidade empregadora) a pagar à ora autora, uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, pelo que, em 08/01/2010, a ré fez entrega à autora do capital de remição de €2.842,70, declarando-se esta paga de todas as pensões até à data do cálculo. Concluiu que o capital de remição deve ser levado em consideração na indemnização a fixar.
Tal articulado foi admitido liminarmente e cumprido o contraditório. Por despacho de fls. 137 considerou-se assente a matéria vertida no referido articulado, a ser considerada em sede de sentença.
Durante a instrução foi realizada perícia médico-legal, cujo relatório se encontra junto a fls. 149-152 e 230-234.
Realizado o julgamento, em 07/05/2012, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou “ré Companhia de Seguros B…, S.A. a pagar à autora C… a quantia total de 29.726.50€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento, quanto à quantia de 26.000€ e, desde a data da citação até integral pagamento, quanto à restante quantia, absolvendo-se a ré do demais peticionado pela autora.”
Inconformada, apelou a ré, pugnando pela alteração da sentença em relação ao quantum indemnizatório.
Contra-alegou a autora, e ampliou o âmbito do recurso ao abrigo do artigo 684.º, n.º 1, do CPC, pugnando pela alteração do valor fixado, mas em sentido oposto.

Conclusões da apelante:
“1. A indemnização fixada a título de dano não patrimonial, pelo Dano Estético e Dores Sofridas é excessivo.
2. Não sendo a dor e os sentimentos mensuráveis há que recorrer a juízos de equidade.
3. Quantificando o grau de intensidade do dano e especialmente o estético pelo mínimo, a realidade económica, política, social e cultural do país e os valores que vêm sendo sufragados pelos nossos Tribunais, a indemnização devida a este título não pode ser fixada em quantia superior a 10.000€, o que se requer.
4. A indemnização fixada de 5.000€ pelo dano biológico a título de dano não patrimonial (dano futuro) é justa e adequada.
5. Porque a Ré já pagou à A. a título de capital de remissão 2.842,79€, deve tal quantia ser deduzida no montante a pagar, sendo, assim, a este respeito, a Ré apenas ser condenada a pagar a quantia de 2.157,21€.
6. Não deverá ser fixada à A. qualquer indemnização por danos patrimoniais, relativamente à perda de capacidade de ganho (dano futuro) já que esta inexiste objectiva e subjectivamente, considerando, ainda, que a A. foi já indemnizada pelos esforços acrescidos para desempenho das suas funções.
7. Relativamente aos “ganhos cessantes” e ITA, deve a Ré ser condenada apenas a pagar a quantia de 1.278,36€, considerando que não foi deduzida a quantia já recebida de 1.647,64€, que a Ré e entidade patronal da A. foram condenadas a pagar no âmbito do processo decorrente do acidente dos autos que também foi de trabalho.
8. Assim, à quantia de 2.926,00€ deve-se deduzir os 1.647,64 que a Ré e entidade patronal da A. foram condenadas já a pagar, sob pena de enriquecimento sem causa da A..
9. Caso assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio se admite, deveria e deve ser atendida a reclamação à fixação dos factos assentes e Base Instrutória, nomeadamente deve ser selecionado para a Base Instrutória o alegado no artigo 13º da contestação, repetindo-se, nesta parte, o julgamento.
Termos em que deve revogar-se a decisão recorrida, condenando-se a recorrente tão só na forma propugnada nestas alegações, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.
Foram violados: artigos 496º, 562º, 564º e 566º, todos do Código Civil.”

Conclusões da apelada:
“1.º- Os montantes indemnizatórios de €29.726,50 fixados na sentença em impugnação nem de perto, nem de longe, poderão compensar os danos sofridos e a sofrer pela A.
2.º- E se assim ocorre na sentença em análise, a situação agrava-se consideravelmente nas alegações do presente recurso, logo que a Ré atribui para os itens dano estético e quantum doloris apenas o valor conjunto de €10.000,00!...
3.º- E mais se agrava o desequilíbrio quanto à compensação entre danos sofridos e respectivos valores atribuídos nas alegações da Ré, e ainda a título de danos não patrimoniais, na versão de dano biológico (danos futuros), logo que esta as quantifica em €5.000,00!...
4.º- E agrava-se ainda mais o referenciado desequilíbrio, entre aqueles dois vectores, quando a Ré, recusando-se a ver o que vem decidido a págs. 26 da sentença em crise;
5.º- E a respeito do que alegou no seu recurso, a págs. 6 e 7, sobre os valores atribuídos para compensação do dano biológico, considerado nas duas versões (de dano não-patrimonial e dano patrimonial), ali declara que a A., no 1.º tipo de dano (dano não patrimonial), não deve ser ressarcida, porque não existe tal dano; e no 2.º tipo (dano patrimonial), que o mesmo já foi pago à A., em sede de processo de direito laboral.
6.º- E no entanto, a Ré esquece que a A., porque no fulgor dos seus 29 anos, e adornada pela beleza e graça de que era portadora, antes do evento, e exercendo a exigente actividade comercial, os danos porque sofreu, sofre e continuará sofrendo vida fora, devem ser valorados diferentemente do que ocorre num outro sinistrado não contemplado ou adstrito àquelas circunstâncias!...
7.º- Assim, como danos patrimoniais propriamente ditos e em qualquer das versões que os entendamos, a Ré só acaba por conceber, no presente processo, os parcos €2.926,00, mas que entretanto já os havia entregue à A., em sede do processo laboral referenciado na precedente 5.ª Cl.ª!...
8.º- E, na verdade, nos termos deduzidos da Tabela Financeira, elaborada na Faculdade de Economia do Porto, por Júlio Serra e João Antunes, e sempre cum grano salis, resulta ter a A. direito a ser ressarcida, por tal dano patrimonial, com o montante de, pelo menos, €19.391,78.
9.º- A título de danos morais, na versão do quantum doloris e prejuízo estético, considera a A. ter direito aos €40.000,00 reclamados na P. inicial. 
10.º- E, na verdade, atendendo aos sofrimentos consistentes nas dores físicas e morais de que a A. é objecto, e consideradas nos itens 3 e 5, alínea C) destas contra-alegações, bem como ao desfeiamento anotado no presente trabalho, maxime no item 4 da mesma alínea C), só através do assim fixado ressarcimento de tais danos é que se há-de encontrar o equilíbrio entre esses danos sofridos e a atribuída soma.
11.º- Entendendo a A. não haverem sido correctamente ressarcidos os danos patrimoniais propriamente ditos e o dano biológico, (este considerado na sua versão de complemento, destinado a corrigir os resultados das tabelas numéricas utilizadas na medida dos danos físicos e morais das vitimais de acidentes de viação), a A. procede à ampliação do presente recurso, interposto pela Ré.
12.º- Como atrás (Cl.ª 7.ª), já se alegou, só através do emprego da escala numérica, referenciada nas sobreditas conclusões, é que os Magistrados Julgadores poderão eficazmente equacionar tal tipo de dano e manter-se a coberto do seu próprio subjectivismo!...
13.º- Daí que só atribuindo à A. aquela ali reclamada quantia (de €19.391,78), ocorrerá, data venia, o correcto ressarcimento da A. que, ditado pela referida tabela financeira, veio a resultar dos inerentes critérios científicos.
14.º- Pela entrega à A. dos reclamados €15.000,00, na respectiva acção e a título de dano biológico ou funcional e como que para correcção das demais parcelas indemnizatórias, resultantes das referenciadas tabelas financeiras, poderá esse Venerando Tribunal da Relação encontrar o real equilíbrio, entre os danos sofridos considerados em toda a sua plenitude, e a soma numérica assim atribuída!...
15.º- E, na verdade, se tal tipo de dano (dano biológico), está para além das dores físicas e morais, dos danos consistentes na perda dos lucros cessantes (ou danos futuros), e se tal tipo de dano antes consiste nas limitações difusas da actividade humana, não deve ele ser qualificado nem quantificado por tabelas financeiras de qualquer espécie.
16.º- É que se a alteração morfológica e psíquica do sinistrado, em resultado do evento causador do dano, tendo antes a ver com a perda da Felicidade e do Bemestar, (de que o mesmo sinistrado era portador antes do evento), a quantificação de tais prejuízos vitais, foge à percepção de tais tabelas financeiras ou outras, para se adstringir à equidade, como a expressão mais eloquente do princípio da justiça!...
17.º- No caso da A., e aliás, paralelamente aos demais sinistrados, este tipo de dano há-de repercutir-se no seu semblante, no doloroso constrangimento que a A. nos há-de patentear, e que vai sentir pela vida fora, por se ver diferente dos demais e do que se compreendia ser antes do evento!...
18.º- E de cujo estado há-de impedir a A. de gozar dos prazeres da vida, vista em todas as suas manifestações, lúdicas laborais sociais ou outras.
19.º- E tudo isto, e para além do mais, logo começando por a A. se ver impedida de subir ou descer escadas, de se manter em pé por períodos superiores a 1 hora, de ver o seu membro inferior afectado, cicatrizado e inchado, e mais ainda para o final do dia, e sempre mais quando persiste em manter-se em pé.
20.º- Assim pela atribuição à A. dos reclamados €78.588,03 na P. inicial, (sendo os €40.000,00 a título de danos morais, e sob a versão das dores e prejuízo estético e os restantes €38.588,03 a título de danos patrimoniais, dano funcional), esse venerando Tribunal fará vir a Justiça à sua epifania.
21.º -Nos termos da sentença em impugnação, e alegações da Ré, foram violados os art.ºs 483.º, 487.º, n.º 2, 562.º, 563.º e 564.º, n.º 2, todos do Código Civil.
Termos em que e nos demais de direito que esse Venerando Tribunal irá suprir, atribuindo à A. as somas reclamadas na P. inicial da acção e, no final, dando procedente por provadas as pretensões da A., conformadoras da ampliação do presente recurso, far-se-á a esperada Justiça.”

