I - A livrança em branco é prescritível no prazo referido no artº 70º, ex vi do artº 77º, ambos da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. II - Enquanto a livrança não for preenchida e nela inserida a data de vencimento, não começa o prazo de prescrição da obrigação cambiária. III – Os avalistas da livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento.
Proc. nº 60/10.6TBMTS.P1 Matosinhos Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório. 1. B…, Ldª, com sede na …, nº ….., …, em Matosinhos, instaurou contra C…, S.A., com sede na …, nº .., em Lisboa, ação declarativa com processo ordinário. Alegou, em síntese que: A D…, S.A., da qual a autora é acionista, em 3/3/1994, celebrou com a C…, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, no montante de 350.000.000$00. No decurso de alterações ao referido contrato, foi subscrita uma livrança, avalizada pela autora, onde apenas constava a data de emissão de 11/3/1994, o nome da subscritora D…, o nome da autora e dos demais avalistas E…, S.A. e F…, Ldª, também acionistas da D…, reservando a C…, nos termos da cláusula 4ª, da 3ª alteração ao contrato, o direito de preencher a livrança “quando se mostrar necessário, a juízo da C…”, mas a al. a) da referida cláusula 4ª, esclarece que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento”. Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da D… é grave, não tendo a C… qualquer possibilidade de receber o seu crédito. A C…, mesmo sem ter preenchido a livrança, considerou a importância da livrança vencida e em cobrança à autora, facto que teve consequências nefastas para a autora que viu o seu crédito cortado e passou a pagar “spreads” mais elevados pelas obrigações em curso. De qualquer forma, pelo menos desde 17/12/2003, a livrança está a pagamento pelo avalista E… que, tanto quanto a autora sabe, se prontificou a pagar. Assim, a data de vencimento da livrança ocorreu em 2003, data em que se verificou total incumprimento do contrato de crédito pela D… e em que a C… exigiu o cumprimento da avalista E…, simples devedor cambiário. A livrança em branco é prescritível no prazo referido no artº 70º da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. Face ao acordo de preenchimento a livrança devia ser preenchida em 2003, data do incumprimento definitivo do contrato de crédito pela D… e como há bem pouco tempo se manifestava por preencher, não pode agora ser preenchida, porque prescreveu. Conclui pedindo que se declare prescrita a livrança e, em consequência, extinta a obrigação da autora como avalista. Contestou a C… aceitando a qualidade de avalista da autora na livrança subscrita pela D…, que lhe foi entregue em caução do crédito concedido a esta, por contrato celebrado em 11/3/1994, contrato este que deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31/10/2014. Ainda assim, a autora e os restantes avalistas autorizaram a ré a preencher a livrança, quando tal se mostre necessário a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito”. Deste acordo não resulta que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha que ser inserida uma determinada data de vencimento. O “quanto” e o “quando” da dívida, o montante da livrança e a sua data de vencimento são dois elementos essenciais do título que têm de ficar em branco quando, como é o caso, se destinam a caucionar um contrato de abertura de crédito, sob pena do título perder toda a sua utilidade, enquanto instrumento de titulação dos créditos emergentes dos ditos contratos, ficando os avalistas, subscritores da livrança em branco, sujeitos ao direito potestativo do portador preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento. Enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a data de vencimento, não se inicia qualquer prazo de prescrição. De qualquer forma, a autora promoveu e subscreveu os acordos dos co-avalistas com a ré para negociar o incumprimento da D… e ao invocar agora que tais negociações fizeram prescrever a sua obrigação age com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio. E caso a autora, como diz, conhecesse desde 2003 a “iminente” situação de insolvência da subscritora da livrança, ainda não decretada, tanto quanto é do conhecimento da ré, poderia ter pago a divida e exercer o seu direito de regresso contra a D… reduzindo assim os riscos de não obter, por esta via, o pagamento, como agora alega. Concluiu pela improcedência da ação. A autora replicou, por forma a afastar a defesa da ré, na parte em que a qualificou por exceção e requereu a ampliação do pedido, neste incluindo para além da declaração de prescrição da livrança, o seguinte: “ser declarada nula como titulo cambiário, por o seu preenchimento já não ser possível e, em consequência e em qualquer caso extinta a obrigação da Autora, como avalista”. A ré triplicou opondo-se à requerida ampliação do pedido - não obstante o considerar mera decorrência do pedido inicial formulado pela autora - porque extravasaria o âmbito da presente ação, uma vez que existem outros responsáveis pelo pagamento da livrança que não são partes nos autos e por se haver tornado inútil a ampliação com o preenchimento, entretanto ocorrido, da livrança facto que é do conhecimento da autora. 2. Foi admitida a ampliação do pedido, proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e condensado o processo com factos provados e base instrutória. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sem reclamações, foi exarado despacho que respondeu à matéria de facto, por escrito, as partes alegaram de direito e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência, declaro que se encontra prescrita relativamente à Autora a acção cambiária da livrança identificada na petição como documento nº 6, emitida à ordem da Ré em 94/03/04, subscrita pela D…, S.A., e avalizada, entre outros, pela Autora.” 3. O recurso. É desta sentença que a ré interpõe recurso, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. O pacto de preenchimento estipula que: "Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, a mutuária e as 2ªs contratantes entregam à C… uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizado pelas segundas e autorizam desde já a C… a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pelo mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito (…)". 2. As partes interpretaram corretamente o sentido de tal cláusula, conforme decidido na sentença recorrida, ou seja, que "desde que houvesse incumprimento da obrigação subjacente, a Ré poderia preencher a livrança quando assim entendesse". 3. O incumprimento funcionava, no caso, como condição suspensiva para o preenchimento da livrança, pelo que ocorrendo este, o termo inicial para o preenchimento iniciava-se "quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…". 4. Atento o estipulado pelas partes no contrato em causa, não se vislumbra de que forma foi alterado ou dificultado o decurso dos prazos legais de prescrição. 5. De facto, ambas as situações se encontram previstas no art. 306.º, a que sentença faz referência, mas no n.º2, que não foi atendido na mesma. 6. A conclusão da sentença assenta, desde logo, numa incorreta natureza do pacto de preenchimento. 7. A sentença menospreza, em absoluto, a natureza abstrata do título de crédito, considerando que o seu cumprimento, e, em decorrência, o prazo de prescrição de obrigação cambiaria, se encontra ligada à relação subjacente, mesmo que esta seja o pacto de preenchimento. 8. O art. 10.º da LULL permite aferir tão-só o preenchimento em face do acordo de preenchimento, para determinar a sua observância ou não, pelo que tudo o que ultrapasse este âmbito viola, inequivocamente, a abstração do título letra. 9. Como são doutrina e jurisprudência pacíficas, enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a respetiva data de vencimento, não se torna eficaz, não podendo ser, designadamente, acionados os avalistas. 10. Como só então se torna eficaz, só então se pode iniciar a contagem do prazo prescricional. 11. Não sabendo o "quanto" e o "quando" da dívida, o montante da letra e a sua data de vencimento são os dois elementos essenciais do título que terão de ficar em branco. 12. O portador de uma livrança em branco só a pode preencher em caso de incumprimento mas só a deve preencher quando pretende acionar os devedores, sob pena de correr o risco de a livrança prescrever em relação a estes. 