Processo:32895/12.0YIPRT.P1
Data do Acordão: 17/12/2013Relator: FERNANDO SAMÕESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

A injunção que se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor superior a 15.000,00 € e inferior a 30.000,00 €, requerida depois de 1/1/2008 e em cujo requerimento não se alegue que elas emergem de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/2, à qual tenha sido deduzida oposição, não pode seguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, por se verificar um obstáculo impeditivo do conhecimento do mérito, que, por não permitir qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, dá lugar à absolvição da instância.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
FERNANDO SAMÕES
Descritores
INJUNÇÃO PROSSEGUIMENTO COMO ACÇÃO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
No do documento
Data do Acordão
12/18/2013
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
REVOGADA
Sumário
A injunção que se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor superior a 15.000,00 € e inferior a 30.000,00 €, requerida depois de 1/1/2008 e em cujo requerimento não se alegue que elas emergem de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/2, à qual tenha sido deduzida oposição, não pode seguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, por se verificar um obstáculo impeditivo do conhecimento do mérito, que, por não permitir qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, dá lugar à absolvição da instância.
Decisão integral
Processo n.º 32895/12.0YIPRT.P1 *Relator: Fernando Samões 
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró

Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção:

I. Relatório

B…, requereu procedimento de injunção contra C… e mulher D…, melhor identificados no respectivo requerimento de fls. 2, apresentado em 25/2/2012, peticionando o pagamento da quantia de 17.476,99 €, correspondente ao capital de 15.435,65 €, juros de mora de 1.811,84 € e taxa de justiça paga no valor de 229,50 €, acrescida de juros vincendos, à taxa e sobretaxa convencionadas, e do imposto de selo à taxa de 4%. Fundamenta tal pretensão no incumprimento de um contrato de mútuo, no montante de 22.011,30 €, que celebrou, em 21/2/2008, com os requeridos e que estes se obrigaram a reembolsar, com juros remuneratórios à taxa de 8,5%, acrescidos de uma sobretaxa de 4% em caso de mora, em 96 prestações mensais e sucessivas, mas que deixaram de pagar a partir de 21/5/2011. 

Os requeridos deduziram oposição, excepcionando a inadmissibilidade legal do procedimento de injunção e impugnando os factos alegados, invocando o pagamento de todas as prestações que o requerente diz estarem por liquidar. Concluiu pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, pela absolvição do pedido.

Apresentados os autos à distribuição e distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato ao 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, teve lugar a audiência de discussão e julgamento no dia 17 de Outubro de 2012, onde o autor tomou posição sobre a oposição deduzida, tendo defendido a adequação da forma que escolheu, visto a obrigação reclamada emergir de transacção comercial, e impugnado o pagamento, afirmando que os depósitos efectuados foram para pagamento doutros empréstimos. Juntos documentos e inquirida uma testemunha, em 15/11/2012, foi redigida sentença que decidiu julgar improcedente a excepção da impropriedade do meio e julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a pagar ao autor “a quantia que corresponder ao capital em dívida das 38ª à 96ª prestação, a que reporta o empréstimo concedido em 21.2.2008, pelo montante global de € 22.011,30, a liquidar em execução de sentença, a que acrescem juros vincendos, desde de 21 de Maio de 2008, até efectivo e integral pagamento, a calcular à taxa anual de 12,5% sobre a quantia de capital em dívida.”

Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes extensas, complexas e algumas inúteis [1] conclusões:
“A. Como questão prévia, não poderia o signatário do presente deixar de salientar que o Tribunal a quo nos tem habituado a que invariavelmente sejam proferidas justas e sábias decisões, pautando-se por um elevado sentido de rigor e justiça.
B. Porque se acredita que dessa forma é dignificada a realização da justiça, cumpre ainda saudar a Meritíssima Juíza a quo pela sua frequente postura de cumprimento escrupuloso dos deveres de correcção, respeito, estreita colaboração e urbanidade, sempre na busca da verdade material.
C. Porém, acredita-se que nestes autos em particular, não foi proferida a decisão mais acertada, razão pela qual se recorre.
D. Na sua oposição, os recorrentes deduziram uma excepção dilatória conducente à absolvição da instância por inadmissibilidade do procedimento de injunção.
E. Com efeito, na causa de pedir o Banco recorrido fazia menção a um contrato de mútuo no valor de € 22.011,30 peticionando a condenação dos aqui apelantes (pessoas singulares) no pagamento de € 15.435,65 por falta de pagamento de prestações relativas a tal contrato.
F. Ora, é certo que o valor peticionado não dizia então respeito a qualquer transacção comercial entre empresas, nem o Banco apelado alegou sequer quaisquer factos nesse sentido.
G. Dispõe o artigo 7º do Regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro que se considera injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transacções abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.
H. Resultando do artigo 1º do diploma preambular (o Decreto-Lei nº 269/98) que essas obrigações são as emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €,
I. E resultando do Decreto-Lei nº 32/2003 que essas obrigações são as que resultam de transacções comerciais entre empresas (com excepção, expressa, entre outras, das obrigações resultantes de responsabilidade civil (art. 2º, nº 2, al. c) do Decreto-Lei nº 32/2003).
J. Ora, era patente, face ao supra exposto, que o pedido do Banco recorrido resultava de uma hipotética situação de responsabilidade civil contratual entre um Banco e particulares consumidores, por falta de pagamento, estribado num contrato de valor superior aos referidos 15.000,00 € e peticionando um valor também superior a esse montante.
K. Por essa razão, alegaram os recorrentes a inaplicabilidade aos presentes do regime instituído pelo Decreto-Lei nº 269/98, de 17 de Fevereiro, impondo-se a absolvição da instância.
L. Quanto a tal questão, o Tribunal de primeira instância decidiu julgar improcedente a excepção dilatória deduzida, de acordo com os seguintes fundamentos:
“Cumpre decidir,
Ora como é sabido, por via das sucessivas alterações que veio sofrendo a figura da injunção, e da acção especial para cumprimento de contrato, ela tem hoje o seu campo de aplicação alargado, a qualquer valor (não ficando restringida ao montante de € 15.000,00 pese embora, a partir do montante de € 30.000,01 siga a forma de processo ordinário) e se aplique a qualquer contrato, desde que se por via dela, se vise obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária, ou emergente de uma transacção comercial (cfr. redacção dada pelo DL 226/2008 de 20.11).
Estando em causa, nos presentes autos o cumprimento de uma obrigação pecuária (pagamento de todas as prestações) inerente a um contrato de mútuo, em que a A é uma entidade bancária, não se vê como não se possa aplicar ao caso dos autos, o regime especial em causa (cfr. art.º 7.º do DL 269/98 de 1 de Setembro).
Improcede pois, a excepção invocada.”
M. Porém, os recorrentes acreditam que as sucessivas alterações ao Decreto-Lei nº 269/98 não vieram permitir que se pudesse utilizar o procedimento de injunção para peticionar o cumprimento de obrigações pecuniárias superiores a € 15.000,00 se, no caso concreto, não se estiver perante uma “transacção comercial” (e mesmo nestes casos, com exclusão expressa aos contratos celebrados com consumidores).
N. Pelo que, salvo o merecido respeito, não é correcta a afirmação constante do fundamento da decisão que julgou improcedente a excepção deduzida, quando se refere à possibilidade de se utilizar o procedimento de injunção num campo alargado a qualquer valor e a qualquer contrato pelo qual se vise obter cumprimento de uma obrigação pecuniária.
O. Uma vez que o valor peticionado não dizia respeito a qualquer transacção comercial entre empresas e o Banco recorrido não tinha sequer alegado factos nesse sentido, deveria ter procedido integralmente a excepção deduzida.
P. A este propósito, cumpre-nos chamar a atenção para as inúmeras decisões judiciais proferidas pelos Tribunais superiores que apontam nesse mesmo sentido e que se encontram supra transcritas, considerando-se integramente reproduzidas nestas conclusões. 
Q. Impondo-se, pois, ao Venerando Tribunal da Relação do Porto a revogação da sentença, no sentido de julgar verificada tal excepção dilatória inominada.
R. O Banco recorrido alegou no artigo 4.º do requerimento de injunção que celebrou com os apelantes um contrato de empréstimo pessoal,
S. O qual seria reembolsado em 96 prestações,
T. Acrescido de juros à taxa de 8,5%,
U. E ainda de 4% em caso de mora.
V. Ora, tanto a recorrente D…, como o recorrente C… alegaram na sua oposição que seria falsa tal factualidade, impugnando tal matéria.
Isto posto,
W. O Banco recorrido não juntou aos autos qualquer contrato assinado pelas partes destinado a fazer prova da factualidade supra referida.
X. Acontece que o Tribunal de primeira instância considerou provada integralmente a referida matéria de facto alegada no artigo 4.º da oposição, no ponto 4) dos factos provados, com a seguinte fundamentação:
“a convicção do tribunal assentou na analise conjunta dos documentos juntos aos autos nomeadamente extractos bancários decorrendo desde logo, de fls. 129 que em 21.2.2008 foi creditada na conta dos requeridos, o montante de 22.011,30 com a menção “utilização de capital com abertura de crédito” (sendo também certo que da posição assumida também pelos requeridos na contestação resulta claro que estes aceitam a existência de tal acordo com a requerente, o montante, juros contratados e o prazo de reembolso); Em conjugação com o depoimento da testemunha E…, funcionário bancário, que não obstante trabalhar para a requerente no balcão de …, e não ter tido intervenção na concessão do credito em questão, confirmou os factos invocados, cujo conhecimento lhe advêm das suas funções, e que interpretou e esclareceu o teor dos documentos juntos aos autos, maxime os extractos bancários juntos, bem como esclareceu a situação dos requeridos com a requerente, os vários créditos que detém, o incumprimento generalizado das suas obrigações.
Mais esclareceu que os requerentes tinham efectivamente, descoberto autorizado pelo montante de € 500,00 sendo que mesmo assim, as quantias com que aprovisionavam a conta eram insuficientes sempre e sucessivamente para pagamento do empréstimo subjacente aos autos pois todos os montantes eram imputados a descobertos, ficando sempre a conta e causa sem aprovisionamento das prestações devidas.
Tudo assim conjugado, deu ao tribunal a compreensão global da factualidade que deu como provada.”
Y. No entanto, salvo o merecido respeito, não parece ter sido correcta a conclusão inferida pelo Tribunal a quo que levou a que fosse considerada provada tal matéria de facto.
Z. Com efeito, inexiste qualquer documento com a menção ao nome da recorrente D… e mesmo que os documentos juntos aos autos (alegados extractos) fossem idóneos a provar a existência do contrato de crédito pessoal nos exactos termos alegados pelo Banco recorrido, nunca poderia o Tribunal de primeira instância ter considerado provado que a recorrente D… o teria celebrado.
AA. Por outro lado, nenhum desses documentos (extractos) revela o número de prestações de reembolso, nem tão-pouco as taxas de juro. 
BB. Ainda assim, é errada a ilação que o Tribunal retirou da alegação dos recorrentes na sua oposição.
CC. Na verdade, os mesmos alegaram expressamente que era falsa a factualidade alegada pelo Banco recorrido no artigo 4.º do requerimento de injunção, pelo que não poderia o Tribunal entender que “na contestação resulta claro que estes aceitam a existência de tal acordo com a requerente, o montante, juros contratados e o prazo de reembolso”.
DD. Os recorrentes apenas alegaram que celebraram vários contratos de mútuo com o Banco recorrido, em que o montante das prestações em todos eles era retirado directamente da conta (F…), sendo essa a única forma de pagamento de todas as prestações em todos os empréstimos.
EE. Ora, tal factualidade não está em consonância com a conclusão do Tribunal a quo.
FF. Tal alegação não significa que os recorrentes “aceitam a existência de tal acordo com a requerente, o montante, juros contratados e o prazo de reembolso”.
GG. Os recorrentes aceitam que celebraram vários contratos com o Banco recorrido, mas não aceitam que tenham celebrado o contrato referido por este nos termos por si alegados (partes, datas, número de prestações, montante e juros).
HH. Mais acresce que os recorrentes alegaram que tinham saldo positivo em 5 de Setembro de 2011, sendo impossível não ter pago as prestações até essa data, salientando que desconhecem para onde foi retirado esse dinheiro pelo Banco recorrido, uma vez que este, retirando esses montantes, não imputa tais pagamentos a nenhum crédito. 
II. O Banco recorrido, aceitando tais pagamentos, veio alegar, conforme resulta da acta de audiência de discussão e julgamento de 17 de Outubro de 2012 “Assim, embora se reconheça terem sido depositadas na conta em causa as verbas que os requeridos alegam ter efectuado, tais verbas, uma vez que os requeridos ao entrega-las não mencionaram expressamente a que dividas se destinavam, foram imputadas pelo banco requerente nos termos legais, nomeadamente na divida que oferecia menos garantias e que ontologicamente era a mais antiga que as demais, ou seja a referida autorização a descoberto.”
JJ. Ora, ainda hoje os recorrentes não sabem para onde foi esse dinheiro!!!
KK. E o Banco recorrido, alegado de forma genérica que imputou tais pagamentos à dívida que oferecia menos garantias e mais antiga, não consegue identificar a que contratos de empréstimo e a que prestações imputou tais pagamentos!
LL. Ficando-se com a certeza que não os imputou a nenhum contrato!
MM. Ora, a verdade é que os recorrentes lograram demonstrar os pagamentos por si efectuados e o Banco recorrido é que não logrou demonstrar a que contratos e prestações os imputou, pelo que deveria ter sido considerada integralmente provada a matéria de facto alegada pelos recorrentes nos artigos 13.º a 32.º da oposição por si apresentada.
NN. Por outro lado é manifestamente errada a decisão do Tribunal de primeira instância que condenou os recorridos a proceder ao pagamento das prestações 38 a 96, a liquidar em execução de sentença.
OO. Com efeito, o próprio Banco recorrido, no seu requerimento ditado para a acta de 17 de Outubro de 2012 refere expressamente: “e acresce ainda como se retira dos documentos que agora foram juntos em sede de audiência, já pelo menos a prestação do empréstimo invocado nestes autos correspondente ao mês 29 não foi paga pontualmente, resultando igualmente que não foram pagas pontualmente as prestações 30 a 39 do empréstimo.”
PP. Assim, não restam dúvidas que o próprio Banco recorrido aceita o pagamento da prestação 39, alegando apenas que a mesma não foi efectuada pontualmente.
QQ. Pelo que o Tribunal de primeira instância nunca poderia ter condenado os recorrentes a pagar as prestações nº 38 e 39, quando é o próprio Banco recorrido a alegar de forma expressa que já estão pagas essas duas prestações.
RR. Atento todo o exposto, deverá o Venerando Tribunal da Relação do Porto revogar a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas mui doutamente suprirão, deverá considerar-se integralmente procedente o presente recurso, modificando a decisão proferida acerca da excepção dilatória deduzida na oposição.
Sem prescindir, deverá ser modificada a matéria de facto nos termos supra requeridos, revogando-se igualmente a decisão constante do dispositivo,
Fazendo-se, desse modo, inteira e sã justiça”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 e a decisão impugnada anterior a 1/9/2013 – cfr. art.º 12.º deste diploma e art.ºs 7.º, n.º 1, e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6, pelo que não tem aqui aplicação o NCPC[2]), importando conhecer as questões (e não razões) nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art.º 660.º, n.º 2 do mesmo Código), as questões a dirimir consistem em saber:
a) Se ocorre a excepção do uso indevido do procedimento de injunção e qual é a sua consequência;
b) Se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelos apelantes; 
c) E se não ocorre incumprimento contratual.