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do CPC, redação atual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, as questões a decidir, sucessivamente, são:
- Questão prévia: admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso;
- Se deve ser aditada à base instrutória a factualidade alegada no artigo 13.º da contestação, ou assim não se entendendo, se deve ser anulado o julgamento com vista ao apuramento dessa factualidade;
- Se deve ser alterado o quantum indemnizatório.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) O dia 16 de julho de 2008, pelas 8:55h, quando a A. atravessava uma passadeira destinada a peões, na Rua …, na Estrada Nacional nº.., da cidade da Póvoa de Varzim, foi colhida pelo veículo automóvel de marca Mercedes …, de matrícula ..-..-TQ (alínea A) dos Factos Assentes);
B) O qual era conduzido pelo seu proprietário, D… (alínea B) dos Factos Assentes);
C) A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação foi transferida para a Companhia de Seguros B…, através da celebração de contrato de seguro titulado pela apólice nº ……… (alínea C) dos Factos Assentes);
D) A A. foi embatida lateralmente e atingida no seu membro inferior direito quando se encontrava a atravessar a passadeira de peões tendo já ultrapassado metade do respetivo trajeto (alínea D) dos Factos Assentes);
E) Como resultado do acidente a A. sofreu fratura tibial do prato externo do joelho direito[1] (alínea E) dos Factos Assentes);
F) Como consequência do acidente referido em A), a A- foi assistida no Hospital …, sendo aí submetida a exames de RX e medicamentada com analgésicos e todas as demais formas de tratamento adequadas à concreta situação (alínea F) dos Factos Assentes);
G) Passados 3 dias e porquanto a A piorou do seu membro inferior, recorreu aos Serviços Clínicos da E…, (Hospital Privado …), onde aí foi objeto de uma punção a esse joelho afetado, em virtude do sangue coalhado que tal joelho continha, como resulta do documento junto aos autos a fls. 28 e cujo teor que se dá integralmente por reproduzido (alínea G) dos Factos Assentes);
H) Passado uma semana e porque esse seu joelho continuava inchado e vermelho, a A. volta à E… onde um médico aí de serviço a envia para novos exames clínicos e, nomeadamente, uma ressonância magnética e um RX ambos ao aludido joelho, os quais foram executados no Gabinete do Dr. F… em Vila do Conde em 12/09/08, como resulta do documento junto aos autos a fls. 29 e 30 e cujo teor que se dá integralmente por reproduzido, tendo despendido 165,00€ (alínea H) dos Factos Assentes);
I) Após os tratamentos referidos em F), G) e H) a A. foi assistida nos serviços clínicos da seguradora da Ré, C… (alínea I) dos Factos Assentes);
J) À data do acidente a A. tinha 29 anos, como se retira da certidão de nascimento junto aos autos de fls. 35 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea J) dos Factos Assentes);
K) Durante um período de quatro meses, e em 22 de 28 sessões, a A. recebeu tratamento fisiátrico numa Clínica de Vila do Conde, como resulta do documento junto aos autos a fls. 31 e 32 e cujo teor que se dá integralmente por reproduzido (alínea K) dos Factos Assentes); 
L) Passado um ano do acidente a A. apresenta um edema, a nível da coxa, perto do joelho direito (alínea L) dos Factos Assentes);
M) O Dr. G…, médico especialista em ortopedia e traumatologia, emitiu três recibos em nome da A., datados de 14 e 20 de maio de 2009 e do dia 6 de outubro de 2008, no valor, respetivamente de 50,00 €, 50,00€ e 60,00 € (alínea M) dos Factos Assentes);
N) Na realização dos exames clínicos referidos em H) e M) a Autora despendeu a quantia de 283,50€ (247,50€+36.00 €) (alínea N) dos Factos Assentes);
O) Correu termos no tribunal de trabalho, o processo nº 866/08.6TTBCL, constando da ata de tentativa de conciliação que a A. declarou que auferia a retribuição anual de 7.956,46 €, correspondente a um salário mensal de 506,09 €, acrescido de 3,60 €x22 dias x11 meses de subsídio de alimentação, como resulta do documento junto aos autos de fls. 89 a 91 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea O) dos Factos Assentes);
P) No âmbito do processo referido em O) a entidade patronal da aí sinistrada, aqui A., declarou que aceitava pagar-lhe o capital de remição correspondente à pensão anual de 62,76 €, com início no dia 25 de novembro de 2008 e bem assim o montante de 412,61 €, a título de diferenças nas incapacidades temporárias (17-07-08 a 20-10-08, 96 dias de ITA, de 21-10-08 a 24-11-08, ITP de 20%, 35 dias), como resulta do documento junto aos autos de fls. 89 a 91 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea P) dos Factos Assentes);
Q) A A. foi submetida a exame médico-legal, na Delegação do Norte do INML, no qual se conclui que a data de consolidação médico-legal das lesões era fixável em 24-11-2008 e que a A. ficara com incapacidade permanente parcial fixável em 3%, como resulta do documento junto aos autos de fls. 62 a 65 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea Q) dos Factos Assentes);
R) Do exame realizado pelo ILM a A. apresentava em 11 de fevereiro de 2009 edema no joelho sem limitações de mobilidade e sem atrofia, como resulta do documento junto aos autos de fls. 62 a 65 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea R) dos Factos Assentes);
S) A A. esteve com incapacidade absoluta para o trabalho desde o dia do acidente até 20/10/2008 e com incapacidade temporária parcial desde 20/10/2008 até 24/11/2008 (alínea S) dos Factos Assentes);
T) A autora teve alta clínica em 24 de novembro de 2008.
U) Com o objetivo de proceder à sua recuperação, a A. fez mais um RMN ao seu joelho da H… (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória);
V) Para a sua parcial recuperação a A. manteve-se 145 dias de baixa médica para o trabalho (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória);
X) Em resultado da fratura ao nível do seu referido joelho, o mesmo passou a ficar inchado, e logo que a A. persiste em manter-se em pé por períodos superiores a 1 hora, tem esta necessidade em se sentar por sistemáticos períodos (resposta ao artigo 3º da Base Instrutória);
Z) Pelo final do dia, tal inchamento é ainda mais acentuado (resposta ao artigo 4º da Base Instrutória);
AA) Como consequência do acidente a autora apresenta as seguintes sequelas no membro inferior direito: duas cicatrizes hipopigmentadas na face anterior do joelho, ténues, uma delas com 2 por 0,5 cm e outra com 1 por 0,5 cm; atrofia muscular da coxa de 1 cm medida 15 cm acima da interlinha articular, sem atrofia na perna; edema do joelho; dor à flexão forçada do joelho nos últimos graus; ligeira dificuldade em executar extensão do joelho contra resistência (resposta aos artigo 5º e 6º da Base Instrutória);
AB) Em consequência do acidente, a autora tem dores ao nível do joelho, as quais lhe dificultam subir, descer escadas, estar em pé por períodos superiores a uma hora e executar as tarefas domésticas (resposta aos artigos 7º e 8º da Base Instrutória);
AC) Devido às sequelas referidas na resposta ao artigo 5º e 6º da Base Instrutória a autora passou a frequentar menos a praia, os salões de baile ou quaisquer locais onde tivesse que mostrar essa zona (resposta ao artigo 9º da Base Instrutória);
AD) Antes do acidente a autora dançava nos salões de baile e era admirada pelas pessoas que com ela se cruzavam (resposta aos artigos 10º e 11º da Base Instrutória);
AE) Após o acidente, a autora passou a frequentar menos os mesmos locais públicos de antes, ficando mais por casa, recatada e acabrunhada (resposta aos artigos 13º e 14º da Base Instrutória);
AF) Os factos referidos nas respostas aos artigos 9º, 10º, 11º, 13º e 14º da Base Instrutória causam sofrimento moral à autora, a qual efetuou, em 06.11.2008, consulta de psiquiatria (resposta ao artigo 15º da Base Instrutória);
AG) Tinha a A. muito gosto e estava habituada a dançar, em praticar desporto e em passear (resposta ao artigo 18º da Base Instrutória);
AH) A autora padece de uma incapacidade parcial permanente fixável em 3 pontos (resposta ao artigo 20º da Base Instrutória);
AI. A autora auferia mensalmente 506,00€, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 3,60€ (resposta ao artigo 21º da Base Instrutória);
AJ. A A. recorreu ao Dr. G…, porque a mesma face às dores decorrentes do acidente se viu obrigada a tal (resposta ao artigo 22º da Base Instrutória);
AK. Os exames aludidos em H) e 1º) e o pagamento subsequente decorreram da necessidade que a A. teve de os fazer em virtude do acidente (resposta ao artigo 23º da Base Instrutória);
AL. O que igualmente sucedeu com o dispêndio de 172,00 € no tratamento fisiátrico que fez prescrito pelo Dr. G… (resposta ao artigo 24º da Base Instrutória);
AM. E com o pagamento de 20,00€ na realização de um RX igualmente prescrito pelo Dr. G… (resposta ao artigo 25º da Base Instrutória);
AN. Numa consulta de psiquiatria e duas de ortopedia, todas recebidas no E…, a 13 de novembro de 2008 e 21 e 28 de julho de 2008, respetivamente a A., o montante de 165,00 (resposta ao artigo 26º da Base Instrutória).
AO) No processo referido em O) foi proferida sentença que condenou a ora ré e a entidade patronal da autora a pagar uma pensão anual e vitalícia de 167,00€, obrigatoriamente remível, sendo 125,24€ a suportar pela ora ré e 41,85€ pela entidade patronal.
AP) Em 08.01.2010 a ré fez entrega à autora do capital de remição de 2.842,70€, declarando-se esta paga de todas as pensões até à data do cálculo.

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
1. Questão prévia: admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso
Requer a recorrida nas contra-alegações a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do artigo 684.º, n.º 1, do CPC, pretendendo que se “conheça dos fundamentos em que a sentença do tribunal a quo decaiu nos montantes peticionados.”
Depois concretiza esta pretensão reportando-se ao valor fixado a título de danos não patrimoniais (incluindo dano biológico, nas duas vertentes analisadas na sentença) e patrimoniais na parte referente aos lucros cessantes.
Afigura-se-nos, contudo, que não é admissível a ampliação do âmbito do recurso. Vejamos porquê.
Estipula o n.º 1 do artigo 684.º, n.º1, do CPC, do seguinte modo:
“No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.”
Resulta da parte inicial do preceito, conforme refere LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES[2] que o preceito se reporta aos “fundamentos da ação (causa de pedir) ou da defesa (excepções) impondo ao tribunal de recurso que se conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu (…),” sublinhando TEIXEIRA DE SOUSA[3] que o preceito se aplica quando “a acção comporta várias causas de pedir concorrentes ou a defesa se baseia em vários fundamentos e apenas uma daquelas causae petendi ou um destes fundamentos foi considerado procedente, a parte recorrida (ou vencedora) pode requerer a apreciação pelo tribunal ad quem da causa de pedir ou do fundamento que não foi julgado procedente.”
Na situação dos autos, em que está em apreciação a efetivação de responsabilidade civil por acidente de viação, embora complexa[4], a causa de pedir é única.
Em face da sentença proferida, o que se verifica, não é um decaimento da recorrida referente a algum dos fundamentos da ação, na aceção prevista no preceito, mas apenas o decaimento parcial no pedido formulado, melhor dizendo, nas componentes pecuniárias dos vários segmentos em que se desdobra o pedido formulado.
Por conseguinte, não se verificam os pressupostos da ampliação do âmbito do recurso previstos no referido normativo.
Havendo, porém, decaimento parcial na ação, e na parte em que a sentença lhe é desfavorável, ao abrigo dos artigos 680.º, n.º 1 e 682.º, n.º 1, do CPC, tinha a autora legitimidade para interpor recurso autónomo ou recurso subordinado, este a interpor na sequência do recurso interposto pela contraparte com incidência sobre o segmento em que ficou vencida.[5]
Porém, nenhum destes recursos foi interposto.
Em face do exposto, indefere-se a requerida ampliação do âmbito do recurso.