13. Perante o incumprimento da mutuária e a não regularização extrajudicial da dívida, a Recorrente preencheu a livrança, fixando a data de vencimento para o que tinha mandato. 14. Mas só o pôde fazer quando esgotou ou meios extrajudiciais para cobrança do seu crédito, designadamente após ter concluído que as negociações encetadas com os devedores, o que só ocorreu em 2009, ainda que não diretamente com a aqui Recorrida, mas que delas tinha conhecimento, como provado nos autos. 15. Assim, se a Recorrente tivesse de preencher a livrança no prazo de 3 anos após o cumprimento, como pretende a sentença, certamente muitas negociações ficariam impedidas ou prejudicadas. 16. A afirmação que o portador de uma livrança em branco tem de a preencher no prazo de 3 anos a contar do incumprimento da relação subjacente, não tem qualquer base legal, ou seja, o prazo inicial da prescrição da ação cambiaria conta-se da data de vencimento da livrança e não de qualquer outra data. 17. Como consta do pacto de preenchimento, o Recorrente autorizou a Recorrida a preencher a livrança quando tal se mostrasse necessário, a seu próprio juízo, no que concerne à data de vencimento e à importância da livrança. 18. Não resulta, pois, do acordo das partes que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha de ser inserida uma determinada data de vencimento. 19. Igualmente não resulta da LULL qualquer prazo para o preenchimento de livrança entregue sem data de vencimento preenchida. 20. Bem ao invés do que foi considerado na sentença recorrida, o art. 306.° não impõe tal solução, pois que sempre o n.° 2 prevê a solução de o prazo se iniciar apenas e só quando ocorrer o termo inicial para o preenchimento, acordado entre as partes, após a verificação do incumprimento - "quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…" 21. E tal acordo, ao contrário do que vem invocado na sentença, não resulta o efeito de "deixar inteiramente na mão do credor a possibilidade de preencher o título, sem dependência de qualquer prazo, após a data do incumprimento do obrigação subjacente". De facto, corno a obrigação subjacente está sujeita a um prazo prescricional no máximo de 20 anos, nunca ao Recorrente poderia executar o avalista "sem dependência de qualquer prazo". 22. E não deixa de ser contraditório que a sentença, que faz tábua rasa da abstração do título, esqueça agora a relação subjacente e o seu prazo prescricional para fazer esta afirmação. 23. Ao decidir como decidiu, a sentença violou, pois, o n.º 2 do art 306.º do CCivil. 24. Tal acordo não viola o art. 300º do CCivil, pois em nada contende com os prazos prescricional, que continua a ser de 3 anos, nem dificulta as condições em que a prescrição opera os seus efeitos. 25. Ao abrigo do disposto no art. 70º da LULL, as ações contra os avalistas relativas a livranças prescrevem no prazo de três anos a contar do seu vencimento, pelo que quanto a este prazo nenhuma modificação ou obstáculo foi introduzida pela cláusula do pacto de preenchimento em apreço. 26. O prazo para a Recorrente acionar os avalistas não foi alterado. A Recorrente sempre teria 3 anos a contar da data de vencimento da livrança para intentar a ação competente, sob pena de prescrição. 27. A sentença interpretou erradamente a última parte do art. 300.º, ao considerar que o pacto em causa impedia o início da contagem do prazo de prescrição. 28. Se a norma pudesse ter tal interpretação, a mesma era contraditória com o n.º 2 do art. 306.º, interpretação que tem que ser afastada ao abrigo do disposto no art. 9.o, nº3 do CCivil. 29. Esta parte da norma tem o seguinte sentido: "De acordo com o preceito são nulas, não apenas as convenções entre as partes que encurtem ou alarguem prazos prescricionais, como também aquelas que modifiquem o modo como a prescrição corre, as causas de suspensão ou de interrupção" (Júlio Gomes, ob.. cit. pág. 743), sendo que o acordo em causa não se insere em nenhuma destas situações. 30. Atente-se ainda em que a doutrina exclui desta norma o pactum de nom petendo, que "não representa uma violação deste preceito já que a prescrição só começa a correr a partir da verificação do termo prevista no pacto" (Júlio Gomes, ob. cit., pág. 744). 31. A tese da sentença, a ser aceite, o que se admite por mera cautela de patrocínio, estaria a tutelar o abuso de direito da Recorrida. De facto, esta soube das negociações em curso, soube que foi o arrastamento destas que levou a que a livrança só fosse preenchida na data em que o foi, não se apresentou a pagar a divida, mas agora, aproveitando-se de todos estes factos, vê um tribunal reconhecer-lhe um direito que não tem. 32. De facto, a Recorrida sabia que a dívida estava vencida, é devedora solidária, devia tê-la pago, mas, ao invés, esperou que o tempo decorresse, aproveitando-se das negociações de outro devedor com a credora, para depois vir invocar a prescrição. E aqui é que radica o abuso. 33. Há aqui uma atuação em prejuízo de terceiros, contrária a normas e princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. 34. A sentença procede a uma total inversão de valores: não é o devedor que tem a obrigação de pagar a tempo e horas, é o credor que tem que o demandar celeremente. 35. Em suma, o favor debitoris foi aqui utilizado ao arrepio de tudo o que a área em que encontramos - Direito Comercial e Direito Bancário - propugnam. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!» O autor contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Objeto do recurso. Considerando as conclusões da motivação do recurso, importa decidir se se verifica a prescrição da ação cambiária contra a autora/avalista, fundada na livrança que deve ser paga à ré. III. Fundamentação. 1. Os factos Sem impugnação, a decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: A) A sociedade D…, S.A., pediu um financiamento à ré C…, S.A., por contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria, importação e/ou exportação, celebrado em 3 de Março de 1994, considerado perfeito 11 de Março de 1994, alterado em 20 de Maio de 1994 (1ª alteração), alterado em 18 de Maio de 1995, considerado perfeito em 22 de Maio de 1995 (2ª alteração), alterado em 12 de Agosto de 1996, considerado perfeito na mesma data (3ª alteração), conforme documento constante de fls. 23 a 45, cujo teor se dá por reproduzido.- B) O referido contrato, após as suas alterações, estipula o valor da abertura de crédito em Esc.: 350.000.000$00 (trezentos e cinquenta milhões de escudos).- C) A referida D…, na execução do referido contrato de abertura de crédito em conta corrente, esgotou o referido crédito.- D) O crédito concedido pela Ré à D… era pelo período de 6 meses, renováveis.- E) No contrato de abertura de crédito referido em A), e para garantia do mesmo, foi subscrita uma livrança em branco, onde apenas consta a data de emissão de 94/03/04, o nome da subscritora D… e o nome dos avalistas E…, SA., B…, Ld.ª e F…, Ld.ª, conforme documento constante de fls. 57 a 59, cujo teor se dá por reproduzido.- F) A Autora deu o seu aval na referida livrança.- G) A Ré enviou cópia à autora da referida livrança em branco em 14 de Maio de 2009.- H) Por carta de 17 de Dezembro de 2003, a Ré referiu que os débitos da D… seriam liquidados assim que fosse formalizado o processo de reestruturação financeira do Grupo E…, conforme documento constante de fls. 56, cujo teor se dá por reproduzido.- I) Na cláusula 4.ª da 3ª alteração ao contrato referido em A), a Ré reservou o direito de preencher a livrança “quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…”, estipulando na al. a) da referida cláusula 4.ª que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento”.- J) A livrança foi considerada vencida pela Ré C… e, assim, exigível a obrigação cambiária da avalista autora.- L) Em execução do Dec-Lei n.º 204/2008, de 14 de Outubro, referente à centralização das responsabilidades por crédito concedido, a Ré considerou em cobrança da autora a aludida dívida.- M) A Autora nunca foi interpelada para pagar, pela intervenção do avalista E…, que se prontificou ela própria a pagar.- N) Tal livrança foi entregue à Ré em caução do crédito concedido à sociedade D…, por contrato celebrado em 11/3/1994, pelo período de seis meses, automaticamente renovado por iguais e sucessivos períodos, “a menos que a C… ou a 1ª contraente, denuncie o contrato por escrito, e com, pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao prazo que estiver em curso” (cláusula 4ª).