II. Fundamentação

1. De facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:

1. O Banco A. é uma entidade bancária com sucursal em Portugal, autorizada a praticar no País operações bancárias, nomeadamente recepção de depósitos, e a concessão de créditos e empréstimos.
2. Os aqui requeridos são titulares na agência do banco aqui requerente em …, de uma conta de depósitos à ordem, à qual foi atribuído o n.º …/……….
3. Tal conta foi aberta a pedido dos aqui requeridos, que aceitaram e subscreveram todas as condições sobre a movimentação a crédito e a débito.
4. Por acordo havido entre requerente e requeridos, de 21.2.2008, os aqui requeridos solicitaram e foi-lhes pelo Banco concedido, um “empréstimo” pessoal pelo montante de € 22.011,30, que se obrigaram a reembolsar, em capital e juros remuneratórios à taxa de 8,5%, acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora, em 96 prestações, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 21.3.2008 e as demais em igual dia dos meses subsequentes.
5. Os requeridos cessaram o pagamento das prestações fixadas para reembolso do empréstimo a partir de 21.5.2011.
6. O montante das prestações de reembolso era directamente retirado pelo mesmo banco, da conta …/………, denominada por conta F…, sendo que a forma de pagamento das prestações de reembolso consistia unicamente no aprovisionamento da conta referida.
7. Em 25 de Agosto de 2011 a mesma apresentava um saldo devedor de € 44,91.
8. Em 5 de Setembro de 2011 a mesma conta apresentava um saldo positivo de € 947,91.
9. Os requeridos têm mais empréstimos junto da entidade requerente, outros dos quais pagos também mediante o aprovisionamento da conta …/……….

2. De direito

Aplicando o direito aos factos tendo em vista a resolução das supramencionadas questões, importa começar, como é óbvio, lógico, pela apreciação da excepção dilatória do uso indevido do procedimento de injunção (cfr. art.ºs 660.º, n.º 1 e 713.º, n.º 2, ambos do CPC), a que se seguirá, se for caso disso, a apreciação da matéria de facto impugnada, pois o seu enquadramento jurídico depende da sua fixação.

Comecemos, então, por apreciar a aludida questão processual.
O art.º 7.º do anexo ao DL n.º 269/98, de 1/9, na redacção actual, dada pelo art.º 8.º do DL n.º 32/2003, de 12/2, dá a noção de injunção, dispondo o seguinte:
“Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
O art.º 1.º do diploma preambular, na redacção dada pelo art.º 6.º do DL n.º 303/2007, de 24/8, em vigor desde 1/1/2008 (cfr. seu art.º 12.º), prevê os procedimentos especiais destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €, cujo regime consta dos art.ºs 1.º a 5.º do anexo ao citado DL n.º 269/98.
Por sua vez, o referido DL n.º 32/2003, que teve como objecto transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, a qual estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (cfr. art.º 1.º), entretanto revogado, com excepção dos artigos 6.º e 8.º, pelo Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio – com entrada em vigor em 1 de Julho de 2013 – mantendo-se, no entanto, em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste último diploma, dispunha no art.º 2.º, sob a epígrafe “âmbito de aplicação”, o seguinte:
“1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.
2 - São excluídos da sua aplicação:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais;
c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.”
O art.º 3.º do mesmo diploma estabelecia assim as seguintes “definições”:
“Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração;
b) «Empresa» qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular;
c) «Taxa de juro da principal facilidade de refinanciamento do Banco Central Europeu» a taxa de juro aplicável a estas operações no caso de leilões a taxa fixa. Quando uma operação principal de refinanciamento for efectuada segundo o processo de leilão a taxa variável, a taxa de juro reporta-se à taxa de juro marginal resultante do leilão em causa.”
E o art.º 7.º, na redacção dada pelo DL n.º 107/2005, de 1 de Julho, vigente a partir de 15 de Setembro de 2005, sobre os “procedimentos especiais”, preceituava:
“1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4 - As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.”
Dos preceitos acabados de transcrever resulta que o procedimento de injunção, na data em que o requerente lançou mão dele, só era utilizável quando se destinasse a exigir o cumprimento:
- de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €;
- ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transacções comerciais que, não integrando os casos excepcionados no n.º 2 do art.º 2.º do DL n.º 32/2003, estivessem no âmbito da previsão dos artºs 2.º, n.ºs 1 e 3.º, alínea a), desse diploma legal. 
No caso dos autos, o requerente pretende obter o pagamento da quantia de 17.476,99 €. Por isso, dado ser superior a 15.000,00 €, montante máximo previsto no art.º 1.º do DL n.º 262/98, independentemente da obrigação invocada, está excluída a possibilidade de utilização do procedimento de injunção com este fundamento.
Mas o requerente, à frente da pergunta “obrigação emergente de transacção comercial (D.L. nº 32/2003, de 17 de Fevereiro)?”, escreveu “sim”, no requerimento injuntivo.
Todavia, na exposição que fez, no mesmo requerimento, de forma sintética para fundamentar a sua pretensão, invocou um contrato de mútuo, celebrado com os requeridos, enquanto seus clientes e beneficiários do crédito que lhes concedeu, ao que parece, como meros consumidores.
Entre aquela resposta afirmativa, sem qualquer suporte fáctico, e esta descrição, ainda que sucinta, é evidente que apenas esta pode ser considerada, por só ela estar de acordo com a imposição estabelecida no art.º 10.º, n.º 2, al. d) do anexo ao citado DL n.º 269/98.
Só que, não obstante o pendor conclusivo da descrição do negócio, feita no requerimento injuntivo, o certo é que, quer ele seja configurado, como ali foi referido, um mútuo, previsto no art.º 1142.º do Código Civil, quer integre um empréstimo mercantil da previsão do art.º 394.º do Código Comercial, não consubstancia “transacção comercial” tal como esta é definida no art.º 3.º, al. a), do citado DL 32/2003. 
Na verdade, a obrigação a que se reporta o requerimento injuntivo, não decorrendo da prestação de serviços, nem do fornecimento de mercadorias, não resultou de transacção entre empresas. 
Nem os requeridos merecem a qualificação de “empresa”, nos termos definidos no art.º 3.º, al. b), do DL n.º 32/2003, mesmo que se perspective este termo numa concepção ampla, englobando as empresas privadas em geral, as pessoas colectivas públicas e os profissionais liberais, como tem sido entendido pela generalidade da jurisprudência e da doutrina[3].
Com efeito, da exegese do requerimento injuntivo, não se extrai a qualidade em que os requeridos foram demandados, tudo levando a concluir que o foram enquanto meros consumidores. Não foi indicado, designadamente, se os mesmos desempenhavam alguma actividade económica ou profissional autónoma, devidamente organizada, ainda que exercida por pessoa singular, pois naquele apenas constam os nomes dos requeridos, o domicílio comum e o NIF de cada um deles.
Assim sendo, como se nos afigura que é, também estava vedado ao requerente lançar mão do procedimento de injunção com fundamento em “obrigação emergente de transacção comercial”.
Ao deduzir o requerimento injuntivo, o requerente tinha que alegrar que se encontravam preenchidos os pressupostos legais em apreço.
Não o tendo feito, fez um uso indevido e inadequado desse meio.
Estamos, assim, perante uma situação em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, o que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa.
Esta situação configura uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 493.º do CPC.
Verifica-se, pois, no presente caso, uma excepção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância, como tem sido entendido pela maioria da jurisprudência[4] e pela melhor doutrina[5].
O Conselheiro Salvador da Costa afirma, claramente, a este propósito, no local indicado, o seguinte:

“Como a utilização deste tipo de procedimento de injunção depende da existência de transacções entre empresas ou entre estas e entidades públicas, deve o requerente, no respectivo instrumento, expressar factos reveladores desse pressuposto.
Não tendo sido alegado que o demandado, pessoa singular, tenha agido no exercício de alguma actividade económica ou profissional autónoma, susceptível de ser enquadrada no conceito de empresa, não pode contra ele ser admitido este específico requerimento de injunção.
Mas se o for e houver oposição do requerido e distribuição como acção, pode o juiz respectivo, conhecer do referido vício processual, susceptível de ser configurado como excepção dilatória inominada”.
Com o devido respeito, afigura-se-nos que não se trata de erro na forma de processo, muito embora haja outro sector da jurisprudência que sustenta este entendimento[6].
Mas, ainda que se entendesse que se tratava deste vício, mesmo assim, o resultado seria idêntico, no presente caso.
É que não havia possibilidade de aproveitamento do processado, uma vez que dele resultaria uma flagrante diminuição das garantias de defesa dos requeridos (cfr. art.º 199.º, n.º 2 do CPC).
Com efeito, o processo seguiria, como seguiu, os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos[7], ou seja, os termos especiais dos art.ºs 3.º e 4.º do anexo ao DL n.º 269/98, e não segundo a tramitação da acção declarativa comum[8].
Os direitos de defesa a exercer pelos requeridos, numa acção com este avultado valor e com a causa de pedir invocada, ficariam necessariamente comprimidos, o que não é, como se compreende, admissível, tanto mais que não se trata de obrigação emergente de transacção comercial, a qual é pressuposta pelo n.º 4 do referido art.º 7.º.
E, como é sabido, o erro na forma de processo constitui numa nulidade, de conhecimento oficioso, que importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e à prática daqueles que forem necessários para que o processo se aproxime da forma prevista na lei, mas que, quando não forem aproveitáveis, designadamente a própria petição inicial, por se revelar totalmente inadequada ao pedido formulado e à forma processual adequada, conduz à absolvição da instância (cfr. art.ºs 199.º, 202.º, 206.º, n.º 2, 288.º, n.º 1, b), 493.º, n.º 2, 494.º, al. b) e 495.º, todos do CPC).
Atenta a forma de processo seguida após a distribuição na sequência da oposição, nem sequer era possível equacionar um despacho de aperfeiçoamento, por tal convite não estar previsto naquela forma processual, mas apenas para a acção comum (cfr. n.º 3 do mencionado art.º 7.º) e visto não ter cabimento o convite a que alude o art.º 17.º, n.º 3 do anexo ao DL n.º 269/98.

A excepção dilatória inominada acima aludida, afectando o conhecimento e o prosseguimento da acção especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento.
Por isso, o processo devia ter terminado, logo que foi invocada tal excepção ou, pelo menos, em sede de sentença, não se compreendendo o segmento da mesma sobre tal matéria, supra transcrito na conclusão L), pelo que não pode ser mantida.

Procedem, por conseguinte, as conclusões atinentes à referida excepção e fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas na apelação.

Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC, em jeito de síntese conclusiva:

A injunção que se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor superior a 15.000,00 € e inferior a 30.000,00 €, requerida depois de 1/1/2008 e em cujo requerimento não se alegue que elas emergem de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/2, à qual tenha sido deduzida oposição, não pode seguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, por se verificar um obstáculo impeditivo do conhecimento do mérito, que, por não permitir qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, dá lugar à absolvição da instância.

III. Decisão

Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e, julgando verificada a excepção dilatória inominada acima referida, absolvem-se os réus da instância.*Custas em ambas as instâncias pelo autor/apelado.*Porto, 18 de Dezembro de 2013
Fernando Samões 
Vieira e Cunha
Maria Eiró
_____________
[1] Apesar disso, não se deu cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 685.º-A do CPC, porque raramente se alcança o objectivo do convite nele previsto e para evitar mais delongas, combater a morosidade e imprimir maior celeridade processual, por nós sempre defendida e praticada.
[2] Neste sentido, cfr. o Conselheiro Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 15.
[3] Cfr. Acórdãos desta Relação de 12/10/2010, processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/143672" target="_blank">382410/09.6YIPRT.P1</a> (em que o aqui relator e o 1.º Adjunto intervieram como Adjuntos, acessível em www.dgsi.pt, e Conselheiro Salvador da Costa "A Injunção e as Conexas Acção e Execução", 6ª edição, págs. 171/172.
[4] Cfr., entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 26/9/2005, processo n.º 0554261; da Relação de Lisboa de 7/6/2011, processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1-1 e de 29/3/2012, processo n.º 227640/10.4UIPRT.L1-2; da Relação de Coimbra de 24/1/2012, processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/121938" target="_blank">546/07.0TBCBR.C1</a> e do STJ de 14/2/2012, processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Conselheiro Salvador da Costa, obra citada, pág. 172 e Paulo Duarte Teixeira, “ Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção” in Themis, VII, n.º 13, pág. 169-212.
[6] Cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa TRL de 18/06/2009, processo n.º 6201/06.0TBAMD.L1-2 e de 30/4/2013, processo n.º 162450/12.1YIPRT.L1-7, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] De acordo com o n.º 4 do art.º 7.º do citado DL n.º 32/2003.
[8] Apenas prevista para as acções com valor superior à alçada da Relação que é, como se sabe, de 30.000,00 € – cfr. n.º 2 do mesmo art.º 7.º e art.º 24, n.º 1 da LOTJ na redacção dada pelo DL n.º 303/2007, de 24/8.