2. Aditamento da matéria de facto/anulação (parcial) do julgamento
Invoca a apelante que deve ser descontado no valor peticionado a título de lucros cessantes, o valor recebido pela autora no processo de acidente de trabalho, referente ao período de ITA e, caso assim, não se entenda, deve ser admitida a reclamação deduzida à fixação dos factos assentes e base instrutória, por não ter inserido a alegação do artigo 13.º da contestação, repetindo-se, nessa parte, o julgamento.
Analisando a questão, constata-se que a ré alegou naquele artigo da contestação que a autora, no âmbito do processo de acidente de trabalho que correu termos previamente à presente ação, recebeu da ora ré/apelante “a quantia de 1.235,03 € a título de perdas salariais, tendo a sua entidade patronal aceitado pagar-lhe, ao mesmo título, 412,61 € - doc. 4.”
Esse facto tem inegável interesse para a apreciação da causa, já que vigorando o princípio da não cumulação de indemnizações devidas a título de responsabilidade civil por acidente de trabalho e de viação, e sendo a ora ré a entidade que assumiu em relação aos dois tipos de responsabilidade, por força de diferentes contratos de seguro, a transferência da responsabilidade, a indemnização paga no processo de acidente de trabalho deverá ser levada em conta na condenação da seguradora em sede de acidente de viação (artigos 26.º e 95.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08 e artigo 31.º da Lei n.º 100/97, de 13/09[6]).
Por outro lado, a matéria alegada concernente ao pagamento da quantia de €1.235,03 por parte da seguradora infortunística, também aqui demandada, assume caráter excetivo, considerando o referido regime legal supra mencionado conjugado com o disposto no artigo 487.º, n.º 2, do CPC, por enformar causa extintiva, em parte, do alegado direito de ressarcimento em relação a danos de caráter patrimonial peticionados nesta ação.
Não tendo a autora apresentado réplica, atento o disposto nos artigos 502.º, n.º 1, 1.ª parte, 505.º e 490.º, n.º 2, do CPC, a factualidade referente ao alegado pagamento por parte da seguradora, ora recorrente, encontra-se admitida por acordo e deve passar a constar dos factos provados.[7]
Por conseguinte, procede nesta parte e com o sentido acima referido, a apelação, ficando prejudicada a apreciação da anulação parcial do julgamento, invocada subsidiariamente, pelo que nos termos dos preceitos já aludidos conjugados com os artigos 659.º, n.º 3 e 713.º, n.º 2, do CPC, adita-se aos factos provados a seguinte matéria:
AQ) No âmbito do processo de acidente de trabalho referido na alínea O) dos factos assentes, a autora recebeu da ora ré contestante, seguradora de acidente de trabalho, a quantia de €1.235,03, a título de perdas salariais.

3. Quantum indemnizatório
A apelante não questiona o segmento da sentença que imputou ao condutor do veículo segurado a culpa exclusiva na produção do acidente. Questiona apenas o quantum indemnizatório nos termos que infra melhor se analisarão, questionando todos os montantes, exceto o fixado a título de dano biológico, vertente não patrimonial, e dano patrimonial (de cálculo) relativo ao valor das despesas.
Passamos, então, a analisar as questões suscitadas.

3.1. Danos não patrimoniais
A sentença fixou a compensação, a título de danos não patrimoniais, em €15.000,00 (dano estético e dores sofridas), atualizada à data da sentença, a que acresceu o montante de €5.000,00 a título de dano biológico vertente não patrimonial, também atualizado à mesma data.
A apelante questiona o primeiro montante, entendendo que deve ser fixado em €10.000,00, aceitando o segundo.
Na análise destas questões, entendemos que a compensação a título de danos patrimoniais e dano biológico deve ser diferenciada.
Vejamos em primeiro lugar a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais propriamente ditos.
Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, e por via do disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, visando-se compensar as consequências passadas e futuras das lesões emergentes do acidente, que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, há-de ponderar-se a natureza e grau das lesões, as sequelas (físicas e psíquicas, sendo que, in casu, também releva a ponderação do dano estético), a hospitalização, os dias de internamento, o número e natureza dos tratamentos realizados e respetiva duração, o quantum doloris, os períodos de incapacidade, os sentimentos vivenciados perante o acidente, a situação anterior e posterior do ofendido no relacionamento com o meio familiar, profissional e social, o abaixamento da autoestima, o receio pelo futuro, a idade, a esperança de vida, etc.
Quanto ao dano não patrimonial relativo ao praetium doloris[8] e dano estético[9], a sentença fixou um montante global, não diferenciando o dano estético, pelo que também vamos seguir esse método na reponderação em curso.
O quadro factual relevante encontra-se plasmado nas alíneas D) a I), K) L), R), a AH) e AJ) dos factos provados.
Do provado, em termos sinópticos, destaca-se que a autora sofreu lesões no membro inferior direito, mais concretamente fratura tibial do prato externo do joelho direito, o que determinou a realização de vários exames médicos (RX, RMN e uma punção), medicação com analgésicos e tratamento fisiátrico durante um período de 4 meses (28 sessões, sendo 22 com fisioterapia). Esteve sem poder trabalhar, de baixa médica, 145 dias, sendo que em 96 desses dias esteve totalmente incapacitada e em 35 com incapacidade parcial.
Em virtude do acidente sofreu dores no joelho, mostrando-se inchado e vermelho. A perícia médico-legal fixou o quantum doloris no grau 5 numa escala de 7.
Decorrido um ano após o acidente, mantém edema no joelho, sem limitações de mobilidade ou atrofia, mas gera-lhe dificuldades quando sobe e desce escadas, quando está em pé por períodos superiores a um a hora e na execução das tarefas domésticas, sentindo dores. A perícia médico-legal fixou o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 3 pontos, enquadrando a lesão, por analogia, por haver atingimento cartilagíneo do joelho, em Mc 0633 (sequelas de lesões meniscais), considerando o coeficiente de valorização de 3 a 5 pontos, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II ao Decreto-Lei n.º 352/07, de 23/10).
Acresce que ficou com duas cicatrizes hipopigmentadas na face anterior do joelho, ténues, uma delas com 2 cm por 0, 5 cm e outra com 1 por 0,5 cm. A referida avaliação corporal fixou o dano estético permanente no grau 1 numa escala de 7.
As sequelas referidas determinaram restringimentos nas suas atividades lúdicas e recreativas (frequentar a praia e salões de baile, praticar desposto e passear), passando a ficar mais em casa, recatada e acabrunhada. Teve de receber apoio em consulta de psiquiatria.
Ora, todo este quadro factual revela gravidade suficiente para justificar a compensação a título de danos não patrimoniais, na medida adequada, com recurso a critérios de equidade, já que outros, neste domínio, são afastados pela própria natureza das coisas (artigos 496.º, n.º 1 e 3 e 494.º, do Código Civil).
De realçar que o quantum doloris atinge o grau considerável na referida escala[10] e, sobretudo, que a lesão sofrida, pela zona corporal atingida (zona meniscal de um joelho[11]) deixou sequelas avaliadas em valor percentual superior ao valor médio previsto no item da referida tabela, que se repercutirão para sempre na vida da autora, com as limitações funcionais associadas e acima mencionadas.
Por outro lado, quanto ao dano estético, embora a afetação da imagem da autora, em termos abstratos, considerando a referida escala de 1/7, se situe no primeiro grau (muito ligeiro), o arbitramento da correspondente compensação, embora não se possa alhear daquela graduação, deve ser feita atendendo ao circunstancialismo provado relativamente à afetação da imagem da vítima em relação a si e na relação com os outros. E nesse aspeto, a prova revelou que, em concreto, a imagem da autora se encontra, pelo menos perante ela própria, desvalorizada, de tal forma que a impede de realizar atividades que antes realizava, o que se reflete negativamente na sua maneira de ser e de estar.
Ponderando, por outro lado, a culpa exclusiva do causador do acidente, a irrelevância da situação económica deste, uma vez que a demandada é a seguradora, para quem se encontrava transferida a responsabilidade civil, a idade da autora no momento do acidente (29 anos), a severidade dos danos provados, o sofrimento passado, mas também aquele que será vivenciado no futuro, já que há sequelas que permanecem, e, ainda, o carácter compensatório deste tipo de reparação, entende-se que o valor fixado na sentença (€15.000,00, atualizado à data da mesma) corresponde a um valor minimamente adequado a compensar tal dano.
Improcede, nessa parte, a apelação.

3.2. Dano biológico
Vejamos agora esta componente do quantum indemnizatório. A sentença recorrida entendeu que deveria ser avaliado em duas vertentes: não patrimonial (fixando um valor de €5.000,00) e uma vertente patrimonial (dano futuro), fixando uma indemnização de €6.000,00, considerando que a esta indemnização já se encontra abatida a quantia paga a título de capital de remição (€2.842,79).
A posição da apelante já acima ficou mencionada. 
Desde já dizemos que não podemos acompanhar a sentença em toda a linha do raciocínio subjacente à fixação desta indemnização.
Em face da matéria de facto provada, importa ponderar, desde já, que a autora não ficou afetada na sua capacidade de trabalho, já que apenas se provou que, em consequência do acidente, ficou afetada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que foi fixada em 3 pontos, compatível com o exercício da sua atividade habitual, ainda que implique esforços suplementares.
Este parâmetro avalia a afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional em termos de rebate profissional, ou seja, se as lesões são ou não compatíveis com o exercício da atividade profissional (para toda e qualquer profissão ou se apenas para profissão habitual), se implicam ou não esforços complementares.
Este défice físico-psíquico (por vezes também designada por IPG – Incapacidade Permanente Geral) é indemnizável em sede de responsabilidade civil extracontratual.
É sabido que a lei civil, embora distinga entre danos patrimoniais e não patrimoniais, em função do prejuízo apresentar ou não conteúdo económico, consagra, contudo, a ressarcibilidade destas duas modalidades, ainda que sujeita a parâmetros de apreciação próprios, conforme resulta dos artigos 496.º, 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil.
O dano que se traduz na afetação da capacidade ou integridade física de uma pessoa, com reflexos no exercício da sua atividade profissional e na sua capacidade de ganho, é passível de avaliação pecuniária, reconduzindo-se à categoria de dano patrimonial.
Porém, se o défice funcional não se repercute na efetiva capacidade da vítima vir a desempenhar a sua atividade profissional ou na sua capacidade de ganho, embora ocorra uma sobrecarga de esforço para produção do mesmo resultado, em consequência da afetação de que ficou a padecer, o dano não tem uma feição estritamente patrimonial.
E considerando essa diminuição somático-psíquica, a jurisprudência e a doutrina têm apelidado este dano, de biológico ou fisiológico,[12] no fundo, um dano corporal, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem estar físico, psíquico e social.
Reportando-nos apenas à jurisprudência do STJ, verifica-se que, apesar de se atribuir um cariz essencialmente patrimonial ao dano biológico, já que pode ser ressarcido como dano patrimonial futuro, também se tem entendido que, em certas situações, pode sê-lo como dano não patrimonial.
Como refere o STJ[13]:
“O dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade”, acrescentando, contudo, que “…não parece oferecer dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial…”