- O) A Autora e os restantes avalistas autorizaram a Ré a “preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito (...)”.- 1) A sociedade D…, S.A., funcionava como central de compras nos mercados externos, predominantemente de bananas, com destino aos seus acionistas- 2) As sociedades E…, SA e F…, Ld.ª. serviram-se da D…, para financiarem a sua própria tesouraria e procederem, por seu intermédio, às importações de banana e outras frutas.- 3) Com referência ao exercício de 1999, a E…, SA devia à D… a quantia de esc.263.411.000$00 e a F… a quantia de esc.130.774.000$00.- 4) As referidas empresas nunca regularizaram os seus débitos com a D….- 5) As referidas E…, SA e F…, Ld.ª., obrigaram-se a regularizar perante a D…, os débitos desta perante a C….- 6) Desde 2001, as relações comerciais da D… faziam-se quase exclusivamente com a E…, SA e a F…, Ld.ª. 8) Em 2003, a D… não vinha a regularizar os seus débitos por créditos à importação de bananas com a Ré C…, tendo esta acordado com o grupo E… que tal liquidação de débitos seria efetuada assim que seja formalizado o processo de reestruturação financeira do Grupo. 9) Com a reestruturação do grupo E… têm vindo a ser pagos à C… outros débitos que não os da D…. 10) O crédito da C… sobre a D… é derivado de financiamentos à importação de bananas. 11) Nas reservas ao relatório e contas de 2003, o ROC Dr. G…, denunciou o risco de incumprimento, colocando um cenário de eventual dissolução da D…, e índice que a situação de incumprimento existente perante a C… seria objeto de negociações entre os devedores daquela e a própria Ré, no sentido destes assumirem as referidas dívidas, negociações estas não concretizadas. 12) O ROC, na referida certificação de contas, refere: “Dada a relevância e significado dos efeitos das situações descritas, não estamos em condições de expressar, e não expressamos, uma opinião sobre as demonstrações financeiras”. 14) Os administradores da F…, Ld.ª e E..., SA serviram-se da sua qualidade de também administradores da D… para usarem esta para financiar as suas próprias empresas. 15) Pelo menos desde 2004, a Ré sabia que a situação de incumprimento da D… era muitíssimo grave e calamitosa a sua situação financeira. 16) Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da D… é grave, não tendo a Ré C… qualquer possibilidade de dela receber o seu crédito. 17) Pelo menos desde 2004, a D… vive quase sem movimento ou atividade. 18) O Grupo de E…, SA. está em liquidação, procedendo à venda das suas lojas e sociedades em que tem participações sociais, com o que tem vindo a pagar outros débitos à Ré. 22) A informação do facto referido em L) circulou nos meios bancários, através do Banco Portugal. 26) O contrato referido em A) deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31.10.2004. 27) O pacto de preenchimento da referida livrança foi entregue em branco, exceto no que respeita à data de emissão, permitindo à R. preenchê-la em caso de incumprimento. 28) Têm ocorrido negociações com o denominado “Grupo E…”, a que pertence, entre outras sociedades, a E1…, SA. 30) Tais negociações são do conhecimento da A.. 31) A A. nunca se opôs a tais negociações. 32) De tais negociação resultou a amortização parcial de dívidas do Grupo E… à Ré, através da venda de imóveis onerados com hipotecas, tendo as verbas em causa sido canalizadas para amortização das dívidas para garantidas pelos respetivos imóveis. 33) A dívida da D… não tinha qualquer garantia real, pelo que nenhum dos imóveis alienados garantia dívidas da D…. 34) Em 2003 a D… não era proprietária de quaisquer bens imóveis. 2. Direito. “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”. É o que decorre do artº 70º (1ª parte), da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças (LU). Este regime aplicável às livranças ex vi do artº 77º da LU. O aval é uma garantia dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra, escrito na própria letra ou numa folha anexa, que apondo a sua assinatura na face anterior da letra assume responsabilidade idêntica à pessoa por ele afiançada (artºs. 30º a 32º, da LU). A autora avalizou a livrança subscrita pela D… onde apenas consta a data de emissão de 94/03/04, o nome da subscritora e o nome dos avalistas E…, SA., B…, Ld.ª e F…, Ld.ª (alínea E) dos factos provados) e pediu a declaração de extinção da sua obrigação cambiária, por prescrição, argumentando que a ré, à ordem de quem deve ser paga a livrança, não a preencheu em 2003, data em que a subscritora da livrança entrou em incumprimento do contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria, que a livrança se destinou a caucionar, violando assim o pacto de preenchimento. A decisão recorrida acolheu a pretensão da autora mas não os fundamentos; considerou que o pacto de preenchimento não se mostra violado, por resultar deste a faculdade da ré preencher a livrança para efeitos de realização coativa do respetivo crédito, sem qualquer limitação temporal mas que um acordo de preenchimento com esta latitude é nulo, por força do disposto no artº 300º do Código Civil, uma vez que “tem indiretamente por efeito modificar o prazo legal da prescrição (pois ao impedir o início da contagem do prazo, prorroga necessariamente o seu termo) ou, no mínimo, dificulta as condições em que a prescrição opera os seus efeitos (pois necessariamente retarda o termo do prazo de prescrição”, que “a obrigação cambiária podia ser exercida desde 31/10/2004 (que foi a data em que ocorreu o incumprimento da obrigação que a livrança garantia) e que é a partir desta data que começou a correr o prazo, de acordo com o artº 306º, nº1, do Código Civil, norma imperativa e, como tal inderrogável por acordo das partes, terminando por declarar prescrita a obrigação da autora, por se haver completado o prazo de prescrição da ação cambiária. Sem prejuízo de acompanharmos a decisão recorrida quanto às considerações de ordem geral sobre a inderrogabilidade do regime da prescrição, por decorrer da lei (artº 300º, do Cód. Civil), estamos em crer que as razões nela apontadas para concluir pela prescrição da ação cambiária são afastadas por este mesmo regime. É que a lei permite, no caso de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial, que o prazo da prescrição comece depois de a condição se verificar ou o termo se vencer (artº 306º, nº2, do Código Civil), o que significa designadamente a inexistência de qualquer limitação à vontade das partes de clausularem que os efeitos do negócio jurídico só comecem a partir de um certo momento e que seja este o relevante para efeitos do início da prescrição sem que, com isso, por expressa permissão legal, se mostre violado a inderrogabilidade do regime da prescrição; subordinando as partes o início da prescrição designadamente a termo inicial, não modificam os prazos legais da prescrição, nem facilitam ou dificultam as causas de suspensão ou interrupção da prescrição, ou seja, o modo como a prescrição corre, núcleo inderrogável do regime (artº 306º, do Cod. Civil); uma coisa são as condições para o exercício do direito, coisa diferente é o prazo para o seu exercício ou, mais concretamente, o momento a partir do qual, reunidas aquelas condições, o direito pode ser exercido. A decisão recorrida não atentou, a nosso ver, nesta distinção e, como tal, impõe alguma correção. A livrança é um título formal; um escrito, para valer como livrança, deverá conter os requisitos enumerados no artº 75º e 76º da LU. Mas a lei admite a livrança em branco, ou seja, que lhe faltem requisitos essenciais, necessário é que contenha, pelo menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária. “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido falta grave” (artº 10º, aplicável às livranças ex vi do artº 77º, ambos da LU). Para usar as autorizadas palavras de Ferrer Correia: “Pode, deste modo, uma letra ser emitida em branco; é óbvio, porém, que a obrigação que incorpora só poderá efetivar-se desde que no momento do vencimento o título se encontre preenchido. Se o preenchimento se não fizer antes do vencimento, então o escrito não produzirá efeito como letra (…)”.[1] Emitida uma letra ou livrança em branco a pessoa à ordem de quem deve ser paga tem o direito de a preencher nos termos acordados, ou seja, de acordo com o pacto de preenchimento e é com o preenchimento que nasce a obrigação cambiária ou, pelo menos, é neste momento que se torna eficaz.