Processo n.º 32895/12.0YIPRT.P1 *Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. Relatório B…, requereu procedimento de injunção contra C… e mulher D…, melhor identificados no respectivo requerimento de fls. 2, apresentado em 25/2/2012, peticionando o pagamento da quantia de 17.476,99 €, correspondente ao capital de 15.435,65 €, juros de mora de 1.811,84 € e taxa de justiça paga no valor de 229,50 €, acrescida de juros vincendos, à taxa e sobretaxa convencionadas, e do imposto de selo à taxa de 4%. Fundamenta tal pretensão no incumprimento de um contrato de mútuo, no montante de 22.011,30 €, que celebrou, em 21/2/2008, com os requeridos e que estes se obrigaram a reembolsar, com juros remuneratórios à taxa de 8,5%, acrescidos de uma sobretaxa de 4% em caso de mora, em 96 prestações mensais e sucessivas, mas que deixaram de pagar a partir de 21/5/2011. Os requeridos deduziram oposição, excepcionando a inadmissibilidade legal do procedimento de injunção e impugnando os factos alegados, invocando o pagamento de todas as prestações que o requerente diz estarem por liquidar. Concluiu pela sua absolvição da instância e, subsidiariamente, pela absolvição do pedido. Apresentados os autos à distribuição e distribuídos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato ao 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, teve lugar a audiência de discussão e julgamento no dia 17 de Outubro de 2012, onde o autor tomou posição sobre a oposição deduzida, tendo defendido a adequação da forma que escolheu, visto a obrigação reclamada emergir de transacção comercial, e impugnado o pagamento, afirmando que os depósitos efectuados foram para pagamento doutros empréstimos. Juntos documentos e inquirida uma testemunha, em 15/11/2012, foi redigida sentença que decidiu julgar improcedente a excepção da impropriedade do meio e julgou a acção parcialmente procedente e condenou os réus a pagar ao autor “a quantia que corresponder ao capital em dívida das 38ª à 96ª prestação, a que reporta o empréstimo concedido em 21.2.2008, pelo montante global de € 22.011,30, a liquidar em execução de sentença, a que acrescem juros vincendos, desde de 21 de Maio de 2008, até efectivo e integral pagamento, a calcular à taxa anual de 12,5% sobre a quantia de capital em dívida.” Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes extensas, complexas e algumas inúteis [1] conclusões: “A. Como questão prévia, não poderia o signatário do presente deixar de salientar que o Tribunal a quo nos tem habituado a que invariavelmente sejam proferidas justas e sábias decisões, pautando-se por um elevado sentido de rigor e justiça. B. Porque se acredita que dessa forma é dignificada a realização da justiça, cumpre ainda saudar a Meritíssima Juíza a quo pela sua frequente postura de cumprimento escrupuloso dos deveres de correcção, respeito, estreita colaboração e urbanidade, sempre na busca da verdade material. C. Porém, acredita-se que nestes autos em particular, não foi proferida a decisão mais acertada, razão pela qual se recorre. D. Na sua oposição, os recorrentes deduziram uma excepção dilatória conducente à absolvição da instância por inadmissibilidade do procedimento de injunção. E. Com efeito, na causa de pedir o Banco recorrido fazia menção a um contrato de mútuo no valor de € 22.011,30 peticionando a condenação dos aqui apelantes (pessoas singulares) no pagamento de € 15.435,65 por falta de pagamento de prestações relativas a tal contrato. F. Ora, é certo que o valor peticionado não dizia então respeito a qualquer transacção comercial entre empresas, nem o Banco apelado alegou sequer quaisquer factos nesse sentido. G. Dispõe o artigo 7º do Regime anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro que se considera injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transacções abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro. H. Resultando do artigo 1º do diploma preambular (o Decreto-Lei nº 269/98) que essas obrigações são as emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €, I. E resultando do Decreto-Lei nº 32/2003 que essas obrigações são as que resultam de transacções comerciais entre empresas (com excepção, expressa, entre outras, das obrigações resultantes de responsabilidade civil (art. 2º, nº 2, al. c) do Decreto-Lei nº 32/2003). J. Ora, era patente, face ao supra exposto, que o pedido do Banco recorrido resultava de uma hipotética situação de responsabilidade civil contratual entre um Banco e particulares consumidores, por falta de pagamento, estribado num contrato de valor superior aos referidos 15.000,00 € e peticionando um valor também superior a esse montante. K. Por essa razão, alegaram os recorrentes a inaplicabilidade aos presentes do regime instituído pelo Decreto-Lei nº 269/98, de 17 de Fevereiro, impondo-se a absolvição da instância. L. Quanto a tal questão, o Tribunal de primeira instância decidiu julgar improcedente a excepção dilatória deduzida, de acordo com os seguintes fundamentos: “Cumpre decidir, Ora como é sabido, por via das sucessivas alterações que veio sofrendo a figura da injunção, e da acção especial para cumprimento de contrato, ela tem hoje o seu campo de aplicação alargado, a qualquer valor (não ficando restringida ao montante de € 15.000,00 pese embora, a partir do montante de € 30.000,01 siga a forma de processo ordinário) e se aplique a qualquer contrato, desde que se por via dela, se vise obter o cumprimento de uma obrigação pecuniária, ou emergente de uma transacção comercial (cfr. redacção dada pelo DL 226/2008 de 20.11). Estando em causa, nos presentes autos o cumprimento de uma obrigação pecuária (pagamento de todas as prestações) inerente a um contrato de mútuo, em que a A é uma entidade bancária, não se vê como não se possa aplicar ao caso dos autos, o regime especial em causa (cfr. art.º 7.º do DL 269/98 de 1 de Setembro). Improcede pois, a excepção invocada.” M. Porém, os recorrentes acreditam que as sucessivas alterações ao Decreto-Lei nº 269/98 não vieram permitir que se pudesse utilizar o procedimento de injunção para peticionar o cumprimento de obrigações pecuniárias superiores a € 15.000,00 se, no caso concreto, não se estiver perante uma “transacção comercial” (e mesmo nestes casos, com exclusão expressa aos contratos celebrados com consumidores). N. Pelo que, salvo o merecido respeito, não é correcta a afirmação constante do fundamento da decisão que julgou improcedente a excepção deduzida, quando se refere à possibilidade de se utilizar o procedimento de injunção num campo alargado a qualquer valor e a qualquer contrato pelo qual se vise obter cumprimento de uma obrigação pecuniária. O. Uma vez que o valor peticionado não dizia respeito a qualquer transacção comercial entre empresas e o Banco recorrido não tinha sequer alegado factos nesse sentido, deveria ter procedido integralmente a excepção deduzida. P. A este propósito, cumpre-nos chamar a atenção para as inúmeras decisões judiciais proferidas pelos Tribunais superiores que apontam nesse mesmo sentido e que se encontram supra transcritas, considerando-se integramente reproduzidas nestas conclusões. Q. Impondo-se, pois, ao Venerando Tribunal da Relação do Porto a revogação da sentença, no sentido de julgar verificada tal excepção dilatória inominada. R. O Banco recorrido alegou no artigo 4.