Também tem sido considerado que o cálculo indemnizatório tem de atender às especificidades desta situação, que afinal se baseia em juízos de probabilidade e de verosimilhança, razão porque nem se quadra à situação uma fixação com base em tabelas e com recurso a fórmulas, geralmente utilizadas para o cálculo do dano patrimonial relativo à perda da capacidade de trabalho e de ganho, nem uma fixação como se tratasse de um dano não patrimonial, justificando-se, como também diz o STJ noutro aresto[14], uma “indemnização para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial”.
Consequentemente, e como tem também sido enfatizado pelo mesmo Supremo Tribunal, o recurso às tabelas tem carácter indicativo, a utilizar como forma de obviar a grandes disparidades e à discricionariedade, mas a solução do caso concreto há-de resultar da análise da sua especificidade, ajustando-se o resultado com recurso a um juízo de equidade, por aplicação do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Ora no caso presente, estando provado que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta a autora não se repercute ao nível da capacidade profissional e capacidade de ganho (exercício da atividade habitual), mas ao nível da sua capacidade funcional por exigir esforço suplementar, reflete-se, por conseguinte, nas atividades da vida diária, familiares, sociais e de lazer, é inequívoco que estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar a que alude o artigo 562.º do Código Civil e que o dano em causa terá de ser ressarcido, como dano biológico que é, com recurso, essencialmente, à equidade (artigo 564.º, n.º 2 e 566.º, n.º 3, do Código Civil).
Por conseguinte, e salvo o devido respeito, o dano em causa, atenta as concretas caraterísticas do mesmo, não carece de ser avaliado duplamente, em sede de dano não patrimonial e patrimonial. No caso, a avaliação em termos de dano biológico, na sua configuração como dano físico-psíquico, avaliado numa perspectiva de dano não patrimonial, dada a sua não incidência sobre a capacidade de trabalho ou ganho da autora, esgota o sentido ressarcitório previsto na lei.
Acresce que o facto do mesmo dano ter sido avaliado em sede laboral, fixando-se ali uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 3%, que gerou o direito à fixação de uma pensão obrigatoriamente remível e consequente entrega do capital de remição à sinistrada, em nada interfere na conclusão acima vertida, na medida em que o dano avaliado no processo de acidente de trabalho, embora provindo do messo facto – o acidente simultaneamente de viação e de trabalho –, é avaliado em função de diferentes perspetivas. No âmbito laboral, fora dos casos de morte, apenas está em causa a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, ou seja, apenas está em causa a perspetiva patrimonial da lesão, seja relacionada com a capacidade para o exercício de qualquer atividade laboral ou tão só para o exercício da atividade habitual. Já no âmbito da avaliação em sede de direito civil a perspectiva é mais ampla, abrangendo outros prismas do dano, que não a mera incidência na capacidade de trabalhar ou auferir proventos materiais com essa atividade.
Só existirá coincidência na avaliação, determinativa do funcionamento do já aludido artigo 31.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, se o mesmo dano (entenda-se a mesma perspectiva danosa causada pelo mesmo facto) tiver sido avaliado duplamente, atribuindo-se a cada uma das avaliações uma indemnização autónoma.
Ora não é o que sucede no caso presente, porque da avaliação feita nesta ação resultou que a autora não se encontra afetada na sua capacidade de trabalho ou de ganho, e esta é a avaliação que prevalece nesta sede.
Por consequência, não é lícito abater ao valor que lhe foi arbitrado em termos de dano biológico, considerando que a sua avaliação incide na perspectiva não patrimonial do mesmo, o valor recebido a título de capital de remição.
E sendo assim, o que releva nestes autos é a determinação do quantum indemnizatório do referido dano biológico na sua incidência como dano não patrimonial.
Considerando que a culpa na produção do acidente foi imputada, na totalidade, ao condutor do veículo segurado, que o referido défice funcional físico-psíquico foi fixado num valor relativamente baixo, sem reflexos na sua atividade habitual, embora envolva esforços suplementares proporcionais ao coeficiente atribuído, que à data do acidente a autora tinha 29 anos, presumindo-se que o desenrolar da sua vida profissional ativa[15] se prolongará até aos 65-70 anos, como a generalidade das pessoas que exercem uma atividade (sendo que a esperança média de vida para as mulheres é superior a 80 anos[16]), que o seu estatuto remuneratório correspondia na data do acidente a um salário médio mensal de €506,09, acrescido de €3,60x22 dias de subsídio de refeição, à luz do referido critério de equidade, que pressupõe meros juízos de verosimilhança e de probabilidade, não se olvidando que se ignora o devir das coisas, entende-se que a indemnização a título de dano patrimonial deve fixar-se em €13.000,00, valor este atualizado à data da sentença.

3.3. Dano patrimonial:
A autora reclamou o pagamento de €3.395,75 correspondente ao valor que auferiria durante o período de 5 meses em que esteve de baixa médica.
A sentença condenou a ré a pagar-lhe a quantia de €2.926,00, calculando tal valor com base no salário médio mensal (cfr. alínea O) dos factos provados) que deveria ter auferido no referido período.
Existindo um dano, atento o disposto nos artigos 562.º a 566.º do Código Civil, não sendo possível a reparação in natura, como sucede no caso presente, impõe-se ao lesante o dever de o reparar, reconstituindo a situação que existia se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. A indemnização é fixada em dinheiro, estabelecendo-se o seu quantum de acordo com a chamada «teoria da diferença» – a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.
No que concerne ao dano patrimonial traduzido na perda salarial (lucros cessantes), o valor da indemnização corresponde ao valor do vencimento auferido pela autora à data do acidente e que deixou de auferir por causa do mesmo.
No caso, corresponde ao valor mencionado na sentença, ou seja, €2.926, 45 [€506,09+(22dx€3,60)x5].
Porém, e conforme defende a apelante, a esse valor tem de ser subtraído o montante já recebido no âmbito do processo de acidente de trabalho, pago pela seguradora (já não aquele que seria da responsabilidade da entidade empregadora, uma vez que não está provado que o mesmo tenha sido pago; e mesmo que tal estivesse provado, nunca seria dedutível em relação à indemnização a cargo da seguradora por não ter sido a mesma a suportar tal pagamento), atento o disposto no já citado artigo 31.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 100/97.
Assim sendo, estando a ora apelante desonerada do pagamento das indemnizações pagas pelos períodos de ITA e ITP (no total de €1.253,03- cfr. alínea AQ) aditada aos factos provados), o valor da indemnização por este dano patrimonial cifra-se em €1.691,45.

Assim, e no cômputo global, a indemnização cifra-se em €29.691,45.

Os juros de mora relativamente às quantias objeto da condenação são devidos nos termos referidos na sentença, por esse segmento não se encontrar impugnado.

Dado o decaimento, apelante e apelada suportarão as custas devidas nas instâncias, na proporção do decaimento.

IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, e consequentemente, revogam parcialmente a sentença recorrida, condenando a ré Companhia de Seguros B…, S.A. a pagar à autora C… a quantia global de €29.691,45, correspondendo €15.000,00 à compensação pelos danos não patrimoniais, €13.000,00 à compensação pelo dano biológico e €1.691,45 à indemnização pelos danos patrimoniais, mantendo-se a mesma na parte não impugnada.
Custas nos termos sobreditos.

Porto, 10 de dezembro de 2012
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Carlos Pereira Gil 
Luís Filipe Brites Lameiras
________________
[1] Na sentença consta “joelho esquerdo”, mas por lapso, já que a fls. 259 foi ordenada a retificação da alínea E) dos factos assentes de modo a constar “joelho direito” em vez de “joelho esquerdo”, correção essa que não foi transposta para a sentença. Corrige-se, pois, o lapso, ao abrigo do artigo 249.º do Código Civil.
[2] LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, p. 35 (2).
[3] TEIXEIRA DE SOUSA, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 462.
[4] Complexa, porque como se refere no acórdão do STJ, de 14.07.2009, proc. 115/06.1TBVLG.S1, em www.dgsi.pt, “faz parte dessa causa de pedir não só o evento, o acidente em si, a culpa/risco, mas também a vertente dos prejuízos peticionados (a origem destes prejuízos e seu montante).”
[5] Cfr. ABRANTES GERALDES, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2008, p. 73.
[6] Diplomas que vigoravam à data do acidente, sendo que o primeiro aprovou o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil e o segundo, o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
[7] De referir que a parte da alegação relacionada com o pagamento que a entidade empregadora aceitou pagar já consta da alínea P) dos factos assentes, transposta para a correspondente alínea dos factos provados no alinhamento dos mesmos constantes da sentença.
[8] Temos como pressuposto na avaliação deste dano a valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela autora após o acidente, considerando as lesões sofridas, os tratamentos realizados, a sua recuperação, mas também as repercussões futuras.
[9] Temos como pressuposto na avaliação deste dano as sequelas da lesão, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação concreta e personalizada da afetação da imagem da vítima quer em relação a si, quer perante terceiros.
[10] Cfr. Ac. STJ, de 29.04.99, proc. 99B218, em www.dgsi.pt, que em relação à escala de 1 a 7, classifica os diferentes graus do quantum doloris e dano estético, nos seguintes termos: 1- muito ligeiro; 2- ligeiro; 3- moderado; 4- médio; 5- considerável; 6- importante e 7- muito importante.
[11] É do conhecimento geral que a articulação dos joelhos é a maior e mais complexa do corpo humano, mas também a mais vulnerável, já que suporta todo o nosso peso.
[12] Cfr., exemplificativamente, em termos de jurisprudência, o Ac. STJ, de 29.10.2008, proc. 08P3380; Ac. STJ, de 04.12.2007, proc. 07A3836; Ac. STJ, de 10.07.2007, proc. 08B2101; Ac. STJ, de 15.05.2008, prc. 08B1343; Ac. STJ, de 27.03.2008, proc. 08B761, em www.dgsi.pt. 
[13] Ac. STJ, de 27.10.2009, proc. 560/09.0YFLSB. No mesmo sentido, Ac. STJ, de 17.12.2009, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/123773" target="_blank">340/03.7TBPNH.C1</a>.S1; de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1 e de 20.05.2010, proc. 103/2002.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.
[14] Ac. STJ, de 10.07.2008, proc. 08B2101, em www.dgsi.pt. 
[15] Embora nos factos provados não conste a profissão da autora, constata-se que no documento referido na alínea O) dos factos assentes (Auto de Tentativa de Conciliação) é mencionado que a autora, à data do acidente, exercia as funções de empregada de balcão.
[16] No triénio 2006-2008 e no triénio 2009-2011, as tábuas de mortalidade divulgadas pelo INE, situam a esperança média de vida das mulheres em Portugal, respetivamente, em 81,74 e 82,30 anos – cfr. www.pordata.pt/Portugal.