[2] O que é válido para os avalistas; “o subscritor do título cambiário, ao emiti-lo, atribui ao portador a quem o entrega o direito de o preencher de harmonia com o convencionado a tal respeito”.[3] No caso dos autos, a autora deu o aval à subscritora da livrança contendo esta apenas, para além da palavra livrança[4], a data de emissão de 4/3/1994, o nome da subscritora e o nome dos avalistas (alínea E) dos factos provados). O escrito não contém nem a quantia determinada, nem época do pagamento, requisitos indispensáveis para produzir efeitos como livrança (artº 75º, da LU). Assim, seja porque inexiste ainda a obrigação cambiária da autora, seja porque esta, existindo, não é eficaz, a obrigação não se mostra prescrita porque o direito ainda não pode ser exercido e é só a partir do momento em que o direito pode ser exercido que começa a correr o prazo da prescrição (artº 306º, nº1, do Código Civil); no caso da livrança, a prescrição conta-se a partir da sua época de vencimento (artºs 70º, 75º e 77º, todos da LU) e permanecendo esta em branco à data da entrada da petição em juízo, o prazo de prescrição ainda não se havia iniciado o que obsta à sua pretensa completude. E a livrança também não pode haver-se por pagável à vista por lhe faltar, como dito, a indicação da quantia determinada, o que impede o escrito em causa de produzir efeitos como livrança. Certo que a ausência de prazo legal para o preenchimento da livrança ou da letra que não contenha a menção da época de pagamento e da quantia determinada, coloca o problema da prescrição da respetiva ação cambiária; e é esta questão que constitui o cerne da ação. Mas a jurisprudência tem sido uniforme quanto a este juízo, considerando que enquanto a letra ou a livrança não for preenchida e nela inserida a data do vencimento, não se inicia a contagem de qualquer prazo de prescrição.[5] A autora iniciou por pedir a prescrição da livrança mas, certamente por reconhecer estas dificuldades, veio, na resposta à contestação, alterar o pedido, por forma a declarar-se nula a livrança por o seu preenchimento já não ser possível, assim colocando a questão do seu putativo preenchimento abusivo. Decorre dos factos provados que a livrança se destinou a garantir o contrato de abertura de crédito celebrado entre a ré e a D… e que a autora e os restantes avalistas autorizaram a ré a “preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito (...)”.- cfr. als. A), E) e O) dos factos provados. É este o acordo de preenchimento da livrança que, no caso, se prova haver sido celebrado entre a ré, pessoa a quem deve ser paga a livrança, a subscritora D…, a autora e demais avalistas; as partes divergiram e divergem na interpretação deste acordo; no dizer da autora, a ré mostrava-se vinculada a preencher a livrança em caso de incumprimento do contrato de abertura de crédito pela D…, tal incumprimento ocorreu em 31/10/2004, data em que a livrança se tornou exigível e se iniciou a contagem do prazo da prescrição; no entender da ré, desde que houvesse incumprimento da obrigação subjacente, poderia preencher a livrança quando entendesse. A decisão recorrida consignou, a propósito, o seguinte: “A interpretação do pacto de preenchimento não oferece dúvidas no sentido de autorizar a Ré a preencher a livrança só após o incumprimento da obrigação subjacente (“em caso de incumprimento”) – nem de outro modo faria qualquer sentido. Mas a questão não é a partir de quando é que a livrança podia ser preenchida, mas sim até quando o poderia ser. Ora, é usada uma conjunção alternativa (ou) relativamente à situação de incumprimento: ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito. Uma vez que não faz sentido que a livrança seja preenchida se não houver incumprimento da obrigação subjacente, a referida conjunção alternativa só pode querer significar que o preenchimento tanto podia ocorrer no momento do incumprimento como no momento em que a Ré quisesse obter coercivamente a obrigação. (…) Esta é a interpretação que corresponde ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição dos outorgantes do pacto de preenchimento (a Ré, a D…, a Autora e os restantes avalistas) deduziria do aludido texto – cfr. o disposto no Artigo 236º, nº 1, do Código Civil. Em consequência, não se pode concluir que, de acordo com o pacto de preenchimento, a livrança não possa ser preenchida oportunamente pela Ré (se é que o não foi já entretanto) para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito.” Acompanhamos este segmento da decisão recorrida; a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (artº 236º, nº1, do Cód. Civil), ora, as partes acordaram que a livrança seria preenchida “quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente” que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito”. O incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas é uma condição necessária do preenchimento da livrança, mas não determinante ou, porventura com mais clareza, verificado o incumprimento da relação subjacente a ré podia mas não estava obrigada a preencher a livrança; para um declaratário normal colocado na posição da ré, a declaração tem também o sentido do preenchimento da livrança poder ocorrer quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, para efeitos de realização coativa do respetivo crédito. A obrigatoriedade da ré preencher a livrança na data do incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas, como defende a autora, não encontra, a nosso ver, apoio na convenção de preenchimento, por supor a sua injustificada abrogação parcial; de acordo com este, como dito, a livrança pode ser validamente preenchida, a juízo da ré, para efeitos de realização coativa do respetivo crédito e uma vez verificado o incumprimento da relação subjacente pela subscritora, segmento que a interpretação da autora elimina. A interpretação da cláusula de preenchimento que se corrobora é justificável na relação contratual duradoura – contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria – cujo débito a livrança se destinou a titular e não sacrifica desproporcionadamente os interesses da autora, pois esta, como se anota nos autos e se escreveu no Ac. STJ de 12-11-2002[6], se pretendia pôr termo à obrigação de duração indeterminada a que se vinculou pela assinatura da livrança em branco, bem podia - e para tanto gozavam de inteira liberdade de acção - ter notificado o Banco para proceder ao preenchimento e aposição de data de vencimento em data anterior assim fazendo antecipar o início do prazo prescricional da obrigação cambiária. Assim e ainda que a ré venha a preencher ou haja preenchido (como ex novo se afirma no recurso) a livrança em data posterior à entrada da petição em juízo, não se reconhece que, por esta razão e ao contrário do defendido pela autora, exerça de forma ilegítima o seu direito. Não se reconhece, pois, a apontada impossibilidade contratual do preenchimento da livrança, o que acrescido do demais exposto determina a procedência do recurso e com esta a revogação da decisão recorrida. Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº7, do CPC): I - A livrança em branco é prescritível no prazo referido no artº 70º, ex vi do artº 77º, ambos da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. II - Enquanto a livrança não for preenchida e nela inserida a data de vencimento, não começa o prazo de prescrição da obrigação cambiária. III – Os avalistas da livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento. IV. Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida e, em consequência, em julgar a ação improcedente. Custas pela recorrente. Porto, 24/3/2015 Francisco Matos Maria de Jesus Pereira Maria Amália Santos ___________ [1] Lições de Direito Comercial, 1975, vol. III, Letra de Câmbio, pág. 134. [2] Cfr, Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, 5ª ed., págs. 86 e 86 e doutrina aí citada. [3] Cfr. Ac. STJ de 22/10/2003, disponível em www.dgsi.pt [4] Cfr. fls. 58 dos autos. [5] Para além da jurisprudência já anotado nos autos mencionam-se, a título de exemplo, o Ac. STJ de 22/5/1962, Bol. 117º-623, cit. por Abel Delgado, ob. cit., pág. 87. e os Acs. STJ de 30/9/2003 (este já citado), de 29/11/2005 e de 5/12/2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [6] Disponível em www.dgsi.pt