º do requerimento de injunção que celebrou com os apelantes um contrato de empréstimo pessoal, S. O qual seria reembolsado em 96 prestações, T. Acrescido de juros à taxa de 8,5%, U. E ainda de 4% em caso de mora. V. Ora, tanto a recorrente D…, como o recorrente C… alegaram na sua oposição que seria falsa tal factualidade, impugnando tal matéria. Isto posto, W. O Banco recorrido não juntou aos autos qualquer contrato assinado pelas partes destinado a fazer prova da factualidade supra referida. X. Acontece que o Tribunal de primeira instância considerou provada integralmente a referida matéria de facto alegada no artigo 4.º da oposição, no ponto 4) dos factos provados, com a seguinte fundamentação: “a convicção do tribunal assentou na analise conjunta dos documentos juntos aos autos nomeadamente extractos bancários decorrendo desde logo, de fls. 129 que em 21.2.2008 foi creditada na conta dos requeridos, o montante de 22.011,30 com a menção “utilização de capital com abertura de crédito” (sendo também certo que da posição assumida também pelos requeridos na contestação resulta claro que estes aceitam a existência de tal acordo com a requerente, o montante, juros contratados e o prazo de reembolso); Em conjugação com o depoimento da testemunha E…, funcionário bancário, que não obstante trabalhar para a requerente no balcão de …, e não ter tido intervenção na concessão do credito em questão, confirmou os factos invocados, cujo conhecimento lhe advêm das suas funções, e que interpretou e esclareceu o teor dos documentos juntos aos autos, maxime os extractos bancários juntos, bem como esclareceu a situação dos requeridos com a requerente, os vários créditos que detém, o incumprimento generalizado das suas obrigações. Mais esclareceu que os requerentes tinham efectivamente, descoberto autorizado pelo montante de € 500,00 sendo que mesmo assim, as quantias com que aprovisionavam a conta eram insuficientes sempre e sucessivamente para pagamento do empréstimo subjacente aos autos pois todos os montantes eram imputados a descobertos, ficando sempre a conta e causa sem aprovisionamento das prestações devidas. Tudo assim conjugado, deu ao tribunal a compreensão global da factualidade que deu como provada.” Y. No entanto, salvo o merecido respeito, não parece ter sido correcta a conclusão inferida pelo Tribunal a quo que levou a que fosse considerada provada tal matéria de facto. Z. Com efeito, inexiste qualquer documento com a menção ao nome da recorrente D… e mesmo que os documentos juntos aos autos (alegados extractos) fossem idóneos a provar a existência do contrato de crédito pessoal nos exactos termos alegados pelo Banco recorrido, nunca poderia o Tribunal de primeira instância ter considerado provado que a recorrente D… o teria celebrado. AA. Por outro lado, nenhum desses documentos (extractos) revela o número de prestações de reembolso, nem tão-pouco as taxas de juro. BB. Ainda assim, é errada a ilação que o Tribunal retirou da alegação dos recorrentes na sua oposição. CC. Na verdade, os mesmos alegaram expressamente que era falsa a factualidade alegada pelo Banco recorrido no artigo 4.º do requerimento de injunção, pelo que não poderia o Tribunal entender que “na contestação resulta claro que estes aceitam a existência de tal acordo com a requerente, o montante, juros contratados e o prazo de reembolso”. DD. Os recorrentes apenas alegaram que celebraram vários contratos de mútuo com o Banco recorrido, em que o montante das prestações em todos eles era retirado directamente da conta (F…), sendo essa a única forma de pagamento de todas as prestações em todos os empréstimos. EE. Ora, tal factualidade não está em consonância com a conclusão do Tribunal a quo. FF. Tal alegação não significa que os recorrentes “aceitam a existência de tal acordo com a requerente, o montante, juros contratados e o prazo de reembolso”. GG. Os recorrentes aceitam que celebraram vários contratos com o Banco recorrido, mas não aceitam que tenham celebrado o contrato referido por este nos termos por si alegados (partes, datas, número de prestações, montante e juros). HH. Mais acresce que os recorrentes alegaram que tinham saldo positivo em 5 de Setembro de 2011, sendo impossível não ter pago as prestações até essa data, salientando que desconhecem para onde foi retirado esse dinheiro pelo Banco recorrido, uma vez que este, retirando esses montantes, não imputa tais pagamentos a nenhum crédito. II. O Banco recorrido, aceitando tais pagamentos, veio alegar, conforme resulta da acta de audiência de discussão e julgamento de 17 de Outubro de 2012 “Assim, embora se reconheça terem sido depositadas na conta em causa as verbas que os requeridos alegam ter efectuado, tais verbas, uma vez que os requeridos ao entrega-las não mencionaram expressamente a que dividas se destinavam, foram imputadas pelo banco requerente nos termos legais, nomeadamente na divida que oferecia menos garantias e que ontologicamente era a mais antiga que as demais, ou seja a referida autorização a descoberto.” JJ. Ora, ainda hoje os recorrentes não sabem para onde foi esse dinheiro!!! KK. E o Banco recorrido, alegado de forma genérica que imputou tais pagamentos à dívida que oferecia menos garantias e mais antiga, não consegue identificar a que contratos de empréstimo e a que prestações imputou tais pagamentos! LL. Ficando-se com a certeza que não os imputou a nenhum contrato! MM. Ora, a verdade é que os recorrentes lograram demonstrar os pagamentos por si efectuados e o Banco recorrido é que não logrou demonstrar a que contratos e prestações os imputou, pelo que deveria ter sido considerada integralmente provada a matéria de facto alegada pelos recorrentes nos artigos 13.º a 32.º da oposição por si apresentada. NN. Por outro lado é manifestamente errada a decisão do Tribunal de primeira instância que condenou os recorridos a proceder ao pagamento das prestações 38 a 96, a liquidar em execução de sentença. OO. Com efeito, o próprio Banco recorrido, no seu requerimento ditado para a acta de 17 de Outubro de 2012 refere expressamente: “e acresce ainda como se retira dos documentos que agora foram juntos em sede de audiência, já pelo menos a prestação do empréstimo invocado nestes autos correspondente ao mês 29 não foi paga pontualmente, resultando igualmente que não foram pagas pontualmente as prestações 30 a 39 do empréstimo.” PP. Assim, não restam dúvidas que o próprio Banco recorrido aceita o pagamento da prestação 39, alegando apenas que a mesma não foi efectuada pontualmente. QQ. Pelo que o Tribunal de primeira instância nunca poderia ter condenado os recorrentes a pagar as prestações nº 38 e 39, quando é o próprio Banco recorrido a alegar de forma expressa que já estão pagas essas duas prestações. RR. Atento todo o exposto, deverá o Venerando Tribunal da Relação do Porto revogar a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância. Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas mui doutamente suprirão, deverá considerar-se integralmente procedente o presente recurso, modificando a decisão proferida acerca da excepção dilatória deduzida na oposição. Sem prescindir, deverá ser modificada a matéria de facto nos termos supra requeridos, revogando-se igualmente a decisão constante do dispositivo, Fazendo-se, desse modo, inteira e sã justiça” Não foram apresentadas contra-alegações. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso. Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 e a decisão impugnada anterior a 1/9/2013 – cfr. art.º 12.º deste diploma e art.ºs 7.º, n.º 1, e 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6, pelo que não tem aqui aplicação o NCPC[2]), importando conhecer as questões (e não razões) nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art.º 660.º, n.º 2 do mesmo Código), as questões a dirimir consistem em saber: a) Se ocorre a excepção do uso indevido do procedimento de injunção e qual é a sua consequência; b) Se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelos apelantes; c) E se não ocorre incumprimento contratual. II. Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. O Banco A. é uma entidade bancária com sucursal em Portugal, autorizada a praticar no País operações bancárias, nomeadamente recepção de depósitos, e a concessão de créditos e empréstimos. 2. Os aqui requeridos são titulares na agência do banco aqui requerente em …, de uma conta de depósitos à ordem, à qual foi atribuído o n.º …/………. 3. Tal conta foi aberta a pedido dos aqui requeridos, que aceitaram e subscreveram todas as condições sobre a movimentação a crédito e a débito. 4. Por acordo havido entre requerente e requeridos, de 21.2.2008, os aqui requeridos solicitaram e foi-lhes pelo Banco concedido, um “empréstimo” pessoal pelo montante de € 22.011,30, que se obrigaram a reembolsar, em capital e juros remuneratórios à taxa de 8,5%, acrescido da sobretaxa de 4% em caso de mora, em 96 prestações, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 21.3.2008 e as demais em igual dia dos meses subsequentes. 5. Os requeridos cessaram o pagamento das prestações fixadas para reembolso do empréstimo a partir de 21.5.2011. 6. O montante das prestações de reembolso era directamente retirado pelo mesmo banco, da conta …/………, denominada por conta F…, sendo que a forma de pagamento das prestações de reembolso consistia unicamente no aprovisionamento da conta referida. 7. Em 25 de Agosto de 2011 a mesma apresentava um saldo devedor de € 44,91. 8. Em 5 de Setembro de 2011 a mesma conta apresentava um saldo positivo de € 947,91. 9. Os requeridos têm mais empréstimos junto da entidade requerente, outros dos quais pagos também mediante o aprovisionamento da conta …/………. 2. De direito Aplicando o direito aos factos tendo em vista a resolução das supramencionadas questões, importa começar, como é óbvio, lógico, pela apreciação da excepção dilatória do uso indevido do procedimento de injunção (cfr. art.ºs 660.º, n.º 1 e 713.º, n.º 2, ambos do CPC), a que se seguirá, se for caso disso, a apreciação da matéria de facto impugnada, pois o seu enquadramento jurídico depende da sua fixação. Comecemos, então, por apreciar a aludida questão processual. O art.º 7.º do anexo ao DL n.º 269/98, de 1/9, na redacção actual, dada pelo art.º 8.º do DL n.º 32/2003, de 12/2, dá a noção de injunção, dispondo o seguinte: “Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”. O art.º 1.º do diploma preambular, na redacção dada pelo art.º 6.º do DL n.º 303/2007, de 24/8, em vigor desde 1/1/2008 (cfr. seu art.º 12.º), prevê os procedimentos especiais destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €, cujo regime consta dos art.ºs 1.º a 5.º do anexo ao citado DL n.º 269/98. Por sua vez, o referido DL n.º 32/2003, que teve como objecto transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, a qual estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (cfr. art.º 1.º), entretanto revogado, com excepção dos artigos 6.º e 8.º, pelo Decreto-Lei nº 62/2013, de 10 de Maio – com entrada em vigor em 1 de Julho de 2013 – mantendo-se, no entanto, em vigor no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor deste último diploma, dispunha no art.º 2.º, sob a epígrafe “âmbito de aplicação”, o seguinte: “1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais. 2 - São excluídos da sua aplicação: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais; c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.” O art.º 3.º do mesmo diploma estabelecia assim as seguintes “definições”: “Para efeitos do presente diploma, entende-se por: a) «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração; b) «Empresa» qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular; c) «Taxa de juro da principal facilidade de refinanciamento do Banco Central Europeu» a taxa de juro aplicável a estas operações no caso de leilões a taxa fixa. Quando uma operação principal de refinanciamento for efectuada segundo o processo de leilão a taxa variável, a taxa de juro reporta-se à taxa de juro marginal resultante do leilão em causa.” E o art.º 7.º, na redacção dada pelo DL n.º 107/2005, de 1 de Julho, vigente a partir de 15 de Setembro de 2005, sobre os “procedimentos especiais”, preceituava: “1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.” Dos preceitos acabados de transcrever resulta que o procedimento de injunção, na data em que o requerente lançou mão dele, só era utilizável quando se destinasse a exigir o cumprimento: - de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 €; - ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transacções comerciais que, não integrando os casos excepcionados no n.º 2 do art.º 2.º do DL n.º 32/2003, estivessem no âmbito da previsão dos artºs 2.º, n.ºs 1 e 3.º, alínea a), desse diploma legal. No caso dos autos, o requerente pretende obter o pagamento da quantia de 17.476,99 €. Por isso, dado ser superior a 15.000,00 €, montante máximo previsto no art.º 1.º do DL n.º 262/98, independentemente da obrigação invocada, está excluída a possibilidade de utilização do procedimento de injunção com este fundamento. Mas o requerente, à frente da pergunta “obrigação emergente de transacção comercial (D.L. nº 32/2003, de 17 de Fevereiro)?”, escreveu “sim”, no requerimento injuntivo. Todavia, na exposição que fez, no mesmo requerimento, de forma sintética para fundamentar a sua pretensão, invocou um contrato de mútuo, celebrado com os requeridos, enquanto seus clientes e beneficiários do crédito que lhes concedeu, ao que parece, como meros consumidores. Entre aquela resposta afirmativa, sem qualquer suporte fáctico, e esta descrição, ainda que sucinta, é evidente que apenas esta pode ser considerada, por só ela estar de acordo com a imposição estabelecida no art.º 10.º, n.º 2, al. d) do anexo ao citado DL n.º 269/98. Só que, não obstante o pendor conclusivo da descrição do negócio, feita no requerimento injuntivo, o certo é que, quer ele seja configurado, como ali foi referido, um mútuo, previsto no art.º 1142.º do Código Civil, quer integre um empréstimo mercantil da previsão do art.º 394.º do Código Comercial, não consubstancia “transacção comercial” tal como esta é definida no art.º 3.º, al. a), do citado DL 32/2003. Na verdade, a obrigação a que se reporta o requerimento injuntivo, não decorrendo da prestação de serviços, nem do fornecimento de mercadorias, não resultou de transacção entre empresas. Nem os requeridos merecem a qualificação de “empresa”, nos termos definidos no art.º 3.º, al. b), do DL n.