Processo n.º 2604/09.7TBPVZ.P1 (Apelação) Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim (1.º Juízo Competência Cível) Apelante: Companhia de Seguros B…, S.A. Apelada: C… Sumário: Se a lesão resultante de acidente de viação apenas determina um maior dispêndio de esforço e energia na realização das tarefas diárias, este dano deve ser ressarcido como dano biológico que é, segundo os parâmetros da avaliação do dano não patrimonial, pelo que, na determinação do valor da compensação, não pode ser abatido o valor do capital de remição pago à sinistrada, no âmbito do processo de acidente de trabalho. Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO C… intentou a ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros B…, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €78.588,03, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, assim discriminada: - a título de danos não patrimoniais €40.000,00 (correspondendo €25.000,00 pelo desfeiamento e €15.000,00 pelo quantum doloris); - a título de danos patrimoniais - lucros cessantes –, €19.391,78; - pela incapacidade total temporária €3.395,75; - pelo dano funcional ou biológico €15.000,00; e - pelas despesas com tratamentos, consultas e exames €800,50. Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em suma, que no dia 16/07/2008, quando se encontrava no meio da passadeira destinada a peões, a atravessar a Rua …, na EN .., Póvoa de Varzim, foi colhida pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-TQ, conduzido pelo seu proprietário, D… e cuja responsabilidade civil emergente de acidentes de viação havia sido transferida para a ré, através da celebração de contrato de seguro. Em consequência a autora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos. A ré contestou, por impugnação, alegando, em síntese, que o acidente foi considerado também acidente de trabalho, tendo no âmbito desse processo, pago à autora, na qualidade de seguradora também da responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, a quantia de €1.235,03, a título de perdas salariais, tendo a sua entidade patronal aceitado pagar-lhe, ao mesmo título, €412,61. Concluiu pelo julgamento da ação de acordo com a prova a produzir. Foi proferido despacho saneador. Selecionou-se a factualidade assente e elaborou-se a base instrutória, que foi objeto de reclamações, decididas conforme consta de fls. 133. A fls. 111 veio a ré apresentar articulado superveniente, nos termos do artigo 506.º do Código de Processo Civil (CPC), alegando que correu termos no Tribunal do Trabalho de Barcelos, o processo nº 866/08.6TTBCL (acidente de trabalho) no qual foi proferida sentença que condenou a ré (bem como e entidade empregadora) a pagar à ora autora, uma pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, pelo que, em 08/01/2010, a ré fez entrega à autora do capital de remição de €2.842,70, declarando-se esta paga de todas as pensões até à data do cálculo. Concluiu que o capital de remição deve ser levado em consideração na indemnização a fixar. Tal articulado foi admitido liminarmente e cumprido o contraditório. Por despacho de fls. 137 considerou-se assente a matéria vertida no referido articulado, a ser considerada em sede de sentença. Durante a instrução foi realizada perícia médico-legal, cujo relatório se encontra junto a fls. 149-152 e 230-234. Realizado o julgamento, em 07/05/2012, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou “ré Companhia de Seguros B…, S.A. a pagar à autora C… a quantia total de 29.726.50€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento, quanto à quantia de 26.000€ e, desde a data da citação até integral pagamento, quanto à restante quantia, absolvendo-se a ré do demais peticionado pela autora.” Inconformada, apelou a ré, pugnando pela alteração da sentença em relação ao quantum indemnizatório. Contra-alegou a autora, e ampliou o âmbito do recurso ao abrigo do artigo 684.º, n.º 1, do CPC, pugnando pela alteração do valor fixado, mas em sentido oposto. Conclusões da apelante: “1. A indemnização fixada a título de dano não patrimonial, pelo Dano Estético e Dores Sofridas é excessivo. 2. Não sendo a dor e os sentimentos mensuráveis há que recorrer a juízos de equidade. 3. Quantificando o grau de intensidade do dano e especialmente o estético pelo mínimo, a realidade económica, política, social e cultural do país e os valores que vêm sendo sufragados pelos nossos Tribunais, a indemnização devida a este título não pode ser fixada em quantia superior a 10.000€, o que se requer. 4. A indemnização fixada de 5.000€ pelo dano biológico a título de dano não patrimonial (dano futuro) é justa e adequada. 5. Porque a Ré já pagou à A. a título de capital de remissão 2.842,79€, deve tal quantia ser deduzida no montante a pagar, sendo, assim, a este respeito, a Ré apenas ser condenada a pagar a quantia de 2.157,21€. 6. Não deverá ser fixada à A. qualquer indemnização por danos patrimoniais, relativamente à perda de capacidade de ganho (dano futuro) já que esta inexiste objectiva e subjectivamente, considerando, ainda, que a A. foi já indemnizada pelos esforços acrescidos para desempenho das suas funções. 7. Relativamente aos “ganhos cessantes” e ITA, deve a Ré ser condenada apenas a pagar a quantia de 1.278,36€, considerando que não foi deduzida a quantia já recebida de 1.647,64€, que a Ré e entidade patronal da A. foram condenadas a pagar no âmbito do processo decorrente do acidente dos autos que também foi de trabalho. 8. Assim, à quantia de 2.926,00€ deve-se deduzir os 1.647,64 que a Ré e entidade patronal da A. foram condenadas já a pagar, sob pena de enriquecimento sem causa da A.. 9. Caso assim não se entenda, o que apenas por dever de patrocínio se admite, deveria e deve ser atendida a reclamação à fixação dos factos assentes e Base Instrutória, nomeadamente deve ser selecionado para a Base Instrutória o alegado no artigo 13º da contestação, repetindo-se, nesta parte, o julgamento. Termos em que deve revogar-se a decisão recorrida, condenando-se a recorrente tão só na forma propugnada nestas alegações, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA. Foram violados: artigos 496º, 562º, 564º e 566º, todos do Código Civil.” Conclusões da apelada: “1.º- Os montantes indemnizatórios de €29.726,50 fixados na sentença em impugnação nem de perto, nem de longe, poderão compensar os danos sofridos e a sofrer pela A. 2.º- E se assim ocorre na sentença em análise, a situação agrava-se consideravelmente nas alegações do presente recurso, logo que a Ré atribui para os itens dano estético e quantum doloris apenas o valor conjunto de €10.000,00!... 3.º- E mais se agrava o desequilíbrio quanto à compensação entre danos sofridos e respectivos valores atribuídos nas alegações da Ré, e ainda a título de danos não patrimoniais, na versão de dano biológico (danos futuros), logo que esta as quantifica em €5.000,00!... 4.º- E agrava-se ainda mais o referenciado desequilíbrio, entre aqueles dois vectores, quando a Ré, recusando-se a ver o que vem decidido a págs. 26 da sentença em crise; 5.º- E a respeito do que alegou no seu recurso, a págs. 6 e 7, sobre os valores atribuídos para compensação do dano biológico, considerado nas duas versões (de dano não-patrimonial e dano patrimonial), ali declara que a A., no 1.º tipo de dano (dano não patrimonial), não deve ser ressarcida, porque não existe tal dano; e no 2.º tipo (dano patrimonial), que o mesmo já foi pago à A., em sede de processo de direito laboral. 6.º- E no entanto, a Ré esquece que a A., porque no fulgor dos seus 29 anos, e adornada pela beleza e graça de que era portadora, antes do evento, e exercendo a exigente actividade comercial, os danos porque sofreu, sofre e continuará sofrendo vida fora, devem ser valorados diferentemente do que ocorre num outro sinistrado não contemplado ou adstrito àquelas circunstâncias!... 7.º- Assim, como danos patrimoniais propriamente ditos e em qualquer das versões que os entendamos, a Ré só acaba por conceber, no presente processo, os parcos €2.926,00, mas que entretanto já os havia entregue à A., em sede do processo laboral referenciado na precedente 5.ª Cl.ª!... 8.º- E, na verdade, nos termos deduzidos da Tabela Financeira, elaborada na Faculdade de Economia do Porto, por Júlio Serra e João Antunes, e sempre cum grano salis, resulta ter a A. direito a ser ressarcida, por tal dano patrimonial, com o montante de, pelo menos, €19.391,78. 9.º- A título de danos morais, na versão do quantum doloris e prejuízo estético, considera a A. ter direito aos €40.000,00 reclamados na P. inicial. 10.º- E, na verdade, atendendo aos sofrimentos consistentes nas dores físicas e morais de que a A. é objecto, e consideradas nos itens 3 e 5, alínea C) destas contra-alegações, bem como ao desfeiamento anotado no presente trabalho, maxime no item 4 da mesma alínea C), só através do assim fixado ressarcimento de tais danos é que se há-de encontrar o equilíbrio entre esses danos sofridos e a atribuída soma. 11.º- Entendendo a A. não haverem sido correctamente ressarcidos os danos patrimoniais propriamente ditos e o dano biológico, (este considerado na sua versão de complemento, destinado a corrigir os resultados das tabelas numéricas utilizadas na medida dos danos físicos e morais das vitimais de acidentes de viação), a A. procede à ampliação do presente recurso, interposto pela Ré. 12.º- Como atrás (Cl.ª 7.ª), já se alegou, só através do emprego da escala numérica, referenciada nas sobreditas conclusões, é que os Magistrados Julgadores poderão eficazmente equacionar tal tipo de dano e manter-se a coberto do seu próprio subjectivismo!... 13.º- Daí que só atribuindo à A. aquela ali reclamada quantia (de €19.391,78), ocorrerá, data venia, o correcto ressarcimento da A. que, ditado pela referida tabela financeira, veio a resultar dos inerentes critérios científicos. 14.º- Pela entrega à A. dos reclamados €15.000,00, na respectiva acção e a título de dano biológico ou funcional e como que para correcção das demais parcelas indemnizatórias, resultantes das referenciadas tabelas financeiras, poderá esse Venerando Tribunal da Relação encontrar o real equilíbrio, entre os danos sofridos considerados em toda a sua plenitude, e a soma numérica assim atribuída!... 15.º- E, na verdade, se tal tipo de dano (dano biológico), está para além das dores físicas e morais, dos danos consistentes na perda dos lucros cessantes (ou danos futuros), e se tal tipo de dano antes consiste nas limitações difusas da actividade humana, não deve ele ser qualificado nem quantificado por tabelas financeiras de qualquer espécie. 16.º- É que se a alteração morfológica e psíquica do sinistrado, em resultado do evento causador do dano, tendo antes a ver com a perda da Felicidade e do Bemestar, (de que o mesmo sinistrado era portador antes do evento), a quantificação de tais prejuízos vitais, foge à percepção de tais tabelas financeiras ou outras, para se adstringir à equidade, como a expressão mais eloquente do princípio da justiça!... 17.º- No caso da A., e aliás, paralelamente aos demais sinistrados, este tipo de dano há-de repercutir-se no seu semblante, no doloroso constrangimento que a A. nos há-de patentear, e que vai sentir pela vida fora, por se ver diferente dos demais e do que se compreendia ser antes do evento!... 18.º- E de cujo estado há-de impedir a A. de gozar dos prazeres da vida, vista em todas as suas manifestações, lúdicas laborais sociais ou outras. 19.º- E tudo isto, e para além do mais, logo começando por a A. se ver impedida de subir ou descer escadas, de se manter em pé por períodos superiores a 1 hora, de ver o seu membro inferior afectado, cicatrizado e inchado, e mais ainda para o final do dia, e sempre mais quando persiste em manter-se em pé. 20.º- Assim pela atribuição à A. dos reclamados €78.588,03 na P. inicial, (sendo os €40.000,00 a título de danos morais, e sob a versão das dores e prejuízo estético e os restantes €38.588,03 a título de danos patrimoniais, dano funcional), esse venerando Tribunal fará vir a Justiça à sua epifania. 