Proc. nº 60/10.6TBMTS.P1 Matosinhos Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório. 1. B…, Ldª, com sede na …, nº ….., …, em Matosinhos, instaurou contra C…, S.A., com sede na …, nº .., em Lisboa, ação declarativa com processo ordinário. Alegou, em síntese que: A D…, S.A., da qual a autora é acionista, em 3/3/1994, celebrou com a C…, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, no montante de 350.000.000$00. No decurso de alterações ao referido contrato, foi subscrita uma livrança, avalizada pela autora, onde apenas constava a data de emissão de 11/3/1994, o nome da subscritora D…, o nome da autora e dos demais avalistas E…, S.A. e F…, Ldª, também acionistas da D…, reservando a C…, nos termos da cláusula 4ª, da 3ª alteração ao contrato, o direito de preencher a livrança “quando se mostrar necessário, a juízo da C…”, mas a al. a) da referida cláusula 4ª, esclarece que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento”. Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da D… é grave, não tendo a C… qualquer possibilidade de receber o seu crédito. A C…, mesmo sem ter preenchido a livrança, considerou a importância da livrança vencida e em cobrança à autora, facto que teve consequências nefastas para a autora que viu o seu crédito cortado e passou a pagar “spreads” mais elevados pelas obrigações em curso. De qualquer forma, pelo menos desde 17/12/2003, a livrança está a pagamento pelo avalista E… que, tanto quanto a autora sabe, se prontificou a pagar. Assim, a data de vencimento da livrança ocorreu em 2003, data em que se verificou total incumprimento do contrato de crédito pela D… e em que a C… exigiu o cumprimento da avalista E…, simples devedor cambiário. A livrança em branco é prescritível no prazo referido no artº 70º da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. Face ao acordo de preenchimento a livrança devia ser preenchida em 2003, data do incumprimento definitivo do contrato de crédito pela D… e como há bem pouco tempo se manifestava por preencher, não pode agora ser preenchida, porque prescreveu. Conclui pedindo que se declare prescrita a livrança e, em consequência, extinta a obrigação da autora como avalista. Contestou a C… aceitando a qualidade de avalista da autora na livrança subscrita pela D…, que lhe foi entregue em caução do crédito concedido a esta, por contrato celebrado em 11/3/1994, contrato este que deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31/10/2014. Ainda assim, a autora e os restantes avalistas autorizaram a ré a preencher a livrança, quando tal se mostre necessário a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito”. Deste acordo não resulta que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha que ser inserida uma determinada data de vencimento. O “quanto” e o “quando” da dívida, o montante da livrança e a sua data de vencimento são dois elementos essenciais do título que têm de ficar em branco quando, como é o caso, se destinam a caucionar um contrato de abertura de crédito, sob pena do título perder toda a sua utilidade, enquanto instrumento de titulação dos créditos emergentes dos ditos contratos, ficando os avalistas, subscritores da livrança em branco, sujeitos ao direito potestativo do portador preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento. Enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a data de vencimento, não se inicia qualquer prazo de prescrição. De qualquer forma, a autora promoveu e subscreveu os acordos dos co-avalistas com a ré para negociar o incumprimento da D… e ao invocar agora que tais negociações fizeram prescrever a sua obrigação age com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum próprio. E caso a autora, como diz, conhecesse desde 2003 a “iminente” situação de insolvência da subscritora da livrança, ainda não decretada, tanto quanto é do conhecimento da ré, poderia ter pago a divida e exercer o seu direito de regresso contra a D… reduzindo assim os riscos de não obter, por esta via, o pagamento, como agora alega. Concluiu pela improcedência da ação. A autora replicou, por forma a afastar a defesa da ré, na parte em que a qualificou por exceção e requereu a ampliação do pedido, neste incluindo para além da declaração de prescrição da livrança, o seguinte: “ser declarada nula como titulo cambiário, por o seu preenchimento já não ser possível e, em consequência e em qualquer caso extinta a obrigação da Autora, como avalista”. A ré triplicou opondo-se à requerida ampliação do pedido - não obstante o considerar mera decorrência do pedido inicial formulado pela autora - porque extravasaria o âmbito da presente ação, uma vez que existem outros responsáveis pelo pagamento da livrança que não são partes nos autos e por se haver tornado inútil a ampliação com o preenchimento, entretanto ocorrido, da livrança facto que é do conhecimento da autora. 2. Foi admitida a ampliação do pedido, proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e condensado o processo com factos provados e base instrutória. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sem reclamações, foi exarado despacho que respondeu à matéria de facto, por escrito, as partes alegaram de direito e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência, declaro que se encontra prescrita relativamente à Autora a acção cambiária da livrança identificada na petição como documento nº 6, emitida à ordem da Ré em 94/03/04, subscrita pela D…, S.A., e avalizada, entre outros, pela Autora.” 3. O recurso. É desta sentença que a ré interpõe recurso, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. O pacto de preenchimento estipula que: "Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente, a mutuária e as 2ªs contratantes entregam à C… uma livrança em branco subscrita pela primeira e avalizado pelas segundas e autorizam desde já a C… a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pelo mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito (…)". 2. As partes interpretaram corretamente o sentido de tal cláusula, conforme decidido na sentença recorrida, ou seja, que "desde que houvesse incumprimento da obrigação subjacente, a Ré poderia preencher a livrança quando assim entendesse". 3. O incumprimento funcionava, no caso, como condição suspensiva para o preenchimento da livrança, pelo que ocorrendo este, o termo inicial para o preenchimento iniciava-se "quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…". 4. Atento o estipulado pelas partes no contrato em causa, não se vislumbra de que forma foi alterado ou dificultado o decurso dos prazos legais de prescrição. 5. De facto, ambas as situações se encontram previstas no art. 306.º, a que sentença faz referência, mas no n.º2, que não foi atendido na mesma. 6. A conclusão da sentença assenta, desde logo, numa incorreta natureza do pacto de preenchimento. 7. A sentença menospreza, em absoluto, a natureza abstrata do título de crédito, considerando que o seu cumprimento, e, em decorrência, o prazo de prescrição de obrigação cambiaria, se encontra ligada à relação subjacente, mesmo que esta seja o pacto de preenchimento. 8. O art. 10.º da LULL permite aferir tão-só o preenchimento em face do acordo de preenchimento, para determinar a sua observância ou não, pelo que tudo o que ultrapasse este âmbito viola, inequivocamente, a abstração do título letra. 9. Como são doutrina e jurisprudência pacíficas, enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a respetiva data de vencimento, não se torna eficaz, não podendo ser, designadamente, acionados os avalistas. 10. Como só então se torna eficaz, só então se pode iniciar a contagem do prazo prescricional. 11. Não sabendo o "quanto" e o "quando" da dívida, o montante da letra e a sua data de vencimento são os dois elementos essenciais do título que terão de ficar em branco. 12. O portador de uma livrança em branco só a pode preencher em caso de incumprimento mas só a deve preencher quando pretende acionar os devedores, sob pena de correr o risco de a livrança prescrever em relação a estes. 13. Perante o incumprimento da mutuária e a não regularização extrajudicial da dívida, a Recorrente preencheu a livrança, fixando a data de vencimento para o que tinha mandato. 