º 32/2003, mesmo que se perspective este termo numa concepção ampla, englobando as empresas privadas em geral, as pessoas colectivas públicas e os profissionais liberais, como tem sido entendido pela generalidade da jurisprudência e da doutrina[3]. Com efeito, da exegese do requerimento injuntivo, não se extrai a qualidade em que os requeridos foram demandados, tudo levando a concluir que o foram enquanto meros consumidores. Não foi indicado, designadamente, se os mesmos desempenhavam alguma actividade económica ou profissional autónoma, devidamente organizada, ainda que exercida por pessoa singular, pois naquele apenas constam os nomes dos requeridos, o domicílio comum e o NIF de cada um deles. Assim sendo, como se nos afigura que é, também estava vedado ao requerente lançar mão do procedimento de injunção com fundamento em “obrigação emergente de transacção comercial”. Ao deduzir o requerimento injuntivo, o requerente tinha que alegrar que se encontravam preenchidos os pressupostos legais em apreço. Não o tendo feito, fez um uso indevido e inadequado desse meio. Estamos, assim, perante uma situação em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a utilização da injunção, o que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa. Esta situação configura uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 493.º do CPC. Verifica-se, pois, no presente caso, uma excepção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância, como tem sido entendido pela maioria da jurisprudência[4] e pela melhor doutrina[5]. O Conselheiro Salvador da Costa afirma, claramente, a este propósito, no local indicado, o seguinte: “Como a utilização deste tipo de procedimento de injunção depende da existência de transacções entre empresas ou entre estas e entidades públicas, deve o requerente, no respectivo instrumento, expressar factos reveladores desse pressuposto. Não tendo sido alegado que o demandado, pessoa singular, tenha agido no exercício de alguma actividade económica ou profissional autónoma, susceptível de ser enquadrada no conceito de empresa, não pode contra ele ser admitido este específico requerimento de injunção. Mas se o for e houver oposição do requerido e distribuição como acção, pode o juiz respectivo, conhecer do referido vício processual, susceptível de ser configurado como excepção dilatória inominada”. Com o devido respeito, afigura-se-nos que não se trata de erro na forma de processo, muito embora haja outro sector da jurisprudência que sustenta este entendimento[6]. Mas, ainda que se entendesse que se tratava deste vício, mesmo assim, o resultado seria idêntico, no presente caso. É que não havia possibilidade de aproveitamento do processado, uma vez que dele resultaria uma flagrante diminuição das garantias de defesa dos requeridos (cfr. art.º 199.º, n.º 2 do CPC). Com efeito, o processo seguiria, como seguiu, os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos[7], ou seja, os termos especiais dos art.ºs 3.º e 4.º do anexo ao DL n.º 269/98, e não segundo a tramitação da acção declarativa comum[8]. Os direitos de defesa a exercer pelos requeridos, numa acção com este avultado valor e com a causa de pedir invocada, ficariam necessariamente comprimidos, o que não é, como se compreende, admissível, tanto mais que não se trata de obrigação emergente de transacção comercial, a qual é pressuposta pelo n.º 4 do referido art.º 7.º. E, como é sabido, o erro na forma de processo constitui numa nulidade, de conhecimento oficioso, que importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e à prática daqueles que forem necessários para que o processo se aproxime da forma prevista na lei, mas que, quando não forem aproveitáveis, designadamente a própria petição inicial, por se revelar totalmente inadequada ao pedido formulado e à forma processual adequada, conduz à absolvição da instância (cfr. art.ºs 199.º, 202.º, 206.º, n.º 2, 288.º, n.º 1, b), 493.º, n.º 2, 494.º, al. b) e 495.º, todos do CPC). Atenta a forma de processo seguida após a distribuição na sequência da oposição, nem sequer era possível equacionar um despacho de aperfeiçoamento, por tal convite não estar previsto naquela forma processual, mas apenas para a acção comum (cfr. n.º 3 do mencionado art.º 7.º) e visto não ter cabimento o convite a que alude o art.º 17.º, n.º 3 do anexo ao DL n.º 269/98. A excepção dilatória inominada acima aludida, afectando o conhecimento e o prosseguimento da acção especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento. Por isso, o processo devia ter terminado, logo que foi invocada tal excepção ou, pelo menos, em sede de sentença, não se compreendendo o segmento da mesma sobre tal matéria, supra transcrito na conclusão L), pelo que não pode ser mantida. Procedem, por conseguinte, as conclusões atinentes à referida excepção e fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas na apelação. Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC, em jeito de síntese conclusiva: A injunção que se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor superior a 15.000,00 € e inferior a 30.000,00 €, requerida depois de 1/1/2008 e em cujo requerimento não se alegue que elas emergem de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 32/2003, de 17/2, à qual tenha sido deduzida oposição, não pode seguir como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, por se verificar um obstáculo impeditivo do conhecimento do mérito, que, por não permitir qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento, dá lugar à absolvição da instância. III. Decisão Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se a sentença recorrida e, julgando verificada a excepção dilatória inominada acima referida, absolvem-se os réus da instância.*Custas em ambas as instâncias pelo autor/apelado.*Porto, 18 de Dezembro de 2013 Fernando Samões Vieira e Cunha Maria Eiró _____________ [1] Apesar disso, não se deu cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 685.º-A do CPC, porque raramente se alcança o objectivo do convite nele previsto e para evitar mais delongas, combater a morosidade e imprimir maior celeridade processual, por nós sempre defendida e praticada. [2] Neste sentido, cfr. o Conselheiro Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 15. [3] Cfr. Acórdãos desta Relação de 12/10/2010, processo n.º 382410/09.6YIPRT.P1 (em que o aqui relator e o 1.º Adjunto intervieram como Adjuntos, acessível em www.dgsi.pt, e Conselheiro Salvador da Costa "A Injunção e as Conexas Acção e Execução", 6ª edição, págs. 171/172. [4] Cfr., entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 26/9/2005, processo n.º 0554261; da Relação de Lisboa de 7/6/2011, processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1-1 e de 29/3/2012, processo n.º 227640/10.4UIPRT.L1-2; da Relação de Coimbra de 24/1/2012, processo n.º 546/07.0TBCBR.C1 e do STJ de 14/2/2012, processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [5] Cfr. Conselheiro Salvador da Costa, obra citada, pág. 172 e Paulo Duarte Teixeira, “ Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção” in Themis, VII, n.º 13, pág. 169-212. [6] Cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa TRL de 18/06/2009, processo n.º 6201/06.0TBAMD.L1-2 e de 30/4/2013, processo n.º 162450/12.1YIPRT.L1-7, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. [7] De acordo com o n.º 4 do art.º 7.º do citado DL n.º 32/2003. [8] Apenas prevista para as acções com valor superior à alçada da Relação que é, como se sabe, de 30.000,00 € – cfr. n.º 2 do mesmo art.º 7.º e art.º 24, n.º 1 da LOTJ na redacção dada pelo DL n.º 303/2007, de 24/8.