21.º -Nos termos da sentença em impugnação, e alegações da Ré, foram violados os art.ºs 483.º, 487.º, n.º 2, 562.º, 563.º e 564.º, n.º 2, todos do Código Civil. Termos em que e nos demais de direito que esse Venerando Tribunal irá suprir, atribuindo à A. as somas reclamadas na P. inicial da acção e, no final, dando procedente por provadas as pretensões da A., conformadoras da ampliação do presente recurso, far-se-á a esperada Justiça.” II- FUNDAMENTAÇÃO A- Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do CPC, redação atual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, as questões a decidir, sucessivamente, são: - Questão prévia: admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso; - Se deve ser aditada à base instrutória a factualidade alegada no artigo 13.º da contestação, ou assim não se entendendo, se deve ser anulado o julgamento com vista ao apuramento dessa factualidade; - Se deve ser alterado o quantum indemnizatório. B- De Facto A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto: A) O dia 16 de julho de 2008, pelas 8:55h, quando a A. atravessava uma passadeira destinada a peões, na Rua …, na Estrada Nacional nº.., da cidade da Póvoa de Varzim, foi colhida pelo veículo automóvel de marca Mercedes …, de matrícula ..-..-TQ (alínea A) dos Factos Assentes); B) O qual era conduzido pelo seu proprietário, D… (alínea B) dos Factos Assentes); C) A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação foi transferida para a Companhia de Seguros B…, através da celebração de contrato de seguro titulado pela apólice nº ……… (alínea C) dos Factos Assentes); D) A A. foi embatida lateralmente e atingida no seu membro inferior direito quando se encontrava a atravessar a passadeira de peões tendo já ultrapassado metade do respetivo trajeto (alínea D) dos Factos Assentes); E) Como resultado do acidente a A. sofreu fratura tibial do prato externo do joelho direito[1] (alínea E) dos Factos Assentes); F) Como consequência do acidente referido em A), a A- foi assistida no Hospital …, sendo aí submetida a exames de RX e medicamentada com analgésicos e todas as demais formas de tratamento adequadas à concreta situação (alínea F) dos Factos Assentes); G) Passados 3 dias e porquanto a A piorou do seu membro inferior, recorreu aos Serviços Clínicos da E…, (Hospital Privado …), onde aí foi objeto de uma punção a esse joelho afetado, em virtude do sangue coalhado que tal joelho continha, como resulta do documento junto aos autos a fls. 28 e cujo teor que se dá integralmente por reproduzido (alínea G) dos Factos Assentes); H) Passado uma semana e porque esse seu joelho continuava inchado e vermelho, a A. volta à E… onde um médico aí de serviço a envia para novos exames clínicos e, nomeadamente, uma ressonância magnética e um RX ambos ao aludido joelho, os quais foram executados no Gabinete do Dr. F… em Vila do Conde em 12/09/08, como resulta do documento junto aos autos a fls. 29 e 30 e cujo teor que se dá integralmente por reproduzido, tendo despendido 165,00€ (alínea H) dos Factos Assentes); I) Após os tratamentos referidos em F), G) e H) a A. foi assistida nos serviços clínicos da seguradora da Ré, C… (alínea I) dos Factos Assentes); J) À data do acidente a A. tinha 29 anos, como se retira da certidão de nascimento junto aos autos de fls. 35 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea J) dos Factos Assentes); K) Durante um período de quatro meses, e em 22 de 28 sessões, a A. recebeu tratamento fisiátrico numa Clínica de Vila do Conde, como resulta do documento junto aos autos a fls. 31 e 32 e cujo teor que se dá integralmente por reproduzido (alínea K) dos Factos Assentes); L) Passado um ano do acidente a A. apresenta um edema, a nível da coxa, perto do joelho direito (alínea L) dos Factos Assentes); M) O Dr. G…, médico especialista em ortopedia e traumatologia, emitiu três recibos em nome da A., datados de 14 e 20 de maio de 2009 e do dia 6 de outubro de 2008, no valor, respetivamente de 50,00 €, 50,00€ e 60,00 € (alínea M) dos Factos Assentes); N) Na realização dos exames clínicos referidos em H) e M) a Autora despendeu a quantia de 283,50€ (247,50€+36.00 €) (alínea N) dos Factos Assentes); O) Correu termos no tribunal de trabalho, o processo nº 866/08.6TTBCL, constando da ata de tentativa de conciliação que a A. declarou que auferia a retribuição anual de 7.956,46 €, correspondente a um salário mensal de 506,09 €, acrescido de 3,60 €x22 dias x11 meses de subsídio de alimentação, como resulta do documento junto aos autos de fls. 89 a 91 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea O) dos Factos Assentes); P) No âmbito do processo referido em O) a entidade patronal da aí sinistrada, aqui A., declarou que aceitava pagar-lhe o capital de remição correspondente à pensão anual de 62,76 €, com início no dia 25 de novembro de 2008 e bem assim o montante de 412,61 €, a título de diferenças nas incapacidades temporárias (17-07-08 a 20-10-08, 96 dias de ITA, de 21-10-08 a 24-11-08, ITP de 20%, 35 dias), como resulta do documento junto aos autos de fls. 89 a 91 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea P) dos Factos Assentes); Q) A A. foi submetida a exame médico-legal, na Delegação do Norte do INML, no qual se conclui que a data de consolidação médico-legal das lesões era fixável em 24-11-2008 e que a A. ficara com incapacidade permanente parcial fixável em 3%, como resulta do documento junto aos autos de fls. 62 a 65 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea Q) dos Factos Assentes); R) Do exame realizado pelo ILM a A. apresentava em 11 de fevereiro de 2009 edema no joelho sem limitações de mobilidade e sem atrofia, como resulta do documento junto aos autos de fls. 62 a 65 e cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido (alínea R) dos Factos Assentes); S) A A. esteve com incapacidade absoluta para o trabalho desde o dia do acidente até 20/10/2008 e com incapacidade temporária parcial desde 20/10/2008 até 24/11/2008 (alínea S) dos Factos Assentes); T) A autora teve alta clínica em 24 de novembro de 2008. U) Com o objetivo de proceder à sua recuperação, a A. fez mais um RMN ao seu joelho da H… (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória); V) Para a sua parcial recuperação a A. manteve-se 145 dias de baixa médica para o trabalho (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória); X) Em resultado da fratura ao nível do seu referido joelho, o mesmo passou a ficar inchado, e logo que a A. persiste em manter-se em pé por períodos superiores a 1 hora, tem esta necessidade em se sentar por sistemáticos períodos (resposta ao artigo 3º da Base Instrutória); Z) Pelo final do dia, tal inchamento é ainda mais acentuado (resposta ao artigo 4º da Base Instrutória); AA) Como consequência do acidente a autora apresenta as seguintes sequelas no membro inferior direito: duas cicatrizes hipopigmentadas na face anterior do joelho, ténues, uma delas com 2 por 0,5 cm e outra com 1 por 0,5 cm; atrofia muscular da coxa de 1 cm medida 15 cm acima da interlinha articular, sem atrofia na perna; edema do joelho; dor à flexão forçada do joelho nos últimos graus; ligeira dificuldade em executar extensão do joelho contra resistência (resposta aos artigo 5º e 6º da Base Instrutória); AB) Em consequência do acidente, a autora tem dores ao nível do joelho, as quais lhe dificultam subir, descer escadas, estar em pé por períodos superiores a uma hora e executar as tarefas domésticas (resposta aos artigos 7º e 8º da Base Instrutória); AC) Devido às sequelas referidas na resposta ao artigo 5º e 6º da Base Instrutória a autora passou a frequentar menos a praia, os salões de baile ou quaisquer locais onde tivesse que mostrar essa zona (resposta ao artigo 9º da Base Instrutória); AD) Antes do acidente a autora dançava nos salões de baile e era admirada pelas pessoas que com ela se cruzavam (resposta aos artigos 10º e 11º da Base Instrutória); AE) Após o acidente, a autora passou a frequentar menos os mesmos locais públicos de antes, ficando mais por casa, recatada e acabrunhada (resposta aos artigos 13º e 14º da Base Instrutória); AF) Os factos referidos nas respostas aos artigos 9º, 10º, 11º, 13º e 14º da Base Instrutória causam sofrimento moral à autora, a qual efetuou, em 06.11.2008, consulta de psiquiatria (resposta ao artigo 15º da Base Instrutória); AG) Tinha a A. muito gosto e estava habituada a dançar, em praticar desporto e em passear (resposta ao artigo 18º da Base Instrutória); AH) A autora padece de uma incapacidade parcial permanente fixável em 3 pontos (resposta ao artigo 20º da Base Instrutória); AI. A autora auferia mensalmente 506,00€, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 3,60€ (resposta ao artigo 21º da Base Instrutória); AJ. A A. recorreu ao Dr. G…, porque a mesma face às dores decorrentes do acidente se viu obrigada a tal (resposta ao artigo 22º da Base Instrutória); AK. Os exames aludidos em H) e 1º) e o pagamento subsequente decorreram da necessidade que a A. teve de os fazer em virtude do acidente (resposta ao artigo 23º da Base Instrutória); AL. O que igualmente sucedeu com o dispêndio de 172,00 € no tratamento fisiátrico que fez prescrito pelo Dr. G… (resposta ao artigo 24º da Base Instrutória); AM. E com o pagamento de 20,00€ na realização de um RX igualmente prescrito pelo Dr. G… (resposta ao artigo 25º da Base Instrutória); AN. Numa consulta de psiquiatria e duas de ortopedia, todas recebidas no E…, a 13 de novembro de 2008 e 21 e 28 de julho de 2008, respetivamente a A., o montante de 165,00 (resposta ao artigo 26º da Base Instrutória). AO) No processo referido em O) foi proferida sentença que condenou a ora ré e a entidade patronal da autora a pagar uma pensão anual e vitalícia de 167,00€, obrigatoriamente remível, sendo 125,24€ a suportar pela ora ré e 41,85€ pela entidade patronal. AP) Em 08.01.2010 a ré fez entrega à autora do capital de remição de 2.842,70€, declarando-se esta paga de todas as pensões até à data do cálculo. III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO 1. Questão prévia: admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso Requer a recorrida nas contra-alegações a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do artigo 684.º, n.º 1, do CPC, pretendendo que se “conheça dos fundamentos em que a sentença do tribunal a quo decaiu nos montantes peticionados.” Depois concretiza esta pretensão reportando-se ao valor fixado a título de danos não patrimoniais (incluindo dano biológico, nas duas vertentes analisadas na sentença) e patrimoniais na parte referente aos lucros cessantes. Afigura-se-nos, contudo, que não é admissível a ampliação do âmbito do recurso. Vejamos porquê. Estipula o n.º 1 do artigo 684.º, n.º1, do CPC, do seguinte modo: “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.” Resulta da parte inicial do preceito, conforme refere LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES[2] que o preceito se reporta aos “fundamentos da ação (causa de pedir) ou da defesa (excepções) impondo ao tribunal de recurso que se conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu (…),” sublinhando TEIXEIRA DE SOUSA[3] que o preceito se aplica quando “a acção comporta várias causas de pedir concorrentes ou a defesa se baseia em vários fundamentos e apenas uma daquelas causae petendi ou um destes fundamentos foi considerado procedente, a parte recorrida (ou vencedora) pode requerer a apreciação pelo tribunal ad quem da causa de pedir ou do fundamento que não foi julgado procedente.” Na situação dos autos, em que está em apreciação a efetivação de responsabilidade civil por acidente de viação, embora complexa[4], a causa de pedir é única. Em face da sentença proferida, o que se verifica, não é um decaimento da recorrida referente a algum dos fundamentos da ação, na aceção prevista no preceito, mas apenas o decaimento parcial no pedido formulado, melhor dizendo, nas componentes pecuniárias dos vários segmentos em que se desdobra o pedido formulado. Por conseguinte, não se verificam os pressupostos da ampliação do âmbito do recurso previstos no referido normativo. Havendo, porém, decaimento parcial na ação, e na parte em que a sentença lhe é desfavorável, ao abrigo dos artigos 680.