14. Mas só o pôde fazer quando esgotou ou meios extrajudiciais para cobrança do seu crédito, designadamente após ter concluído que as negociações encetadas com os devedores, o que só ocorreu em 2009, ainda que não diretamente com a aqui Recorrida, mas que delas tinha conhecimento, como provado nos autos. 15. Assim, se a Recorrente tivesse de preencher a livrança no prazo de 3 anos após o cumprimento, como pretende a sentença, certamente muitas negociações ficariam impedidas ou prejudicadas. 16. A afirmação que o portador de uma livrança em branco tem de a preencher no prazo de 3 anos a contar do incumprimento da relação subjacente, não tem qualquer base legal, ou seja, o prazo inicial da prescrição da ação cambiaria conta-se da data de vencimento da livrança e não de qualquer outra data. 17. Como consta do pacto de preenchimento, o Recorrente autorizou a Recorrida a preencher a livrança quando tal se mostrasse necessário, a seu próprio juízo, no que concerne à data de vencimento e à importância da livrança. 18. Não resulta, pois, do acordo das partes que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha de ser inserida uma determinada data de vencimento. 19. Igualmente não resulta da LULL qualquer prazo para o preenchimento de livrança entregue sem data de vencimento preenchida. 20. Bem ao invés do que foi considerado na sentença recorrida, o art. 306.° não impõe tal solução, pois que sempre o n.° 2 prevê a solução de o prazo se iniciar apenas e só quando ocorrer o termo inicial para o preenchimento, acordado entre as partes, após a verificação do incumprimento - "quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…" 21. E tal acordo, ao contrário do que vem invocado na sentença, não resulta o efeito de "deixar inteiramente na mão do credor a possibilidade de preencher o título, sem dependência de qualquer prazo, após a data do incumprimento do obrigação subjacente". De facto, corno a obrigação subjacente está sujeita a um prazo prescricional no máximo de 20 anos, nunca ao Recorrente poderia executar o avalista "sem dependência de qualquer prazo". 22. E não deixa de ser contraditório que a sentença, que faz tábua rasa da abstração do título, esqueça agora a relação subjacente e o seu prazo prescricional para fazer esta afirmação. 23. Ao decidir como decidiu, a sentença violou, pois, o n.º 2 do art 306.º do CCivil. 24. Tal acordo não viola o art. 300º do CCivil, pois em nada contende com os prazos prescricional, que continua a ser de 3 anos, nem dificulta as condições em que a prescrição opera os seus efeitos. 25. Ao abrigo do disposto no art. 70º da LULL, as ações contra os avalistas relativas a livranças prescrevem no prazo de três anos a contar do seu vencimento, pelo que quanto a este prazo nenhuma modificação ou obstáculo foi introduzida pela cláusula do pacto de preenchimento em apreço. 26. O prazo para a Recorrente acionar os avalistas não foi alterado. A Recorrente sempre teria 3 anos a contar da data de vencimento da livrança para intentar a ação competente, sob pena de prescrição. 27. A sentença interpretou erradamente a última parte do art. 300.º, ao considerar que o pacto em causa impedia o início da contagem do prazo de prescrição. 28. Se a norma pudesse ter tal interpretação, a mesma era contraditória com o n.º 2 do art. 306.º, interpretação que tem que ser afastada ao abrigo do disposto no art. 9.o, nº3 do CCivil. 29. Esta parte da norma tem o seguinte sentido: "De acordo com o preceito são nulas, não apenas as convenções entre as partes que encurtem ou alarguem prazos prescricionais, como também aquelas que modifiquem o modo como a prescrição corre, as causas de suspensão ou de interrupção" (Júlio Gomes, ob.. cit. pág. 743), sendo que o acordo em causa não se insere em nenhuma destas situações. 30. Atente-se ainda em que a doutrina exclui desta norma o pactum de nom petendo, que "não representa uma violação deste preceito já que a prescrição só começa a correr a partir da verificação do termo prevista no pacto" (Júlio Gomes, ob. cit., pág. 744). 31. A tese da sentença, a ser aceite, o que se admite por mera cautela de patrocínio, estaria a tutelar o abuso de direito da Recorrida. De facto, esta soube das negociações em curso, soube que foi o arrastamento destas que levou a que a livrança só fosse preenchida na data em que o foi, não se apresentou a pagar a divida, mas agora, aproveitando-se de todos estes factos, vê um tribunal reconhecer-lhe um direito que não tem. 32. De facto, a Recorrida sabia que a dívida estava vencida, é devedora solidária, devia tê-la pago, mas, ao invés, esperou que o tempo decorresse, aproveitando-se das negociações de outro devedor com a credora, para depois vir invocar a prescrição. E aqui é que radica o abuso. 33. Há aqui uma atuação em prejuízo de terceiros, contrária a normas e princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. 34. A sentença procede a uma total inversão de valores: não é o devedor que tem a obrigação de pagar a tempo e horas, é o credor que tem que o demandar celeremente. 35. Em suma, o favor debitoris foi aqui utilizado ao arrepio de tudo o que a área em que encontramos - Direito Comercial e Direito Bancário - propugnam. Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido por V. Exas. deve conceder-se provimento ao presente recurso, fazendo-se a costumada JUSTIÇA!» O autor contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida. Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Objeto do recurso. Considerando as conclusões da motivação do recurso, importa decidir se se verifica a prescrição da ação cambiária contra a autora/avalista, fundada na livrança que deve ser paga à ré. III. Fundamentação. 1. Os factos Sem impugnação, a decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: A) A sociedade D…, S.A., pediu um financiamento à ré C…, S.A., por contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria, importação e/ou exportação, celebrado em 3 de Março de 1994, considerado perfeito 11 de Março de 1994, alterado em 20 de Maio de 1994 (1ª alteração), alterado em 18 de Maio de 1995, considerado perfeito em 22 de Maio de 1995 (2ª alteração), alterado em 12 de Agosto de 1996, considerado perfeito na mesma data (3ª alteração), conforme documento constante de fls. 23 a 45, cujo teor se dá por reproduzido.- B) O referido contrato, após as suas alterações, estipula o valor da abertura de crédito em Esc.: 350.000.000$00 (trezentos e cinquenta milhões de escudos).- C) A referida D…, na execução do referido contrato de abertura de crédito em conta corrente, esgotou o referido crédito.- D) O crédito concedido pela Ré à D… era pelo período de 6 meses, renováveis.- E) No contrato de abertura de crédito referido em A), e para garantia do mesmo, foi subscrita uma livrança em branco, onde apenas consta a data de emissão de 94/03/04, o nome da subscritora D… e o nome dos avalistas E…, SA., B…, Ld.ª e F…, Ld.ª, conforme documento constante de fls. 57 a 59, cujo teor se dá por reproduzido.- F) A Autora deu o seu aval na referida livrança.- G) A Ré enviou cópia à autora da referida livrança em branco em 14 de Maio de 2009.- H) Por carta de 17 de Dezembro de 2003, a Ré referiu que os débitos da D… seriam liquidados assim que fosse formalizado o processo de reestruturação financeira do Grupo E…, conforme documento constante de fls. 56, cujo teor se dá por reproduzido.- I) Na cláusula 4.ª da 3ª alteração ao contrato referido em A), a Ré reservou o direito de preencher a livrança “quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…”, estipulando na al. a) da referida cláusula 4.ª que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento”.- J) A livrança foi considerada vencida pela Ré C… e, assim, exigível a obrigação cambiária da avalista autora.- L) Em execução do Dec-Lei n.º 204/2008, de 14 de Outubro, referente à centralização das responsabilidades por crédito concedido, a Ré considerou em cobrança da autora a aludida dívida.- M) A Autora nunca foi interpelada para pagar, pela intervenção do avalista E…, que se prontificou ela própria a pagar.- N) Tal livrança foi entregue à Ré em caução do crédito concedido à sociedade D…, por contrato celebrado em 11/3/1994, pelo período de seis meses, automaticamente renovado por iguais e sucessivos períodos, “a menos que a C… ou a 1ª contraente, denuncie o contrato por escrito, e com, pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao prazo que estiver em curso” (cláusula 4ª).- O) A Autora e os restantes avalistas autorizaram a Ré a “preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito (...)”