º, n.º 1 e 682.º, n.º 1, do CPC, tinha a autora legitimidade para interpor recurso autónomo ou recurso subordinado, este a interpor na sequência do recurso interposto pela contraparte com incidência sobre o segmento em que ficou vencida.[5] Porém, nenhum destes recursos foi interposto. Em face do exposto, indefere-se a requerida ampliação do âmbito do recurso. 2. Aditamento da matéria de facto/anulação (parcial) do julgamento Invoca a apelante que deve ser descontado no valor peticionado a título de lucros cessantes, o valor recebido pela autora no processo de acidente de trabalho, referente ao período de ITA e, caso assim, não se entenda, deve ser admitida a reclamação deduzida à fixação dos factos assentes e base instrutória, por não ter inserido a alegação do artigo 13.º da contestação, repetindo-se, nessa parte, o julgamento. Analisando a questão, constata-se que a ré alegou naquele artigo da contestação que a autora, no âmbito do processo de acidente de trabalho que correu termos previamente à presente ação, recebeu da ora ré/apelante “a quantia de 1.235,03 € a título de perdas salariais, tendo a sua entidade patronal aceitado pagar-lhe, ao mesmo título, 412,61 € - doc. 4.” Esse facto tem inegável interesse para a apreciação da causa, já que vigorando o princípio da não cumulação de indemnizações devidas a título de responsabilidade civil por acidente de trabalho e de viação, e sendo a ora ré a entidade que assumiu em relação aos dois tipos de responsabilidade, por força de diferentes contratos de seguro, a transferência da responsabilidade, a indemnização paga no processo de acidente de trabalho deverá ser levada em conta na condenação da seguradora em sede de acidente de viação (artigos 26.º e 95.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08 e artigo 31.º da Lei n.º 100/97, de 13/09[6]). Por outro lado, a matéria alegada concernente ao pagamento da quantia de €1.235,03 por parte da seguradora infortunística, também aqui demandada, assume caráter excetivo, considerando o referido regime legal supra mencionado conjugado com o disposto no artigo 487.º, n.º 2, do CPC, por enformar causa extintiva, em parte, do alegado direito de ressarcimento em relação a danos de caráter patrimonial peticionados nesta ação. Não tendo a autora apresentado réplica, atento o disposto nos artigos 502.º, n.º 1, 1.ª parte, 505.º e 490.º, n.º 2, do CPC, a factualidade referente ao alegado pagamento por parte da seguradora, ora recorrente, encontra-se admitida por acordo e deve passar a constar dos factos provados.[7] Por conseguinte, procede nesta parte e com o sentido acima referido, a apelação, ficando prejudicada a apreciação da anulação parcial do julgamento, invocada subsidiariamente, pelo que nos termos dos preceitos já aludidos conjugados com os artigos 659.º, n.º 3 e 713.º, n.º 2, do CPC, adita-se aos factos provados a seguinte matéria: AQ) No âmbito do processo de acidente de trabalho referido na alínea O) dos factos assentes, a autora recebeu da ora ré contestante, seguradora de acidente de trabalho, a quantia de €1.235,03, a título de perdas salariais. 3. Quantum indemnizatório A apelante não questiona o segmento da sentença que imputou ao condutor do veículo segurado a culpa exclusiva na produção do acidente. Questiona apenas o quantum indemnizatório nos termos que infra melhor se analisarão, questionando todos os montantes, exceto o fixado a título de dano biológico, vertente não patrimonial, e dano patrimonial (de cálculo) relativo ao valor das despesas. Passamos, então, a analisar as questões suscitadas. 3.1. Danos não patrimoniais A sentença fixou a compensação, a título de danos não patrimoniais, em €15.000,00 (dano estético e dores sofridas), atualizada à data da sentença, a que acresceu o montante de €5.000,00 a título de dano biológico vertente não patrimonial, também atualizado à mesma data. A apelante questiona o primeiro montante, entendendo que deve ser fixado em €10.000,00, aceitando o segundo. Na análise destas questões, entendemos que a compensação a título de danos patrimoniais e dano biológico deve ser diferenciada. Vejamos em primeiro lugar a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais propriamente ditos. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, e por via do disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, visando-se compensar as consequências passadas e futuras das lesões emergentes do acidente, que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, há-de ponderar-se a natureza e grau das lesões, as sequelas (físicas e psíquicas, sendo que, in casu, também releva a ponderação do dano estético), a hospitalização, os dias de internamento, o número e natureza dos tratamentos realizados e respetiva duração, o quantum doloris, os períodos de incapacidade, os sentimentos vivenciados perante o acidente, a situação anterior e posterior do ofendido no relacionamento com o meio familiar, profissional e social, o abaixamento da autoestima, o receio pelo futuro, a idade, a esperança de vida, etc. Quanto ao dano não patrimonial relativo ao praetium doloris[8] e dano estético[9], a sentença fixou um montante global, não diferenciando o dano estético, pelo que também vamos seguir esse método na reponderação em curso. O quadro factual relevante encontra-se plasmado nas alíneas D) a I), K) L), R), a AH) e AJ) dos factos provados. Do provado, em termos sinópticos, destaca-se que a autora sofreu lesões no membro inferior direito, mais concretamente fratura tibial do prato externo do joelho direito, o que determinou a realização de vários exames médicos (RX, RMN e uma punção), medicação com analgésicos e tratamento fisiátrico durante um período de 4 meses (28 sessões, sendo 22 com fisioterapia). Esteve sem poder trabalhar, de baixa médica, 145 dias, sendo que em 96 desses dias esteve totalmente incapacitada e em 35 com incapacidade parcial. Em virtude do acidente sofreu dores no joelho, mostrando-se inchado e vermelho. A perícia médico-legal fixou o quantum doloris no grau 5 numa escala de 7. Decorrido um ano após o acidente, mantém edema no joelho, sem limitações de mobilidade ou atrofia, mas gera-lhe dificuldades quando sobe e desce escadas, quando está em pé por períodos superiores a um a hora e na execução das tarefas domésticas, sentindo dores. A perícia médico-legal fixou o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 3 pontos, enquadrando a lesão, por analogia, por haver atingimento cartilagíneo do joelho, em Mc 0633 (sequelas de lesões meniscais), considerando o coeficiente de valorização de 3 a 5 pontos, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II ao Decreto-Lei n.º 352/07, de 23/10). Acresce que ficou com duas cicatrizes hipopigmentadas na face anterior do joelho, ténues, uma delas com 2 cm por 0, 5 cm e outra com 1 por 0,5 cm. A referida avaliação corporal fixou o dano estético permanente no grau 1 numa escala de 7. As sequelas referidas determinaram restringimentos nas suas atividades lúdicas e recreativas (frequentar a praia e salões de baile, praticar desposto e passear), passando a ficar mais em casa, recatada e acabrunhada. Teve de receber apoio em consulta de psiquiatria. Ora, todo este quadro factual revela gravidade suficiente para justificar a compensação a título de danos não patrimoniais, na medida adequada, com recurso a critérios de equidade, já que outros, neste domínio, são afastados pela própria natureza das coisas (artigos 496.º, n.º 1 e 3 e 494.º, do Código Civil). De realçar que o quantum doloris atinge o grau considerável na referida escala[10] e, sobretudo, que a lesão sofrida, pela zona corporal atingida (zona meniscal de um joelho[11]) deixou sequelas avaliadas em valor percentual superior ao valor médio previsto no item da referida tabela, que se repercutirão para sempre na vida da autora, com as limitações funcionais associadas e acima mencionadas. Por outro lado, quanto ao dano estético, embora a afetação da imagem da autora, em termos abstratos, considerando a referida escala de 1/7, se situe no primeiro grau (muito ligeiro), o arbitramento da correspondente compensação, embora não se possa alhear daquela graduação, deve ser feita atendendo ao circunstancialismo provado relativamente à afetação da imagem da vítima em relação a si e na relação com os outros. E nesse aspeto, a prova revelou que, em concreto, a imagem da autora se encontra, pelo menos perante ela própria, desvalorizada, de tal forma que a impede de realizar atividades que antes realizava, o que se reflete negativamente na sua maneira de ser e de estar. Ponderando, por outro lado, a culpa exclusiva do causador do acidente, a irrelevância da situação económica deste, uma vez que a demandada é a seguradora, para quem se encontrava transferida a responsabilidade civil, a idade da autora no momento do acidente (29 anos), a severidade dos danos provados, o sofrimento passado, mas também aquele que será vivenciado no futuro, já que há sequelas que permanecem, e, ainda, o carácter compensatório deste tipo de reparação, entende-se que o valor fixado na sentença (€15.000,00, atualizado à data da mesma) corresponde a um valor minimamente adequado a compensar tal dano. Improcede, nessa parte, a apelação. 3.2. Dano biológico Vejamos agora esta componente do quantum indemnizatório. A sentença recorrida entendeu que deveria ser avaliado em duas vertentes: não patrimonial (fixando um valor de €5.000,00) e uma vertente patrimonial (dano futuro), fixando uma indemnização de €6.000,00, considerando que a esta indemnização já se encontra abatida a quantia paga a título de capital de remição (€2.842,79). A posição da apelante já acima ficou mencionada. Desde já dizemos que não podemos acompanhar a sentença em toda a linha do raciocínio subjacente à fixação desta indemnização. Em face da matéria de facto provada, importa ponderar, desde já, que a autora não ficou afetada na sua capacidade de trabalho, já que apenas se provou que, em consequência do acidente, ficou afetada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que foi fixada em 3 pontos, compatível com o exercício da sua atividade habitual, ainda que implique esforços suplementares. Este parâmetro avalia a afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, pronunciando-se, ainda, no sentido do reflexo do prejuízo funcional em termos de rebate profissional, ou seja, se as lesões são ou não compatíveis com o exercício da atividade profissional (para toda e qualquer profissão ou se apenas para profissão habitual), se implicam ou não esforços complementares. Este défice físico-psíquico (por vezes também designada por IPG – Incapacidade Permanente Geral) é indemnizável em sede de responsabilidade civil extracontratual. É sabido que a lei civil, embora distinga entre danos patrimoniais e não patrimoniais, em função do prejuízo apresentar ou não conteúdo económico, consagra, contudo, a ressarcibilidade destas duas modalidades, ainda que sujeita a parâmetros de apreciação próprios, conforme resulta dos artigos 496.