.- 1) A sociedade D…, S.A., funcionava como central de compras nos mercados externos, predominantemente de bananas, com destino aos seus acionistas- 2) As sociedades E…, SA e F…, Ld.ª. serviram-se da D…, para financiarem a sua própria tesouraria e procederem, por seu intermédio, às importações de banana e outras frutas.- 3) Com referência ao exercício de 1999, a E…, SA devia à D… a quantia de esc.263.411.000$00 e a F… a quantia de esc.130.774.000$00.- 4) As referidas empresas nunca regularizaram os seus débitos com a D….- 5) As referidas E…, SA e F…, Ld.ª., obrigaram-se a regularizar perante a D…, os débitos desta perante a C….- 6) Desde 2001, as relações comerciais da D… faziam-se quase exclusivamente com a E…, SA e a F…, Ld.ª. 8) Em 2003, a D… não vinha a regularizar os seus débitos por créditos à importação de bananas com a Ré C…, tendo esta acordado com o grupo E… que tal liquidação de débitos seria efetuada assim que seja formalizado o processo de reestruturação financeira do Grupo. 9) Com a reestruturação do grupo E… têm vindo a ser pagos à C… outros débitos que não os da D…. 10) O crédito da C… sobre a D… é derivado de financiamentos à importação de bananas. 11) Nas reservas ao relatório e contas de 2003, o ROC Dr. G…, denunciou o risco de incumprimento, colocando um cenário de eventual dissolução da D…, e índice que a situação de incumprimento existente perante a C… seria objeto de negociações entre os devedores daquela e a própria Ré, no sentido destes assumirem as referidas dívidas, negociações estas não concretizadas. 12) O ROC, na referida certificação de contas, refere: “Dada a relevância e significado dos efeitos das situações descritas, não estamos em condições de expressar, e não expressamos, uma opinião sobre as demonstrações financeiras”. 14) Os administradores da F…, Ld.ª e E..., SA serviram-se da sua qualidade de também administradores da D… para usarem esta para financiar as suas próprias empresas. 15) Pelo menos desde 2004, a Ré sabia que a situação de incumprimento da D… era muitíssimo grave e calamitosa a sua situação financeira. 16) Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da D… é grave, não tendo a Ré C… qualquer possibilidade de dela receber o seu crédito. 17) Pelo menos desde 2004, a D… vive quase sem movimento ou atividade. 18) O Grupo de E…, SA. está em liquidação, procedendo à venda das suas lojas e sociedades em que tem participações sociais, com o que tem vindo a pagar outros débitos à Ré. 22) A informação do facto referido em L) circulou nos meios bancários, através do Banco Portugal. 26) O contrato referido em A) deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31.10.2004. 27) O pacto de preenchimento da referida livrança foi entregue em branco, exceto no que respeita à data de emissão, permitindo à R. preenchê-la em caso de incumprimento. 28) Têm ocorrido negociações com o denominado “Grupo E…”, a que pertence, entre outras sociedades, a E1…, SA. 30) Tais negociações são do conhecimento da A.. 31) A A. nunca se opôs a tais negociações. 32) De tais negociação resultou a amortização parcial de dívidas do Grupo E… à Ré, através da venda de imóveis onerados com hipotecas, tendo as verbas em causa sido canalizadas para amortização das dívidas para garantidas pelos respetivos imóveis. 33) A dívida da D… não tinha qualquer garantia real, pelo que nenhum dos imóveis alienados garantia dívidas da D…. 34) Em 2003 a D… não era proprietária de quaisquer bens imóveis. 2. Direito. “Todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”. É o que decorre do artº 70º (1ª parte), da Lei Uniforme Relativa a Letras e Livranças (LU). Este regime aplicável às livranças ex vi do artº 77º da LU. O aval é uma garantia dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra, escrito na própria letra ou numa folha anexa, que apondo a sua assinatura na face anterior da letra assume responsabilidade idêntica à pessoa por ele afiançada (artºs. 30º a 32º, da LU). A autora avalizou a livrança subscrita pela D… onde apenas consta a data de emissão de 94/03/04, o nome da subscritora e o nome dos avalistas E…, SA., B…, Ld.ª e F…, Ld.ª (alínea E) dos factos provados) e pediu a declaração de extinção da sua obrigação cambiária, por prescrição, argumentando que a ré, à ordem de quem deve ser paga a livrança, não a preencheu em 2003, data em que a subscritora da livrança entrou em incumprimento do contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria, que a livrança se destinou a caucionar, violando assim o pacto de preenchimento. A decisão recorrida acolheu a pretensão da autora mas não os fundamentos; considerou que o pacto de preenchimento não se mostra violado, por resultar deste a faculdade da ré preencher a livrança para efeitos de realização coativa do respetivo crédito, sem qualquer limitação temporal mas que um acordo de preenchimento com esta latitude é nulo, por força do disposto no artº 300º do Código Civil, uma vez que “tem indiretamente por efeito modificar o prazo legal da prescrição (pois ao impedir o início da contagem do prazo, prorroga necessariamente o seu termo) ou, no mínimo, dificulta as condições em que a prescrição opera os seus efeitos (pois necessariamente retarda o termo do prazo de prescrição”, que “a obrigação cambiária podia ser exercida desde 31/10/2004 (que foi a data em que ocorreu o incumprimento da obrigação que a livrança garantia) e que é a partir desta data que começou a correr o prazo, de acordo com o artº 306º, nº1, do Código Civil, norma imperativa e, como tal inderrogável por acordo das partes, terminando por declarar prescrita a obrigação da autora, por se haver completado o prazo de prescrição da ação cambiária. Sem prejuízo de acompanharmos a decisão recorrida quanto às considerações de ordem geral sobre a inderrogabilidade do regime da prescrição, por decorrer da lei (artº 300º, do Cód. Civil), estamos em crer que as razões nela apontadas para concluir pela prescrição da ação cambiária são afastadas por este mesmo regime. É que a lei permite, no caso de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial, que o prazo da prescrição comece depois de a condição se verificar ou o termo se vencer (artº 306º, nº2, do Código Civil), o que significa designadamente a inexistência de qualquer limitação à vontade das partes de clausularem que os efeitos do negócio jurídico só comecem a partir de um certo momento e que seja este o relevante para efeitos do início da prescrição sem que, com isso, por expressa permissão legal, se mostre violado a inderrogabilidade do regime da prescrição; subordinando as partes o início da prescrição designadamente a termo inicial, não modificam os prazos legais da prescrição, nem facilitam ou dificultam as causas de suspensão ou interrupção da prescrição, ou seja, o modo como a prescrição corre, núcleo inderrogável do regime (artº 306º, do Cod. Civil); uma coisa são as condições para o exercício do direito, coisa diferente é o prazo para o seu exercício ou, mais concretamente, o momento a partir do qual, reunidas aquelas condições, o direito pode ser exercido. A decisão recorrida não atentou, a nosso ver, nesta distinção e, como tal, impõe alguma correção. A livrança é um título formal; um escrito, para valer como livrança, deverá conter os requisitos enumerados no artº 75º e 76º da LU. Mas a lei admite a livrança em branco, ou seja, que lhe faltem requisitos essenciais, necessário é que contenha, pelo menos, uma assinatura feita com a intenção de contrair uma obrigação cambiária. “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido falta grave” (artº 10º, aplicável às livranças ex vi do artº 77º, ambos da LU). Para usar as autorizadas palavras de Ferrer Correia: “Pode, deste modo, uma letra ser emitida em branco; é óbvio, porém, que a obrigação que incorpora só poderá efetivar-se desde que no momento do vencimento o título se encontre preenchido. Se o preenchimento se não fizer antes do vencimento, então o escrito não produzirá efeito como letra (…)”.[1] Emitida uma letra ou livrança em branco a pessoa à ordem de quem deve ser paga tem o direito de a preencher nos termos acordados, ou seja, de acordo com o pacto de preenchimento e é com o preenchimento que nasce a obrigação cambiária ou, pelo menos, é neste momento que se torna eficaz.