º, 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil. O dano que se traduz na afetação da capacidade ou integridade física de uma pessoa, com reflexos no exercício da sua atividade profissional e na sua capacidade de ganho, é passível de avaliação pecuniária, reconduzindo-se à categoria de dano patrimonial. Porém, se o défice funcional não se repercute na efetiva capacidade da vítima vir a desempenhar a sua atividade profissional ou na sua capacidade de ganho, embora ocorra uma sobrecarga de esforço para produção do mesmo resultado, em consequência da afetação de que ficou a padecer, o dano não tem uma feição estritamente patrimonial. E considerando essa diminuição somático-psíquica, a jurisprudência e a doutrina têm apelidado este dano, de biológico ou fisiológico,[12] no fundo, um dano corporal, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem estar físico, psíquico e social. Reportando-nos apenas à jurisprudência do STJ, verifica-se que, apesar de se atribuir um cariz essencialmente patrimonial ao dano biológico, já que pode ser ressarcido como dano patrimonial futuro, também se tem entendido que, em certas situações, pode sê-lo como dano não patrimonial. Como refere o STJ[13]: “O dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade”, acrescentando, contudo, que “…não parece oferecer dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial…” Também tem sido considerado que o cálculo indemnizatório tem de atender às especificidades desta situação, que afinal se baseia em juízos de probabilidade e de verosimilhança, razão porque nem se quadra à situação uma fixação com base em tabelas e com recurso a fórmulas, geralmente utilizadas para o cálculo do dano patrimonial relativo à perda da capacidade de trabalho e de ganho, nem uma fixação como se tratasse de um dano não patrimonial, justificando-se, como também diz o STJ noutro aresto[14], uma “indemnização para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial”. Consequentemente, e como tem também sido enfatizado pelo mesmo Supremo Tribunal, o recurso às tabelas tem carácter indicativo, a utilizar como forma de obviar a grandes disparidades e à discricionariedade, mas a solução do caso concreto há-de resultar da análise da sua especificidade, ajustando-se o resultado com recurso a um juízo de equidade, por aplicação do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil. Ora no caso presente, estando provado que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta a autora não se repercute ao nível da capacidade profissional e capacidade de ganho (exercício da atividade habitual), mas ao nível da sua capacidade funcional por exigir esforço suplementar, reflete-se, por conseguinte, nas atividades da vida diária, familiares, sociais e de lazer, é inequívoco que estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar a que alude o artigo 562.º do Código Civil e que o dano em causa terá de ser ressarcido, como dano biológico que é, com recurso, essencialmente, à equidade (artigo 564.º, n.º 2 e 566.º, n.º 3, do Código Civil). Por conseguinte, e salvo o devido respeito, o dano em causa, atenta as concretas caraterísticas do mesmo, não carece de ser avaliado duplamente, em sede de dano não patrimonial e patrimonial. No caso, a avaliação em termos de dano biológico, na sua configuração como dano físico-psíquico, avaliado numa perspectiva de dano não patrimonial, dada a sua não incidência sobre a capacidade de trabalho ou ganho da autora, esgota o sentido ressarcitório previsto na lei. Acresce que o facto do mesmo dano ter sido avaliado em sede laboral, fixando-se ali uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 3%, que gerou o direito à fixação de uma pensão obrigatoriamente remível e consequente entrega do capital de remição à sinistrada, em nada interfere na conclusão acima vertida, na medida em que o dano avaliado no processo de acidente de trabalho, embora provindo do messo facto – o acidente simultaneamente de viação e de trabalho –, é avaliado em função de diferentes perspetivas. No âmbito laboral, fora dos casos de morte, apenas está em causa a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, ou seja, apenas está em causa a perspetiva patrimonial da lesão, seja relacionada com a capacidade para o exercício de qualquer atividade laboral ou tão só para o exercício da atividade habitual. Já no âmbito da avaliação em sede de direito civil a perspectiva é mais ampla, abrangendo outros prismas do dano, que não a mera incidência na capacidade de trabalhar ou auferir proventos materiais com essa atividade. Só existirá coincidência na avaliação, determinativa do funcionamento do já aludido artigo 31.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, se o mesmo dano (entenda-se a mesma perspectiva danosa causada pelo mesmo facto) tiver sido avaliado duplamente, atribuindo-se a cada uma das avaliações uma indemnização autónoma. Ora não é o que sucede no caso presente, porque da avaliação feita nesta ação resultou que a autora não se encontra afetada na sua capacidade de trabalho ou de ganho, e esta é a avaliação que prevalece nesta sede. Por consequência, não é lícito abater ao valor que lhe foi arbitrado em termos de dano biológico, considerando que a sua avaliação incide na perspectiva não patrimonial do mesmo, o valor recebido a título de capital de remição. E sendo assim, o que releva nestes autos é a determinação do quantum indemnizatório do referido dano biológico na sua incidência como dano não patrimonial. Considerando que a culpa na produção do acidente foi imputada, na totalidade, ao condutor do veículo segurado, que o referido défice funcional físico-psíquico foi fixado num valor relativamente baixo, sem reflexos na sua atividade habitual, embora envolva esforços suplementares proporcionais ao coeficiente atribuído, que à data do acidente a autora tinha 29 anos, presumindo-se que o desenrolar da sua vida profissional ativa[15] se prolongará até aos 65-70 anos, como a generalidade das pessoas que exercem uma atividade (sendo que a esperança média de vida para as mulheres é superior a 80 anos[16]), que o seu estatuto remuneratório correspondia na data do acidente a um salário médio mensal de €506,09, acrescido de €3,60x22 dias de subsídio de refeição, à luz do referido critério de equidade, que pressupõe meros juízos de verosimilhança e de probabilidade, não se olvidando que se ignora o devir das coisas, entende-se que a indemnização a título de dano patrimonial deve fixar-se em €13.000,00, valor este atualizado à data da sentença. 3.3. Dano patrimonial: A autora reclamou o pagamento de €3.395,75 correspondente ao valor que auferiria durante o período de 5 meses em que esteve de baixa médica. A sentença condenou a ré a pagar-lhe a quantia de €2.926,00, calculando tal valor com base no salário médio mensal (cfr. alínea O) dos factos provados) que deveria ter auferido no referido período. Existindo um dano, atento o disposto nos artigos 562.º a 566.º do Código Civil, não sendo possível a reparação in natura, como sucede no caso presente, impõe-se ao lesante o dever de o reparar, reconstituindo a situação que existia se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. A indemnização é fixada em dinheiro, estabelecendo-se o seu quantum de acordo com a chamada «teoria da diferença» – a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos. No que concerne ao dano patrimonial traduzido na perda salarial (lucros cessantes), o valor da indemnização corresponde ao valor do vencimento auferido pela autora à data do acidente e que deixou de auferir por causa do mesmo. No caso, corresponde ao valor mencionado na sentença, ou seja, €2.926, 45 [€506,09+(22dx€3,60)x5]. Porém, e conforme defende a apelante, a esse valor tem de ser subtraído o montante já recebido no âmbito do processo de acidente de trabalho, pago pela seguradora (já não aquele que seria da responsabilidade da entidade empregadora, uma vez que não está provado que o mesmo tenha sido pago; e mesmo que tal estivesse provado, nunca seria dedutível em relação à indemnização a cargo da seguradora por não ter sido a mesma a suportar tal pagamento), atento o disposto no já citado artigo 31.º, n.º 1 e 3 da Lei n.º 100/97. Assim sendo, estando a ora apelante desonerada do pagamento das indemnizações pagas pelos períodos de ITA e ITP (no total de €1.253,03- cfr. alínea AQ) aditada aos factos provados), o valor da indemnização por este dano patrimonial cifra-se em €1.691,45. Assim, e no cômputo global, a indemnização cifra-se em €29.691,45. Os juros de mora relativamente às quantias objeto da condenação são devidos nos termos referidos na sentença, por esse segmento não se encontrar impugnado. Dado o decaimento, apelante e apelada suportarão as custas devidas nas instâncias, na proporção do decaimento. IV- DECISÃO Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, e consequentemente, revogam parcialmente a sentença recorrida, condenando a ré Companhia de Seguros B…, S.A. a pagar à autora C… a quantia global de €29.691,45, correspondendo €15.000,00 à compensação pelos danos não patrimoniais, €13.000,00 à compensação pelo dano biológico e €1.691,45 à indemnização pelos danos patrimoniais, mantendo-se a mesma na parte não impugnada. Custas nos termos sobreditos. Porto, 10 de dezembro de 2012 Maria Adelaide de Jesus Domingos Carlos Pereira Gil Luís Filipe Brites Lameiras ________________ [1] Na sentença consta “joelho esquerdo”, mas por lapso, já que a fls. 259 foi ordenada a retificação da alínea E) dos factos assentes de modo a constar “joelho direito” em vez de “joelho esquerdo”, correção essa que não foi transposta para a sentença. Corrige-se, pois, o lapso, ao abrigo do artigo 249.º do Código Civil. [2] LEBRE DE FREITAS/RIBEIRO MENDES, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, p. 35 (2). [3] TEIXEIRA DE SOUSA, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 462. [4] Complexa, porque como se refere no acórdão do STJ, de 14.07.2009, proc. 115/06.1TBVLG.S1, em www.dgsi.pt, “faz parte dessa causa de pedir não só o evento, o acidente em si, a culpa/risco, mas também a vertente dos prejuízos peticionados (a origem destes prejuízos e seu montante).” [5] Cfr. ABRANTES GERALDES, “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, Almedina, 2008, p. 73. [6] Diplomas que vigoravam à data do acidente, sendo que o primeiro aprovou o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil e o segundo, o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais. [7] De referir que a parte da alegação relacionada com o pagamento que a entidade empregadora aceitou pagar já consta da alínea P) dos factos assentes, transposta para a correspondente alínea dos factos provados no alinhamento dos mesmos constantes da sentença. [8] Temos como pressuposto na avaliação deste dano a valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela autora após o acidente, considerando as lesões sofridas, os tratamentos realizados, a sua recuperação, mas também as repercussões futuras. [9] Temos como pressuposto na avaliação deste dano as sequelas da lesão, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação concreta e personalizada da afetação da imagem da vítima quer em relação a si, quer perante terceiros. [10] Cfr. Ac. STJ, de 29.04.99, proc. 99B218, em www.dgsi.pt, que em relação à escala de 1 a 7, classifica os diferentes graus do quantum doloris e dano estético, nos seguintes termos: 1- muito ligeiro; 2- ligeiro; 3- moderado; 4- médio; 5- considerável; 6- importante e 7- muito importante. [11] É do conhecimento geral que a articulação dos joelhos é a maior e mais complexa do corpo humano, mas também a mais vulnerável, já que suporta todo o nosso peso. [12] Cfr., exemplificativamente, em termos de jurisprudência, o Ac. STJ, de 29.10.2008, proc. 08P3380; Ac. STJ, de 04.12.2007, proc. 07A3836; Ac. STJ, de 10.07.2007, proc. 08B2101; Ac. STJ, de 15.05.2008, prc. 08B1343; Ac. STJ, de 27.03.2008, proc. 08B761, em www.dgsi.pt. [13] Ac. STJ, de 27.10.2009, proc. 560/09.0YFLSB. No mesmo sentido, Ac. STJ, de 17.12.2009, proc. 340/03.7TBPNH.C1.S1; de 20.01.2010, proc. 203/99.9TBVRL.P1.S1 e de 20.05.2010, proc. 103/2002.L1.S1, todos in www.dgsi.pt. [14] Ac. STJ, de 10.07.2008, proc. 08B2101, em www.dgsi.pt. [15] Embora nos factos provados não conste a profissão da autora, constata-se que no documento referido na alínea O) dos factos assentes (Auto de Tentativa de Conciliação) é mencionado que a autora, à data do acidente, exercia as funções de empregada de balcão. [16] No triénio 2006-2008 e no triénio 2009-2011, as tábuas de mortalidade divulgadas pelo INE, situam a esperança média de vida das mulheres em Portugal, respetivamente, em 81,74 e 82,30 anos – cfr. www.pordata.pt/Portugal.