[2] O que é válido para os avalistas; “o subscritor do título cambiário, ao emiti-lo, atribui ao portador a quem o entrega o direito de o preencher de harmonia com o convencionado a tal respeito”.[3] No caso dos autos, a autora deu o aval à subscritora da livrança contendo esta apenas, para além da palavra livrança[4], a data de emissão de 4/3/1994, o nome da subscritora e o nome dos avalistas (alínea E) dos factos provados). O escrito não contém nem a quantia determinada, nem época do pagamento, requisitos indispensáveis para produzir efeitos como livrança (artº 75º, da LU). Assim, seja porque inexiste ainda a obrigação cambiária da autora, seja porque esta, existindo, não é eficaz, a obrigação não se mostra prescrita porque o direito ainda não pode ser exercido e é só a partir do momento em que o direito pode ser exercido que começa a correr o prazo da prescrição (artº 306º, nº1, do Código Civil); no caso da livrança, a prescrição conta-se a partir da sua época de vencimento (artºs 70º, 75º e 77º, todos da LU) e permanecendo esta em branco à data da entrada da petição em juízo, o prazo de prescrição ainda não se havia iniciado o que obsta à sua pretensa completude. E a livrança também não pode haver-se por pagável à vista por lhe faltar, como dito, a indicação da quantia determinada, o que impede o escrito em causa de produzir efeitos como livrança. Certo que a ausência de prazo legal para o preenchimento da livrança ou da letra que não contenha a menção da época de pagamento e da quantia determinada, coloca o problema da prescrição da respetiva ação cambiária; e é esta questão que constitui o cerne da ação. Mas a jurisprudência tem sido uniforme quanto a este juízo, considerando que enquanto a letra ou a livrança não for preenchida e nela inserida a data do vencimento, não se inicia a contagem de qualquer prazo de prescrição.[5] A autora iniciou por pedir a prescrição da livrança mas, certamente por reconhecer estas dificuldades, veio, na resposta à contestação, alterar o pedido, por forma a declarar-se nula a livrança por o seu preenchimento já não ser possível, assim colocando a questão do seu putativo preenchimento abusivo. Decorre dos factos provados que a livrança se destinou a garantir o contrato de abertura de crédito celebrado entre a ré e a D… e que a autora e os restantes avalistas autorizaram a ré a “preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente o seguinte: a) A data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito (...)”.- cfr. als. A), E) e O) dos factos provados. É este o acordo de preenchimento da livrança que, no caso, se prova haver sido celebrado entre a ré, pessoa a quem deve ser paga a livrança, a subscritora D…, a autora e demais avalistas; as partes divergiram e divergem na interpretação deste acordo; no dizer da autora, a ré mostrava-se vinculada a preencher a livrança em caso de incumprimento do contrato de abertura de crédito pela D…, tal incumprimento ocorreu em 31/10/2004, data em que a livrança se tornou exigível e se iniciou a contagem do prazo da prescrição; no entender da ré, desde que houvesse incumprimento da obrigação subjacente, poderia preencher a livrança quando entendesse. A decisão recorrida consignou, a propósito, o seguinte: “A interpretação do pacto de preenchimento não oferece dúvidas no sentido de autorizar a Ré a preencher a livrança só após o incumprimento da obrigação subjacente (“em caso de incumprimento”) – nem de outro modo faria qualquer sentido. Mas a questão não é a partir de quando é que a livrança podia ser preenchida, mas sim até quando o poderia ser. Ora, é usada uma conjunção alternativa (ou) relativamente à situação de incumprimento: ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito. Uma vez que não faz sentido que a livrança seja preenchida se não houver incumprimento da obrigação subjacente, a referida conjunção alternativa só pode querer significar que o preenchimento tanto podia ocorrer no momento do incumprimento como no momento em que a Ré quisesse obter coercivamente a obrigação. (…) Esta é a interpretação que corresponde ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição dos outorgantes do pacto de preenchimento (a Ré, a D…, a Autora e os restantes avalistas) deduziria do aludido texto – cfr. o disposto no Artigo 236º, nº 1, do Código Civil. Em consequência, não se pode concluir que, de acordo com o pacto de preenchimento, a livrança não possa ser preenchida oportunamente pela Ré (se é que o não foi já entretanto) para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito.” Acompanhamos este segmento da decisão recorrida; a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (artº 236º, nº1, do Cód. Civil), ora, as partes acordaram que a livrança seria preenchida “quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, tendo em conta nomeadamente” que “a data de vencimento será fixada pela C… em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito”. O incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas é uma condição necessária do preenchimento da livrança, mas não determinante ou, porventura com mais clareza, verificado o incumprimento da relação subjacente a ré podia mas não estava obrigada a preencher a livrança; para um declaratário normal colocado na posição da ré, a declaração tem também o sentido do preenchimento da livrança poder ocorrer quando tal se mostre necessário, a juízo da própria C…, para efeitos de realização coativa do respetivo crédito. A obrigatoriedade da ré preencher a livrança na data do incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas, como defende a autora, não encontra, a nosso ver, apoio na convenção de preenchimento, por supor a sua injustificada abrogação parcial; de acordo com este, como dito, a livrança pode ser validamente preenchida, a juízo da ré, para efeitos de realização coativa do respetivo crédito e uma vez verificado o incumprimento da relação subjacente pela subscritora, segmento que a interpretação da autora elimina. A interpretação da cláusula de preenchimento que se corrobora é justificável na relação contratual duradoura – contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria – cujo débito a livrança se destinou a titular e não sacrifica desproporcionadamente os interesses da autora, pois esta, como se anota nos autos e se escreveu no Ac. STJ de 12-11-2002[6], se pretendia pôr termo à obrigação de duração indeterminada a que se vinculou pela assinatura da livrança em branco, bem podia - e para tanto gozavam de inteira liberdade de acção - ter notificado o Banco para proceder ao preenchimento e aposição de data de vencimento em data anterior assim fazendo antecipar o início do prazo prescricional da obrigação cambiária. Assim e ainda que a ré venha a preencher ou haja preenchido (como ex novo se afirma no recurso) a livrança em data posterior à entrada da petição em juízo, não se reconhece que, por esta razão e ao contrário do defendido pela autora, exerça de forma ilegítima o seu direito. Não se reconhece, pois, a apontada impossibilidade contratual do preenchimento da livrança, o que acrescido do demais exposto determina a procedência do recurso e com esta a revogação da decisão recorrida. Sumário (da responsabilidade do relator – artº 663º, nº7, do CPC): I - A livrança em branco é prescritível no prazo referido no artº 70º, ex vi do artº 77º, ambos da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. II - Enquanto a livrança não for preenchida e nela inserida a data de vencimento, não começa o prazo de prescrição da obrigação cambiária. III – Os avalistas da livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento. IV. Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida e, em consequência, em julgar a ação improcedente. Custas pela recorrente. Porto, 24/3/2015 Francisco Matos Maria de Jesus Pereira Maria Amália Santos ___________ [1] Lições de Direito Comercial, 1975, vol. III, Letra de Câmbio, pág. 134. [2] Cfr, Abel Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, 5ª ed., págs. 86 e 86 e doutrina aí citada. [3] Cfr. Ac. STJ de 22/10/2003, disponível em www.dgsi.pt [4] Cfr. fls. 58 dos autos. [5] Para além da jurisprudência já anotado nos autos mencionam-se, a título de exemplo, o Ac. STJ de 22/5/1962, Bol. 117º-623, cit. por Abel Delgado, ob. cit., pág. 87. e os Acs. STJ de 30/9/2003 (este já citado), de 29/11/2005 e de 5/12/2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [6] Disponível em www.dgsi.pt